BVA – Biblioteca Virtual da Antroposofia
TEXTOS DE RUDOLF STEINER
GA 171 – Dornach, 15 de outubro de 1916
IMPULSOS DE UTILIDADE – Leitura 2
Utilitarismo e Sacramentalismo
Meus queridos amigos: – A separação que existe hoje entre o Éter da Vida e os elementos terrenos ainda não existia na era greco-latina, porque naquela época eles estavam muito mais intimamente unidos. Como você sabe, o elemento terreno só existe no corpo do homem até 6 por cento. 90 por cento do corpo do homem é água; e então vocês vêem, o homem é, realmente uma coluna de água. No curso da evolução, o Éter da Vida retirou-se, por assim dizer, dos elementos terrestres e, assim, tornou-se possível que as Imaginações espirituais livres surgissem na alma do homem através do Éter da Vida e os elementos sólidos terrenos então existem no corpo do homem como uma base para apreender essas Imaginações.
Agora, com a ajuda e a aplicação de certos métodos internos, podemos mostrar que esses fatos estão corretos. Uma estátua ou drama grego, ou mesmo um poema de Homero não é compreensível sem algo a mais, porque naquela época a relação entre o corpo etérico e os elementos terrestres era bem diferente da que existe hoje. Qualquer pessoa que trabalhe com métodos ocultos sabe que uma pessoa que vivia naquela época era bem diferente de um homem de hoje. Quem experimenta, por exemplo, o que Goethe experimentou na Itália, – sabe que os gregos criaram da Natureza de uma forma secreta, absolutamente estranha à humanidade hoje.
Sem algo mais, nem mesmo é possível compreender os elementos da civilização grega. Se alguém realmente tentar penetrar nos elementos da civilização grega, até mesmo em sua filosofia, deve-se realizar aquela fina união interna entre o corpo etérico e os elementos terrestres; e então descobrimos que nosso corpo etérico flui através de todo o organismo – vemos as cores de maneira bem diferente, sentimos o calor de maneira bem diferente, sentimos tudo ligado à vida da alma de uma maneira absolutamente diferente da que sentimos hoje. Então, finalmente, podemos compreender figuras como Ésquilo, Sófocles, Heráclito e até mesmo Aristóteles.
Como já disse, os gregos viam as cores de maneira bem diferente; o azul era então muito mais complicado – era uma espécie de véu escuro que tinha escuridão absoluta por trás dele. Camadas eram então muito complicadas. Um objeto quente, por exemplo, parecia como se algo estivesse se espalhando por toda a mão quando alguém o segurava. Você pode entender que os gregos vivenciaram todo o mundo da natureza de uma maneira diferente da maneira como é vivido hoje. Se entendermos isso, podemos entender como os gregos falavam de forma diferente sobre as cores do que agora. A evolução avançou desde então e se expressa nos mais diversos impulsos.
Agora, a menos que alguém tenha Ciência Espiritual por trás de si, é forçado a viver nas polaridades. Isso é de grande importância para a civilização externa, porque essas polaridades atuam tanto no inconsciente quanto nas faculdades conscientes do homem. Como você sabe, no Ocidente existe um esforço para atrair o espiritual a serviço da existência física puramente externa, da qual dei um exemplo chocante no Bureau of Julia de William Stead.
Praticamente essa direção foi seguida integralmente pelo Espiritismo, que busca apreender o espírito de forma material. A ciência comum é muito mais adaptada para isso – então é o verdadeiro trabalho e tecelagem do espírito no mundo externo no entendimento da Ciência Espiritual. Quando os cientistas investigaram essas coisas, muitas vezes mostraram isso de forma tão simples, não menos simples do que os leigos comuns. Um cientista relata o que experimentou com os médiuns, mas podemos ver como ele então se deixou enganar; houve um belo jogo de conjuração diante dele que ele não entendeu – e muito menos entendeu o médium. Esses médiuns costumam ser muito mais espertos do que a média das pessoas eruditas de hoje, porque para eles se trata de uma inteligência subconsciente. Você vê que o mesmo princípio de utilidade atua em todas essas esferas.
No Ocidente, as pessoas buscam segredos relacionados ao nascimento, à hereditariedade e assim por diante. O mesmo princípio de seleção natural que encontramos no darwinismo é aplicado ao próprio homem. Acho que esta aplicação se chama eugenia, e discute-se a questão de como o homem saudável pode encontrar uma esposa saudável, a fim de produzir uma linhagem mais saudável de descendentes. Até a psicanálise está sob a influência das mesmas forças impulsionadoras; – a psicanálise, que busca tirar certos complexos do organismo humano, conta principalmente com as relações sexuais ou com as relações de poder. Mas por trás de todas essas coisas existem elementos espirituais.
Por meio deles, a pessoa entra em contato com certos seres espirituais que estão trabalhando por trás da existência. Esses seres têm um poder unilateral, ou seja, pensamento, raciocínio; e procuram formar uma união com as forças impulsionadoras inferiores do homem. Esses seres atraem forças para os desejos inferiores do homem, sexuais e outros; e por meio deles as faculdades mais baixas do homem são estimuladas. Assim, vemos que a Psicanálise vem sob os estímulos de seres que excitam a natureza inferior do homem.
Eles dirigem sua atenção para os impulsos da natureza inferior, e daí surgiram os experimentos que procuram explicar tudo desde o aspecto dos desejos inferiores do homem – desde Freud até o maior, mais significativo e mais espiritual: Laurence Oliphant, nascido em 1822. Em seus livros “Sumpneumata” ou “Forças evolucionárias agora ativas no homem”, 1884 e “Religião científica”, embora essas forças sejam simpáticas e purificadas, toda a História Mundial é voltada para um aspecto sexual. Pode-se aprender muito com esses livros extraordinários, mas apenas um pólo é expresso neles.
Não é uma tentativa de emergir dos poderes normais do homem para um mundo espiritual, mas apenas uma tentativa de desenvolver todos os impulsos em direção aos fenômenos. Daí pode surgir esse caráter místico materialista da vontade, que se expressa na tentativa de ascensão ao mundo espiritual, não de forma normal, mas colocando tudo a serviço da utilidade. Dessa forma, procura-se satisfazer o espírito de outra maneira.
Agora, nas Irmandades ocultas, na Maçonaria e assim por diante, a tentativa é feita para inserir o outro pólo, o simbolismo e o cerimonialismo – aquele que permaneceu oculto através das raças decadentes de tempos anteriores. Agora, na alma de H.P. Blavatsky, foi derramado um elemento indiano dessa natureza, depois que ela foi rejeitada pelos ocultistas no Ocidente porque ela os exigiu muito e, portanto, foi excluída. Nas Irmandades esse acoplamento do que é herdado de outras épocas com o que existe como limitação aos princípios nacionalistas tem por objetivo a conquista do poder. Nessas irmandades, é uma questão de ganhar poder.
Este impulso é então colocado também a serviço deste mundo inferior. É usado dentro das Irmandades para desenvolver poder, e não para um conhecimento doador de saúde. Agora, se uma pessoa ficou em conexão com civilizações anteriores, ela fala de maneira bem diferente de alguém que adquiriu conhecimentos antigos por meio de irmandades ocultas. Conseqüentemente, Ku Hung Ming é muito mais perspicaz do que esses europeus; ele é um chinês educado, no auge da cultura chinesa. Ele absorveu em sua alma a substância tibetana.
Os chineses são descendentes das últimas fases da evolução atlante, e o que está neste livro de Ku Hung Ming é realmente uma reminiscência disso, mesmo que o livro apareça em tradução. Ku Hung Ming está em uma posição bastante diferente da européia de hoje. Ele vê certas coisas com muito mais exatidão do que nós, portanto, muitas coisas em seu livro são dignas de consideração, porque ele é muito menos preconceituoso do que muitos europeus. Ku Hung Ming traça um limite nítido entre pessoas incultas e instruídas. Veja, na China, o meio-educado não fica no meio; um homem é educado ou não é.
Esse limite acentuado desapareceu na Europa; começou a desaparecer quando o latim não era mais uma língua apenas para os instruídos – e Ku Hung Ming tem um olho afiado para coisas como esta. Ele tem um capítulo interessante sobre a linguagem, no qual distinguiu entre a linguagem que se escreve e a linguagem que se fala; e ele descreve como este estado meio educado pertence à Europa. Na verdade, não foi o militarismo a causa da guerra, mas sim este grande reino de pessoas sem instrução que representam o perigo para a nossa civilização na Europa de hoje. Por exemplo, uma pessoa meio educada falará sobre coisas como materialismo, civilização e assim por diante, sem entendê-los. Se alguém ler este livro interessante de Qo Ho Ming, poderá ver que seu intelecto funciona de maneira bem diferente do nosso. Com boa vontade, ele faz uma citação de Carlyle:
“O policial trabalha a 15$ por semana e ele é necessário para o ordenamento da sociedade. Por que o policial não se torna um Anarquista, para o qual ele tem tendência? Porque o conceito de honra que se injeta nele preconiza outras pessoas: elas exigem o policial, mas ele não exige. Um milionário não está seguro sem esse valor de `15$’. Ele é necessário para a proteção de quem possui, e isso também é injetado nele. E assim vemos como a civilização europeia se baseia no engano.”
Ku Ho Ming deixa cair aí um julgamento que vale a pena considerar. É preciso que os europeus prestem atenção a este chinês, que realmente está considerando muito bem a natureza humana; o julgamento de um homem atávico pode ser muito menos preconceituoso do que o julgamento de um homem aqui no Ocidente. O homem do segundo pólo se esforça para conquistar aquilo que é mais elevado para o homem do primeiro pólo. No primeiro pólo, é a utilidade que vale – Utilidade, o deus do verdadeiro burguês; no segundo pólo, é o Sacramentalismo que é valioso – Sacramentalismo em seu escopo mais amplo. É preciso ver a realidade do aspecto espiritual.
Esse segundo pólo ainda está em um processo mais inicial, mais simbólico, ele observará o mundo de tal forma que buscará conexões espirituais por trás da aparência externa. Esse segundo pólo leva ao ambiente de seres espirituais, mas em direção ao reino de seres espirituais cujos poderes e forças inferiores estão relacionados aos poderes superiores do homem, e procuram arrancar os poderes superiores do homem de sua natureza inferior. É preciso ter em mente que o homem está em conexão tanto com forças suprassensíveis quanto sub-sensíveis, enquanto vive no mundo dos sentidos.
Sabemos como os seres enviam suas forças para uma região sub-sensível. No sacramentalismo, por exemplo, nas ações simbólicas, há fluxos de forças de um mundo suprassensível para um mundo sub-sensível. O outro impulso polar que leva a alguém se relacionar com seres especiais aliados aos poderes inferiores do homem leva à sexualidade na Psicanálise. É desagradável entrar em mais detalhes. Uma síntese deve surgir na união dessas duas unilaterais, desses dois pólos, enquanto se aprende a superá-los. Deve-se desejar vencer as forças da natureza sacramentalmente.
Esses impulsos polares estão afetando tudo hoje sem que o homem saiba, e o segundo pólo, o pólo do sacramentalismo, tantas vezes brilha no primeiro pólo, o do utilitarismo. Se voltarmos a H. P. Blavatsky, ela partiu daquele segundo impulso que a impeliu para o lado sacramental. O primeiro impulso, entretanto, levou ao materialismo da Sociedade Teosófica, e assim vemos um tornado de ambos os impulsos trabalhando em torno de H. P. Blavatsky.
Rudolf Steiner – GA 171 – Dornach, 15 de outubro de 1916
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 171 – Dornach, 07 de outubro de 1916
IMPULSOS DE UTILIDADE – Leitura 1
Impulsos de Utilidade, a Cultura Ocidental e Oriental, H. P. Blavatsky
Meus queridos amigos, nas palestras que tenho realizado aqui há algumas semanas, procurei mostrar-lhes algumas das coisas que viveram na evolução humana – certas coisas relacionadas com vários impulsos internos que entraram no desenvolvimento moderno da humanidade. Tivemos que voltar muito atrás para encontrar a origem desses impulsos. Procuramos entender como, da civilização atlante, fluíram as relíquias de uma antiga Magia de Mistério Atlante.
Mostramos como, em decadência, essa civilização atlante ainda vivia entre aqueles povos que foram redescobertos na Europa por meio da redescoberta da América. Em seguida, procuramos estudar as relíquias de outro ramo da magia atlante que enviou seus raios e correntes da Ásia para a Europa. E assim, vimos vindo da Atlântida uma cooperação, em certo sentido, entre os pólos oriental e ocidental. A partir desses impulsos que permaneceram da Atlântida, procuramos então nos aprofundar no que diz respeito à natureza da época greco-romana, que, como sabemos, foi uma cópia em certa medida da civilização atlante, embora, claro, em um estágio superior.
E então tentamos entender os dois pólos do IV período pós-atlântico. Ou seja, o pólo da Grécia e o pólo de Roma. Em seguida, tentamos seguir, pelo menos parcialmente, os vários impulsos que foram mais ativos em nossa vida de civilização europeia. Consideramos especialmente aquele impulso que veio para a corrente espiritual da Europa através do fato de que os Templários tiveram que sofrer um certo destino, e que este destino dos Templários que atua tão poderosamente, tão profundamente em nossas próprias almas, evoca forças espirituais para a existência, que continuaram a trabalhar de uma forma espiritual; inspirar, impulsionar, iniciar tudo aquilo que contribuiu para o caminho exterior da história dos povos da Europa.
E então continuamos a rastrear como esses impulsos passam para um material recente. E na última palestra, que vimos no final do século XVIII, dá um colorido peculiar àquelas ideias que na época confundiam o mundo, as ideias de Fraternidade, Liberdade e Igualdade. Muitos dos impulsos que nasceram ao longo dos séculos e fluíram para o desenvolvimento europeu podem ser caracterizados, mas isso deve ser deixado para mais tarde.
Gostaria agora de caracterizar, por meio de alguns impulsos significativos, o caminho de nossa própria vida civilizatória européia, porque é essencial que, por meio de uma observação científica espiritual, se aprenda a conhecer cada vez mais profundamente as peculiaridades de nossa época, a época em que estamos hoje. É importante para nós sabermos como nosso próprio tempo é determinado por aquela estrutura espiritual especial do século XIX. Neste século XIX, todos aqueles impulsos de que vos falei foram mais ou menos velados, até certo ponto encobertos.
Muitas vezes chamei a atenção para o fato de que, no que diz respeito à evolução da civilização moderna, meados do século XIX foi uma época muito importante; – foi aquela época em que, na 5ª civilização pós-atlântica, algo se tornaria especialmente ativo, algo que o homem conhece e aprende a produzir por meio de seu intelecto na medida em que está vinculado ao plano físico. Devemos deixar isso bem claro para nós mesmos. Com a 5ª civilização pós-atlântica, algo da natureza das forças entra no desenvolvimento pós-atlante que era absolutamente diferente do que ocorria na era greco-latina – na 4ª época pós-atlântica.
Naturalmente, os gregos tinham intelecto (verstand), mas era de uma natureza bem diferente da nossa – nosso próprio intelecto – que passou pela 5ª época pós-atlântica e que, em meados do século 19, realmente entrou em uma crise definitiva. Aquele intelecto que foi desenvolvido na Grécia antiga e que, por exemplo, irradiou em tudo o que os gregos criaram artisticamente, que irradiou em tudo o que os gregos criaram em seus arranjos de Estado (que não eram realmente arranjos de Estado), – esse intelecto que trabalhou através da Filosofia de Platão e Aristóteles, aquele intelecto que então foi atraído para o ser político de Roma era totalmente diferente do intelecto que surgiu em nossa 5ª época pós-atlântica.
Pode-se até provar isso filosoficamente, como tentei fazer no primeiro volume de meu “Enigmas da filosofia”. Com os gregos, suas ideias eram realmente tão existentes que eles as percebiam da mesma forma que hoje podemos ver cores, ouvir sons e ter percepções sensoriais: assim eles podiam experimentar ideias. Agora, com nossa humanidade moderna, o intelecto está separado da percepção externa e atua no ser interno do homem; mas funciona de uma maneira que deve funcionar quando ativada por meio do cérebro ou, em geral, por meio do organismo físico.
Isso gradualmente trouxe um certo estado de coisas: – e, por favor, tenha em mente que, em razão de todo o significado de nossa civilização, tinha que ser assim. A tendência foi se manifestando gradativamente no século XV, por meio desse desenvolvimento intelectual, de permear cada vez mais a vida humana com a cognição puramente materialista e a vida prática com o princípio da mera utilidade, o utilitarismo. Gradualmente, vimos com que necessidade essas coisas se desenvolveram, como surgiram certos impulsos na civilização do Oeste da Europa e, em relação a esses impulsos, questões foram colocadas na esfera da cognição.
Vimos como essas questões diferiam de outras que surgiram, por exemplo, no Leste da Europa. Vimos, por exemplo, como o Ocidente, por meio de uma longa preparação, foi levado na esfera do conhecimento e na esfera prática da vida a impelir o espírito a uma configuração que gradualmente colocava certas questões acima de todas as outras. Vimos como no Ocidente cresceu gradualmente a tendência de estudar o que devo chamar de afinidade de todos os seres; e, no que diz respeito ao homem, de estudar o que se relaciona com o Nascimento do homem e com a Hereditariedade.
Pode-se entender melhor a civilização ocidental (quando está lutando pela cognição) se soubermos que essas questões relativas à afinidade dos seres, e ao nascimento e à hereditariedade, eram dominantes na vida do Ocidente. Disto surgiu, no mundo ocidental em sua ciência da química e da física, a busca da afinidade de diferentes forças da Natureza que eram consideradas modificações de uma força particular da Natureza. Essa tendência então se estendeu a outras esferas; na esfera da Biologia, foi a afinidade de vários animais e plantas que foi investigada; e de tudo isso o próprio homem foi explicado – o homem, como se pensava ter se desenvolvido, de uma existência puramente animal. É preciso dizer: entender o nascimento do homem em sua afinidade com outras criaturas da Terra, foi o culminar dessas questões no Ocidente.
Já a esfera oriental, buscou no domínio do conhecimento outras questões: “O que é o Mal? Qual é o significado do sofrimento no mundo?” Nunca houve tanto pensamento sobre o Mal e o Pecado quanto no Leste da Europa. É claro que nas outras esferas isso também acontecia, mas em nenhum lugar com a mesma intensidade e com o mesmo gênio como no Oriente. Toda a produção literária do Oriente está sob a influência da pergunta: “O que é o Mal?” E as dores que no Ocidente aplicamos aos problemas da afinidade, foram no Oriente aplicadas à investigação do Pecado.
O mesmo pensamento que foi empregado no Ocidente para investigar as conexões naturais do homem físico conforme ele passa do nascimento à existência, foi aplicado no Oriente para compreender a Morte. Esse mesmo esforço é empregado no Oriente para compreender a Morte. “Como o homem se mantém como alma, ao passar pela Morte? O que a morte significa em toda a conexão da vida?” Isso se anunciou como uma questão no Oriente, tão importante para o Oriente quanto a questão sobre a Afinidade natural do Homem e o Nascimento do Homem é para o Ocidente.
Assim como no mundo ocidental podemos provar que esses problemas de nascimento e felicidade estão na base de seu pensamento, podemos mostrar que no mundo oriental, (por exemplo, em Solovieff) podemos dizer que todo o seu pensamento é dirigido à questão do Mal e da Morte. A diferença é apenas esta – que no Ocidente já se percorreu um longo caminho na investigação, enquanto no Oriente eles ainda estão mais ou menos no início. Então, como você sabe, todas essas coisas passaram para a esfera da vida prática, para o arranjo da vida social, – aquelas idéias que buscamos realizar na vida cotidiana, – e se, em certa medida, investigarmos os impulsos mais íntimos na vida do Ocidente, vemos que podemos remeter estes aos pensamentos sobre a Felicidade do Homem.
Basta ter em mente como este pensamento sobre a Felicidade do Homem começa com a “Utopia” de Lord Bacon e a “Utopia” de Sir Thomas More, e vemos como essa mesma tendência de pensamento se desenvolveu nos mais diversos programas sociais que encontraram expressão no Ocidente. É claro que os programas sociais também se expressaram no Oriente, mas pode-se facilmente provar que no Oriente eles surgem de impulsos bem diferentes dos programas sociais do Ocidente.
Tudo isso, assim como a ideia de Liberdade que nos veio a partir da Revolução Francesa, e todas as ideias sociais do século XIX, todas têm por objetivo a Felicidade do Homem. No Oriente, descobrimos como lá (claro que ainda como germe), em vez da Felicidade, é a Redenção que se busca – a libertação interior da alma do homem. Lá existe o desejo de saber como a alma do homem pode se desenvolver para a superação da vida. Compreende-se essa extraordinária interação de impulsos se o mantivermos em mente.
E vimos como até mesmo uma consideração de um tipo um pouco mais elevado, das Vidas escritas de Cristo Jesus, recebeu seu colorido do que está nesses mesmos impulsos e tendências. No Ocidente, temos aquele observador mais característico e inteligente da Vida de Jesus – Jesus considerado apenas como Jesus – assim como alguém pode considerar qualquer outro ser humano, nascido de certa raça, certo clima ou determinada nação. Refiro-me à “Vida de Jesus” de Ernest Renan. Agora, no Oriente, pouco se fala em Jesus, e quando alguém fala de Jesus é simplesmente como um caminho ao longo do qual se pode chegar a Cristo. Você encontra isso fortemente em Solovieff.
Entre esses dois, como eu disse a vocês, (e se alguém tiver um olho para essas coisas, um sentido para o que Goethe chama de fenômeno UR, sabe-se como esses três nomes são escolhidos) – entre esses dois, Renan e Solovieff , lá está – um homem muito mais original e muito mais inteligente do que os outros dois – David Frederick Strauss. Ernest Renan considera apenas o Jesus, Solovieff considera apenas o Cristo; Ernest Renan transformou Jesus em um homem simples, um humano, quase se pode dizer um homem “muito humano”. Agora, com Solovieff, esse elemento humano está completamente perdido. O olhar do homem é dirigido para o mundo espiritual por Solovieff, quando ele considera o Cristo; e ele fala apenas de impulsos morais e espirituais. Tudo com Solovieff é forçado a uma esfera supra-terrena. O Cristo não tem nada terrestre, embora despeje Seus efeitos em uma esfera terrestre.
Entre esses dois está David Frederick Strauss. Ele não nega Jesus – ele admite que tal personalidade vive; mas, assim como Ernest Renan simplesmente e unicamente considera Jesus como homem, para David Frederick Strauss, Jesus só tem significado na medida em que nele Jesus, pela primeira vez, está suspensa a ideia de toda a humanidade.
Tudo o que o homem pode ansiar ou sempre ansiou, dos Mistérios de todas as épocas como a ideia de toda a humanidade, está ligado ao Jesus de David Frederick Strauss. DF Strauss não considera muito a vida terrena de Jesus apenas como um meio para mostrar como na época em que Jesus apareceu, a humanidade teve o desejo de reunir todos os mitos que se referem à soma total da humanidade e de concentrá-los nessa figura. E assim, aquilo que na Vida de Ernest Renan é tão colorido, com D. F. Strauss torna-se um reino de sombras, que apenas procura mostrar como os Mitos dos Séculos fluem todos juntos.
Com D. F. Strauss, Cristo não é uma figura cortada como com Solovieff, mas é a ideia daquilo que vive através de toda a humanidade – aquele Cristo que por milhares de anos se derramou na humanidade e se desenvolveu por meio dela. Com D. F. Strauss, portanto, encontramos apenas uma ideia de Jesus, unida a uma ideia de Cristo. Com Ernest Renan, temos um Jesus pessoal e histórico. Com Solovieff temos um Cristo que é suprapessoal, ainda individual, mas ao mesmo tempo suprahistórico. Ele é suprapessoal, mas individual, porque é um ser fechado em si mesmo, embora, ao mesmo tempo que seja uma personalidade individual, é transcendente. Entre estes dois está DF Strauss, que não tem a ver com uma visão, – uma percepção do elemento pessoal operando em Cristo Jesus, – pois esse elemento pessoal é apenas, por assim dizer, um ponto de apoio para todos aqueles mitos que fluem através humanidade.
Se alguém tiver em mente este esquema obtido de uma observação espiritual da história da Europa, pode-se quase ler diretamente as várias conexões espirituais. Veja, com Ernest Renan, um homem que surgiu eminentemente da civilização ocidental, é uma questão intrínseca entender como um certo país, uma certa raça poderia dar à luz a Cristo Jesus. É uma questão inerente ao nascimento de Jesus. Com Solovieff a questão é especialmente: “O que Cristo significa para a evolução humana? E como pode Cristo salvar o que nasceu no homem como alma, como Ele pode guiá-la novamente através do Portão da Morte?”
E assim, em meados do século XIX, como já vos disse, aquilo que vive esta evolução e que pertence sobretudo ao nosso século XIX, atingiu uma certa crise. Naquela época, foi alcançado o ponto mais extremo pelo qual se pode lutar por meio do desempenho físico e intelectual. No decorrer do século 19, a busca pela felicidade foi gradualmente transformada na busca pela mera utilidade, – o Utilitarismo. É algo que surge sobretudo em meados do século XIX, tanto na esfera do conhecimento como também na esfera da vida: – a busca da mera utilidade.
E isso é algo que perturbou especialmente aqueles que entendem as verdadeiras necessidades eternas da alma humana, perturbou-os especialmente que o século 19 trouxesse uma luta concentrada no princípio do Utilitarismo. Assim, encontramos o Materialismo na esfera do Conhecimento e o Utilitarismo na esfera da Vida Prática. E essas duas coisas pertencem absolutamente uma a outra.
Agora, não estou apresentando essas coisas para criticá-las, mas porque são pontos de transição necessários para a humanidade. O homem teve que passar por esse princípio materialista na esfera do Conhecimento, assim como ele teve que passar pelo princípio do Utilitarismo na esfera da Vida Prática. Tratava-se de como a humanidade deveria ser conduzida no século XIX para transitar da maneira correta por aqueles pontos necessários ao seu desenvolvimento. Portanto, iniciaremos a consideração dessas coisas esta noite a partir de um certo ponto de vista, e então, em uma ocasião posterior, espero entrar nelas mais profundamente.
O conhecimento, especialmente aquele que no Ocidente está, como sabemos, concentrado nos fenômenos do Nascimento e na questão da Hereditariedade, e este foi colocado a serviço do Materialismo, do Utilitarismo. Agora vamos deixar claro para nós mesmos o que realmente aconteceu no pensamento. Como você sabe, surgiu o darwinismo, que estudou o problema do Nascimento do Homem, ou seja, a Origem do Homem a partir de uma sequência de organismos; e o darwinismo tentou popularizar certos pontos de vista bastante definidos.
Sabemos também que algo muito mais espiritual do que o darwinismo já está na “Teoria da Evolução” de Goethe, mas a teoria de Goethe tinha, por ora, que permanecer mais esotérica. E assim, primeiramente, a forma mais grosseira e materialista teve que ser assumida pela humanidade. Sabemos também que nas últimas décadas os alunos mais íntimos do darwinismo tentaram minar o próprio darwinismo em seu colorido materialista. Mas o darwinismo, como realmente entrou no mundo do século XIX, não entrou no mundo porque as investigações da Natureza, porque a própria ciência o tornou necessário – nem mesmo os cientistas naturais sustentariam isso.
Oscar Hertwig, o melhor aluno de Haeckel, afirma que, como os seres humanos só queriam manter no homem os princípios sociais e mercantis da utilidade durante o século XIX, eles transportaram esses princípios até mesmo para o mundo externo. Eles simplesmente queriam um reflexo de seu próprio pensamento, e não foram fatos externos da natureza que forçaram uma visão darwinista sobre a humanidade. Portanto, não é de se admirar que, em uma investigação mais aprofundada, não se encontre mais esses pontos de vista fundamentados. Mas, como seres humanos, chegamos agora ao princípio da Utilidade.
Bem, Darwin também vivia em uma certa corrente que perseguia o princípio da Felicidade, a Felicidade dos Seres Humanos, mas uma corrente que era absolutamente materialista. Darwin chegou muito perto daquela corrente que pertence à doutrina de Malthus. O ensinamento de Malthus partia de uma certa visão definida, uma visão que na Terra, de certa forma, os meios de vida aumentam. Isso significa que a fecundidade da Terra pode aumentar. Mas, lado a lado com esse aumento da fecundidade da Terra, os malthusianos também consideraram o aumento da população da Terra, de tal forma que só se pode considerá-la, se não levarmos em consideração a ideia de reencarnação.
E eles perceberam que a fecundidade da terra – isto é, os meios de sustentação/nutrição – não aumentavam na mesma proporção que o aumento da população. Eles pensaram: o aumento na nutrição segue seu curso de acordo com o número [seqüência] 1, 2, 3, 4, e assim por diante, que chamamos de progressão aritmética; ao passo que o aumento da população acontece de acordo com os números 1, 2, 4, 8 e assim por diante, que como vocês sabem, é uma progressão geométrica. Os discípulos de Malthus, com base nessa visão, desenvolveram as idéias que pensaram que deviam desenvolver, tendo em mente a Felicidade da humanidade na terra. O tempo todo eles tinham diante de si o aumento calculado da população e, do outro lado, uma crescente falta de recursos de alimentação.
Disto procedeu o chamado ideal malthusiano – isto é, o ideal do sistema dos “dois filhos”. Foi dito: Visto que a natureza tem a tendência de impelir os homens adiante geometricamente e para impelir aritmeticamente os meios de alimentação, a população deve ser restringida, o que pode ser feito através do sistema de dois filhos. Agora, com relação a esta aplicação especial do princípio da Felicidade em toda a corrente do Materialismo que se obtém simplesmente estudando as sequências do Nascimento de acordo com um princípio materialista (o que obviamente cegou a humanidade), não precisamos falar mais agora, mas Darwin partiu da certeza do princípio de que para todos os seres que vivem na Terra, os meios de alimentação aumentam em progressão aritmética, enquanto a população aumenta em progressão geométrica, E assim para ele resultou uma certa consequência.
Ele disse: Se as coisas acontecem de modo que os meios de alimentação aumentem a uma taxa de 1, 2, 3, 4 e assim por diante, enquanto a população aumenta a uma taxa de 1, 2, 4, 8, então haverá entre os seres da Terra uma luta inevitável pela existência, e a luta pela existência deve ser um princípio realmente operativo. Então, sobre o malthusianismo – isso significa algo que se destinava absolutamente à vida prática – Darwin baseou seu sistema. Por favor, tenha em mente que Darwin não derivou seu sistema de uma observação da Natureza, mas de uma teoria.
Não foi uma observação da Natureza baseada no Conhecimento que deu impulso a Darwin, mas simplesmente este princípio de utilidade que dizia que, regulando os nascimentos para que a taxa de natalidade não crescesse mais do que a taxa de aumento de nutrição – podia-se assim, manter um equilíbrio. Claro, pensava-se que se poderia encontrar a luta pela existência em toda parte na Natureza, e então os darwinistas disseram: Todos os seres vivem imersos em uma luta pela existência em que os inadequados são removidos e os aptos permanecem. Isso significa a ‘sobrevivência do mais apto’ darwiniana.
E então, você vê, nenhum princípio cósmico cheio de sabedoria é necessário, porque agora tudo funciona por si mesmo através da sobrevivência do mais apto. Quão adequado para a humanidade do século XIX despir-se de tudo de natureza espiritual e viver, tanto quanto possível, apenas na existência material! Não é necessário pensar em ideais se vivermos apenas sob o princípio da sobrevivência do mais apto. A natureza pode então continuar inteiramente sem ideais. Na verdade, pode-se até trabalhar contra o curso da Natureza ao se tentar realizar quaisquer ideais, porque por meio de seus ideais pode-se até mesmo fazer com que um indivíduo inapto sobreviva; – um indivíduo que iria afundar na luta pela existência!
Meus queridos amigos, esse princípio viveu na humanidade do século 19 em todos os lugares e foi expresso de forma mais ou menos clara. Vivíamos sob o impulso de pensar assim, mesmo que nem sempre o disséssemos com tanta clareza. Em suma, surgiu uma Visão do Mundo que buscou satisfazer a humanidade do século XIX desta maneira especial. Eu só queria mostrar aqui onde está o verdadeiro impulso do Darwinismo, porque nas belas Uniões científicas ou Sociedades Científicas em geral, as pessoas têm procurado espalhar um Darwinismo materialisticamente colorido como uma espécie de Evangelho por toda a humanidade, sem saber qual impulso real deitado atrás deles. Veja, a humanidade tem uma preferência muito maior por idéias que a enganam do que por aquelas que explicam a verdade.
Poderíamos prosseguir apresentando muitas, muitas coisas que seriam simplesmente uma expressão do fato de que, em meados do século 19, nossa civilização e cultura haviam alcançado uma certa crise, e era uma questão para aqueles que sabiam que certas coisas nunca deveriam morrer, – coisas que eles sabiam que eram necessárias para o progresso da humanidade; – era uma questão para aqueles que sabiam, como em uma época de mera utilidade, alguém ainda poderia manter uma civilização e cultura espiritual.
E assim, não foi por acaso, mas algo fundado no propósito de todo o desenvolvimento humano, que quando aquele princípio de utilidade levou o desenvolvimento europeu a uma crise em meados do século XIX, surge uma personalidade como o Tempo. Aparece Blavatsky que, por seu dom natural, foi capaz de revelar à humanidade uma quantidade extraordinária de conhecimento vindo do próprio mundo espiritual. Se alguém que é astrólogo quisesse considerar este assunto, ele poderia realizar o seguinte experimento: ele poderia pegar o ponto do tempo da crise utilitarista mais intensa do século 19 e, para esse ponto do tempo, criar um horóscopo. Ele obteria exatamente o mesmo horóscopo se calculasse o horóscopo do Tempo. Blavatsky!
Isso é simplesmente um sintoma de que o Espírito Cósmico auto-evolutivo, no curso do tempo, quis colocar uma personalidade no mundo por meio de cuja alma o oposto do Utilitarismo deveria vir a se expressar. Esse princípio de utilidade está absolutamente estabelecido na civilização ocidental, e contra tudo isso, a civilização oriental sempre se manteve ereta. Portanto, vemos este jogo peculiar que, enquanto no Ocidente diretamente na esfera do Conhecimento, este princípio ocidental é buscado a partir de um darwinismo materialista, onde uma luta pela existência se insere na observação científica – aquela luta brutal pela existência contra a qual ataques sempre foram feitos pelos investigadores russos, cujo trabalho de pesquisa você encontra coletado por Kropotkin em seu livro, onde ele diz que não é uma luta pela existência que está na base de todas as espécies animais, mas o que ele chama de Ajuda Mútua.
E assim, em meados do século 19, temos a “Origem das Espécies” de Darwin aparecendo no Ocidente através da luta pela existência, e no Oriente, reunimos por Kropotkin, o trabalho de toda uma série de cientistas russos em seu livro “Ajuda mútua”, que caracteriza a evolução das espécies, mostrando que apenas as espécies se desenvolvem melhor de todas as que se ajudam mutuamente. Assim, de um lado, por assim dizer, de um pólo da civilização espiritual mais recente, os homens são ensinados que as espécies se desenvolvem melhor quando se suprimem mais do que todas, e então do Oriente, do outro pólo, somos ensinados que essas espécies se desenvolvem melhor, cujos membros são tão dotados que se sustentam mutuamente.
Isso é extraordinariamente interessante. Pode-se dizer que, assim como Darwin trabalha da aura ocidental em meados do século 19, da aura do Oriente operou o que estava estabelecido na alma de Blavatsky, mas que não chegou totalmente ao desenvolvimento porque o tempo ainda não havia chegado.
Vimos como o Ocidente já avançou de uma certa maneira, ao passo que o Oriente ainda está no início desse desenvolvimento. E assim, em Blavatsky aparece uma espécie de começo, o anúncio de um desenvolvimento da alma. Esse desenvolvimento da alma de Blavatsky surgiu inteiramente de uma aura russa, apesar de sua origem não ser inteiramente russa. Esta alma, em sua mediunidade, foi desenvolvida à maneira russa, mas, no decorrer de sua vida, ela foi completamente conduzida para a civilização ocidental – ela foi tão profundamente conduzida para a civilização ocidental que, como vocês sabem, escreveu seus livros em a linguagem do Ocidente; mesmo longe ao oeste como na América, essa figura de Blavatsky estava entrelaçada com a civilização de nossa era recente.
Pode-se dizer que em Blavatsky se tentou ver como essas duas coisas poderiam ser mescladas. Por tudo que eu disse a respeito da evolução da Blavatsky, você saberá que certas coisas foram tentadas por meio dela, mas, como você também conhece todo o significado, todo o sentido foi arrancado desses próprios isentos. As obras de Blavatsky são até caóticas, revelando grandes verdades significativas, mas todas irremediavelmente misturadas ao mais extraordinário detrito. Agora, o que, na realidade, saiu daquele impulso que foi tentado com Blavatsky? Com Blavatsky, tentou-se pegar o ocultismo, que é um ocultismo meramente tradicional, e propagá-lo. E o que se seguiu disso, após a morte de Blavatsky até nossa época? Isso vocês mesmos experimentaram desde a farsa com Alcyone, e o que agora está se desenvolvendo da própria Sra. Besant.
Portanto, você tem este exemplo diante de você – uma tentativa de unir o ocultismo com o utilitarismo. Ora, da maneira como foi tentado ali, não poderia prosseguir. Por meio dessa mistura peculiar de algo que nasceu no Oriente com o que existia no Ocidente, Blavatsky, cuja alma era de natureza mediúnica, pretendia incorporar a espiritualidade do Ocidente com o princípio do Utilitarismo. Uma tentativa arimânica foi iniciada; e esse é um exemplo terrível, horrível, mas poderoso de como uma tentativa arimânica, que tem como objeto, não só trazer à tona um certo conhecimento sobre o mundo supersensível, mas colocá-lo inteiramente a serviço da utilidade, do utilitarismo.
Blavatsky estava cercada por personalidades que se esforçavam para mantê-la inteiramente em suas mãos, mas isso nunca deu certo porque ela sempre escapou deles de uma certa maneira. Mas um certo número de pessoas no mundo ocidental se esforçou para colocar Blavatsky inteiramente em suas próprias mãos, e se isso tivesse acontecido, se o ideal de unir espiritualidade com o princípio da utilidade tivesse sido totalmente realizado, deveríamos experimentar algo muito diferente hoje daquele Bureau de Julia (Bureau de Stead); pois o Bureau de Julia é apenas uma tentativa póstuma e mal sucedida de amalgamar o princípio da utilidade com o espiritualismo.
O que foi tentado com Blavatsky foi simplesmente uma caricatura, mas se tivesse dado certo, deveríamos ter hoje, em todos os escritórios, médiuns pelos quais pudéssemos obter todos os tipos de informações sobre quais números ganhariam na loteria, que senhora se deveria casar, quando vender ou manter por algum tempo certas ações e investimentos. E tudo isso seria arranjado a partir das informações a serem obtidas do mundo espiritual, por meio da mediunidade.
A vida espiritual seria colocada totalmente a serviço da utilidade. A tragédia de Blavatsky consiste nisto – que ela foi levada para lá e para cá, entre os dois pólos, e, portanto, sua vida é de um caráter psicológico extraordinário. Na vida de Blavatsky, certas portas tiveram que ser abertas através das quais se pudesse olhar para o mundo espiritual, e assim vemos o aparecimento deste fenômeno extraordinário, do afastamento da Individualidade que usou Blavatsky como meio de trazer revelações ao mundo sobre o espírito, enquanto em seu lugar aparece aquela individualidade que Olcott caracteriza como o pirata do mar reencarnado do século 16, John King. John King, que então se ocupou em materializar xícaras de chá e coisas desse tipo, quando eram especialmente necessários!
Nessas coisas existe um conflito entre o princípio da Utilidade e aquele princípio que deve funcionar com mais Utilitarismo no curso do desenvolvimento posterior da humanidade – não removendo a utilidade do mundo, mas direcionando-a espiritualmente para os caminhos certos . Porque, meus queridos amigos, vocês não devem pensar que qualquer civilização espiritual do futuro jamais estará em inimizade com a vida. A tarefa de qualquer verdadeira ciência espiritual deve ser levar o utilitarismo às águas certas.
Mas sobre isso tentaremos falar na próxima aula. Tentaremos então mostrar a relação entre o princípio da utilidade da vida mais prática de nossa época atual e aquela que deveria ser uma vida espiritual nesta vida de prática. E com isso entraremos em contato com uma das questões mais importantes da vida de nossa época.
OESTE: Darwin – Desenvolvimento de espécies – Luta pela existência.
LESTE: Kropotkin – Desenvolvimento de espécies – Ajuda mútua.
Rudolf Steiner – GA 171 – Dornach, 7 de outubro de 1916
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 171 – Dornach, 02 de outubro de 1916
OS TEMPLÁRIOS – Leitura 1
O destino e desenvolvimento da Ordem dos Cavaleiros Templários
Nas palestras aqui ministradas há algum tempo, tive a tarefa de chamar a atenção para certos impulsos, certas forças que atuam nas almas dos homens e, portanto, em tudo o que essas almas expressam na vida terrena. Eu indiquei como esses impulsos e forças se desenvolveram no início da vida espiritual moderna. Hoje, porque quero chamar sua atenção para um tipo particular de esforço espiritual moderno, vamos considerar, mais uma vez, um importante ponto de partida para a vida espiritual moderna, que já consideramos, mas que é um dos mais importantes e essenciais de todos. Quando investigamos as forças que atuam nas almas modernas, somos compelidos a reconhecer a importância e o significado desse evento na história. Refiro-me a todo o destino e desenvolvimento da Ordem dos Cavaleiros Templários.
Gostaria, então, de apresentar a vocês, mais uma vez, a imagem da Ordem dos Cavaleiros Templários, a fim de mostrar como o que procedeu desta Ordem atuou em amplas correntes que fluem, até mesmo, para os sentimentos e percepções dos homens do nosso tempo.
Sabemos que a Ordem dos Templários foi fundada em conexão com as Cruzadas. Foi, por assim dizer, um importante fenómeno que acompanhou aquele grande acontecimento da história em que os povos da Europa procuraram, à sua maneira, aproximar-se mais do Mistério do Gólgota do que anteriormente. A Ordem dos Templários foi fundada quase no início das Cruzadas.
Deixando de lado tudo o que é conhecido externamente sobre a fundação da Ordem e o curso posterior de sua atividade – você pode ler facilmente nos livros de história – descobrimos que esta Ordem dos Cavaleiros Templários, interiormente considerada, expressa uma abordagem especialmente profunda ao mistério do Gólgota por parte da humanidade moderna. Em primeiro lugar, um pequeno número de almas que eram fiéis e devotados seguidores do Cristianismo se reuniram em um local próximo ao antigo Templo de Salomão em Jerusalém e estabeleceram ali uma espécie de ordem espiritual. Como já dissemos, não vamos considerar agora o lado mais externo do acontecimento, mas olhar para ele de um ponto de vista espiritual e voltar nossa atenção para o que gradualmente começou a viver nas almas dos Templários.
Em seu sangue, como o representante daquilo que distingue o Homem terreno, em seu eu, mas também em todos os seus sentimentos e pensamentos, em seu próprio ser e existência, essas almas deveriam, em certo sentido, esquecer sua conexão com a existência física sensível; eles deveriam viver unicamente no que flui do mistério do Gólgota, e lutar pela continuidade dos impulsos mais fortes que estão relacionados com o mistério do Gólgota.
O sangue dos Templários pertencia a Cristo Jesus – cada um deles sabia disso – seu sangue não pertencia a nada mais na terra senão a Cristo Jesus. Cada momento de sua vida deveria ser preenchido com a consciência perpétua de como em sua própria alma habitava, nas palavras de Paulo: “Não eu, mas Cristo em mim!” E em combates sangrentos e severos, em trabalhos devotados como exigiam as Cruzadas, os Templários viveram na prática o que haviam resolvido espiritualmente.
As palavras são impotentes para descrever o que vivia na alma desses homens, que talvez nunca vacilassem em seu dever, os quais, mesmo que uma força três vezes maior os confrontasse no plano físico, nunca deveriam fujam, mas deveriam aguardar com calma a morte, a morte que eles estavam prontos para suportar a fim de estabelecer mais firmemente, na existência terrena, o impulso que vinha do mistério do Gólgota. Foi uma vida intensa de toda a integralidade do ser humano em comunhão com o Mistério do Gólgota.
E agora, quando uma vida tão intensa é vivida nos ritmos certos, de modo que possa ocupar integrar-se em toda a corrente de forças cósmicas e terrestres, então algo de real significado se desenvolve a partir de tal vida. Eu digo deliberadamente de real significado. Pois quando uma consciência como essa é colocada interiormente, misticamente e com certo ritmo em tudo o que acontece no mundo exterior, então o homem pode experimentar repetidas vezes como seu próprio ser interior é colocado em conexão com o divino e o espiritual.
Mas outra coisa, algo que tem um efeito ainda maior, é desenvolvido quando essa experiência interna é reunida com o curso da história externa e colocada a serviço do curso dos eventos. E pretendia-se que o que vivia conscientemente nas almas dos Cavaleiros Templários estivesse em harmonia com o que deveria ser feito na tentativa de recuperar o poder sobre o túmulo sagrado. Uma vida profundamente mística desenvolvida desta forma entre aqueles que pertenciam a esta assim chamada Ordem Espiritual, uma Ordem que, por isso mesmo, poderia realizar mais para o mundo do que outras Ordens Espirituais.
Pois quando, dessa forma, uma vida que é vivida misticamente também está em conexão com a vida que ocorre no mundo circundante, então o que é experimentado misticamente flui para as forças invisíveis e suprassensíveis do mundo circundante daquele ser humano. Torna-se objetivo – não está apenas dentro de sua própria alma, mas continua avançando no curso da história. Por meio de um misticismo desse tipo, ocorre que uma experiência da alma não existe simplesmente para o único ser humano, mas se transforma em forças objetivas que antes não existiam na corrente espiritual que conduzia e sustenta a humanidade.
Essas forças nascem e estão lá. Quando uma pessoa realiza sua tarefa diária com as mãos ou com implementos, ela coloca alguma coisa material externamente no mundo. Com um misticismo como o desenvolvido pelos Cavaleiros Templários, algo espiritual é adicionado aos “efeitos” espirituais do mundo. E na medida em que isso aconteceu, a humanidade chegou a um estágio mais avançado em sua evolução. Por meio dessa experiência dos Templários, o mistério do Gólgota foi compreendido e também experimentado em um estágio mais elevado do que antes. Algo estava agora presente no mundo, em relação a este mistério do Gólgota, que antes não existia.
As almas dos Templários tinham, entretanto, ao mesmo tempo alcançado algo mais. Por meio dessa intensa penetração interior no mistério do Gólgota, eles ganharam o poder de realmente alcançar a iniciação cristã por meio do evento histórico. A iniciação cristã pode ser alcançada da maneira descrita em nossos livros, mas, neste caso, foi obtida da seguinte maneira: seus atos externos e o entusiasmo que neles viveu impulsionaram as almas dos Templários, para que essas almas, fora do corpo, fora do corpo, vivessem com o progresso espiritual da humanidade e penetrassem na alma e no espírito os segredos da Mistério do Gólgota. Muitas e profundas experiências foram então vivenciadas, e não apenas para a alma individual, mas para toda a humanidade.
Então, como sabemos, a Ordem dos Cavaleiros Templários cresceu e se espalhou, e além da influência imensamente poderosa que possuía espiritualmente – mais de uma forma suprassensível do que por canais exteriores – adquiriu grande prosperidade. E já descrevi como chegou a hora para os tesouros externos, que os Cavaleiros Templários acumularam cada vez mais, serem convertidos em poder temporal. Já lhes disse como, por meio de uma espécie de iniciação com o princípio maligno do ouro, “Philippe le Bel” (Felipe “o Belo”) foi escolhido para ser o instrumento que deveria se opor aos Templários.
Isso quer dizer, ele queria em primeiro lugar possuir seus tesouros. Mas “Philippe le Bel” (Felipe “o Belo”) sabia mais do que a maioria dos homens no mundo. Por meio do que havia experimentado, ele conhecia muitos dos segredos da alma humana. E assim aconteceu que “Philippe le Bel” poderia ser um instrumento adequado a serviço dos poderes mefistofélico-arimânicos, cujo intuito e objetivo era tornar ineficaz o Movimento Templário na forma que ele havia assumido antes de qualquer coisa.
Philippe le Bel era, como dissemos, instrumento de outros poderes espirituais mefistofelianos-arimânicos. Sob a inspiração desses poderes, Philippe le Bel sabia o que significaria se nas correntes espirituais que fluem para mundo tão verdadeiramente quanto os eventos exteriores visíveis tivesse permitido fluir o que os Templários haviam ganhado como conhecimento do Mistério do Gólgota e como sentimentos e impulsos de vontade ligados a esse Mistério.
O que assim se desenvolveu deveria, portanto, ser arrancado dos poderes divino-espirituais normalmente progressivos; deveria ser transformado em outros caminhos. Para este fim, também teve que ser trazido algo que só poderia viver nas almas dos Templários, algo que fosse arrancado da individualidade dos próprios Templários.
Assim como aquilo que os Templários haviam experimentado em relação ao Mistério do Gólgota não permaneceu com eles como indivíduos, mas foi colocado na evolução geral da humanidade, também agora algo mais deveria ser removido, por assim dizer, do individualidade e incorporada na corrente espiritual objetiva. E isso só poderia ser realizado por meio de um ato particularmente cruel, por meio de um terrível ato de crueldade.
Os templários foram presos para julgamento. Eles não foram apenas acusados de crimes externos, dos quais certamente eram inocentes – como pode ser provado em bases históricas, se alguém estiver pronto para ver a verdade – mas foram acusados, acima de tudo, de blasfemar contra o Cristianismo, de blasfemar o próprio Mistério do Gólgota, de adorar ídolos, de introduzir o paganismo no Mistério do Gólgota, de não usar a fórmula certa no ato de consagração na Transubstanciação, não somente, até mesmo de profanar a Cruz. De todos outros tipos de crimes também, mesmo crimes não naturais, os Templários foram acusados. E centenas e centenas deles foram submetidos ao tormento cruel da tortura.
Aqueles que os levaram a julgamento sabiam o que significava esse tormento na tortura. A consciência diurna comum daqueles que sofreram essa tortura foi suprimida, de modo que durante a tortura eles esqueceram, em sua consciência superficial, sua conexão com o Mistério do Gólgota. Mas eles se familiarizaram – e este é o caso de todos os que realmente enxergam o mundo espiritual – eles reconheceram todas as provações e tentações que afligem uma pessoa quando ela realmente se aproxima dos bons poderes divino-espirituais.
Com todos os inimigos que operam nos reinos espirituais inferiores e querem derrubar o Homem e conduzi-lo ao mal, que são capazes de trabalhar nos impulsos e desejos e paixões, e especialmente no ódio e zombaria e ironia contra o Bem, com tudo isso os Templários haviam se tornado familiares. Muitas vezes, horas que foram para eles horas sagradas de suas vidas, eles conquistaram aquelas vitórias interiores que o Homem pode obter quando, com os olhos abertos, passa pelos mundos que estão além do limiar do mundo dos sentidos; pois esses mundos devem primeiro ser vencidos antes que o Homem possa entrar com poderes fortalecidos nos mundos espirituais aos quais ele, por direito, pertence.
Durante a tortura, a visão dos Templários que podiam observar esses mundos espirituais aos quais pertenciam tornou-se nublada e turva; sua consciência superficial estava embotada, e seu olhar interior dirigia-se inteiramente e apenas para o que haviam experimentado como algo a ser superado, dirigido para as tentações sobre as quais haviam conquistado vitória após vitória. E assim aconteceu que, durante os momentos em que foram realmente atormentados na tortura, esqueceram sua ligação com o Mistério do Gólgota, esqueceram como, com sua alma, viviam no mundo espiritual e eterno.
E as provações e tentações às quais resistiram e venceram estavam diante deles enquanto estavam no suplício, como uma visão, e reconheceram exatamente o que cada um havia vencido por si próprio; eles confessaram ser um costume dentro da Ordem. Eles se confessaram culpados exatamente por aquilo sobre o qual haviam repetidamente conquistado a vitória. Cada um desses Templários era obrigado a parecer ser o homem sobre o qual havia interiormente conquistado a vitória, sobre a qual deveria obter a vitória antes que, com forças superiores, pudesse alcançar o mais elevado e sagrado. (Falo de todos os verdadeiros Templários – é claro que os abusos podem ser encontrados em toda parte).
Tudo isso os oponentes sabiam. Eles sabiam que, assim como, por um lado, o Mistério do Gólgota fora colocado na evolução da humanidade como uma influência para o bem, agora, da mesma forma, porque a consciência comum havia se embotado, o que vivia nesta consciência má foi, por esse meio, colocada fora, objetificada e incorporada na evolução da humanidade. Isso tornou-se um fator na história.
Duas correntes puderam fluir para a história moderna: o que os Templários experimentaram em seus momentos mais sagrados, o que eles elaboraram e desenvolveram dentro da corrente espiritual em progresso da humanidade, mas também o que lhes foi arrancado por Ahriman-Mefistófeles, extraído de suas consciências com intuito de tornar este impulso objetivo, para formá-lo objetivamente e torná-lo eficaz no decorrer dos séculos.
Nesse ponto, uma pessoa simplória pode facilmente fazer a pergunta: Por que os poderes divino-espirituais da providência permitem que tal coisa aconteça? Por que eles não guiam a humanidade ao longo da história sem que o homem tenha que passar por tantas provações dolorosas? Tal pensamento é “humano, muito humano”.
Tal pensamento surge na mente de quem pode acreditar que o mundo seria melhor se tivesse sido feito, não pelos deuses, mas pelos homens. Muitas pessoas podem pensar assim; podem pensar que, com seu intelecto, podem criticar a sabedoria que opera e tece o mundo. Mas essa forma de pensar leva também ao extremo do orgulho intelectual.
Nós, seres humanos, somos chamados a penetrar nos segredos da existência, não a criticar a orientação repleta de sabedoria do mundo. Devemos, portanto, também obter discernimento sobre o lugar e o significado das correntes malignas que são permitidas pela sábia orientação do mundo. Pois, se apenas o bem fosse permitido, se apenas os bons impulsos funcionassem na história, os seres humanos nunca seriam guiados em sua evolução histórica de forma que pudessem desenvolver a liberdade.
Somente pelo fato de que o mal influencia o curso espiritual da história humana, a humanidade pode se desenvolver para a liberdade. E se os deuses desviassem o olhar do homem do mal, ele teria que permanecer para sempre um autômato – ele nunca se tornaria livre. As coisas são, de fato, tão ordenadas no progresso da humanidade que mesmo aquilo que causa a mais profunda tristeza é finalmente conduzido ao bem. A dor é apenas temporária – não que por isso seja menos intensa e profunda.
Não devemos nos enganar quanto à dor – de sermos vítimas de algum misticismo barato que não verá a dor; devemos estar prontos para participar dela, prontos para mergulhar nela, prontos para derrama-la sobre nossa própria alma. Mas, ao mesmo tempo, sem criticar o propósito espiritual e a vontade de existência, devemos também aprender a entender como os mais variados impulsos de natureza positiva e negativa são introduzidos na evolução da humanidade para que o ser humano não seja apenas bom, mas também livre e possuidor de seus próprios impulsos.
E assim, na evolução e no destino dos Templários, vemos um impulso que é importante para todos os séculos subsequentes dos tempos modernos. Se fosse possível, para o propósito da Ordem, continuar a ser vivida com a intensidade e a força com que foi vivida inicialmente pelos grandes Templários, a humanidade seguinte não teria sido capaz de suportá-lo. A velocidade da evolução teve, por assim dizer, que ser verificada; o riacho teve que ser contido. Mas, desta forma, teve de se tornar mais interior.
E assim vemos como, nas duas correntes que indicamos na história moderna, uma profunda interioridade da vida se desenvolveu ao lado do materialismo externo. Para o impulso mefistofélico, que Mefistófeles-Ahriman, através de seu instrumento Philippe le Bel, manifestado por força, viveu. Viveu, junto com muitas outras coisas, nos pensamentos e sentimentos materialistas dos homens e em todos os impulsos materialistas que surgiram entre a humanidade do século XV ao século XIX. Conseqüentemente, o que conhecemos como materialismo se espalhou amplamente pela alma e pelo espírito do Homem e por toda a sua vida social e preparou o terreno para o karma de nosso tempo.
Se as coisas não tivessem acontecido dessa maneira, se a corrente do materialismo não tivesse permitido se espalhar tanto e amplamente, nem poderia, por outro lado, nossa conexão com o mundo espiritual ter se tornado tão profunda e íntima. Pois, de fato, o que os Templários realizaram ao entrar em um sentido espiritual vivo no Mistério do Gólgota não foi perdido.
Este impulso sobreviveu. E as almas dos Templários – depois de suas experiências terríveis na tortura, cinquenta e quatro deles foram condenados à morte – as almas dos Templários que tinham, sob essas circunstâncias, passado pelo portal da morte, agora eram capazes de enviar das correntes do mundo espiritual da vida espiritual para aqueles que viveram nos séculos seguintes.
Cinquenta e quatro templários foram queimados na fogueira em 1314. Cinquenta e quatro almas subiram aos mundos espirituais. E a partir dessa época, de forma suprassensível e invisível, sem ser externamente perceptível aos fatos da história, iniciou-se na humanidade europeia um desenvolvimento espiritual que deve sua origem ao fato de que as almas individuais estavam continuamente sendo inspiradas do mundo espiritual com o que essas cinquenta e quatro almas carregaram através do portão da morte para o mundo espiritual.
Deixe-me dar um exemplo disso. Já mencionei antes, mas agora tratarei com mais detalhes de outro ponto de vista.
Antes que a tragédia manifestasse na Ordem dos Templários – um século antes de 1312 – Wolfram von Eschenbach compôs seu poema Parzifal. Trabalhando sozinho ou em um círculo muito pequeno, Wolfram von Eschenbach produziu esta canção sobre uma alma que se esforça por meio da purificação interior para alcançar a vida que os Cavaleiros Templários também mantinham diante deles continuamente como seu objetivo final. Em uma riqueza de imagens e em imaginações maravilhosas, Wolfram von Eschenbach desenrola diante de nossa visão a vida interior de Parzifal que, para ele, era o representante do ideal templário.
Agora, perguntemos: vemos algum resultado externo importante de Parzifal – que era para ele o representante do ideal templário – no desenvolvimento histórico dos tempos que se seguiram? Nós não. Na história posterior da humanidade europeia, como sabemos, foi Richard Wagner quem primeiro apresentou Parzifal novamente, e depois de uma maneira completamente diferente. Mas o poder espiritual, o impulso espiritual que foi capaz de fluir para a alma de Wolfram von Eschenbach – ainda naquela época da terra – tornou-se, nos séculos seguintes, uma inspiração do mundo espiritual para muitos outros.
E quem é capaz de perceber as ligações misteriosas entre a vida terrena e a espiritual, sabe que os impulsos que foram levados ao mundo espiritual pelo destino dos Templários fluíram também para a alma de Goethe. Não foi à toa que Goethe começou nos anos 80 um poema que nunca terminou. É significativo que ele tenha começado, e igualmente significativo que mesmo ele não fosse forte o suficiente para trazer à expressão real o pensamento poderoso deste poema.
Refiro-me ao poema Os Mistérios, em que o irmão Mark vai ao castelo solitário dos Rosacruzes e entra no círculo dos Doze. Goethe apreendeu – à sua maneira, é claro, o pensamento fundamental que também está contido em Parzifal, mas não foi capaz de completá-lo; e podemos ver nesse fato uma indicação de como todos nós estamos dentro do mesmo desenvolvimento espiritual que Goethe experimentou em seus primórdios, e no qual devemos trabalhar e trabalhar e trabalhar para que possamos dar forma a esses primórdios e progredir cada vez mais na penetração do mundo espiritual. Goethe dedicou aos primórdios desse desenvolvimento espiritual os melhores poderes de sua existência; ele os deixou fluir para seu Fausto, onde se propôs a retratar a conexão do Homem com as forças do espírito, que incluem para ele as forças Ahrimânico-Mefistofelianas.
Quem observa a história concretamente em seu desenvolvimento espiritual pode ver muito claramente que, na alma de Goethe na terra, seguiu-se do mundo espiritual o que os Templários – cuja forma de morte foi tão cruel e significativa – transportaram para os mundos espirituais; e, só porque eles passaram pelo portão da morte dessa forma, puderam derramar inspiração nas almas dos homens. Fluiu para baixo e, se com mais significado na alma de Goethe, não foi apenas em sua alma, mas em muitas outras; e continua a viver, embora pouco notado pelos seres humanos.
O elemento espiritual no próprio Fausto ainda quase passa despercebido no mundo exterior! No entanto, ele continua vivo e se encaminha para uma vida cada vez mais rica. E terá de se tornar cada vez mais fecunda, se a humanidade não quiser entrar em decadência em vez de evoluir em uma direção ascendente. Mas isso depende de nossa escolha. Em nossa época, está entregue nas mãos do próprio Homem. A escolha é colocada diante dele – e será cada vez mais definitivamente – se ele vai cair em decadência e continuar a se apegar ao materialismo ou se esforçar para subir nos mundos espirituais.
Para nós, seres humanos, como vivemos na terra, é apenas em nosso corpo físico que vivemos uma vida conectada com a terra. O corpo que é tecido de luz, som e vida e está dentro deste corpo físico – o chamado corpo etérico – participa não apenas da vida terrena, mas da vida do cosmos. E quando uma alma humana desce dos mundos espirituais para entrar na existência através do nascimento, então, já antes do evento, forças são dirigidas no cosmos de forma correta para a construção do organismo etérico do ser humano, da mesma forma como o físico corpo do homem é construído a partir das forças físicas e substâncias físicas da terra.
Nas idéias mais simples do homem vive o orgulho e a arrogância, e isso é especialmente verdadeiro em nossa era materialista. Nesta era materialista, os pais realmente acreditam que colocam seus filhos à existência por si próprios. E, à medida que o materialismo se espalha, acreditar-se-á cada vez mais que são os pais que dão origem aos filhos. Visto espiritualmente, é diferente. Os seres humanos aqui na terra apenas fornecem a oportunidade de algo espiritual descer até eles.
O que um ser humano pode fazer de forma participativa consiste apenas nisso, ele pode preparar o lugar por meio do qual um corpo etérico, que está sendo preparado a partir dos espaços distantes do cosmos, pode ser capaz de descer à terra. Esse organismo etéreo do ser humano é uma entidade tão organizada quanto o organismo físico. O organismo físico – vemos como ele tem cabeça, braços, mãos, tronco e todas as partes que o anatomista e fisiologista descobrem – para a visão espiritual, esse organismo físico é iluminado e resplandecido pelo organismo etérico.
O organismo físico inspira e expira o ar. O organismo etérico expira luz, e essa luz ele nos dá. E quando ele exala luz e nos confere a luz: vivemos por meio de sua luz. E também respira luz. À medida que inspiramos e expiramos o ar, nosso corpo etérico também inspira e expira. E quando ele inspira luz, ele a esgota, assim como usamos o ar fisicamente. (Você pode ler sobre isso em uma passagem em meus “Dramas de Mistério”, onde este segredo do mundo etérico é revelado dramaticamente.)
O corpo etérico respira luz, esgota a luz e a transforma em trevas, e então pode receber, nesta escuridão, o som dos mundos que vivem na Harmonia das Esferas, pode receber nela os impulsos da vida. À medida que recebemos nutrição física, o ser etéreo que vive em nós também inspira e expira luz. À medida que usamos em nós o oxigênio do ar e produzimos gás carbônico, o corpo etérico gasta a luz, lançando-a com escuridão, que então aparece em cores, para que o corpo etérico se mostre à visão clarividente, em ondas de cor. E enquanto o corpo etérico prepara a luz para as trevas e, assim, realiza um trabalho interno de respiração, ele vive, na medida em que recebe esse som dos mundos e transforma-o na vida dos mundos.
Mas agora, o que recebemos dessa forma como nosso corpo etérico, desce até nós dos amplos espaços do cosmos e, em certos momentos, vem dos espaços distantes do cosmos. Hoje ainda não é possível mostrar em todos os detalhes como o corpo etérico humano desce nos caminhos da luz quando esses caminhos são guiados de maneira particular pela constelação das estrelas da época. Para que isso seja possível, o ser humano terá que se elevar a um estágio superior de moralidade.
Pois hoje, este mistério da configuração dos corpos etéricos humanos nos caminhos da luz e do som da Harmonia das Esferas, seria mal utilizado pelos seres humanos da maneira mais terrível. Pois o que está contido neste mistério, se pessoas de impulsos inferiores quisessem adquiri-lo, daria aos pais poder ilimitado sobre todos os seus descendentes. Você compreenderá, portanto, que este mistério – de como os corpos etéreos chegam aos seres humanos que estão encarnando – de como eles vêm nos caminhos da luz e nos caminhos do som de fora da Harmonia das Esferas – terá que permanecer um mistério ainda por muito tempo.
Somente sob certas condições bem definidas alguém pode aprender algo sobre este mistério. Pois o não cumprimento das condições significaria, como eu disse, que os pais poderiam adquirir um poder até então inédito sobre sua prole, que poderia ser completamente privada de toda independência, de toda personalidade e de toda individualidade e ter a vontade de seus pais confiada a eles. Sabiamente, este mistério está escondido para a humanidade no inconsciente e segue seu curso lá de uma maneira boa e saudável, operando através da vontade do sábio guia do mundo.
Nosso corpo etérico percorre um caminho bastante diferente do nosso corpo físico. Depois de passarmos pelo portão da morte, ainda carregamos, como você sabe, nosso corpo etérico por alguns dias; então temos que devolvê-lo ao cosmos. No espiritual, no cosmos, nosso corpo etérico permanece apenas como uma imagem para nossa vida futura entre a morte e o novo nascimento.
É incorporado ao cosmos das mais variadas maneiras – de uma maneira no caso de pessoas que morrem precocemente por algum acidente ou outro, e de outra forma no caso de quem atinge a maturidade. Mas quando alguém olha para o mundo que está além do umbral, sabe que ambos – a morte prematura, bem como a morte posterior – têm grande significado em todas as conexões cósmicas. Pois nosso corpo etérico o qual abandonamos continua a trabalhar espiritualmente.
Falando fundamentalmente, visto de um aspecto mais profundo, todos nós envelhecemos. Fisicamente, um morre mais cedo e outro depois; vistos de um aspecto espiritual, todos nós envelhecemos igualmente. Se morrermos cedo, nosso corpo físico termina mais cedo; mas nosso corpo etérico continua a viver para o cosmos, e só porque morremos cedo, nosso corpo etérico tem outras funções diferentes no cosmos do que se tivéssemos morrido mais tarde.
Quando contamos os anos que vivemos em corpo físico e etérico como seres humanos – temos as obras na terra que realizamos no corpo físico, e temos o que realizamos no corpo etérico também após a morte e a vida que vivemos lá não para nós mesmos, mas para os outros, para o mundo – quando somamos tudo isso em seus anos, descobrimos que todos vivem mais ou menos na mesma idade.
Mas agora, quando um evento acontece como o que aconteceu com os Templários, algo diferente novamente acontece, de quando é apenas um caso da vida individual. A vida que levamos como indivíduo permanece dentro de nossa própria pessoa; mas há também a vida que pode ser objetivamente separada de nós – como no caso dos Templários. Por um lado, o que eles foram capazes de fazer para a continuação e difusão do Mistério do Gólgota e, por outro, o que aconteceu através da atuação das forças mefistofelianas-arimânicas pelo impulso do materialismo moderno, tudo isso também continua a vivem como fragmentos do corpo etérico.
Mas isso é incorporado a todo o processo da história. De forma que parte da vida que o Homem vive em seu corpo etérico continua a viver com a individualidade humana, enquanto parte dela é incorporada ao curso da história – quando foi arrancada do ser humano da maneira descrita. E o corpo etérico é o meio ou veículo pelo qual o que uma pessoa vive em sua alma tão objetivamente que pode sair de sua alma – pelo qual isso pode ter, por assim dizer, algo a que se agarrar para sua vida futura – é o corpo etérico que fornece para isso.
O que fluiu para o mundo etérico a partir dos impulsos espirituais dos Templários viveu etericamente e, por meio dessa vida etérica contínua, muitas almas foram preparadas para receber as inspirações que descrevi como vindas do mundo espiritual das próprias almas dos Templários. Isso é o que realmente tem acontecido nos tempos modernos.
No que fluía das almas dos Templários, entretanto, começou a entrar cada vez mais o que flui dos impulsos mefistofélico-arimânicos e está impregnado do elemento mefistofélico, e que foi introduzido nos cavaletes onde os Templários foram torturados, na medida em já que foram forçados, sob tortura, a falar mentiras sobre si mesmos. Este fato – não sozinho, mas como um dos fundamentos espirituais do materialismo moderno – deve ser entendido se alguém deseja adquirir uma compreensão interna da evolução materialista moderna.
E assim aconteceu que nos tempos modernos, enquanto certos indivíduos foram inspirados com altas verdades espirituais, a cultura geral tornou-se cada vez mais materialista em caráter; e os olhos da alma escureceram para o que agora nos cerca espiritualmente e também para onde vamos quando passamos pelo portão da morte e de onde viemos quando passamos pelo portão do nascimento. Cada vez mais o olhar do Homem se afastava de contemplar o espiritual, e isso era verdade em todas as diferentes esferas da vida – a esfera espiritual, a esfera da religião, a esfera da vida social. Cada vez mais o olhar se dirigia ao mundo material à medida que ele se mostrava aos sentidos. E o resultado é que, desde o surgimento dos tempos modernos, a humanidade caiu em muitos erros.
Mais uma vez, deixe-me dizer: não estou criticando o fato, não estou julgando isso. Pelo fato de que os erros encontraram seu caminho na evolução humana, os seres humanos têm que vivenciar esses erros, e eles gradualmente passarão a vê-los; e, ao superá-los, obter forças mais poderosas do que poderiam ter obtido se o caminho para seu objetivo tivesse sido implantado neles automaticamente. E agora chegou a hora em que esse insight deve ser desenvolvido e os seres humanos devem ver como, em tudo o que é material, vivem os impulsos para o erro. Hoje, o homem é repetidamente chamado a decidir-se a enxergar através dos erros e superá-los.
Não é nossa intenção culpar nada do que aconteceu na história, o que queremos fazer é olhar a história de forma objetiva. Os acontecimentos dos tempos modernos fizeram com que os pensamentos e sentimentos do Homem corressem seu curso apenas de acordo com a realidade física externa, apenas de acordo com o que o Homem experimenta entre o nascimento e a morte. Mesmo a vida religiosa assumiu gradualmente um caráter pessoal, na medida em que visa apenas colocar nas mãos do homem um meio pelo qual ele possa encontrar a bênção em sua própria alma.
A vida religiosa dos tempos mais modernos, que afasta cada vez mais o olhar do Homem do mundo espiritual concreto, está realmente impregnada do olhar materialista. Como já foi dito, não temos intenção de lançar calúnia sobre qualquer evento da história; os eventos da história, entretanto, devem ser descritos de tal forma que possam ser corretamente entendidos – isto é, se a geração vindoura não cair na decadência, mas dar uma volta e progredir.
Vemos a corrente do materialismo fluir e, lado a lado com ela, a corrente paralela oculta; e então, no final do século 18, chegamos a um evento tremendo, um evento cuja influência foi sentida ao longo de todo o século 19 e até os dias de hoje. No final do século 18, vemos a Revolução Francesa espalhando suas correntes por toda a civilização europeia. Muitas coisas seguiram seu curso na Revolução Francesa, como os historiadores as descreveram.
Mas, além da compreensão que já se tem da Revolução Francesa, além do impulso que reconhecemos como procedente dela e sobre o qual trabalhamos na história europeia, devemos também compreender os efeitos espirituais dos impulsos materialistas mefistofélico-arimânicos. A Revolução Francesa lutou por um ideal muito elevado. (Como eu disse antes, não estamos preocupados em encontrar falhas, mas em compreender os eventos da história.)
A Revolução Francesa lutou por um ideal muito elevado; e lutou por isso em uma época em que ainda sentia a sombra do evento que descrevi hoje, o evento que deixou Mefistófeles-Ahriman poderoso para enviar à vida europeia o impulso do materialismo. E podemos dizer, do melhor daqueles que foram responsáveis pela Revolução Francesa, que eles acreditaram apenas no plano físico. Pode ser que em sua consciência eles pensassem que acreditavam em outra coisa. O que as pessoas professam com palavras pouco importa; o importante é ter uma consciência viva na alma do que realmente está funcionando no mundo; e aqueles que foram responsáveis pela Revolução Francesa estavam conscientes apenas do plano físico.
Eles se empenharam, é verdade, por um ideal elevado, mas nada sabiam da trindade no Homem, o corpo que funciona por meio do princípio etérico no ser humano, a alma que opera através do princípio astral e o espírito que trabalha no Homem desde o início até o EU. No final do século XVIII, o Homem já era visto da maneira como é considerado – para seu prejuízo duradouro – pela fisiologia e biologia materialistas modernas.
Ou seja, mesmo que de uma forma religiosa os homens tivessem alguma noção de uma vida espiritual e talvez também falassem sobre isso, seu olhar estava realmente direcionado apenas para o que é vivido aqui no mundo físico entre o nascimento e a morte – o que é vivido aqui, isso se pode entender. (Mesmo isso, é claro, ainda não foi totalmente compreendido; no entanto, pode-se entender quando se dirige a atenção apenas para o corpo físico externo.)
O que vive no ser humano integral só pode ser compreendido quando se sabe que ao corpo físico externo se unem um princípio etérico, um princípio astral e um princípio do EU. Pois mesmo enquanto estamos aqui no mundo físico, vive em nós algo que é da alma e do espírito e que pertence ao mundo espiritual. Corpo, alma e espírito estamos aqui. E quando tivermos passado pelos portões da morte, seremos novamente seres tríplices, apenas com outro corpo espiritual. De modo que quem observa e estuda o Homem vivendo sua vida como Homem físico entre o nascimento e a morte, não estuda todo o ser humano e está fadado ao erro em relação a integralidade do ser humano.
Os eventos que acontecem no mundo não devem ser considerados errôneos em si mesmos. O que se manifesta no mundo é, de fato, a verdade; mas a maneira como o homem a considera e a transforma em ato e ação freqüentemente causa confusão. E a confusão surgiu na mente dos homens no final do século XVIII, porque tudo era aplicado ao corpo, e ideais que só têm sentido quando o Homem é visto como uma trindade foram aspirados como ideais para um “monon” puramente físico.
E assim aconteceu que ideais elevados e belos estavam na boca de todos numa época em que os homens não eram capazes de entendê-los, mas apenas os confundiam e falseavam, porque tentavam compreendê-los todos juntos, crendo como o faziam no corpo físico. sozinho. Na verdade – do triplo ideal, Fraternidade, Liberdade, Igualdade – Fraternidade é o único que vale para o corpo físico do Homem.
A liberdade só tem sentido quando se refere à alma humana, e a Igualdade quando se refere ao espírito como vive no homem, no eu. Somente quando se sabe que o homem é composto de corpo, alma e espírito, e quando o três ideais do final do século XVIII são referidos Fraternidade, ao corpo; Liberdade, para a alma; e Igualdade, para o eu, só então alguém está falando em um sentido e significado que está de acordo com o significado interior do mundo espiritual.
Podemos desenvolver a fraternidade, visto que somos seres humanos físicos portando corpos físicos da terra; e quando aceitamos a Fraternidade em nossa ordem social, então para a ordem social no plano físico, a Fraternidade é uma coisa certa e verdadeira. A liberdade que o homem só pode adquirir na sua alma, visto que é com a alma que ele encarna na terra. E a Liberdade só prevalece na terra, só é possível na terra, quando se refere às almas dos homens que vivem na terra em suas ordenações sociais, a fim de que adquiram a faculdade de manter o equilíbrio entre as forças inferiores e o superiores.
Quando somos capazes, como seres humanos, de manter o equilíbrio entre as forças inferiores e superiores na alma humana, então desenvolvemos as forças que podem viver aqui entre o nascimento e a morte, e também as forças de que precisaremos quando passarmos através do portão da morte. Então, ao lado da ordem social, uma ordem de alma é necessária na terra, onde as almas dos homens possam tomar seus lugares individualmente e ser capazes de desenvolver as forças da liberdade, que podem levar consigo através dos portões da morte, mas que eles só vão carregar consigo se, já aqui nesta vida, se prepararem para a vida após a morte.
Para que um verdadeiro relacionamento entre as almas seja estabelecido na terra, para que as almas sejam capazes de desenvolver as forças da liberdade, para que todos os eventos humanos, grandes e pequenos, e todas as tentativas de dar forma à atividade e criação humanas tenham como objetivo, para o homem que mantém o equilíbrio em sua alma em relação ao que vive e trabalha espiritualmente – isso deve vir a ser um ideal. O homem se torna livre quando está em condições de adquirir essas forças da alma no mundo físico externo, como pode adquiri-las, por exemplo, quando é capaz de seguir as belas formas que vivem em uma arte que realmente tem suas fontes, e início, no espírito.
O homem se torna livre, quando há uma relação e comunhão entre alma e alma de tal natureza que uma alma é capaz de seguir a outra com uma compreensão sempre crescente e com um amor sempre crescente. Se estamos preocupados por uma questão dos corpos dos homens, então a Fraternidade entra em consideração; se é uma questão de alma, então devemos procurar forjar aqueles vínculos delicados e sutis que surgem entre alma e alma, e que devem encontrar seu caminho direto para a estrutura de nossa vida na terra. Devem sempre trabalhar no sentido de gerando interesse – profundo interesse de uma alma pela outra. Pois somente desta forma as almas podem se tornar livres, e somente as almas podem se tornar livres.
A igualdade aplicada ao mundo físico externo é um absurdo; pois igualdade seria uniformidade. Tudo no mundo está passando por mudanças; tudo no mundo é obrigado a estar em número; tudo no mundo é obrigado a se expressar em multiplicidade e variedade. Para este fim está o mundo físico, para que o espiritual possa passar por uma infinidade de formas.
Mas em toda a vida múltipla e multifacetada do Homem, uma coisa permanece igual, porque ainda está no início. O resto de nossa natureza humana carregamos em nós desde o tempo de Saturno, o tempo do Sol e o tempo da Lua; é o Eu que temos pela primeira vez nesta vida terrena. O eu está apenas começando. Durante toda a nossa vida, entre o nascimento e a morte, não avançamos mais no espiritual do que dizer a nós mesmos “eu” e tomar conhecimento desse eu.
Só podemos contemplar o eu, seja pela iniciação quando estamos fora do corpo aqui entre o nascimento e a morte, ou quando passamos pelo portão da morte e nos é dado olhar para trás na memória em nosso corpo terreno contemplando o eu espiritualmente. Mas, por meio dele, toda variedade possível ganha expressão aqui na terra. E nossa vida na terra deve ser construída de modo a dar possibilidade expressão pra a toda essa variedade que pode adentrar a vida terrena através individualidade humana.
Um ser humano manifesta uma individualidade, um segundo outra e um terceiro outra vez. Todas essas individualidades, em seus diversos funcionamentos, estão focadas em um ponto, o ponto do eu. Nele somos iguais e, por meio desse ponto-foco onde somos semelhantes, podemos passar tudo o que comunicamos uns aos outros como espíritos. O fato de todos nós termos este ponto onde somos iguais dá a possibilidade para o homem desenvolver uma vida comunitária. O que é diferente em todos nós passa pelo que é igual.
Conseqüentemente, não é o estabelecimento da contribuição de um único indivíduo humano para toda a corrente da evolução espiritual cósmica que é alcançada em igualdade espiritual; pelo contrário, é assim porque o que nos colocou, cada um, em um tipo diferente de vida passa, por nosso eu e, por meio do espiritual em nós, torna-se algo que pode ser compartilhado por todos, flui como um bem comum na corrente de evolução cósmica. A igualdade pertence propriamente ao espírito.
O século 18 misturou Igualdade, Liberdade e Fraternidade e aplicou os três à vida física externa. Da forma como foi entendida no século 19, só pode significar caos social. E a humanidade terá que mergulhar cada vez mais neste caos, se não receber a ciência espiritual e a vida espiritual, o que levará a uma compreensão do Homem como uma trindade e à reconstrução da vida terrena para o Homem tríplice.
O homem teve que passar pelo materialismo. Suas forças teriam sido muito fracas para os tempos que viriam, se ele não tivesse passado pelo materialismo. Pois estranha e surpreendente é a evolução da humanidade. Vamos olhar para trás por um momento, para um evento da época da Lemúria. Encontramos um certo momento na evolução – está há milhares e milhares de anos atrás – quando a humanidade da Terra era bem diferente do que é agora. Você saberá, pelas descrições que dei na Ciência Oculta da evolução humana na Terra, que os vários impulsos entraram no Homem apenas gradualmente.
Houve um momento na evolução em que o que hoje chamamos de forças magnéticas e elétricas se estabeleceram no homem. Pois as forças magnéticas e elétricas vivem em nós de uma maneira misteriosa. Antes dessa época, o Homem vivia na Terra sem as forças magnéticas e elétricas que se desenvolveram desde então, espiritualmente, entre o funcionamento dos nervos e do sangue. Elas foram incorporados ao Homem naquela época.
Deixaremos de considerar as forças do magnetismo e uma parte das forças da eletricidade. Mas as forças que vou distinguir como as forças elétricas no galvanismo, voltaismo, etc. – forças que se apoderaram profundamente da cultura e da civilização de nosso tempo – essas forças encontraram entrada naquele tempo distante no organismo humano e se uniram com vida humana; e esse fato tornou possível que eles permanecessem por muito tempo desconhecidos da consciência humana.
O homem os carregou dentro de si, e por isso mesmo eles permaneceram desconhecidos para ele externamente. As forças do magnetismo e as outras forças elétricas nós aprendemos a conhecer antes. O galvanismo, a eletricidade do contato, que tem uma influência determinante muito mais profunda no carma de nossa época do que geralmente se pensa, só foi, como você sabe, descoberto na virada dos séculos XVIII e XIX, por Galvani e Volta. As pessoas dão muito pouca atenção a fatos como esses.
Apenas considere por um momento! Esse Galvani estava lidando com a perna de um sapo. “Por acaso”, como dizemos, ele o prendeu na janela, ele entrou em contato com o ferro e estremeceu. Esse foi o início de todas as descobertas que hoje regem a Terra por meio da corrente elétrica. E isso aconteceu há pouco tempo! As pessoas geralmente não param para pensar como é que a humanidade não chegou a esse conhecimento antes.
De repente, esse pensamento surge em um ser humano, de uma forma perfeitamente milagrosa; ele tropeça nele – por assim dizer, forçosamente. Em nossa era materialista, naturalmente nunca paramos para pensar sobre tal coisa. E esta é a razão pela qual não podemos compreender absolutamente nada sobre o verdadeiro devir da Terra. A verdade da questão é a seguinte:
Depois que a humanidade passou o momento do tempo lemuriano em que se implantou nele, ou recebeu implantada nele, as forças que hoje passam pelo fio na eletricidade e atuam de maneira invisível no próprio homem, depois que esse tempo passou, a eletricidade passou a viver dentro do ser humano. Bem, a evolução não ocorre da maneira simples e direta como as pessoas tendem a imaginá-la. Eles imaginam que o tempo avança continuamente até o infinito. Essa é uma concepção totalmente abstrata. A verdade é que o tempo se move e gira de tal maneira que a evolução é constantemente revertida e retrocede. Não é apenas no espaço que encontramos movimentos em curvas, como em uma lemniscata, mas também no tempo.
Durante a época lemuriana, o homem estava no ponto de cruzamento do movimento da lemniscata, e foi nessa época que ele implantou em si mesmo o princípio da força elétrica. Ele percorreu o caminho de retorno na época atlante e, no que diz respeito a certas forças, na época pós-atlântica, e chegou por volta do final do século 18 e início do século 19 exatamente no ponto da evolução dos mundos em que ele estava na velha era lemuriana quando implantou em si mesmo, a partir do cosmos, o princípio da eletricidade. Aí você tem a explicação de como aconteceu que Galvani descobriu a eletricidade naquele momento específico.
O homem sempre volta, em tempos posteriores, ao que experimentou antes. A vida segue seu curso em ciclos, em ritmos. No meio da era materialista que se desenvolveu desde os séculos 14 a 15, a humanidade estava naquele ponto do mundo: tudo pelo qual ele havia passado há muito tempo, na época da Lemúria. E a humanidade como um todo naquele momento se lembrou da entrada da eletricidade no ser humano, e então como resultado dessa memória impregnou toda a sua civilização com eletricidade. A alma e o espírito no Homem encontraram novamente o que experimentaram há muito tempo.
Verdades como essa devem ser vislumbradas com clareza, pois é apenas com verdades como essa que escaparemos da decadência no futuro.
Sob a influência das inspirações de que tenho falado hoje, certas mentes descobriram tais verdades. Pois o fato de as pessoas seguirem tais caminhos foi o resultado do fato de que muitas e diferentes correntes atuam na evolução humana. Se, por exemplo, o que os Templários queriam alcançar fosse a única influência operante na história, uma evolução bem diferente teria resultado para o Homem.
Pelo fato de que a outra corrente também – a Mefistofélica – foi misturada com ela (a corrente Mefistofélica, é claro, também estava lá desde o início, mas recebeu nova vida pelo destino dos Templários), o Homem foi trazido, em nosso tempo, para o materialismo apenas da maneira que realmente aconteceu. Essas forças mefistofelianas-arimânicas são necessárias na evolução da humanidade. E, como eu disse, certas grandes mentes foram guiadas pela inspiração que vem dos Templos Rosacruzes e tem sua fonte no mundo espiritual para reconhecer este princípio do qual estou falando aqui.
Não imagine que um grande poeta, um grande poeta que cria a partir do mundo espiritual, reúna suas palavras da maneira superficial que as pessoas muitas vezes imaginam que têm a liberdade de tomá-las! Não, um poeta como Goethe, por exemplo, sabe o que está contido e implícito na Palavra; ele sabe que na Palavra temos algo que faz ressoar o espírito por meio da pessoa que fala.
“Pessoa”, eu disse? Aqui devemos nos lembrar que “persona” é uma palavra que vem do latim para a máscara que o ator carrega e por onde soa sua voz. “Personare” significa ressoar. Tudo isso está intimamente ligado à evolução da Palavra. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e Divino era o Verbo.” A Palavra não estava no Homem; no entanto, a personalidade humana está intimamente ligada a ela.
Toda a evolução, como dissemos, é levada avante na medida em que não apenas as forças boas estão trabalhando, mas outras também. E um homem como Goethe proferiu em seu Fausto – embora em parte inconscientemente, ainda assim sob inspiração – notáveis e grandes verdades. Quando o Senhor está conversando com Mefistófeles no Prólogo no Céu, ele finalmente diz a Mefistófeles que Ele não tem objeções ao seu trabalho e influência.
Ele o reconhece e lhe permite seu lugar na evolução dos mundos. É devido a ele que existem atrativos e influências que devem, necessariamente, criar o que é mau. Mas então o Senhor volta e dirige sua palavra aos verdadeiros e genuínos Filhos dos Deuses que trazem a evolução normal, e com cujo trabalho, o trabalho da outra corrente está unido. E o que Ele diz a esses verdadeiros Filhos dos Deuses?
Mas vocês, os genuínos Filhos do Céu, alegrem-se!
Na beleza viva plena ainda se regozije!
Que aquilo que funciona e vive, o sempre crescente,
Em laços de amor envolvam-se, cheios de misericórdia,
E as formas aparentemente mutáveis, fluindo em torno de vocês,
Prendam sempre em pensamento!
O Senhor dá a Seus Filhos a ordem direta de colocar no mundo pensamentos duradouros! Esse pensamento duradouro foi colocado no mundo quando o princípio da eletricidade foi implantado no homem, e o homem foi levado de volta ao pensamento duradouro quando descobriu o princípio da eletricidade e o implantou em sua civilização materialista. De profundidade incomensurável é o pensamento expresso nestas linhas:
Que aquilo que funciona e vive, o sempre crescente,
Em laços de amor envolvam-se, cheios de misericórdia,
E as formas aparentemente mutáveis, fluindo em torno de vocês,
Prendam sempre em pensamento!
Isso significa uma experiência profunda para a alma, sentir aquele mistério dos “pensamentos duradouros”. Pois então sentimos como no mundo, aqui e ali, o Eterno permanece em repouso na forma de um pensamento duradouro, e nós, que pertencemos ao mundo do movimento, estamos passando pelo que está sendo colocado em formas mutáveis aparentes como pensamentos duradouros, como a beleza que tece e trabalha eternamente, se revela para que possamos compreendê-la quando chegar o momento certo.
E o momento certo também deverá chegar para a humanidade em um futuro próximo, mesmo que esteja predestinado a vir, se a humanidade não quiser cair em decadência. Que o homem entenda que tem que passar pelo próximo ponto, que reverte o materialismo em seu oposto, o ponto onde o grande pensamento do mundo espiritual pode irradiar na humanidade. A preparação agora está sendo feita para aqueles cujo karma permitiu que eles viessem para a Ciência Espiritual. E será a tarefa continuamente recorrente da Ciência Espiritual voltar seu trabalho nesta direção.
Pois para a era materialista que encontrou o pensamento duradouro que, em sua forma mais recente, Ahriman-Mefistófeles colocou na evolução moderna, a esta era materialista deve ser adicionado o que pode ser experimentado ao passar por um pensamento espiritual duradouro. A Ciência Espiritual deve cuidar para que a humanidade não deixe de apreender este pensamento espiritual. Portanto, também não devemos nos cansar em advertir o Homem repetidamente, para que o momento de compreensão da Ciência Espiritual não passe e se perca.
Rudolf Steiner – GA 171 – Dornach, 02 de outubro de 1916
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 28 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 14
Em direção ao futuro
Temos refletido sobre os eventos significativos que aconteceram – por assim dizer, nos bastidores da história mundial – durante o século XIX. A natureza de tudo isso é tal que, se alguém não quiser ser inteiramente abstrato, é necessário caracterizar muitas das coisas que devem ser ditas com respeito ao mundo espiritual, considerando seu reflexo ou imagem espelhada no mundo físico, pois os eventos aqui no mundo físico realmente refletem os eventos espirituais.
Antes de continuar, gostaria de chamar sua atenção para algo de grande significado que está por trás de todas essas coisas. Como vocês sabem, a transição do quarto para o quinto período de civilização pós-Atlântida ocorreu por volta de 1413, ou seja, no século XV. Isso foi caracterizado de muitas maneiras, mas deixe-me acrescentar hoje que a orientação espiritual dos assuntos terrenos envolveu principalmente membros da hierarquia dos Arcanjos – você encontrará alguns dos detalhes no pequeno volume intitulado A Orientação Espiritual do Homem e da Humanidade. Como eu disse, eles estavam principalmente envolvidos.
Tente, com toda a intensidade, obter uma imagem disso: os espíritos angélicos realizam suas tarefas nos mundos espirituais. Como resultado, muita coisa aconteceu na Terra. A história, a vida humana na quarta era pós-Atlântida, resultou na Terra. Os espíritos angelicais pertencentes à hierarquia dos Anjos serviam à hierarquia superior dos Arcanjos; eles fizeram isso de tal forma, no entanto, que o relacionamento entre os membros das duas hierarquias era inteiramente acima do terreno e no reino espiritual, mal tocando na vida humana.
Isso mudou com a chegada da quinta era pós-Atlântida, pois então os membros da hierarquia dos Anjos se tornaram mais independentes em sua tarefa de guiar a humanidade. Assim, a humanidade, que estava mais sob a orientação direta dos Arcanjos durante a quarta era pós-Atlântida, estará sob a orientação direta dos Anjos durante a quinta era – isto é, ao longo de nossa quinta era atual, até o quarto milênio. Portanto, não podemos mais dizer que o relacionamento está totalmente desconectado do mundo físico. É assim que o fato pode ser apresentado no nível espiritual.
Também pode ser apresentado em um nível mais físico, pois todas as coisas físicas são feitas à imagem do espírito. Procurando a rota indireta pela qual os Arcanjos guiaram a humanidade, trabalhando com os Anjos, durante a quarta era pós-Atlântida, podemos dizer: Isso foi feito através do sangue humano. E a estrutura social também foi criada por meio do sangue, pois era baseada na relação de sangue, nos laços de sangue. Tanto os Arcanjos quanto os Anjos moravam no sangue, por assim dizer. Na verdade, o sangue não é apenas algo para os químicos analisarem; é também a morada de entidades de mundos superiores.
Durante a quarta era pós-Atlântida, portanto, o sangue era a morada de Arcanjos e Anjos. Isso está mudando com a quinta era pós-Atlântida, pois os Anjos – estou me referindo aos Anjos da Luz, os Anjos normais – tomarão posse mais do sangue, e os Arcanjos estarão mais envolvidos no sistema nervoso. Isto, colocando nos termos da ciência moderna da fisiologia. Usando uma terminologia mais antiga, eu também poderia dizer: durante a quinta era pós-Atlântida, os Arcanjos estão essencialmente trabalhando mais no cérebro e os Anjos no coração. Você vê, portanto, que ocorreu uma grande mudança que pode ser rastreada até a estrutura física dos seres humanos.
As coisas que as pessoas fazem e alcançam aqui na terra estão conectadas com os espíritos que estão trabalhando nelas. As pessoas tendem a imaginar – nem sempre corretamente – que Anjos e Arcanjos estão em algum lugar na “Cloud-cuckoo-land” (gíria utilizada para um estado irrealista idealista onde tudo é perfeito). Se tivéssemos que tomar toda a vida neurológica humana como um lugar, e toda a vida sanguínea como outro lugar, e adicionar o que pertence a estes quando estamos em outros mundos entre a morte e o renascimento, teríamos os reinos dos Arcanjos e Anjos.
O século XV marcou um período específico na evolução da Terra e na correspondente evolução do mundo espiritual. Podemos caracterizar os eventos da época mais ou menos como segue: no século XV, a terra exercia a maior atração para os Arcanjos regulares que buscavam fazer a transição do sangue para o sistema nervoso. Voltando dos séculos XIV ao XIII, XII e XI, vemos que o poder de atração da Terra está crescendo cada vez menos; além desse período, cresceria cada vez menos.
Podemos dizer que os Arcanjos foram dirigidos por espíritos superiores para amar a existência terrena principalmente durante o século XV. Por mais estranho que possa parecer, para muitas pessoas hoje, que pensam apenas em termos grosseiramente materialistas, ainda assim é verdade que os eventos terrenos estão relacionados com essas coisas. Como a América foi redescoberta de uma maneira tão estranha e as pessoas começaram a fazer do mundo todo seu novamente – exatamente naquela época? Porque na época os Arcanjos eram os mais atraídos pela terra.
Eles, portanto, guiavam em parte o sangue e em parte o sistema nervoso, de tal maneira que os seres humanos começaram a sair de seus centros de civilização para dominar toda a terra. Eventos como esses devem ser vistos em conjunto com atividades espirituais, caso contrário, eles não podem ser compreendidos. É claro que soa peculiar às pessoas que pensam em termos materialistas grosseiros se você disser: a América foi descoberta e tudo o que lemos sobre a assim chamada história, aconteceu porque, dentro de certos limites, aquela era a época em que a terra continha o maior poder de atração para os Arcanjos.
Os Arcanjos então começaram a treinar os Anjos para tomar posse do sangue humano, enquanto os Arcanjos queriam fazer a transição para o sistema nervoso. No início da década de 1840, chegou o ponto em que certos anjos atrasados tentaram tomar o lugar que pertencia aos Arcanjos no sistema nervoso, em vez de residir e reinar no sangue. Podemos, portanto, dizer que na década de 1840 uma batalha significativa se desenvolveu da maneira que descrevi e, se considerarmos seu reflexo físico mais material, ocorreu entre o sangue humano e o sistema nervoso humano.
Os Anjos das Trevas foram expulsos do sistema nervoso para o sangue humano e agora causam a devastação no sangue humano que descrevi. É porque eles estão trabalhando no sangue humano que todas as coisas que descrevi, como devidas à influência dos anjos atrasados, estão acontecendo aqui na terra. É porque eles estão trabalhando no sangue humano que as pessoas se tornaram tão espertas quanto eu disse. Tudo isso se desenvolveu lenta e gradualmente, é claro, e podemos dizer que, embora a ruptura profunda tenha ocorrido em 1841, todo o século XIX foi contaminado por ela.
Uma evolução de profundo significado foi assim iniciada. Um fato importante, para o qual já chamei sua atenção nessas palestras, é que não depois do sétimo milênio, na evolução da Terra, as mulheres ficarão inférteis e a reprodução não será mais possível.
Se as coisas corressem inteiramente de acordo com os espíritos angélicos normais no sangue, a reprodução humana nem mesmo continuaria por tanto tempo; só continuaria até o sexto milênio, ou o sexto período de civilização pós-Atlântida; de acordo com a sabedoria da luz, o impulso para a reprodução não continuaria além deste tempo nos sete períodos da civilização nesta era pós-atlântica. No entanto, isso irá além disso, no sétimo milênio e possivelmente um pouco além. A razão será que aqueles anjos caídos estarão no comando e darão os impulsos para a reprodução.
Isso é altamente significativo. No sexto período de civilização pós-Atlântida, a fertilidade humana, que depende dos poderes da luz para seus impulsos, chegará gradualmente ao fim. Os poderes das trevas terão que intervir para que o processo continue por um tempo. Sabemos que as sementes do sexto período da civilização pós-atlântica estão no Leste da Europa.
O Leste da Europa desenvolverá tendências poderosas que não permitem que a reprodução humana física continue além do sexto período de civilização, mas, em vez disso, deixam a terra entrar em uma forma de existência na alma e no espírito. Os outros impulsos para o sétimo período de civilização pós-Atlântida, no qual a procriação será guiada pelos impulsos dos anjos caídos, virão da América.
Considere a natureza complexa dessas coisas, que só podem ser descobertas – devo enfatizar isso repetidamente – pela observação direta dos mundos espirituais. A mera teorização geralmente leva ao erro, pois com isso tendemos a seguir uma única linha de pensamento que finalmente levará à afirmação de que a vida procriativa humana se extinguirá no sexto período de civilização pós-atlantiano. É necessária uma observação espiritual real para nos permitir observar as diferentes correntes que interagem para produzir o todo. Você tem que investir muito nisso se quiser chegar a percepções significativas e suas interações, como aquelas de que tenho falado.
Considere a natureza complexa dessas coisas, que só podem ser descobertas – devo enfatizar isso repetidamente – pela observação direta dos mundos espirituais. A mera teorização geralmente levará ao erro, pois com isso tendemos a seguir uma única linha de pensamento que finalmente levará à afirmação de que a vida procriativa humana se extinguirá no sexto período de civilização pós-atlantiano. É necessária uma observação espiritual real para nos permitir observar as diferentes correntes que interagem para produzir o todo. Você tem que colocar grande esforço nisso se quiser chegar a percepções significativas e suas interações, como aquelas de que tenho falado.
A enorme complexidade dos seres humanos se torna aparente quando você considera que agora, na quinta era pós-atlantiana, Arcanjos e Anjos estão ativos neles através do sistema nervoso e do sangue, mas também estão os espíritos anormais que se opõem a eles. É aqui que estão ancoradas as forças que agem umas com as outras, umas contra as outras e assim por diante; lá vemos o que está acontecendo na realidade. Olhando para os eventos da vida exterior, só se vê a onda superficial e não as forças que a lançam na superfície.
Podemos dar outro exemplo da maneira como os espíritos das trevas, que foram abatidos em 1879, procuram exercer uma influência – antes de 1879 diretamente do mundo espiritual e, desde então, do próprio reino humano. Você se lembrará de algo sobre o qual falei em uma palestra anterior: que a humanidade como um todo está ficando cada vez mais jovem. Se voltarmos à Índia antiga, descobriremos que as pessoas permaneceram jovens e capazes de desenvolvimento físico até a idade avançada; durante a época persa, menos ainda, nos tempos egipto-caldeus menos ainda, até a época greco-latina, as pessoas só eram capazes de se desenvolver até atingirem o período que se estendia dos vinte e oito aos trinta e cinco anos.
Hoje eles estão cada vez mais jovens e só são capazes de se desenvolver até os vinte e sete anos, como eu disse a vocês. Mais tarde chegará um tempo em que isso só irá até o vigésimo sexto ano e assim por diante. Você deve se lembrar que me referi a alguém que está no centro das coisas no momento e que só pode ser realmente compreendido se percebermos que a idade de 27 anos desempenha um papel tão especial na vida hoje – e este é Lloyd George. Pois é sempre significativo quando a vida da alma coincide com a vida exterior do corpo.
O fato de que, em nossa quinta era pós-Atlântida, as pessoas são naturalmente capazes de um maior desenvolvimento apenas até atingirem os 20 anos, é importante como base para a ação combinada de Arcanjos e Anjos. Os espíritos normais, os espíritos da luz, querem dirigir a evolução humana de uma certa maneira. É a seguinte: os seres humanos são naturalmente capazes de um maior desenvolvimento até os 20 anos; os espíritos da luz querem manter esse processo íntimo, deixando que prossiga sem muita atividade nos seres humanos; então, no vigésimo oitavo ano, entre o vigésimo oitavo e o trigésimo quinto ano, o desenvolvimento que ocorreu silenciosamente deve emergir.
Marque bem, portanto. Algo que evolui no sangue humano até que as pessoas cheguem aos 28 anos é para entrar mais na autoconsciência das pessoas, é para ser entregue ao sangue na autoconsciência. É, portanto, a intenção dos espíritos normais, os espíritos da luz, que a vida interior se desenvolva silenciosamente, sem ambição e abnegadamente e só entre em ação quando os indivíduos atingirem a idade de 28 anos, quando os anos de aprendizagem já passaram e eles então se tornaram trabalhadores ativos e, finalmente, mestres.
Os espíritos das trevas, que foram expulsos do mundo espiritual, se rebelaram contra isso. Eles queriam que as pessoas tivessem um papel totalmente ativo na vida e fossem mestres no uso do intelecto externo aos vinte anos, em vez de passar por um desenvolvimento interior tranquilo.
Aqui você tem um fenômeno social rastreado desde seus fundamentos espirituais. Uma batalha significativa está ocorrendo entre nós, você perceberá. Os espíritos de luz só querem que cheguemos à maturidade e que estejamos prontos para assumir um papel ativo na vida pública a partir dos 28 anos. Os espíritos das trevas querem que o tempo seja adiantado, de modo que venha antes do vigésimo oitavo ano; eles querem empurrar as pessoas para a vida pública mais cedo. Todos os impulsos em nossa vida social que refletem esses elementos têm sua origem nisso – quando em um lugar ou outro, por exemplo, é feito o pedido para reduzir ainda mais a idade da maioridade, para os 20 anos ou mesmo antes dos 20 . Aí você tem as origens desses elementos.
É claro que as pessoas acham desconfortável saber dessas coisas hoje. Pois eles tornam evidente até que ponto os espíritos das trevas estão causando estragos nas questões públicas. Muito do que tenho dito até agora é conhecido instintivamente e atavisticamente pelas pessoas. Isso chegou ao fim, entretanto, e as pessoas terão que estar preparadas para adquirir conhecimento consciente de coisas que costumavam ser conhecidas instintivamente e também as que foram instiladas nas mentes humanas pelos antigos Mistérios. Os princípios espirituais devem ser incluídos na formação da estrutura social; eles devem ser considerados, ao invés de pessoas que desejam moldar o mundo cegamente com base em meras emoções.
Os espíritos das trevas acham mais fácil atingir seus objetivos se as pessoas estiverem adormecidas para o que se passa no espírito. Eles podem então facilmente ganhar poder sobre o que não poderiam alcançar, caso as pessoas entrem conscientemente nos impulsos espirituais que estão ativos na evolução. Grande parte da falsidade que existe no mundo hoje serve ao propósito de embalar as pessoas para que durmam, para que não vejam a realidade, que sejam desviadas da realidade, e assim os espíritos das trevas conduzem tudo à sua maneira com a raça humana. Todos os tipos de coisas são falsamente apresentados às pessoas para desviá-las das verdades que elas poderiam experimentar se estivessem acordadas e, de fato, deveriam experimentar, se a evolução humana quiser proceder de uma maneira frutífera. Esta é a época em que os seres humanos devem resolver os problemas com as próprias mãos.
Será de real importância ver certas coisas em sua verdadeira luz, o que, no entanto, só será possível se conhecermos os poderes espirituais envolvidos. Podemos dizer que o século dezenove trouxe tudo o que pode fazer com que as pessoas se desviem da verdade. Pense no que realmente significa o darwinismo intervir tão profundamente na evolução humana, mesmo no nível de pensamento mais popular, exatamente durante a fase mais importante da evolução do século XIX.
É estranho ver o que as pessoas às vezes pensam a esse respeito. Por exemplo, o famoso Dicionário de Filosofia de Fritz Mauthner inclui a declaração interessante de que não foi como Darwin superou a teleologia, a teoria do design e do propósito, que importava, mas o fato de que ele a superou. Em outras palavras, na visão de Mauthner, foi mais proveitoso que alguém apresentasse a evolução orgânica seguindo seu curso sem envolver entidades espirituais e seus desígnios e propósitos.
Agora, para alguém que é capaz de ver essas coisas em sua luz adequada, a questão aparece da seguinte forma. Se você vir um veículo puxado por cavalos, uma cabine com um cavalo na frente, o cavalo está puxando a cabine. Você dirá, é claro, que o cocheiro está sentado na baia e guiando o cavalo com as rédeas. Mas se você ignorar o condutor, achará interessante estudar o que se passa no cavalo para fazê-lo puxar a cabine; você pode entrar em cada detalhe de como o cavalo começa a conduzir a cabine, se deixar de lado o fato de que a intenção foi dada pelo motorista da cabine.
Esta é a base real das teorias darwinianas; simplesmente deixamos o cocheiro de lado, dizendo que é uma superstição antiga, um preconceito, dizer que o cocheiro está guiando o cavalo. O cavalo puxa o veículo, qualquer um pode ver, pois o cavalo está na frente. A teoria darwiniana é inteiramente baseada neste tipo de lógica. Sendo assim enviesado, tem, é claro, trazido à luz algumas verdades excelentes que são de primeira magnitude. Mas bloqueia todas as possibilidades de uma visão geral real.
Inúmeros fatos científicos são prejudicados no nível empírico pelo fato de as pessoas negligenciarem o condutor. Eles falam de causa e efeito; mas procuram a causa do movimento da cabine no cavalo, considerando isso um grande avanço. As pessoas não percebem que este tipo de confusão entre cavalo e condutor – tais “teorias do cavalo”, se você me perdoa sendo franco – existe à direita, à esquerda e no centro da ciência moderna. Não se pode provar que essas teorias estão erradas, assim como não é errado dizer que o cavalo puxa o veículo. Isso é totalmente correto, mas verdadeiro e falso no sentido externo não é o problema.
Os pensadores materialistas sempre serão capazes de refutar um pensador espiritualista que sabe que o condutor também está lá. Aqui você vê aonde o intelecto crítico, astuto e minucioso pode levar, que os espíritos das trevas desejam que os seres humanos tenham. Não importa acertar as coisas, muito menos concluí-las; o que conta é que se siga o modelo em que o cavalo puxa o veículo. A lógica pode facilmente se separar da realidade e seguir seu próprio caminho. É possível ser totalmente lógico e ao mesmo tempo estar longe da realidade.
Outra coisa deve ser considerada quando falamos da evolução humana: que os espíritos das trevas têm poder principalmente sobre a mente racional e o intelecto. Eles não conseguem dominar as emoções, nem os impulsos da vontade, acima de tudo os impulsos da vontade. Isso toca em uma lei da realidade profunda e mais significativa. Todos vocês, embora em um grau diferente, atingiram uma idade suficientemente respeitável para ser justo dizer que vocês viveram várias décadas, ou duas ou três décadas, pelo menos.
Nas últimas décadas, temos visto uma grande variedade de esforços sociais, muitos apoiados pelo jornalismo de imprensa, alguns também pelo jornalismo de livros, mas muito poucos baseados em conhecimentos reais e nos fatos. Vimos estranhas formas de vida social e política evoluir na Europa e na América. No entanto, estranhamente, encontramos em todas essas coisas as ideias pertencentes ao final do século XIX e início do século XX, mas não as emoções, nem os impulsos da vontade. Isso é realmente estranho. Isso só pode ser descoberto se realizarmos investigações genuinamente honestas e conscientes no mundo espiritual.
Pessoas que desceram do mundo do espírito na década de 1840 para encarnar em corpos humanos e agora estão no mundo novamente sabem sobre essas coisas; eles têm o ponto de vista do mundo espiritual e sabem que nas últimas décadas eram ativos os intelectos que estavam maduros para a época, enquanto os impulsos da vontade ainda eram os da década de 1840. A vontade se move muito mais lentamente na evolução humana do que as idéias. Por favor, tome isso como uma verdade altamente significativa: a vontade se move muito mais devagar do que os pensamentos.
Por exemplo, os hábitos patriarcais de cidadãos sólidos de pessoas que não eram rebeldes ou revolucionárias nas décadas de 1830 e 1840, mas estavam mais inclinadas a seguir a tendência geral, continuaram a viver nas décadas de que estou falando agora. Seus pensamentos foram adiante, entretanto, e assim há discrepâncias contínuas entre a vida pensada e a vida da vontade em suas vivências, discrepâncias que não se manifestam totalmente, mas apenas em algumas esferas da vida.
É inteiramente devido a isso que algo se tornou possível no século XIX que não tinha sido possível em nenhum século anterior. Os historiadores superficiais podem discordar, mas é inútil ir contra isso. O que quero dizer é o seguinte: nunca antes, nas épocas históricas da evolução humana, o intelecto, ou a perspicácia, interviu positivamente na vida. Volte para as rebeliões de escravos na Roma antiga; os escravos eram essencialmente excitados pelo rancor, pelos impulsos da vontade.
No século XIX e no século XX, isso é diferente. A social-democracia moderna não se compara, historicamente falando, com as antigas rebeliões de escravos; é algo totalmente diferente, nascido de teorias produzidas por Lassalle, mas principalmente por Karl Marx, incluindo sua teoria da luta de classes. Um elemento puramente crítico, puramente teórico, baseado em ideias, movia as pessoas e as transformava em agitadores.
É por isso que as pessoas que aderiram ao marxismo e se tornaram agitadoras ainda tinham os impulsos de vontade dos anos 1840. Eles não foram capazes de alcançar tais pensamentos no que dizia respeito à vontade. Esta discrepância na vontade teve o efeito de que, sob a orientação de certos poderes, um movimento puramente intelectual que gerou agitação entre as massas.
Isso é algo que não existia antes; isso mostra, ainda mais do que o que eu disse ontem, que no século XIX, em parte durante o tempo em que os Espíritos das trevas ainda estavam acima, e depois que desceram, procuraram acima de tudo encorajar o intelecto físico trabalhando através um fluxo particular.
Ali você os vê em ação, você os vê tomar conta das emoções, mesmo nas décadas de 1830 e 1840, e pela primeira vez agindo não apenas como puro intelecto para convencer as pessoas. Você vê o efeito direto do intelecto na agitação, revolução, anseios revolucionários. Nunca antes o intelecto estivera ao leme dessa forma. É importante considerar isso. Devemos penetrar no tempo com compreensão, descobrindo o que se passa nos bastidores da ‘história mundial’.
Pergunte a quem não se interessa muito por esses assuntos, o quão antiga a história é e há quanto tempo a humanidade está engajada na disciplina conhecida como “história” hoje. Eles dirão que isso existe há muito tempo. Mas a “história”, como a conhecemos hoje, não tem muito mais do que cem anos. Antes disso, eventos e “histórias” memoráveis foram registrados como “história mundial”, como é chamada, onde um fio condutor é seguido ao longo da evolução humana, tem pouco mais de cem anos. Veja as estórias ou histórias que precederam isso. Por que surgiu a história moderna? Porque é um produto de transição.
Existem razões especiais para que a história, da maneira como é tratada hoje, deva ser considerada uma ciência? Bem, podemos dar uma série de razões, a principal é que várias centenas de professores trabalham como professores de história em todas as universidades do mundo. Isso me lembra de uma pessoa que ensinou direito penal e que costuma vir à mente sempre que falamos sobre os motivos dos acontecimentos. Este indivíduo ensinou direito penal em uma universidade. Sempre iniciava suas palestras com o que considerava uma prova da liberdade humana. Bem, ele não produziu muito por razões reais: “Senhores, a liberdade tem que existir, porque se não houvesse liberdade não haveria direito penal. O fato é que sou professor de direito penal; portanto, se o direito penal deve existir; segue-se então que a liberdade humana também existe.”
Sempre que você ouvir opiniões expressas sobre o que se diz serem desenvolvimentos no curso da evolução humana, você ouvirá as belas palavras: ‘A história mostrou’. Observe as coisas que estão sendo escritas sobre os eventos atuais. Repetidamente, você verá a frase ‘a história mostrou isso’, quando alguém deseja apresentar seu absurdo sobre o que acontecerá quando a paz for feita. Eles dirão: ‘Era assim depois da Guerra dos Trinta Anos’, e assim por diante. Essas verdades são do tipo de que falei antes quando disse que, segundo os cálculos das pessoas, uma guerra não pode durar mais de quatro meses hoje.
Na verdade, a história não nos ensina nada. No pensamento materialista, as ciências só podem ser chamadas assim se houver exemplos repetidos que permitem tirar conclusões quanto a desenvolvimentos futuros. Quando um químico faz um experimento, ele sabe que, se combinar certas substâncias, certos processos ocorrerão; combinar as mesmas substâncias novamente resultará nos mesmos processos e, na terceira vez, será o mesmo novamente. Ou obtém-se uma certa combinação de nuvens que gera relâmpagos; uma combinação semelhante irá gerar relâmpagos. O pensamento moderno se baseia em premissas segundo as quais uma ciência não pode ser uma ciência a menos que se baseie nesse tipo de repetição.
Pense bem nisso. A história não pode ser uma ciência para quem tem o ponto de vista materialista, pois as coisas não se repetem na história, as combinações são sempre novas. Portanto, não é possível tirar conclusões usando o método empregado em outras ciências. A história é apenas um produto da transição. Só se tornou uma ciência no século XIX. Antes disso, eventos memoráveis foram descritos. Veja, escrever a história da sua família também não é considerado “história”. Até a palavra alemã para história, Geschichte, está longe de ser antiga.
Outras línguas nem mesmo têm essa palavra, pois a palavra ‘história’ tem uma origem bem diferente. No passado, o singular era “das Geschicht”, como em “das Geschicht der Apostel” – “a história dos apóstolos”, e assim por diante, “o que se passou”. Então, o plural “die Geschichten” – “as histórias” passou a ser usado, que é o plural direto de “das Geschicht”. Hoje devemos dizer “die Geschichte”. No entanto, na Suíça, “die Geschichten” ainda era o plural de “das Geschicht” 150 anos atrás. Então o artigo foi mudado e dizia-se “die Geschichte” – singular – que era o plural quando a palavra tinha o artigo “das”. Esta é a origem da palavra; você pode lê-lo em obras sobre etimologia.
O termo ‘história’ só terá significado real quando os impulsos espirituais forem levados em consideração. Aí podemos falar do que realmente aconteceu e, dentro de certos limites, do que acontece nos bastidores. Os limites são estabelecidos na medida em que comparamos isso com o que pode ser previsto para aplicar no mundo físico no futuro – a posição do sol no próximo verão, por exemplo, e assim por diante, mas não todos os detalhes do clima. O mundo do espírito também possui elementos que são como o clima do futuro em relação à posição futura do sol.
De modo geral, entretanto, o curso da evolução humana só pode ser conhecido com base em seus impulsos espirituais. A história é, portanto, embrionária e não o que deveria ser; só será finalmente algo quando fizer a transição de seus 100 anos de existência para a consideração da vida espiritual que está nos bastidores do que acontece no nível superficial para a humanidade.
Isso significa que as pessoas devem realmente despertar em muitos aspectos. Basta retomar um tema que não deixa de ter importância para o tempo presente, como o tema que acabo de abordar: Quantos anos tem a história? Muitas pessoas – e isso não é culpa dos indivíduos, mas apenas do sistema usado nas escolas – nunca tiveram a menor idéia de que a história ainda é tão jovem e ainda não pode estar de acordo com a realidade.
Imagine como seria se as ciências naturais tivessem apenas 100 anos e você quisesse compará-las com os estágios anteriores das ciências naturais! Essas coisas só passam gradualmente de algo que é meramente aprendido para se tornarem vida real. Somente quando isso for considerado seriamente e essas questões se tornarem questões educacionais é que as pessoas compreenderão a realidade da vida.
Por um lado, as pessoas devem ser apresentadas à vida da natureza quando ainda jovens, como se vê em algumas – estou dizendo algumas – das histórias da obra de Brehm, onde é realmente possível obter uma percepção viva de coisas que acontecem por meio de criaturas do mundo animal. Deve-se distinguir, acima de tudo, tudo o que se baseia na realidade e os contos alegóricos e simbólicos contados por pessoas cuja abordagem da natureza é inteiramente superficial.
Isso apenas se colocaria entre as crianças e sua compreensão da realidade. A questão é que não devemos dizer-lhes nada de simbólico e alegórico, mas apresentá-los à vida real da história natural. Podemos considerar a vida das abelhas, não como os zoólogos o fazem, mas como quem entra nas coisas com o coração e a alma, sem ser sentimental a esse respeito. O livro de Maeterlinck sobre as abelhas é, claro, muito bom, mas não seria adequado para crianças; pode induzir alguém a escrever um livro infantil sobre abelhas, ou talvez sobre formigas. Você teria que evitar qualquer forma de alegoria, nem deveria falar de entidades espirituais abstratas; você realmente teria que entrar na realidade concreta.
Por outro lado, a “história”, que é um absurdo e prejudicial para as crianças como está agora escrita, teria de ser tratada de tal forma que sempre se pudesse sentir o espiritual em ação nela. Claro, você não pode dizer às crianças, nem mesmo aos meninos e meninas da escola primária, o que realmente aconteceu no século XIX; você pode dar expressão à situação real na maneira como a história é contada, pela maneira como os eventos são agrupados e pelo valor dado a um ou outro elemento.
As histórias inventadas para o século XIX certamente não são o que é necessário para dar até mesmo às pessoas mais maduras uma ideia do que realmente aconteceu. Devemos mostrar como algo estava em preparação durante a primeira, segunda, terceira e quarta décadas daquele século, que realmente ganhou vida nos anos quarenta. Tudo o que temos a fazer é descrever as coisas de tal forma que o indivíduo em questão tenha uma noção dos eventos na Europa e na América durante a década de 1840: esse algo especial é ‘misturado e agitado’, se você me perdoa a expressão.
Então, novamente, quando se chega à década de 1870, não diríamos que foi a época em que os Anjos foram lançados do céu, mas podemos falar de uma maneira que as pessoas vejam e sintam que uma grande mudança aconteceu naquele ponto no século dezenove. A antroposofia também pode enriquecer a história anterior. O detrito apresentado como história grega e romana nas escolas de hoje poderia realmente ganhar vida se os impulsos antroposóficos que conhecemos fossem incorporados a ele. Não há necessidade de usar exatamente esses termos e ideias, mas conte a história de tal forma que ela surja na narrativa. As pessoas se distanciaram muito disso e devem se aproximar novamente.
Essa é a única maneira pela qual as pessoas podem ter uma noção da realidade. Eles não têm esse sentido hoje, mesmo no que diz respeito aos aspectos mais primitivos da vida ao seu redor e aos eventos dos quais compartilham. As pessoas pensam que são realistas e materialistas hoje quando, na verdade, são os teóricos mais abstratos que você possa imaginar, cheios de teorias, profundamente adormecidos em nada além de teorias e nem mesmo cientes do fato. Se por acaso um deles acordasse – não é uma questão de acaso, mas se usarmos a forma popular de dizê-lo, poderíamos dizer: se um deles por acaso acordasse e dissesse algo enquanto estivesse acordado, ele simplesmente seria ignorado. É assim que as coisas são hoje.
Você sem dúvida deve ter ouvido que certas pessoas estão repetidamente proclamando ao mundo que a democracia deve se espalhar para todo o mundo civilizado. A salvação consiste em tornar toda a humanidade democrática; tudo terá que ser despedaçado para que a democracia se espalhe pelo mundo. Bem, se as pessoas continuarem a aceitar as idéias apresentadas a elas como são, com aceitação total do termo democracia, por exemplo, sua idéia de democracia será como a definição do ser humano que eu dei a você: um ser humano é um criatura com duas pernas e sem penas: um galo depenado.
As pessoas que hoje glorificam a democracia sabem tanto sobre ela quanto quem vê um galo depenado sabe sobre o ser humano. Os conceitos são tomados por realidade e, como resultado, a ilusão pode tomar o lugar da realidade, onde a vida humana está preocupada em embalar as pessoas para dormir com conceitos. Eles acreditam que os frutos de seus esforços serão que cada indivíduo será capaz de expressar sua vontade nas diferentes instituições democráticas, e eles não conseguem ver que essas instituições são tais que são sempre apenas algumas pessoas que puxam os fios, enquanto o o resto é puxado.
Eles estão convencidos, no entanto, de que fazem parte da democracia e, portanto, não percebem que estão sendo puxados e que alguns indivíduos estão puxando as cordas. Esses indivíduos acharão muito mais fácil puxar se todos acreditarem que estão fazendo por si mesmos, em vez de serem puxados. É muito fácil acalmar as pessoas para dormir com conceitos abstratos e fazê-las acreditar no oposto do que é realmente verdade. Isso dá aos poderes das trevas a melhor oportunidade de fazer o que desejam. E se alguém acordar, será simplesmente ignorado.
É interessante notar que ,em 1910, alguém escreveu que o capitalismo em grande escala tinha conseguido fazer da democracia a ferramenta mais maravilhosa, flexível e eficaz para explorar toda a população. Os financiadores geralmente eram imaginados como inimigos da democracia, escreveu o indivíduo em questão, mas isso foi um erro fundamental. Ao contrário, eles dirigem a democracia e a encorajam, pois ela fornece uma cortina atrás da qual podem esconder seu método de exploração e a consideram sua melhor defesa contra quaisquer objeções que a população possa levantar.
Pela primeira vez, portanto, um homem acordou e viu que o que importava não era proclamar a democracia, mas ver a realidade plena, não seguir slogans, mas ver as coisas como elas são. Isso seria particularmente importante hoje, pois as pessoas perceberiam que os eventos que reinam com tanto sangue e terror sobre toda a humanidade são guiados e dirigidos a partir de apenas alguns centros. As pessoas nunca perceberão isso se persistirem na ilusão de que uma nação está lutando contra outra nação e permitirem que a imprensa européia e americana as embalem para dormir sobre os tipos de relações que dizem existir entre as nações.
Tudo o que se diz sobre antagonismo e oposição entre as nações existe apenas para lançar um véu sobre as verdadeiras razões. Pois nunca chegaremos à verdade real se nos alimentarmos de palavras para explicar esses eventos, mas apenas se apontarmos para pessoas reais. O problema é que isso tende a ser desagradável hoje. E o homem que acordou e escreveu essas declarações em 1910 também apresentou alguns relatos altamente indesejáveis em seu livro. Ele produziu uma lista de cinquenta e cinco indivíduos que são os verdadeiros governantes e exploradores da França.
A lista pode ser encontrada em “La Democratie et les Financiers”, de Francis Delaisi, escrito em 1910; o mesmo homem também escreveu “La Guerre qui vient”, um livro que se tornou famoso. Em seu “La Democratie et les Financiers”, você encontrará declarações de significado fundamental. Lá você tem alguém que despertou para a realidade. O livro contém impulsos que permitem ver através de muito do que deveríamos ver hoje, e também cortar grande parte da névoa que é feita para lavar os cérebros humanos hoje. Aqui, novamente, devemos resolver olhar para a realidade.
O livro, é claro, foi ignorado. No entanto, levanta questões que deveriam ser levantadas em todo o mundo hoje, pois ensinariam às pessoas muito sobre a realidade que outros pretendem enterrar sob todas as suas declarações sobre democracia e autocracia e quaisquer que sejam os slogans. O livro também oferece uma excelente exposição sobre a posição extremamente difícil em que se encontram os membros do parlamento. As pessoas pensam que podem votar de acordo com suas convicções.
Mas você teria que conhecer todos os diferentes fios que os prendem à realidade se quisesse saber porque eles votam a favor de uma coisa e contra outra. Certos problemas realmente devem ser levantados. Delaisi faz isso. Assim, por exemplo, ele considera um membro do parlamento e faz a pergunta: Que lado o pobre homem pobre deve apoiar? O povo lhe paga três mil francos por ano e os acionistas lhe pagam trinta mil francos! Fazer a pergunta é respondê-la.
Assim, o pobre querido homem recebe sua mesada de três mil francos do povo e trinta mil francos dos acionistas! Acho que você concordará que é uma boa prova, um sinal de verdadeira perspicácia, dizer: que bom que um socialista, um homem do povo como Millerand, ganhou uma cadeira no parlamento! A pergunta de Delaisi vai em outra direção. Ele pergunta: até que ponto alguém como Millerand, que ganhava trinta mil francos por ano representando companhias de seguros, pode ser independente?
Então, pela primeira vez, alguém acordou. Ele está bem ciente dos fios que vão desde as ações desse indivíduo até as diferentes seguradoras. Mas essas coisas, relatadas por alguém que está acordado e vê a verdade, são ignoradas. É claro que é muito fácil falar sobre democracia no mundo ocidental. No entanto, se você quisesse contar a verdade às pessoas, teria de dizer: ‘O homem chamado fulano está fazendo isso, e aquele que foi chamado assim e assim está fazendo aquilo.’ Delaisi encontrou cinquenta e cinco homens – não uma democracia, mas cinquenta e cinco indivíduos específicos – que, diz ele, governam e exploram a França. Lá, alguém descobriu os fatos reais, pois também na vida cotidiana deve-se despertar um sentimento pelos fatos reais.
Aqui está mais de Delaisi: era uma vez um advogado que tinha todos os tipos de conexões, não apenas companhias de seguros, mas centros de finanças, mundos financeiros. Mas este advogado queria almejar ainda mais alto; ele queria patrocínio não apenas do mundo das finanças, indústria e comércio, mas também do mundo acadêmico da Academia Francesa. Este é um lugar onde o mundo acadêmico pode elevar alguém à esfera da imortalidade.
Havia dois ‘Imortais’ dentro da Academia, no entanto, que estavam envolvidos em transações fiduciárias ilegais. Eles descobriram que era perfeitamente possível combinar seu trabalho pela imortalidade com transações fiduciárias que a lei do país não permitia. Então, nosso advogado perspicaz defendeu os dois Imortais no tribunal e conseguiu libertá-los, encobri-los para que nenhuma sentença fosse proferida.
Eles então o admitiram no ranking dos “Imortais”. A ciência, responsável não pelas coisas temporais do mundo, mas pelas coisas eternas e imortais, tornou-se a defensora deste advogado altruísta. Seu nome é Raymond Poincar. Delaisi conta a história em seu “La Democratie et les Financiers”.
Não é ruim saber essas coisas, que são ingredientes da realidade. Elas devem ser considerados seriamente. E a pessoa é orientada a desenvolver uma espécie de faro para a realidade quando se assume a antroposofia, enquanto a educação materialista que as pessoas têm hoje, com inúmeros canais abertos para ela a partir da imprensa, é projetada para apontar não para as realidades, mas para algo que está encoberto em todos os tipos de slogans. E se alguém acordar, como fez Delaisi, e escrever sobre como as coisas realmente são, quantas pessoas ficarão sabendo? Quantas pessoas vão ouvir?
Eles não podem ouvir, pois está enterrado por uma vida que, novamente, é governada pela imprensa. Delaisi mostra-se uma pessoa brilhante, alguém que teve muitos problemas para obter uma visão real. Ele não é um seguidor cego do parlamentarismo, nem da democracia. Ele prediz que as coisas que as pessoas pensam ser tão inteligentes hoje chegarão ao fim. Ele diz isso expressamente, também com referência à “máquina de votação” – que é aproximadamente como ele diz.
Ele é inteiramente científico e sério em seu discurso sobre esta máquina de votação parlamentar, pois ele entende todo o sistema que leva a essas “máquinas de votação”, onde as pessoas são levadas a acreditar que uma maioria convicta está votando contra uma minoria mentalmente desequilibrada. Ele sabe que algo mais terá de substituir esse contexto se quiser que haja um desenvolvimento saudável.
Isso ainda não é possível, pois as pessoas ficariam profundamente chocadas se você lhes dissesse o que vai acontecer. Somente pessoas iniciadas na ciência espiritual podem realmente saber disso hoje. As formas que pertencem ao passado definitivamente não tomarão seu lugar. Você não precisa ter medo de que alguém falando a partir da antroposofia promova algum tipo de ideia reacionária ou conservadora; não, não serão coisas do passado, mas serão tão diferentes da ‘máquina de votação’ que existe hoje que as pessoas ficarão chocadas e considerarão esta loucura.
No entanto, ele entrará nos impulsos da evolução com o tempo. Delaisi também diz: no desenvolvimento orgânico, certas partes perdem sua função original e se tornam inúteis, mas ainda persistem por algum tempo; da mesma forma, esses parlamentos continuarão a votar por algum tempo, mas toda a vida real terá sido eliminada deles.
Você sabe que os seres humanos têm partes do corpo assim. Algumas pessoas podem mover as orelhas porque os músculos para isso existiam no passado. Ainda temos esses músculos, mas eles se tornaram atávicos e perderam sua função. É assim que Delaisi vê o parlamento do futuro; os parlamentos serão remanescentes atávicos que morreram e cairão, e algo muito diferente surgirá na evolução humana.
Citei Delaisi e seu livro, que apareceu não há muito tempo, em 1910, para mostrar que realmente existem pessoas suficientes – pois uma dessas pessoas bastará para muitos milhares. É importante, no entanto, não ignorar essas pessoas. Além de meus esforços para apresentar a você as leis da vida espiritual e os impulsos da vida espiritual, também considero ser minha função chamar a atenção para os elementos significativos da vida atual.
Isso significa, é claro, que inicialmente você ouvirá aspectos chamados de significativos nessas palestras que não são considerados significativos na vida externa, se você os encontrar de alguma forma mencionados. As coisas que fazemos devem ser radical e completamente diferentes daquelas que são feitas fora. E só podemos seguir verdadeiramente a ciência do Espírito da maneira que deve ser seguida se aceitarmos isso em toda a sua profundidade e seriedade.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 28 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 27 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 13
A influência dos Espíritos caídos
Continuaremos com o mesmo tema, pois isso proporcionará um pano de fundo para a avaliação dos eventos significativos que agora se apresentam à mente humana, eventos nos quais a humanidade está agora envolvida e que são mais significativos do que muitas vezes se percebe hoje. Procurei mostrar que ocorrências importantes no mundo espiritual formam o pano de fundo desses eventos. Também falei da batalha profundamente significativa que ocorreu nas regiões espirituais do mundo entre o início da década de 1840 e o outono de 1879.
Esta foi uma das batalhas que ocorrem repetidamente na evolução mundial e humana e são habitualmente representadas pela imagem de Micael ou São Jorge lutando contra o dragão. Micael obteve uma dessas vitórias sobre o dragão em nome dos mundos espirituais em 1879. Naquela época, os espíritos das trevas que trabalharam contra os impulsos Micaélicos foram expulsos do reino espiritual para os reinos humanos. Como eu disse, a partir de então, eles têm estado ativos no sentimento, na vontade e nos impulsos mentais dos seres humanos. Os eventos atuais, portanto, só podem ser compreendidos se voltarmos os olhos internos para os poderes espirituais que agora estão se movendo entre nós.
Inevitavelmente, uma questão deve surgir quanto à natureza real da batalha que assolou nas regiões espirituais entre as décadas de 1840 e 1870, e da atividade dos espíritos das trevas desde novembro de 1879.
A história do que estava por trás dessa batalha significativa, ou podemos dizer, nos bastidores da história mundial, só pode se revelar lenta e gradualmente. Hoje, devemos primeiro considerar algumas maneiras pelas quais um reflexo da batalha foi lançado nas regiões humanas. Muitas vezes chamei a atenção para o grande ponto de inflexão na evolução das esferas culturais modernas que ocorreu no início da década de 1840. Este foi o ponto de inflexão que trouxe todo o impulso para o desenvolvimento do materialismo. O materialismo só pôde se desenvolver em conseqüência de ocorrências importantes no mundo espiritual, que então continuaram em uma direção descendente e gradualmente fizeram com que os impulsos materialistas fossem instilados na humanidade. Se considerarmos como os eventos nas regiões espirituais foram refletidos aqui na Terra, duas coisas são particularmente evidentes.
A primeira é que o intelecto puramente físico e uma cultura baseada nisso mostraram um tremendo aumento nas décadas de 1840, 50, 60 e 70, muito mais do que as pessoas imaginam hoje – os futuros observadores verão isso com mais clareza. É razoável dizer que qualquer pessoa que estude a evolução da humanidade e tenha um olho para elementos mais sutis da vida humana notará que nunca houve tal aumento na sutileza de concepção, perspicácia e faculdades críticas para os adeptos do materialismo como durante essas décadas.
Todo o pensamento que caracterizei, o pensamento que leva a invenções técnicas, à crítica e a definições brilhantes, é pensamento físico e está ligado ao cérebro. Um materialista que quisesse descrever a evolução humana teria motivos para dizer: “A humanidade nunca foi tão inteligente como durante essas décadas.” Foi realmente inteligente. Se você estudar a literatura – aqui não quero dizer apenas literatura refinada – você descobrirá que em nenhuma outra época as idéias foram tão bem definidas e o pensamento crítico tão bem desenvolvido como naquela época, e isso acontecia em todos os tipos de áreas. Vemos um reflexo espelhado se desenvolver nas almas humanas dos objetivos que certos espíritos das trevas buscavam alcançar nos anos 40, 50, 60 e 70 do século passado, sempre esperando a vitória.
Eles procuraram obter a posse de uma antiga herança da humanidade. A isso nos referimos ontem: ao longo dos milênios, os progressivos espíritos de luz guiaram a humanidade por meio de laços de sangue. Eles reuniram pessoas em famílias, tribos, nações e raças, unindo aqueles que pertenciam à base de um carma humano e mundial verdadeiramente antigo. Com seu sentimento por aqueles laços de sangue, as pessoas também tinham um sentimento por missões que eram muito antigas no mundo, missões destinadas a fazer os laços de sangue – que, é claro, vieram da terra – parte do carma humano geral .
Eles procuraram obter a posse de uma antiga herança da humanidade. A isso nos referimos ontem: ao longo dos milênios, os progressivos espíritos de luz guiaram a humanidade por meio de laços de sangue. Eles reuniram pessoas em famílias, tribos, nações e raças, unindo aqueles que pertenciam à base de um carma humano e mundial verdadeiramente antigo. Com seu sentimento por aqueles laços de sangue, as pessoas também tinham um sentimento por missões que eram muito antigas no mundo, missões destinadas a fazer os laços de sangue – que, é claro, vieram da terra – parte do carma humano geral .
Se alguém voltar a atenção para o mundo espiritual durante as décadas de 1820 e 1830, quando as almas que mais tarde entrariam nos corpos humanos ainda estavam naquele mundo, descobrirá que as almas que estavam para descer tinham certos impulsos que, entre outras coisas , foram devido ao fato de que por milênios eles estiveram ligados a determinadas famílias, tribos, nações e raças cada vez que estiveram na terra. A partir da década de 1840, essas almas deveriam tomar a decisão de entrar em corpos específicos. Pois os espíritos de luz que enviaram seus impulsos às almas humanas estavam, é claro, guiando a evolução humana de acordo com os antigos laços de sangue. E assim, as almas humanas nos mundos espirituais, tinham certos impulsos para seguir o antigo carma humano ao entrar em corpos que deveriam ser a população na segunda metade do século XIX e no início do século XX. Os espíritos da luz estavam usando as velhas medidas para controlar e guiar essas almas.
Os espíritos das trevas queriam obter controle sobre isso. Eles queriam tirar os impulsos dos espíritos de luz dessas almas humanas e trazer seus próprios impulsos. Se os espíritos das trevas tivessem vencido a batalha em 1879, a relação entre os corpos humanos e as almas teria sido totalmente diferente do que realmente se tornou nas pessoas nascidas depois de 1879. Almas diferentes estariam em corpos diferentes, e o plano de acordo com quais os assuntos humanos, na terra, foram ordenados teria sido de acordo com o ideal dos espíritos das trevas. Mas não é. Graças à vitória que Micael conquistou sobre o dragão no outono de 1879, isso não poderia acontecer.
Durante as décadas de 1840, 50, 60 e 70, a batalha se refletiu na terra com uma perspicácia particular, na faculdade crítica e assim por diante, como descrevi. Como eu disse antes, a mera especulação não nos leva a lugar nenhum; ele precisa de observação espiritual genuína. A especulação jamais poderia mostrar que as próprias qualidades do intelecto físico que mencionei são um reflexo aqui na terra da batalha pela reprodução, pelo modo como a geração segue a geração.
Essas coisas devem ser observadas. Qualquer pessoa que pense que as conexões corretas entre os mundos físico e espiritual podem ser encontradas usando o intelecto físico está muito enganada. Essa abordagem normalmente dará o resultado errado, porque as regras da lógica usadas são as das ciências físicas. Isso se aplica apenas ao mundo físico, entretanto; elas não se aplicam ao relacionamento entre os mundos físico e espiritual. Essa, então, era uma maneira pela qual a batalha pelo sangue se refletia.
A outra maneira – isso novamente é algo que mencionei antes – foi o surgimento do espiritualismo na década de 1840 e mais tarde. Certos grupos, longe de serem pequenos, procuraram explorar as conexões com o mundo espiritual por meio de médiuns, isto é, essencialmente por meios físicos. Se isso tivesse acontecido, se os espíritos das trevas tivessem sido fortes o suficiente para ganhar a vitória sobre os adeptos de Micael em 1879, o espiritualismo teria se espalhado enormemente. Pois o espiritualismo recebe seus impulsos não só da terra, mas também é governado por influências vindas do outro mundo. É importante deixar bem claro que não se trata de uma questão de escolha; não é possível ser tranquilo e dizer: “Ou aceitamos essas coisas ou nos recusamos a aceitá-las.” Certamente não é assim.
As coisas que aconteceram nos círculos espiritualistas representaram em parte uma significativa intrusão do mundo espiritual; certamente surgiram de impulsos vindos do mundo espiritual e muitas vezes estavam intimamente ligados aos destinos humanos. Eles eram, no entanto, um reflexo espelhado da batalha que havia sido perdida na região espiritual. É também por isso que o espiritualismo perdeu força e se tornou tão estranhamente corrompido depois daquele momento. Teria sido o meio pelo qual a atenção das pessoas teria sido atraída para o mundo espiritual, e teria sido o único meio se os espíritos das trevas tivessem obtido a vitória em 1879.
Se eles tivessem vencido, viveríamos em um mundo de perspicácia indescritível que se aplicaria a todos os tipos de diferentes esferas da vida. As especulações na Bolsa de Valores, às vezes um tanto estúpidas hoje em dia, teriam sido feitas com incrível perspicácia. Este é um aspecto. Por outro lado, as pessoas em todo o mundo teriam procurado satisfazer suas necessidades espirituais usando médiuns. Então, você tem o que os espíritos das trevas pretendiam: perspicácia física por um lado, e uma maneira de buscar conexão com o mundo espiritual baseada na consciência reduzida, por outro. Acima de tudo, os espíritos das trevas queriam impedir que as experiências espirituais, a experiência viva do espírito, descessem às almas humanas; isso estava fadado a acontecer gradualmente após sua queda em 1879.
O tipo de experiência espiritual que é utilizada na ciência espiritual da antroposofia teria sido impossível se os espíritos das trevas tivessem sido vitoriosos, pois eles teriam mantido essa vida e atividade nas regiões espirituais. É somente por causa de sua queda que ao invés da inteligência física meramente crítica e da abordagem mediúnica, foi e será cada vez mais possível obter experiências diretas no mundo espiritual. Não foi à toa que recentemente disse a vocês como a época atual depende muito mais das influências espirituais do que as pessoas acreditam. Nossa época pode ser materialista e quer se tornar ainda mais materialista, mas os mundos espirituais se revelam aos seres humanos em muito mais lugares do que se poderia pensar. As influências espirituais podem ser sentidas em todos os lugares, embora atualmente nem sempre sejam boas.
As pessoas costumam achar embaraçoso admitir aos outros seu conhecimento das influências espirituais, mas muitas coisas que elas fazem, ou iniciam, são feitas porque algo apareceu para elas em um sonho que foi uma genuína influência espiritual. Pergunte aos poetas por que eles se tornaram poetas. Falando da época em que começaram a ser poetas, eles dirão que tiveram experiências espirituais que vieram como um sonho, e isso lhes deu o impulso de serem criativos. Pergunte às pessoas que começaram um diário por que o fizeram – estou lhe dando alguns fatos – e elas falarão sobre o que chamam de sonhos, embora esta seja na verdade a transmissão de impulsos do mundo espiritual para o físico.
E há muito mais disso, também em outras áreas, mas as pessoas não admitem, pois pensam que se disserem a alguém: ‘Fiz uma coisa ou outra porque um espírito ou outro me apareceu em um sonho’. a outra pessoa vai chamá-los de idiotas. Isso, é claro, não é uma coisa agradável de se ouvir. É por isso que sabemos tão pouco sobre o que realmente acontece entre as pessoas hoje. As coisas que agora acontecem esporadicamente em um lugar ou outro são apenas a vanguarda do que vai acontecer cada vez mais: a espiritualidade chegará aos seres humanos porque Micael conquistou sua vitória em 1879. O fato de termos uma ciência do espírito também é inteiramente devido a isso. Caso contrário, as verdades em questão teriam permanecido nos mundos espirituais; elas não poderiam ter vindo para habitar em cérebros humanos e não existiriam para o mundo físico.
Você recebeu imagens que podem servir para demonstrar as intenções dos espíritos das trevas nos anos 1840, 50, 60 e 70, quando eles lutaram contra os seguidores de Micael. Esses espíritos estão aqui entre os seres humanos desde o outono de 1879. Eles não conseguiram atingir seus objetivos: o espiritualismo não se tornará a persuasão humana geral; as pessoas não ficarão tão espertas do ponto de vista materialista a ponto de cair sobre si mesmas com sua inteligência. As verdades espirituais criarão raízes entre os seres humanos.
Por outro lado, os espíritos das trevas estão agora entre nós. Temos que estar em guarda para que possamos perceber o que está acontecendo quando os encontrarmos e ter uma ideia real de onde eles podem ser encontrados. A coisa mais perigosa que você pode fazer no futuro imediato é entregar-se inconscientemente às influências que estão definitivamente presentes. Pois não faz diferença para realidade deles se eles são reconhecidos ou não.
Será a principal preocupação desses espíritos das trevas trazer confusão aos elementos legítimos que agora estão se espalhando na terra, e precisam se espalhar, de tal forma que os espíritos da luz possam continuar a estar ativos neles. Eles procurarão empurrá-los na direção errada. Já falei de uma dessas direções erradas, que é tão paradoxal quanto possível. Eu indiquei que, embora os corpos humanos se desenvolvam de tal forma que certas espiritualidades possam encontrar espaço neles, a tendência materialista, que se espalhará cada vez mais sob a orientação dos espíritos das trevas, trabalhará contra e combaterá isso por meios físicos.
Eu disse a vocês que os espíritos das trevas vão inspirar seus hospedeiros humanos, nos quais eles vão morar, a encontrar uma vacina que vai tirar toda inclinação para a espiritualidade na alma das pessoas quando elas ainda são muito jovens, e isso vai acontecer de uma forma indireta através do corpo vivo. Hoje, os corpos são vacinados contra uma coisa e outra; no futuro, as crianças serão vacinadas com uma substância que certamente será possível produzir, e isso as tornará imunes, para que não desenvolvam inclinações tolas ligadas à vida espiritual – “tolas”, é claro, aos olhos de materialistas.
Um começo já foi feito, embora apenas no campo literário, onde é menos prejudicial. Como já mencionei, médicos eruditos especialistas publicaram livros sobre as anormalidades de certos homens geniais. Como você sabe, foram feitas tentativas para compreender a genialidade de Conrad Ferdinand Meyer, Viktor Scheffel, Nietzsche, Schopenhauer e Goethe, mostrando que sofrem de certas anormalidades. E o mais espantoso neste campo é que as pessoas também têm procurado compreender Jesus Cristo e os Evangelhos deste ponto de vista. Já existem duas publicações nas quais se afirma que as origens do Cristianismo se devem ao fato de que, no início de nossa era, vivia um indivíduo mental e psicologicamente anormal; esse indivíduo viveu na Palestina como Jesus Cristo e infectou as pessoas com o cristianismo.
Esses, como eu disse, são os primórdios no campo da literatura. Toda a tendência vai em uma direção em que finalmente será encontrada uma forma de vacinar os corpos de forma que esses corpos não permitam que a inclinação para as idéias espirituais se desenvolva e por toda a vida as pessoas acreditarão apenas no mundo físico que percebem com os sentidos. Por impulsos que a profissão médica ganhou da presunção – ah, peço perdão, da tuberculose que sofreram – as pessoas agora estão vacinadas contra a tuberculose, e da mesma forma serão vacinadas contra qualquer inclinação para a espiritualidade. Isso é apenas para dar a você um exemplo particularmente notável de muitas coisas que virão em um futuro próximo e mais distante neste campo – o objetivo é trazer confusão aos impulsos que querem fluir para a terra após a vitória dos espíritos de luz.
O primeiro passo deve ser confundir as opiniões das pessoas, virando seus conceitos e ideias do avesso. Isso é uma coisa séria e deve ser observada com cuidado, pois faz parte de alguns elementos muito importantes que serão o pano de fundo para os eventos agora em preparação.
Estou escolhendo minhas palavras com muito cuidado. Digo “em preparação” porque estou plenamente ciente de que dizer “em preparação”, depois dos acontecimentos que ocorreram nos últimos três anos, é algo significativo. Qualquer pessoa que seja capaz de ver mais profundamente esses assuntos sabe que são preparativos. Apenas pessoas superficiais podem acreditar que esta guerra, que não é uma guerra da velha espécie, será amanhã ou depois de amanhã uma paz da velha espécie. Você tem que ser muito superficial para acreditar nisso. Muitos acreditarão, é claro, se os eventos externos parecerem estar de acordo com as noções que algumas pessoas têm; eles não conseguirão perceber o que realmente está adormecido sob a superfície.
É interessante considerar as décadas de 1840 em diante, tanto em geral quanto em detalhes. Fizemos uma caracterização geral delas nas últimas semanas e, até certo ponto, voltei a falar sobre isso hoje. Um estudo de figuras representativas – os impulsos espirituais que a evolução do poder vem a se expressar em tais figuras – mostrará que as percepções gerais obtidas também se provam verdadeiras em casos individuais. Deixe-me dar um exemplo que pode parecer secundário. É algo que também mencionei no ano passado.
Numerosos comentários foram escritos sobre o Fausto de Goethe. Os comentários de Oswald Marbach não carecem de profundidade; eles são, em alguns aspectos, profundos. É justo dizer que as pessoas menos profundas são os historiadores literários, pois é seu dever acadêmico compreender tais assuntos, o que, naturalmente, tende a ser um obstáculo ao entendimento real. Oswald Marbach escreveu bem sobre Fausto porque ele não era realmente um historiador literário. Ele lecionou sobre o Fausto de Goethe, matemática, mecânica e tecnologia na Universidade de Leipzig e, atualmente, é mais fácil penetrar nos mistérios do cosmos estudando a mecânica e tecnologia de Marbach do que aplicando a “ciência moderna” de historiadores e historiadores literários.
No entanto, encontramos algo bastante peculiar no caso de Oswald Marbach. Ele falou sobre o Fausto de Goethe durante a década de 1840, mas deixou de fazê-lo no final da década de 1840, nem falava sobre ele nas décadas de 50, 60 e 70. Ele só voltou a dar palestras sobre o Fausto de Goethe no final dos anos 70. Entrementes, falava apenas de matemática, mecânica e tecnologia, ou seja, dedicou-se às ciências que ofereciam a melhor oportunidade, especialmente na época, de fomentar a própria perspicácia e as faculdades críticas. É muito interessante ver como ele se refere a isso em seu prefácio:
“Trinta ou quarenta anos atrás, eu costumava dar uma aula sobre o Fausto de Goethe na Universidade de Leipzig – o livro foi publicado em 1881 – mas só retomei o assunto em anos recentes (1875). Por que um intervalo tão longo? Muitos fatores estavam envolvidos, externos e internos, subjetivos e objetivos. Fiquei mais velho e finalmente velho, e o mesmo aconteceu com meus alunos: semestre após semestre, eles foram ficando cada vez mais sombrias. (As pessoas estavam ficando mais espertas, mas para qualquer um que olhasse mais profundamente também mais sombrias!) O interesse aberto do espírito pelo espírito estava diminuindo e vivíamos em uma época em que a utilidade contava mais do que a beleza. Por trinta anos, cedi mais à necessidade do que à minha própria inclinação e coloquei a filosofia e a poesia de lado, ensinando as ciências exatas da matemática, física e mecânica. ”
Esta foi a época de perspicácia materialista. Uma frase do prefácio é tremendamente interessante, pois aponta diretamente para o que importava neste momento. Marbach afirma que, em sua mente consciente, ele sempre pensou que estava fazendo exatamente o que queria fazer no passado, seja interpretando Fausto ou dando palestras sobre tecnologia. No entanto, quando ele assumiu Fausto novamente para interpretar a obra, ele teve que confessar que tinha se iludido, pois havia meramente obedecido ao espírito da época. Seria bom se muitas pessoas pudessem perceber até que ponto estão iludidas. Pois era o ideal dos espíritos das trevas antes de 1879, e tem sido ainda mais desde que eles andam entre nós nos reinos humanos desde 1879, tecer uma teia de ilusão sobre os seres humanos e nos cérebros humanos e permitir que as ilusões fluam através dos humanos corações.
Outra coisa é de interesse quando se considera tal indivíduo que é representativo, por assim dizer, das influências que o céu exerceu sobre a terra. Ele diz – e isso está de acordo com a história – que na década de 1840 ele falava principalmente sobre Fausto – Parte 1 na universidade, pois não havia interesse na Parte 2. Quando ele começou a dar aulas sobre Fausto novamente – e agora podemos dizem que isso foi depois da vitória de Micael sobre o dragão – sua exposição seria principalmente na Parte 2. A era da perspicácia e das faculdades críticas foi de fato uma época em que o acesso à Parte 2 do Fausto de Goethe era difícil. Ainda hoje esse trabalho, que é uma das maiores afirmações do goetheanismo, é relativamente pouco compreendido.
Os esforços de compreensão são, naturalmente, suscetíveis de nos fazer sentir constrangidos, pois em nenhum outro lugar a atmosfera em que as pessoas vivem hoje é tratada com tanto humor, tanta ironia, como na Parte 2 do Fausto de Goethe. As pessoas vivem hoje em uma atmosfera social que vem evoluindo gradualmente desde o século XVI. Eles aclamam tudo o que foi alcançado a partir do século dezesseis em diante como grandes e gloriosas conquistas de nosso tempo e positivamente chafurdam nessas conquistas. Goethe não foi apenas um homem de seu tempo; ele foi interiormente capaz de olhar para o século XX e escreveu a Parte 2 de Fausto para os séculos XX, XXI e posteriores.
Isso só será compreendido no futuro. Escondido abaixo da superfície, está um olhar humorístico e irônico sobre os desenvolvimentos desde o século XVI, escrito em grande estilo. Considere a maneira como Goethe permite que os avanços tão admirados em que vivem as civilizações sejam apresentados a Fausto como uma invenção de Mefistófeles. Assim, não apenas o espectro de papel do florim dourado, mas todos os desenvolvimentos gloriosos do século dezesseis em diante foram criações de Mefistófeles. No futuro, a humanidade verá a magnífica ironia com que as criações daquela época são tratadas na Parte 2 de Fausto. De um lado, temos Fausto em sua busca pelo espírito, e de outro, Mefistófeles, representante dos espíritos das trevas, que inventa tudo de que a humanidade passou a depender e dependerá cada vez mais, principalmente no século XX.
Muito do que nos ajudará a estar em guarda pode ser encontrado escondido na Parte 2 de Fausto. É um sintoma profundamente significativo que alguém que usou física, mecânica, matemática e tecnologia para aprender os segredos da época se sentiu atraído a falar sobre a Parte 2 exatamente quando a vitória sobre o dragão foi conquistada. Por décadas antes disso, ele falaria apenas da Parte 1, a única que poderia ser entendida na época.
Vimos, especialmente no decorrer do ano passado, que a antroposofia está gradualmente nos ajudando a dar vida a coisas que Goethe só foi capaz de apresentar em imagens e a descobrir seu significado mais profundo na parte 2 de Fausto. A antroposofia claramente não pode ser derivada de um estudo de Fausto, mas certamente é verdade que a antroposofia lança uma luz nova e muito mais clara sobre as imagens impressionantes que Goethe deu na Parte 2 e em seus magníficos discursos no “Wilhelm Meister’s Journeyman Years”.
Aqui tocamos em uma tendência que deverá ganhar terreno sob a influência dos progressivos espíritos da luz com o passar do tempo, para conter os esforços dos espíritos das trevas; e ganhará terreno se os seres humanos estiverem em guarda contra os espíritos das trevas. Estes últimos três anos têm sido um desafio para estarmos vigilantes e em guarda, embora o número de almas capazes de perceber o chamado ainda esteja longe de ser adequado. Conseguimos ver a tendência oposta em ação aqui, ali e em todos os lugares.
É um momento particular em que a vida espiritual está começando a ser possível e que os espíritos adversos estão muito à frente. Vimos coisas características e veremos mais delas. Mesmo apenas insinuar essas coisas pode criar mal-entendidos contínuos. A atmosfera espiritual em que as pessoas vivem hoje está impregnada da vontade de interpretar mal a tal ponto que as palavras de alguém são imediatamente interpretadas como algo diferente do que realmente pretendem transmitir. É preciso usar palavras humanas, e elas têm todos os tipos de associações.
Hoje, tantas pessoas baseiam seu julgamento em paixões nacionais que quando, de alguma forma, se caracteriza alguém que pertence a uma determinada nação, simplesmente como um indivíduo humano que está aqui na terra, isso é mal interpretado por pessoas que também pertencem àquela nação, apesar do fato de que algo dito sobre indivíduos que estão envolvidos em eventos atuais, por exemplo, não tem nada a ver com as opiniões que alguém tem de uma ou outra nação. A crença de que a tempestade que agora assola é causada pelas coisas sobre as quais todos estão falando hoje é especialmente prejudicial porque é especialmente sem sentido. As causas estão muito mais profundamente ocultas e inicialmente não têm realmente nada a ver com as aspirações nacionais em alguns aspectos – observe que estou dizendo em alguns aspectos. As aspirações nacionais são meramente aproveitadas por certos poderes, mas a maioria das pessoas é tão superficial que não quer saber disso. Levará algum tempo até que uma visão objetiva seja feita nesta área.
Grande parte da humanidade acha mais fácil atribuir grandeza e perspicácia às idéias que surgiram em um cérebro tão limitado como o de alguém que acabou de sair da faculdade de formação de professores e é liberado não apenas em uma classe de alunos, mas neste caso em toda a humanidade. Como eu disse em várias ocasiões, não foi necessário este tempo terrível que veio até nós para formar uma opinião objetiva sobre Woodrow Wilson do ponto de vista da ciência espiritual. Falei disso nas palestras que dei em Helsingfors em 1913; você pode lê-lo em O Significado Oculto do Bhagavad Gita.
Lá falei da mestria escolar mundial de Woodrow Wilson e da superficialidade rasa do homem. Naquela época, no entanto, você estava fora do espírito da época quando falava de Woodrow Wilson dessa maneira, pois seus ensaios infantis sobre independência, cultura e literatura ainda estavam sendo traduzidos para as línguas europeias. Ainda vai demorar muito até que as pessoas se sintam envergonhadas por levar a sério as políticas de nível de ensino fundamental de Woodrow Wilson.
Espíritos das trevas estão trabalhando em todos os lugares para confundir as mentes humanas. Um dia as pessoas vão acordar das brumas e vapores em que estão agora adormecidas e vão achar difícil entender como as pessoas podem ter se permitido ser mantidas nas rédeas de Woodrow Wilson e sua sabedoria no início do século XX sem se sentir envergonhado. Um momento de despertar só chegará quando as pessoas começarem a se sentir constrangidas com políticas que são possíveis hoje.
É difícil dizer coisas inspiradas pela verdade hoje porque soam muito em oposição às idéias que foram inculcadas na cabeça das pessoas. E é difícil formar um julgamento independente na atmosfera que foi produzida não apenas durante os últimos três anos, mas também por meio de tudo que chamei de carcinoma social nas palestras que dei em Viena.
É preciso levar essas coisas com profunda seriedade e não aplicar a elas os conceitos e idéias que as pessoas tem costumado a usar como critérios. Será necessário perceber que o tempo presente demonstra a inadequação e, na verdade, a total inutilidade das idéias que a humanidade veio a aceitar, e que, em termos da história mundial, é indecente que as pessoas baseiem seu julgamento nas idéias que levaram ao eventos atuais quando esses eventos mostram claramente que eles estavam errados. As pessoas pensam que podem curar os males do tempo presente aplicando os mesmos princípios que os causaram? Nesse caso, eles estão se enganando totalmente.
A humanidade tem uma certa soma total de conquistas culturais que vêm de tempos antigos. Elas agora estão sendo usados. Todos os dias trazem evidências de que estão se esgotando, sem que nada de novo as substitua. As pessoas estão tão pouco preparadas hoje para entender e ver através dessas coisas com toda a sua seriedade. Muitos ainda estão pensando exatamente como pensavam em 1913, na crença de que o entendimento que tinham em 1913 também será adequado para 1917; eles não têm senso de realidade suficiente para ver que esse tipo de pensamento tem muito a ver com os acontecimentos do ano de 1917, tendo-os ocasionado, e que não pode curar os males que vivemos agora, em 1917.
A necessidade do tempo presente é que examinemos profundamente os eventos que ocorreram desde a queda dos espíritos das trevas; devemos obter o máximo de percepção possível dos eventos das décadas de 1880, 1890 e das duas primeiras décadas do século XX. As pessoas estão totalmente confusas em seu julgamento a respeito deles.
Eles também não têm uma ideia real da diferença radical na maneira como as pessoas se sentiam e reagiam depois de 1879 em comparação com a maneira como o faziam antes de 1879. Entrar em algo como a Parte 2 do Fausto de Goethe também nos ajudará a progredir; essa obra não poderia ser entendida na época de Goethe porque é uma crítica do que Goethe percebia ser o conteúdo do século XX. Caracteristicamente, alguém como Oswald Marbach só encontrou acesso à Parte 2 após a queda dos espíritos das trevas.
Essas são as percepções e impulsos que nos ajudarão a crescer interiormente para que possamos atender às necessidades de nosso tempo. Muitas das necessidades semeadas antes de 1879 não se concretizaram e, em conexão com isso, há uma questão significativa que deveria realmente lançar sua sombra sobre cada alma humana. Hoje quero colocá-lo apenas como uma pergunta.
Os eventos em que somos apanhados hoje indicam onde a humanidade está agora. O que importa agora não é apenas entendê-los, mas encontrar uma maneira de sair deles. No entanto, embora haja tão pouca vontade de penetrar nos impulsos reais e mais profundos que levaram à era presente, as mentes práticas não serão capazes de compreender esses assuntos. É errado pensar que ninguém tem conhecimento suficiente da situação atual. As pessoas simplesmente não querem ouvi-los, assim como não querem saber de algo como o goethianismo, que também é como a voz do século XX.
No entanto, essa voz só será bem compreendida se as pessoas buscarem compreender, com seriedade e dignidade, o profundo significado da queda dos espíritos das trevas no outono de 1879. Para compreender o tempo presente, será necessário compreender o evolução espiritual da humanidade. Por isso falei de Oswald Marbach, cujo poema lhes dei no ano passado para que vejam como ele olha para o passado e para o futuro. Ele escreveu o poema para marcar o aniversário em que Goethe entrou em comunidades então chamadas de maçônicas ou semelhantes, embora no século XVIII isso significasse algo diferente do que significa hoje. O ponto de vista de Goethe permitiu-lhe compreender muitos dos impulsos misteriosos que percorrem o mundo, coisas que as pessoas são muito superficiais para querer ver. Oswald Marbach escreveu estes versos para marcar o aniversário de Goethe encontrando seu caminho para o mundo do espírito:
Com você, meu irmão, pai, mestre sublime,
Agora estamos de mãos dadas ao longo de cem anos
Para marcar o amor constante que une
E conectam intimamente todas as mentes independentes;
O maior dos espíritos, a mente mais independente,
Todo o nosso esforço é para alcançar suas alturas;
Nos dedicamos a você! Dedicamos nossos filhos,
Para que um dia a conquista seja a coroa.
Você lutou como nós lutamos agora; ainda a alma do seu esforço
Para obter autoconhecimento que levará à sabedoria
Sempre foi a própria vida vivida com vigor,
Era poderoso e criativo, progredindo ativamente
Para obras que se elevam para a luz,
Em gloriosa beleza para a eternidade:
Como Israel, você lutou contra Deus
Até que você ganhe a vitória sobre você mesmo!
O mistério que agora nos une para sempre
Não será dito a almas não iluminadas;
No entanto, torne isso conhecido para todo o mundo
Em atos de mais puro amor que nunca se cansam,
Na luz clara que o espírito dá a espírito,
Na vida eterna que nunca desaparecerá.
Lidere então, Mestre! Onde você foi antes
Sentimo-nos atraídos a seguir com o mais ardente desejo.
Esse é o sentimento que deve abrir as “portas da realização”.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 27 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 26 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 12
Os Espíritos da Luz e os Espíritos das Trevas
O evento a que me referi nas palestras anteriores, a ocasião em que certos espíritos das trevas foram expulsos do reino espiritual para o reino humano no outono de 1879, tem grande importância. Temos que refletir repetidamente o que realmente significa dizer que uma batalha durou décadas nos reinos espirituais. A batalha começou no início da década de 1840 e terminou quando certas entidades espirituais, que haviam agido como rebeldes no mundo espiritual durante aquelas décadas, foram derrotadas no outono de 1879 e lançadas como espíritos das trevas no reino da evolução humana.
Eles estão agora entre nós e o efeito disso é que eles enviam seus impulsos para nossa visão de mundo, não apenas para a maneira como pensamos sobre o mundo, mas também para nossos sentimentos íntimos, nossos impulsos de vontade e até mesmo nossos temperamentos. Os seres humanos serão incapazes de obter até mesmo uma compreensão parcial dos eventos significativos do tempo presente e do futuro imediato, a menos que estejam preparados para reconhecer a relação que existe entre o mundo físico e o mundo espiritual e levar ao máximo em consideração os eventos importantes assim como fazem com os fenômenos naturais. Atualmente, as pessoas geralmente dão validade apenas aos fenômenos naturais, fenômenos do mundo físico que fazem parte da evolução histórica. Eles terão que dar validade novamente aos eventos espirituais, que podem ser percebidos com o auxílio da ciência espiritual, pois, somente então, os eventos nos quais os seres humanos estão envolvidos podem ser realmente compreendidos.
Com referência a este importante evento, é muito fácil estabelecer a gravidade do erro das pessoas, se elas se basearem apenas em conceitos e definições ao considerar o mundo e não na observação direta da realidade. Sempre temos a sensação de que devemos nos basear em conceitos definidos – o que é Ahriman, o que é Lúcifer, quais são os espíritos particulares em uma hierarquia ou outra? Essas são as perguntas que fazemos e acreditamos que, tendo obtido as definições, também entendemos algo sobre a forma como essas entidades funcionam.
Um exemplo extremo da inadequação das definições é o seguinte, que citei antes. Pode não ter sido a forma ideal de definir o ser humano, mas é a definição dada em uma escola na Grécia: ser humano é uma criatura que anda sobre duas pernas e não tem penas. Na próxima vez que o aluno veio para a escola, ele trouxe um galo depenado: uma criatura que andava sobre duas pernas e não tinha penas. Este é um ser humano, disse ele, de acordo com a definição.
Muitas definições desse tipo são geralmente aceitas, e muitas de nossas definições científicas estão, portanto, mais ou menos de acordo com a verdade. Não devemos nos basear em tais definições na antroposofia, entretanto. A percepção será pobre se nos basearmos em definições abstratas. Sim, é possível definir o termo ‘espíritos das trevas’, mas isso não nos levará muito longe. Os espíritos das trevas foram lançados do céu para a terra em 1879.
Isso pode dar uma ideia geral dos espíritos das trevas, mas não nos leva muito longe no entendimento da verdadeira questão. Os espíritos das trevas agora andando entre nós são da mesma espécie que os espíritos das trevas que foram expulsos do mundo espiritual, isto é, do céu para a terra, em tempos anteriores; eles tinham tarefas específicas a realizar durante toda a era atlante e até a época greco-latina.
Vamos tentar usar os diferentes insights que adquirimos e determinar a tarefa que esses espíritos das trevas tiveram que realizar durante milênios, durante toda a era atlante e até os tempos greco-latinos. Deve-se ter em mente que o grande esquema das coisas só funcionará se entidades espirituais superiores, que têm a tarefa de guiar a evolução humana, fizerem uso de tais espíritos, colocando-os no lugar certo, por assim dizer, para capacitá-los a fazer o que é necessário. Como você deve se lembrar, a “tentação luciférica” de outrora teve grande significado para a evolução humana.
É claro que surgiu dos objetivos específicos de Lúcifer – e desde os tempos da Atlântida em diante, Lúcifer estava aliado a Ahriman. Esses objetivos deram origem a contra-objetivos de, vamos chamá-los de “bons espíritos”, os espíritos da luz. Falando fundamentalmente, os espíritos das trevas também queriam o melhor para a humanidade naqueles tempos primitivos, eles queriam que os seres humanos tivessem a capacidade de liberdade absoluta; mas a humanidade não estava preparada para isso na época. Eles queriam fornecer à humanidade impulsos que tornassem cada ser humano um indivíduo independente. Não era para ser, no entanto, porque a humanidade ainda não estava pronta.
Uma força contrária teve que ser criada pelos espíritos da luz; isso foi feito tirando os seres humanos das alturas do Espírito e colocando-os na terra, o que é simbolicamente descrito na expulsão do Paraíso. Na realidade, os seres humanos estavam sendo colocados no fluxo das características hereditárias. Lúcifer e os poderes arimânicos queriam que cada ser humano fosse um indivíduo independente. Isso significaria que as pessoas teriam se tornado espirituais muito rapidamente enquanto ainda eram imaturas, mas isso não aconteceria. Os seres humanos deveriam ser educados na terra, levados ao pleno desenvolvimento por meio das forças da terra.
Isso foi conseguido colocando-os no fluxo da hereditariedade, de onde descendiam fisicamente de outros. Desta forma, eles não eram independentes, mas herdaram certas características de seus antepassados. Eles estavam sobrecarregados com qualidades terrenas que Lúcifer não queria que eles tivessem. Qualquer coisa relacionada com a hereditariedade física foi dada à humanidade pelos espíritos da luz para contrabalançar a corrente luciférica. Um peso foi atribuído aos seres humanos, por assim dizer, e isso os conectou com a terra. Em tudo o que se relaciona com a hereditariedade, com a geração de filhos, com a procriação, com o amor no sentido terreno, devemos, portanto, nos ver conectados com as entidades que estão sob a liderança de Iahweh ou de Jeová.
Esta é a razão pela qual encontramos tantos símbolos de procriação e hereditariedade terrena nas religiões antigas. As leis do judaísmo – que prepararam o caminho para o cristianismo -, assim como as das religiões pagãs, mostram claramente a importância de regulamentar tudo o que diz respeito às leis da hereditariedade aqui na terra. As pessoas tiveram que aprender a viver juntas em tribos, nações e raças, com o relacionamento de sangue como a assinatura para a maneira como as relaões eram ordenadas na terra.
Isso havia sido preparado durante a era atlante e se repetiria na quarta época da civilização, a época greco-latina, principalmente por conta das medidas tomadas na terceira época, egipto-caldeia. Podemos ver que especificamente durante épocas que deveriam recapitular as idades Lemuriana e Atlante, foram levadas em consideração as conexões raciais, nacionais e tribais em todas as maneiras pelas quais os assuntos humanos eram ordenados; em suma, foram levados em consideração traços hereditários decorrentes de laços de sangue.
Os sacerdotes dos antigos mistérios eram os principais responsáveis pela ordenação dos negócios – hoje diríamos dos assuntos de Estado – e cuidavam de observar a maneira como os costumes, inclinações e hábitos deviam se desenvolver em vários lugares para levar em conta os relacionamentos de sangue das pessoas pertencentes a uma determinada nação ou tribo. Suas leis se baseavam nisso. Não seremos capazes de compreender o que emanou dos Mistérios da terceira e quarta eras pós-Atlantes, a menos que consideremos o estudo cuidadoso das relações raciais, nacionais e tribais nas quais os sacerdotes basearam as leis que elaboraram para as diferentes regiões da terra. O que realmente importava em cada região individual era estabelecer ordem nas relações de sangue.
Naquela época, quando os espíritos da luz se preocupavam em organizar os assuntos humanos com base nas relações de sangue, os espíritos das trevas que haviam sido lançados do céu à terra com a humanidade, preocupavam-se em trabalhar contra qualquer coisa relacionada com hereditariedade por relacionamento de sangue. Eles foram a fonte de toda rebelião contra as ordenanças baseadas na relação de sangue naquela época, e de todos os ensinamentos de rebelião contra a hereditariedade e contra as relações tribais e raciais, insistindo na independência do indivíduo e buscando estabelecer leis baseadas nisso, leis que, é claro, vieram de seres humanos, mas foram inspiradas pelos espíritos das trevas.
Essas épocas se estenderam até o século XV. Os ecos ainda persistem, é claro, pois os sistemas não chegam a um fim abrupto quando há uma grande interrupção na evolução. Até o século XV em particular, vemos surgirem ensinamentos que se rebelam contra os laços puramente naturais, contra os laços de relacionamento, família, nacionalidade e assim por diante.
Assim, temos dois fluxos: o “protetor” de tudo o que tem a ver com a relação de sangue, que é o fluxo de luz; é combatido pela torrente das trevas como o “protetor” de tudo que quer abandonar os laços de relacionamento de sangue e ajudar as pessoas a se libertarem dos laços de família e da hereditariedade. Tudo isso, é claro, não chega a uma parada abrupta no mundo natural, e em 1413, o ano em que ocorreu a ruptura que marca a fronteira entre a quarta e a quinta eras pós-atlantes, os velhos modos não parou imediatamente. Podemos ver a influência das duas correntes continuando até o nosso tempo.
Pois a partir do século XIX, a partir da época dos eventos significativos que descrevi, vemos emergir algo inteiramente diferente – já mencionei isso. Os espíritos angélicos, membros da hierarquia dos Anjos, estão ativos entre nós desde 1879. Eles seguem os velhos espíritos das trevas, estão relacionados a eles e são de um tipo semelhante, mas só foram lançados do céu para a terra por causa do evento ocorrido em 1879. Até então eles tinham sua função lá em cima, enquanto seus parentes, que agiam da maneira que acabo de descrever, estiveram entre os seres humanos desde os tempos da Lemúria e da Atlântida.
Assim, houve uma quebra na evolução por volta de 747 antes do Mistério do Gólgota; outro veio em 1413 depois do mistério do Gólgota, e da ruptura que é particularmente importante para nós, em 1879.
Durante todo esse tempo, os espíritos das trevas estiveram ativos na terra, enquanto alguns outros espíritos das trevas, que estão relacionados com aquels aqui na terra, ainda estavam no mundo espiritual. 1841 viu o início da poderosa batalha de que falei. Então, os espíritos que estão relacionados com aqueles outros desceram para se juntar a eles embaixo. O poder dos velhos rebeldes, do fluxo contínuo de espíritos das trevas que tinham suas tarefas a cumprir desde os tempos da Lemúria e da Atlântida, está gradualmente diminuindo conforme os poderes de seus irmãos começam a fazer efeito.
Isso significa que, a partir do último terço do século XIX, a situação se inverteu completamente. Os espíritos de luz que têm continuado em suas atividades já fizeram o suficiente no que diz respeito ao estabelecimento de laços de sangue, tribais, raciais e semelhantes, pois tudo tem seu tempo de evolução. No esquema geral e correto das coisas, o suficiente foi feito para estabelecer o que precisava ser estabelecido por laços de sangue na humanidade.
Em tempos mais recentes, portanto, os espíritos da luz mudaram de função. Eles agora inspiram os seres humanos a desenvolver idéias independentes, sentimentos e impulsos de liberdade; agora eles se preocupam em estabelecer a base sobre a qual as pessoas podem ser indivíduos independentes. E está gradualmente se tornando tarefa dos espíritos que estão relacionados com os velhos espíritos das trevas trabalhar dentro dos laços de sangue.
A função que antigamente era correta ou, melhor dizendo, pertencia à esfera dos bons espíritos da luz, foi entregue aos espíritos das trevas no último terço do século XIX. A partir dessa época, os velhos impulsos baseados nas relações raciais, tribais e nacionais, no sangue, passaram a ser domínio dos espíritos das trevas, que antes haviam sido rebeldes pela causa da independência. Eles então começaram a instilar idéias nas mentes humanas de que os negócios deveriam ser organizados com base nas relações tribais, nos laços de sangue.
Você pode ver que a definição é impossível. Se você definir os espíritos das trevas com base na função que eles tinham no passado, obterá exatamente o oposto de sua função em tempos mais recentes, ou seja, a partir do último terço do século XIX. No passado, era função dos espíritos das trevas trabalhar contra os traços hereditários da humanidade; desde o último terço do século XIX, eles têm ficado para trás, tentando impedir o progresso, querendo continuamente tornar as pessoas cientes de seus laços tribais, de sangue e hereditários e insistir neles.
Essas coisas simplesmente são a verdade, embora seja uma verdade que as pessoas hoje acham extremamente desagradável. Por milênios, os seres humanos instilaram em si mesmos a insistência em laços de sangue e, por pura inércia, estão permitindo que os espíritos das trevas controlem essas idéias habituais. Vemos, portanto, a insistência nas relações tribais, nacionais e raciais, particularmente no século XIX, e essa insistência é considerada idealista, quando na realidade é um dos primeiros sinais de declínio da humanidade.
Tudo baseado no domínio do princípio do sangue significava progresso enquanto estivesse sob a autoridade dos espíritos da luz; sob a autoridade dos espíritos das trevas, é um sinal de declínio. Os espíritos das trevas fizeram esforços especiais no passado para implantar um sentimento rebelde de independência nos seres humanos na época em que os traços hereditários eram transmitidos de forma positiva pelos espíritos progressistas. Nas três idades da evolução humana que agora se seguem e continuarão até a época da grande catástrofe, os espíritos das trevas farão esforços extremos para preservar as antigas características hereditárias e inculcar nos seres humanos as atitudes que resultam de tal preservação; desta forma, eles introduzem os sinais necessários de declínio na evolução humana.
Aqui está outro ponto em que devemos estar vigilantes. Em particular, não é possível compreender o tempo presente a menos que se conheça a mudança de função ocorrida no último terço do século XIX. Uma pessoa do século XIV que falasse dos ideais de raça e nação estaria falando em termos das tendências progressivas da evolução humana; alguém que fala do ideal de raça e nação e de filiação tribal hoje está falando de impulsos que são parte do declínio da humanidade.
Se alguém agora os considera ideais progressistas para apresentar à humanidade, isso é uma mentira. Nada é mais projetado para levar a humanidade ao declínio do que a propagação de ideais de raça, nação e sangue. Nada é mais provável de impedir o progresso humano do que proclamações de ideais nacionais pertencentes a séculos anteriores, que continuam a ser preservados pelos poderes luciféricos e arimânicos. O verdadeiro ideal deve surgir do que encontramos no mundo do espírito, não no sangue.
O Cristo, que aparecerá de uma forma específica no decorrer do século XX, nada saberá dos “ideais” proclamados pelas pessoas hoje. Em tempos anteriores, Micael, o espírito da hierarquia dos Arcanjos era o representante de Iahweh; graças às funções que lhe foram atribuídas em 1879, será o representante terrestre, o arauto do Cristo, arauto do impulso crístico de criar laços espirituais entre os homens que substituirão os laços de sangue puramente físicos. Pois somente os laços de comunhão espiritual trarão um elemento progressivo ao elemento inteiramente natural de declínio.
Observe que o elemento de declínio é natural. Os seres humanos não podem permanecer crianças à medida que envelhecem, e seus corpos seguem uma curva descendente de desenvolvimento. Da mesma forma, toda a humanidade entrou em uma tendência decrescente de desenvolvimento. Passamos da quarta era pós-Atlântida e agora estamos na quinta; isso, junto com a sexta e a sétima, serão a velhice do estágio atual da evolução mundial. Pensar que os velhos ideais podem viver não é mais inteligente do que pensar que as pessoas deveriam continuar a aprender suas letras por toda a vida só porque é bom para as crianças aprenderem suas letras. Seria igualmente pouco inteligente que as pessoas no futuro falassem de uma estrutura social para o mundo inteiro baseada nos laços de sangue das nações. É wilsonianismo, é claro, mas também arimanismo – dos espíritos das trevas.
Sem dúvida, está longe de ser fácil aceitar essa verdade; é mais fácil hoje compartilhar as fraseologias de uso comum em todo o mundo. A realidade não leva em consideração as frases; segue os verdadeiros impulsos. Não seremos capazes de mudar os rótulos de coisas que não são mais verdadeiras para o quinto, sexto e sétimo períodos, mesmo que elas ainda estejam sendo despejadas em programas mundiais wilsonianos de uma forma que ainda tem poder de convencer uma humanidade que gosta de pegar o caminho mais fácil.
Ainda existem muitas pessoas, mesmo hoje, que simplesmente não querem chegar ao ponto em que estão preparadas para aceitar tais verdades humanas universais, que são independentes de todos os laços de sangue. Essas são verdades humanas universais porque não vieram da terra, mas foram trazidas dos mundos espirituais. Quão terrível é a reação que já está ocorrendo, já que quase todo o mundo está resistindo ao verdadeiro progresso da humanidade, e a frase “liberdade das nações” é usada para algo que vai contra a corrente da evolução.
Sempre foi o destino das verdades do mistério que elas tenham que ir contra a corrente do conforto, mas com a corrente da evolução. E teremos que ver se não haverá pelo menos um pequeno grupo de pessoas livres de todos os preconceitos de sangue que sejam capazes de reconhecer a fraseologia que hoje ronda o mundo, frases que significam aquilo que, em termos espirituais, se apresenta como o acontecimento de novembro de 1879 e agora está vindo à tona com potência e força.
Os acontecimentos do tempo presente foram previstos pelos iniciados de todas as nações. Eles foram previstos e profetizados, e foi dito que um humor altamente reacionário surgiria do sangue e as pessoas acreditariam que era altamente idealista. Devemos ser capazes de observar em grande escala, como nas pequenas coisas; não devemos nos permitir ser desviados pelas opiniões e frases que ouvimos no mundo de hoje.
Temos que ser capazes de nos elevar um pouco acima de nós mesmos para entender os sinais dos tempos. Sim, você pode escolher o outro caminho e continuar em seus preconceitos de sangue; você então se juntará aos fluxos que conduzem para baixo. Eles estão chegando. Você precisa saber como estar atento onde eles estão concentrados e opor-se a eles com elementos que seguem a tendência ascendente. A tendência de queda vem por conta própria, natural e não consensual.
Devemos ter uma percepção da vida em ascensão e da vida em decadência. Não caia na tola inclinação de acreditar que escapará da tendência descendente dizendo: ‘não terei nada a ver com Lúcifer, nem com Ahriman.’ Muitas vezes censurei essa inclinação tola, pois certamente devemos levar em consideração os Espíritos que servem ao grande esquema cósmico das coisas. Nosso fracasso em fazê-lo, assumindo uma atitude em que eles permaneçam fora de nossa percepção consciente, os torna ainda mais poderosos. Só poderemos julgar os assuntos humanos se formos capazes de ter uma visão mais ampla dos impulsos da vida no ascendente e também no descendente. É importante, no entanto, manter-se afastado de simpatias e antipatias.
Duas correntes surgiram na ciência moderna; um dessas eu chamei de Goetheanismo, a outra de Darwinismo. Se você estudar tudo o que escrevi, desde o início, verá que nunca deixei de reconhecer o profundo significado do darwinismo. Algumas pessoas foram tolas o suficiente para pensar que eu havia caído no feitiço do materialismo, e assim por diante, quando escrevi qualquer coisa a favor de Darwin. Sabemos, é claro, que não foi por convicção, mas por motivos bem diferentes; e as pessoas que dizem essas coisas só precisam pensar sobre isso e saberão melhor do que ninguém que não são verdadeiras.
Mas se você realmente estudar tudo o que escrevi, verá que sempre fiz justiça ao darwinismo, mas o fiz contrastando-o com o goetheanismo, a visão da evolução da vida. Sempre busquei ver coisas como a teoria da descendência no sentido darwiniano, de um lado, e a goethiana, do outro, e fiz isso porque o goetheanismo apresenta a linha ascendente, com a evolução orgânica elevada acima da mera existência física.
Muitas vezes me referi à conversa entre Goethe e Schiller. Goethe desenhou um diagrama de sua planta arquetípica e Schiller disse: “Isso não é empirismo – aprender com a experiência – é uma ideia.” A resposta de Goethe foi: “Nesse caso, tenho minha ideia diante dos olhos!” Pois ele viu o elemento espiritual em tudo. Goethe iniciou assim uma teoria da evolução que detém o potencial de elevação às esferas mais altas, para ser aplicada à alma e ao espírito.
Goethe pode apenas ter começado com a evolução orgânica em sua teoria da metamorfose, mas temos a evolução do espírito que a humanidade deve atingir a partir desta quinta era pós-atlântica – pois os seres humanos estão se tornando mais introvertidos, como mostrei . O goetheanismo pode ter um grande futuro, pois toda a antroposofia está nessa linha. O darwinismo considera a evolução física do lado físico: impulsos externos, luta pela sobrevivência, seleção e assim por diante, e desta forma descreve uma evolução que está morrendo – tudo que você pode descobrir sobre a vida orgânica se você se entregar aos impulsos que vieram em tempos anteriores.
Para compreender Darwin, basta fazer uma síntese de todas as leis descobertas no passado. Para compreender Goethe, é necessário elevar-se acima disso, passando por leis que são sempre novas na existência terrena. Ambos são necessários. Não é o darwinismo que é o problema, nem o goetheanismo, mas o fato de que as pessoas querem seguir um ou outro ao invés de um e outro. Isso é o que realmente importa.
No futuro, os seres humanos, quanto mais velhos ficarem, precisarão receber impulsos espirituais se quiserem ser capazes de crescer cada vez mais jovens e realmente desenvolver sua vida interior. Se o fizerem, podem ter cabelos grisalhos e rugas e todos os tipos de enfermidades, mas ficarão cada vez mais jovens, pois suas almas estão recebendo impulsos que levarão consigo através do portão da morte. Pessoas que se relacionam apenas com o corpo não podem envelhecer “jovens de alma”, pois suas almas irão compartilhar tudo o que o corpo vivenciar. Claro, não será possível mudar o hábito de ficar grisalho, mas é possível que uma cabeça grisalha ganhe uma alma jovem das fontes da vida espiritual.
É assim que a evolução humana procederá na quinta, sexta e sétima eras pós-Atlântida em termos da teoria dos cabelos grisalhos de Darwin, se você me perdoa a expressão. Mas para passar pela catástrofe que é comparável à morte na terra – a catástrofe que está por vir – as pessoas devem ganhar o poder da juventude que está no Goetheanismo, na teoria da metamorfose e da evolução espiritual. Isso tem que ser considerado na catástrofe futura, assim como no caso do indivíduo, a alma rejuvenescida é levada pelo portão da morte.
A humanidade foi capaz de se unir à terra porque quando desceu do céu para a terra, se podemos dizer assim, os espíritos das trevas que desceram com ela estabeleceram um fundamento adequado para a independência humana durante o tempo em que as leis da hereditariedade , nacionalidade e raça prevaleceram. O que Lúcifer e Ahriman fizeram tornou-se uma coisa boa na medida em que a humanidade foi capaz de se unir à terra.
Para mostrar isso em forma de diagrama, podemos colocar assim: antes de Lúcifer agir, a humanidade estava unida a todo o cosmos, incluindo a terra (ver diagrama, violeta); seres humanos unidos à terra (amarelo) porque traços hereditários – pecado original em termos bíblicos, traços hereditários na terminologia científica – foram implantados neles. Isso fez os seres humanos – estou usando cruzes para indicá-los – parte da terra. Você vê, portanto, que Lúcifer e Ahriman são servos dos poderes progressistas.
A evolução então continuou. Estamos agora no momento em que os seres humanos vivem na terra e estão unidos a ela. Os espíritos luciféricos e arimânicos, espíritos das trevas, foram lançados do céu para a terra. Por isso, o ser humano deve ser libertado da terra, removido dela, com parte de sua natureza essencial devolvida ao mundo espiritual. A humanidade deve desenvolver a consciência de não ser desta terra, e isso deve ficar cada vez mais forte.
No futuro, os seres humanos devem caminhar nesta terra e dizer a si mesmos: ‘Sim, ao nascer eu entro em um corpo físico, mas este é um estágio de transição. Eu realmente permaneço no mundo espiritual. Estou consciente de que apenas parte da minha natureza essencial está unida à terra, e que não deixo o mundo onde estou entre a morte e o renascimento com toda a minha natureza essencial.’ Um sentimento de pertencer ao mundo espiritual deve desenvolver-se em nós.
Nos primeiros anos, isso apenas lançou uma falsa sombra, na medida em que as pessoas não queriam entender a vida física e praticavam um falso ascetismo, acreditando que isso consistia em mortificar o corpo físico de todas as maneiras. É preciso entender que não é por meio de um falso ascetismo, mas unindo-se às coisas do Espírito, à essência das coisas, que as pessoas poderão se perceber não apenas como criaturas terrestres, mas pertencentes a todo o cosmos. Obter conhecimento do mundo físico foi apenas uma preparação para isso. Imagine como as pessoas eram dependentes do solo onde haviam crescido, por assim dizer, até o século XV, o final da época greco-latina, e quanto seu desenvolvimento dependia do solo. Isso foi bom, mas não deve dominar nossas vidas agora.
A ciência física separou os seres humanos da terra, no sentido físico, com o copernicanismo, e a consciência da alma também deve ser arrancada da terra. A terra se tornou um pequeno corpo no espaço; mas inicialmente isso é apenas em termos espaciais. Por meio do copernicanismo, os seres humanos foram transferidos para o cosmos, por assim dizer, embora em termos inteiramente abstratos. Isso deve continuar, mas não deve ser aplicado à vida física da maneira errada. O processo físico seguirá seu próprio curso.
Veja a América, por exemplo, embora não seja a população nativa de seu solo por séculos. Como você sabe, uma nova população constituída inteiramente por europeus chegou lá recentemente. A observação cuidadosa mostra que a vida física continua ligada ao solo. Os americanos, que são europeus transplantados para a América, estão gradualmente adquirindo características que lembram a velha população indígena – isso ainda não progrediu muito, mas é verdade mesmo assim. Os braços têm um comprimento diferente do que eram na Europa porque essas pessoas foram transplantadas para a América. O ser humano físico se adapta ao solo.
Isso vai tão longe que agora existe uma diferença considerável na forma física entre os americanos que vivem no Ocidente e os que vivem no Oriente. Isso é adaptação ao solo. Se a alma acompanhasse esse processo físico, a cultura indígena americana seria revivida com o tempo, embora em uma forma europeia. Isso parece paradoxal, mas é verdade. No futuro, a humanidade não pode estar presa ao solo; a alma tem que se tornar independente. Em todo o mundo as pessoas podem então assumir as características físicas dadas pelo solo, e os corpos dos europeus podem se tornar indianizados quando vão para a América, mas em suas almas os seres humanos se desvencilharão do elemento físico e terreno e serão cidadãos de os mundos do espírito. E nesses mundos não existem raças ou nações, mas relacionamentos de um tipo diferente.
Essas coisas devem ser compreendidas hoje, quando grandes, tremendos eventos acontecem no mundo, a menos que você seja teimoso – desculpem a expressão – e apresente conceitos antigos como novos ideais.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 26 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 21 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 11
Reconhecendo o Ser Humano Interior
O objetivo dessas palestras foi, e deve continuar a ser, mostrar de todos os tipos de diferentes aspectos de como as pessoas hoje e no futuro próximo estarão entrando em um período de civilização que fará demandas especiais em diferentes esferas da vida. Falando de processos profundos da vida do espírito, tenho procurado mostrar o que está acontecendo hoje de forma supersensível, mas mesmo assim com um efeito poderoso, especialmente no tempo presente e que influenciará toda a vida humana, toda a cultura e toda a esfera social. Pudemos deduzir a partir dessas considerações que a natureza da alma humana se tornará essencialmente mais interior.
Quando se diz que a natureza da alma humana se tornará mais interior, não devemos deixar de perceber que essa interioridade crescente irá, em muitos casos, andar lado a lado com uma crescente superficialidade no intelecto das pessoas, por exemplo, no que diz respeito às ciências. Isso se dará devido às circunstâncias que já consideramos e outras que ainda serão consideradas. Na verdade, deve-se levar em conta que, na realidade, a evolução nunca é tão consistente quanto aqueles que apresentam as modernas teorias científicas da evolução gostariam que fosse. Suas idéias não são incorretas; no entanto, ideias tendenciosas, mesmo que corretas, muitas vezes causam maior confusão do que ideias completamente erradas. Eles assumem uma evolução linear simples de formas de vida incompletas até o ser humano.
Não é assim, entretanto, pois na evolução da humanidade e também do mundo exterior, uma corrente mais externa é sempre complementada por uma interna. Assim, podemos dizer: se um fluxo particular continuar por algum tempo no mundo externo, um fluxo interno correrá paralelo a ele. Essa corrente pode ser mais material ou materialista por fora, enquanto por dentro é mais espiritual ou espiritualista. Então, uma corrente mais espiritualista vem à superfície e a corrente materialista ou material desce para as profundezas ocultas da natureza humana. E então a situação se inverte novamente: a linha mais espiritual vai para dentro e a linha material ou materialista vem à tona.
No tempo imediatamente à nossa frente, a vida exterior seguirá em grande parte o curso mostrado pela linha vermelha aqui (ver Fig. 11a), onde os eventos materiais e as atitudes e considerações materiais estão em causa, e a profundidade da alma humana será mais espiritual . Pode ser que as pessoas nem mesmo queiram saber sobre essa crescente interioridade espiritual; mas ela vai acontecer mesmo assim.
Se você realmente nutrir isso em sua alma, você será capaz de dar a devida consideração a dois aspectos que serão extraordinariamente importantes para o futuro. Lembre-se de que dissemos ontem que em 1879 poderes arimânicos de um tipo especial desceram das alturas do espírito para o reino da evolução humana e, especificamente, para a evolução do intelecto e da alma humanos. Esses poderes estão aqui, eles estão vivendo entre nós. Eles procuram acima de tudo tomar posse de nossas cabeças, de tudo o que pensamos e sentimos interiormente. Eles são espíritos angélicos, eu disse, que não podem continuar seu desenvolvimento no mundo espiritual e querem usar cabeças humanas para continuar a se desenvolver no futuro imediato.
Portanto, é particularmente importante que essa linha (linha azul na Fig. 11a) de desenvolvimento secreto e oculto da alma receba a devida atenção. Como já disse, muitas pessoas provavelmente não querem dar atenção consciente a isso; eles prefeririam que ficasse lá embaixo, então eles só precisariam se preocupar com as coisas materiais. Se não for dada atenção, esses poderes arimânicos se apoderarão desse mesmo processo de interiorização crescente. Isso é algo que devemos levar em consideração. Devemos estar prontos para enfrentar o perigo que logo virá na evolução da civilização e ficar de guarda em nossa santíssima realidade humana interior contra as influências dos poderes arimânicos.
As questões educacionais serão particularmente significativas no futuro imediato. A interioridade da alma humana será mais significativa durante a infância e juventude no futuro próximo. Talvez seja difícil acreditar nisso hoje, mas já é tempo de dizermos: as crianças e os jovens que vemos não mostram sua verdadeira natureza naquilo que vemos do lado de fora. Vemos a linha vermelha aqui (veja a Fig. 11a), mas ao lado dela corre a azul, uma vida interior oculta à qual devemos prestar muita atenção. Os professores devem prestar atenção a ela, para não entregá-la aos poderes arimânicos. A educação e o treinamento terão que mudar completamente em muitos aspectos no futuro próximo.
Consideremos a origem dos princípios em nosso atual sistema de educação e treinamento. Certas coisas sempre ficam para trás na ordem cósmica. ‘Iluminismo’, como foi chamado, foi uma característica especial do século XVIII. As pessoas até queriam estabelecer uma espécie de religião racional baseada apenas na reflexão humana, na fome entre as ciências, como eu disse em minhas palestras públicas na Basiléia. A maneira como as pessoas sentem que devem se comportar em relação ao crescimento das crianças e jovens na educação e na formação surgiu inteiramente dessa corrente de racionalidade: sempre faça tudo de uma maneira que a criança possa compreender imediatamente; as crianças nunca devem experimentar nada mais profundo do que são capazes de compreender.
Terá de ser compreendido que esta é a pior forma possível de prover a vida de um ser humano, pois nos leva a um extremo verdadeiramente desastroso na vida humana. Considere o seguinte: se fizermos todos os esforços para dar aos filhos apenas as coisas que estão de acordo com seu nível de compreensão, coisas que possam compreender, não lhes damos nada para a vida futura, quando se supõe que tenham um entendimento mais profundo. O cuidado é tomado, por assim dizer, para garantir que, por toda a vida, eles não tenham nada além da compreensão de uma criança. Essa abordagem já deu frutos, e os frutos são o que você esperaria! Muito do pensamento em nosso mundo civilizado de hoje, onde as pessoas se consideram tão sábias e iluminadas, permanece em um nível infantil. É claro que ninguém no mundo dos jornais vai admitir que o pensamento em seu mundo é em grande parte infantil, mas é verdade mesmo assim.
Essencialmente, isso está relacionado ao fato de que apenas a compreensão da criança é abordada. Isso então permanece o mesmo por toda a vida. Algo bem diferente terá que ser feito: devemos preencher nossas almas, especialmente se formos educadores, com a consciência interior, a consciência de que uma interioridade misteriosa reina na criança e devemos apresentar ao coração e à mente da criança muito do que só pode ser compreendido mais tarde na vida, não na infância. Mais tarde na vida, eles podem recordar essa memória e dizer a si mesmos: isso é algo que você ouviu ou aprendeu naquela ocasião; agora, finalmente, você é capaz de compreender muitas dessas coisas. Nada será melhor para a integridade da vida humana no futuro do que os indivíduos se lembrarem de coisas que lhes foram contadas na infância e, então, serem capazes de compreendê-las.
Quando as pessoas conseguirem viver consigo mesmas de forma a recordar da memória coisas que antes não podiam compreender, essa será a fonte de uma vida interior saudável. As pessoas serão poupadas do vazio interior que penetra em tantos corações e almas hoje, e faz com que acabem em instituições. Lá, as almas que permaneceram vazias e estéreis por dentro porque a educação não lhes deu nada que possa ser lembrado mais tarde na vida, pode ser oferecido algo de fora.
Algo mais precisa ser considerado neste contexto. Por causa das circunstâncias de que falei recentemente, as pessoas de nossa época perderam a consciência da estreita conexão entre os seres humanos e o universo. As pessoas hoje acreditam que são apenas pedaços de carne caminhando sobre a terra ou viajando em um vagão de trem. Eles nem sempre vão admitir isso, é claro, mas na verdade é isso que eles têm em mente. Não é verdade, entretanto. Os seres humanos estão intimamente ligados a todo o universo. E é bom trazer isso à mente novamente, considerando o seguinte.
Considere a Terra. A Lua se move em torno dela; digamos que esta é a órbita da Lua (ver Fig. 11b). A Terra é, obviamente, qualquer coisa, menos a entidade mineral abstrata imaginada por mineralogistas, geólogos e físicos modernos. Ela está muito viva e podemos observar muitas formas de existência em conexão com a Terra. Por enquanto, consideremos apenas as correntes que se movem ao redor da Terra todo o tempo. Elas se movem em todas as direções. Elas são etéricas e espirituais por natureza e têm um efeito real e substancial. Algo está sempre presente nessas correntes.
É bom considerar a fonte e a origem dessas correntes. Estaremos entrando em mais detalhes com o passar do tempo; por hoje, quero apenas fazer algumas declarações preliminares. Se você ler minha Ciência Oculta, descobrirá que nos primeiros tempos a Terra e o Sol eram um. Nossa Terra atual foi eliminada do Sol. Essas correntes são remanescentes da vida do Sol; A vida solar ainda está presente na Terra.
No entanto, a Lua também era una com a Terra no passado. E a Lua que orbita a Terra hoje também tem correntes dentro dela. Essas correntes são resquícios de uma época posterior, da evolução lunar.
Portanto, temos dois tipos de correntes e podemos chamá-las de correntes do Sol e correntes da Lua. Eles seguem um curso bem diferente e são uma realidade viva. Suponhamos que uma criatura caminhando nesta Terra de uma certa maneira tenha correntes solares passando por ela; estas passam facilmente. Suponhamos que outra criatura seja construída de maneira diferente, de modo que as correntes do Sol passem por ela vindo de um lado e as correntes da Lua do outro. As correntes solares não se limitam a lugares específicos e, na realidade, passam por tudo; elas podem, portanto, passar por esta criatura em uma direção. Assim, pode haver criaturas na Terra que tenham apenas a corrente do Sol passando por elas em uma direção, e pode haver outras que tenham a corrente do Sol passando por elas em uma direção e a corrente da Lua em outra.
Animais são criaturas que só podem ter a corrente do Sol passando por eles. Imagine um animal de quatro patas: conforme ele anda, sua espinha dorsal é essencialmente paralela à superfície da Terra. A corrente do Sol, que agora se tornou uma corrente da Terra, pode passar continuamente por essa espinha dorsal. Esta criatura, então, está relacionada com a Terra.
É diferente com os seres humanos. No corpo humano vivo, apenas a cabeça ocupa a posição ocupada pelos animais. Pense em uma linha traçada da nuca até a testa – é a direção da espinha dorsal do animal, e a mesma corrente solar passa pela cabeça. A espinha dorsal humana, por outro lado, é retirada das correntes que correm paralelas à Terra, incluindo a corrente do Sol, que se tornou corrente da Terra.
Sendo erguidos verticalmente, os seres humanos estão em uma posição (isso, é claro, depende muito da latitude geográfica e assim por diante, mas também é o que torna as pessoas diferentes umas das outras) onde, sob certas condições, a corrente lunar passa eles; não pela cabeça, porém, mas pela espinha dorsal. A diferença entre animais e humanos é enorme. A corrente cósmica que passa pela espinha dorsal do animal passa pela cabeça humana; a velha corrente da Lua, que não se relaciona com nada no animal, passa pela espinha dorsal humana.
A espinha dorsal humana reflete até mesmo sua relação com a corrente lunar em sua composição, pois o ser humano possui aproximadamente tantas vértebras quantos dias em um mês, entre 28 e 31 vértebras. A razão pela qual a figura é apenas aproximada será considerada mais tarde. Toda a vida da espinha dorsal humana e, na também do peito humano, está intimamente ligada à vida da lua. Escondida sob a vida do Sol, que se relaciona com o sono e a vigília e leva 24 horas, se oculta a vida rítmica da Lua.
Esta é uma reflexão básica sobre a relação do ser humano com todo o universo. Pois, assim como as correntes que passam pela espinha dorsal humana fazem parte da corrente que se relaciona com a vida da Lua, as outras correntes do ser humano se relacionam com os outros planetas de nosso sistema solar. Todas essas coisas são totalmente reais. Na ciência moderna, eles foram completamente abandonadas e ninguém se aventura a considerar essas relações. Em conseqüência, os cientistas não são capazes de avaliar que a vida humana consciente que é exteriormente aparente aqui na Terra anda de mãos dadas com uma vida inconsciente que está conectada com o peito humano e emerge de misteriosas profundezas interiores.
Isso deve ser levado especialmente em consideração em tempos como os que estão por vir; deve ser levado em consideração especialmente na esfera da educação, caso contrário, os poderes arimânicos adversários tomarão conta da vida inconsciente. Seria totalmente desastroso se as pessoas deixassem de notar que parte de sua vida interior, a parte que está em processo de se tornar mais interior – a linha azul no diagrama – corre o risco de ser vítima dos poderes arimânicos, a menos que seja assumida com plena consciência e aprofundada através dos insights de uma ciência espiritual, na qual se tenha a coragem para realmente dizer algo sobre realidades que a ciência exterior é incapaz de descobrir.
Devemos olhar para isso em termos inteiramente concretos. Considere o caminho que a ciência exterior está tomando. Ele está entrando em todos os tipos de abstrações e, de fato, ela é mais útil quando entra em todos os tipos de abstrações. As pessoas precisarão dessa ciência para sua vida exterior; isto deve se tornar parte da civilização humana. Porém, usar a cultura científica externa, tal como é agora, na educação será particularmente prejudicial no futuro imediato. Ensinar às crianças noções abstratas da natureza e as leis da natureza que as pessoas precisam saber se tornarão um absurdo no futuro próximo.
Por outro lado, será importante – posso apenas dar exemplos – considerar a vida dos animais de forma amorosa, com suas condições especiais de vida descritas para dar às crianças uma imagem real de como as formigas se comportam em suas comunidades, como eles vivem juntos e assim por diante. Como você sabe, uma introdução disso pode ser encontrada no Tierleben de Brehm, embora não esteja totalmente desenvolvida. Essas histórias simbolizadas da vida no mundo animal precisam ser cada vez mais desenvolvidas. As histórias individuais devem ser contadas de uma forma verdadeiramente ponderada, em vez de oferecer zoologia elementar às crianças da maneira terrível que é feita agora.
Devemos contar a elas sobre as coisas especiais que o leão faz, e a raposa, a formiga, a joaninha e assim por diante. Não tem nenhuma conseqüência real se os detalhes que são contados realmente acontecem ou não; o que importa é que eles são atenciosos e que venha do coração. O tipo de extrato de história natural que hoje é consumido pelas crianças só deve aparecer anos mais tarde; as crianças devem, antes de tudo, ser capazes de se deliciar com as histórias que representam aspectos individuais da vida dos animais.
Será particularmente importante considerar a vida das plantas de tal forma que se tenha muitas histórias para contar sobre a relação da rosa com a violeta, dos arbustos com as ervas daninhas que crescem ao seu redor e longas histórias sobre os Espíritos que saltam sobre as flores como se caminha por um prado, e assim por diante. Esta é a botânica que as crianças devem saber. E eles deveriam ser informados de como certos cristais de cor verde que habitam na terra se comportam em relação aos cristais incolores, ou um cristal cúbico a um cristal octaédrico.
Em vez da cristalografia abstrata que é distribuída às crianças ainda muito pequenas, com grande prejuízo, deveríamos ter uma apresentação simbólica da vida dos cristais na terra. Nossos pontos de vista sobre tudo o que se passa nas profundezas da terra só podem ser frutíferos se os tornarmos frutíferos com as descrições que são dadas em nossa literatura antroposófica. Não será suficiente apenas listar itens; essas coisas devem ser o estímulo e dar-nos ideias, para que possamos contar muitas histórias sobre a vida compartilhada pelos diamantes e safiras, e assim por diante. Pense nisso e você entenderá o que quero dizer.
Da mesma forma, será importante não desabar aquelas horríveis abstrações que são ensinadas como história hoje, mas novamente trazer vida e vivacidade ao curso da história humana e ajudar as crianças a desenvolverem um sentimento pelo que os corações e mentes humanos experimentam no curso dessa evolução humana. Terão de ser inventadas conversas que não ocorreram de fato no mundo físico, uma conversa entre um grego antigo e alguém que viveu na quinta era pós-atlântica, por exemplo. Deixar que essas figuras humanas vivas apareçam diante dos olhos da mente das crianças será muito mais útil do que todas as abstrações históricas apresentadas a elas hoje.
Você pode ver onde isso está levando. O objetivo é preencher as almas das crianças com idéias vivas para que a misteriosa corrente oculta nelas possa ser alcançada. Então você terá uma vida interior que é menos árida e infértil e as pessoas também ficarão menos nervosas mais tarde na vida, porque serão capazes de se lembrar de histórias que foram contadas a partir de uma compreensão das leis cósmicas. Elas também estarão familiarizados com as leis da natureza e serão capazes de estabelecer harmonia entre o que foi dado a elas em uma forma viva e vital e as leis da natureza. Suas mentes só podem tornar-se estéreis se lhes forem dadas as leis abstratas da natureza. Estas são algumas reflexões que gostaria de apresentar a vocês, com referência especial ao campo da educação.
É claro que é muito mais fácil reunir-se em todos os tipos de associações hoje e proclamar repetidamente “A educação deve ser colocada em uma base individual” – e outras formulações abstratas desse tipo. Claro, isso é mais fácil do que fazer o que é necessário agora, que é que as pessoas interessadas na educação entrem no espírito da evolução humana e natural e encontrem contos imaginativos que permitem que a vida do espírito seja concretamente compreendida exatamente da forma vai se desenvolver no futuro imediato.
Sempre, e em todos os campos, precisaremos do estímulo da ciência espiritual. Só ela será capaz de permitir que uma nova vida surja das formas moribundas da vida mental atual e do intelecto – nova vida que pode atuar como um estimulante da maneira que descrevi, especialmente para as mentes das crianças. Sem o estímulo da ciência espiritual, seremos professores de escola esgotados que também secarão as mentes das crianças. O pior de tudo é que cada vez mais as pessoas terão a ideia, principalmente no que diz respeito à educação dos jovens, de que o melhor que podemos fazer com tudo o que aprendemos é voltar a esquecer o mais rápido possível. Se for criada uma situação em que, mais tarde na vida, as pessoas não querem perder nenhuma das coisas que receberam na infância, isso não será apenas um prazer, mas se revelará uma fonte, uma verdadeira fonte de vida humana. Eu pediria a você para levar isso ao coração.
A própria ciência também precisa de novos estímulos. Ontem falei de como é difícil preencher a lacuna entre a ciência espiritual em geral e os campos especiais nos quais as pessoas estão engajadas na vida científica. No entanto, isso será absolutamente uma das coisas mais essenciais no futuro. Você deve ter percebido, a partir de algumas coisas ditas aqui e em outros lugares, que a escassez e o empobrecimento de conceitos e idéias levaram às condições que temos hoje.
Eu disse isso em minha palestra pública na Basiléia e também repeti aqui, que as pessoas que se consideravam competentes acreditavam, quando esta guerra começou, que ela não duraria mais do que quatro meses. Elas pensaram que haviam estudado a estrutura social e econômica e formaram a ideia com base nisso. Suas idéias desse tipo não se relacionavam com a realidade, e a realidade provou que estavam errados. É estranho como poucas pessoas estão preparadas para aprender com os acontecimentos. Alguém que chegou a tal ideia com base em seu próprio entendimento científico certamente deveria dizer a si mesmo agora: “As premissas nas quais baseei minhas conclusões eram claramente bastante inadequadas.” Certamente, ele agora deve estar inclinado a aprender algo.
Mas ele continua dormindo, tirando mais conclusões a partir das mesmas premissas, que só mudaram um pouco sob a pressão da experiência, porque ele não quer considerar as conexões internas. Claro, qualquer pessoa que deseje considerar as conexões internas da vida terá que enfrentar esse obstáculo, que é um grande problema, principalmente para as pessoas que estão envolvidas com questões científicas. A última coisa que desejam é ser incomodados no campo limitado em que atuam; eles não querem estabelecer links com campos relacionados.
Esse tipo de especialização foi muito bom por um tempo. Se continuar, e se nossos estudantes universitários continuarem a ser arruinados pelo viés que vem com a especialização, as calamidades que resultam quando as idéias das pessoas são divorciadas da realidade irão piorar cada vez mais. Teremos pessoas em órgãos representativos municipais, rurais e nacionais que simplesmente não têm uma compreensão real das questões que deveriam regular de acordo com a lei, porque suas idéias são muito limitadas para englobar a realidade. A realidade é muito mais rica do que suas idéias.
Não pode haver dúvida, então, de estar inclinado a deixar áreas especializadas, tanto quanto possível, para “especialistas”, nem de usar a antroposofia para satisfazer necessidades subjetivas e egoístas. Tem que ser uma questão de saber unir esses dois opostos e deixar que um frutifique para o outro.
Algo que encontramos repetidas vezes – você também descobriria se focalizasse sua atenção nessas coisas – é que se você falar sobre áreas temáticas especiais para pessoas que são sinceramente devotadas à antroposofia, elas acharão o assunto um tanto tedioso . O pedido é sempre para falar sobre questões centrais – alma, imortalidade, Deus e assim por diante. Isso irá, é claro, satisfazer suas necessidades religiosas egoístas imediatas, mas não deixa oportunidade de dar-lhes o que é mais necessário para o futuro próximo, ou seja, que as pessoas se tornem uma parte real desta vida real. É por isso que devemos estar atentos quando alguém procura fazer uma conexão real entre os impulsos de olhar as coisas com base na ciência espiritual e nas áreas especializadas.
Algo que encontramos repetidas vezes – você também descobriria se focalizasse sua atenção nessas coisas – é que se você falar sobre áreas temáticas especiais para pessoas que são sinceramente devotadas à antroposofia, elas acharão o assunto um tanto tedioso. O pedido é sempre para falar sobre as questões – centrais alma, imortalidade, Deus e assim por diante. Isso irá, é claro, atender suas necessidades religiosas egoístas imediatas, mas não deixar oportunidade de dar-lhes o que é mais necessário para o futuro próximo, ou seja, que as pessoas se tornem uma parte real desta vida real. É por isso que deve estar atentos quando alguém procura fazer uma conexão real entre os impulsos de olhar como coisas com base na ciência espiritual e nas áreas especializadas.
Eu já chamei a atenção aqui para o importante livro que nosso amigo Dr. Boos escreveu sobre o Acordo Coletivo. O livro agora está amplamente disponível e eu gostaria de chamar sua atenção para ele, pois é um exemplo perfeito de construção de pontes entre a abordagem geral usada na antroposofia e todo um campo de especialização, a esfera do direito. A questão é que nossos amigos não irão, espero, considerar investigações especiais desse tipo como algo fora de sua esfera, mas antes dar-lhes sua atenção, pois no tempo que está por vir, a própria vida terá que ser o assunto para consideração antroposófica.
Se você ler o livro com atenção e trabalhar nele, descobrirá que aspectos da vida cotidiana são assumidos de forma viva, e também de tal forma que se pode ver duas coisas entrando em jogo aqui: primeiro, os impulsos para considerar a vida em uma forma verdadeiramente abrangente, impulsos totalmente sintonizados com as leis cósmicas, e também grandes perspectivas históricas. Você também achará infinitamente útil considerar a diferença entre contratos e acordos românticos, de um lado, e a coesão social germânica, do outro. A relação do romance com a natureza humana germânica apresenta-se de maneira muito profunda em um determinado campo de especialização. E é importante, especialmente com este livro especializado do Dr. Roman Boos, trabalhar o caminho até o que realmente importa para o futuro do ponto de vista da ciência espiritual – para preencher a lacuna entre a vida que se apresenta ao sentidos e na qual estabelecemos nossas condições sociais, e a vida que flui do mundo espiritual e deixa o Espírito pulsar em nossas formas de existência.
Também recomendo que você leia a nova edição de Wissen und Leben, que contém um artigo do Dr. Boos sobre as principais questões das políticas nacionais suíças. Você descobrirá que as questões políticas atuais também podem ser consideradas de um ponto de vista diferente daquele do jornalismo cotidiano – se vocês não se importam que eu diga isso. A consciência da relação entre diferentes formas de cultura, como diferentes formas de arte, por exemplo, e formas políticas, é evidenciada da maneira mais bela neste ensaio.
Depois de ler o artigo do Dr. Boos, que examina seriamente as políticas nacionais suíças e está verdadeiramente no espírito antroposófico, você pode dar uma olhada no primeiro ensaio no jornal, que é sobre o significado da Reforma e foi escrito por Adolf Keller . É um ensaio no estilo antigo, mesmo que seja considerado em um estilo muito novo. Em uma mesma edição, você tem, portanto, uma obra justificadamente verdadeiramente moderna, lado a lado com o que há de mais antiquado. As pessoas que escrevem coisas tão antiquadas, é claro, acreditam que são particularmente inteligentes e lógicas, com pensamentos penetrantes. O significado da Reforma é discutido de diferentes pontos de vista em termos elevados que nada mais são do que abstrações vazias e enfadonhas.
Depois de ler o artigo de Adolf Keller, que é decente e bem-intencionado e um dos melhores trabalhos neste campo, a pessoa está cansada de ser jogada aqui e ali entre o que são repetidamente as mesmas abstrações: a Reforma criou a liberdade de iniciativa; a liberdade de iniciativa surgiu com a Reforma; quando a Reforma estava em andamento, a livre iniciativa ganhou vida.
Você é jogado de um lado para o outro da maneira típica de todos os abstracionistas que não sabem fazer melhor do que chafurdar em algumas noções empobrecidas, sem ter nada a ver com o mundo real. Aqui você tem um exemplo típico da maneira abstrata de pensar que deve ser superada, quando as pessoas vivem com noções que têm pouco pensamento real sobre elas, mas estão positivamente estalando os lábios de prazer porque imaginam que estão dizendo algo realmente notável quando colocam de uma forma particularmente abstrata.
Há poucos dias, recebi um tratado sobre questões teosóficas profundas que era, na verdade, apenas um tratado sobre “algo” que tratava apenas de “algo” – o “algo aprimorado” e o “algo não aprimorado”, e como o aprimorado se apodera do não aprimorado e como o “algo aprimorado” tem precedência sobre o “algo não aprimorado”. E assim: “algo” consciente e inconsciente, “algo” melhorado e “não melhorado” – indo para um lado e depois para o outro, aqui novamente, ali novamente; e em última instância, você não tem mais do que esta estranha maneira moderna de trabalhar no abstrato – embora aqui aplicada às coisas do espírito – que gosta de se ver no abstrato e, na verdade, está fugindo da realidade e não tem mais nada para fazer com qualquer tipo de realidade.
Isso, é claro, tem consequências bastante específicas. As idéias limitadas das pessoas as tornam incapazes de seguir seu caminho no fluxo da vida. Suas idéias são muito limitadas para abranger a realidade da vida. Como resultado, lê-se coisas como o seguinte, por exemplo, que está na página 51 do ensaio de Adolf Keller:
“No entanto, embora essa experiência faça com que as fontes mais profundas do coração e da mente se abram, ainda é mais do que um mero surto de sentimento. Os elementos divinos e humanos não se misturam nisso. A consciência cuida para que isso não aconteça. Ela mantém a distância e mantém a reverência. O homem permanece homem e Deus permanece Deus. A Reforma e o misticismo têm em comum que o relacionamento com Deus é estabelecido por meio de uma experiência pessoal; o que os separa é que a experiência da Reforma não vem em uma agitação e fervura de emoções nas profundezas da alma, como no caso do misticismo, mas de uma consciência problemática e moralmente elevada. Tudo o que é necessário, uma exigência absoluta, detém o maior poder na vida interior. O homem só pode resistir a isso com a ajuda divina experimentada interiormente.”
Nada além de abstrações, e somos empurrados para cá e para lá entre eles. Em seguida, siga as palavras: ‘Este é o evangelho, Jesus Cristo’.
O cavalheiro foi tão longe em seu pensamento abstrato que identifica a mensagem de Jesus Cristo com o próprio Jesus Cristo. É isso que se obtém quando a abstração é levada ao extremo. O que se segue é realmente estranho. Ele rejeitou o misticismo. Com suas idéias limitadas, ele diz que a Reforma não teve nada a ver com misticismo, mas que cria uma vida saudável. Como se o misticismo não fosse exatamente uma experiência viva.
Mas você vê, suas idéias limitadas não podem abranger a realidade. Elas são, portanto, usadas para dizer exatamente o mesmo sobre coisas completamente opostas. Assim, ele rejeita o “fervilhar e ferver” como algo que os verdadeiros adeptos da Reforma não deveriam ter, porque se o fizessem, seriam místicos.
Adolf Keller continua dizendo:
“Essa ajuda não é apresentada apenas externamente, historicamente ou nos sacramentos. Ela, também, só pode crescer forte se for feita interiormente pelo próprio indivíduo. Ela não age de fora, magicamente, mas apenas na medida em que pode se tornar parte de nossos sentimentos e vontades interiores e pode acender a alma.”
Assim, a Reforma não deve ser uma “agitação e fervura” nas profundezas da alma, mas esta mesma Reforma só pode ser ativa na alma se for capaz de incendiar a alma, isto é, fazê-la agitar e ferver. Você pode estudar todo o ensaio assim, e em nenhum lugar sua pobreza de espírito se mostra adequada para entrar na realidade. No entanto, escritos como esses são lidos com verdadeira paixão hoje. As pessoas os consideram muito eruditos. Eles não conseguem perceber que só precisam ler mais duas ou três linhas e ficam todos confusos em suas mentes, pois as mesmas idéias devem ser usadas para coisas completamente diferentes, e há uma escassez de idéias.
Se, por outro lado, você estudar o belo ensaio de Roman Boos sobre as questões-chave das políticas nacionais suíças – eu recomendo que o faça, pois ele mostrará como as conexões podem ser feitas entre a vida política e outras formas de cultura, e como nossas ideias podem realmente ganhar vida e a vida das ideias ser enriquecida, como você pode encontrar um estudo exemplar aqui sobre o futuro da política suíça – você pode comparar isso com as insípidas divagações do ensaio de Adolf Keller no mesmo número da revista. Ao gastar apenas uma pequena quantia, você pode ter a oportunidade de observar o velho e novo absolutamente lado a lado e realmente ver por si mesmo.
Às vezes eu realmente tenho que levar em conta as questões atuais que estão em completa oposição, pois a antroposofia não existe para a auto-indulgência em níveis elevados, mas para fazer exatamente as observações que nos levam verdadeiramente ao presente, aos intentos e propósitos do presente Tempo.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 21 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 20 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 10
A influência dos anjos atrasados
Não se pode dizer que nossa época atual não tem ideais. Pelo contrário, tem muitos ideais que, no entanto, não são viáveis. Porque isto é assim? Bem, imagine – por favor, perdoe a imagem um tanto bizarra, mas é o caso – uma galinha está prestes a chocar um pintinho e nós retiramos o ovo e o chocamos em um lugar quente, deixando o pintinho sair do ovo. Até aí tudo bem; mas se fizéssemos a mesma coisa sob a parte receptora de uma bomba de ar e, portanto, no vácuo, você acha que o pintinho que sai do ovo prosperaria? Teríamos todos os fatores de desenvolvimento que a evolução proporcionou, exceto por uma coisa – um lugar para colocar o filhote para que ele tenha as condições necessárias para a vida.
É mais ou menos assim com os belos ideais de que tanto se fala hoje. Não apenas parecem lindos, mas são, de fato, ideais de grande valor. Mas as pessoas de hoje não estão inclinadas a enfrentar as realidades da evolução, embora a era atual exija isso. E então acontece que os mais estranhos tipos de sociedades podem evoluir, representando e exigindo todos os tipos de ideais, e mesmo assim nada floresce disso. Certamente havia muitas sociedades com ideais no início do século XX, mas não se pode dizer que os últimos três anos trouxeram esses ideais à realização. Entretanto, as pessoas deveriam aprender algo com isso, como eu disse várias vezes nestas palestras.
No último domingo, esbocei um diagrama para mostrar o desenvolvimento espiritual das últimas décadas. Pedi que levasse em consideração que tudo o que acontece no mundo físico já está sendo preparado há algum tempo no mundo espiritual. Eu estava falando de algo bastante concreto, a saber, a batalha que começou na década de 1840 no mundo espiritual imediatamente acima do nosso. Esta foi uma metamorfose das batalhas a que sempre foi dado o antigo símbolo da batalha travada por São Micael contra o dragão. Eu disse a você que esta batalha continuou até novembro de 1879, e depois disso Micael conquistou a vitória – e o dragão, ou seja, os poderes arimânicos, foram lançados na esfera humana. Onde eles estão agora?
Agora considere isso com cuidado – os poderes da escola de Ahriman que travaram uma batalha decisiva no mundo espiritual entre 1841 e 1879 foram lançados no reino humano em 1879. Desde então, sua fortaleza, seu campo de atividade, está no pensamento, nas respostas internas e os impulsos de vontade dos seres humanos, e esse é o caso especificamente na época em que nos encontramos.
Você deve perceber que muitos dos pensamentos nas mentes humanas hoje estão cheios de poderes arimânicos, assim como seus impulsos de vontade e respostas internas. Eventos como esses, que ocorrem entre o mundo espiritual e o físico, fazem parte do grande esquema das coisas; são fatos concretos que devem ser considerados. De que adianta ficar atolado em abstrações repetidamente e dizer algo tão abstrato como: “Os seres humanos devem lutar contra Ahriman.” Essa fórmula abstrata não nos levará a lugar nenhum. Atualmente, algumas pessoas não têm a menor idéia do fato de que estão em um ambiente repleto de espíritos. Isso é algo que deve ser considerado em todo o seu significado.
Se você considerar exatamente isto – que, como membro da Sociedade Antroposófica, você está em posição de ouvir essas coisas e ocupar seus pensamentos e sentimentos com elas – você estará ciente da total seriedade do assunto e que você tem uma tarefa hoje, dependendo do seu lugar particular neste tempo, que é tão cheio de enigmas, tão aberto a questionamentos e tão confuso. Você tem que trazer para isso os melhores tipos de sentimentos e respostas internas de que é capaz.
Tomemos o seguinte exemplo. Suponha que um punhado de pessoas que se juntaram naturalmente e se tornaram amigos, saibam da situação espiritual que descrevi e de outras semelhantes, enquanto muitas outras pessoas não as conhecem. Você pode ter certeza de que se este grupo hipotético de pessoas decidisse usar o poder que é capaz de obter de tal conhecimento para um propósito específico, o grupo – e seus seguidores, embora estes tendam a não estar cientes disso – estariam extremamente poderosos em comparação com pessoas que não têm ideia disso e não querem saber dessas coisas.
Precisamente esse grupo existia no século XVIII e ainda continua hoje. Um certo grupo de pessoas sabia dos fatos de que falei; eles sabiam que os eventos que descrevi – como ocorrendo no século XIX e no século XX – aconteceriam. No século XVIII, esse grupo decidiu perseguir certos objetivos que eram do seu próprio interesse e trabalhar em prol de certos impulsos. Isso foi feito de forma bastante sistemática.
As massas da humanidade passam pela vida como se estivessem adormecidas, sem pensar; eles desconhecem completamente o que está acontecendo nos grupos, alguns deles bem grandes, que podem estar bem ao lado.
Hoje, mais do que nunca, as pessoas estão muito entregues à ilusão. Considere a maneira como muitas pessoas dizem hoje: “É incrível como as comunicações modernas são eficazes e como isso aproxima as pessoas! Todo mundo ouve sobre todo mundo! Isso é totalmente diferente de como era antes.”
Você se lembrará de todas as coisas que as pessoas tendem a dizer sobre o assunto. Mas só precisamos ter uma visão fria e racional de alguns casos específicos para descobrir algumas coisas muito estranhas que acontecem nos tempos modernos.
Quem acreditaria, por exemplo – estou apenas dando uma ilustração – que a Imprensa, que tudo entende e tudo aborda, deixaria de divulgar amplamente as novas obras literárias? Você imaginaria que obras literárias profundas, significativas e marcantes permaneceriam desconhecidas? Certamente devemos ouvir falar delas de uma forma ou de outra?
Bem, na segunda metade do século XIX, ‘a Imprensa’, como a chamamos hoje – com o devido respeito – estava nos estágios iniciais de se tornar o que é hoje. Uma nova obra literária apareceu naquela época que foi mais marcante e de importância mais radical do que todos os autores conhecidos juntos, pessoas como Spielhagen, Gustav Freytag, Paul Heyse e muitos outros cujas obras passaram por inúmeras edições.
A obra em questão foi Dreizehnlinden de Wilhelm Weber, e realmente foi mais amplamente lida no último terço do século XIX do que qualquer outra obra. Mas eu lhe pergunto, quantas pessoas nesta sala não sabem da existência de Dreizehnlinden de Wilhelm Weber? Você vê como as pessoas vivem lado a lado, apesar da imprensa. Ideias profundamente radicais são apresentadas em linguagem bela e poética em Dreizehnlinden, e estão vivas hoje nos corações e mentes de milhares de pessoas.
Falei sobre isso para mostrar que hoje é inteiramente possível para a massa do povo nada saber dos desenvolvimentos radicalmente novos que estão bem à sua porta. Você pode ter certeza, se há alguém aqui que não leu Dreizehnlinden – e suponho que deve haver algum entre nossos amigos -, essas pessoas devem, no entanto, conhecer três ou quatro pessoas que o leram. As barreiras que separam as pessoas são tais que algumas das coisas mais importantes simplesmente não são discutidas entre os amigos. As pessoas não falam umas com as outras. O exemplo que apresentei diz respeito apenas a uma questão menor em termos de história mundial, mas o mesmo se aplica a questões maiores. Estão acontecendo coisas no mundo que muitas pessoas não conseguem ver com clareza.
Assim, também aconteceu que, no século XVIII, uma sociedade difundiu certos pontos de vista e idéias que estavam se enraizando na mente das pessoas e se tornaram eficazes para alcançar os objetivos de tais sociedades. As ideias entraram na esfera social e determinaram as atitudes das pessoas para com os outros. As pessoas não conhecem as fontes de muitas coisas que vivem em suas emoções, reações internas e impulsos de vontade. Aqueles que entendem os processos de evolução sabem, no entanto, como os impulsos e as emoções são produzidos. Foi o que aconteceu com um livro publicado por tal sociedade no século XVIII – talvez não o livro em si, mas as idéias em que foi baseado; o livro mostra a maneira como Ahriman está envolvida em diferentes animais.
O Espírito arimânico era, é claro, chamado de diabo, e foi mostrado como o princípio do diabo, se expressa de maneiras diferentes em espécies animais individuais. A Idade do Iluminismo atingiu seu auge no século XVIII e, é claro, o iluminismo ainda floresce hoje. Pessoas realmente espertas, muitas delas como membros da imprensa, conseguiram transformar isso em uma piada e dizer:
“Mais uma vez, alguns… escreveram um livro para dizer que os animais são demônios!”
Ah, mas espalhar ideias como essas de tal forma no século XVIII que criariam raízes na mente de muitas pessoas, e ao fazê-lo leve em consideração as verdadeiras leis da evolução humana – isso realmente teve um efeito.
Pois era importante que a idéia de que os animais eram demônios existisse em muitas mentes na época em que o darwinismo surgiu para então a idéia de que as pessoas gradualmente evoluíram dos animais surgisse em muitas mentes do século XIX.
Ao mesmo tempo, um grande número de outras pessoas tinha a ideia de que os animais eram demônios. Um estranho acordo foi assim produzido. Como isso realmente aconteceu, foi perfeitamente real. As pessoas escrevem histórias sobre todos os tipos de coisas, mas as forças que realmente atuam não se encontram nelas.
Precisamos considerar o seguinte: os animais só podem prosperar se tiverem ar – não no vácuo que pode ser encontrado sob o receptor de uma bomba de ar. Da mesma forma, ideias e ideais só podem florescer se os seres humanos entrarem na verdadeira atmosfera da vida espiritual. Isso significa, no entanto, que a vida espiritual deve ser encarada como uma realidade. Hoje, as pessoas gostam mais de generalidades do que a maioria das outras coisas. E eles facilmente deixam de notar que desde 1879 os poderes arimânicos foram forçados a descer do mundo espiritual para o reino humano – isso é um fato. Eles tiveram que penetrar a intelectualidade humana, pensamento humano, respostas e percepções.
E não encontraremos a atitude certa para com esses poderes simplesmente usando a fórmula abstrata: “Esses poderes devem ser combatidos.” Bem, o que as pessoas estão fazendo para combatê-los? O que eles estão fazendo não é diferente de pedir que o fogão esteja pronto e quente e deixando de colocar lenha e acender o fogo.
A primeira coisa que devemos saber é que, visto que esses poderes vieram à terra, devemos viver com eles; eles existem e não podemos fechar nossos olhos para eles, pois eles serão mais poderosos do que nunca se fizermos isso. Este é realmente o ponto: os poderes arimânicos que se apoderaram do intelecto humano tornam-se extremamente poderosos se não quisermos conhecê-los ou aprender sobre eles.
O ideal de muitas pessoas é estudar ciência e então aplicar as leis da ciência à esfera social. Eles só querem considerar qualquer coisa que seja “real”, ou seja, qualquer coisa que possa ser percebida pelos sentidos, e nunca pensar nas coisas do espírito. Se esse ideal fosse alcançado por uma grande parte da humanidade, os poderes arimânicos teriam alcançado seu propósito, pois as pessoas não saberiam que eles existiam. Uma religião monística semelhante ao monismo materialista de Haeckel seria estabelecida e provaria ser o campo perfeito para o trabalho desses poderes. Seria muito adequado para eles se as pessoas não soubessem que eles existiam, pois poderiam então trabalhar no subconsciente.
Uma maneira de ajudar os poderes arimânicos, portanto, é estabelecer uma religião inteiramente naturalista. Se David Friedrich Strauss tivesse alcançado plenamente seu ideal, que era estabelecer a religião tacanha que levou Nietzsche a escrever um ensaio sobre ele, os poderes arimânicos se sentiriam ainda mais à vontade hoje do que se sentem já. No entanto, esta é apenas uma maneira. Os poderes arimânicos também prosperarão se as pessoas cultivarem os elementos que desejam espalhar entre as pessoas hoje: preconceito, ignorância e medo da vida do espírito. Não há melhor maneira de encorajá-los.
Pense em quantas pessoas existem hoje que realmente se preocupam em promover o preconceito, a ignorância e o medo dos poderes espirituais. Como eu disse na palestra pública de ontem, os decretos contra Copérnico, Galileu, Kepler e outros não foram revogados até 1835. Isso significa que até então os católicos eram proibidos de estudar qualquer coisa relacionada à visão copérnica, e assim por diante. A ignorância a esse respeito foi ativamente promovida e deu um enorme impulso aos poderes arimânicos. Este foi um verdadeiro serviço prestado àqueles poderes, pois lhes deu a oportunidade de fazer preparativos completos para a campanha que iniciariam em 1841.
Uma segunda declaração deve realmente seguir a que acabei de fazer para torná-la completa. No entanto, essa segunda declaração ainda não pode ser tornada pública por alguém que seja verdadeiramente iniciado nessas coisas. Mas se você tiver uma ideia do que está por trás das palavras que eu disse, talvez possa ter uma ideia do que está implícito.
A visão científica é inteiramente arimânica. Não o combatemos recusando-nos a saber sobre ele, porém, mas sendo tão conscientes dele quanto possível e realmente conhecendo-o. Você não pode prestar um serviço melhor a Ahriman do que ignorar a visão científica ou combatê-la por ignorância. A crítica desinformada das visões científicas não vai contra Ahriman, mas o ajuda a espalhar a ilusão e a confusão em um campo que realmente deveria ser mostrado sob uma luz clara.
As pessoas devem gradualmente chegar à conclusão de que tudo tem dois lados. As pessoas modernas são tão inteligentes, não são? – infinitamente inteligentes; e essas pessoas modernas inteligentes dizem o seguinte: na quarta era pós-Atlântida, no tempo da Grécia e Roma antigas, as pessoas acreditavam supersticiosamente que o futuro poderia ser contado pela maneira como os pássaros estariam voando, pelas entranhas dos animais e todos tipos de coisas.
Eles eram velhos bobos, é claro. O fato é que nenhuma dessas pessoas modernas desdenhosas realmente sabe como as previsões foram feitas. E todo mundo ainda fala como a pessoa que eu dei como exemplo outro dia, que teve que admitir que a profecia dada em um sonho havia se tornado realidade, mas passou a dizer: bem, foi conta do acaso.
No entanto, as condições eram tais na quarta era pós-Atlântida, que realmente havia uma ciência que considerava o futuro. Então, as pessoas não seriam capazes de pensar que o tipo de princípios que são aplicados hoje alcançariam alguma coisa em uma vida social em desenvolvimento. Eles não poderiam ter conquistado as grandes perspectivas de natureza social, que iam muito além de seu próprio tempo, se eles não tivessem uma “ciência”, por assim dizer, do futuro.
Acreditem em mim, tudo o que as pessoas alcançam hoje no campo da vida social e da política ainda é baseado nos frutos daquela velha ciência do futuro. Isso, no entanto, não pode ser obtido observando as coisas que se apresentam aos sentidos. Isso nunca pode ser obtido usando a abordagem científica moderna; pois tudo que observamos no mundo exterior com os sentidos torna uma ciência do passado. Deixe-me contar a você uma das mais importantes leis do universo: se você meramente considerar o mundo como ele se apresenta aos sentidos, que é a abordagem científica moderna, você observará as leis passadas que ainda continuam. Você está realmente apenas observando o cadáver de um mundo passado. A ciência está olhando para a vida que morreu.
Imagine que este é o nosso campo de observação (Fig. 10a, círculo branco), mostrado em forma de diagrama; é isso que temos diante de nossos olhos, ouvidos e outros sentidos. Imagine este (círculo amarelo) como todas as leis científicas que podem ser descobertas. Essas leis não se relacionam com o que está lá agora, mas com o que esteve, o que era e se foi e permanece apenas em uma forma cristalizada. Você precisa encontrar as coisas que estão fora dessas leis, coisas que os olhos não podem ver e os ouvidos físicos não podem ouvir: um segundo mundo com leis diferentes (círculo malva). Isso está presente dentro da realidade, mas aponta para o futuro.
A situação com o mundo é igual à situação que você tem com uma planta. A verdadeira planta não é a planta que vemos hoje; algo está misteriosamente dentro dela que ainda não pode ser visto e só será visível aos olhos no ano seguinte – o germe primitivo. Está presente na planta, mas é invisível. Da mesma forma, o mundo que se apresenta aos nossos olhos contém nele todo o futuro, embora este não seja visível. Também contém o passado, mas este murchou e secou e agora é um cadáver. Tudo o que os naturalistas veem é apenas a imagem de um “cadáver”, de algo que já passou e se foi.
Também é verdade, é claro, que esse aspecto do passado estaria ausente se considerássemos apenas o aspecto espiritual. No entanto, o elemento invisível deve ser incluído se quisermos ter a realidade completa. Como pode ser que as pessoas, por um lado, estabeleçam a teoria de Laplace e, por outro lado, falem sobre o fim do mundo da maneira que o Professor Dewar faz – falei disso na palestra pública de ontem.
Ele deduz que, quando o mundo acabar, as pessoas lerão seus jornais a várias centenas de graus abaixo de zero à luz da proteína luminosa pintada nas paredes; o leite será sólido. Eu adoraria saber como as pessoas vão ordenhar esse leite sólido! Essas são ideias completamente insustentáveis, como toda a teoria de Laplace. Todas essas teorias não dão em nada assim que se vai além do campo da observação imediata, e isso porque são teorias de cadáveres, de coisas que estão mortas.
Pessoas inteligentes dirão hoje que os padres da Grécia e da Roma antigas eram ou patifes e vigaristas ou que eram supersticiosos, pois ninguém em sã consciência pode acreditar que é possível descobrir algo sobre o futuro a partir do vôo dos pássaros ou das entranhas dos animais. Com o tempo, as pessoas serão capazes de desprezar as idéias de que hoje se orgulham; elas se sentirão tão espertos então quanto a geração atual se sente agora em desprezar os sacerdotes romanos que conduziam seus sacrifícios.
Eles são tão elevados e poderosos – essas pessoas que entraram completamente no Espírito e nas atitudes do pensamento científico – que desprezam os velhos mitos e contos.
“A humanidade era infantil então, com as pessoas levando os sonhos a sério! Pense no quanto avançamos desde então: hoje sabemos que tudo é regido por uma lei de causalidade; certamente percorremos um longo caminho.”
Todo mundo que pensa assim deixa de perceber uma coisa: toda a ciência moderna não existiria, especialmente onde tem sua justificativa, se as pessoas não tivessem pensado anteriormente em mitos.
Você não pode ter ciência moderna a menos que seja precedida por um mito; ela surgiu dos mitos antigos e você não poderia tê-la hoje – seria como ter uma planta apenas com caules, folhas e flores sem nenhuma raiz embaixo. Quem fala da ciência moderna como algo absoluto, completo em si mesma, pode muito bem falar de uma planta que só vive na parte superior. Tudo o que está relacionado com a ciência moderna cresceu do mito; mito é sua raiz.
Existem espíritos elementais que observam essas coisas de outros mundos e eles uivam num escárnio infernal quando os professores inteligentes e poderosos de hoje desprezam as antigas mitologias e todos os meios de superstições antigas, não tendo a menor idéia de que eles e toda sua inteligência cresceu a partir desses mitos e que nenhuma ideia justificável que eles sustentam hoje seria sustentável se não fosse por esses mitos.
Outra coisa que também faz com que esses espíritos ahrimânicos elementais uivem com o próprio escárnio é ver os cientistas acreditarem que agora eles têm o teorias de Copérnico, eles têm as idéias de Galileu, eles têm essa lei esplendorosa da conservação da energia e de que isso nunca vai mudar e será o mesmo para todo o sempre.
Uma visão míope! O mito se relaciona com nossas ideias, assim como as ideias científicas dos séculos XIX e XX se relacionam com o que acontecerá alguns séculos depois. Eles serão superados assim como o mito foi superado. Você acha que as pessoas vão pensar sobre o sistema solar em 2900 da mesma forma que as pessoas pensam sobre ele hoje? Pode ser superstição dos acadêmicos, mas nunca deve ser uma superstição mantida entre os antropósofos.
As ideias justificáveis que as pessoas têm hoje, ideias que de fato têm algum grau de grandeza na época atual, surgiram da mitologia que se desenvolveu na época da Grécia antiga. Claro, nada poderia encantar mais as pessoas modernas do que pensar: ah, se ao menos os antigos gregos tivessem tido a sorte de possuir nossa ciência moderna! Mas se os gregos tivessem nossa ciência moderna, então não poderia haver conhecimento dos deuses gregos, nenhum mundo de Homero, Sófocles, Ésquilo, Platão ou Aristóteles. O servo do Dr. Fausto, Wagner, seria um verdadeiro Dr. Fausto em comparação com os Wagners que teríamos hoje!
O pensamento humano estaria seco como pó, vazio e corrupto, pois a vitalidade de nosso pensamento tem suas raízes na mitologia grega e na mitologia da quarta época pós-atlântica. Quem acha que a mitologia está errada e o pensamento moderno está certo, é como quem não percebe a necessidade de as rosas crescerem nos arbustos, sendo necessário cortá-las se quisermos ter um buquê. Por que elas não deveriam existir inteiramente por conta própria?
Então você vê: as pessoas que se consideram as mais iluminadas hoje estão vivendo com ideias totalmente irreais. As ideias desenvolvidas na quarta era pós-Atlântida parecem mais sonhos do que ideias claramente definidas para as pessoas de nossa época; no entanto, essa maneira particular de pensar forneceu a base para o que somos hoje. Os pensamentos que somos capazes de desenvolver hoje, por sua vez, fornecerão a base para a próxima era. Eles só podem fazer isso, entretanto, se evoluírem não apenas em uma direção, onde murcham e secam, mas também na direção da vida. O fôlego de vida entra em nosso pensamento quando tentamos trazer as coisas que existem à consciência e também quando percebemos o elemento que nos dá uma mente ampla e desperta e nos torna pessoas que estão despertas.
Desde 1879 a situação é a seguinte: as pessoas vão à escola e adquirem atitudes e pensamentos científicos; sua filosofia de vida é então baseada nesta abordagem científica e eles acreditam que apenas as coisas que podem ser percebidas no mundo ao nosso redor são reais, enquanto todo o resto é puramente imaginário. Quando as pessoas pensam assim, e muitas pessoas o fazem hoje, Ahriman tem a vantagem no jogo e os poderes ahrimânicos estão indo bem. O que são esses poderes ahrimânicos que estabeleceram suas fortalezas nas mentes humanas desde 1879? Eles certamente não são humanos.
Eles são anjos, mas são anjos atrasados, anjos que não estão seguindo seu curso adequado de evolução e, portanto, não sabem mais como desempenhar sua função adequada no mundo espiritual que está próximo ao nosso. Se eles ainda soubessem como fazê-lo, não teriam sido derrubados em 1879. Eles agora querem desempenhar sua função com a ajuda de cérebros humanos. Eles estão um nível abaixo no cérebro humano do que deveriam ser. O pensamento ‘monístico’, como é chamado hoje, não é realmente feito por humanos. Muitas vezes as pessoas falam da ciência da economia hoje, uma ciência em que se dizia, na época em que a guerra começou, que ela acabaria em quatro meses – falei de novo ontem.
Quando essas coisas são ditas por cientistas – não importa tanto se as pessoas simplesmente as repetem – são pensamentos de anjos que se sentiram em casa nas cabeças humanas. Sim, o intelecto humano deve ser dominado cada vez mais por tais poderes; eles querem usá-lo para trazer suas próprias vidas à realização. Não podemos resistir a isso colocando nossas cabeças na areia como avestruzes, mas apenas entrando conscientemente na experiência. Não podemos lidar com isso não sabendo o que os monistas pensam, por exemplo, mas apenas concebendo isso; devemos também saber que é a ciência de Ahriman, a ciência dos anjos retrógrados que infestam as cabeças humanas, e devemos saber sobre a verdade e a realidade.
Claro, isto pode ser dito assim aqui, usando os termos apropriados – poderes arimânicos – porque levamos essas coisas a sério. Você sabe que não pode falar assim com pessoas de fora, pois elas estão totalmente despreparadas. Esta é uma das barreiras que nos separam dos outros; mas é, claro, possível encontrar maneiras e meios de falar com eles de tal forma que a verdade se manifeste no que dizemos. Se não houvesse um lugar onde a verdade pudesse ser dita, isso também nos privaria da possibilidade de deixá-la entrar na ciência profana fora dessas paredes.
Deve haver pelo menos alguns lugares onde a verdade possa ser apresentada de maneira honesta e direta. No entanto, nunca devemos esquecer que mesmo as pessoas que fizeram uma conexão com a ciência do espírito muitas vezes têm dificuldades quase insuperáveis em construir a ponte para o reino da ciência arimânica. Eu conheci várias pessoas que eram extremamente bem informadas em um campo particular da ciência arimânica, sendo bons cientistas, orientalistas, etc., e também fizeram a conexão com nossa pesquisa espiritual. Tive muita dificuldade para encorajá-los a construir pontes.
Pense no que poderia ter sido alcançado se um fisiologista ou biólogo que tivesse todo o conhecimento especializado que é possível adquirir em tais campos hoje tivesse reconsiderado a fisiologia ou a biologia à luz do espírito, não exatamente usando nossa terminologia, mas considerando-as ciências individuais em nosso espírito! Eu tentei com orientalistas. Veja, as pessoas podem ser boas seguidoras da antroposofia e, por outro lado, são orientalistas e trabalham da mesma forma que os orientalistas. Eles não estão preparados, porém, para construir a ponte de um para o outro.
Essa, entretanto, é a necessidade urgente de nosso tempo. Pois, como eu disse, os poderes arimânicos estão indo bem se as pessoas acreditarem que a ciência dá uma imagem verdadeira do mundo ao nosso redor. Se, por outro lado, usamos a ciência espiritual e a atitude interior que surge dela, os poderes arimânicos não funcionam tão bem. Essa ciência espiritual se apodera de todo o ser humano. Isso faz de você outra pessoa; você passa a se sentir diferente, a ter impulsos de vontade diferentes e a se relacionar com o mundo de uma maneira diferente.
É realmente verdade, e os iniciados sempre disseram isso: “Quando os seres humanos estão cheios de sabedoria espiritual, esses são grandes horrores de trevas para os poderes arimânicos e um fogo consumidor. É bom para os anjos arimânicos habitarem cabeças cheias de ciência arimânica; mas as cabeças cheias de sabedoria espiritual são como um fogo consumidor e os horrores das trevas para elas.”
Se considerarmos isso com toda a seriedade, podemos sentir: cheios de sabedoria espiritual, percorremos o mundo de uma maneira que nos permite estabelecer o que é certo relação com os poderes arimânicos; fazendo as coisas que fazemos à luz dessa consciência, construímos um lugar para o fogo consumidor do sacrifício pela salvação do mundo, o lugar onde o terror das trevas se irradia sobre o elemento arimânico prejudicial.
Deixe essas idéias e sentimentos entrarem em você! Você estará então acordado e verá as coisas que acontecem no mundo. O século XVIII realmente viu morrer os últimos resquícios da velha ciência atávica. Os adeptos de Saint-Martin, o “filósofo desconhecido”, que foi aluno de Jacob Boehme, tinham um pouco da velha sabedoria atávica e também uma presciência considerável do que então estava por vir, e em nossos dias chegou.
Nesses círculos costumava-se dizer que a partir do último terço do século XIX e da primeira metade do século XX se irradiaria um saber que tinha raízes nas mesmas fontes, no mesmo solo, onde certas doenças humanas têm suas raízes – falei disso no último domingo; as opiniões das pessoas seriam então enraizadas na falsidade e seus sentimentos internos viriam do egoísmo.
Deixe seus olhos se tornarem olhos videntes à luz dos sentimentos íntimos de que falamos hoje e deixe-os ver o que está vivo e ativo no tempo presente! Pode muito bem ser que seu coração fique dolorido com algumas das coisas que você encontra. Isso não faz mal nenhum, pois a percepção clara, mesmo que dolorosa, dará hoje bons frutos, frutos que são necessários se quisermos sair do Caos em que a humanidade entrou.
A primeira coisa, ou uma das primeiras coisas, terá que ser uma ciência da educação. E um dos primeiros princípios a serem aplicados neste campo é aquele que é muito discriminado hoje. Mais importante do que tudo que você pode ensinar e conscientemente dar a meninos e meninas, ou a rapazes e moças, são as coisas que entram inconscientemente em suas almas enquanto estão sendo educados. Em uma recente palestra pública, falei sobre a maneira como nossa memória se desenvolve como se estivesse no subconsciente e paralela à nossa vida interior consciente. Isso é algo que deve ser levado em consideração principalmente na educação.
Os educadores devem fornecer à alma não apenas o que as crianças entendem, mas também ideias que elas ainda não entendem, que entram misteriosamente em suas almas e – isso é importante – são trazidas à tona mais tarde na vida. Aproximamo-nos cada vez mais de um tempo em que as pessoas vão precisar cada vez mais de memórias da sua juventude ao longo da vida, de memórias que gostam, de memórias que os fazem felizes. A educação deve aprender a prover sistematicamente para isso.
Será um veneno na educação do futuro se, mais tarde na vida, as pessoas olharem para trás, para o trabalho e as dificuldades de seus tempos de escola, para os anos de educação, e não gostarem de pensar naqueles dias. Será um veneno se os anos de educação não fornecerem uma fonte à qual eles possam voltar repetidas vezes para aprender coisas novas. Por outro lado, se alguém aprendeu tudo o que há para aprender sobre um assunto, nada ficará para depois.
Se você pensar nisso, verá que princípios de grande conseqüência terão que ser as diretrizes futuras da vida, e isso de uma forma muito diferente do que se considera correto hoje. Seria bom para a humanidade se as duras lições a serem aprendidas no tempo presente não fossem adormecidas por tantos, e as pessoas as usassem para se familiarizarem realmente com o pensamento de que muitas coisas terão que mudar. As pessoas se tornaram excessivamente complacentes nos últimos tempos e isso as impede de compreender este pensamento em toda a sua profundidade e, sobretudo, também em toda a sua intensidade.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 20 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 14 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 9
A batalha entre Micael e o Dragão
É necessário permitir que certas verdades fundamentais do desenvolvimento espiritual venham à mente sempre que você obtiver algum material, como podemos chamá-lo, por meio de conhecimento e coisas semelhantes, pois isso permitirá que você penetre essas verdades fundamentais mais profundamente. Nos últimos dias, consideramos todos os tipos de idéias que podem explicar os acontecimentos de nosso tempo, pelo menos até certo ponto. Portanto, adquirimos uma série de idéias sobre os desenvolvimentos atuais. Podemos juntá-las a verdades fundamentais que já conhecemos de certos pontos de vista, mas que podem ser penetradas mais profundamente se as abordarmos novamente após uma preparação.
Tenho falado com frequência sobre a ruptura significativa ocorrida no desenvolvimento espiritual dos povos da Europa e da América em meados do século XIX e, especialmente, na década de 1840. Já salientei que essa foi a época em que o ponto de vista materialista atingiu seu ápice, com um ápice no que podemos chamar de uma forma de apreender os mortos, os fatos externos com o intelecto, recusando-se a entrar na realidade viva.
As fontes mais profundas de tais eventos devem ser buscadas no mundo espiritual e hoje estamos muito envolvidos em suas consequências, que continuarão a ter uma influência por muito tempo. E se investigarmos os processos nesse mundo que ganharam expressão exterior no evento de que acabei de falar, temos que apontar para uma luta, uma guerra real naquele mundo, que começou então e chegou a uma determinada conclusão para o mundo do espírito no outono de 1879. Para ter uma idéia certa sobre essas coisas, você deve visualizar uma batalha que continuou por décadas nos mundos espirituais, da década de 1840 até o outono de 1879.
Isso pode ser chamado de uma batalha na qual os espíritos que são seguidores do espírito pertencente à hierarquia dos Arcanjos, a quem podemos chamar de Micael, lutaram contra certos poderes arimânicos. Por favor, considere que esta batalha foi, em primeiro lugar, uma batalha no mundo espiritual. Tudo o que estou me referindo no momento está relacionado a esta batalha travada por Micael e seus seguidores contra certos poderes arimânicos.
Uma boa forma de fortalecer essa ideia, principalmente se você quiser torná-la frutífera para sua vida na atualidade, é ter em mente que as almas humanas que nasceram exatamente na quinta década do século XIX realmente participaram desta batalha entre os seguidores de Micael e os poderes arimânicos quando elas estavam no mundo espiritual. Se você pensar nisso, terá uma grande compreensão do destino externo e interno vivido por essas pessoas e, acima de tudo, de sua constituição interna. A batalha, portanto, ocorreu nas décadas de 40, 50, 60 e 70 e chegou ao fim no outono de 1879, quando Micael e seus seguidores conquistaram a vitória sobre certos poderes arimânicos.
O que isso significa? Para ver algo assim da maneira certa, podemos sempre recorrer a uma imagem que a humanidade conheceu ao longo de sua evolução – a luta entre Micael e o dragão. Esta imagem surgiu repetidamente no curso da evolução. Podemos caracterizá-lo dizendo que toda batalha entre Micael e o dragão é semelhante a de 1840, mas é sobre coisas diferentes – coisas perigosas e prejudiciais. Podemos dizer que uma determinada multidão de espíritos arimânicos busca continuamente trazer algo para a evolução do mundo, mas eles são sempre superados. E então eles também perderam a batalha no outono de 1879 e, como eu disse, isso foi no mundo espiritual.
Mas o que significa que os poderes do dragão, essa multidão de espíritos arimânicos, são conduzidos aos reinos humanos, banidos do céu para a terra, por assim dizer? Perder a batalha significa que eles não podem mais ser encontrados nos céus, para usar o termo bíblico. Em vez disso, eles podem ser encontrados nos reinos humanos, o que significa que o final da década de 1870 foi uma época particular em que as almas humanas tornaram-se sujeitas a poderes arimânicos com relação a certos poderes de percepção.
Antes disso, esses poderes estavam ativos nos reinos espirituais e, portanto, deixavam os seres humanos mais em paz; quando foram expulsos dos reinos espirituais, vieram ao encontro dos seres humanos. E se inquirirmos sobre a natureza dos poderes arimânicos que entraram nos seres humanos quando tiveram que deixar os reinos do espírito, a resposta é: a visão materialista arimânica com sua pessoal – notem bem – sua tendência pessoal.
O materialismo, é claro, atingiu seu auge na década de 1840, mas naquela época seus impulsos eram mais instintivos nos humanos, pois a multidão de espíritos arimânicos ainda enviava seus impulsos do mundo espiritual para os instintos humanos. A partir do outono de 1879, esses impulsos arimânicos – poderes de percepção e de vontade – tornaram-se propriedade pessoal dos seres humanos. Antes disso, eles eram mais uma propriedade geral, agora foram transplantados para se tornarem propriedade pessoal.
Podemos, portanto, dizer que, devido à presença desses poderes arimânicos a partir de 1879, as ambições e inclinações pessoais para interpretar o mundo em termos materialistas passaram a existir no reino humano. Você só precisa rastrear alguns dos eventos que surgiram por causa de inclinações pessoais desde então, para entender que eles resultaram quando o Arcanjo Micael dirigiu o dragão, ou seja, a multidão de espíritos arimânicos, dos reinos do espírito, dos céus , para a Terra.
Esta ocorrência tem um significado profundo. As pessoas do século XIX e de nossa própria época não estão inclinadas a prestar atenção a tais ocorrências no mundo espiritual e à maneira como se relacionam com o mundo físico. No entanto, as razões fundamentais e os impulsos finais para os eventos na Terra só podem ser encontrados se a pessoa conhece o pano de fundo espiritual. É preciso dizer que é necessária uma boa quantidade de materialismo, mesmo se revestido de idealismo, para dizer: ‘Em termos de eternidade, o que importa se muitas mais toneladas de matéria orgânica perecerão com a permissão para a continuidade da guerra?’
É preciso sentir até que ponto tal visão tem suas raízes no ahrimanismo, pois suas raízes estão verdadeiramente nos reinos da resposta interna. A filosofia do filósofo Henri Lichtenberger de “toneladas de matéria orgânica” é um dos muitos exemplos que podem ser citados para mostrar as formas específicas assumidas pela maneira arimânica de pensar.
O impulso mais profundo que tem vivido em muitas almas humanas desde 1879 é, portanto, aquele que foi lançado nos reinos humanos e que, antes disso, vivia como potência arimânica no mundo espiritual. É útil procurar outras maneiras de fortalecer a ideia em nossas mentes usando conceitos do mundo material, usando-os essencialmente como imagens simbólicas. O que acontece hoje mais no nível da alma e do espírito teve um viés mais material nos primeiros tempos. O mundo da matéria também é espiritual; é apenas uma forma diferente de espiritualidade.
Se você voltasse aos primeiros tempos da evolução, encontraria uma batalha semelhante à que acabei de descrever. Como já foi mencionado, essas batalhas se repetiram continuamente, mas sempre em contextos diferentes. No passado distante, a multidão de espíritos arimânicos também foi lançada dos mundos espirituais para o reino terreno quando eles perderam essa batalha. Veja, eles voltariam ao ataque repetidas vezes. Depois de uma dessas batalhas, por exemplo, a multidão de espíritos arimânicos povoou a Terra com as formas de vida terrenas que a profissão médica agora chama de bacilos.
Tudo o que tem o poder de agir como bacilo, tudo em que os bacilos estão envolvidos, é o resultado de multidões de espíritos arimânicos sendo lançados do céu para a terra no momento em que o dragão foi vencido. Da mesma forma, a maneira de pensar arimânica e mefistotélica se espalhou desde o final da década de 1870 como resultado de tal vitória. Assim, podemos dizer que as doenças tuberculares e bacilares vêm de uma fonte semelhante ao materialismo que se apossou da mente humana.
Também podemos comparar as ocorrências do século passado com outro aspecto. Podemos apontar para algo que vocês já conhecem da Ciência Oculta, a retirada da Lua da esfera da evolução da Terra. A Lua já fez parte da Terra; foi expulsa da Terra. Como resultado, certas influências da Lua entraram em vigor na Terra, e isso também se seguiu à vitória de Micael sobre o dragão. Portanto, também podemos dizer que tudo relacionado com certos efeitos relativos às fases da Lua, e todos os impulsos que chegam à Terra da Lua, têm sua origem em uma batalha semelhante entre Micael e o dragão.
Essas coisas realmente se encaixam, de certa forma, e é extremamente útil considerar isso, pois tem um significado profundo. Alguns indivíduos desenvolvem um desejo irresistível de materialismo intelectual, que surge por estarem aliados com o caído Ahriman. Eles gradualmente passam a amar os impulsos que Ahriman desperta em suas almas e, de fato, os consideram uma forma de pensar particularmente nobre e sublime. Mais uma vez, é necessário estar plena e claramente ciente dessas coisas. A menos que eles estejam em nossa percepção consciente e tenhamos um insight claro, não podemos entender os acontecimentos.
O perigo inerente a tudo isso deve ser encarado com olhos frios, por assim dizer, e um coração calmo. Temos que enfrentá-los com calma. Só o faremos, porém, se tivermos bastante clareza sobre o fato de que certo perigo ameaça os seres humanos a partir desta direção. Esse é o perigo de preservar o que não deve ser preservado. Tudo o que acontece dentro do grande esquema das coisas também tem seu lado bom. É porque os poderes arimânicos entraram em nós quando Micael obteve sua vitória é que estamos conquistando a liberdade humana. Tudo está conectado com isso, pois a multidão de espíritos arimânicos entrou em todos nós. Ganhamos em liberdade humana, mas devemos estar cientes disso. Não devemos permitir que os poderes arimânicos obtenham vantagem, por assim dizer, e não devemos nos apaixonar por eles.
Isso é extremamente importante. Sempre existe o perigo de as pessoas continuarem no materialismo, na maneira materialista e arimânica de pensar, e continuar assim por séculos, quando, de acordo com o plano das coisas, deveria ter sido superado. As pessoas que não se desviarem do modo de pensar materialista e arimânico e quiserem mantê-lo, estariam então aliadas a tudo o que aconteceu por meio de vitórias semelhantes conquistadas por Micael sobre o dragão. Eles, portanto, não se uniriam ao progresso espiritual na evolução humana, mas ao progresso material. E chegaria um tempo, na sexta era pós-Atlântida, em que a única coisa que os agradaria seria viver em algo que teria sido provocado pelos bacilos, esses inimigos microscopicamente pequenos da humanidade.
Outra coisa também precisa ser entendida. Exatamente por causa de sua consistência lógica e, na verdade, de sua grandeza, o modo de pensar científico também está em grande perigo de escorregar para o modo de pensar arimânico. Considere como alguns cientistas estão pensando hoje no campo da geologia, por exemplo. Eles estudam a formação da superfície da terra e os resíduos e assim por diante, para determinar como certos animais vivem, ou viveram, nos diferentes estratos. Os dados empíricos são estabelecidos para determinados períodos.
Os cientistas usam isso como base para suas visões sobre como a Terra era há milhares e milhões de anos, chegando, por exemplo, à hipótese nebular de Kant e Laplace. Eles também desenvolvem idéias sobre a evolução futura da Terra e, do ponto de vista físico, estão bastante corretas. Freqüentemente, elas são absolutamente brilhantes, mas se baseiam em um método em que a evolução da Terra é observada por um tempo e, em seguida, as conclusões são tiradas: milhões de anos antes e milhões de anos depois.
O que realmente está sendo feito neste caso? É o mesmo como se observássemos uma criança aos sete, oito ou nove anos, observando como seus órgãos mudam gradualmente, ou mudam parcialmente, e calculássemos o quanto esses órgãos humanos mudam em um período de dois ou três anos. Em seguida, multiplicamos isso para descobrir o quanto esses órgãos mudam ao longo dos séculos. Portanto, podemos descobrir como era essa criança cem anos atrás e, indo na outra direção, também podemos descobrir como seria em cento e cinquenta anos.
É um método que pode ser bastante brilhante e é, de fato, este usado pelos geólogos hoje para calcular as condições primitivas da Terra; também foi usado para produzir a hipótese de Laplace. Exatamente o mesmo método é usado para visualizar como o mundo será de acordo com as leis físicas que agora podem ser observadas. Mas acho que você vai admitir que tais leis não significam muito quando aplicadas a um ser humano, por exemplo. Cem anos atrás, a criança não existia como um ser humano físico; nem existirá como um ser humano físico daqui a cento e cinquenta anos.
O mesmo se aplica à Terra com referência à escala de tempo usada pelos geólogos. A terra passou a existir depois que Tyndall, Huxley, Haeckel e outros calculam. Antes que chegue o momento em que você pode simplesmente pintar as paredes de uma sala com proteína e ter luz suficiente para ler, a terra não passará de um cadáver. É muito fácil imaginar que um dia será possível usar meios físicos para colocar proteína em uma parede onde ela brilhará como luz elétrica, para que se possa ler o jornal. Isso está fadado a acontecer como parte das mudanças físicas, sem dúvida. Mas, na verdade, esse tempo nunca chegará, assim como nunca acontecerá que em cento e cinquenta anos uma criança mostrará as mudanças calculadas a partir das mudanças sucessivas vistas em seu estômago e fígado ao longo de dois ou três anos entre as idades de sete e nove.
Aqui você obtém uma visão sobre algumas coisas muito estranhas que temos hoje. Você pode ver como elas se chocam. Pense em um cientista convencional ouvindo o que acabo de dizer. Ele vai dizer que isso é pura tolice. E então pense em um cientista espiritual; ele vai considerar as coisas que o cientista convencional diz como tolas. Todas as muitas hipóteses a respeito do início e do fim da terra são na verdade nada mais que tolices, embora as pessoas tenham sido absolutamente brilhantes em estabelecê-las.
Você pode ver, a partir daí, como os seres humanos estão, de fato, sendo inconscientemente guiados. Mas agora estamos em uma época em que essas coisas devem ser percebidas e compreendidas. É necessário vincular tal ideia com as outras ideias que caracterizamos hoje. Chegará o tempo em que devemos ter transformado nossas idéias materialistas a tal ponto que possamos progredir para uma forma de existência mais espiritual, mas então a terra terá sido um cadáver por muito tempo. Ela não nos suportará mais, e as encarnações na carne como as que buscamos hoje não serão mais buscadas.
Mas os indivíduos que se tornaram tão presos ao modo de pensar materialista que não podem abandoná-lo ainda irão se esgueirar para aquela terra e encontrar maneiras de se envolver nas atividades dos bacilos – o bacilo da tuberculose e outros – entidades bacilares que estará vasculhando cada parte do cadáver da terra. Os bacilos de hoje são apenas os profetas, digamos, do que acontecerá a toda a Terra no futuro. Então chegará o tempo em que aqueles que se apegam ao modo de pensar materialista se unirão aos poderes da lua e cercarão a terra, que será um cadáver queimado, junto com a lua. Pois tudo o que eles querem é agarrar-se à vida na terra e permanecer unidos a ela; eles não querem seguir o curso certo, que é progredir do cadáver da terra para o que será a futura alma e espírito da Terra.
Em nosso tempo, particularmente, todas essas coisas estão tendo um efeito sobre muitas idéias brilhantes e impulsos morais admiráveis – as pessoas batizam tudo de ‘impulso moral’ hoje em dia – nos quais os poderes arimânicos e materialistas estão vivos. Estes têm a capacidade de se desenvolver em impulsos que agem como inúmeros nós para manter os seres humanos presos na terra, por sua própria vontade. É importante, portanto, voltar nossa atenção para essas coisas.
E é realmente necessário prestar muita atenção a alguns elementos altamente respeitados que são considerados normais hoje, como certas leis da natureza. Quem não os aceita é considerado amador e tolo. Certas aspirações morais e políticas são tomadas como algo natural. Grandes Wilsoníades são proclamados em relação a eles. Todas essas coisas têm o potencial de se desenvolver em algo que pode ser caracterizado da maneira que acabei de fazer.
Eu tinha minhas razões para dizer que as pessoas que participaram do início da batalha na década de 1840 estavam em uma posição especial. Elas foram colocados na terra naquela época. E podemos entender muito da vida interior dessas pessoas, especialmente aquelas que eram ativas na mente e no espírito, e de suas dúvidas e suas batalhas interiores, se considerarmos o impulso que trouxeram da vida do espírito na década de 1840, na segunda metade do século XIX e no início do século XX.
Outra coisa também se relaciona com isso, algo que não deve ser esquecido hoje, mas muitas vezes é. É a crença de que as entidades espirituais e suas atividades não têm parte nos assuntos humanos. As pessoas não gostam de falar de eventos no âmbito das relações humanas com causas espirituais. Quem conhece a situação real, no entanto, está bem ciente de que as influências psíquicas ou espirituais do mundo espiritual sobre os seres humanos aqui no mundo físico são, de fato, particularmente poderosas nos dias de hoje. Não é incomum encontrar pessoas hoje que vão te dizer que um sonho, ou algo parecido com um sonho as levou a um determinado curso de eventos – elas normalmente não entendem o que está acontecendo, mas estes são sempre elementos não físicos.
As influências psíquicas desse tipo desempenham um papel muito maior hoje do que os materialistas estão preparados para acreditar. Qualquer pessoa que tiver a oportunidade de entrar em tais coisas as encontrará a cada passo. Se você pegasse as obras publicadas dos melhores poetas de hoje e fizesse uma análise estatística de quantos poemas surgiram de uma forma para a qual há uma explicação racional, e quantos por uma inspiração – uma influência espiritual definida do outro mundo, com o poeta experimentando isso em um sonho ou algo semelhante – você ficaria surpreso com o quão grande é a porcentagem de influências diretas do mundo espiritual. As pessoas são influenciadas pelo mundo espiritual muito mais do que estão preparadas para admitir. E as ações humanas realizadas sob a influência do mundo espiritual são de fato significativas.
De vez em quando surge a pergunta: ‘Por que um determinado jornal foi criado?’ ‘O indivíduo que o iniciou teve um impulso particular do mundo espiritual. Se ele confiar em vocês o suficiente para falar abertamente sobre seus impulsos, ele falará de um sonho quando você perguntar sobre a verdadeira origem. É por isso que há algum tempo eu tive que dizer aqui que quando os historiadores vêm discutir a eclosão desta guerra no tempo por vir e usaram os documentos de nossa civilização da mesma forma que fizeram Ranke e outros historiadores, que observaram através de tais documentos, eles nunca vão escrever sobre o evento mais importante, que é algo que aconteceu sob a influência do mundo espiritual em 1914.
As coisas acontecem em ciclos ou períodos. Tudo o que acontece no mundo físico é realmente uma espécie de projeção, ou sombra, do que acontece no mundo espiritual, exceto que teria acontecido antes no mundo espiritual. Suponhamos que esta linha aqui (Fig. 9a) seja a linha ou plano que separa os mundos espiritual e físico. O que acabei de dizer poderia ser caracterizado da seguinte forma: Vamos supor que um evento – por exemplo, a batalha entre Micael e o dragão – aconteça antes de tudo no mundo espiritual. Finalmente chega ao fim quando o dragão é lançado do céu para a terra.
Na terra, então, o ciclo é completado após um intervalo de tempo que é aproximadamente igual ao tempo entre o início da batalha no mundo espiritual e o momento em que o dragão foi lançado para baixo. Poderíamos dizer: o amanhecer, o início desta batalha entre Micael e o dragão, foi em 1841. As coisas estavam particularmente animadas em 1845. São trinta e quatro anos de 1845 a 1879, e se avançarmos trinta e quatro anos depois de 1879, chegamos ao evento de espelhamento: você obtém 1913, o ano anterior a 1914.
Veja, os desenvolvimentos que começaram no mundo físico em 1913 são a imagem espelhada das principais razões para a batalha espiritual. E agora considere 1841 – 1879 – 1917! 1841 foi o ano crucial do século XIX. 1917 é sua imagem refletida. Se alguém perceber que os esforços da multidão de espíritos arimânicos em 1841, quando o dragão começou a lutar contra Micael no mundo espiritual, são espelhados agora mesmo em 1917, muito do que está acontecendo agora não será uma surpresa. Os eventos no mundo físico só podem ser realmente compreendidos se soubermos que eles estiveram em preparação nos mundos espirituais.
Essas coisas não estão sendo ditas para preocupar as pessoas ou colocar noções estranhas em suas cabeças; são um desafio para ver as coisas com clareza, para se fazer um esforço para olhar para o mundo espiritual e não dormir durante os eventos. É por isso que se tornou necessário, no campo do desenvolvimento antroposófico, dizer repetidamente que é preciso estar vigilante, tomar nota do que está acontecendo e não deixar que os acontecimentos passem despercebidos.
Às vezes, só é possível demonstrar isso usando uma analogia. Ontem falei sobre a forma como a população da Europa de Leste tira conclusões de tais acontecimentos. Se nós aqui no Ocidente queremos descobrir o que realmente vive na alma do Leste Europeu, a melhor maneira é estudar as obras do filósofo Soloviev, embora haja limites sérios para o que podemos aprender dessa forma. Uma visão real só pode ser obtida a partir do que foi dito por muitos anos em palestras e cursos ministrados dentro do movimento antroposófico sobre o destino e a verdadeira natureza do espírito russo.
Mas, voltando nossa atenção para o filósofo Soloviev, é possível expressar por meio de uma analogia o que realmente se quer dizer neste caso. Como você sabe, Soloviev morreu na virada do século XVIII para o século XIX e, portanto, está morto há muito tempo. Os ocidentais não se importaram muito com sua filosofia. Eles tiveram poucas oportunidades de conhecê-lo e pouco esforço foi feito para estudar Soloviev como um representante da Europa Oriental. Na melhor das hipóteses, temos a situação do professor que, há alguns anos, teve a ideia de que não era exatamente correto um professor de filosofia não saber nada sobre Soloviev – vocês conhecem a história. Então ele deixou alguém escrever uma tese de doutorado, dizendo a si mesmo: ele pode estudar a obra de Soloviev e eu posso ler sua dissertação.
Desejo apenas usar o ponto em questão como uma analogia, portanto. Eu gostaria de colocar desta forma. Se disséssemos que, hipoteticamente, Soloviev estivesse vivo hoje e conhecesse esta guerra e os acontecimentos que estão ocorrendo na Rússia – o que ele, um russo, teria feito? A resposta pode, é claro, ser apenas hipotética, mas é uma suposição razoável que Soloviev teria encontrado uma maneira de remover tudo o que havia escrito antes da guerra e teria escrito novas obras. Ele teria percebido que era necessário revisar seus pontos de vista completamente, pois seus pontos de vista se baseavam na época em que foram escritos. Ele teria, portanto, chegado à mesma conclusão que toda a Europa Oriental.
Parece paradoxal dizer algo assim. Mas se alguém ler Soloviev hoje, é melhor ter claro que Soloviev teria pouca a aprovação absoluta hoje. Seria um sinal de estar bem desperto fazer uma revisão fundamental das idéias que tinham o maior peso na época, mas desde então foram reduzidas ao absurdo. 2 + 2 = 4 ainda seria 2 + 2 = 4, mas outras coisas certamente devem ser revisadas. E só estaremos despertos em nosso tempo se tivermos consciência dessa necessidade de revisão.
Neste ano de 1917 – trinta e oito anos depois de 1879, com 1879 trinta e oito anos depois de 1841 – algo importante se pede à humanidade. O que importa hoje não é o que as pessoas fizeram em 1914, mas que elas próprias saiam dessa situação. O problema que temos de enfrentar agora é como sair dessa novamente. E, a menos que as pessoas percebam que as velhas ideias não nos tirarão disso e que novas ideias são necessárias, o resultado será o fracasso. Qualquer um que pensa que vamos sair dessa com as velhas ideias está latindo na árvore errada. O esforço deve ser feito para obter novas ideias, e isso só é possível com uma visão do mundo espiritual.
Minha intenção hoje foi dar a vocês uma espécie de pano de fundo para muito do que tenho dito lá nos últimos dias. Veja, se alguém lida com a vida espiritual em termos concretos, não é suficiente ter a tagarelice geral que é tão popular entre as pessoas que acreditam no panteísmo e em filosofias semelhantes – que existe um mundo espiritual, que o espírito está por trás de tudo coisas físicas. Falar sobre o espírito em termos gerais vagos não levará você a lugar nenhum. Devemos considerar eventos espirituais específicos e entidades espirituais que estão além do limiar.
Os eventos neste mundo não são apenas gerais, mas bastante específicos, e são concretos e específicos no outro mundo. Não creio que haja muitos que, ao se levantarem de manhã, pensem: ‘Se eu sair pela porta da frente, estarei no mundo.’ ‘Eles não diriam isso, mas dirão ideias sobre algo específico que encontrarão. Da mesma forma, só conseguiremos lidar com as fontes mais profundas da evolução humana e mundial se formos capazes de visualizar as coisas que estão além do limiar de uma forma específica e concreta e não apenas nos referirmos a elas em termos gerais como ‘universal’, ‘providência’ e assim por diante.
Muito, muito pode ser sentido quando olhamos para as figuras 1841 e 1917 no diagrama (ver Fig. 9a). Mas nossa resposta interior a isso tem que estar viva em nós se quisermos entender o que realmente está acontecendo.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 14 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 13 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 8
Abstração e realidade
Vocês terão deduzido, pelo que disse ontem, que no momento presente devemos compreender a distinção entre o pensamento abstrato e puramente intelectual, e o pensamento que se baseia na realidade, para relacionar o nosso pensamento com a realidade. A tendência natural é tornar nosso pensamento incontroverso, tão livre de contradições quanto possível. Mas o mundo está cheio de contradições e, se realmente queremos apreender a realidade, não podemos lançar sobre tudo uma forma geral e padronizada de pensar como uma rede para compreendê-la. Temos que considerar tudo individualmente.
O maior defeito e deficiência de nosso tempo é que as pessoas estão literalmente inclinadas a pensar na forma de abstrações. Isso os afasta ainda mais da realidade.
Agora chegamos à aplicação disso à própria realidade. Por favor, considere isso com cuidado! Vou dizer algo bastante estranho, pois tenho de aplicar o pensamento irreal à realidade. O pensamento irrealista, é claro, também faz parte da realidade. O pensamento irrealista que se desenvolveu nos últimos três ou quatro séculos e o fato de que, como tal, se tornou parte da realidade da vida humana, resultou em uma estrutura irreal que é sempre contraditória.
As pessoas estão bem, pode-se dizer, no que diz respeito ao mundo físico e material, pois o mundo físico as ignora e, portanto, elas podem ter quantas idéias erradas quiserem. Isso os torna – perdoe a maneira paradoxal de colocar isso – em bodes que continuam batendo contra a parede de tijolos da realidade com seus chifres em sua insistência em pensar sobre o mundo físico em termos abstratos. Podemos ver isso com muitas ideologias; eles continuam batendo contra a parede de tijolos da realidade. E às vezes, essas ideologias são tão teimosas quanto cabras.
A situação é diferente, porém, quando se trata da vida social e política. Aqui, os pensamentos humanos de cada indivíduo entram na estrutura social. Não nos deparamos com uma realidade que não cede; neste caso, criamos a realidade. E se isso continuar por algumas centenas de anos, a realidade será o que você espera que seja estará cheia de contradições. A própria realidade chega à realização em estruturas que não têm o poder da realidade nelas; como resultado, há convulsões, como a atual guerra catastrófica.
Aqui você tem a conexão entre a vida interior das pessoas que viveram em uma época particular e os eventos físicos externos de uma época que virá um pouco mais tarde. É sempre a situação em que tudo o que surge no mundo físico viveu primeiro no espírito, e isso também se aplica no que diz respeito à humanidade, com as coisas que vivem primeiro nos pensamentos humanos e depois nas ações humanas. E podemos ver como o pensamento abstrato penetrou na realidade se olharmos para o tempo presente, onde ele se mostra em sua forma verdadeira – isto é, neste caso em sua forma falsa, que é sua forma verdadeira. A realidade é vista de várias maneiras de forma abstrata. As pessoas olham para ela como se estivessem observando o mágico de que falei ontem e os pesos que não têm peso, com o mágico se comportando como se eles pesassem muitos quilos.
A característica mais significativa de muitos dos conceitos mantidos hoje é sua pobreza. As pessoas gostam de facilitar as coisas hoje – como já disse tantas vezes – e querem que seus conceitos sejam os mais diretos possíveis. Isso, no entanto, os torna bastante limitados. Agora, conceitos limitados se mostram adequados quando se trata dos aspectos superficiais do mundo físico, a mera superfície desse mundo, que é a única coisa que as pessoas modernas querem considerar, apesar de todos os avanços. Descobertas magníficas foram feitas nos últimos tempos sobre fenômenos físicos, mas os conceitos usados para explorá-los são relativamente limitados.
O desejo por conceitos limitados, ou conceitos de conteúdo limitado, também se insinuou em todo pensamento filosófico e ideológico. Vemos filósofos hoje que estão literalmente desejando esses conceitos limitados. Os conceitos mais limitados, praticamente sem conteúdo, são repetidos continuamente. Muitas vezes são muito pretensiosos, mas não contêm nada que tenha peso real. Idéias amplamente utilizadas hoje são ‘o eterno’, ‘infinito’, ‘unidade’, o ‘significativo’ em comparação com o ‘insignificante’, ‘geral’, ‘particular’ e assim por diante. As pessoas gostam de brincar sobre isso – quanto mais abstrato, melhor.
Isso cria uma situação peculiar em relação à realidade. As pessoas não veem mais a realidade viva em nada e perdem todo o sentimento pelo que a realidade realmente tem a oferecer. Simplesmente observe a situação presente e você encontrará isso em toda parte.
Deixe-me falar sobre algo que é realmente preocupante. Um filósofo dos dias de hoje está considerando a questão de saber se é possível ter uma opinião a respeito de quanto tempo esta guerra continuará. É uma questão vital, creio que concordarão, mas é uma questão que precisa ser decidida com base em conceitos reais, que têm conteúdo e são cheios de vida; não pode ser decidido pelo uso de idéias abstratas generalizadas de mundo e temporalidade, geral e particular, e assim por diante.
Esse tipo de filosofar generalizado não nos levará a lugar nenhum no que diz respeito às questões concretas. O filósofo em questão constatou, como muitos acham, que não importa se a guerra continua por algum tempo, pois esta será a única maneira de alcançar a ‘paz permanente’, como a chamam, e nos deixar ter o paraíso na terra. Você deve se lembrar, comparei isso com a ideia de que a melhor maneira de garantir que não se quebrem mais louças em casa é quebrar todas as louças antes. Esta é mais ou menos a conclusão a que chegam as pessoas que dizem que a guerra deve continuar até que haja uma perspectiva de paz permanente.
O filósofo, portanto, aplicou sua ideologia à questão, uma ideologia que em sua opinião lida com as idéias mais sublimes – o que em nosso tempo significa as mais abstratas. E o que ele disse? Acredite ou não, ele disse: “Em comparação com a eternidade que leva para criar condições satisfatórias para a humanidade, o que importa se mais algumas toneladas de matéria orgânica perecerem nos campos de batalha! O que são algumas toneladas de matéria orgânica em comparação com a vida eterna, com a evolução humana!”
Essas são as conquistas do pensamento abstrato quando se dirige à realidade. E temos que chamar a atenção das pessoas para o quão horrível isso é, pois elas não sentem por si mesmas. Só podemos ficar em constante assombro ao ver como essas coisas escapam à atenção e deixam de dar muito motivo para reflexão. Fundamentalmente falando, tais ideias fazem parte do desejo atual por ideologias. Isso deu origem às idéias mais abstratas que, no entanto, só podem ser aplicadas ao mundo mineral inorgânico morto. Se os filósofos aplicam tais idéias não apenas à esfera da vida, mas também à da alma e do espírito, é de se esperar que cheguem a esse tipo de conclusão.
No reino da matéria morta, os seres humanos, é claro, têm que aplicar o princípio: “O que são tantos e tantos quilos de material em comparação com o que será o resultado final?” Seria impossível fazer qualquer construção, pois por exemplo, se fôssemos obrigados a deixar tudo intocado. No entanto, não devemos aplicar à vida humana o que se aplica apenas ao mundo inorgânico e sem vida. Os conceitos desenvolvidos na ciência moderna se aplicam apenas ao mundo inorgânico, mas as pessoas os aplicam o tempo todo em outro lugar, e o problema é que ninguém percebe.
Opiniões do tipo que a guerra não deve terminar até que a perspectiva acima mencionada esteja lá, estão dizendo exatamente o que o filósofo colocou de forma tão brutal, embora pareça a ele que ele o colocou de uma maneira muito superior. Outros simplesmente se sentem envergonhados de dizer essas coisas, mas o filósofo esconde a brutalidade por trás de belas palavras. Sim, ele põe as coisas de uma maneira muito superior, fazendo malabarismos com idéias como eternidade e temporalidade, o ser humano sempre evoluindo, a realidade transitória e temporal de fulano de tantas toneladas de matéria orgânica; mas ele ignora o fato de que a eternidade, o infinito, vive em cada ser humano, e que cada ser humano vale tanto quanto todo o mundo inorgânico em conjunto!
Essas coisas também fornecem o pano de fundo para as formas que agora estamos procurando desenvolver aqui nesta colina. Pois também a arte foi gradualmente apanhada numa ideologia sem peso e sem realidade. Temos que voltar à verdadeira natureza das coisas, e isso só é possível se chegarmos ao espírito. Portanto, precisamos de formas diferentes daquelas que geralmente vemos no mundo da arte hoje. Em outras palavras, nossa época deve voltar a ser criativa e fazê-lo a partir do espírito. Isso vai contra a natureza de muitas pessoas hoje. Mas tente compreender a enorme extensão em que toda a nossa ideologia tem gradualmente entrado mais e mais na esfera sem vida, porque ela está apenas considerando essa esfera.
Veja os edifícios e as outras obras de arte produzidas no século XIX. Na verdade, tudo o que se consegue são estilos antigos refeitos indefinidamente. As pessoas construíram no estilo clássico, nos estilos renascentista e gótico – sempre algo que não está mais vivo. Eles não foram capazes de trabalhar com os elementos que vivem no presente. Isso é o que devemos alcançar; isso criará um espírito completamente novo. Isso envolverá muitos sacrifícios. Mas algo como a casa que foi construída do lado de fora, que tem novas formas criadas a partir do próprio concreto, é um esforço pioneiro.
E é importante não apenas que essas formas tenham sido pensadas, mas também que tenha surgido a oportunidade de produzir tal edifício. Essas coisas devem ser consideradas e dado seu peso real, caso contrário, não haverá compreensão do que pretendemos criar nesta colina. A natureza do todo é tal que as formas que agora passam a existir aqui se contradizem e estão em total conflito com as formas criadas no resto do mundo hoje.
‘Para entender o tempo presente’ – esta frase tem sido como um fio condutor que atravessa tudo o que tenho dito a vocês desde meu retorno. No entanto, significa que, em vez de ir com calma, temos que colocar um grande esforço – esforço do pensamento, esforço do sentimento, esforço da vontade de experimentar, no desejo de compreender o tempo presente. E devemos ter a coragem de romper totalmente com algumas das coisas que pertencem ao passado. Falando fundamentalmente, as pessoas que são consideradas as mais iluminadas hoje, muitas vezes estão trabalhando com ideias antigas, sem realmente saber como usá-las para um bom propósito.
Deixe-me lhe dar um exemplo. Tenho certeza de que também aqui na Suíça vocês devem ter ouvido e lido muito sobre um livro que, sem dúvida, também ganhou um lugar de destaque nas vitrines das livrarias locais, pois causou uma profunda impressão na atualidade. Estou especialmente satisfeito por poder falar de algo que vem de nossos amigos e não apenas de nossos inimigos, para que ninguém pense que há um preconceito pessoal. O livro, sobre o Estado como forma de vida, foi escrito pelo escritor escandinavo Rudolf Kjellen, um dos poucos que mostrou interesse em meus escritos e os comentou de maneira positiva. Portanto, acho que será óbvio que não há preconceito pessoal no que vou dizer sobre este livro, mas acredito que é algo que deve ser dito.
O livro é um bom exemplo das idéias inadequadas que as pessoas têm atualmente. Tenta-se ver o Estado como organismo. Esse é o tipo de coisa que as pessoas fazem quando usam as idéias correntes em nossa época para conceber qualquer coisa que precise ser apreendida na mente e no espírito. É bom poder dizer que este é um indivíduo erudito, estudioso e verdadeiramente profundo, alguém que realmente não podemos elogiar o suficiente, mas ao mesmo tempo vamos mostrar a verdadeira natureza da ideia completamente inadequada em que o livro se baseia . Este é o tipo de contradição em que nos encontramos o tempo todo. A vida está cheia de contradições. Ideias abstratas e incontroversas não vão dar certo se quisermos tomar conta da vida. Não devemos pensar imediatamente que alguém contra quem temos que lutar é um idiota; também é possível ver alguém contra quem temos de lutar como um estudioso muito erudito e meticuloso, como de fato é o caso do autor de cuja obra estou falando.
O que Kjellen está fazendo é bastante semelhante ao que o suábio – agora não sei como chamá-lo, o estudioso da Suábia ou o ministro de Estado austríaco, pois ele era ambos – Schaeffle. Schaeffle em sua época fez uma tentativa minuciosa de ver o Estado como um organismo e os cidadãos individuais como as células desse organismo. Hermann Bahr – já falei dele antes – escreveu uma refutação do livro de Schaeffle. O título do livro era: Die Aussichtslosigkeit der Sozialdemokratie (traduzido como ‘Social-democracia – nenhuma perspectiva’); a refutação era intitulada: Die Einsichtslosigkeit des Herrn Schaeffle (traduzido como ‘Mr. Schaeffle – nenhuma compreensão’), um pequeno livro brilhante. Ele chamou isso de travessura em uma palestra recente. Ainda é uma obra brilhante, escrita em sua juventude.
Schaeffle, portanto, fez algo parecido com o que Kjellen está fazendo agora. Kjellen também está tentando apresentar cada Estado como um organismo, com os cidadãos individuais como suas células. É claro que sabemos algumas coisas sobre a maneira como as células funcionam em um organismo e sobre as leis que pertencem a um organismo, e isso se transfere perfeitamente para um Estado. As pessoas gostam de usar essas comparações em áreas que suas mentes são incapazes de penetrar. Bem, o método de comparação pode ser aplicado a qualquer coisa. Se você quiser, posso facilmente desenvolver uma pequena ciência completa com base na comparação entre um enxame de gafanhotos e um contrabaixo.
Você pode comparar qualquer coisa com qualquer coisa no mundo, e as comparações sempre serão frutíferas. Mas o fato de sermos capazes de fazer comparações certamente não significa que estamos lidando com a realidade ao fazê-las. É especialmente importante ter um tremendo senso de realidade ao criar analogias, caso contrário, elas não funcionarão. Quando criamos uma analogia, tendemos a nos encontrar na situação que algumas pessoas experimentam como um destino difícil nos dias de sua juventude, quando – perdoe-me – instantaneamente nos apaixonamos pela analogia que criamos. As analogias que vêm à mente e são realmente óbvias têm a desvantagem de nos apaixonarmos por elas. Isso tem suas consequências, entretanto, porque ficamos cegos para qualquer argumento contra as conclusões que podem ser tiradas da analogia.
E devo dizer, quando li o livro de Kjellen, percebi, assim que o considerei à luz da realidade, que ele foi escrito agora, durante esta guerra. Escrever um livro sobre o Estado como organismo parecia totalmente irreal para mim. Você só precisa olhar ao seu redor um pouco e perceber – mesmo que não seja literalmente – que as guerras são travadas de tal forma que pedaços são cortados dos Estados que estão em combate, e um pedaço é colocado aqui e outro ali; pedaços são cortados e colocados em outro lugar. Esse aspecto da guerra importa, pelo menos para muitas pessoas.
Agora, se fôssemos comparar Estados a organismos, deveríamos pelo menos tentar levar a analogia tão longe que também se pudesse cortar pedaços de um organismo e dá-los a um organismo vizinho. Isso é algo que as pessoas deveriam perceber, mas não percebem, porque se apaixonaram pela analogia. Há muitos outros exemplos que eu poderia dar, e eles provavelmente os divertiriam muito e os fariam rir muito, e vocês, então, não considerariam mais o indivíduo em questão tão erudito quanto eu o considero. Na verdade, considero-o muito erudito e verdadeiramente profundo.
Como pode acontecer que alguém seja erudito e um verdadeiro estudioso e, no entanto, construa todo um sistema com base em uma ideia completamente inadequada? Bem, veja, a razão é que a analogia criada por Kjellen está correta. Agora você dirá que não sabe mais para que lado observar; primeiro digo que a analogia é totalmente inadequada e depois digo que é correta. Bem, ao dizer que é correto, quis dizer que, certamente, pode ser feito; o que importa, entretanto, é o que estamos comparando. Você sempre tem duas coisas em analogia, no caso de Kjellen, o Estado e o organismo.
As coisas devem sempre ser apresentadas de acordo com sua verdadeira natureza. O Estado existe e o organismo também existe. Nenhum deles pode estar errado – apenas a maneira como são reunidos está errada. A questão é que o que está acontecendo na Terra pode certamente ser comparado a um organismo. Os eventos políticos na terra podem ser comparados a um organismo; mas não devemos comparar o Estado a um organismo. Se compararmos o Estado a um organismo, isso transforma os seres humanos em células, o que é simplesmente um absurdo, pois não nos levará a lugar nenhum.
No entanto, é possível comparar a vida política e social na terra a um organismo, mas é a Terra inteira que deve ser comparada ao organismo. Assim que comparamos toda a Terra, isto é, eventos humanos em toda a Terra, a um organismo, e os diferentes Estados – não as pessoas – a diferentes tipos de células, a analogia é verdadeira e válida.
Se você tomar isso como sua base e observar como os Estados individuais se relacionam entre si, você terá algo semelhante às células que constituem os diferentes sistemas do organismo. O que importa, portanto, é que apliquemos qualquer analogia que escolhemos criar no nível certo. O erro de Kjellen – e também de Schaeffle – foi comparar um Estado individual a todo o organismo, quando na verdade ele só pode ser comparado a uma célula, uma célula totalmente desenvolvida. A vida na Terra como um todo pode ser comparada a um organismo, e então a comparação será frutífera. Acho que você concordará que as células do organismo não passam umas pelas outras como as pessoas fazem em um país. As células são contíguas, são vizinhas, e isso também se aplica a Estados individuais, que são de fato como células no organismo total da vida na Terra.
Você pode muito bem sentir que algo está faltando no que estou dizendo. Se o seu senso de exatidão pedante – e isso também tem sua justificativa – começar a se agitar em seus corações enquanto eu digo essas coisas, você sem dúvida dirá que devo lhe dar uma prova de que a vida de toda a terra deve ser comparada a o organismo e um estado individual para uma célula. Bem, a prova do pudim está em comê-lo; não reside nas deliberações abstratas nas quais podemos sempre entrar, mas em levar o pensamento à sua conclusão. Se você fizer isso em relação à ideia de Kjellen, sempre descobrirá que ela não pode ser levada à sua conclusão. Você continuará batendo em uma parede de tijolos e terá que se transformar em uma cabra; caso contrário, você não pode levá-lo à sua conclusão. No entanto, se você levar o pensamento à sua conclusão para a vida de toda a terra, descobrirá que funciona, que obtém percepções úteis e constitui um bom princípio regulador. Você compreenderá muitas coisas, até mais do que já indiquei.
As pessoas são abstracionistas hoje, e temos vontade de dizer que, se você tem uma dúzia de pessoas, treze pensariam o seguinte – eu sei que os números não se encaixam, mas a situação real hoje é tal que é praticamente verdade. Se você pegar o caso em que Kjellen compara o Estado individual a um organismo – e se estivermos nos opondo a isso dizendo que, na realidade, é preciso comparar a vida política e social em todo o mundo a um organismo – essas treze pessoas em uma dúzia validarão a analogia para ser válida para todos os tempos. Pois se alguém estabelece uma teoria sobre o Estado, então essa teoria deve ser aplicada no tempo presente, na época romana e até mesmo na época egípcia e babilônica; pois um Estado é um Estado. As pessoas se baseiam em conceitos hoje, não na realidade.
Mas, na verdade, não é assim que as coisas são. Também nesse aspecto a humanidade está passando por um processo de evolução. A analogia que apresentei só é válida a partir do século dezesseis; antes disso, o globo não era um todo coerente; só passou a ser um todo político coerente a partir de então. A América, o hemisfério ocidental, simplesmente não existia para nenhuma vida política que pudesse ter sido um todo coerente. Ao criar uma analogia apropriada, você também vê imediatamente a tremenda ruptura que existe entre a vida mais recente e a vida no passado.
Os insights baseados na realidade sempre dão frutos, comparados aos conceitos não baseados na realidade, que são estéreis e não dão frutos. Cada percepção baseada na realidade nos leva um passo adiante. Ganhamos mais do que seu conteúdo imediato e isso nos leva adiante no mundo real. Isso é o que é tão importante; é nisso que devemos nos concentrar. Conceitos abstratos são assim: nós os temos, mas a realidade está fora e não dá a mínima para esse conceito abstrato. Os conceitos baseados na realidade contêm dentro deles toda a vida interior ativa que também está lá fora, vida que se agita em todas as partes do mundo real lá fora. As pessoas ficam desconfortáveis com isso. Eles querem que seus conceitos sejam o mais silenciosos e incolores possíveis e temem ficar tontos se seus conceitos tiverem vida interior.
Conceitos sem vida interior têm, no entanto, a desvantagem de que a realidade pode estar diante de nossos olhos e, ainda assim, não vemos o elemento mais importante nela. A realidade também está cheia de conceitos e ideias. É realmente verdade o que eu disse aqui há alguns dias: a vida elemental continua lá fora, e está cheia de conceitos e ideias. Eu também disse que as idéias abstratas são meros cadáveres de idéias. Pode acontecer que pessoas que só gostam de cadáveres de idéias falem e pensem neles, ao passo que a realidade chega a conclusões bem diferentes; permite que os eventos tomem um curso bem diferente de qualquer coisa que a mente humana possa propor.
Há três anos, temos sido apanhados em acontecimentos terríveis que podem nos ensinar muito; devemos estar acordados para os eventos seguintes, entretanto, e não dormindo. É realmente algo para se maravilhar, negativamente falando, que tantas pessoas ainda estejam adormecidas para a realidade desses terríveis eventos e ainda não tenham percebido que eventos que nunca aconteceram antes na evolução mundial da humanidade exigem que desenvolvamos novas ideias, que também não existiam antes. Deixe-me colocar isso de forma mais precisa de forma simbólica. Podemos certamente dizer que alguns indivíduos tinham a noção de que essa guerra estava chegando e podem ter tido isso por muitos anos.
De modo geral, pode-se dizer, porém, que com exceção de certos grupos do mundo anglo-americano, a guerra foi completamente inesperada. Para aqueles que tinham uma ideia de sua chegada, a ideia às vezes assumia uma forma muito estranha. Uma ideia, que sempre foi encontrada, veio de economistas e políticos que são pensadores profundos – garanto, não estou sendo irônico, estou falando sério sobre isso – e foi baseada em deduções cuidadosas feitas com referência a certos eventos.
Essas pessoas procederam de uma forma muito científica, combinando, abstraindo e fazendo todos os tipos de sínteses, e finalmente chegaram a uma ideia que realmente se deparava há muito tempo, mesmo na época em que estourou a guerra. Acontece que, à luz da atual situação mundial, dos fatores econômicos e da situação comercial, esta guerra não poderia durar mais de quatro ou seis meses. Esta era uma verdade totalmente apoiada por evidências factuais. E as razões apresentadas estavam longe de ser estúpidas; eram razões perfeitamente boas.
Mas como a realidade se compara a todo o tecido de razões elaborado por aqueles economistas inteligentes? Bem, você pode ver o que está acontecendo na realidade! Qual é o ponto, pergunte-lhe, quando tal situação surge? A questão é que devemos tirar as conclusões certas de tal situação, para que a guerra realmente nos ensine algo. Qual é a única conclusão possível do que apresentei como símbolo? Veja, eu apenas dei um exemplo flagrantemente óbvio; Eu poderia falar de muitas outras visões semelhantes que também caíram – para dizer o mínimo – dos eventos reais que ocorreram nos últimos três anos.
Qual é, então, a única conclusão real? É que tudo de que as conclusões erradas foram tiradas deve ser lançado ao mar e devemos dizer a nós mesmos: nosso pensamento foi divorciado da realidade; desenvolvemos um sistema de idéias e depois aplicamos esse sistema abstrato e irreal à realidade, o que tornou a realidade falsa. Devemos, portanto, romper com as premissas em que nossa conclusão aparente foi baseada, pois essa conclusão destrói o mundo real!
Pode-se fazer questão de dizer essas coisas às pessoas hoje em dia, mas se elas também vão entender isso é outra questão. Algo tão inteligente quanto a ideia dos políticos sobre a duração potencial da guerra – mais uma vez, não estou sendo irônico – foram as razões apresentadas por um grupo esclarecido de médicos quando as primeiras ferrovias estavam sendo construídas na Europa Central. Falando com base no conhecimento médico da época, não apenas um único excêntrico, mas todo um grupo de médicos – já falei disso antes – disse que as ferrovias não deveriam ser construídas porque o sistema nervoso humano não seria capaz de lidar com com elas.
Isso está no registro histórico; aconteceu em 1838. Não faz muito tempo, portanto, a opinião profissional era de que não se construíssem ferrovias. Se, no entanto, as pessoas construíssem ferrovias – diz o documento -, cercas altas de madeira deveriam ser colocadas em ambos os lados dos trilhos, para que os fazendeiros não vissem os trens passando e sofressem uma concussão. Sim, é fácil rir depois, quando a realidade ignorou tais argumentos. As pessoas riem disso depois, mas há alguns espíritos elementais que riem da loucura humana quando ela está sendo cometida, ou mesmo antes que os cientistas surjam com essas noções tolas.
Devemos romper com qualquer coisa em que o oposto seja verdadeiro. A realidade está contradizendo a teoria, e a vida dos últimos três anos, como tem sido em todo o mundo, é uma contradição que se concretizou. Devemos ter um novo olhar para os acontecimentos, pois o tempo presente nos desafia a fazer uma revisão radical de nossos pontos de vista. Na verdade, é difícil levar essa linha de pensamento à sua conclusão depois de iniciada. A humanidade não tem pensamento suficientemente livre hoje para permitir que esses pensamentos cheguem à sua conclusão. Qualquer pessoa que tenha uma noção da realidade, do que realmente acontece ao nosso redor, pode ver, é claro, que as conclusões estão sendo tiradas no mundo real exterior. Acontece que as pessoas não vão conceber isso em suas cabeças.
Há uma enorme diferença a esse respeito entre o Ocidente e o Oriente. No ano passado, discuti com você a profunda diferença entre o Ocidente e o Oriente, de todos os tipos de pontos de vista diferentes, apontando, por exemplo, que o Ocidente está falando principalmente de nascimento e reivindicação de direitos. Observe as visões ocidentais: o nascimento e a origem são as principais ideias da ciência. Isso deu origem à teoria de Darwin sobre a origem das espécies. Poderíamos dizer também: em termos ideológicos, a teoria do nascimento e origem, em termos práticos a ideia de direitos humanos.
No Oriente, na vida russa, que pouco conhecemos, encontramos reflexões sobre a morte, sobre a meta humana que se estende ao mundo do Espírito e sobre o conceito de culpa e de pecado em termos de ética prática – leia Soloviev, suas obras estão agora disponíveis. Esses contrastes podem ser encontrados na maioria das áreas, e não apreendemos a realidade a menos que os tenhamos plenamente em conta. Emoções, simpatias e antipatias impedem as pessoas de considerar as coisas que importam. Assim que simpatias e antipatias são despertadas, as pessoas nem mesmo permitem que a verdade se aproxime delas; da mesma forma, as pessoas que se apaixonaram por uma analogia específica não conseguem ver as contradições. As pessoas se agarram a tudo o que amam pela verdade absoluta; eles não podem nem imaginar que o oposto também pode ser verdadeiro, embora de um ponto de vista diferente.
Vamos considerar o Ocidente, e especificamente o Ocidente anglo-americano, pois o resto está quase repetindo o que estão dizendo. Qual ponto de vista – ou ideal, como as pessoas também gostam de chamá-lo – permeia tudo, particularmente no wilsonianismo? É que o mundo inteiro deveria ser o mesmo que essas nações ocidentais têm sido nos últimos séculos. Eles desenvolveram seu próprio sistema ideal – chamando-o por nomes diferentes, como “democracia” e similares – e outras nações estão em grande falta porque não desenvolveram o mesmo sistema! É correto e apropriado que o mundo inteiro adote seu sistema. A visão anglo-americana é esta: ‘O que desenvolvemos, o que nos tornamos, é certo para todas as nações, grandes e pequenas; cria a situação política certa e faz as pessoas felizes. É assim que as coisas devem ser em todos os lugares.’
Nós o ouvimos sendo proclamado; é o evangelho do Ocidente. Ninguém sequer considera que tais coisas são apenas relativas e que se desenvolvem principalmente a partir das emoções e não, como as pessoas acreditam, da pura sensatez e da razão.
Tome cuidado, é claro, para não espremer muito essas palavras, pois espremer demais uma palavra é algo que muitas vezes leva a mal-entendidos hoje. As pessoas podem pensar, por exemplo, que eu quero atacar o povo americano, ou os povos anglo-americanos, quando falo de wilsonianismo ou Lloyd-georgianismo. Este não é o caso. Estou deliberadamente chamando de “wilsonianismo” porque quero dizer algo bastante específico. Mas longe de mim significar algo que você poderia simplesmente chamar de “americanismo”. Este é outro caso em que devemos nos concentrar na situação real. Alguns dos discursos que vieram do Sr. Wilson nos últimos tempos nem mesmo se originaram em solo americano.
Não podemos nem mesmo dar ao Sr. Wilson a honra de chamar suas ideias de originais. Elas são inúteis e falsas e nem mesmo são inteiramente originais. O estranho é que um escritor em Berlim, alguém com considerável perspicácia, escreveu artigos que eram wilsonianos, mas não eram de Wilson. Eles fizeram muito bem esses artigos, embora não na Alemanha. Eles se saíram bem no Congresso americano e você os encontra incluídos, página por página, nas Atas do Congresso, porque foram lidos nas reuniões do Congresso. Algumas dos discursos mais recentes de Wilson podem ser encontradas nessas páginas.
Algumas das alegações que Wilson produz contra a Europa Central têm sua origem lá. Então, elas nem são originais. Deveria ser bastante interessante, na verdade uma grande piada, quando futuros historiadores olhassem para os Anais do Congresso Americano e descobrissem que houve um tempo em que aqueles cavalheiros decidiram não apresentar suas próprias idéias brilhantes, mas ler os artigos do escritor em Berlim, e essas páginas foram então incluídas em seus procedimentos, com “Procedimentos do Congresso Americano” escrito na capa.
O que realmente nos interessa, porém, é o motivo pelo qual os americanos gostaram desses artigos. Bem, é porque eles realmente dizem que a pessoa pode se sentir perfeitamente confortável em uma cadeira que ocupou por séculos e de onde agora se pode sentar e dizer ao mundo: ‘Vocês deveriam todos se sentar em cadeiras como esta, e tudo estará bem.” Isso é o que você obtém no Ocidente.
O Oriente, a Rússia, também chegou a uma conclusão, mas não por meio de um conceito; as pessoas lá ainda não são teóricas, pois têm sua realidade. A conclusão a que chegaram é diferente. Eles nunca sonharam em dizer: ‘O que temos feito há séculos deve ser a salvação de todo o mundo. Queremos que as pessoas sejam iguais a nós. “Teria sido possível encontrar uma palavra bonita para o que vem acontecendo há séculos na Rússia. Sempre é possível encontrar palavras bonitas, mesmo que a realidade seja tão horrível quanto você pode imaginar.
Se você pagar com dinheiro americano, custará apenas alguns e tantos dólares e você pode reinterpretar as idéias mais preciosas como ideais éticos. Isso, entretanto, não foi o que aconteceu no Oriente, pois lá se chegou a uma conclusão real. As pessoas não disseram: ‘O mundo agora deve aceitar o que tivemos até agora.’ Em vez disso, a conclusão real que mencionei anteriormente foi tirada: que as premissas não precisam ser corretas. Algo foi posto em movimento, embora ainda esteja longe do que será um dia.
Mas isso não nos diz respeito; Não quero expressar uma opinião sobre um ou outro, apenas quero mostrar como é grande o contraste. Se você considerar o contraste, terá uma imagem colossal da realidade entre o Ocidente, onde as pessoas abraçam tudo o que tem a ver com seu passado, e o Oriente, onde as pessoas romperam com tudo que foi seu passado.
Se você considerar isso, não estará nem um pouco longe das verdadeiras causas do conflito atual; nem você estará longe de outra coisa para a qual eu chamei a atenção antes: a guerra é na verdade uma guerra entre o Ocidente e o Oriente. O meio está simplesmente sendo reduzido a pó entre os dois, simplesmente porque o Ocidente e o Oriente não podem chegar a um acordo; o meio está sofrendo por causa do desacordo entre o Ocidente e o Oriente.
Mas alguém quer prestar atenção a uma verdade tão colossal? Os eventos de março de 1917 lançaram alguma luz sobre o enorme contraste entre o Ocidente e o Oriente? No ano passado, tivemos as ideologias do Ocidente e do Oriente escritas neste quadro-negro. A história mundial tem nos ensinado desde março deste ano. E a humanidade terá que aprender e vir a compreender; se não o fizerem, tempos ainda mais difíceis virão.
Não se trata de conhecer as coisas em sentido abstrato, mas sobretudo de apelar a uma mudança de caminhos, a um esforço a fazer; os velhos caminhos fáceis devem desaparecer, e uma abordagem espiritual deve ser vista como o caminho certo. E o esforço deve ser feito para encontrar energias por meio da ciência espiritual, não o tipo de mera satisfação em que as pessoas dizem: não foi legal! Eu me sinto muito bem! ‘- e flutuar em Cloud-cuckoo-land (um estado de fantasia absurdamente super otimista ou um estado idealisticamente irrealista) onde eles gradualmente vão dormir em sua satisfação com a harmonia que existe no mundo e o amor pela humanidade que é tão difundido.
Isso foi muito importante no esforço da sociedade liderado pela Sra. Besant. Muitos de vocês se lembrarão dos muitos protestos que fiz contra a preciosa doçura e luz que eram encontradas principalmente na Sociedade Teosófica. Ideais elevados eram apresentados liberalmente e internacionalmente nos tons mais doces. Tudo o que você ouviu foi ‘fraternidade geral’, ‘amor pela humanidade’. Eu não poderia concordar com isso. Estávamos buscando um conhecimento real e concreto sobre o que acontecia no mundo. Você deve se lembrar da analogia que usei muitas vezes, que essa doçura e amor geral me pareciam como alguém que continua incentivando o fogão que deveria aquecer o ambiente: ‘Querido fogão, é seu dever geral aquecer o ambiente ; então, por favor, aqueça.
Todos apresentavam a soma total da teosofia daqueles dias em doces palavras de amor à humanidade. Minha resposta na época foi: ‘Você tem que colocar carvão no fogão, colocar lenha e acender o fogo.’ E se você está envolvido em um movimento espiritual, deve trazer ideias reais e concretas; caso contrário, você continuará ano após ano com palavras doces sobre o amor geral pela humanidade. Este “amor geral pela humanidade” realmente se mostrou sob uma luz muito bonita na Sra. Besant, a figura principal do movimento teosófico.
É claro que é mais um esforço para lidar com a realidade do que falar em termos gerais sobre a harmonia do mundo, sobre a alma individual estar em harmonia com o mundo, sobre a harmonia no amor geral da humanidade.
A antroposofia não existe para fazer as pessoas dormirem, mas para despertá-las realmente. Vivemos numa época em que é preciso que as pessoas acordem.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 13 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 12 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 7
Trabalhando a partir da realidade espiritual
Para chegar ainda mais perto dos problemas que abrimos nessas palestras, quero fazer alguns comentários incidentais hoje. Você provavelmente conhece a experiência divertida tantas vezes feita por mágicos: eles mostram ao público alguns grandes pesos e o esforço necessário para erguê-los. Para tornar a coisa mais crível, os pesos falsos geralmente têm números escritos neles – muitos e muitos quilogramas ou o que seja. Tendo feito enormes esforços e lentamente levantado os pesos, para que o público possa admirar sua força muscular, o mágico então os levanta de repente, ou pode até mesmo trazer um garotinho que trotará balançando os pesos – pois é feito de papelão. Apenas a forma e as figuras foram imitadas para dar a impressão de que são pesos reais.
Esse experimento virá freqüentemente à mente de qualquer pessoa que tenha um pouco de ciência espiritual e que aprenda o que as pessoas, mesmo as mais inteligentes, estão dizendo ou escrevendo sobre eventos históricos ou figuras históricas. Isso se aplica até mesmo a biógrafos e historiadores que, segundo a opinião atual, estão fazendo seu trabalho extremamente bem. Se você tem treinamento em ciência espiritual, pode ficar inteiramente satisfeito com as descrições que são fornecidas – por um tempo. Mas quando você repassa tudo em sua mente, parece que “uma criança pode vir e sair correndo balançando tudo isso”.
Talvez não haja muitas pessoas que se sintam assim, embora eu tenha encontrado algo assim, em um nível instintivo, com um bom número de pessoas quando se trata dos escritos históricos que se obtém hoje. Toda a história romana, e particularmente a história grega, que é escrita hoje, vem sob este contexto. E sou forçado a dizer que historiadores que lidam com um determinado campo, pessoas que eu respeito muito, no entanto, me deixam com essa impressão. Tenho enorme respeito pelo historiador Herman Grimm, como ficará evidente em várias de minhas palestras. Mas quando pego seus livros sobre Goethe, Michelangelo ou Rafael, essas figuras parecem não ter um peso real – comparativamente falando – como se fossem apenas sombras da realidade. Todo o Grimm de Goethe, todo o seu Michelangelo, são meras figuras de uma lanterna mágica, que também não têm peso.
Qual é a razão para isto? É que as pessoas que estão meramente equipadas com a educação, o conteúdo intelectual de nosso tempo presente não têm uma idéia real da verdadeira realidade, embora geralmente pensem que estão descrevendo tal realidade. As pessoas estão infinitamente longe da verdadeira realidade hoje porque não conhecem o elemento que está sempre ao nosso redor e dá peso espiritual, se não exatamente físico, às figuras.
Lutero está sendo apresentado de centenas, senão milhares, de maneiras durante essas semanas. Tudo muito erudito, é claro, pois os escritores de hoje geralmente são muito eruditos; Estou falando muito sério sobre isso. Mas o Martinho Lutero descrito por nossos contemporâneos é como a imagem que temos do peso de papelão, pois falta o elemento que dá peso a uma figura. Você pode dizer: Se alguém está sentado em uma cadeira e observa o homem levantando pesos, parece exatamente o mesmo se os pesos são feitos de papelão ou pesos reais.
Você pode até pintar a cena; pareceria o mesmo. A pintura poderia ser perfeitamente verdadeira, mesmo que os pesos levantados pela modelo fossem de papelão. As descrições dadas de figuras históricas como Lutero podem ser eminentemente verdadeiras, e os indivíduos, que são tão orgulhosos de seu realismo, podem ter ser saído extremamente bem em usar vários detalhes, inúmeras características e coisas significativas para criar uma imagem sofisticada, mas a imagem não necessariamente corresponde à realidade, porque falta o peso espiritual.
Se realmente queremos compreender Lutero hoje, devemos conhecer a qualidade interior de sua verdadeira natureza, totalmente independente de nosso próprio ponto de vista; devemos saber que ele viveu pouco tempo depois do alvorecer da quinta era pós-atlante, mas todos os impulsos da quarta era pós-atlante estavam vivos em seu coração e mente. Ele estava deslocado na quinta era pós-Atlântida, pois sentia, pensava e reagia como alguém da quarta era pós-Atlântida; a tarefa que tinha pela frente pertencia à quinta era pós-atlantiana, que então estava apenas começando. E assim, o início da quinta era pós-atlântica, o horizonte dessa era, vê um indivíduo cujos impulsos internos realmente vieram de todas as qualidades da quarta era pós-atlântica. A perspectiva do que viria na quinta era pós-Atlântida vivia na alma de Lutero em um nível inconsciente e instintivo.
Essa era traria todo o materialismo que só poderia surgir para a humanidade nos tempos pós-atlantes e que gradualmente penetraria em todas as esferas humanas. Para colocar como um paradoxo – paradoxos nunca representam os fatos reais, é claro, mas somos capazes de deduzir os fatos a partir deles – podemos dizer: Lutero estava inteiramente enraizado na quarta era pós-atlântica quando se tratava dos impulsos em seu coração, mente e sentimentos, e isso significava que ele realmente não entendia a natureza mais íntima dos seres humanos materialistas da quinta era pós-Atlântida. Ele certamente tinha uma compreensão interior instintiva, mais ou menos inconsciente, dos conflitos que surgiriam entre as pessoas da quinta era pós-Atlântida e o mundo exterior, de como elas agiriam naquele mundo e se envolveriam em suas obras.
No entanto, tudo isso realmente não o preocupava, porque seus sentimentos eram os das pessoas que viveram na quarta era pós-atlantiana. Daí sua insistência em que nada de bom resultaria em estar conectado com as obras do mundo e estar envolvido no mundo. Você deve se distanciar dessas obras e de tudo o que existe no mundo exterior, e encontrar o caminho para o mundo do espírito apenas em seu coração e mente. Você deve construir sua ponte entre o mundo espiritual e o terreno não com base no que você é capaz de saber, mas no que você é capaz de acreditar; deve crescer a partir de sua mente e alma interiores. Por não estar conectado com o mundo exterior, Lutero enfatizou que o relacionamento com o mundo espiritual era puramente interior, baseado na fé.
Ou considere o seguinte: em alguns aspectos, o mundo espiritual se abriu diante do olho interior de Lutero. Suas visões do diabo não precisam ser explicadas da maneira como Ricarda Huch as explica em seu livro, que, de outra forma, tem mérito considerável. Não há necessidade de se desculpar por suas visões do diabo, dizendo que ele não acreditava em um diabo com chifres e rabo andando pela rua. Lutero realmente teve o diabo aparecendo para ele; ele conhecia muito bem a natureza desse espírito arimânico. Até certo ponto, o mundo espiritual ainda estava aberto diante dos olhos de sua mente, como era para as pessoas da quarta era pós-Atlântida, e estava aberto especificamente para os fenômenos que eram, de fato, da essência do quinto. era pós-Atlântida.
Os poderes arimânicos eram preeminentes na quinta era pós-Atlântida, e Lutero os viu. Pessoas da quinta era pós-Atlântida estão caracteristicamente sob a influência desses poderes, mas não são capazes de vê-los. Lutero, entretanto, era um indivíduo da quarta idade pós-Atlântida deslocado para a quinta, e ele viu esses poderes e, portanto, deu-lhes tal ênfase. Esta é a situação concreta com respeito ao mundo espiritual, e Lutero não pode ser compreendido a menos que isso seja levado em consideração.
Se você voltar aos séculos XV, XIV, XIII e, finalmente, XII, sempre descobrirá que as pessoas compreenderam a conversão da matéria. Qualquer coisa escrita sobre isso em uma data posterior foi em grande parte fraudulenta, porque os verdadeiros segredos foram perdidos com o fim da quarta era pós-Atlântida. Mas nem tudo que está escrito é fraudulento, e algumas das coisas que foram ditas eram verdadeiras, embora sejam difíceis de encontrar. O que foi escrito não é exatamente notável, no entanto, especialmente qualquer coisa impressa posteriormente. No entanto, na época em que os segredos da alquimia eram conhecidos, que foi durante a quarta era pós-Atlântida, as pessoas da igreja eram bem capazes de falar da transubstanciação do pão e do vinho no corpo e no sangue, pois havia ideias definidas relacionadas com essas palavras.
Lutero foi levado pelo pensamento e pelas respostas interiores da quarta era pós-Atlântida; no entanto, ele viveu na quinta era pós-Atlântida. Ele teve que separar a transubstanciação do processo de conversão física da matéria. Então, o que o sacramento da transubstanciação se tornou para ele? – Tornou-se um processo que ocorre inteiramente no reino do espírito. Nada se transforma, disse ele; mas quando os fiéis recebem o pão e o vinho, o Corpo e o sangue de Cristo entram neles. Tudo o que Lutero disse, pensou e sentiu foi dito, pensado e sentido por alguém cujo coração e mente pertenciam à quarta era pós-Atlântida. Ele se agarrou à conexão espiritual entre o homem e os deuses que pertenciam à quarta era pós-Atlântida, levando isso consigo para a quinta que era ímpia, uma era de materialismo, vazia de espírito, sem fé e sem compreensão.
Agora Lutero tem peso, e entendemos por que ele disse as coisas que disse – sabemos disso, independentemente da impressão que ele nos causa hoje. Nós o vemos parado no mundo exterior e ele é como o peso real, não o de papelão. Centenas ou milhares de teólogos ou historiadores modernos podem hoje vir e dar suas impressões – mas isso não nos dará o homem, alguém com peso real; eles apenas nos darão o tipo de coisa produzida por alguém que não está segurando um peso real, mas feito de papelão.
Você vê agora o que realmente importa no momento. Devemos trabalhar para ter consciência dos fatores que dão peso espiritual ao mundo que nos rodeia, e estar cientes de que o espírito está vivo em tudo, e que esse espírito só pode ser encontrado com a ajuda da antroposofia. Você pode coletar todos os documentos que quiser e rabiscar notas infinitas sobre Lutero, pode apresentar uma imagem precisa no que diz respeito aos aspectos externos – mas, para ficar com a nossa analogia, você sempre terá uma figura de papelão, a menos que seja realmente capaz de procurar as coisas que dão peso real à figura. Bem, você pode dizer que parece difícil comparar o trabalho de algumas das pessoas mais eruditas com pesos de papelão. E mesmo que fosse assim, o trabalho deles era realmente bonito e satisfatório de várias maneiras. Tudo isso deve ser mudado? Não poderíamos continuar gostando do trabalho deles?
Veja, duas questões surgem para as pessoas no estado de consciência atual, questões que podem muito bem nos tocar profundamente. Por que o mundo espiritual exige que essas pessoas tenham os instintos que os levaram a tais obras? Bem, essas coisas realmente apontam para algo que está muito difundido hoje e intimamente ligado à natureza humana. Como já mencionei, vivemos em uma época em que certas verdades precisam ser conhecidas, mas que não são bem-vindas. No entanto, quem consegue ler os sinais dos tempos sabe que eles devem se tornar conhecidos.
Na primeira parte de meu ensaio sobre O Casamento Químico de Christian Rosenkreutz, escrito para a próxima edição da revista Das Reich, toquei levemente em algumas dessas verdades. Há pouco tempo, ainda era tabu, para quem sabia, falar dessas coisas em público. Hoje é preciso falar delas, mesmo que isso possa causar problemas. Uma pequena passagem em meu ensaio se relaciona especificamente com o que vou dizer agora.
Não é verdade que, à medida que nos movemos neste mundo, não temos conhecimento total e real das coisas que estão imediatamente ao nosso redor, pelo menos não de imediato? Acho que isso é algo que qualquer pessoa pode facilmente estabelecer por si mesma. Usamos principalmente nosso sentido da visão à medida que nos movemos pelo mundo; mas se não tivéssemos também outros tipos de experiências, nunca saberíamos com total certeza se algo que vemos pesa muito ou apenas pouco. Teríamos que pegá-lo para verificar o peso. Pense em quantas coisas existem onde você não pode saber se são pesadas ou leves como o ar até que as pegue. E, finalmente, quando você sabe que algo não é tão leve quanto o ar, esse conhecimento não veio de olhar para ele, mas de ter erguido algo parecido antes. Você nem mesmo pensa a respeito, mas inconscientemente, instintivamente, chega à conclusão: se for como essas coisas sempre parecem, também terá o mesmo peso. Portanto, apenas olhar para os objetos não lhe fornece absolutamente nada.
O que é que olhar para os objetos oferece? Ilusão! Se você considera o mundo com apenas um dos sentidos, está enganado aonde quer que vá. Você só escapa da ilusão porque está inconsciente e instintivamente recorrendo à experiência. O mundo inteiro está realmente tentando nos enganar, mesmo no mundo que percebemos ao nosso redor com os sentidos. A ilusão pode ser muito naturalista hoje em dia. Pintores e escultores, que pretendem apresentar algo a apenas um dos sentidos, não percebem que estão meramente apresentando maya, ilusão; pois quanto mais você tenta apresentar algo de forma realista para apenas um dos sentidos, mais você está apresentando maya. Isso é necessário, entretanto, porque se não fosse por essa ilusão não seríamos capazes de progredir na percepção consciente.
Devemos nosso progresso na consciência a essa ilusão. Para ficar com minha analogia original: se todos os objetos aparecessem em seu verdadeiro peso, mesmo quando fossem apenas percebidos pelo olho, se eu sentisse o peso de seu peso ao olhar ao meu redor, obviamente seria incapaz de desenvolver percepção consciente do mundo exterior. Devemos nossa consciência a essa ilusão. Está na raiz de todas as coisas que constituem nossa consciência. Temos que ser enganados para progredir na consciência, pois nossa consciência é filha da ilusão.
Para começar, entretanto, a ilusão não deve entrar nos seres humanos ou eles ficarão inseguros. A ilusão permanece além do limiar da percepção consciente. O Guardião garante que não percebamos como o mundo ao nosso redor está nos enganando a cada passo. Lutamos para subir porque o mundo não nos revela seu peso e, dessa forma, nos permite elevar-nos acima dele e ser conscientes. A consciência também depende de muitas outras coisas, mas depende principalmente do fato de que o mundo ao nosso redor está cheio de ilusão.
No entanto, por mais necessário que seja para a ilusão permanecer por um tempo para que a consciência possa surgir, também é necessário que, quando a consciência se desenvolveu, nos elevemos acima da ilusão, particularmente em certas áreas. Por ser baseada em maya, na ilusão, nossa consciência não pode obter acesso à verdadeira realidade. Repetidamente, isso teria de estar sujeito ao tipo de confusão que mencionei. E então deve haver períodos alternados, períodos em que situações e pessoas sem peso são apresentadas, e períodos em que o peso, o peso espiritual, é percebido. Estamos agora enfrentando o último tipo de período no que diz respeito aos grandes eventos mundiais, bem como aos eventos diários. Temos que ver através das coisas que devem ser seriamente consideradas a esse respeito.
Uma coisa é particularmente importante: quando o mundo olha para o Leste agora, para o que realmente vive no Leste da Europa hoje, as pessoas da Europa Central e da América vêem o Leste da Europa exatamente como quem olha para pesos feitos de papelão. Eles não veem o verdadeiro peso espiritual disso. E, de fato, as pessoas que realmente vivem na Europa Oriental também não têm uma idéia real do espírito que vive lá. Podemos ver Lutero como um indivíduo cuja vida interior pertencia à quarta era pós-atlântica, mas que viveu no início da quinta era pós-atlântica.
Da mesma forma, o mundo deve ver a verdadeira natureza do espírito na Europa oriental, pois é assim que devemos considerar ativamente essas coisas na quinta era pós-atlântica. Se você tomar tudo o que eu disse sobre a Europa oriental em palestras e ciclos de palestras – como o eu espiritual está ativamente buscando se desenvolver e como ele deve se unir com a alma da consciência do Ocidente – e se você adicionar o fato de que impulsos para a sexta era pós-Atlântida estão em preparação no leste da Europa, então você tem algo que emprestará peso ao leste da Europa. Se, por outro lado, você toma todas as afirmações que as pessoas fazem hoje, por mais eruditas que sejam, então você tem pesos que também podem ser feitos de papelão.
No entanto, não podemos comprar ou vender maya, ilusão; só podemos comprar e vender objetos reais. Você diria ‘muito obrigado’ se o seu dono da mercearia colocasse pesos de papelão em vez de pesos reais na balança. Você certamente exigiria pesos reais, não apenas alguns que parecessem reais. Todos os princípios e impulsos políticos discutidos com referência à Rússia não serão nada, serão nulos e sem valor, a menos que venham da consciência adquirida por saber o que dá peso espiritual. Da maneira como as pessoas falam hoje, você realmente pensaria que estão colocando pesos de papelão na balança da história mundial.
No entanto, uma vez que a consciência veio, ela não deve ser usada da maneira velha indiferente e desleixada, mas deve dirigir-se à realidade, não apenas à ilusão exterior. Terá de ser feita uma transição da maneira familiar e confortável de ver as coisas para uma forma muito mais viva em seus conceitos – esses, é claro, serão menos confortáveis, pois também nos despertam. A vida ficará menos confortável com as opiniões que terão de ser tomadas no futuro. Porque isto é assim? Deixe-me dar uma analogia que provavelmente também o deixará surpreso. Não vou vacilar, entretanto, e direi essas coisas, independentemente do que as pessoas possam sentir a respeito delas.
Como mencionei, em eras anteriores, incluindo a quarta era pós-Atlântida, poderes estavam disponíveis para os humanos que foram transformados em outra coisa hoje. Como eu disse, a clarividência se tornou algo diferente hoje, é baseada em coisas diferentes. Certas coisas não podem mais ser como eram na quarta era pós-Atlântida, e uma delas é a seguinte.
Na quarta era pós-Atlântida – as pessoas só sabem contos sobre isso hoje e obviamente que não acreditam nelas – houve uma provação de fogo. Para provar a culpa ou a inocência, as pessoas eram obrigadas a andar em uma grade incandescente. Se fossem queimados, eram considerados culpados, caso contrário, se atravessassem sem serem feridos, eram considerados inocentes. As pessoas consideram isso uma velha superstição hoje, mas é verdade. É uma das habilidades que as pessoas tinham no passado e não podem mais ter hoje.
Naqueles dias, a natureza humana tinha esta qualidade: inocentes que estavam totalmente convencidos de sua inocência e sabiam estar sob a proteção dos espíritos divinos em um momento tão solene, pessoas que estavam tão firmemente conectadas com o mundo espiritual em suas consciências que o corpo astral seria retirado do corpo físico, poderia caminhar sobre as brasas com seus corpos físicos. Realmente era assim no passado. Essa é a verdade. É realmente uma coisa boa para vocês estarem total e completamente claro em suas mentes que essa velha superstição se baseia na verdade – embora, claro, não seja uma boa ideia vocês irem contar ao vigário sobre isso.
Essas coisas sofreram uma transformação. No passado, indivíduos que tinham que provar sua inocência de uma maneira particular podiam ser levados a andar nas brasas de vez em quando. Você pode, no entanto, ter certeza de que, de modo geral, as pessoas já tinham medo de fogo; eles não gostavam de caminhar sobre grades em brasa. Mesmo naquela época, geralmente os fazia estremecer – exceto para aqueles que foram capazes de provar sua inocência dessa forma. Mas parte do poder que transportava as pessoas através das brasas naqueles dias tornou-se agora mais interior, no sentido de que falei na minha última palestra. A clarividência da quinta era pós-Atlântida, a conexão com o mundo do espírito, é baseada nos mesmos poderes, exceto que os poderes que antes permitiam às pessoas andar no fogo foram transformados e se tornaram mais internos.
Se alguém deseja estar em contato com certos fatores que pertencem ao mundo espiritual, deve superar quase a mesma relutância que teve que ser superada quando as pessoas passavam pelo fogo. Esta é a razão pela qual muitas pessoas temem o mundo espiritual hoje tanto quanto temem o fogo. Não podemos realmente dizer que as pessoas estão apenas falando figurativamente quando dizem que têm medo de se queimar; eles realmente estão com medo. Daí a oposição à antroposofia: as pessoas têm medo de se queimar. No entanto, o progresso do tempo exige que nos aproximemos gradualmente do fogo e não nos afastemos da realidade. A nova interioridade de vida da qual falei tem muitos fatores que exigem que nos aproximemos suavemente do mundo do espírito – suavemente por enquanto; mais tarde será cada vez mais forte – em todas as esferas, mas especialmente no campo da educação.
Na esfera da educação, as pessoas terão de perceber que fatores muito diferentes precisam ser considerados do que aqueles que surgem do grande clímax agora alcançado na era do materialismo. Deve haver a compreensão de que muitas das coisas que, do ponto de vista materialista, são eminentemente corretas – embora o ponto de vista seja baseado nos sentidos e, portanto, em maya, ilusão – devem ser deixadas de lado e o oposto colocado em seu lugar. Hoje é considerado importante, especialmente no campo da educação, formar professores ensinando-lhes o máximo de método possível. O tempo todo se diz: isso deve ser feito assim, e isso deve ser feito assim. O objetivo é desenvolver ideias bem reguladas de como se deve educar.
As pessoas adoram a ideia do ideal regulador. Eles gostariam de ter a imagem do professor ideal e sempre ter um professor assim. Mas eles só precisam pensar um pouco sobre eles e a questão ficará clara. Pergunte a si mesmo com o máximo de autoconhecimento que for capaz de reunir no que aconteceu com você – até certo ponto, todos podemos ver o que aconteceu conosco – e então pergunte a si mesmo quem foram os professores, os educadores que influenciaram você quando você era jovem. Ou, se isso for um problema, tente pensar em uma pessoa bem conhecida e razoavelmente importante e, em seguida, considere os professores dessa pessoa para ver se você pode, de alguma forma, conectar a importância desses professores com as realizações do indivíduo.
Seria interessante se as biografias nos contassem mais sobre os professores; algumas coisas interessantes surgiriam então. Mas não seríamos capazes de descobrir muito sobre o que esses professores fizeram para tornar os indivíduos em questão o que eles eram. Na maioria dos casos, teríamos a mesma situação que temos no caso de Herder, que conquistou muito; um de seus professores mais conhecidos foi o diretor Herman Grimm. Ele tinha o hábito de bater nas costas dos meninos o mais intensamente que podia. As conquistas de Herder não vieram de avermelhar o traseiro; ele era um bom menino e levava poucas surras.
As inclinações gerais do professor, portanto, não tiveram nenhum efeito sobre ele! Uma bela história é contada sobre este professor, e é realmente verdade. Em uma ocasião, ele deu uma surra terrível em um garoto da classe de Herder. Mais tarde, o menino estava andando na rua quando um homem que trouxera peles de bezerro e de ovelha do campo perguntou-lhe: ‘Diga-me, menino, onde posso encontrar alguém que pode curtir/malhar essas peles para mim?’ disse o menino, “vá até o Sr. Grimm, ele é bom nisso.” E o homem realmente foi e tocou a campainha do Sr. Grimm – isso ensinou uma lição ao diretor. Mas, veja você, Herder não se tornou um grande homem porque seu professor tinha essa inclinação. Você encontrará muitas dessas coisas se examinar a educação de indivíduos que mais tarde se tornaram grandes pessoas.
Outra coisa, no entanto, relacionada a algo muito mais sutil, será importante. Será importante que a questão do karma, ou destino, seja levada em consideração, especialmente no que diz respeito à educação e aos métodos de ensino. As pessoas com quem meu carma me uniu na infância e juventude certamente são importantes. E muito depende de que, em nosso ensino, estejamos cientes de que nós e nossos alunos estejamos reunidos. Veja, muito depende de uma qualidade particular de mente e atitude.
Pegue o que já podemos dizer sobre a educação hoje do ponto de vista da antroposofia e você verá que isso está totalmente de acordo com o que eu disse. Realmente é preciso enfatizar hoje que nos primeiros sete anos, até a troca dos dentes, as crianças querem imitar tudo, e nos próximos sete anos, até a puberdade, devem se submeter à autoridade. Portanto, temos que fazer coisas que as crianças possam imitar da maneira certa. É claro que as crianças irão imitar a todos, mas o fazem especialmente com seus professores.
Eles também acreditam em todos, do sétimo ao décimo quarto ano, mas devem fazê-lo especialmente quando se trata de seus professores e educadores. Saberemos como nos comportar se estivermos constantemente cônscios da idéia de carma; mas devemos ter uma conexão interna real com isso. Se somos particularmente bons em ensinar algo, ou talvez menos bons, não é realmente tão importante. Mesmo professores completamente ineptos podem ocasionalmente ter uma influência tremenda. Agora, na era de interioridade de que falei, a questão de saber se somos o professor ou educador certo depende da maneira como estávamos conectados com a alma da criança antes de qualquer um de nós – professor e criança – nascermos. A diferença é simplesmente que nós, professores, viemos ao mundo alguns anos antes das crianças. Antes estávamos juntos com eles no mundo espiritual.
De onde vem o desejo de imitar, essa tendência de imitar depois que nascemos? Somos imitadores em nossos primeiros anos porque trazemos a tendência de imitar conosco do mundo do espírito. E quem gostamos mais de imitar? O indivíduo que nos deu nossas qualidades no mundo espiritual, de quem tiramos algo quando estávamos naquele mundo, seja em um determinado campo ou em outro. A alma da criança estava conectada com a alma do professor antes do nascimento. A conexão era íntima; mais tarde, o ser físico externo que vive no mundo físico apenas tem que seguir esta linha.
Se você não apenas tomar o que estou dizendo como uma verdade abstrata, mas deixá-lo entrar totalmente em sua alma, descobrirá que tem um significado tremendo. Basta pensar no estado de espírito verdadeiramente sério, na profundidade de sentimento que viria se, no campo da educação, as pessoas vivessem com a ideia: você agora está mostrando à criança algo que ela aceitou de você no mundo do espírito antes de ter nascido. Pense só, se esse fosse o verdadeiro impulso! É muito mais importante que esse estado de espírito, esse sentimento, seja trazido para a tarefa, em vez de ensinar as pessoas como fazer isso e como fazer aquilo.
Isso acontecerá se a atmosfera for adequada entre professor e aluno, e se os professores estiverem verdadeiramente conscientes da grande tarefa que a vida lhes deu. Acima de tudo, tem que haver esse estado de espírito verdadeiramente sério. É um veneno exigir que as crianças entendam tudo, como muitas vezes é exigido hoje. Freqüentemente, observei que as crianças não conseguem entender tudo. Do primeiro ao sétimo ano, eles não conseguem entender de forma alguma; eles imitam tudo. E se eles não imitarem suficientemente, não terão o suficiente neles mais tarde para usar. Do sétimo ao décimo quarto ano, eles devem acreditar, devem estar sob a influência da autoridade, se quiserem se desenvolver de maneira saudável. Essas coisas devem fazer parte da vida humana.
Geralmente é considerado mais importante hoje entender tudo. Não devemos nem mesmo ensinar as tabuadas às crianças sem que elas entendam. Mas elas não entendem mesmo! Tal abordagem transforma as crianças em máquinas de calcular, em vez de pessoas sensatas. Eles são obrigadas a aceitar o intelecto que está no ambiente elemental de que falei, em vez de desenvolver seu próprio entendimento. Isso acontece muito hoje em dia.
Em vez de ajudar a mente do indivíduo a se desenvolver, esforços estão realmente em andamento para torná-la ideal para inculcar o intelecto elemental que está fora do ser humano, de modo que as crianças sejam apanhadas no mundo elemental. Muitos exemplos podem ser vistos hoje em que podemos realmente dizer: essas pessoas não estão pensando por si mesmas, estão pensando na atmosfera do pensamento geral, por assim dizer. E se algo de natureza individual surgir, suas origens não estão no elemento divino que pode ser percebido na natureza humana.
Os seres humanos devem entrar em modos de vida verdadeiros novamente, mesmo em sua compreensão do mundo. Como eu disse, isso é mais difícil do que trabalhar com meros cadáveres de idéias. A humanidade deve mais uma vez encontrar uma abordagem viva, e as pessoas devem perceber que verdades mortas não podem governar a vida, apenas verdades vivas podem fazê-lo. O que se segue é uma verdade morta.
Devemos treinar os seres humanos para serem seres humanos inteligentes. Portanto – como diz a verdade morta – devemos cultivar o intelecto o mais cedo possível, pois isso produzirá pessoas inteligentes. No entanto, isso é um grande absurdo. É tão absurdo quanto treinar um menino de um ano para ser sapateiro. As pessoas, de fato, só serão inteligentes se não receberem treinamento intelectual muito cedo. Muitas vezes é necessário fazer o oposto do que queremos alcançar na vida. Não podemos comer nossa comida crua, mas temos que cozinhá-la primeiro.
E se esse processo de cozimento incluísse os processos que estão envolvidos na alimentação, talvez pudéssemos nos poupar o esforço de comer! Você não pode tornar as pessoas inteligentes cultivando o intelecto o mais cedo possível, mas apenas cultivando nelas, quando muito jovens, as faculdades que mais tarde as prepararão para serem inteligentes. A verdade abstrata é: o intelecto é cultivado por meio do intelecto. A verdade viva é: o intelecto é cultivado pela crença saudável na autoridade legítima. Ambas as partes da declaração têm um conteúdo bastante diferente na verdade viva em comparação com a verdade morta e abstrata. Isso é algo que a humanidade terá que perceber cada vez mais com o passar do tempo.
É estranho. Considere como é confortável ter uma meta e acreditar que isso pode ser alcançado fazendo exatamente o que a meta diz. Mas na vida é preciso fazer o oposto. Isso é certamente estranho. É o desafio de nosso tempo que devemos encontrar nosso caminho para a realidade e a vida; isso é o que devemos eminentemente tornar nosso. Isso é necessário tanto nas grandes como nas pequenas coisas da vida. Você não vai entender esta era, você estará fazendo as coisas tão erradas quanto podem ser feitas, a menos que você considere isso. As pessoas hoje não têm ideia de como são imensamente abstratas, com tudo sempre dentro do mesmo molde.
Mas a realidade não é produzida do mesmo molde, pois está em constante metamorfose. As vértebras modificadas que fazem parte da cabeça humana são muito diferentes das vértebras que constituem a coluna vertebral. Deixe-me dar um exemplo tirado da vida cotidiana. Imagine alguém do corpo docente de uma universidade que ensina algo que eu, ou outra pessoa, devemos ir contra. É claro que eu faria todo o esforço para mostrar que as coisas que essa pessoa ensina estão erradas; querendo cumprir meu dever, eu faria qualquer coisa para mostrar que ele está errado e tudo o que ele diz – bem, para ser franco – é bobagem. Este é um lado da questão.
Agora, suponhamos que o indivíduo em questão se encontrasse em uma situação em que as autoridades quisessem demiti-lo de seu posto ou discipliná-lo de alguma forma. Bem, é claro, eu iria defendê-lo de todas as maneiras possíveis, contra sua demissão ou punição; pois isso não seria uma questão de conteúdo de seu ensino, mas de assegurar a liberdade acadêmica. Enquanto estivermos lidando com as teorias das pessoas, temos que lutar; quando se trata de uma instituição externa, a luta acaba e pode até levar-nos em defesa do indivíduo.
É preciso compreender que é abominável se alguém permite que sua oposição a alguém o induza a tomar parte ativa na disciplina de tal pessoa. Suponhamos, entretanto, que o indivíduo em questão fosse um conferencista ou professor de economia ou política e foi nomeado para ocupar um cargo governamental. Qual seria a nossa atitude então? Teria que ser tal que o tirassem daquele cargo o mais rápido possível, pois ali suas teorias causariam um dano real.
Em tudo o que fazemos, devemos nos relacionar com a realidade imediata e viva e não nos deixar ser governados por conceitos. Na esfera dos conceitos, por outro lado, é importante dar uma boa olhada nos conceitos que usamos. Dei este exemplo para demonstrar a diferença entre lidar com a realidade e lidar com conceitos. As pessoas que não fazem essa distinção acharão totalmente impossível viver com as tarefas do futuro imediato; eles serão, na melhor das hipóteses, wilsonianos. O que importa é considerar com atenção o que vive na realidade e o que se deve ter em termos de convicções na esfera dos conceitos.
Isso é particularmente importante na educação dos jovens. Os professores em treinamento estão hoje sobrecarregados com todos os tipos de princípios sobre como devem ensinar, como devem educar. No futuro imediato, isso se tornará muito menos importante. O importante será que eles conheçam a natureza humana e as diferentes formas de expressão dela; eles precisam se tornar psicólogos da maneira mais sutil e realmente conhecer a alma humana. A relação do professor com o aluno deve, no futuro, ser algo análogo à clarividência.
Os professores podem não estar totalmente conscientes disso, e isso pode viver apenas instintivamente em suas almas, mas eles devem, instintivamente, em um nível próximo à profecia, ter uma imagem do que quer emergir do indivíduo que está sendo educado. Então, uma coisa estranha acontecerá, por mais estranho que pareça hoje. Os professores do futuro sonharão muito com seus alunos, pois as profecias usarão as vestes dos sonhos. As imagens que vemos em nossos sonhos surgem apenas porque não estamos acostumados a conectar nossos sonhos com o futuro; nós os vestimos com elementos lembrados do passado, como em uma vestimenta. Na realidade, os sonhos sempre apontam para o futuro.
Sim, é verdade que a vida interior terá de ser mudada, especialmente em quem educa os jovens. Este é o aspecto mais importante. Claro, todo mundo está mais ou menos envolvido na educação dos jovens, com apenas algumas poucas exceções, e, portanto, também deve ser verdade em um sentido mais geral que devemos ter compreensão para as conexões cármicas, como mencionei. Muito dependerá disso se tornar um conhecimento geral.
A geração atual é educada principalmente para pensar em termos abstratos e continua a confundir formas de pensamento abstratas e vivas. É por isso que é tão raro alguém apoiar alguém com grande entusiasmo, pois, tendo seus próprios conceitos, ele não gosta dos da outra pessoa, e fica bem para ele se outros vierem e colocarem a outra pessoa fora de ação. Essas, no entanto, são exatamente as coisas que podem nos ensinar. E não pode haver melhor educação para as pessoas a não ser encontrar maneiras de defender seus oponentes com entusiasmo cada vez maior. Isso não deve ser forçado, é claro. As pessoas são amigos ou inimigos hoje em uma base puramente abstrata. Não há motivo para isso, no entanto.
Apenas as realidades da vida têm um sentido para eles, e são dadas pela vida, não por nossas simpatias e antipatias. Ainda devemos ter essas simpatias e antipatias, mas o pêndulo não deve apenas oscilar em uma direção, mas também descer e na direção oposta. A humanidade deve aprender a viver em dois níveis ao mesmo tempo, no dualismo – entrar no pensamento profundo e, onde a realidade assim o exigir, nos derramar sobre a realidade. Hoje, as pessoas querem incorporar suas formas-pensamento a tudo o que está relacionado com a vida real; e eles só estão preparados para suportar a realidade se ela se encaixar em suas próprias formas de pensamento. A uniformidade é o que eles procuram. Mas a uniformidade não pode ser justificada à luz do espírito; isto é impossível.
O mundo não pode ser fácil e confortável como é na realidade. Nem todo mundo terá o tipo de rosto de que gostamos e que consideramos simpáticos. Mas é errado permitir que nossas ações para com os outros sejam determinadas por nossas simpatias e antipatias pessoais. Outros impulsos devem entrar em ação. As pessoas acham difícil administrar hoje porque elas olham para o mundo, e se elas não o encontram de acordo com suas simpatias e antipatias, então, em sua opinião, tudo está torto, errado e completamente errado, e elas são governadas por apenas impulso – que o mundo deveria ser diferente.
Isso é algo que deve ser dito. Por outro lado, não devemos permitir que isso nos leve ao extremo oposto, igualmente indiferente, onde dizemos que não se deve ser muito exigente e simplesmente aceitar o mundo como ele é. Isso seria igualmente errado. Existem situações na vida em que objeções sérias devem ser levantadas, e é isso que deve ser feito. Isso significa que o devido reconhecimento deve ser dado à realidade. O que realmente importa é a oscilação do pêndulo entre uma vida interior lúcida em conceitos bem definidos e o cuidado amoroso estendido aos fenômenos do mundo.
A antroposofia pode mostrar o caminho se tivermos a atitude certa em relação a ela. Mas isso também é algo que deve ser aprendido. As verdades conquistadas no mundo espiritual são como comunicações, mesmo para os clarividentes. Se tratarmos essas verdades da mesma maneira que tratamos os fatos do mundo exterior que são acessíveis aos nossos sentidos não refinados, estaremos sendo injustos com a ciência espiritual. Toda a ciência espiritual está aberta ao nosso entendimento.
Mas é errado perguntar ao cientista espiritual ‘Sim, mas por quê?’ Cada vez que ele diz qualquer coisa, pois essas são comunicações que ele recebeu do mundo espiritual. E se eu disser: ‘Jack Miller me disse isso ou aquilo’, é inútil dizer: E por que ele te contou isso? Ele simplesmente me disse; a questão de por que tem pouca relevância. As coisas que vêm do mundo espiritual devem ser consideradas como comunicações desse tipo. É importante entender isso.
Continuaremos com isso amanhã.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 12 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 08 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 6
A nova espiritualidade
Se quisermos continuar da maneira certa hoje, devemos considerar algo sobre a natureza do ser humano e como os seres humanos são parte da evolução histórica. Em primeiro lugar, consideramos o fato de que os seres humanos têm o poder, ou o dom, do intelecto. O que isto significa? Isso significa que somos capazes de formar ideias. Por enquanto, não precisamos refletir sobre de onde vêm essas idéias. A vida de pensamento está conosco onde quer que estejamos na consciência desperta.
E também sentimos, por exemplo, que quando andamos, paramos ou fazemos qualquer outra coisa, somos guiados por nossos pensamentos, por algo que existe antes de tudo na mente. Mais adiante, discutiremos se esse realmente é o caso. No momento, quero apenas estabelecer o que preenche a mente consciente na vida cotidiana. São nossos pensamentos. Mas quando se trata do mundo do pensamento como tal, a questão é bem diferente. E não compreenderemos como os seres humanos realmente se relacionam com seus pensamentos, a menos que primeiro consideremos a verdadeira natureza do mundo do pensamento.
Na realidade, estamos sempre, onde quer que estejamos – sentados, em pé ou deitados – não apenas no mundo do ar e da luz e assim por diante, mas também em um mundo de pensamentos agitados. Você achará mais fácil ter uma idéia disso se olhar assim: Quando você anda na Terra como um ser humano físico comum, você também é um ser humano que respira, caminhando em um espaço cheio de ar. E mais ou menos da mesma maneira você se move em um espaço repleto de pensamentos.
A substância-pensamento preenche o espaço ao seu redor. Não é um vago oceano de pensamentos, nem o tipo de éter nebuloso que as pessoas às vezes gostam de imaginar. Não, esta substância-pensamento é realmente o que chamamos de mundo elemental. Quando falamos de entidades que fazem parte do mundo elemental no sentido mais amplo da palavra, elas consistem em substância-pensamento, substância-pensamento real. Há, no entanto, uma diferença entre os pensamentos que circulam por aí, que são realmente entidades vivas, e os pensamentos que temos em nossas mentes. Já falei dessa diferença em várias ocasiões. Em meu livro que será publicado em breve, e que mencionei ontem, [The Riddles of the Soul/Os enigmas da alma] você encontrará mais referências a essa diferença.
Você pode muito bem se perguntar: se existe tal princípio elementar lá fora no espaço do pensamento e se eu também tenho pensamentos em minha cabeça – qual é a relação entre os dois? Para ter a ideia certa de como seus próprios pensamentos se relacionam com as entidades-pensamento lá fora, você tem que visualizar a diferença entre um cadáver humano que foi deixado para trás quando alguém morreu e uma pessoa viva que está andando por aí.
O tipo de pensamento que você deve considerar a esse respeito é o tipo que você obtém do mundo que você percebe com os sentidos quando está na consciência desperta. Nossos próprios pensamentos são, na verdade, cadáveres-pensamentos. Este é o ponto essencial. Os pensamentos que vêm do mundo que percebemos com os sentidos e arrastamos conosco quando em consciência desperta são corpos-pensamentos – pensamentos que foram mortos. Fora de nós eles estão vivos, essa é a diferença.
Somos parte do mundo elemental do pensamento na medida em que matamos seus pensamentos vivos quando desenvolvemos ideias com base no que nossos sentidos percebem no mundo ao nosso redor. Nosso pensamento consiste em ter esses cadáveres de pensamentos dentro de nós, e isso torna nossos pensamentos abstratos. Temos pensamentos abstratos porque matamos os pensamentos vivos. É verdade que, em nosso estado de consciência, andamos carregando cadáveres de pensamentos que chamamos de nossos pensamentos e idéias. Essa é a realidade.
Os pensamentos vivos no mundo exterior certamente não são independentes de nós; existe um relacionamento vivo. Posso demonstrar isso a você, mas não se assuste com a natureza grotesca dessa ideia incomum. Imagine que você está deitado na cama e é de manhã. Você pode se levantar de duas maneiras diferentes. Normalmente, você não está ciente da diferença entre eles porque não tem o hábito de fazer essa distinção e, de qualquer forma, não presta atenção a esse momento específico de se levantar. No entanto, você pode se levantar por hábito, sem pensar a respeito, ou pode realmente produzir o pensamento: agora vou me levantar.
Há pessoas, no entanto, que se levantam por puro hábito e, no entanto, há apenas um toque da ideia: vou me levantar agora. Repetindo, muitas pessoas não fazem a distinção, mas ela pode ser feita de forma abstrata, e a diferença é enorme. Se você se levanta sem pensar, por puro hábito e treinamento, você está seguindo os impulsos dados pelos Espíritos da Forma, os Elohim, quando criaram os seres humanos como habitantes da Terra no início da evolução terrestre.
Então veja, se você desliga seu próprio pensamento e sempre se levanta como uma máquina, você não está se levantando sem que o pensamento tenha entrado na ação, mas não é o seu próprio pensamento. A forma de movimento envolvida em se levantar envolve pensamentos – pensamentos objetivos, não subjetivos, íntimos; estes não são os seus pensamentos, mas os dos Espíritos da Forma.
Se você fosse uma pessoa terrivelmente preguiçosa que realmente não quisesse se levantar, se realmente não fosse da sua natureza se levantar e você só se levantaria refletindo, contra a sua natureza, por pensamento puramente subjetivo, você estaria seguindo tendências arimânicas; você estaria seguindo apenas sua cabeça e, portanto, Ahriman. Como eu disse, a distinção não é feita na vida comum. E tudo o mais que fazemos é realmente feito da mesma maneira que nos levantamos.
Os seres humanos, na verdade, são compostos de duas entidades que podem ser distinguidas externamente como a cabeça e o resto do corpo. A cabeça humana é um instrumento extraordinariamente significativo e muito mais antigo do que o resto do corpo. A construção da cabeça humana é tal – falei sobre isso no ano passado – que a forma básica surgiu durante a evolução da Lua, embora a cabeça tenha, de fato, descido através da evolução de Saturno, Sol e Lua. Os humanos pareceriam muito diferentes se ainda tivessem a forma que tinham durante a evolução lunar.
Em termos muito gerais, poderíamos dizer que as pessoas se pareceriam com espectros, com apenas a forma da cabeça emergindo um pouco mais claramente, que era a intenção original. O resto do corpo não deveria ser tão visível como agora. Essas coisas devem ser consideradas, caso contrário, não podemos realmente entender a evolução humana na Terra. O resto do corpo deveria ser puramente elementar por natureza. Na cabeça, entraria em vigor tudo o que desceu como existência lunar transformada pela Terra; vamos chamá-lo de ‘a’. Mas essa existência lunar herdada transformada pela Terra é o ser humano real, pois o ser humano é realmente uma cabeça com apenas um acessório muito insignificante.
O resto do ser humano – vamos chamá-lo de ‘b’ e, para começar, vamos simplesmente considerá-lo como este princípio elementar e aéreo – é uma manifestação das hierarquias superiores, dos Espíritos da Forma no reino inferior. A única maneira certa de ver o ser humano é perceber que tudo o que é mostrado aqui como ‘b’ foi criado pelas hierarquias cósmicas. O ser humano que evoluiu desde a época de Saturno surgiu no contexto das hierarquias cósmicas. Se você visualizar a natureza essencial das partes do ser humano que não são cabeça – você deve pensar nisso como todo espírito, ou pelo menos todo ar – então você tem o corpo de hierarquias cósmicas (desenho no quadro).
No entanto, a sedução luciférica entrou em todo o processo de evolução. O resultado foi que todo esse corpo, mais elementar, se condensou para se tornar o resto do corpo humano, o que, é claro, também teve um efeito na cabeça. Isso lhe dará uma ideia da verdadeira natureza do ser humano. Além da cabeça, que é sua própria, tendo vindo de uma evolução anterior, os seres humanos seriam uma manifestação externa dos Elohim se seus corpos não tivessem se tornado carne sensual. É inteiramente devido às tentações de Lúcifer que esta manifestação externa do Elohim se condensou para se tornar carne.
Como resultado, algo muito estranho surgiu, um segredo importante a que me referi várias vezes. O que aconteceu é que o ser humano se tornou a imagem dos deuses nos próprios órgãos que normalmente são chamados de órgãos de sua natureza inferior. Essa imagem dos deuses foi degradada tanto nos seres humanos quanto na terra. O princípio mais elevado dos seres humanos, o princípio espiritual que vem do cosmos, tornou-se sua natureza inferior. Por favor, não se esqueça que este é um segredo importante da natureza humana. Nossa natureza inferior, que se deve à influência de Lúcifer, estava realmente destinada a ser nossa natureza superior. Este é o elemento contraditório da natureza humana. Bem entendido, ele resolverá inúmeros enigmas no mundo e na vida.
Podemos, portanto, dizer: no curso da evolução humana, o homem, graças ao elemento luciférico, converteu a parte dele que deveria estar constantemente emergindo do cosmos em sua natureza inferior. Muitos fenômenos históricos encontrarão sua explicação se você considerar que isso era conhecido pelos líderes dos mistérios antigos, pessoas que não eram tão jocosas, cínicas e tacanhas como as pessoas são hoje. Certos símbolos retirados da natureza inferior e usados no passado, símbolos que hoje são vistos apenas como símbolos sexuais, são explicados pelo fato de que os sacerdotes que os usaram nos antigos mistérios o fizeram para dar expressão à realidade superior da natureza inferior do homem.
Você pode ver como temos que ser sensíveis ao lidar com essas coisas, se não quisermos ser jocosos. As pessoas modernas caem facilmente na jocosidade, porque não conseguem nem imaginar que há mais nos seres humanos do que mera sensualidade – que, de fato, é o elemento luciférico em nossa natureza superior. Assim, os símbolos históricos facilmente recebem uma interpretação inteiramente errada. É preciso alguma nobreza de espírito para não interpretar os antigos símbolos em um sentido inferior, embora muitas vezes possam ser interpretados dessa forma.
Com isso, você também começará a perceber que, se os pensamentos do mundo elemental vierem até nós – eles são pensamentos vivos, não abstratos, mortos que vêm da cabeça – eles devem vir de todo o ser humano. Mera reflexão não vai conseguir isso. Hoje, a idéia é que nós só chegamos a nossos pensamentos por reflexão. Hoje a ideia é: se os seres humanos apenas refletirem, eles podem pensar sobre qualquer coisa, desde que as coisas que desejam pensar sejam acessíveis. Isso é um absurdo, no entanto. A verdade é que a raça humana está em um processo de evolução, e os pensamentos desenvolvidos por Copérnico, por exemplo, ou Galileu, em um determinado momento não poderiam ser alcançados pela mera reflexão antes dessa época.
Veja, as pessoas fabricam os pensamentos que têm em suas cabeças. Mas quando um pensamento que marca uma mudança real surge na história mundial, esse pensamento é dado pelos deuses e por todo o ser humano. Ela flui através do ser humano, superando o elemento luciférico, e só atinge a cabeça fora de todo o ser humano. Acho que isso é algo que você pode entender. Em certas idades, determinados pensamentos precisam apenas ser esperados; então o ser humano não está apenas refletindo, nem algo é transmitido por seus olhos ou ouvidos, mas a inspiração vem do mundo das hierarquias e por meio de todo o ser humano essencial, que é a imagem das hierarquias.
Se você considerar isso, algumas das coisas que eu disse ontem também podem dizer muito a você. Na era atual, a partir da quinta era pós-Atlântida, vivemos muito mais interiormente do que antes – nos tempos da Grécia Antiga, por exemplo, quando o ambiente externo fornecia muito mais do que é espiritual. Essa interioridade da vida se relaciona com o processo pelo qual os pensamentos surgem por todo o ser humano. Antigamente, na quarta era pós-Atlântida, a relação entre os seres humanos e os deuses era muito mais exterior; hoje tornou-se muito mais íntimo. Os seres humanos estão sempre se associando aos deuses; suas cabeças normalmente não sabem nada sobre isso, porque eles contêm apenas pensamentos humanos, ou melhor, cadáveres de pensamentos.
Os seres humanos sempre se associam aos deuses como seres humanos inteiros, e essa associação é mais íntima hoje do que no passado. Mesmo a natureza da clarividência é tal que o relacionamento com os deuses e espíritos desencarnados é totalmente diferente do que era antes. Quando uma alma humana se associa com espíritos ou com os mortos, a associação é muito sutil. É mais ou menos semelhante à maneira como nossos próprios pensamentos se associam com nossa própria vontade na alma. É muito íntimo e essa intimidade pertence à época atual.
Isso corresponde à natureza essencial do ser humano aqui na terra e também à dos mortos, daqueles que estão passando pelo portão da morte para entrar no mundo do espírito neste momento. Essa associação íntima tornou-se possível porque, de certa forma, a relação entre o homem e o cosmos mudou. Se a relação que alguns seres humanos têm com o mundo do espírito chega à consciência, ela se mostra muito mais íntima, ainda hoje, do que era antes.
Certas habilidades tiveram que ser perdidas, para que essa associação íntima com os deuses pudesse se desenvolver. Durante os tempos da Grécia e Roma antigas e depois, até a Idade Média, as pessoas ainda tinham percepção direta dos elementos espirituais do mundo ao seu redor; como eu disse, eles não viram apenas as cores físicas da maneira como vemos hoje, ou ouviram sons físicos, mas perceberam elementos espirituais em cores e sons. Eles também puderam usar o elemento que para nós se transformou em sonhos caóticos como meio de entrar no mundo do espírito e o fizeram de uma forma muito menos sutil do que é possível hoje.
Foi relativamente fácil abordar os Espíritos e os mortos do passado. Hoje, nossos sonhos comuns não têm mais a mesma qualidade, embora isso tenha continuado até a Idade Média. Algumas pessoas ainda o tiveram por muito tempo depois. Essas pessoas também perceberam como um sonho tudo o que acontecia ao seu redor no mundo de pensamento elemental de que falei. Eles ainda não estavam separados daquele mundo circundante, e sua própria natureza essencial ainda se estendia a ele. As pessoas estavam cientes disso e agiam e se comportavam de acordo.
Hoje, essas coisas são, é claro, consideradas uma velha superstição. No entanto, quando algo significativo ocorre em conexão com esta “velha superstição”, a ciência moderna não sabe o que fazer com isso. Deixe-me dar apenas um exemplo: Cimon, uma figura histórica conhecida, tinha um amigo chamado Astyphilos que sabia interpretar sonhos. Astifilos era capaz de interpretar os sonhos intelectualmente. Quando Cimon sonhou com um cão latente e feroz antes da campanha egípcia, Astyphilos previu sua morte, dizendo: ‘Você sonhou com um cão latindo feroz; você vai morrer nesta campanha. ‘A história foi contada por Horace.
Um sábio moderno que escreve sobre sonhos, embora em termos materialistas, certamente acredita que Cimon teve um sonho comum e Astifilos era um charlatão que interpretava sonhos. No entanto, ele também faz um comentário estranho: ‘O acaso quis, no entanto, que sua profecia se cumprisse.’ Eu poderia mostrar-lhe livros que fornecem evidências irrefutáveis de profecias que se cumpriram, mas as pessoas dirão: ‘O acaso quis ele. Este é um de muitos exemplos. As pessoas imaginam que a vida interior sempre foi a mesma de hoje e que não houve desenvolvimento na vida interior do homem.
Assim, os sentidos externos percebiam mais o espiritual e, ao mesmo tempo, a relação com o mundo do pensamento elemental circundante era, de certa forma, mais baseada em imagens. Os sonhos ainda tinham a qualidade de imagens que apontavam para o futuro. Assim como a memória se relaciona com o passado, as imagens apontavam para o futuro, embora não da mesma forma, é claro. A constituição da alma humana era, portanto, totalmente diferente no passado. Imagens borradas de sonhos entraram na percepção sensorial cotidiana, imagens que, no entanto, se relacionavam com acontecimentos reais no mundo elemental.
Podemos colocar assim: O mundo físico da percepção sensorial ainda não havia se condensado e se tornado sólido e mineral em qualidade. Em todos os lugares, a cor e o som ainda brilhavam com qualidades espirituais. Ao mesmo tempo, as pessoas ainda tinham a capacidade de viver em sonhos acordados, e isso era realidade no mundo objetivo e elementar do pensamento. Então a humanidade foi privada desta relação com o mundo exterior a fim de estabelecer e fortalecer a liberdade humana; a vida interior tornou-se mais íntima da maneira que descrevi.
Há algo que devemos considerar que é o mais importante. Podemos usar os poderes do intelecto normal para refletir sobre os fenômenos pertencentes ao mundo da natureza, mas não podemos usar esse intelecto para refletir sobre os fenômenos sociais. As pessoas acreditam que o modo de pensar que lhes permite refletir sobre os acontecimentos do mundo físico também pode ser usado para estabelecer leis sociais e impulsos políticos. Na verdade, eles estão fazendo isso agora, mas as leis e os impulsos são de qualidade correspondentemente baixa.
O tipo de coisa que você encontra na história romana, e que também encontraria na história posterior, se não tivesse se transformado em romance – por exemplo, que Numa Pompilius se inspirou em uma ninfa chamada Egeria em certos assuntos de estado – indica que naqueles dias as pessoas apelavam aos deuses quando questões de estado tinham que ser tratadas. Eles não teriam pensado que seria possível criar estruturas políticas apenas pensando nelas. Hoje, a ideia é que os indivíduos não são capazes de fazer isso, mas se você multiplicar o individual continuamente, então pode ser feito.
Portanto, se você tem uma democracia moderna e um parlamento esclarecido, trezentos chefes são capazes de realizar pela reflexão o que um único chefe não pode fazer, é claro. Isso vai contra uma das afirmações de Rosegger, que citei várias vezes: “A pessoa é um ser humano; se houver vários, você tem pessoas; se você tiver muitos deles, eles são bestas!” – mas certamente não é o que você faria na prática! E imagine o que todo o mundo moderno iluminado diria se as notícias se espalhassem – não na forma antiga, mas em uma nova – de que Woodrow Wilson se inspirou para um ou outro decreto a partir de uma ninfa.
Essas coisas mudaram, mesmo que não sejam exatamente mais inteligentes. É claro que será difícil de entender, mas é algo que temos que perceber, que idéias reais e apropriadas sobre as estruturas sociais só surgirão quando as pessoas apelarem novamente para o espírito. Eles não são forçados a fazê-lo, e a forma será diferente, mas este apelo ao espírito deve ser feito novamente. Caso contrário, tudo o que as pessoas produzem por meio de princípios políticos, estruturas sociais e ideias será mero nada. Tem que haver uma consciência viva do fato de que vivemos no mundo do pensamento elemental e temos que nos inspirar nele.
As pessoas ainda conseguem rir dessas coisas hoje. Mas a humanidade terá que lutar contra a dor e o sofrimento para ganhar consciência da inspiração na esfera criativa da ordem social. Aqui temos uma indicação ainda mais sutil de algo que se tornará cada vez mais necessário para a humanidade.
As pessoas terão que perceber que agora devem se preparar para fazer uma conexão novamente com o mundo do espírito, para que possam trazer para o reino deste mundo um reino que não é deste mundo, mas está presente em todo o reino deste mundo. Só então virá a salvação para uma esfera social onde o caos agora reina.
No entanto, será necessário que as pessoas superem o mal-estar e a relutância que sentem em relação a si mesmas com a relação a intimidade entre o homem e o mundo. Nos campos mais importantes da atividade humana, as pessoas terão que se aprofundar na natureza desse relacionamento, como aconteceu na quarta era pós-Atlântida. Isso lhes dará a orientação necessária para que possam realmente ver como os seres humanos se relacionam de maneira diferente com o mundo ao seu redor do que agora.
É possível estudar isso, mas devemos superar essa mitologia – mitologia no mal sentido – que hoje chamamos de estudo da história. Precisamos considerar a realidade histórica, remontando pelo menos até o mistério do Gólgota, e isso será possível se o estudo da história externa for enriquecido pelo estudo da ciência espiritual. As pessoas simplesmente terão que fazer um esforço para entrar no estudo da ciência espiritual. Todo o modo de pensar, é claro, é tal hoje em dia que as pessoas muitas vezes acham que tudo é totalmente grotesco quando começam a entrar no mundo do espírito; as pessoas pensam instintivamente que as coisas parecerão exatamente as mesmas que são no mundo físico. Tudo o que estão preparados para aceitar é que encontrarão uma forma mais refinada e sutil deste mundo, e não conseguem entender que a acharão completamente diferente, tanto que até o menor detalhe será uma surpresa.
Vamos supor que um filósofo moderno, seu tipo normal de professor universitário, tivesse algum tipo de inspiração – seria um pequeno milagre, mas vamos supor que tal milagre acontecesse – de modo que por cinco minutos ele estava em posição de perguntar ao mundo espiritual se ele era um verdadeiro filósofo com uma verdadeira vocação interior. Qual você acha que seria a resposta? Ele receberia uma imagem; esta seria a resposta certa, apenas precisaria ser interpretada corretamente. Isso é realmente verdade; Estou lhe contando algo que aconteceu inúmeras vezes.
A resposta seria que o filósofo recebe orelhas de burro. E a interpretação disso seria: “Eu sou de fato um verdadeiro filósofo.” Isso não é uma piada. A questão é que algumas idéias significam uma coisa no mundo físico e exatamente o oposto no mundo espiritual. No mundo físico não é uma distinção ter orelhas de burro; no mundo espiritual, ter orelhas de burro como imagem vale muito, muito mais do que a mais alta distinção já concedida a um professor de filosofia. Mas imagine alguém que está acostumado apenas com o mundo físico e que de repente – como eu disse, por milagre – se torna clarividente e se vê usando orelhas de burro.
Ele pensaria que estava sendo feito de bobo, que estava sendo enganado. E imediatamente chamaria isso de ilusão. As coisas são diferentes no mundo do espírito, até ao último detalhe, e é necessário traduzir tudo o que aí encontramos, para encontrar a correspondência e a interpretação corretas no mundo físico. Eu não estava simplesmente contando uma piada quando falei das orelhas daqueles burros. Se você ler os escritos dos tempos antigos, encontrará os sonhos sonhados pelos filósofos para convencê-los de sua vocação interior. O sonho que descrevi é bastante típico desse tipo de coisa. Os filósofos tinham que se ver com orelhas de burro para se convencerem de sua vocação.
As pessoas inevitavelmente ficarão surpresas e perplexas quando quiserem se familiarizar novamente com a natureza específica do mundo espiritual. Ao ler The Chymical Wedding of Christian Rosenkreutz Anno 1459, você às vezes sentirá que as coisas grotescas ditas nele são suficientes para fazer você rir. No entanto, são profundamente significativos, pois o caminho a que a obra se refere não deve ser considerado de forma sentimental, mas com certo humor superior.
Como eu disse, tempos posteriores também têm eventos análogos a Numa Pompilius recebendo instruções da Egeria. Essas coisas não são mais divulgadas, razão pela qual a história se tornou mera ficção convencional. Considere, foi apenas no final do século dezesseis e início do século dezessete quando Jacob Boehme teve suas intuições profundas: verdadeiramente grandes, tremendas visões grandiosas que continham intuições de um tempo anterior. Seus seguidores incluíam muitas pessoas que viveram em tempos posteriores. Um dos últimos a ser um seguidor consciente de Jacob Boehme foi Saint-Martin.
Ele se baseou inteiramente em Jacob Boehme, especialmente em seu livro Des erreurs et de la vrit, embora seja um Boehme um tanto desmaterializado. Ainda assim, ele teve o suficiente do que havia acontecido nos tempos antigos para perceber: se alguém deseja ter idéias sobre estruturas sociais, se deseja ter idéias políticas reais e eficazes, estas não devem ser meramente pensadas, devem ter vindo do mundo espiritual. Em seu livro, Saint-Martin apresenta não apenas idéias sobre o mundo da natureza e seu desenvolvimento e da história e seu progresso, mas também idéias políticas bastante específicas. Hoje, quando os estados são o único tipo de estrutura política, podemos chamá-los de ideias sobre o estado político.
Suas discussões, entretanto, incluem uma ideia de significado especial, e é característico que isso esteja na vanguarda de suas ideias políticas. Saint-Martin se refere ao “adultério humano original”, que ele diz ter ocorrido em uma época em que ainda não existiam relações sexuais entre homem e mulher na terra. Ele, portanto, não está se referindo ao adultério no sentido usual. Ele quer dizer algo bem diferente, algo que ele mantém profundamente velado, e ao qual a Bíblia se refere com as palavras: ‘Os filhos dos deuses viram como essas filhas eram lindas e tomaram para si as mulheres que escolheram.’ Este evento trouxe o caos ao mundo da Atlântida; há também uma conexão misteriosa entre isso e a maneira como os seres humanos tornaram sensual sua natureza espiritual elementar. Tudo o que se pode fazer é sugerir o evento que Saint-Martin chama de “adultério original”; ele também estava apenas insinuando isso.
É evidente que Saint-Martin percebeu que para considerar a política, não se deve apenas levar em conta as situações humanas externas, como as pessoas fazem hoje, mas encontrar uma maneira de voltar aos tempos anteriores, quando era necessário ir além do mundo dos sentidos. e no mundo do espírito se alguém quisesse saber alguma coisa sobre o ser humano. Os princípios do pensamento político devem ser desenvolvidos a partir do mundo espiritual. Saint-Martin ainda sabia disso no final do século XVIII – ele só morreu em 1804, e o que ele disse em Des erreurs et de la vrit também foi traduzido para o alemão.
Não é sem interesse dizer isso, porque um certo clérigo que é contra nós que queremos servir à vida do espírito aqui em Dornach – ele mora bem perto daqui – disse isso em face de tudo isso as pessoas insensatas deveriam se lembrar do simples e claro Matthias Claudius, e ele citou um versículo de Claudius em seu apoio. Foi Matthias Claudius, no entanto, quem traduziu Des erreurs et de la vrit de Saint-Martin, a fim de tornar a ciência espiritual daquela época acessível ao seu povo. O cavalheiro em questão, portanto, demonstrou sua colossal ignorância no que diz respeito a Matthias Claudius, além do fato de que ele citou apenas um versículo; se ele tivesse citado o versículo anterior, ele teria se contradito. Mesmo assim, ele ficou satisfeito com o único versículo que julgou adequado ao seu propósito, que era citar algo contra a antroposofia.
Ainda no século XVIII, Saint-Martin sabia que, se quisermos ter ideias políticas frutíferas, deve haver uma ponte entre os pensamentos humanos e as influências espirituais que vêm dos mundos superiores. Nenhum século anterior foi tão esquecido por Deus, realmente, como o século XIX e o início do século XX. É importante perceber isso. Nenhum século anterior foi tão vaidoso e tão orgulhoso de ter sido esquecido por Deus.
Ainda assim, se as pessoas lessem sobre a estadista defendida por Saint-Martin – acho que todas essas pessoas espertas que agora se reúnem e querem guiar os destinos do mundo sentiriam o estômago revirar. Pois é a tendência hoje em dia saber o mínimo possível sobre o mundo real que nos rodeia. É claro que é possível apagar de nossa mente os pensamentos que vêm do espírito vivo, e podemos decidir trabalhar apenas com cadáveres de pensamento.
As ações das pessoas não se relacionam com isso, porém, tornam-se parte de uma teia de pensamentos vivos. E quando as pessoas com cadáveres de pensamento se recusam a entrar nesses pensamentos vivos, o resultado será o caos. Esse caos precisa ser superado, o que exige os claros insights dos quais falei antes, bem como nessas palestras. No entanto, requer uma mudança completa de direção do que é considerado certo hoje e o ideal absoluto.
Acima de tudo, essa mudança de direção terá que acontecer em breve. E seria melhor se viesse agora e fosse o mais difundido possível no campo onde os educadores são nomeados para jovens e idosos. Não há outro campo onde a humanidade tenha entrado tão profundamente no materialismo como o fez na educação.
Permitam-me concluir apresentando um pensamento que nos ocupará nos próximos dias, pois é muito interessante e muito importante para toda a humanidade. Gostaria de apresentá-lo de forma que você seja capaz de revê-lo em sua mente interior por alguns dias. Você estará mais bem preparado para considerar esse pensamento.
As crianças que nascem hoje – devemos considerá-las sabendo que a forma externa está murchando e se dissolvendo, como mostrei nestes dias. Mas lá no fundo está o verdadeiro ser humano. Isso não se expressa mais externamente como acontecia até o século XV. Teremos que nos acostumar cada vez mais com a ideia de que, principalmente no caso das crianças, o ser humano interior não pode se revelar plenamente pela maneira como as pessoas se apresentam, nem pela maneira como pensam e pelos gestos que fazem. Em muitos aspectos, essas crianças são algo muito diferente do que vem à tona. Conhecemos até casos extremos.
As crianças podem parecer o pior dos patifes, mas há tanto bem nelas que mais tarde serão o mais valioso dos seres humanos. Mas você também vai encontrar muitas crianças que são muito boas e nem um pouco ruins, nunca colocando um dedo na boca nem zombando das pessoas. Eles estudarão bem, talvez um dia sejam bons gerentes de banco, ou bons professores, de acordo com as idéias atuais, e até bons advogados. Mas – perdoe essas palavras duras – eles não serão boas pessoas, porque não podem alcançar a harmonia interior entre eles e o mundo verdadeiro ao seu redor.
É especificamente no campo da educação e da formação que se deve estabelecer o princípio de que as pessoas hoje são muito diferentes daquilo que parecem ser. Portanto, será necessário, no futuro, nomear professores com base em princípios totalmente diferentes. Ser capaz de ver algo que está dentro e não se expressa no exterior requer algo como um dom profético. Os exames para futuros professores devem, portanto, ser organizados de forma que os candidatos com dons intuitivos e proféticos se saiam particularmente bem. Os candidatos que não possuem esses dons devem ser reprovados nos exames, por maior que seja seu conhecimento.
A última coisa que fazemos hoje é considerar os dons proféticos das pessoas que se tornarão mestres. Ainda temos um longo caminho a percorrer em relação a muitas coisas que terão de ser feitas. No entanto, o curso da evolução humana acabará por forçar as pessoas a aceitar esses princípios. Muitos dos materialistas de nossa época, é claro, considerariam uma noção maluca dizer que os professores deveriam ser profetas. Mas não será para sempre. A humanidade será forçada a reconhecer essas coisas.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 08 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 10 – Publicado em 1910
CONHECIMENTO DOS MUNDOS SUPERIORES – CAPÍTULO 4
ESTÁGIOS DE INICIAÇÃO – ILUMINAÇÃO
A iluminação vem de um processo simples. É uma questão de desenvolvimento de certos sentimentos e pensamentos os quais estão adormecidos em cada ser humano e devem ser despertados. É somente quando esses simples processos são realizados com muita paciência, continuamente e conscientemente, que se pode chegar a percepção da luz interior. O primeiro passo é dado pela contemplação, de uma determinada maneira, de diferentes objetos da natureza, por exemplo, uma pedra transparente e bem esculpida (um cristal), uma planta e um animal. O estudante deve se esforçar, primeiramente, em direcionar toda sua atenção na comparação de uma pedra e um animal da seguinte maneira: os pensamentos aqui mencionados devem passar pela alma acompanhados de sentimentos intensos, e nenhum outro pensamento, nem sentimento deve-se misturar com eles e atrapalhar essa observação atenciosa e intensa.
O aluno diz para si mesmo: “A pedra tem uma forma, o animal também tem uma forma. A pedra permanece imóvel no seu lugar. O animal muda seu lugar. É instinto (desejo) que faz com que o animal se mova de lugar. Instintos, também, servem para dar forma ao animal. Seus orgãos e membros são plasmados de acordo com seus instintos. A forma da pedra não é delimitada de acordo com seus desejos, mas de acordo com uma força livre de desejos.”
Ao se aprofundar em tais pensamentos, e ao fim, observando a pedra e o animal com muita atenção, surgem na alma dois tipos bastante distintos de sentimentos. Pela pedra flui na alma um tipo de sentimento, e pelo animal outro tipo. A tentativa provavelmente não terá sucesso no início, mas aos poucos, com uma prática genuína e paciente, esses sentimentos surgem. Porém, este exercício deve ser praticado repetidas vezes. No início os sentimentos só estarão presentes ao longo da observação. Mais tarde, eles continuam e, em seguida, crescem para algo que permanece vivo na alma. O aluno tem que posteriormente refletir, e ambos sentimentos vão sempre surgir, mesmo sem a observação de um objeto externo. À partir destes sentimentos e pensamentos vinculados a eles, os órgãos de clarividência são formados.
Se a planta for incluída nessa observação, será notado que o sentimento que flui dela situa-se entre os que fluem da pedra e do animal, em graduação e qualidade. Os órgãos assim formados são os olhos espirituais. Os alunos aprendem gradualmente, por meio deles, a ver algo como cores anímicas e espirituais. O mundo espiritual, com suas linhas e figuras, permanece escuro no que se aprendeu como preparação; através da iluminação este mundo torna-se luz. Aqui também deve-se notar que as palavras “escuridão” e “luz”, assim como outras expressões são utilizadas apenas para descrever aproximadamente o seu significado. Isso não pode ser de outra forma, pois a linguagem comum é utilizada apenas para se falar de condições físicas.
A ciência espiritual descreve o que flui para os órgãos de clarividência a partir da observação da pedra, por azul ou “vermelho-azulado”, e o que é sentido como provenientes do animal como vermelho ou “amarelo-avermelhado”. Na realidade, são cores de ordem espiritual que são vistas. A cor que vem da planta é verde, que se transforma um pouco em uma luz etérea rosa. A planta é, na verdade, o produto da natureza que tem sua constituição no mundo físico semelhante aos mundos superiores, em certos aspectos. O mesmo não se aplica à pedra e ao animal. Deve ser claramente entendido que as cores acima mencionadas representam apenas os principais tons no reino mineral, vegetal e animal. Na realidade, todos os possíveis tons intermediários estão presentes. Cada pedra, cada planta, cada animal tem seu próprio tom de cor. Além destes há também os seres dos mundos superiores que nunca se encarnaram fisicamente, mas que têm as suas cores, muitas vezes maravilhosas, muitas vezes horríveis. De fato, a riqueza da cor nestes mundos superiores é incomensuravelmente maior do que no mundo físico.
Uma vez que a faculdade de ver com os olhos espirituais foi adquirida, em seguida, encontra-se, mais cedo ou mais tarde, os seres aqui mencionados, alguns deles superiores, alguns inferiores do que o próprio ser-humano, mas que nunca entram na realidade física.
Se este ponto for alcançado, o caminho para uma grande jornada encontra-se aberto. Mas não é aconselhável prosseguir sem prestar atenção cuidadosa ao que é dito pelos pesquisadores espirituais. E por isso, também, ao que foi descrito, atenção para orientações de experientes são a melhor coisa. Além disso, se um homem tem a força e a resistência de viajar até agora por estas condições elementares da iluminação, ele vai certamente procurar e encontrar a orientação certa.
Mas, em qualquer circunstância, a precaução é necessária, sem a qual é melhor deixar inexplorado todos os passos do caminho para o conhecimento superior. É necessário que o aluno não perca nenhuma de suas qualidades de nobreza, bondade ou a sua receptividade para toda a realidade física. De fato, ao longo de sua formação ele deve aumentar continuamente a sua força moral, sua integridade interior e seu poder de observação. Por exemplo: durante os exercícios elementares de iluminação, o aluno deve sempre ampliar o seu amor para com os animais e o mundo humano, e sua sensação da beleza da natureza. Na falta dessa atenção tais exercícios amenizariam os sentimentos, o coração se torna duro, e os sentidos atenuados, o que só poderia levar a resultados perigosos.
Como procede a iluminação se o aluno se eleva, com os exercícios anteriores, desde a pedra, a planta e o animal, até o homem, e como, depois da iluminação, em todas as circunstâncias a união da alma com o mundo espiritual é efetuada, levando a iniciação? – esses aspectos serão tratados nos capítulos seguintes, na medida em que se pode e deve fazê-lo.
No nosso tempo o caminho para a ciência espiritual é procurado por muitos. É procurado em muitos aspectos, em muitas práticas perigosas e mesmo desprezíveis são experimentadas. É por esta razão que os que afirmam conhecer algo da verdade nesses assuntos devem colocar-se a disposição de outros para proporcionar a eles possibilidade de aprender algo com o treinamento esotérico. Aqui está sendo apenas transmitido o que está de acordo com essa possibilidade. É necessário que algo da verdade torne-se conhecido, a fim de evitar erros causando danos. Nenhum mal pode vir a qualquer um seguindo o caminho aqui descrito, desde que não se force as situações. Apenas uma coisa deve-se notar: nenhum estudante deve gastar mais tempo e força sobre estes exercícios do que ele pode, com respeito à sua condição de vida e de suas funções; também não deve mudar nada, por enquanto, nas condições da sua vida exterior através de tomar este caminho. Sem paciência não há resultados genuínos que podem ser alcançados. Depois de fazer um exercício por alguns minutos, o aluno deve ser capaz de parar e continuar em silêncio seu trabalho diário e nenhum pensamento sobre estes exercícios devem ser misturados com o trabalho do dia. Ninguém é um estudante esotérico ou nunca vai alcançar resultados de real valor se não aprendeu a esperar no maior e melhor sentido da palavra.
Rudolf Steiner
Tradução: Natália Paludo
GA 177 – Dornach, 07 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 5
Mudanças na constituição espiritual da humanidade
A constituição espiritual é tal hoje que estamos começando a conhecer verdades e percepções graves e significativas, como vocês viram. Tive de enfatizar que as percepções que a humanidade atualmente considera aceitáveis não serão adequadas para o futuro. Mas devemos saber as razões pelas quais tais percepções não são adequadas, se quisermos nos conectar com toda a seriedade e dignidade com os impulsos que realmente devem ser dados para a evolução posterior da humanidade. O que quero dizer hoje talvez seja mais bem compreendido se eu começar voltando ao quarto período pós-atlântico.
Como vocês sabem, isso começou no século VIII antes do Mistério do Gólgota e terminou no século XV depois do Mistério do Gólgota, quando os seres humanos se relacionavam essencialmente com o meio ambiente, o mundo exterior, de uma forma muito diferente da que nós inevitavelmente deve fazer hoje. Freqüentemente, frisei que a evolução humana deve ser levada a sério. As almas mudam muito mais do que acreditamos, e é parte da pura preguiça moderna da mente pensar que a vida interior era a mesma na Grécia antiga, digamos, como é hoje. Hoje, considerarei apenas um aspecto disso: a relação com o mundo que nos cerca.
Pensadores preguiçosos dirão: Os gregos e os romanos perceberam o mundo ao seu redor e nós, também, percebemos o mundo ao nosso redor; não há diferença apreciável. Oh, mas há uma diferença apreciável. Na verdade, é verdade que hoje, no início do quinto período pós-atlântico, as pessoas percebem o mundo ao seu redor, na medida em que é perceptível aos sentidos, de forma bastante diferente dos antigos gregos, por exemplo. . Os gregos também viram cores e ouviram sons; mas eles ainda viam entidades espirituais através das cores. Eles não apenas pensaram as entidades espirituais, pois se deram a conhecê-las através das cores.
Em meu livro Riddles of the Soul, tentei transformar essa peculiaridade dos gregos em um fio que percorre todo o livro. As pessoas modernas têm pensamentos. Os gregos não tinham pensamentos no mesmo grau; eles viram os pensamentos que vieram a eles do mundo que eles perceberam ao seu redor. Em vez de ser apenas azul ou vermelho, o azul e o vermelho do mundo ao seu redor diziam-lhes os pensamentos que então teriam. Isso criou um relacionamento íntimo com o mundo. Também criou uma intensa sensação de estar conectado a um ambiente que tinha qualidades espirituais. A natureza da constituição humana era totalmente diferente no quarto período pós-atlantiano e, portanto, as percepções eram diferentes.
Na evolução da Terra atual, uma distinção deve ser feita entre as épocas principais, uma descrição geral das quais é dada na Ciência Oculta – primeira e segunda eras, a era Lemuriana (3ª), a era Atlante (4ª), nossa própria era pós-Atlântida (5ª) e as duas que se seguirão (6ª e 7ª). Podemos dizer que durante a era atlante tanto a terra como a humanidade atingiram seu ponto médio. Até então tudo era crescimento e desenvolvimento. Em alguns aspectos, esse não tem sido o caso desde a era Atlante.
Certamente não é mais o caso no que diz respeito à Terra. Quando hoje caminhamos sobre o solo – já mencionei isso várias vezes -, estamos caminhando sobre algo que está se desintegrando; não é mais algo que está crescendo como nos primeiros tempos. Antes e até meados da era Atlante, a Terra era muito mais um organismo em crescimento e germinação. Em seguida, começou a desenvolver rachaduras e fissuras, podemos dizer; e foi só então que as rochas de hoje, com suas rachaduras e fissuras, se desenvolveram.
Isso é algo conhecido não apenas na Antroposofia hoje. Você encontra uma excelente descrição da divisão, fragmentação de nossa Terra atual no notável trabalho científico de Eduard Suess, The Face of the Earth. Usando pinceladas largas, ele apresenta a conformação externa da terra hoje – sua face, por assim dizer – delineando as propriedades dos minerais, rochas e as diferentes formações que podem ser encontradas tanto sobre a terra quanto dentro dela, bem como as propriedades das formas de vida orgânica no reino da terra. Baseando-se inteiramente em fatos científicos, Suess chega à conclusão de que a Terra está se decompondo e se desintegrando.
Isso, no entanto, também é verdade para todas as criaturas físicas que habitam a terra. Eles estão na curva descendente da evolução e têm estado assim, essencialmente, desde meados da era atlante. A evolução, entretanto, anda em ondas e é possível dizer que o quarto período pós-atlântico, a civilização grega e romana, foi uma espécie de recapitulação do que existia na era atlante. Até a época da Grécia antiga, portanto, não era tão evidente que a humanidade estava na curva descendente da evolução.
Era uma característica da Grécia antiga que a vida interior ainda estivesse em completa harmonia com o desenvolvimento físico – eu já falei sobre isso antes. Essa harmonia era, é claro, maior em meados da era atlante, mas foi recapitulada na Grécia antiga. A constituição humana total dos gregos antigos foi discutida em várias ocasiões, especialmente em nossa caracterização da arte grega, que sabemos ter vindo de impulsos bem diferentes dos da arte de períodos posteriores. Os gregos ainda tinham um sentimento interior pelo etérico na forma humana; eles não precisavam dos modelos de que precisamos hoje, porque sentiam a forma dentro de si. Podemos, portanto, dizer que até o tempo da Grécia antiga, o corpo humano vivo era determinado e mantido pelo meio ambiente imediato. Os seres humanos estavam intimamente ligados ao espaço imediatamente ao seu redor.
Isso mudou com o início da quinta era pós-Atlântida. Por mais estranho que possa parecer para você, é verdade dizer: Nós realmente não estamos mais neste mundo para cuidar de nossa própria organização. Ainda encarnamos, mas não mais para cuidar de nossa própria organização. Esta organização evoluiu até meados da era Atlante, ou até os tempos da Grécia Antiga. Então, os corpos humanos eram tão perfeitos quanto podem ser durante o tempo que passaram na terra. Não será até a época de Júpiter que a humanidade alcançará um nível mais alto de perfeição física.
Agora, estamos realmente aqui para fazer parte de uma curva descendente da evolução, para encarnar a fim de aprender e experimentar todos os tipos de coisas pelo próprio fato de estarmos em corpos que estão morrendo, cada vez mais se desintegrando e murchando. Estou usando termos bastante radicais. O fato é, porém, que tudo o que interiormente desenvolvemos e interiormente somos, não mais se tornará parte do corpo físico externo na mesma medida que fazia no passado. A consequência disso será todos os tipos de mudanças no nosso desenvolvimento.
Em março deste ano, uma pessoa muito importante morreu em Zurique – Franz Brentano. Você encontrará um livro de memórias em meu livro Riddles of the Soul, que deve ser publicado em breve. O livro terá três partes e um apêndice. Na primeira parte, estou discutindo a relação entre antropologia e antroposofia; na segunda parte, estou mostrando a atitude dos ‘estudiosos’ modernos em relação à antroposofia, dando Dessoir como exemplo; e na terceira parte pretendo mostrar como Franz Brentano, um homem de mente excelente, foi escravizado pela ciência moderna, mas mesmo assim chegou o mais perto que se pode chegar da antroposofia com sua psicologia.
O apêndice dará breves esboços de aspectos que, na situação presente, só podem ser tocados, embora possam fornecer o assunto de vários volumes. Eu o transformei em vários capítulos curtos no novo livro porque os tempos estão ficando cada vez mais difíceis hoje e a situação não permite um tratamento mais extenso. Com algumas das coisas que estão escritas dessa maneira atualmente, tem-se a sensação de que, de certa forma, estamos escrevendo algo como um testamento. Aqueles que estão intimamente cônscios de todo o peso dos eventos presentes, sem dúvida saberão o que quero dizer.
Uma das muitas coisas que a mente sensível de Franz Brentano produziu é um tratado sobre o gênio. Curiosamente, Brentano está realmente mostrando que não existe tal coisa como gênio, demonstrando repetidamente que um gênio tem as mesmas qualidades internas e impulsos que qualquer outra pessoa, que a memória e a capacidade de fazer conexões são apenas mais flexíveis e abrangentes no caso de um gênio, etc.
Franz Brentano cria uma ideia de gênio que difere muito da ideia usual. Temos que admitir que nossa ideia usual de gênio tende a ser muito vaga, como todas as ideias estereotipadas que as pessoas têm hoje. Em termos gerais, podemos dizer que a caracterização do gênio por Brentano não concorda com a ideia de um gênio tal como existia até agora; no entanto, concorda com o que o gênio será no futuro, pois não será o mesmo no futuro.
No passado, as pessoas eram gênios porque suas almas ainda tinham o poder, por meio da hereditariedade ou da educação, de enviar impulsos para o corpo físico que faziam com que as intuições, inspirações e imaginações de um gênio surgissem inconscientemente. O poder do gênio estava, portanto, disponível quando o corpo ainda estava em ascensão. No futuro, os corpos estarão nos descendentes e o poder não estará mais disponível. Qualquer coisa semelhante a um gênio no futuro surgirá porque os indivíduos em questão, a quem também podemos chamar de gênios, enxergam mais profundamente o mundo espiritual que está ao seu redor.
Assim, os impulsos não virão de seu aspecto físico inconsciente, mas de uma visão mais profunda do mundo espiritual. A natureza mutável do gênio fornece uma excelente demonstração da ruptura que ocorreu entre a evolução como era no passado e a evolução como será no futuro. Podemos dizer que no passado o gênio surgiu do corpo, mas no futuro isso será substituído por algo que vem do insight no reino do espírito. Uma mente sensível aos acontecimentos atuais como a de Brentano saberia disso, assim como Suess, olhando para a terra, percebeu que ela agora está morrendo.
O que está por trás de tudo isso? O fato de que os seres humanos agora se relacionam com seu ambiente de uma maneira diferente. O espaço ao nosso redor não fala mais conosco da maneira que fazia quando os corpos humanos eram “frescos”, por assim dizer. O mundo que nos rodeia é um mundo de espaço, mas não cede mais o elemento espiritual. As cores não nos falam mais como elementos cheios de espírito, os sons não revelam mais o espírito que está neles; eles se tornaram substanciais. E a natureza humana se tornou mais interior.
É estranho dizer, não é, que os seres humanos superficiais do tempo presente realmente e verdadeiramente se tornaram mais internos. Por outro lado, pode-se dizer que os seres humanos de hoje são superficiais porque, em sua encarnação atual, sua constituição interna é tal que eles simplesmente não podem alcançar seu próprio ser interior. Eles não se dão conta de sua natureza interna; eles não ganham o poder de se conhecerem; eles não descobrem o que realmente são.
Alguém que vê o mundo com os olhos do espírito vê muitas pessoas hoje que simplesmente não são elas mesmas. Corpos estão andando por aí, mas a alma não está inteiramente dentro deles. Por quê? Porque não é mais tarefa da alma entrar totalmente no corpo, que está começando a se desintegrar; em vez disso, a tarefa da alma é se preparar para o que acontecerá em Júpiter. Nossas almas estão agora mesmo fazendo preparativos para o futuro.
Esta é a situação que devemos penetrar com uma mente perceptiva. Estamos inteiramente constituídos para ouvir as palavras de um espírito cósmico: “Meu reino não é deste mundo.” Mas vai demorar muito até que os seres humanos estejam preparados para compreender esta verdade. No entanto, apesar de nossa superficialidade externa, somos cada vez menos deste mundo.
Isso, entretanto, não deve ser confundido com outra coisa. As pessoas podem muito bem acreditar que agora podem andar por aí como os seguidores de Nietzsche, que se autodenominavam “bestas fulvas”, dizendo: Estamos no mundo do espírito; não pertencemos ao mundo físico. A resposta para isso deve ser: a parte de você mesmo da qual você tem conhecimento pertence ao mundo físico; o resto é oculto; está escondido.
No entanto, temos a tarefa de usar todas as nossas faculdades de introspecção e toda a nossa força interior para nos conscientizarmos do elemento essencial em nós que não pode mais se doar completamente ao corpo, nem penetrar em todo o corpo. Devemos nos ver como candidatos à era de Júpiter. No entanto, isso só acontecerá gradualmente. Por enquanto, o ser humano ainda continua naquilo que recebe de seu ambiente. Isso significa que eles continuam em algo que está abaixo deles. A cada encarnação, nos afastamos mais e mais do corpo, de modo que até certo ponto pairamos acima dele.
Se este não fosse o caso, e as pessoas dependessem inteiramente de serem como os antigos gregos, as perspectivas de um maior desenvolvimento da humanidade seriam realmente terríveis. Por mais estranho que possa parecer, a pesquisa oculta meticulosa com o objetivo de penetrar nas leis da evolução humana revela uma verdade que pode muito bem causar desânimo à primeira vista. Mostra que em uma época não muito adiante, possivelmente já no sétimo milênio, todas as mulheres serão inférteis na terra. O murchamento e o desmoronamento de corpos humanos irão tão longe que isso acontecerá.
Pense só – se as relações que só podem surgir entre a vida interior e o corpo físico continuassem inalteradas, as pessoas não encontrariam mais nada para fazer na terra. O fato é que as mulheres não poderão mais ter filhos, antes mesmo que a Terra passe por todas as suas fases. Os seres humanos, portanto, têm que encontrar uma maneira diferente de se relacionar com a existência terrena. Os estágios finais da evolução terrestre tornarão necessário que eles prescindam de corpos físicos e, ainda assim, estejam presentes na Terra. A existência contém mais mistérios do que as pessoas gostariam de pensar quando se baseiam nas idéias primitivas da ciência moderna.
Havia um sentimento instintivo por isso no crepúsculo do quarto dia e no amanhecer da quinta era pós-atlântica. Coisas foram ditas e então relacionadas aos desenvolvimentos em nossa própria época. Eles não podiam ser entendidos, entretanto, e as pessoas freqüentemente nem mesmo entendiam a natureza humana adequadamente. Pense no ensino aparentemente brutal de Santo Agostinho, por exemplo, e também de Calvino, de que algumas pessoas estavam destinadas a ser abençoadas, outras a serem condenadas, algumas a serem boas, portanto, e outras a serem más. Essa era a doutrina.
Parece brutal. E, no entanto, vistas sob a luz certa, tais doutrinas não parecem totalmente erradas. Muitas coisas que parecem erradas também são, até certo ponto, relativamente certas. O conhecimento da natureza humana na época de Santo Agostinho e nos séculos que se seguiram não se relacionava realmente com a mente e o espírito humanos – como você sabe, o espírito humano foi decretado como inexistente no Concílio de Constantinopla – mas com o ser humano que caminha pela terra. Vamos tentar colocar o mais claramente possível do que se trata realmente.
Podeis encontrar uma pessoa e depois outra, e nos termos de Santo Agostinho poderíamos dizer: esta está destinada ao bem e aquela ao mal. Mas apenas o corpo físico externo, não a personalidade individual. Este último nem mesmo foi discutido nos dias de Agostinho. Se você tem várias pessoas – mas só passou a ter significado em tempos mais recentes e não teria significado na época dos gregos antigos – essas são as almas humanas; eles, é claro, moldam seus próprios destinos. Nenhum impulso vem da predestinação. Mas eles moram em corpos destinados ao bem ou ao mal.
À medida que a evolução da Terra progride, os seres humanos serão cada vez menos capazes de desenvolver suas almas paralelamente aos seus corpos. Por que, então, não deveria ser possível a um indivíduo encarnar em um corpo, cuja constituição inteira o destina ao mal? O indivíduo ainda pode ser bom dentro desse corpo, pois a conexão com o físico se tornou menos próxima. Esta, então, é outra verdade embaraçosa, mas uma verdade que devemos fazer valer.
Em suma, os seres humanos estão se tornando cada vez mais introvertidos e devemos seriamente perceber que, durante as épocas finais da evolução terrestre, eles se retirarão do corpo físico externo. No entanto, será necessária a realidade brutal dos fatos para que os seres humanos aceitem essas coisas, e isso só pode ser feito gradualmente, como já disse em várias ocasiões. Os fatos os forçarão a saber essas coisas.
Olhando para a forma como as pessoas aparecem hoje externamente, obtemos uma imagem. Olhando para a maneira como eles não aparecem imediatamente externamente, obtemos outra imagem. Hoje, as duas imagens não estão mais em total concordância e irão concordar cada vez menos com o passar do tempo. É realmente necessário que as pessoas hoje não confiem inteiramente nas aparências externas se desejam formar uma idéia; eles têm que basear suas idéias nas coisas que influenciam os seres humanos a partir do espírito.
No futuro, ideias como essas serão particularmente vitais em tudo relacionado à política, às ciências sociais e assim por diante, e especialmente também à esfera da educação. As ideias que vêm do mundo natural e não do mundo espiritual não podem mais atender adequadamente às necessidades humanas. Daí as teorias políticas e sociais inadequadas que temos hoje. As pessoas querem basear seu julgamento apenas em seu ambiente físico; eles não querem ser inspirados por nada de natureza espiritual. Esta é a razão pela qual suas teorias e programas políticos são tão inadequados. Estamos vivendo em uma época em que programas como o que Woodrow Wilson está apresentando não são mais apropriados; a era exige programas mundiais criados a partir de outras profundezas. Precisará da ajuda do espírito para fazer programas mundiais hoje.
As pessoas ainda não chegaram ao ponto, entretanto, em que possam realmente estar cônscios da verdade de tudo o que acabei de lhe contar. Eles estão se arrastando para trás. Eles têm sido pessoas da quinta era pós-Atlântida por muito tempo, mas ainda querem pensar como pessoas da quarta era pós-Atlântida. Isso era certo, era ótimo e verdadeiramente em harmonia nos tempos da Grécia Antiga. É totalmente errado, entretanto, pensar como um grego hoje.
Os gregos receberam tudo o que precisavam de seu ambiente, um ambiente que não existe mais hoje. Em muitos aspectos, nota-se, em primeiro lugar, uma forma de ódio ou antipatia – o ódio sendo apenas outro aspecto do medo – quando se trata de olhar para dentro do ser humano. As pessoas querem se limitar ao aspecto externo. E assim obtemos ecos do passado que nada mais são do que ecos de uma época em que os seres humanos não tinham controle total sobre suas vidas.
Um fenômeno muito interessante, que eu peço que você dê uma boa olhada, é o seguinte:
Imagine que temos várias pessoas juntando suas cabeças, em uma reunião, digamos – mentes iluminadas estão se encontrando o tempo todo hoje em dia. Bem, o elemento espiritual real já se separou até certo ponto; realmente não está mais inteiramente presente nessas cabeças, pois se tornou interior. Se houver pensadores presentes na reunião, mesmo pensadores superficiais, as verdadeiras cabeças ficam escondidas – as pessoas que estão sentadas não têm consciência delas. E então pode ser que você tenha reuniões, ou indivíduos, com velhas idéias funcionando como um relógio nas cabeças físicas visíveis. Essas pessoas não têm idéia das demandas de nosso tempo, mas suas mentes automáticas podem trazer todos os tipos de ecos do passado. É interessante que essas coisas aconteçam de vez em quando.
Em 1912, uma ciência chamada eugenética foi estabelecida em Londres. As pessoas tendem a usar nomes falados para qualquer coisa que seja particularmente estúpida. As ideias que você encontra na eugenética realmente vêm do cérebro das pessoas e não de suas almas. Quais são os objetivos desta ciência? Garantir que no futuro apenas nasçam indivíduos saudáveis ??e não inferiores; A economia e a antropologia devem unir forças para descobrir as leis segundo as quais homens e mulheres devem ser reunidos de modo que uma raça forte seja produzida.
As pessoas estão realmente começando a pensar dessa maneira. O ideal do congresso de Londres, que foi presidido pelo filho de Darwin, era examinar pessoas de diferentes classes para ver quão grandes eram os crânios dos ricos comparados aos dos pobres, que têm menos oportunidade de aprender; quão longe foi a sensibilidade em ricos e em pobres; até que ponto os ricos poderiam resistir ao cansaço e até que ponto os pobres fariam isso, e assim por diante. Eles querem obter informações sobre o corpo humano dessa forma, o que pode, no futuro, permitir que eles estabeleçam exatamente o seguinte: é assim que o homem deve ser, é assim que a mulher deve ser, se eles quiserem produzir o verdadeiro humano ser do futuro; ele deveria ter essa capacidade de se cansar e ela, essa capacidade; este tamanho de crânio para ele e um tamanho correspondente para ela, e assim por diante.
Esses são os estrondos, estrondos naturais, em cérebros que estão vazios de alma; idéias retumbando sobre as quais tinham realidade na era atlante. Na verdade, havia leis que permitiam às pessoas determinar o tamanho, o crescimento e todos os tipos de coisas por meio de cruzamentos e coisas do gênero. Era uma ciência amplamente difundida na época da Atlântida e – como mencionei ontem – extremamente mal utilizada. A ciência atlante trabalhava com base nas relações físicas e sabia-se que se tal homem fosse trazido junto com tal mulher – as diferenças entre homens e mulheres eram muito maiores na época – o resultado seria tal e tal criatura, e então uma variedade diferente poderia ser produzida – exatamente como os criadores de plantas fazem hoje.
Os Mistérios trouxeram ordem a este cruzamento, onde elementos relacionados e diferentes foram reunidos. Eles estabeleceram grupos e retiraram tudo o que tinha que ser retirado da humanidade. A mais negra das magias negras era praticada na época da Atlântida, e a ordem foi criada estabelecendo-se classes e tirando esses assuntos do controle humano. Este foi um dos fatores que levaram às nações e raças de hoje. A questão da nação como uma entidade está surgindo novamente em nossos tempos; é um eco do cérebro sem alma dos tempos da Atlântida. Fala-se muito sobre questões nacionais hoje. Mas é apenas o corpo falando. O espírito se retirou e já pertence a um mundo totalmente diferente hoje.
Aí você tem a discrepância entre a realidade e o discurso sobre o “princípio da nacionalidade” que continua hoje. Isso nunca levará a nada de bom; se a política é baseada em questões relacionadas às nações, que não são mais questões atuais porque a alma pertence a ordens e reinos inteiramente diferentes daqueles que vêm a se expressar em nossa natureza física, isso inevitavelmente nos levará ao caos repetidamente. Tudo isso deve ser conhecido, e só pode ser conhecido por meio da antroposofia. Esses ruídos em cérebros esvaziados de alma são a razão pela qual as idéias de que os seres humanos devem ser produzidos com base em certas leis estão agora surgindo novamente.
Outra coisa também revela os rumores de ideias ultrapassadas, ideias que ainda podem estar ativas em cérebros secos, mas que não vêm mais da alma. A alma precisa ser fortalecida para que a antroposofia possa entrar nela. Então as pessoas falarão de sua realidade individual novamente.
Você sem dúvida ouviu falar de todas as bobagens que recebemos agora, com todos os tipos de pessoas diferentes mostrando ser o que são à luz da psicopatologia. Basta que alguém escreva um poema decente; o médico imediatamente lhe dirá que doença ele tem. Assim, temos todos os tipos de tratados – sobre Viktor Scheffel do ponto de vista do psiquiatra, sobre Nietzsche do ponto de vista do psiquiatra e sobre Conrad Ferdinand Meyer do ponto de vista do psiquiatra. Lendo nas entrelinhas, sentimos que os autores desses livros estão dizendo: pena que ele não recebeu tratamento a tempo. Se ele tivesse recebido tratamento na hora certa, alguém como Conrad Ferdinand Meyer, por exemplo, não teria escrito o tipo de coisas que escreveu, pois foram inteiramente escritas a partir de um estado doentio.
Faz parte do espírito de nossa época que nenhuma atenção seja dada à interioridade crescente dos seres humanos individuais. Às vezes, isso deve inevitavelmente ter o efeito, especialmente em alguém como Conrad Ferdinand Meyer, de o corpo físico externo mostrar sinais de doença, de modo que a vida interior possa atingir o nível espiritual mais elevado em uma obra de arte, totalmente independente do corpo físico.
Não estou trazendo essas coisas para criticá-los. Do ponto de vista puramente médico, eles estão, é claro, corretos; não há nada a ser dito contra eles. É igualmente possível fazer outra coisa do ponto de vista puramente médico. Você pode pegar os evangelhos e mostrar, a partir de várias coisas, que Jesus Cristo – aquele indivíduo estranho – existiu porque alguns elementos patológicos bastante específicos se juntaram. De fato, esse livro foi escrito e qualquer pessoa pode lê-lo. Outro livro mostra que tudo o que veio do indivíduo chamado Jesus só poderia ter vindo desse indivíduo porque ele estava sofrendo de uma doença específica.
Devemos penetrar todas essas coisas com nosso entendimento se quisermos entrar nos desenvolvimentos presentes. Quero discutir especialmente a questão da educação neste contexto, para mostrar a vocês que hoje as crianças em crescimento não podem ser consideradas de uma forma que enfoca apenas as coisas que se manifestam externamente. Se assim fosse, nossos esforços educacionais às vezes simplesmente não alcançariam o elemento que agora está se tornando cada vez mais interior. Essas coisas não são devidamente levadas em consideração hoje, e é por isso que há tão pouco entendimento e tanto filistinismo.
Em alguns aspectos, o filistinismo é o oposto de uma verdadeira compreensão da natureza humana, pois os filisteus sempre gostam de seguir a norma. Qualquer coisa que não se encaixe nisso é considerada anormal. Mas isso não vai nos ajudar a entender o mundo que nos cerca e, acima de tudo, os outros seres humanos. Uma das coisas que devemos encorajar em nossa Sociedade Antroposófica é aprender a compreender os seres humanos para que possamos dar a devida consideração à natureza individual dos outros. Os indivíduos diferem muito mais uns dos outros do que se pensa, pois a alma humana não se relaciona mais inteiramente com o corpo e isso torna os seres humanos muito complexos hoje.
Isso, é claro, tem outras consequências, embora o assunto seja tratado de maneira um tanto desajeitada hoje; devemos esperar que a antroposofia ajude as pessoas a se tornarem menos desajeitadas com isso. Considere, na Grécia antiga, o corpo inteiro era preenchido com a alma inteira, e eles estavam de acordo. Hoje não é assim, pois os corpos estão parcialmente vazios. Não estou dizendo nada depreciativo sobre cabeças vazias; eles permanecerão vazios como parte da evolução. Na realidade, porém, nada fica vazio neste mundo. As cabeças estão simplesmente vazias de algo que estava destinado a enchê-las em outro momento. Nada está completamente vazio.
Com a alma humana se afastando cada vez mais do corpo, o corpo está cada vez mais em perigo de ser preenchido com outra coisa. E se os seres humanos não estiverem preparados para assumir impulsos que só podem vir do conhecimento espiritual, o corpo ficará cheio de poderes demoníacos. A humanidade está enfrentando um destino em que o corpo pode ser preenchido com poderes demoníacos arimânicos. Portanto, temos que acrescentar ao que eu disse ontem sobre o desenvolvimento futuro: haverá pessoas no futuro que são Tom, Dick e Harry na vida comum, o que é determinado pelas circunstâncias sociais, mas seus corpos estarão vazios a tal ponto que um poderoso espírito ahrimanico pode viver neles. Você encontrará demônios arimânicos. Os seres humanos não serão o que parecem ser. A pessoa individual estará bem no fundo, e externamente obterá uma imagem totalmente diferente.
Isso mostra a complexidade da vida por vir. É razoável dizer que haverá situações no futuro em que será difícil saber com quem se está lidando. O desejo de Ricarda Huch pelo diabo realmente surge do que virá no futuro. As instituições e ideias, especialmente as ideias sociais que as pessoas têm hoje, são abstratas e grosseiras; eles são desajeitados diante das complexidades que estão por vir. E porque as pessoas não são capazes de ter idéias ou conceitos sobre a verdadeira natureza das coisas, elas estão caindo cada vez mais profundamente no caos – os eventos da guerra deixam isso bem claro.
O caos está surgindo porque a realidade mudou; a realidade está se tornando mais completa e rica do que qualquer coisa que as pessoas sejam capazes de pensar ou criar em suas cabeças. E devemos ter claro em nossas mentes que estamos diante de uma escolha: continuar batendo uns nos outros até virar polpa, atirando uns nos outros, como fazemos agora, porque não sabemos como pôr ordem em o mundo ou, comece a desenvolver conceitos e ideias para corresponder à complexidade da situação.
Deve existir um movimento espiritual onde as pessoas busquem desenvolver conceitos que atendam à situação real. Haverá um grande número de pessoas no futuro que desejarão seguir os rumores do passado – hoje elas ainda são minoria. Seus conceitos, idéias e ações serão baseados no mundo exterior ao seu redor e no fato de que seus corpos estão sendo preenchidos com o espírito ahrimanico que deseja que formem tais idéias. Não devemos nos enganar, pois nos deparamos com um movimento bastante específico. No Concílio de Constantinopla foi decretado que o espírito não existia; foi dogmaticamente afirmado que o ser humano consistia apenas de corpo e alma, e era uma heresia falar de um espírito humano. Da mesma forma, serão feitas tentativas de decretar a alma, a vida interior, como inexistente.
Chegará o tempo – e pode não estar muito longe – em que tendências bem diferentes surgirão em um congresso como o de 1912 e as pessoas dirão: É patológico para as pessoas até mesmo pensar em termos de espírito e alma. Pessoas ‘sadias’ não falarão de nada além do corpo. Será considerado um sinal de doença qualquer pessoa chegar à idéia de algo como um espírito ou uma alma. As pessoas que pensam assim serão consideradas doentes e – você pode ter certeza disso – encontrará um remédio para isso. Em Constantinopla, o espírito tornou-se inexistente. A alma se tornará inexistente com a ajuda de uma droga. Do “ponto de vista sólido”, as pessoas vão inventar uma vacina para influenciar o organismo o mais cedo possível, de preferência assim que nascer, para que este corpo humano nunca tenha a ideia de que existe uma alma e um espírito.
As duas filosofias de vida estarão em completa oposição. Um movimento precisará refletir como os conceitos e ideias podem ser desenvolvidos para atender à realidade da alma e do espírito. Os demais, herdeiros do materialismo moderno, buscarão a vacina para tornar o corpo ‘saudável’, ou seja, faça sua constituição de tal forma que este corpo não fale mais de porcarias como alma e espírito, mas tenha uma visão ‘sadia’. das forças que vivem nos motores e na química e permitem que os planetas e sóis surjam das nebulosas do cosmos. Os médicos materialistas serão solicitados a expulsar as almas da humanidade.
As pessoas que pensam que as ideias lúdicas os ajudarão a olhar para o futuro estão muito enganadas. Precisamos de ideias sérias e profundas para olhar para o futuro. A antroposofia não é um jogo, nem apenas uma teoria; é uma tarefa que deve ser enfrentada em prol da evolução humana.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 07 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 06 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 4
Os Espíritos Elementais do Nascimento e da Morte
Como eu disse em minhas palestras anteriores, chegou a hora da humanidade conhecer certas verdades a respeito da formação espiritual do mundo físico. Se as pessoas não estiverem preparadas para aceitar essas verdades por sua própria boa vontade, serão forçadas a aprendê-las com os terríveis acontecimentos que acontecerão no caminhar do tempo.
Pode surgir a questão do porquê agora é a hora da humanidade aprender essas verdades, algumas das quais podem chocar as pessoas. É claro que elas existem há muito tempo, mas a humanidade em geral foi protegida delas e não teve que aceitá-las. Muitas dessas verdades foram cuidadosamente guardadas nos mistérios antigos, como você sabe, para que as pessoas nas áreas circundantes não fossem expostas ao efeito perturbador dessas verdades. Bem, muitas vezes temos dito que é o medo das grandes verdades que impede as pessoas de aceitá-las. Aqueles que têm esse medo hoje – e de fato existem muitos deles – poderiam, é claro, dizer: Por que a humanidade não pode continuar em uma espécie de estado de sono no que diz respeito a essas verdades? Do jeito que está, as pessoas ficaram tensas e amedrontadas nos últimos tempos, e por que deveriam ser expostas a essas grandes e temíveis verdades?
Examinemos esta questão, antes de tudo considerando por que doravante a humanidade tem de ser tratada de maneira diferente, por assim dizer, pelo mundo espiritual, do que tem sido o caso até agora nesta era pós-Atlântida.
Em minhas palestras anteriores, falei do mundo não físico que faz fronteira diretamente com o nosso mundo físico. Este é o mundo que a humanidade precisará conhecer no tempo que está por vir. Você sabe, assim que você entra em um mundo não físico, tudo é diferente de como é aqui. Você conhece certas entidades e, acima de tudo, coisas de uma natureza especial que estão escondidas da visão da humanidade fraca – “visão” aqui inclui qualquer coisa transmitida em insights e ideias.
Por que o olho humano foi desviado deste outro mundo na era pós-Atlântida, até o momento presente? É porque existem entidades neste mundo vizinho – e além, mundos superiores estão além dele – que só poderiam ser conhecidos pelos seres humanos sob certas condições. Eles têm uma função específica em todo o universo e principalmente na evolução humana. Existem muitos tipos diferentes dessas entidades na outra região.
Hoje quero falar com vocês sobre uma classe de tais entidades, a classe cuja função no grande esquema das coisas está conectada com o nascimento e a morte humanos. Você nunca deve acreditar que o nascimento e a morte humanos são realmente como se apresentam aos sentidos. Entidades espirituais estão envolvidas quando um ser humano entra neste mundo físico vindo do mundo não físico, e então o deixa novamente para o mundo não físico. Para dar-lhes um nome, vamos chamá-los de “espíritos elementais do nascimento e da morte” por enquanto.
É verdade que os indivíduos que até agora eram iniciados nos Mistérios consideravam seu estrito dever de não falar às pessoas em geral sobre esses espíritos elementais de nascimento e morte. Se alguém fosse falar deles, e de toda a maneira como esses espíritos elementais vivem, estaria falando de algo que pareceria carvão em brasa para as pessoas, pois foi assim que a humanidade se desenvolveu na era pós-Atlântida. . Também podemos usar outra analogia. Se as pessoas souberem mais sobre a natureza essencial desses espíritos elementais de nascimento e morte e o fizerem com plena consciência, passarão a conhecer poderes que são inimigos da vida no mundo físico.
Qualquer pessoa com sentimentos mais ou menos normais, ainda hoje, ficará abalada ao aprender a verdade de que, a fim de provocar o nascimento e a morte no mundo físico, os espíritos divinos que guiam os destinos do mundo devem usar espíritos elementais que na verdade são os inimigos de tudo o que os seres humanos buscam e desejam para seu bem-estar aqui no mundo físico. Se tudo fosse feito apenas para atender aos desejos dos seres humanos – estar confortável neste mundo físico, estar bem e saudáveis quando vamos dormir e acordar novamente e continuar nosso trabalho – se todos os espíritos fossem de uma espécie para cuidar que tivéssemos uma vida tão confortável, nascimento e morte não poderiam existir. Para ocasionar o nascimento e a morte, os deuses precisam de entidades cujas mentes e toda maneira de ver o mundo lhes dêem o desejo de destruir e devastar tudo que provê o bem-estar dos seres humanos aqui no mundo físico.
Temos que nos acostumar com a ideia de que o mundo não é feito como as pessoas realmente gostariam que fosse e que existe o elemento que nos mistérios egípcios era conhecido como “necessidade de ferro”. Como parte dessa necessidade férrea, entidades hostis ao mundo físico são usadas pelos deuses para provocar o nascimento e a morte dos seres humanos.
Portanto, estamos olhando para um mundo que está imediatamente próximo ao nosso, um mundo que dia a dia, hora a hora, tem relação com o nosso próprio mundo, pois os processos de nascimento e morte acontecem todos os dias e todas as horas aqui na terra . No momento em que os seres humanos cruzam o limiar para o outro mundo, eles entram em uma esfera onde as entidades vivem e são ativas, cuja conduta, pontos de vista e desejos são destrutivos para a vida física humana comum. Se isso tivesse sido dado a conhecer a pessoas fora dos Mistérios antes, se as pessoas tivessem tido uma ideia dessas entidades, o seguinte teria inevitavelmente acontecido.
Se as pessoas que são totalmente incapazes de lidar com seus instintos e impulsos, com suas paixões, soubessem que entidades destrutivas estão presentes ao seu redor o tempo todo, elas teriam usado os poderes dessas entidades destrutivas. Eles não os teriam usado da maneira que os deuses fazem no nascimento e na morte, porém, mas dentro do reino da vida física. Se as pessoas sentissem o desejo de ser destrutivas em uma esfera ou outra, teriam ampla oportunidade de fazer com que essas entidades as servissem, pois é fácil fazê-las nos servir. Essa verdade foi mantida oculta para proteger a vida comum dos destrutivos espíritos elementais do nascimento e da morte.
A questão é: não devemos continuar a mantê-los ocultos? Isso não é possível, e por razões bastante específicas, uma das quais está ligada a uma grande e importante lei cósmica. Eu poderia lhe dar uma fórmula geral, mas será melhor usar a forma real que ela está assumindo agora e no futuro imediato para demonstrar essa lei a vocês. Como vocês sabem, não faz muito tempo, um número crescente de impulsos que não existiam antes entraram na evolução humana e que são bastante característicos de nossa civilização atual. Tente e volte em sua mente a tempos não muito atrás. Você encontrará épocas em que não havia locomotivas a vapor, quando as pessoas ainda não usavam eletricidade como fazemos agora; tempos talvez em que apenas pensadores como Leonardo da Vinci pudessem ter a ideia, teoricamente e com base em experimentos, de que os humanos poderiam criar aparelhos que lhes permitissem voar.
Tudo isso se concretizou em um tempo relativamente curto. Basta considerar o quanto depende do uso do vapor, da eletricidade, das mudanças na densidade atmosférica que tornaram possíveis os dirigíveis ou do conhecimento da estática que levou ao avião. Considere tudo o que entrou na evolução humana nos últimos tempos. Pense nos poderes destrutivos da dinamite, etc., e você pode facilmente imaginar, vendo quão rapidamente isso aconteceu, que coisas novas e diferentes fabulosas desse tipo serão o objetivo do futuro esforço humano. Acho que você pode ver facilmente que o ideal para um futuro próximo será não ter mais e mais Goethes, mas mais e mais Edisons. Este é realmente o ideal da humanidade moderna.
É claro que as pessoas modernas acreditam que tudo isso – o telégrafo, os telefones, o uso de energia a vapor, etc. – acontece sem a participação de entidades espirituais. Contudo, este não é o caso. O desenvolvimento da civilização humana envolve a participação de espíritos elementais, mesmo que as pessoas não saibam disso. Os materialistas modernos imaginam que o telefone e o telégrafo, e as máquinas a vapor que percorrem longas distâncias e também são usadas por fazendeiros, foram construídos apenas com base no que as pessoas produzem com o suor de sua testa. Tudo o que as pessoas fazem a esse respeito está sob a influência de espíritos elementais. Eles estão sempre envolvidos e nos ajudando nisso. As pessoas não estão tomando a iniciativa por conta própria neste campo – elas são guiadas. Em laboratórios, oficinas, realmente em todos os lugares onde o espírito de invenção está ativo, os espíritos elementais estão fornecendo a inspiração.
Os espíritos elementais que impulsionaram nossa civilização a partir do século XVIII são do mesmo tipo que os usados ??pelos deuses para provocar o nascimento e a morte. Este é um dos mistérios que o ser humano deve descobrir hoje. E a lei da história mundial da qual falei é que, à medida que a evolução avança, os deuses sempre governam por um tempo dentro de uma esfera particular de espíritos elementais e então os seres humanos entram nessa mesma esfera e usam os espíritos elementais. Em tempos anteriores, os espíritos elementais de nascimento e morte serviam essencialmente aos espíritos divinos que guiavam o mundo; desde nossos dias – e isso já dura há algum tempo – os espíritos elementais do nascimento e da morte estão servindo à tecnologia, à indústria e ao comércio humano. É importante permitir que essa verdade perturbadora entre em nossa alma com todo o seu poder e intensidade.
Algo está acontecendo neste quinto período de civilização pós-atlante que é semelhante a algo que aconteceu nos tempos atlantes, durante o quarto período atlante. Já falei sobre isso antes. Até o quarto período atlante, os espíritos divinos que guiam a evolução humana usaram certos espíritos elementais. Eles tiveram que usá-los porque não apenas o nascimento e a morte tiveram que acontecer naquela época, mas também outra coisa, que pode ser considerada mais próxima da terra. Você se lembrará de algumas das descrições que dei da era atlante, quando os seres humanos ainda eram flexíveis em sua natureza física e suas almas podiam fazer seus corpos crescerem ou permanecerem como anões, com sua aparência externa dependendo de sua natureza interna.
Por favor, lembre-se disso novamente. Hoje, o serviço que certos espíritos elementais prestam aos espíritos divinos nas ocasiões de nascimento e morte é claramente aparente em termos físicos. Naquela época, quando a aparência externa estava de acordo com a natureza interna, certos espíritos elementais serviam aos deuses por toda a vida humana. Quando a era Atlante atingiu seu quarto período, as pessoas começaram novamente a governar os espíritos elementais, que antes eram usados ??pelos deuses, para governar o crescimento e a fisionomia geral dos seres humanos. Os seres humanos ganharam o controle de certos poderes divinos e fizeram uso deles.
A consequência foi que, por volta da metade da era Atlante, era possível para indivíduos que desejavam prejudicar seus semelhantes, usar todos os tipos de poderes criativos sobre eles – mantendo-os do tamanho de anões ou transformando-os em gigantes, ou permitindo o organismo físico se desenvolve de tal forma que o indivíduo em questão seria uma pessoa inteligente ou um cretino. Um terrível poder estava em mãos humanas em meados da era atlante. Você sabe, pois chamei a atenção para isso, que isso não foi mantido em segredo, embora sem qualquer tipo de intenção maligna.
De acordo com uma das leis da história mundial, algo que inicialmente era obra dos deuses tinha que se tornar obra de seres humanos. Isso levou a sérios danos na era atlante, de modo que nos últimos quatro ou três períodos toda a civilização atlante teve de ser guiada para sua própria destruição. Nossa própria civilização foi salva e trazida da Atlântida, como descrevi em outro lugar, e você deve se lembrar de minhas descrições do que aconteceu na era atlante.
Nos últimos três ou dois períodos da civilização pós-Atlântida no quinto estágio da evolução da Terra, o trabalho agora feito pelos deuses voltará a ser trabalho a ser feito pela humanidade. Estamos apenas nos primeiros estágios das atividades tecnológicas, industriais e comerciais que prosseguem sob a influência dos espíritos elementais do nascimento e da morte. Essa influência e seus efeitos serão cada vez mais radicais. Até agora, os espíritos elementais do nascimento e da morte foram guiados pelos deuses e sua influência foi limitada ao surgimento e desaparecimento dos humanos no nível físico. Mas a civilização de nossa época e da idade futura deve ser tal que esses espíritos possam ser ativos na tecnologia, na indústria, no comércio e assim por diante.
Há também outro aspecto bastante específico nisso. Como eu disse, esses espíritos elementais são inimigos do bem-estar humano e querem destruí-lo. Precisamos ver as coisas com clareza e não ter ilusões quanto à natureza radical disso. A civilização deve progredir nas áreas de tecnologia, indústria e comércio. Mas, por sua própria natureza, tal civilização não pode servir ao bem-estar da humanidade no mundo físico; isso só pode ser destrutivo para o bem-estar humano.
Esta será uma verdade intragável para quem nunca se cansa de fazer grandes discursos sobre os tremendos avanços da civilização moderna, pois vêem as coisas em termos abstratos e não sabem nada da ascensão e queda que fazem parte da evolução humana. Fiz uma breve referência às causas da destruição na Atlântida. A civilização comercial, industrial e tecnológica que agora está em seus primórdios abriga elementos que levarão ao declínio e queda do quinto período terrestre. E só vemos as coisas direitinho e encaramos a realidade se admitirmos que estamos aqui começando a trabalhar em algo que deve levar à catástrofe.
Isso é o que significa entrar na necessidade de ferro. Procurando uma saída fácil, as pessoas podem dizer: Tudo bem, não vou pegar o bonde. Pode até ir tão longe – embora seja improvável que mesmo os membros da Sociedade Antroposófica levem as coisas tão longe – que as pessoas não embarcarão em trens, e assim por diante. Isso seria um absurdo completo, é claro. Não se trata de evitar as coisas, mas de obter uma imagem clara, uma visão real das necessidades férreas da evolução humana. A civilização não pode continuar em uma tendência ascendente ininterrupta; tem que passar por uma sucessão de ondas crescentes e descendentes.
Há, entretanto, algo mais que pode acontecer, algo que as pessoas geralmente não querem saber hoje, mas que é exatamente o que a humanidade moderna terá que descobrir. Insight – uma imagem clara da necessidade que existe – é o que deve ocorrer a todas as mentes humanas. Isso necessariamente significará que muito terá que mudar no estado de espírito com que consideramos o mundo. Os seres humanos precisarão viver com impulsos internos que ainda preferem ignorar hoje, pois vão contra a boa vida que desejam. Existem muitos desses impulsos. Deixe-me dar apenas um exemplo.
As pessoas hoje, especialmente se desejam ser boas, nada desejando para si mesmas, mas apenas sendo altruístas e desejando o bem dos outros, certamente buscarão desenvolver certas virtudes. Essas também são “necessidades de ferro”. Agora, é claro, não há nada a ser dito contra o desejo de virtude, mas o problema é que as pessoas não desejam apenas ser virtuosas. É muito bom querer ser virtuoso, mas essas pessoas querem mais. Se olharmos para as profundezas inconscientes da alma humana, descobriremos que, atualmente, as pessoas não estão realmente muito preocupadas em desenvolver as verdadeiras virtudes.
É muito mais importante para elas serem capazes de se sentirem virtuosas, de se entregarem inteiramente a um estado de espírito em que possam dizer: ‘Sou verdadeiramente altruísta, olhe para todas as coisas que faço para melhorar a mim mesmo! Eu sou perfeito, sou gentil, sou alguém que não acredita em autoridade. ‘Eles irão então, é claro, seguir avidamente todos os tipos de autoridades. Sentir-se realmente bem na consciência de ter uma virtude particular ou outra é infinitamente mais importante para as pessoas hoje do que realmente ter essa virtude. Eles querem sentir que têm a virtude, em vez de praticá-la.
Como resultado, certos segredos relacionados com as virtudes permanecem ocultos para eles. São segredos que as pessoas instintivamente sentem que não querem saber, especialmente se forem idealistas modernos que gostam de se sentir bem da maneira que descrevi. Todos os tipos de ideais são representados pelas sociedades hoje. Programas são feitos, e uma sociedade declara seus princípios, que são para conseguir uma coisa ou outra. As coisas que as pessoas desejam alcançar dessa forma podem ser muito legais, mas encontrar algo legal de uma forma abstrata não é suficiente. As pessoas devem aprender a pensar em termos de realidade.
Vejamos o aspecto da realidade quando se trata de pessoas que têm virtudes. Perfeição, benevolência, belas virtudes, direitos – é bom tê-los todos na esfera social externa. No entanto, quando as pessoas dizem: ‘É nosso programa alcançar a perfeição de uma maneira particular, a benevolência em alguma direção particular, pretendemos estabelecer um direito específico’, elas geralmente consideram isso como algo absoluto que pode ser realizado como tal . ‘Certamente’, as pessoas dirão, “deve ser bom ser cada vez mais perfeito?” E “que melhor ideal pode haver senão ter um programa que nos tornará cada vez mais perfeitos?”
Mas isso não está de acordo com a lei da realidade. É certo e bom ser cada vez mais perfeito, ou, pelo menos, ter como objetivo sê-lo, mas quando as pessoas estão realmente buscando ser perfeitas em uma determinada direção, essa busca pela perfeição, depois de um tempo, mudará para o que na realidade é imperfeição. Ocorre uma mudança por meio da qual o desejo de perfeição se torna uma fraqueza. Depois de algum tempo, a benevolência se tornará um comportamento prejudicial. E, por melhor que seja o certo que você deseja concretizar – ele se tornará um erro com o passar do tempo. A realidade é que não existem absolutos neste mundo. Você trabalha por algo que é bom, e o jeito do mundo vai transformá-lo em algo ruim. Portanto, devemos buscar sempre novos caminhos, buscar novas formas continuamente. Isso é o que realmente importa.
A oscilação do pêndulo governa todos esses esforços humanos. Nada é mais prejudicial do que a crença em ideais absolutos, pois eles estão em desacordo com o verdadeiro curso da evolução mundial.
Uma boa maneira de demonstrar as coisas – não para provar, mas apenas para ilustrar – é usar certas idéias. E, até certo ponto, as idéias das ciências físicas podem ser usadas como símbolos para ilustrar idéias não físicas. Imagine que temos um pêndulo suspenso aqui (desenho no quadro). Agora veja, se você levar o pêndulo a este ponto, a um extremo, e então o soltar, ele irá a este ponto para encontrar seu equilíbrio. Ele segue este caminho. Por que isso acontece? Porque está sujeito à gravidade, dizem as pessoas. Ele desce, mas assim que atinge o ponto mais baixo, ele não para lá.
O movimento descendente confere-lhe uma certa inércia, que utiliza para se deslocar para o outro lado. Em seguida, desce novamente. Isso significa que quando o pêndulo percorre essa distância, o movimento para baixo lhe dá energia suficiente para balançar para o outro lado. Isso fornece uma analogia que pode ser usada para dar uma imagem visual forte de uma coisa ou de outra. Assim, podemos dizer: Uma virtude – perfeição, benevolência – vai nessa direção, mas depois vai na direção oposta. A perfeição se torna fraqueza, a benevolência, adoração acrítica e o certo se transforma em errado no curso da evolução.
As pessoas preferem não considerar essas idéias hoje. Imagine tentar explicar a um cidadão sólido de classe média que está estabelecendo uma sociedade que servirá a certos ideais: Você agora está estabelecendo um ideal, mas, ao torná-lo parte do processo de evolução, você criará o efeito oposto, e você o fará em um tempo relativamente curto. Bem, ele pensaria que você não é apenas um idealista, mas um verdadeiro demônio. Por que o esforço para ser perfeito não deve ir em direção à perfeição crescente, e por que o certo não deve continuar a ser certo para todo o sempre?
É extremamente difícil para as pessoas hoje ter ideias baseadas na realidade em vez de ideias que são abstrações unilaterais. No entanto, eles terão que aprender a ter tais idéias, pois não progredirão sem elas. Eles também terão que se acostumar com a idéia de que o progresso na civilização gradualmente tornará necessário que usemos os espíritos elementais do nascimento e da morte. E ao fazer isso, a humanidade terá que conviver com o fato de que um elemento destrutivo se torna parte da evolução humana.
De vez em quando, as pessoas que se recusam a se familiarizar com a antroposofia – que é o único meio de encontrar a atitude certa para essas coisas – encontram as idéias certas por si mesmas, por instinto. Qual é o significado de tudo isso? Os espíritos elementais do nascimento e da morte são, é claro, mensageiros de Ahriman. A necessidade férrea da evolução mundial força os deuses a usar os mensageiros de Ahriman para controlar o nascimento e a morte. Quando eles pedem aos espíritos elementais que ajam em seu nome, eles não permitem que os poderes desses mensageiros entrem no mundo físico.
Mas, à medida que a civilização entra em declínio, a partir do quinto período pós-Atlântida, esse elemento tem que entrar novamente, para que a catástrofe possa acontecer. Os seres humanos devem usar esses poderes eles próprios. Os mensageiros de Ahriman são, portanto, uma necessidade férrea; eles têm que causar a destruição que levará ao próximo passo à frente na civilização. Esta é uma verdade terrível, mas é assim. E nada valerá no que diz respeito a esta verdade, a não ser conhecê-la e vê-la claramente. Discutiremos isso mais adiante e você verá quantas coisas existem que exigem a atitude correta para com essas verdades.
O instinto, já disse, faz algumas pessoas perceberem que algo é necessário. Uma dessas pessoas é Ricarda Huch, que escreveu vários livros excelentes atualmente – embora nenhum que de alguma forma chegue perto da antroposofia. Seu último trabalho, sobre a fé de Lutero, é notável – não tanto por causa do insight, mas por causa do instinto encontrado neste livro. Se você ler os três primeiros capítulos do livro, encontrará um grito estranho – acho que podemos chamá-lo assim – um grito para que a humanidade reencontre o que realmente se perdeu desde que Lutero entrou em cena. Antes de seu tempo, a clarividência atávica ainda existia. Ricarda Huch diz que o que a humanidade mais precisa hoje é conhecer o diabo. Ela não considera tão necessário que as pessoas conheçam a Deus; é muito mais importante, diz ela, conhecer o diabo.
Ricarda Huch não sabe, é claro, por que isso é necessário, mas tem a sensação instintiva de que é assim. Daí seu grito notável por conhecimento do diabo nos primeiros capítulos do livro. Isso é altamente sintomático e significativo para o nosso tempo. Seu pensamento é: As pessoas conhecerão a Deus novamente quando souberem que o diabo está ao seu redor. Indivíduos como esse, que ainda não desejam se dedicar à antroposofia, sempre buscarão uma forma de se desculpar por suas afirmações. Ricarda Huch sente que as pessoas devem conhecer o diabo como alguém muito real; mas ela imediatamente diz, como uma espécie de desculpa, que não se deve, é claro, imaginar o diabo andando na rua com chifres e rabo. Oh, mas ele anda por aí!
“Eles nunca sabem que o diabo está por perto, Nem mesmo quando ele os tem pelo colarinho.”
O pensamento abstrato moderno precisa imediatamente de um pedido de desculpas, mesmo que alguém saiba instintivamente o que é mais urgentemente necessário. Mas há um instinto bom e real para o tempo presente por trás desse grito pelo demônio. As pessoas não devem simplesmente crescer cegamente, como se estivessem adormecidas, para o que a necessidade férrea exige delas no futuro imediato, que é usar os mensageiros do diabo em nosso trabalho em laboratórios, oficinas, bancos e em qualquer outro lugar. Eles têm que usá-los para que a civilização possa progredir; mas eles devem conhecer o diabo, eles devem saber que as chaves que são usadas, digamos, para destrancar os cofres têm o poder do diabo neles. Ricarda Huch sabe disso instintivamente, e as pessoas precisam saber disso, pois somente o conhecimento nos levará ao futuro da maneira certa. É muito importante que existam pessoas que, por instinto, apontam para a necessidade que existe de conhecer o diabo e não passar por ele adormecido, pois ele está cada vez mais poderoso.
Talvez haja algo mais característico – menciono-o apenas de passagem: também no Paraíso, foi uma mulher que, instintivamente, permitiu que as funções do demônio entrassem no Paraíso. Acho que não é muito para o crédito dos homens em nossa civilização que eles ainda chamem esse tipo de coisa de superstição e se recusem a ter qualquer coisa a ver com isso, mais uma vez deixando para uma mulher. De fato, pode ser característico que uma mulher, Ricarda Huch, esteja chamando o diabo, assim como uma vez no paraíso foi Eva quem deixou o diabo entrar. Este é apenas um comentário passageiro.
É o diabo quem deve e será ser o portador de nossa futura civilização. Esta é uma verdade dura, mas é importante. Está intimamente ligado ao fato de que poderes destrutivos terão que entrar no progresso futuro da civilização. Acima de tudo – e falarei disso amanhã – os poderes destrutivos terão de entrar em todo o campo da educação, e especialmente na educação das crianças, a menos que o assunto seja tratado com sabedoria. Por causa da tendência geral da civilização e das práticas e emoções habituais das pessoas, os poderes destrutivos também entrarão cada vez mais em toda a esfera social. Acima de tudo, eles vão trazer mais e mais destruição às relações reais entre as pessoas.
A humanidade deve buscar realizar as palavras de Cristo: ‘Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estou Eu no meio deles.’ O progresso tecnológico e comercial não trará isso à realização, mas antes: Onde dois ou mais querem lutar e se agredir em meu nome, aí estou eu no meio deles. Isso vai acontecer cada vez mais na vida social e por isso há uma dificuldade geral hoje em apresentar verdades que irão aproximar as pessoas.
Vamos concluir sendo claros em nossas mentes, pelo menos por enquanto – continuaremos com o assunto amanhã e depois de amanhã – sobre o estado de espírito com que as pessoas geralmente recebem as verdades. As pessoas não gostam de ouvir verdades hoje porque simplesmente não acreditam que a verdade seja algo que vem aos seres humanos diretamente do mundo do Espírito. As pessoas modernas acreditam que a verdade deve sempre ser algo cultivado em seu próprio jardim. As pessoas na casa dos vinte anos têm seu próprio ponto de vista, não precisam ser convencidas de uma verdade, não precisam que a verdade lhes seja revelada, elas têm seu próprio ponto de vista.
E alguém que lutou ansiosamente pela verdade, um jovem de vinte e quatro anos, que acabou de terminar a universidade onde pode ter assistido a aulas de filosofia – ele tem seu ponto de vista e entra em discussão com outro que também lutou ansiosamente por sua própria verdade. Cada um deles acredita que a verdade absoluta certa cresce em seu próprio jardim, mesmo que o solo não tenha sido preparado. As pessoas não estão inclinadas a receber verdades; eles se anunciam como possuidores da verdade. Este é o elemento característico da atualidade.
Ricarda Huch disse isso de maneira muito simpática. Ela ressalta que, no período do Iluminismo na Europa, nosso estado de espírito atual, ou chamem-no como quiserem, que está absolutamente inundado de chauvinismo, foi precedido pelo nietzscheanismo, que era muito mais sublime do que qualquer coisa ligada ao orgulho nativo e ao chauvinismo. . Muitas, muitas pessoas se tornaram seguidores de Nietzsche e foi ele quem estabeleceu o ideal da “besta fulva”. Na verdade, as pessoas não tinham ideia do que isso significava. Ricarda Huch diz: Pessoas que nem mesmo tinham o que é preciso para ser um coelho de estimação decente se imaginavam como “bestas fulvas” do tipo apresentado por Nietzsche.
Aí você tem o ponto de vista burguês moderno. Não se tem o que é preciso para ser um coelho decente, mas se alguém estabelece um ideal elevado – é assim que gosta de se ver! A pessoa se considera isso, sem fazer nada para alcançá-lo. As pessoas não sentem que precisam se desenvolver, pois não suportam a ideia de ser algo no futuro; eles querem ser algo agora. Isso os divide em átomos humanos, cada um com seu próprio ponto de vista, sem ninguém capaz de entender ninguém.
Lá, neste estado de espírito onde ninguém pode entender ninguém, você vê os poderes destrutivos em ação na sociedade humana. Isso está separando as pessoas. É claro que foi o diabo que apresentou às pessoas a tentação de serem “bestas fulvas”. Na verdade, eles não se tornaram tais bestas, mas, mesmo assim, os impulsos do século XIX que destroem a vida social no século XX certamente criaram raízes. Continuaremos com isso amanhã.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 06 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 01 de outubro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 3
A busca pelo mundo perfeito
Minha intenção é dar uma série de palestras que permitirá que você entenda o tempo presente e o futuro imediato em alguns aspectos, pelo menos. Deve ser um todo coerente, mas às vezes pode ser necessário retroceder muito. Haverá um fio contínuo através de tudo, mas eu pediria que você visse as partes sempre no contexto do todo. Às vezes, irei longe para coletar o material de que precisamos para entender o tempo presente, e parte dele pode parecer remoto.
Quando digo “o tempo presente”, quero dizer um período de tempo bastante longo, voltando várias décadas e também olhando décadas para a frente. É importante perceber que será necessário apresentar verdades baseadas na ciência do Espírito que, em muitos aspectos, vão totalmente contra as crenças atuais e geralmente aceitas. O mundo tem opiniões que não apenas divergem, mas muitas vezes são o oposto direto das verdades que devem ser faladas a partir da antroposofia. É de se esperar, portanto, que as pessoas considerem essas verdades incríveis, distorcidas e totalmente tolas.
Quando verdades que diferiam das visões geralmente aceitas tiveram que ser ditas no passado, a fim de abrir um caminho para o futuro, a diferença entre essas verdades e a opinião comum provavelmente nunca foi tão marcada como inevitavelmente é hoje. Pode não ser absolutamente o caso, mas, relativamente falando, é assim, porque as pessoas são tremendamente intolerantes em seus corações hoje e menos capazes de aceitar pontos de vista diferentes dos seus.
No futuro imediato, as pessoas sentirão, mais fortemente do que nunca, que as novas e diferentes visões apresentadas a elas são fantasiosas e absurdas. No entanto, verdades que até agora eram guardadas de perto por pequenos grupos de pessoas, com estrito silêncio exigido de qualquer pessoa a quem fossem divulgadas, devem ser cada vez mais tornadas públicas. Não importa como a opinião pública e aqueles que a defendem reajam a essas verdades; tampouco importam os preconceitos e as contra-correntes por eles provocados.
A razão para isso será discutida posteriormente nestas palestras. Para começar, devo falar sobre algumas das maneiras pelas quais as pessoas reagirão às verdades hoje e no futuro imediato. As pessoas acreditam que há muito superaram as ilusões e superstições do passado, mas em alguns aspectos estão inteiramente entregues à ilusão. Há uma tendência crescente de viver na ilusão a respeito de alguns aspectos importantes e essenciais do grande esquema das coisas, e isso a tal ponto que essas ilusões se tornam poderes que governam o mundo, as nações e, na verdade, toda a terra. É importante perceber isso, pois as idéias ilusórias são um elemento importante no caos em que nos encontramos hoje; na verdade, elas criam o caos.
Deixe-me falar sobre uma ilusão comum que existe hoje e está intimamente ligada às tendências materialistas da época. É a tendência crescente de formar opiniões totalmente erradas sobre o que na ciência do espírito é chamado de plano físico. E as palavras do Novo Testamento que são fundamentais a esse respeito: ‘Meu reino não é deste mundo’, são cada vez menos compreendidas hoje. Eles são mal compreendidos na medida em que as principais personalidades do mundo exterior são apanhadas na ilusão de que seu reino deveria ser em grande parte deste mundo físico.
O que eu quero dizer? Qualquer um que seja capaz de ver a realidade e ver através dela sabe que este mundo no plano físico nunca pode alcançar a perfeição. No entanto, as pessoas que pensam materialmente têm a ilusão de que a perfeição pode ser alcançada no plano físico. Essa é a fonte de muitas outras ilusões e, de modo particular e característico, da ilusão socialista da época atual.
As ilusões das pessoas vêm em todas as matrizes de significado; elas são coloridas pela política partidária e assim por diante. Pessoas que têm uma visão liberal do mundo e da vida construíram seu próprio ideal do mundo físico e acreditam que, se perceberem isso, teremos o paraíso na terra. Tudo o que os socialistas são capazes de pensar é em como organizar as coisas neste plano físico para que todos possam viver o que consideram uma vida boa, igual para todos, e assim por diante. Sua visão do futuro neste plano físico é de um paraíso maravilhoso. Examinem os programas apresentados por pessoas que se consideram pertencentes a muitos partidos socialistas diferentes e vocês verão por si mesmos.
Elas não são as únicas pessoas, é claro, que têm esses pontos de vista e opiniões. Os professores também fazem, por exemplo. Hoje, todo agitador e escritor educacional está absolutamente convencido de que cabe a ele estabelecer o melhor sistema educacional possível, os melhores princípios de educação que se possa imaginar. E, em um sentido absoluto, eles realmente são os melhores, não se pode imaginar nada melhor.
Portanto, você tem o tipo de ilusão que surge de premissas inteiramente materialistas. Muitos dizem que acreditam no mundo do espírito, mas para muitos deles isso são meras palavras, nada além de ar quente. Em seus corações mais profundos, em seus sentimentos e impulsos inconscientes, vive algo diferente – a inclinação para pensar materialisticamente. Por mais que as pessoas finjam para si mesmas que acreditam em outra coisa, na realidade elas acreditam apenas no mundo físico.
E uma vez que eles não acreditam em nada mais do que apenas no mundo físico ao seu redor, o único ideal que eles podem possivelmente ter é organizar as coisas no mundo físico de tal forma que se torne um paraíso; caso contrário, o mundo inteiro não faria sentido para eles. Até que os materialistas estejam preparados para dizer que o mundo não faz sentido algum, eles só podem viver na ilusão de que, por mais imperfeito que seja este mundo físico, será possível criar condições que acabarão com a imperfeição e permitirão que a perfeição aconteça seu lugar.
Tudo o que vem à tona hoje a este respeito – em termos gerais, com todos os tipos de agitadores políticos, sociais e outros fazendo grandes palavras sobre isso, ou em casos específicos, como na educação – é baseado na ilusão porque as pessoas não conseguem ver as conexões entre o mundo físico e as outras esferas do mundo. De forma alguma eles podem ter uma ideia do que Jesus Cristo quis dizer quando disse: ‘Meu reino não é deste mundo’, e por que Jesus Cristo não queria trazer um reino de perfeição à realização aqui no mundo físico.
Não há nada nos evangelhos que mostre que Cristo pretendia reformar este reino exterior do mundo físico e torná-lo perfeito. Ele certamente não nutria essa ilusão. Mas ele compensou essa falta de desejo de estabelecer o paraíso no mundo físico dando às pessoas algo que não é deste mundo: para deixar entrar em suas almas impulsos que estão sempre vivos no mundo, mas não são deste mundo físico.
Ilusões desse tipo dominam a raça humana hoje no sentido mais amplo possível, e isso cria um clima doentio. As pessoas são indivíduos livres e, portanto, livres para viver na ilusão. Em contextos mais realistas, suas ilusões seriam imediatamente vistas como ilusões. Quando lidamos com objetos físicos, os tolos que inventam coisas que apenas funcionam em teoria são imediatamente vistos como iludidos. Não é imediatamente óbvio, no entanto, no vasto campo da vida social e política.
A seguinte história é uma que já contei antes. Quando eu era um jovem de 22 ou 23 anos, um dos meus colegas estudantes veio até mim um dia, com a cabeça brilhando, totalmente entusiasmado, e me disse que acabara de fazer uma invenção importante que marcou época. Oh, eu disse, isso é bom; O que você vai fazer com isso? Bem, ele disse, terei que ir ver Ratinger – nosso professor de engenharia mecânica na universidade – e contar a ele sobre isso. “Dito e feito” e ele foi embora. Ratinger não estava livre no momento, então o aluno voltou; ele tinha um encontro marcado para mais tarde.
Então eu disse a ele: por que você não me fala sobre isso enquanto isso? Temos algum tempo de sobra. Conte-me sobre sua invenção. Foi uma coisa muito inteligente. Ele havia inventado uma máquina a vapor que precisava apenas de uma pequena quantidade de carvão para aquecê-la; depois disso, não seria mais necessário carvão, pois um mecanismo especial o mantinha funcionando por conta própria. Bastava apenas iniciá-lo. Isso certamente marcaria época! Você deve estar se perguntando por que não temos hoje. Pedi que ele explicasse tudo para mim e então disse a ele: sabe, isso é muito inteligente; mas se olharmos para tudo, não é diferente de querer colocar um caminhão ferroviário entrando nele e empurrando o máximo que pudermos por dentro. Alguém que está do lado de fora pode, é claro, fazer com que ele se mova, mas ninguém lá dentro não fará com que ele se mova um milímetro, mesmo que aplique a mesma quantidade de energia. Isso é o que tudo se resumiu.
As coisas podem ser extremamente lógicas e inteligentes, desenvolvidas pela aplicação de todos os tipos de princípios técnicos, e ainda assim podem ser um absurdo, tendo sido pensadas sem levar em conta a realidade. O que importa não é ser meramente inteligente ou lógico, mas se relacionar com a realidade. No final, o aluno nunca foi ver o professor.
Quando se está lidando com matéria física e mecânica, isso logo ficará óbvio. Mas em assuntos sociais e políticos, e com referência ao que em seu sentido mais amplo pode ser definido como fazer todos felizes, não será imediatamente óbvio. Você pode facilmente apresentar ideias exatamente desse tipo; as pessoas ficarão impressionadas e acreditarão em você. No entanto, é tudo uma questão de estar dentro do caminhão e empurrar de lá.
Chegará o tempo em que uma certa característica básica do tempo presente poderá realmente ser rotulada com um nome particular, um nome que tipificará uma forma de pensar que no fundo é totalmente ilusória e irreal. Tenho certeza de que no futuro as pessoas falarão do ‘wilsonianismo’ do início do século XX. Pois as ideias de Wilson são típicas de quem quer empurrar um caminhão ferroviário por dentro.
Todas as ideias básicas do “wilsonianismo” que tanto impressionam hoje são totalmente irreais, embora também tenham uma grande influência nas pessoas por outras razões. Elas são poderosas pela razão de que não podem ser realizadas. Qualquer tentativa de implementá-las logo as mostraria como sem sentido. Mas as pessoas são capazes de imaginar que elas poderiam ser implementadas. Se fôssemos capazes de implementar as idéias wilsonianas, o filistinismo mundial seria realizado em todo o mundo.
Woodrow Wilson realmente merece ser feito o salvador universal do filistinismo geral. É claro que os filisteus não fariam muito bem em um mundo organizado por Wilson, o que de qualquer forma não pode ser realizado, mas pelo menos eles imaginam que se as ideias de Wilson conquistassem o mundo, seríamos capazes de viver de acordo com nossos ideais.
Chegará o tempo em que as pessoas dirão: No início do século XX, surgiu um ideal peculiar, que era fazer do mundo uma imagem perfeita dos ideais filisteus ou burgueses. As ideias de Wilson serão analisadas um dia e apresentadas como típicas do início do século XX.
Veja, temos não apenas pequenos, mas também grandes exemplos de idéias ilusórias em nosso tempo. Essas ilusões e idéias irreais não são sustentadas por seitas de outro mundo, mas por grupos cujas crenças se espalham por toda parte.
Verdades genuínas importantes e vitais devem agora ser proclamadas ao mundo. Pelas razões e devido ao tipo de condições que estivemos discutindo, eles mostrarão pouca relação com as opiniões gerais de hoje. Diferentes condições devem ser criadas para permitir que as pessoas entendam a verdade. As verdades que inevitavelmente devem surgir são repulsivas para muitas pessoas hoje; elas são totalmente desconfortáveis. As verdades que as pessoas gostam e pedem são verdades convenientes, pois é assim que as pessoas são hoje.
Algumas dessas verdades incômodas terão de ser apresentadas no decorrer dessas palestras. Elas precisam ser conhecidas por um sentimento de responsabilidade e, acima de tudo, devem relacionar-se não apenas com o plano físico. Eles devem romper as ilusões que as pessoas têm do plano físico e oferecer a realidade em vez da fantasia. As pessoas mais irrealistas e cheias de fantasia hoje são aquelas que se consideram mais ou menos totalmente realistas. Fazemos as descobertas mais estranhas a esse respeito.
Algumas dessas verdades incômodas terão de ser apresentadas na coleção. Recentemente, foi enviada uma espécie de léxico listando os nomes dos escritores. Pretende listar os nomes de todos os escritores que têm uma conexão com o Judaísmo e qualquer coisa que busque trazer o Judaísmo à realização neste mundo. Sou um dos escritores listados no livro, porque, segundo o autor do léxico, tenho muitas semelhanças com Inácio de Loyola, que se afirma ter fundado os Jesuítas precisamente por causa de seu judaísmo.
Além disso, venho de uma região fronteiriça entre alemães e eslavos – onde por acaso nasci, embora minha família certamente não seja de lá – e, aparentemente, o fato de eu vir de lá indica que sou de origem judia – Eu não tenho ideia do porquê. Isso realmente não me surpreende, pois acho que você concordará que coisas ainda mais estranhas são publicadas hoje. Mas o léxico também inclui Hermann Bahr como alguém que está promovendo o judaísmo – eu estava apenas folheando o livro. No entanto, ele é um austríaco absoluto. É realmente impossível pensar em qualquer maneira pela qual ele possa estar conectado com sangue judeu ou algo semelhante. No entanto, esse léxico literário cita um conhecido historiador literário dizendo que Hermann Bahr definitivamente tinha traços judaicos.
Bem, quando me disseram que eu era judeu em uma ocasião – essas coisas não são novas – eu mandei fazer uma fotografia do meu certificado de batismo. Hermann Bahr também teve que pular esses obstáculos, porque um historiador literário disse que ele era judeu. Bahr queria estabelecer a verdade. O historiador literário então disse: bem, seu avô pode ter sido um judeu. Mas simplesmente não é possível encontrar nada na família de Bahr que não seja absolutamente alemão da Alta Áustria. É claro que isso foi um constrangimento para o historiador literário, mas ele se aferraria à sua opinião.
Ele foi mais longe a ponto de dizer que se Hermann Bahr fosse realmente apresentar os certificados de batismo das últimas doze gerações para mostrar que ele não teve uma gota de sangue judeu em qualquer lugar, então ele, o historiador, acreditaria na reencarnação se forçado a fazê-lo. Então você vê, a razão para acreditar na reencarnação é altamente peculiar no caso deste renomado e amplamente lido historiador literário.
Há momentos hoje em que é realmente difícil levar a sério o que é dito por pessoas famosas. É uma pena, claro, que seja tão difícil convencer o público em geral disso. As pessoas têm o hábito de acreditar na autoridade, apesar do fato de que as pessoas modernas não acreditam em autoridade, é claro! Essa, pelo menos, é a opinião deles. Ontem pudemos aprender algo sobre as opiniões que as pessoas têm de si mesmas.
Hoje, quando os instintos básicos das pessoas às vezes as levam tão longe da verdade, é extremamente difícil aceitar as verdades relativas à região que faz fronteira imediatamente com o mundo físico. Para caracterizar qualquer coisa relacionada a essa região, é preciso apelar para mentes saudáveis e incorruptas, e isso apresenta as maiores dificuldades que se possa imaginar. Pois quando se trata das verdades que agora devem ser tornadas conhecidas, toda a constituição da alma humana será afetada, mesmo que as pessoas apenas as conheçam, aos poucos ganham percepção direta delas.
O conhecimento externo sobre o mundo físico tem um certo efeito – digamos, na cabeça humana. Mas verdades que vão fundo, mesmo que apenas na profundidade em que se relacionam com o mundo imediatamente próximo ao mundo físico, tocam todo o ser humano e não apenas a cabeça. Para proclamar tais verdades, deve-se ser capaz de depender de uma mente sã e incorrupta.
Em muitas esferas da vida hoje, uma mente sã e incorrupta é quase uma raridade, enquanto mentes doentias e corruptas estão longe de ser incomuns. E a maneira como os indivíduos aceitam as verdades hoje revela fortemente a natureza particular de sua vida de instintos e impulsos, toda a constituição de suas almas e seu estado de espírito. Pessoas com instintos corruptos que não desejam aplicar algum grau de disciplina em seus estilos de vida tendem a adotar uma atitude completamente determinada pela mente vil, particularmente quando as verdades a serem aceitas se relacionam com o mundo que faz fronteira com o mundo físico.
Isso acontece muito facilmente. Se as pessoas não têm um interesse objetivo saudável no que acontece no mundo, se elas estão essencialmente interessadas apenas em qualquer coisa que se relacione com elas, isso muitas vezes corrompe sua mente e atitudes a tal ponto que elas não têm os instintos corretos para verdades ocultas e particularmente para verdades relacionadas ao mundo que faz fronteira com o mundo físico.
Com respeito ao mundo físico e qualquer coisa relacionada a ele, e a todos os grandes avanços que a humanidade fez, acho que posso dizer que a natureza física garante que essa corrupção não vá muito longe nas mentes humanas. As pessoas estão confinadas aos Limites impostos pela natureza física; eles não podem ir muito longe com seus instintos e têm que obedecer às leis da natureza. Quando passamos do mundo físico para aquele que faz fronteira com ele, não estamos mais nas rédeas; a orientação deve assumir outra forma e uma certeza interna diferente é necessária.
Isso só é possível, entretanto, se a mente for incorrupta à medida que vamos além do nível físico; caso contrário, perderemos todo o controle naquela outra região onde não somos mais controlados pela natureza física, nem por preconceitos sociais e tradicionais. De repente, estamos completamente livres e não podemos suportar tal liberdade. Por exemplo, o mundo físico tem muitas maneiras de impedir as pessoas de mentir: se alguém dissesse às 6 horas da tarde que o sol acabara de nascer, a natureza logo demonstraria que isso estava errado.
É assim com muitas coisas relacionadas ao mundo físico. Se as pessoas insistem em falar bobagens sobre coisas relacionadas aos mundos superiores, mesmo que seja apenas aquele imediatamente próximo ao nosso, o mundo físico não mostrará imediatamente que estão erradas. Essa, então, é a razão pela qual as pessoas podem perder todo o controle se correrem para escapar da disciplina que é imposta no mundo físico.
Aqui temos um dos grandes problemas que podem surgir quando verdades relacionadas ao mundo não físico são apresentadas. No entanto, a resposta sempre tem que ser que é simplesmente necessário apresentar essas verdades hoje. Não devemos esquecer que as verdades relacionadas ao mundo não físico não podem ser recebidas no mesmo estado de espírito que as verdades relacionadas ao mundo físico. Para recebê-los, devemos afrouxar ligeiramente os corpos etérico e astral; caso contrário, ouviremos apenas palavras.
O estado de espírito tem que ser tal – e com referência aos fenômenos da vida interior subjetiva, é meramente um estado de espírito – que para qualquer compreensão real das coisas do espírito é preciso soltar um pouco os corpos etérico e astral . Esse afrouxamento deve ser apenas um meio de obter compreensão do mundo espiritual. Não deve se tornar um fim em si mesmo; isso seria um assunto muito sério.
Imagine – para tomar um caso extremo – alguém vem a uma palestra antroposófica, não para obter insights sobre os reinos do espírito, o que seria a coisa certa, mas porque ele pensa que isso é verdadeiramente místico. Enquanto ouvia, ele deixava as palavras fluírem através dele, por assim dizer, porque isso soltaria ligeiramente o corpo etérico e o corpo astral. As pessoas certamente assistem a palestras desse tipo, às vezes também para aquelas sobre ciência pseudo-espiritual, e ouvem em uma espécie de êxtase sonolento; eles não estão realmente interessados no conteúdo, mas mais na sensação de prazer voluptuoso que surge quando o corpo etérico e o corpo astral saem parcialmente do corpo físico. Pode haver outras situações na vida em que estar assim ‘fora’, ou ‘aquecido’, é uma coisa boa; mas não é nada bom quando se trata de revelar as verdades relacionadas às coisas do espírito.
Isso deve ser bem compreendido. Se as verdades espirituais forem bem compreendidas, e se as pessoas forem com toda a seriedade seguindo as linhas de pensamento usadas para desenvolver conceitos que podem tornar o mundo do espírito acessível ao nosso entendimento, sua humanidade será aprimorada e eles aprenderão as coisas que devem ser conhecidas na atualidade pela salvação e desenvolvimento futuro da humanidade. As pessoas que incorporam essas verdades da maneira certa também verão seus impulsos e instintos enobrecidos e elevados a um nível mais alto. Por meramente ouvir as verdades espirituais, eles passam por um desenvolvimento que é para o bem.
Qualquer um que não esteja disposto a aceitar as verdades antroposóficas neste sentido, mas talvez o esteja fazendo por algum tipo de interesse puramente pessoal – digamos que ele deseja pertencer a uma sociedade e não encontrou outra que se adequasse a ele tão bem quanto a Sociedade Antroposófica faz – qualquer um que venha para esta Sociedade com interesses pessoais pode de fato descobrir que as verdades espirituais irão antes de tudo ativar os instintos inferiores, e talvez até mesmo os mais baixos de todos.
Portanto, não é uma surpresa que pessoas que realmente não deveriam ser membros, mas, no entanto, vêm e ouvem tais coisas, descubram seus instintos mais baixos. É algo que não pode ser evitado neste momento, pois essas coisas têm de ser tornadas públicas e é difícil traçar o limite. O caminho certo só será encontrado se aqueles que têm a justificativa interior para fazer parte de tal movimento usarem seu julgamento bem desperto e se responsabilizarem. Pessoas que, de alguma forma, defendem interesses pessoais, antes ou depois de deixar a Sociedade, apenas mostram que nunca deveriam ter sido membros. E eu acho que não é realmente difícil distinguir entre interesses pessoais e interesse na compreensão objetiva.
Mas não é surpreendente que, na situação que surge – porque agora é necessário tornar as coisas geralmente conhecidas, aconteça repetidamente que alguns dos instintos da natureza humana inferior venham à tona. Os perigos potenciais devem ser considerados de forma consciente e clara e devem ser encontrados meios para corrigi-los. Se tomarmos a atitude correta em relação a esses perigos, certamente seremos capazes de enfrentá-los.
Esta é uma época – é parte da situação caótica em que nos encontramos – em que aberrações desse tipo estão longe de ser incomuns. A trágica situação de hoje exige tremendas forças dos poderes de muitas pessoas. É verdade que as pessoas que não tinham o hábito de trabalhar arduamente pelo coletivo, em vez de meramente por interesses pessoais, realmente aprenderam a trabalhar arduamente nos últimos três anos. Muitas pessoas aprenderam a trabalhar e a adquirir interesses coletivos.
As pessoas que realmente pertencem ao nosso movimento vieram para ele mais do que por interesse pessoal. Não obstante, a época atual oferece enormes oportunidades para uma espécie de atitude marginal preguiçosa. A constelação específica criada pela guerra significa que algumas pessoas realmente não têm nada para ocupar. Se eles fazem parte do nosso movimento, também estarão cientes disso. Antes da guerra, tínhamos muitas viagens de palestras; uma grande quantidade de pessoas se reunia e viajava de uma palestra para a seguinte.
Pode ter faltado interesse externo, mas era possível encontrar entusiasmo e, se não viesse de fora, as pessoas criariam seus próprios entusiasmos. Agora isso se tornou difícil. Isso não pode ser feito. No entanto, algumas pessoas não encontraram uma maneira de se ocupar de forma útil. E é por isso que uma atitude de forasteiro preguiçoso pode ser encontrada em nossas fileiras exatamente neste momento, com as pessoas passando o tempo criando todos os tipos de oposição. Sendo incapazes de obter a emoção de viajar de um ciclo de palestras para outro, eles encontram outras maneiras de se entreter. Isso apenas mostra a verdadeira natureza do interesse que anteriormente os fazia viajar de um ciclo de palestras para outro.
Quando existe uma obrigação inerente de representar as verdades antroposóficas perante o mundo, com toda a seriedade e dignidade, você também sabe que mais de cinquenta em uma audiência de cem podem muito bem se tornar oponentes. Isso é uma lei; É a maneira que é. Se esses cinquenta por cento dessas pessoas não se tornarem realmente oponentes, haverá uma razão para isso, mas não será porque eles são consistentes. Por razões que já foram apresentadas e outras que serão apresentadas, é assim que as coisas são.
Alguém que representa verdades antroposóficas, portanto, não fica nem um pouco surpreso se houver oposição. Podemos pegar os pontos que esses oponentes insistem em apresentar o tempo todo, coisas que eles geralmente sabem melhor do que ninguém que não são verdadeiras – pois eles, é claro, sabem que não são verdadeiras – mas seria muito mais útil considerar as fontes de onde tal oposição surgiu.
Todos os tipos de coisas peculiares acontecerão quando o fizermos, e então não nos sentiremos mais inclinados a abordar os pontos que nossos oponentes desejam que abordemos. Em vez disso, vamos descobrir seus verdadeiros motivos. Às vezes, isso pode ser mais difícil do que responder aos pontos que a oposição está apresentando. Pense em todos os anos em que as palestras foram dadas aqui e como foi necessário dizer repetidamente as mesmas coisas que também estou dizendo hoje, embora isso seja sempre apontado. Mas é preciso considerá-los com profunda seriedade e dignidade, e considerá-los de uma forma que seja própria para um movimento antroposófico.
Acredite em mim, tenho coisas mais importantes a fazer, se devo liderar este movimento e ser totalmente responsável por ele, do que levar em consideração o fato de que três ou quatro pessoas, ou mesmo mais se você quiser, se reúnam e inventar todos tipos de fofoca. Tenho coisas mais importantes a fazer e nunca sinto vontade de entrar nesse assunto. Mas infelizmente isso é tão pouco compreendido! Mesmo dentro desta Sociedade, há mais interesse em empolgação e sensação do que genuíno interesse científico. Do ponto de vista científico é, por exemplo, interessante estudar não apenas plantas úteis, mas também venenosas, mas é preciso encontrar o ponto de vista correto.
Muito poucos daqueles que professam seguir a ciência espiritual antroposófica têm a menor noção da imensa seriedade e importância do que realmente deveria ser. Perdoe-me por dizer isso. Se houvesse a seriedade correta e se a importância disso fosse realmente compreendida, as atitudes das pessoas seriam, em muitos aspectos, muito diferentes do que são. É claro que não estou dizendo que as pessoas deveriam voltar sua atenção para outro lugar. Muito pelo contrário: não devemos desviar nossa atenção dos fenômenos que vão de mãos dadas com a vontade de destruir esse movimento antroposófico. Mas temos que encontrar a abordagem certa.
As pessoas podem, por exemplo, escrever volumes das maneiras nas quais eu me contradisse em minhas de minhas obras escritas e com referência a todos os tipos de outras coisas. Uma maneira de contra-atacar isso seria dizer que Lutero demonstrou ter se contradito de centenas de maneiras, não apenas algumas dezenas. Sua resposta foi: Esses asnos estão falando de contradições em minhas obras. Eu gostaria que eles se esforçassem para tentar entender apenas uma das coisas que parece estar em contradição com outras coisas! Então, uma maneira seria apontar algo assim. Mas não há necessidade disso. Pois quando as pessoas falam em oposição hoje, não é porque estejam interessadas em encontrar e revelar contradições, mas por uma razão bem diferente.
Alguém ofereceu um manuscrito a Philosophisch-Anthroposophischer Verlag, por exemplo. A editora não pôde usá-lo e, portanto, o devolveu ao autor. A partir desse momento, o autor, que até então corria atrás de mim por onde eu ia, passou a ser meu adversário. A verdadeira razão não era que ele tivesse encontrado contradições. Se essa fosse a verdadeira razão, poderíamos usar as palavras de Lutero. Mas não podemos fazer isso, pois o indivíduo em questão só pode ser visto em suas verdadeiras cores se soubermos que ele está dando vazão à sua raiva porque a editora não conseguiu publicar seu livro. Esse foi o verdadeiro motivo. Portanto, se simplesmente ouvirmos o que as pessoas dizem, teremos poucas oportunidades de chegar à verdade – tão poucas, talvez, quanto o historiador literário que se converteria à reencarnação se isso lhe permitisse continuar na crença de que Hermann Bahr tinha Conexões judaicas. A conversão seria necessária se ele recebesse certificados de batismo cristão pelos ancestrais de Hermann Bahr até a décima segunda geração.
Muito se fala sobre a coragem que as pessoas estão demonstrando hoje. Para afirmar as verdades de que a humanidade precisa hoje, no sentido de que falei, será necessário um tipo bem diferente de coragem – uma coragem interior. Mas o lugar onde essa coragem deveria estar na alma é ocupado pela covardia, pela relutância em agir, e isso é tremendamente difundido. Em muitos aspectos, é devido a essa covardia que a ciência espiritual antroposófica acha tão difícil abrir seu caminho hoje.
Ela abrirá seu caminho. Mas não se deve sentar e aceitar; não se deve pensar que as coisas correrão bem sem o envolvimento humano. Uma coisa com a qual você terá de se acostumar – e será diferente do que está acostumado até agora – é que eu mesmo terei de ser muito menos suave em alguns aspectos do que fui até agora. Não pense que é porque mudei minha vontade e intenção; você deve procurar as razões na situação existente.
Você terá que entender que não posso deixar o movimento que devo representar antes do mundo ir para os cães de qualquer maneira. Perdoe a expressão. Estão envolvidos deveres mais elevados do que as pessoas podem sonhar. Não posso estar envolvido em quaisquer excitações ou sensações que algum grupo ou conjunto possa desejar. Deve-se levar em consideração muitos interesses e impulsos gerais e mais importantes do que as ambições puramente pessoais que regem um ou outro grupo de pessoas. Para encontrar a forma correta de apresentar a antroposofia, simplesmente devemos ser capazes de deixar de lado o elemento puramente pessoal que para muitos é praticamente a única coisa que lhes interessa hoje.
E, portanto, devo concluir aqui hoje com algo que também tenho dito em todos os outros lugares onde tenho falado nestes dias. Muitos membros da nossa ciência antroposófica do espírito são verdadeiramente dedicados e têm uma ideia clara da seriedade do nosso trabalho. Mas, repetidamente, há outros que não pertencem e se comportam de uma maneira que simplesmente não aconteceria se a filiação à Sociedade fosse limitada aos que legitimamente pertencem a ela. As coisas continuam surgindo entre os membros que estão muito distantes do que realmente se pretende; alguns deles só podem ser considerados relacionados com o que realmente se pretende se adotarmos uma visão totalmente distorcida.
Coisas são ditas por grupos de pessoas que devem ser ignoradas – pois nossos verdadeiros interesses vão muito além de dar atenção às ambições que estão vivas nesses grupos – coisas são ditas lá, e as pessoas estão começando a acreditar nelas, que não têm mais a ver com nossas verdadeiras intenções do que um besouro de esterco tem a ver com um relógio de pêndulo. É quase impossível ver como eles vão juntos. Ainda assim, histórias fantásticas criadas a partir de instintos básicos que são deixados para funcionar descontroladamente são postas em circulação. E isso apesar do fato de que as pessoas que os geram sabem muito bem que nenhuma palavra é verdadeira. Essas coisas podem ser explicadas nas ciências naturais, mas também devemos tirar a conclusão lógica e tomar as ações necessárias. Em primeiro lugar, vou impor duas regras a mim mesmo. Quem vai falar de uma regra sem a outra, estará dizendo algo que não é verdade. Eu tornei essas duas regras conhecidas em todos os lugares onde dei palestras nos últimos meses.
Em princípio, não vou mais dar entrevistas privadas a membros da Sociedade Antroposófica. Pois todas essas entrevistas privadas conduziram a relatórios cheios de mentiras. Tenho coisas melhores a fazer do que refutar as histórias contadas por pessoas que deixam sua imaginação correr solta e, portanto, não há outra maneira a não ser interromper essas entrevistas privadas. Alguns indivíduos têm um verdadeiro impulso esotérico e encontrarei outras maneiras de garantir que sejam capazes de progredir; vai demorar um pouco. A medida não deve impedir ninguém de progredir no desenvolvimento esotérico. Mas, de modo geral, todas as entrevistas privadas devem parar agora. Esta, então, é a primeira regra. Não venha a mim, como as pessoas têm feito em alguns grupos locais, e diga que é uma regra severa. Não, não venha para mim, vá para aqueles que são responsáveis.
A segunda coisa é que eu libero todos que já tiveram uma entrevista privada comigo da promessa de não falar sobre isso, se assim o desejarem. Qualquer um pode dizer o que quiser sobre o que aconteceu ou foi dito nessas entrevistas privadas – isto é, na medida em que desejarem. Não vou impedir ninguém de dizer toda a verdade sobre qualquer coisa que já tenha discutido comigo em uma entrevista privada.
Essas duas regras andam juntas. Uma não se aplica sem a outra. E, como eu disse, se você acha que elas são duras, vá até os responsáveis. A menos que eu seja menos tolerante nessas questões do que tenho sido até agora, os problemas de que estou falando não vão parar. Como eu disse, encontrarei outras maneiras de garantir que isso não prejudique o desenvolvimento esotérico de ninguém. Maneiras e meios serão encontrados. Mas, sendo as pessoas como são hoje, não é possível estabelecer tal ciência sem que as coisas se extraviem de vez em quando, com as pessoas sempre tirando conclusões precipitadas. É por isso que terá que haver essas regras.
As pessoas que adotam uma abordagem séria e digna de nosso desenvolvimento científico-espiritual podem achar difícil entender como essas coisas podem acontecer, mas aceitarão as duas regras como inevitáveis. De agora em diante, tudo ficará totalmente aberto. Pois não há nada lá que precise evitar a luz! Isso é o que há de tão vergonhoso em tudo isso: a verdade e toda a verdade poderiam ser ditas por todos sem deixar a menor mancha em nosso movimento.
Mas as pessoas se apegaram a algo que sobreviveu em nosso trabalho como uma continuação de práticas anteriores: ter entrevistas individuais. Se conversar com pessoas não tivesse resultado em mentiras, a regra não teria sido necessária. Mas tudo o que já foi dito a qualquer membro pode ser dito com verdade. Nosso movimento só pode ganhar com a verdade – vá e diga o quanto quiser. A verdade não será afetada pelas mentiras que são contadas; mas não deve nem mesmo parecer afetada, pois é importante para a humanidade que qualquer coisa apresentada fora de um pano de fundo da ciência espiritual seja apresentada de uma maneira séria e digna.
Portanto, deixe-me repetir mais uma vez: sem causar qualquer perda àqueles que buscam seriamente o desenvolvimento esotérico, geralmente não darei mais entrevistas privadas para os membros. Todos são livres para dizer tudo o que quiserem sobre as entrevistas que foram feitas, mas deve ser a verdade. Eu liberto a todos de qualquer voto de silêncio que possa haver. Mas deve ser apenas porque os indivíduos desejam contar aos outros para seu próprio bem; eles não precisam fazer isso por minha causa. E não tenho nenhuma objeção às pessoas espalharem por toda parte que essas regras existem e são características de nosso movimento. Então o mundo perceberá a natureza infame das coisas que são freqüentemente ditas, especialmente sobre nossa Sociedade.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 01 de outubro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 30 de setembro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 2
A luta da humanidade pela moralidade
A palestra de hoje acrescentará mais detalhes a uma imagem que finalmente espero apresentar na íntegra amanhã.
Estamos vivendo um momento – a palestra de ontem vai dar uma ideia disso – em que, podemos dizer, muito terá que mudar na maneira como as pessoas pensam, sentem e usam a vontade. Nossos objetivos internos terão que mudar. É especialmente no que diz respeito ao nosso ser mais íntimo que os hábitos antigos, herdados e adquiridos terão que desaparecer e uma nova maneira de pensar e sentir se desenvolver. Isso é o que nosso tempo exige. Acho que pode ter um efeito profundo e verdadeiramente significativo nas pessoas ponderar a verdade que apresentei ontem que é, para simplificar, que só pode haver uma de duas coisas: processos destrutivos aqui no plano físico, ou o desenvolvimento espiritual da humanidade. Pense no que isso significa – que, conhecendo esta verdade, seremos compelidos a nos sentir socialmente um com os mortos, os que partiram.
Nossa resposta interna aos eventos presentes neste plano físico é de profunda dor, e é certo que assim seja; por outro lado, não devemos esquecer que o número de pessoas que assumiram a vida espiritual nas últimas décadas é pequeno, e as almas daqueles que não o fizeram estão sedentas de processos destrutivos aqui no plano físico porque estes darão a elas os poderes de que precisam para a vida da alma e do espírito que vem após a morte. Na prática, isso significa que somos desafiados a fazer tudo o que pudermos para encorajar a vida espiritual como a única forma de libertar a humanidade futura dessas forças destrutivas. É preciso entender claramente, é claro, que isso era diferente no passado, quando o fato de que uma era de materialismo deve inevitavelmente convocar uma era de guerras e devastação não era verdadeiro no mesmo grau. No entanto, será verdade no futuro.
A humanidade está sofrendo de inúmeras ilusões que têm sua origem no passado. As consequências disso não foram tão sérias no passado como serão na evolução futura da humanidade. Acho que é justo dizer que, de modo geral, as almas humanas ainda estão muito adormecidas atualmente e não conseguem perceber muitas das tremendas mudanças que estão ocorrendo agora. Às vezes, porém, parte disso surge em um nível instintivo, e alguns indivíduos ficam então cientes dos grandes enigmas da época. No entanto, muitos não estão totalmente ativos internamente e, portanto, ainda não são capazes de vivenciar esses enigmas em toda a sua profundidade.
Observando os eventos turbulentos e destrutivos de hoje, algumas pessoas estão se conscientizando de um desses enigmas. No entanto, eles são, em muitos aspectos, incapazes de encontrar as respostas. O enigma de que estou falando é a discrepância entre o desenvolvimento intelectual e moral na evolução humana. Estranhamente, desenvolvimentos recentes no pensamento materialista não levaram ninguém menos que os darwinistas a essa conclusão. Haeckel também comentou a esse respeito em seu Welträtsel. Agora, nestes tempos de guerra, pode ser visto repetidamente que este desequilíbrio entre a vida intelectual e moral na evolução humana está começando a confundir as pessoas.
Eles dizem a si mesmos, com toda a razão, que a vida do intelecto, da mente racional, fez avanços tremendos. Isso é o que muitas pessoas chamam de domínio da ciência hoje; fornece a base para a visão materialista moderna. Considere os enormes avanços feitos à medida que as leis da natureza foram penetradas, estudadas e finalmente usadas para construir todos os tipos de instrumentos – mais recentemente, especialmente os instrumentos para assassinato! As pessoas também começarão a considerar outras coisas à luz de sua ciência. Eles analisarão os alimentos quanto aos seus constituintes e fabricarão alimentos químicos, nunca percebendo que os alimentos químicos não são iguais aos fornecidos pela natureza, mesmo que tenham os mesmos constituintes.
O desenvolvimento intelectual, ou podemos dizer também científico, tem apresentado uma tendência ascendente. O desenvolvimento moral não progrediu na mesma medida. Certamente a atual catástrofe mundial não poderia ter surgido, ou seguido o curso que tomou, se o desenvolvimento moral tivesse acompanhado o desenvolvimento intelectual. Seria correto dizer que, como o desenvolvimento moral não progrediu, o desenvolvimento intelectual assumiu algo de caráter amoral e, em muitos aspectos, tornou-se totalmente destrutivo.
Muitas pessoas estão começando a notar que o desenvolvimento moral não tem acompanhado o ritmo do desenvolvimento intelectual da humanidade hoje. No entanto, ninguém pergunta no momento que questões como essas devem ser aprofundadas o suficiente para que possam servir a uma evolução verdadeiramente humana. Ninguém pede que eles sejam enfrentados no ponto em que seja totalmente evidente que as pessoas modernas simplesmente não podem penetrar nas fontes mais profundas do pensamento e das ações humanas, porque elementos que são separados e distintos no homem e se relacionam com regiões bastante diferentes do universo estão todos misturados na mente das pessoas.
Os cientistas modernos se deparam com um ser humano que consiste em corpo físico, corpo etérico – o corpo dos poderes geradores – corpo astral e ego; mas tudo se confunde. As pessoas não fazem distinção na ciência moderna. Como podemos chegar a uma ciência que nos permitirá apreender essas coisas se tudo se confunde? A verdade é que esses diferentes aspectos da natureza humana pertencem a regiões e esferas totalmente diferentes do universo.
Nosso corpo físico e nossos poderes geradores se relacionam com o mundo físico; com o corpo astral e o ego, entramos em um mundo totalmente diferente a cada noite e, inicialmente, isso tem muito pouco a ver com o mundo em que estamos acordados durante o dia. Os dois mundos realmente só funcionam juntos na medida em que são reunidos no reino humano.
Considere também que o ego humano e o corpo astral são muito mais jovens do que os corpos físico e etérico. Os primeiros primórdios do corpo físico remontam à época do antigo Saturno. Esse corpo inicial progrediu por quatro estágios – Saturno, Sol, Lua e Terra – para atingir seu nível atual de evolução na Terra. O corpo etérico passou por três estágios, o corpo astral por dois estágios. O ego só apareceu durante a evolução da Terra; é jovem e pertence a uma era cósmica totalmente diferente.
O aparato ou instrumento de nosso intelecto humano está intimamente ligado ao corpo físico. Alcançou um grande nível de perfeição porque o corpo físico passou por um processo tão abrangente de desenvolvimento nos períodos de Saturno, Sol, Lua e Terra. Podemos ver isso pelo nível em que os nervos, o cérebro e o sangue se desenvolveram. Este, então, é o instrumento altamente desenvolvido que usamos para nossa atividade intelectual.
Em uma ocasião anterior aqui em Dornach, sugeri que o ser humano é muito mais complexo do que estamos inclinados a pensar. Quando dizemos “corpo físico”, estamos falando de algo que está longe de ser simples. Baseia-se em princípios que remontam ao antigo Saturno. Em seguida, o corpo etérico foi adicionado. Isso criou seu próprio elemento no corpo físico; o corpo astral também criou seu próprio elemento no corpo físico, e o ego também. O corpo físico, portanto, realmente tem quatro elementos. Um deles se relaciona com o corpo físico como tal, um com o corpo etérico, um com o corpo astral e um com o ego. O corpo etérico tem três elementos – um relacionado a si mesmo, um ao corpo astral, um ao ego.
Vamos ficar com o corpo físico por enquanto. Descobrimos que durante a noite, quando estamos dormindo, o elemento do corpo físico relacionado ao corpo físico continua da maneira usual. O elemento relacionado ao corpo etérico também pode continuar, pois o corpo etérico permanece com o corpo físico. Mas o que acontece com o elemento relacionado com o corpo astral, que é organizado para atender às necessidades de um corpo astral que deseja sair, e com o elemento relacionado com um ego que também saiu? Durante a noite, esses dois elementos – vamos chamá-los de corpo físico astral e corpo físico do ego – são abandonados pelos princípios nos quais se baseiam toda a sua organização.
O ego e o corpo astral estão, então, fora das partes do corpo físico a que pertencem. Enquanto vivermos entre o nascimento e a morte, estaremos realmente deixando para trás na cama algo que não é atendido pelos princípios a que se referem. Claramente, tem que funcionar de maneira diferente durante a noite do que durante o dia; Eu acho que você pode ver isso. Durante o dia, o corpo astral e o ego estão ativos e acesos nele; durante a noite, eles não estão. As pessoas não investigam essas coisas hoje porque tudo se fundiu e se confundiu em suas mentes, como eu disse. Eles não fazem distinção entre os diferentes aspectos de seu corpo, embora estes possam ser claramente distinguidos.
Durante a noite, quando estamos dormindo, o elemento “físico astral” no corpo físico exerce poderes muito semelhantes aos poderes de Mercúrio, os poderes mercuriais que tornam o mercúrio líquido e assim por diante. A parte do corpo físico relacionada ao ego age como sal durante o sono. Os seres humanos, portanto, têm Sal e Mercúrio fluindo através deles durante o sono.
Até o século XIV, os alquimistas que deveriam ser levados a sério ainda sabiam dessas coisas. Depois disso, o sectarismo entrou na alquimia e foram escritos os livros que geralmente são lidos hoje. O conhecimento antigo ainda era encontrado com Jacob Boehme, entretanto, ele usava os termos Sal, Mercúrio e Enxofre.
Esses são alguns dos segredos da natureza humana. Dizemos, então, que quando dormimos, olhamos para baixo, para um corpo que se tornou mercurial e salgado. O fato do corpo se tornar mercurial tem consequências altamente importantes e talvez possamos dizer mais sobre isso no decorrer dessas semanas. O fato de que se torna salgado – bem, eu acho que não é difícil para as pessoas descobrirem isso por si quando se levantam de manhã.
Qual é o significado, no entanto? É mais ou menos assim: ao acordar, o ego e o corpo astral, tendo estado fora do mundo do espírito durante o sono, entram no princípio salgado ou mineral do corpo humano e no princípio mercurial, que flui dentro do ser humano como princípio vitalizador. Princípios que foram separados durante a noite agora se reúnem. Conforme eles interagem, a oportunidade é dada para que as coisas adquiridas no mundo espiritual sejam trazidas. Mercúrio e Sal têm estado em repouso; agora o ego e o corpo astral entram e os preenchem com o que eles absorveram no mundo espiritual.
Como resultado, o corpo físico, o instrumento que evoluiu do antigo Saturno, é ainda mais enriquecido. Por um lado, o corpo físico é o instrumento que usamos para a atividade intelectual e é verdadeiramente venerável e altamente desenvolvido porque evoluiu ao longo de muito tempo. No entanto, por outro lado, o processo que acabei de descrever pode trazer a influência do mundo espiritual para o tempo presente. Como resultado, os seres humanos agora são capazes de influenciar o instrumento do intelecto a partir do mundo do espírito e o pensamento intelectual pode desempenhar um papel tão significativo na era atual.
O mundo em que estamos entre dormir e acordar novamente tem, entretanto, uma peculiaridade – não há nada nele por meio de leis morais. Por mais estranho que possa parecer, entre ir dormir e acordar novamente você está em um mundo desprovido de leis morais. Também podemos dizer que é um mundo que ainda não é moral. Quando acordamos, os impulsos que trazemos deste mundo podem se apoderar do corpo físico e do corpo etérico no que diz respeito ao intelecto, mas não podem de forma alguma apoderar-se deles em qualquer sentido moral.
Isso é totalmente impossível, pois o mundo em que estamos entre dormir e acordar de novo não tem leis morais. As pessoas que pensam que teria sido melhor para os deuses organizar as coisas de tal forma que os humanos não tivessem que viver no plano físico estão muito enganadas; pois, nesse caso, as pessoas nunca poderiam se tornar morais. Os seres humanos adquirem moralidade vivendo aqui no plano físico. Resumindo, trazemos sabedoria do mundo espiritual para o corpo físico, mas não moralidade.
Isso é tremendamente importante e significativo, pois explica por que a humanidade deve ficar inevitavelmente para trás quando se trata de princípios morais, enquanto os deuses fizeram uma excelente provisão para seu desenvolvimento intelectual, não apenas fornecendo-lhes um instrumento que evoluiu através do Saturno, Sol , Períodos da Lua e da Terra, mas também dando-lhes os meios para manter o intelecto, enchendo-os de sabedoria no mundo em que entram durante o sono. Somente em períodos posteriores, na segunda metade da evolução de Vênus, faremos conexão com um mundo moral durante o sono. Obviamente, é extremamente importante para nós cuidarmos para que nossa vida social se torne verdadeiramente moral.
Essas são as coisas que a humanidade moderna não quer considerar. Alguns estão cientes dos enigmas, como eu disse, mas as pessoas não querem considerar as razões mais profundas, pois isso exigiria muito esforço. Eles querem tomar a natureza humana como ela se apresenta e se recusam a considerar que, em muitos aspectos, ela se estende aos mundos do cosmos, para além do espaço e do tempo, e que a natureza humana não pode ser explicada se apenas olharmos para ela da maneira como normalmente se expressa e não leva em consideração esses outros aspectos.
É uma verdade magnífica e impressionante que o sono ajuda nosso pensamento intelectual, até mesmo nossos gênios – pois os gênios, também, trazem de volta elementos do sono que entram em seus princípios mercuriais e salgados – de fato, é isso que torna alguém um gênio; mas a moralidade só pode ser garantida se os seres humanos gradualmente permitirem que o elemento moral entre neles aqui no plano físico.
Para a humanidade aqui na terra, o impulso de Cristo é o cerne da vida moral. Portanto, é muito importante – já o salientei, de outros pontos de vista – que os seres humanos encontrem o impulso de Cristo aqui no plano físico. Temos que olhar para isso de muitos pontos de vista diferentes. Portanto, parece que agora podemos entender por que pessoas que têm todos os tipos de impulsos baseados na sabedoria em um nível instintivo – pois esses impulsos são dados durante o sono – e são capazes de inventar máquinas tremendamente complexas, desempenhando um papel no avanço da ciência e da tecnologia , não é necessário conectar isso de forma alguma com a moralidade, pois a moralidade pertence a uma esfera totalmente diferente.
As pessoas não gostam de ouvir ou saber dessas coisas hoje. No entanto, elas terão que ser conhecidas se quisermos escapar do caos que surgiu no mundo. E este é um assunto muito sério. A evolução humana não progredirá a menos que essas verdades se tornem parte de nossa vida na Terra. Os deuses não pretendiam que os seres humanos se tornassem autômatos que pudessem influenciar como máquinas automáticas. Eles queriam que fossem indivíduos livres que percebessem o que os levaria adiante. É errado perguntar por que os deuses não intervêm. Devem ser feitas tentativas; e, se tal empreendimento der errado, não devemos tirar conclusões erradas.
Em vez disso, aqueles que vêm depois devem permitir que isso lhes dê um ímpeto ainda maior para trabalhar de uma forma que ajude a encorajar tal tentativa de maior desenvolvimento no espírito. Recentemente, estive muito preocupado com uma tentativa significativa feita no passado que não deu totalmente certo. Discuti isso na primeira parte de meu ensaio sobre O Casamento Químico de Christian Rosenkreutz: Anno 1459 – deve ser continuado em Das Reich. A obra foi escrita no início do século XVII. As pessoas puderam ler já em 1603 e foi publicado em 1616. O autor, Johann Valentin Andreae, também escreveu Fama Fraternitatis e Confessio Rosicruci, obras incomuns que atraíram todos os tipos de comentários, alguns sensatos, mas a maioria absurdos. Tudo o que quero dizer sobre eles hoje é que embora possam à primeira vista parecer satíricos, eles representam um grande impulso – aprofundar a compreensão da natureza em seu aspecto espiritual a um ponto em que um conhecimento mais profundo das leis da natureza também descubra as leis que governam a vida social humana.
Esta é uma área em que as pessoas acham particularmente difícil distinguir entre maya – ilusão – e realidade. Os motivos que nós mesmos ou outros tendemos a atribuir às nossas ações não são os verdadeiros. É doloroso ter que perceber isso, mas – já falei sobre isso em várias ocasiões – esses não são nossos verdadeiros motivos. Nem as posições externas que as pessoas ocupam na vida social são suas verdadeiras posições. As pessoas costumam ser completamente diferentes por dentro da maneira como se apresentam no âmbito social e também pela forma como elas próprias se vêem.
As pessoas acreditam fortemente que suas ações são baseadas em um motivo particular. Alguns pensam que seus motivos são totalmente altruístas, quando na realidade eles nada mais são do que o egoísmo mais brutal. As pessoas não estão cientes disso porque têm essas ilusões a respeito de si mesmas e de suas conexões sociais. Esta é outra área onde só podemos descobrir a verdade se examinarmos mais profundamente todo o esquema das coisas.
Johann Valentin Andreae era alguém que queria olhar mais profundamente. O que importava para ele, entre outras coisas, era ver além do maya para a realidade. Ele não era o tipo de pessoa superficial que pensa que pode fazer isso com todas aquelas arengas, profundos educadores e outros hoje pensam que reformarão o mundo; ele percebeu que é preciso examinar mais profundamente todo o esquema que está por trás do mundo da natureza, se quisermos encontrar o espírito na natureza.
Então, encontraremos também os fios que verdadeiramente conectam os seres humanos com o espírito. E só então saberemos realmente as leis sociais necessárias. Você não pode refletir sobre as relações sociais hoje se pensa como as pessoas pensam na ciência moderna, pois isso só lhe dará a superfície da natureza e a superfície da vida social. Johann Valentin Andreae olhou no fundo para encontrar a natureza e a vida social, pois só aí se encontram. É realmente assim: pense na fronteira entre maya e a realidade – aí você tem um olho mágico na natureza de um lado e um olho mágico na vida social do outro. E você tem que olhar mais profundamente antes de perceber que na verdade eles só se conheceram há muito tempo.
As pessoas nunca chegarão a este ponto, no entanto. Eles continuarão a olhar para algumas das leis da natureza em um nível superficial e, então, falarão sobre a vida social com base em seus sentimentos, por superficialidade. Isso não nos ajudará a ver o esquema de coisas que, no entanto, Johann Valentin Andreae procurou encontrar. No máximo seremos – desculpe-me, chamando uma pá de pá – um Woodrow Wilson. Andreae queria descobrir o esquema das coisas, e seu desejo de fazê-lo preenche obras como Fama Fraternitatis e Confessio Rosicruci.
Ele estava se dirigindo aos líderes, aos estadistas de seu tempo; foi uma tentativa de estabelecer uma ordem social baseada na verdade e não na ilusão. O Fama apareceu em 1614, o Confessio em 1615 e O Casamento Químico de Christian Rosenkreutz em 1616, embora já tivesse sido escrito em 1603. O ano de 1618 marcou o início da Guerra dos Trinta Anos, que trouxe condições para que as coisas verdadeiramente grandes almejadas no Fama e no Confessio fossem varridas.
Estamos agora vivendo em uma época em que um ano de guerra é igual a mais de dez anos de guerra no século XVII, porque a guerra se tornou muito mais destrutiva. Pelos padrões daquela época, já temos mais de uma Guerra dos Trinta Anos atrás de nós.
Experimente e veja isso como algo que pode guiá-lo em direção à vontade e esforço que surgiu no século XVII, mas foi interrompido pela Guerra dos Trinta Anos. Como eu disse, se essas tentativas foram feitas e um começo foi feito, não devemos nos deixar desanimar, mas sim nos estimular a uma atividade ainda maior; então, uma tentativa posterior pode não terminar em fracasso. A primeira condição, entretanto, é que realmente conheçamos a vida.
Agora quero relacionar isso aos assuntos que discuti com vocês no ano passado e no início deste ano. Chamei sua atenção para o estranho curso que toda a vida humana e a evolução humana estão tomando. Os indivíduos ganharão em anos, sendo 1, 2, 3, 4, anos de idade e, posteriormente, 30, 35, 40 e assim por diante, anos de idade; mas o oposto é verdadeiro para a humanidade como um todo. A humanidade já era velha e está ficando cada vez mais jovem. Se voltarmos no tempo – para nossos propósitos atuais, precisamos apenas voltar até o divisor de águas entre a vida atlante e pós-atlântica quando a catástrofe aconteceu na Atlântida – chegaremos antes de tudo aos tempos dos antigos indianos.
As condições eram muito diferentes então; a humanidade como um todo permaneceu capaz de um maior desenvolvimento além dos anos 50. Hoje só somos capazes de nos desenvolver dessa forma na infância e até certa época da nossa juventude, pois só então nosso desenvolvimento físico está diretamente conectado com o desenvolvimento da alma e do espírito, e os dois são paralelos. Isso logo chega ao fim, no entanto. Nos tempos antigos da Índia, o desenvolvimento da alma e do espírito continuou a depender do desenvolvimento físico até meados dos 50 anos. As pessoas foram se desenvolvendo como uma criança se desenvolve, e isso só acabou quando eles eram homens e mulheres velhos. Esta é a razão pela qual as pessoas olhavam com tanta humildade para os seus idosos.
Durante o tempo da antiga Pérsia, as pessoas não eram mais capazes de se desenvolver a um nível tão alto, mas apenas até seus 40 e 50 anos; e nos tempos egípcios e caldeus apenas até seus 40 anos. Na época greco-latina, esse tipo de desenvolvimento foi apenas até o trigésimo quinto ano. Então chegou um tempo – você deve se lembrar, a era greco-latina começou no século VIII antes do mistério do Gólgota – em que os seres humanos só eram capazes de se desenvolver até os trinta e três anos. Foi nessa época que aconteceu o Mistério do Gólgota. A idade da humanidade então correspondeu à idade em que Cristo passou pelo mistério do Gólgota.
Depois disso, a raça humana ficou cada vez mais jovem. No início da quinta era pós-Atlântida, no século XV, a humanidade só foi capaz de se desenvolver até a idade de 28 anos, sem nenhum desenvolvimento posterior, e hoje chegamos a um ponto em que as pessoas só atingem a idade de 27, se isso for deixado para a natureza. No passado, os seres humanos permaneciam naturalmente capazes de se desenvolver até uma idade avançada. Hoje, as pessoas devem concluir esse desenvolvimento como se fosse espontâneo e vinculado ao corpo físico até os 27 anos, a menos que adotem um impulso espiritual em sua vida interior e prossigam internamente.
As pessoas que não assumem nada espiritual permanecem com 27 anos, mesmo que vivam até os 100. Isso significa que têm as características de 27 anos. E com as pessoas se recusando a buscar impulsos espirituais internos, agora temos uma cultura e uma vida social de 27 anos. Não crescemos além dos 27 anos em nossa vida social externa. Esta era agora governa a humanidade. Se continuarmos assim, a humanidade descerá para 26, 25 e 24 anos, então na sexta era pós-Atlântida para o vigésimo primeiro e depois para o décimo quarto ano.
Essas coisas devem ser examinadas e não devem ser tomadas com pessimismo; em vez disso, devem nos dar o impulso interior de ir em direção à vida do Espírito e partir em uma busca interior para procurar os elementos que a natureza é incapaz de fornecer.
Este é outro ponto de vista do qual é evidente que os impulsos espirituais são necessários na civilização. As pessoas mais características de nossa época, aquelas que hoje assumem a liderança, são aquelas que não vão além dos 27 anos. A questão é: o que realmente faria de alguém um líder atual? Bem, digamos que temos alguém que nasce e está muito vivo, que não absorve muito por meio da tradição, mas apenas o que vem por natureza, sem influência indevida de fora; esse indivíduo seria muito determinado pelo que vem por conta própria. A educação geralmente dá cor e nuances a isso na maioria das pessoas.
Mas tomemos um indivíduo realmente típico que mostra essencialmente apenas as características da época presente, alguém que nasceu na pobreza talvez e não recebeu uma educação que ponha muita ênfase na tradição, mas que só seria influenciado por tudo o que surge das circunstâncias. Tal pessoa cresceria, seria muito ativa no início, pois faz parte da idade atual que alguém seja ativo até o sétimo, décimo quarto e vigésimo primeiro ano, e talvez seja uma personalidade forte até seu vigésimo primeiro ano. . Mas a menos que ele seja capaz de se desenvolver espiritualmente, então, sendo um representante da idade, ele irá parar aos 27 anos. Agora, se ele fosse ser verdadeiramente representativo da época, algo como o seguinte teria para acontecer: Aos 27 anos chegaria a um ponto-chave da sua vida, de tal forma que as circunstâncias que criou para si aos 27 anos, empenhando-se para a vida, não lhe permitiriam progredir além disso.
Na vida moderna, isso poderia assumir a forma, por exemplo, que tal pessoa, um self-made man com tremendas energias e todos os tipos de impulsos decorrentes do próprio tempo, seja eleito para o parlamento aos 27 anos de idade. Ser eleito para o parlamento significa que se comprometeu e há algumas coisas que agora têm de ser mantidas. E assim o indivíduo permanece como é – o que se deve inteiramente a esse desenvolvimento na era atual – e ele é altamente representativo da era atual.
Sendo o Parlamento o grande ideal nos dias de hoje, este seria um ponto chave na vida de um indivíduo que então se recusaria a aceitar qualquer coisa capaz de crescimento para o futuro e que teria se tornado completamente adaptado às circunstâncias externas ou, em uma palavra, permaneceu com 27 anos de idade. E então, aos 27 anos, este seria um indivíduo forte e poderoso imbuído dos impulsos da época que agora ingressou no parlamento. Depois de algum tempo, ele seria até ministro e avançaria para se tornar uma das principais figuras. Mas ele seria apenas um homem do nosso tempo, um típico rapaz de 27 anos.
Existe tal indivíduo, alguém nascido em tais circunstâncias que apenas recebeu o que veio, nada por meio da tradição. Ele se tornou forte e poderoso sob essas circunstâncias – alguém que passaria por bons e maus momentos por qualquer coisa que viesse a ele nos primeiros vinte e sete anos de sua vida e que, de fato, se tornou um membro do Parlamento aos 27 anos de idade.
Ele foi um espinho na carne no início, estando em oposição, mas logo subiu mais e se tornou uma espécie de eixo de rotação nos dias de hoje – e este é Lloyd George. Ninguém é mais característico da época atual do que Lloyd George. “Seu próprio homem”, ele se comprometeu pelo resto da vida dentro de uma semana de seu vigésimo sétimo ano ao ser eleito para a House of Commons. Esta e o resto da história de sua vida mostram que ele é um representante típico da vida na época atual, uma vida que não deveríamos seguir, pois os impulsos espirituais deveriam ter assumido no vigésimo sétimo ano.
Se alguém for capaz de penetrar nos aspectos internos da vida, verá que os eventos mais importantes do tempo presente são eventos em que outras pessoas estão dormindo. Para qualquer um que possa ter uma visão mais ampla, é imensamente significativo que tal self-made man seja eleito para o Parlamento britânico exatamente aos 27 anos de idade e, portanto, se comprometa.
Essas são as realidades que as pessoas devem gradualmente aprender a observar e considerar, pois elas revelam as conexões mais profundas da vida. As pessoas gostam de ignorá-las hoje porque não são fáceis. A relutância é sentida porque as pessoas preferem dar rédea solta às suas paixões, às emoções que criam para si mesmas no mundo exterior e aos seus instintos, em vez de buscar obter insights. Eles querem viver a vida do mundo, baseando-se nessas emoções e não em seu verdadeiro eu.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 30 de setembro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 177 – Dornach, 29 de setembro de 1917
A QUEDA DOS ESPÍRITOS DAS TREVAS – Leitura 1
A força motriz por trás da Guerra Européia
É para mim motivo de profunda satisfação, creio que já sabem, voltar a estar com vocês por algum tempo, pois é aqui que podemos criar um sinal visível das nossas intenções e da vontade de nos aproximarmos mais e mais de um verdadeiro conhecimento do Espírito em nossos estudos e em nosso trabalho na ciência espiritual.
A busca pelo conhecimento está intimamente ligada ao aspecto mais íntimo do ser humano, e de vez em quando devemos, portanto, investigar a natureza essencial de nossa vontade e intenção. À luz da situação atual, por mais lamentável que seja, parece que a resposta a esta pergunta deve ser negativa. Por mais de três anos, vimos algo se espalhar pelo mundo que não preciso discutir em detalhes, pelo menos de início, pois todos nós temos consciência disso e o sentimos profundamente. Os eventos que estão ocorrendo agora são o oposto de nossas próprias intenções, que se manifestaram neste mesmo edifício.
Repetidamente, devemos tentar ver claramente qual corrente de desenvolvimento espiritual desejamos ver assumida pela humanidade, e hoje temos que dizer que é o oposto da corrente que levou à terrível tragédia destes últimos anos. Isso é algo que podemos lembrar repetidas vezes quando consideramos profunda e plenamente os eventos que estão ocorrendo agora em todo o mundo. Podemos dizer a nós mesmos que parece que o tempo se prolongou e se tornou elástico, como se as coisas de que nos lembramos antes que essa loucura se apoderasse do mundo não tivessem acontecido anos atrás, mas séculos atrás.
Qualquer pessoa que estivesse acordada – por meio da ciência do espírito – era, é claro, capaz de avaliar o que estava por vir antes mesmo de esses eventos se desenvolverem. Muitos de nossos amigos se lembrarão da resposta quase rotineira que dei a perguntas feitas repetidamente depois de minhas palestras públicas no início deste século. A pergunta, você deve se lembrar, era: “De acordo com as estatísticas, a população mundial está aumentando; como isso se relaciona com a ideia de vidas terrestres repetidas? O aumento da população é rápido. Como alguém pode reconciliar isso com a descoberta científica espiritual de que essas são sempre as mesmas almas? ” Minha resposta sempre teve que ser: Parece que os estatísticos estão certos e a população mundial está aumentando; mas temos que ter uma visão mais ampla e considerar intervalos de tempo muito mais longos se quisermos fazer justiça à questão. E eu sempre diria que pode muito bem chegar um tempo, mais cedo do que podemos esperar, em que as pessoas descubram, para seu horror, que a população também pode diminuir.
Nem sempre é possível dar respostas claras e simples na antroposofia. As pessoas ainda não chegaram ao ponto em que são capazes de entender as verdades da maneira certa e algumas coisas só podem ser sugeridas. Leia as palestras dadas em Viena não muito antes de esta catástrofe chegar ao nosso mundo e você encontrará a passagem onde falei sobre o câncer social que está corroendo a evolução da humanidade. Isso e outras coisas foram ditas para indicar o que iria acontecer na evolução humana e para desafiar as pessoas a refletirem. Pois precisamos refletir sobre essas coisas se quisermos realmente e verdadeiramente despertar. Precisamos estar despertos e vivos para o bem da humanidade.
Para que a antroposofia cumpra seu propósito, sua principal tarefa deve ser instigar as pessoas e fazê-las realmente despertar. Apenas saber o que está acontecendo no mundo físico e conhecer as leis que as mentes humanas são capazes de perceber como operantes neste mundo não é mais do que estar adormecido em um sentido mais elevado. A humanidade só está totalmente desperta quando as pessoas são capazes de desenvolver noções e idéias do mundo espiritual. Isso está ao nosso redor, assim como o ar e a água, as estrelas, o sol e a lua estão ao nosso redor. Quando estamos fisicamente adormecidos, estamos totalmente entregues aos processos internos que ocorrem no corpo durante a noite e não temos idéia de nada no mundo físico ao nosso redor. Estamos dormindo exatamente da mesma maneira quando estamos totalmente entregues ao ambiente físico, ao mundo e às leis do intelecto, e não temos idéia do mundo do espírito que está ao nosso redor.
A humanidade fez um grande avanço com seu progresso intelectual e realizações científicas nos últimos séculos e tem insistido particularmente nisso na virada do século XIX para o século XX. No entanto, por incrível que pareça, a vida inconsciente e instintiva nunca esteve mais em destaque do que está neste momento. Até o momento, esse elemento instintivo e inconsciente tem cada vez mais se apoderando da raça humana. A falha em ver a realidade espiritual e levar em consideração o elemento do espírito é, em última análise, a causa desta terrível guerra mundial. Nem se pode dizer que ao longo desses anos – anos que se transformaram em séculos para quem está desperto neles, como eu disse – a humanidade aprendeu uma lição adequada com os terríveis acontecimentos que nos rodeiam. Infelizmente, deve-se dizer que o oposto é o caso.
Qual é o elemento característico que se encontra dia a dia, hora a hora, quando damos conta do que as pessoas pensam, ou melhor, fingem pensar e fingir querer? É que, fundamentalmente falando, ninguém no mundo sabe o que quer, e ninguém percebe que os objetivos perfeitamente justificáveis das pessoas, seja qual for a forma que possam assumir nas mentes das nações individuais, seriam alcançados muito melhor se acabassem com essas guerras terríveis em que tanto sangue é derramado. As pessoas não percebem que esses eventos terríveis com seu derramamento de sangue não são realmente necessários como um meio de ajudá-las a alcançar seus objetivos.
Esses eventos têm um pano de fundo misterioso, mas se você considerar algumas das coisas ditas em nossas palestras antroposóficas ao longo dos anos, mesmo que tenham sido apenas tocadas levemente, você encontrará afirmações perfeitamente claras, também com referência aos mais significativos eventos recentes. Considere também o que foi dito nestas mesmas salas, especialmente nos últimos anos, sobre o caráter do povo russo e a diferença entre os russos e os povos da Europa Ocidental e Central. Você descobrirá que precisa das coisas que foram ditas aqui para obter compreensão de um evento que parece ter vindo com tamanha veemência. Estourou como se fosse uma vingança cármica, cujo significado interno é bastante claro, embora a palavra “vingança” deva ser tomada como um termo técnico e não em um sentido moral.
Não só o povo russo, mas o da Europa e de todo o mundo, terá que refletir por muito tempo sobre os acontecimentos na Europa Oriental, acontecimentos muito mais misteriosos do que estamos inclinados a pensar. Surgiu algo que vem se preparando há séculos. O novo elemento que quer tomar forma é algo completamente diferente do que está realmente tomando forma. As gerações posteriores poderão usar os eventos que tomarão forma na Europa Oriental nas próximas décadas para demonstrar a diferença entre maya e a realidade. Para você ver, as gerações de hoje estão tomando o que está acontecendo agora pelo real, quando na verdade isso ainda está esperando nas asas, e eles estão errados em tomar isso como real, pois algo completamente diferente quer fazer sua aparição.
As pessoas no Ocidente estão mal equipadas para entender o que vem à tona. Por que eles estão tão mal equipados? Por mais estranho que possa parecer para as pessoas hoje – não para você, mas para o indivíduo comum e médio; sendo antropósofos, vocês não são as pessoas comuns de hoje – a era atual exige mais do que qualquer outra em relação a algo que as pessoas menos desejam ter: compreensão baseada na ciência do espírito. Por mais estranho que possa parecer para as pessoas ordinárias e comuns de hoje – a ordem não será criada a partir do caos do tempo presente até que um número suficientemente grande de pessoas esteja preparado para reconhecer as verdades dessa ciência. Esse será o carma da história mundial.
Se as pessoas insistem que esta guerra é como as guerras do passado e que faremos a paz como a paz foi feita antes – que falem. Eles são as pessoas que amam maya e não fazem distinção entre a verdade e o engano. Deixe-os fazer o que pode parecer “paz” – a ordem só surgirá do caos que enche o mundo hoje quando o insight baseado na ciência do espírito amanhecer nas mentes humanas. Você pode sentir em seu coração que passará muito tempo antes que tal ordem chegue; você pode pensar que passará muito tempo antes que as pessoas estejam preparadas para deixar o alvorecer de tal ciência surgir, e você terá razão. Você tem que aceitar que levará muito tempo antes que a ordem surja do caos. Pois isso não acontecerá até que o coração humano compreenda o reino do espírito. A ordem só pode vir quando for entendido como esse caos surgiu.
O caos surgiu porque a realidade é considerada de uma forma não espiritual e o mundo do espírito não pode ser ignorado impunemente. Você pode pensar que é suficiente viver com pensamentos e idéias totalmente derivados do mundo físico. É o que as pessoas geralmente pensam hoje, embora isso não torne isso verdade. A ideia mais completa e totalmente errada que a humanidade já teve é – para simplificar – que os espíritos suportarão ser ignorados. Você pode considerá-lo egóico ou egoísta da parte deles, mas a terminologia é diferente em seu mundo. Egoísmo ou não, os espíritos se vingam se forem ignorados aqui na terra. Esta é uma lei, uma necessidade férrea. Uma forma de caracterizar o tempo presente é dizer que o caos humano atual é a vingança dos espíritos que por muito tempo foram ignorados.
Já disse muitas vezes, tanto aqui como em outros lugares: existe uma conexão misteriosa entre a consciência humana e os poderes destrutivos de declínio e queda no universo. Cada um pode, ou de fato deve, tomar o lugar do outro da seguinte maneira.
Suponhamos que houve uma época, digamos durante os últimos vinte ou trinta anos do século XIX, em que as pessoas colocaram o mesmo esforço em sua busca pelas coisas do espírito que fizeram para alcançar o conhecimento e as ações materiais durante aqueles vinte ou trinta anos. O que teria acontecido se eles tivessem se esforçado para reconhecer o mundo do espírito e usado isso para dar um caráter, uma fundação, ao mundo físico, ao invés de seguir o mero instinto e perseguir mais e mais conhecimento de um tipo que viu seu triunfo final na criação de instrumentos de assassinato e encontrou seu ponto-chave e fim nas pessoas enriquecendo-se com nada além de bens materiais?
O que teria acontecido se as pessoas tivessem buscado obter conhecimento e impulsos espirituais para suas atividades na esfera social? Isso significaria que os poderes de destruição foram pagos! Se as pessoas estivessem mais despertas e não adormecidas nas últimas décadas do século XIX, haveria uma maior consciência e, portanto, não haveria necessidade de destruição nas primeiras décadas do século XX. A consciência espiritual simplesmente tem que ser maior do que a consciência puramente sensual e material. Se fosse esse o caso durante as últimas décadas do século XIX, os poderes de destruição não teriam que intervir nas primeiras décadas do século XX.
Isso é percebido com mais insistência, e talvez com mais crueldade, para a mente perceptiva quando você encontra muitos dos mortos que entraram no mundo espiritual durante as últimas décadas do século XIX ou as primeiras décadas do século XX. Muitos deles foram apanhados na agitação e na busca de valores materiais aqui na terra e nunca tiveram a oportunidade de permitir que os impulsos espirituais despertassem a consciência. Muitos passaram pelo portão da morte sem sequer ter noção dos pensamentos e idéias que apontam para os impulsos espirituais. Se eles tivessem a oportunidade de absorver pensamentos e idéias espirituais antes de atravessarem o portal da morte, eles poderiam tê-los levado consigo. Teria sido algo de que precisariam após a morte, mas eles não estavam em posição de tê-lo.
Quem conhece a história das ideias das últimas décadas do século XIX e das primeiras décadas do século XX também sabe que na verdade as pessoas não sabiam mais como usar o termo ‘espírito’. Tem sido usado para descrever todos os tipos de coisas, mas não o verdadeiro espírito. Essas almas, portanto, não tiveram oportunidade de conhecer o espírito enquanto estavam aqui na terra e têm que arcar com as consequências. Tendo passado pelo portão da morte e entrado no mundo do espírito, eles estão sedentos por – bem, do que eles estão sedentos, essas almas que viveram no materialismo aqui? Eles estão sedentos por poderes destrutivos no mundo físico! Essas são as dívidas e devem ser pagas.
Não existe uma maneira fácil de lidar com essas coisas. Se quisermos conhecer as realidades nesta esfera, devemos adquirir um sentimento para o que os antigos egípcios chamavam de “necessidade de ferro”. Por mais terrível que seja, era necessário que a destruição se espalhasse, pois aqueles que haviam passado pelo portal da morte ansiavam pelos poderes destrutivos nos quais são capazes de viver, visto que não receberam o que lhes era devido e foram privados de impulsos espirituais enquanto estavam na terra.
A ordem não pode surgir do caos até que as pessoas estejam prontas para dar lugar a essas importantes verdades em suas almas e também deixar que essas verdades entrem nas idéias que se aplicam ao mundo da política hoje. E se essas verdades lhe parecem pessimistas e o fazem pensar que a humanidade ainda está longe de conseguir tudo o que é exigido, como indiquei, você está realmente certo. Mas deixe este pessimismo justificável tornar-se um desafio para estar desperto e tentar, qualquer que seja o seu lugar na vida, despertar almas para que a ciência do espírito possa enviar seus impulsos.
Ainda não pode ser feito em grande medida, mas devemos ter o desejo real e honesto de tornar as pessoas conscientemente conscientes de tal forma que sejam capazes de compreender este fato concreto: desejos surgiram nos mortos nos últimos tempos, e estes anseios estão sendo recebidos com eventos que são verdadeiramente horríveis para aqueles de nós que estão vivos aqui no plano físico.
Imagine como é fácil para algumas pessoas apresentar a seus amigos uma imagem da região em que os seres humanos entram depois de passar pelo portão da morte. Considere os sermões untuosos pregados nas igrejas – com os políticos agora realmente seguindo o exemplo desses sermões – e as noções banais que as pessoas têm do mundo espiritual, e você simplesmente não pode deixar de perceber o quão distante da realidade está a vaidade de muitas das principais figuras de hoje. Compare os discursos de tais figuras importantes – suas vidas mostram que eles fazem tudo menos liderar e que são guiados por todos os tipos de forças das quais estão completamente inconscientes e que não são as forças certas – compare isso com o que é realmente necessário no tempo presente, e você perceberá a imensa gravidade da situação presente.
Bem ao lado de nosso mundo físico está outro mundo, não físico ou espiritual, e que nunca antes influenciou nosso mundo tão intensamente como o está fazendo atualmente. As pessoas não estão cientes disso, entretanto; eles nem mesmo percebem quando as coisas ficam potencialmente assustadoras e terríveis. Palavras intensamente iluminadoras são ouvidas no mundo hoje; elas devem fazer um grande número de pessoas pensar. Mas as pessoas nunca percebem, ou pelo menos não demonstram se o notam.
Alguns de vocês se lembrarão de que em várias ocasiões nos últimos três anos eu disse que quando a história desta ‘guerra mundial’ for escrita no futuro – infelizmente os críticos de hoje não o fizeram, embora pudesse ser feito com bastante facilidade – será impossível usar o método que produziu a lenda, o conto de fadas, ou chamá-lo como quiser, que atualmente é conhecido pelo nome de ‘história’. Isso foi produzido por “estudiosos” – como o mundo os chama – sentados em bibliotecas por meses, anos e décadas e estudando registros diplomáticos para escrever suas histórias. Inevitavelmente, chegará um tempo em que a maioria dessas histórias terá de ser eliminada. Na verdade, ninguém será capaz de escrever a história destes últimos anos por tal método, a menos que esteja literalmente louco.
As causas do caos não serão aparentes para as pessoas que escreveram a história até agora, mas apenas para as pessoas que têm um sentimento real do que significa quando um indivíduo miserável de nosso tempo tem que enfrentar um tribunal e é forçado a somar a condição em que se encontrava na época, lançando diante do mundo a lamentável declaração: ‘Primeiro uma coisa aconteceu, depois outra, e foi nesse momento que eu perdi o juízo!’ Foi Suchomlinov quem disse essas palavras lamentáveis.
Muitas pessoas perderam a cabeça naquela época, não apenas Suchomlinov. Que tipo de momentos são esses nos eventos mundiais quando a única maneira de descrevê-los é confessando que perdemos o juízo? São momentos em que Ahriman e seus companheiros ganham acesso à raça humana e aos pensamentos humanos. Enquanto as pessoas zelarem por suas mentes conscientes e sua consciência não estiver de forma alguma turva ou inativa, nem Ahriman nem Lúcifer terão acesso a ela. Mas quando não está totalmente ativo e é necessário usar a frase “Eu perdi a cabeça”, esse é o momento em que Ahriman e seus companheiros entram em cena.
As coisas que acontecerem então não aparecerão nos registros diplomáticos – pouco do que está escrito nesses registros nas últimas décadas faz sentido, aliás. Deixando isso de lado, as coisas que aconteceram em nosso tempo e levaram ao caos não são apenas ações humanas, mas, acima de tudo, as ações de espíritos arimânicos que buscam obter acesso reduzindo a consciência humana. Alguns de vocês sabem muito bem que logo depois que a atual catástrofe estourou no mundo, observei que, quando falamos das origens dessa catástrofe no futuro, não devemos fazê-lo com base em registros escritos; em vez disso, teremos que apontar fatos reais por meio dos quais os espíritos arimânicos obtiveram acesso ao palco dos eventos humanos.
Essas coisas devem ser levadas a sério; eles devem ser vistos como realidades concretas e não meramente como formulações abstratas. Pessoas que nada sabem sobre isso podem rir quando alguém diz que Ahriman teve acesso à evolução humana. Eles podem rir das pessoas que dizem isso, mas chegará o dia em que a história mundial os ridicularizará por terem rido dos outros hoje.
Certamente não podemos dizer que os julgamentos, ideias e noções que se encontram na superfície nos últimos anos mostram algum grau de maturidade. As pessoas até não conseguiram entender quando, dezoito meses atrás, foi dito em algum lugar que algo poderia acontecer em breve e que deveria ser levado em consideração; isto não deve ser subestimado. Exemplos concretos dados como uma indicação do que provavelmente aconteceria nunca foram tomados da maneira certa; as pessoas não estavam suficientemente despertas para isso.
Agora o evento chegou. E as pessoas não percebem que algo está se enraizando profundamente em um determinado solo. As pessoas estão entendendo isso como algo que – bem, porque um certo número de afirmações ocupam tantas linhas, as pessoas aceitam que elas têm uma série de afirmações feitas naquele número específico de linhas. Eles não estão absolutamente interessados em procurar as raízes de tais afirmações, mas simplesmente consideram as coisas pelo seu valor nominal.
Eu acho que você sabe o que eu quero dizer. Você sabe que estou me referindo à Nota Papal como algo que vi acontecer por dezoito meses. Procurei bastante para ver se não encontraria alguém que expressasse suas opiniões sobre esta nota ou fizesse o tipo de pergunta que deveria ter vindo à mente.
Lembremos que a ideia do estado como o conhecemos hoje desponta desde o século XVI. Em algumas partes do mundo, pessoas peculiares conhecidas como “historiadores” falam de estados como algo que existe há não sei quanto tempo. Mas eles sabem pouco sobre a história real. A ideia atual de um estado não tem mais do que quatrocentos ou quinhentos anos e algo totalmente diferente existia em épocas anteriores. É importante saber disso e ser muito claro sobre isso.
O elemento sacerdotal, que se encontra em Roma, é de fato mais antigo do que nossos estados modernos. Teve sua justificativa em sua própria época, quando trouxe muitas coisas ao mundo. Eu tentei descobrir se as pessoas estão se perguntando: o que realmente significa que as estruturas modernas que se desenvolveram ao longo de quatro ou cinco séculos não podem encontrar uma maneira de alcançar a ordem com seus próprios recursos e olhar para trás, para o antigo elemento sacerdotal como algo a ser discutido na maneira como as pessoas geralmente discutem as coisas hoje?
Gostaria de saber se alguém que se questionasse se é uma boa ideia patinar no gelo quando tem apenas um milímetro de espessura responderia afirmativamente. Em relação ao que realmente estamos lidando, os conceitos nos quais as pessoas baseiam suas opiniões quando um elemento sacerdotal traz impulsos para a vida moderna hoje são como uma camada de gelo de um milímetro cobrindo a água. As coisas que as pessoas escrevem e dizem hoje são como alguém patinando no gelo que não tem mais do que um milímetro de espessura. Ninguém está tentando entender o que está acontecendo, ninguém está preparado para ver que o que importa não é pegar um documento e olhar as afirmações que contém, mas saber que uma afirmação pode significar algo totalmente diferente, dependendo da fonte de qual vem.
Hoje, em toda parte, nos deparamos com a necessidade de alertar com toda a seriedade para que olhem para as origens, para ver como as coisas se relacionam, para buscar realidades e não para o modo como as coisas parecem na superfície. Certamente não pode ser tão difícil para qualquer um admitir: eu vejo como as coisas são, mas ainda não as entendo e, portanto, não direi nada que interfira. Considerando o nível de educação incrivelmente superficial, não é nada surpreendente que as pessoas sejam capazes de entender e ter uma opinião sobre tudo. As pessoas acham muito difícil admitir que não podem julgar uma questão e precisam obter uma base para seu julgamento antes de dar uma opinião. Na verdade, quase nunca lhes ocorre que é necessário ter uma base para formar uma opinião.
Infinitamente, muito depende de uma percepção real das forças motrizes, especialmente para o futuro imediato. É preciso perceber que o caos certamente não será reduzido se – falando hipoteticamente – as igrejas conseguirem estabelecer até mesmo os estágios iniciais de ordem aparente. O pior erro em que podemos cair seria dizer: Não importa de onde vem a paz, mesmo que seja do Papa. A questão é que, na verdade, pode não causar nenhum dano ter a paz iniciada pelo Papa; a questão é como os envolvidos veem a questão.
Repetidamente, precisamos estar realmente claros em nossas mentes que o tempo presente está literalmente nos desafiando a cada hora, na verdade a cada minuto, para acordarmos. A antroposofia como ciência do espírito só pode ser entendida por quem consegue perceber que se pede à humanidade uma decisão clara. Ou o espírito é compreendido ou o caos continua. Um caos coberto não seria melhor do que a carnificina que temos hoje.
Se não formos capazes de chegar a nada melhor do que o materialismo e novamente o materialismo, mesmo um materialismo intensificado, nos próximos anos, e se acontecer que os eventos dos últimos três anos, para os quais a humanidade não conseguiu acordar e observar, levasse a uma nova corrida por bens materiais – muitas pessoas anseiam por isso como algo que vem com paz – então as almas iriam mais uma vez passar pelo portão da morte e da sede de destruição aqui na terra. Não haveria fim para a destruição.
Tudo que é necessário é ter uma ideia, um sentimento, um impulso interior para a necessidade de voltar-se para as coisas do espírito! Então, iremos progredir, dependendo da extensão em que isso for alcançado. Qualquer pessoa que queira obter um pouco de compreensão da posição atual e olhar para o nosso tempo à luz das verdades sérias que temos considerado, deve desenvolver um grau razoável de sentimento por todas as coisas terríveis, irremediavelmente comuns e superficiais que são agora sendo escritas e ditas neste mundo.
Imagine um bando de crianças quebrando todas as panelas e pratos, copos e tudo na casa. Os adultos que veem isso acontecendo estão pensando em como impedir, pois as crianças continuam correndo para a dispensa e por toda a casa em busca de mais coisas para quebrar. Finalmente, os adultos têm uma ideia de como podem impedir isso. Uma série de pessoas que estão assistindo, pessoas que realmente se consideram os professores dessas crianças, encontram uma solução: eles cuidam para que tudo o que pode ser quebrado seja recolhido e feito em pedaços – e isso, eles pensam, deve acabar com isso tudo!
Não sei quantas pessoas não considerariam esses professores idiotas. Este é o tipo de situação em que as pessoas veriam a verdade. No entanto, há pessoas que se consideram sábias e dizem ao mundo inteiro: a carnificina deve continuar até que a paz chegue; tudo tem que ser quebrado, então não haverá mais nada para destruir no mundo. Isso é considerado sabedoria. Continue assassinando pessoas o máximo que puder e parará o assassinato. Isso é sabedoria!
Para quem tem até mesmo uma centelha de lógica, não é mais sensato quando o professor diz a um grupo de crianças: para garantir que nada mais seja destruído, vou rapidamente fazer as pessoas recolherem todos os outros objetos quebráveis e quebrá-los; Acho que nada mais será destruído depois disso. Por que as pessoas chamam isso de tolice e outra coisa de previsão política? Porque o pensamento das pessoas para no ponto exato em que deveria ser mais intenso, que é onde seus pensamentos se relacionam com as grandes questões do destino.
Continuaremos com isso amanhã e consideraremos algumas verdades espirituais sérias.
Rudolf Steiner – GA 177 – Dornach, 29 de setembro de 1917
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 10 – Publicado em 1910
CONHECIMENTO DOS MUNDOS SUPERIORES – CAPÍTULO 3
ESTÁGIOS DE INICIAÇÃO
A informação disponibilizada nos próximos capítulos constitui os passos para um treino esotérico, cujo nome e natureza irão ser compreendidos por aqueles que apliquem esta informação da forma correta. Refere-se aos três estágios através dos quais o treinamento da vida espíritual conduz a um certo grau de iniciação. Mas apenas será colocado aqui o quanto pode ser transmitido publicamente. Estas são meramente indicações extraídas de uma ainda mais profunda e intima doutrina. No treino esotérico, por si só, é seguido um rumo definido de instruções.
Certos exercícios permitem à alma atingir uma relação consciente com o mundo espiritual. Estes exercícios relacionam-se com o que será transmitida nas próximas páginas, como a instrução atribuída a uma escola de rígida disciplina que serve de base para a eventual formação. Mas explorados impacientemente, desprovidos de séria perseverança, podem não levar a nenhum resultado. O estudo da Ciência Espiritual só pode ser bem sucedido se o estudante preservar o que já havia sido indicado no capítulo anterior e, com base nisto, continuar.
Os três estágios especificados pela tradição acima mencionada, são os seguintes: (1) Preparação; (2) Iluminação; (3) Iniciação. Não é absolutamente necessário que o primeiro destes três estágios esteja completo antes que o segundo seja iniciado, nem que o segundo, por sua vez, esteja completo antes de se iniciar o terceiro. Em certos aspectos, é possível partilhar da Iluminação e até da Iniciação, e noutros aspectos estar ainda na fase preparatória. Ainda assim, irá ser necessário perder algum tempo no estágio de Preparação antes de qualquer Iluminação possa iniciar-se e, pelo menos em certos aspetos, a Iluminação deve estar completa antes de ser sequer iniciar o estágio da Iniciação. Mas ao descrevê-los, é necessário, por uma questão de clareza, que os três estágios estabelecidos sigam a sua ordem.
PREPARAÇÃO
A Preparação consiste numa estrita e definida cultura da vida de pensar e sentir, através da qual o corpo anímico e espiritual se tornam equipados com sentidos superiores e orgãos de atividade mais elevados, da mesma forma que as forças da Natureza tenham dotado o corpo físico com orgãos elaborados a partir de uma indeterminada matéria viva exterior.
Para começar, a atenção da alma é direcionada a certos eventos do mundo que nos rodeia. Tais eventos são, por um lado, vida que vai germinando, crescendo e florescendo, e por outro, todos os fenómenos relacionados com desvanescimento, enfraquecimento e deteorização. O estudante pode observar que estes eventos existem simultaneamente, onde quer que dirija os seus olhos e, em todas as ocasiões, esses eventos evocam nele naturalmente sentimentos e pensamentos; mas em circunstâncias normais ele próprio não se dedica o suficiente aos eventos. Ele sempre se apressa rapidamente de uma impressão para outra.
É necessário, portanto, que ele fixe a sua atenção sobre este fenómeno atentamente e conscientemente. Onde quer que ele observe um tipo definido de floração e florescimento , ele deve banir tudo o resto da sua alma e render-se totalmente, por um curto período de tempo, a esta impressão. Ele logo irá se convencer que o sentimento que até então, em caso similar teria meramente esvoaçado na sua alma, agora transborda e assume uma poderosa e energética forma. Ele deve agora permitir que este sentimento resplandeça calmamente dentro de si mesmo, enquanto vai se mantendo muito calmo interiormente. Ele deve fechar-se ao mundo exterior e simplesmente e unicamente seguir o que a sua alma lhe diz sobre estes fenómenos de floração e florescimento.
Ainda assim, não se deverá pensar que tal processo possa ser feito se os sentimentos se encontram embotados para com o mundo. Deve-se primeiro olhar para as coisas tão subtilmente e tão atentamente quanto possível para só então entregar-se aos sentimentos e pensamentos que emergem na alma. O objetivo é que a atenção deve ser direcionada com perfeito equilíbrio interior sobre ambos os fenómenos. Se a tranquilidade necessária for alcançada e você abandonar aquilo que revive na alma, então, no tempo certo, a experiência que se segue irá acontecer. Pensamentos e os sentimentos de um novo tipo, e anteriormente conhecidos, irão surgir na sua alma. De fato, quanto mais constante for a atenção sobre algo crescente, florescente e notável, e alternadamente sobre outra coisa que está em desvanescimento e decandencia, mais vividos e intensos se tornarão estes sentimentos. E assim como os olhos e as orelhas do corpo físico são constituídas por forças naturais provenientes de matéria viva, também os órgãos de clarividência se desenvolverão por meio de sentimentos e pensamentos assim envocados.
Um modelo de sentimentos está conectado com o crescimento e expansão, e outro de qualidade bem definida por tudo o que está desvanescendo e em decadência. Mas este só é o caso se o esforço for feito para cultivar estes sentimentos da forma indicada. É possível descrever aproximadamente como são estes sentimentos. Atravessando essas vivências interiores, cada um pode criar uma representação mental completa. Quem direcionou a atenção para processos crescentes e florescentes sentirá algo que lembra o raiar do Sol. Para processos desvanescimento e decandencia sentirá algo que se assemelha a ascensão da Lua no horizonte. Esses sentimentos são forças que cultivadas levam ao desenvolvimento cada vez mais vivo dos efeitos espirituais.
O mundo espíritual, o assim chamado plano-astral, começa a amanhecer sobre ele. Crescimento e decadência não são mais fatos que causam impressões indefinidas como antes, mas formam linhas espirituais e figuras as quais não havíamos antes suspeitado. E estas linhas e figuras têm, para os diferentes fenómenos, diferentes formas. Uma flor em botão, um animal em processo de crescimento, uma árvore que está a decair, evocam na alma diferentes linhas. O mundo anímico (plano astral) desvenda-se diante dele. Estas linhas e figuras, não são arbitrárias. Dois estudantes que tenham ambos alcançado o mesmo estágio de desenvolvimento, irão sempre ver as mesmas linhas e figuras sob as mesmas condições. Tal qual uma mesa redonda será vista como redonda por duas pessoas normais, e não redonda por uma e quadrada por outra, assim também, à vista de uma flor, a mesma figura espíritual é apresentada à alma. E tal como a forma dos animais e das plantas são descritas na história natural comum, também o cientista espiritual descreve ou desenha as formas espirituais dos processos de desenvolvimento e decadência, conforme o seu tipo e sua espécie.
Se o estudante proguediu o suficiente para que ele possa perceber as formas espírituais destes fenómenos que são fisicamente visiveis à sua visão externa, então ele não estará longe do estágio em que ele irá observar coisas que não possuem existência física e que, assim sendo, permanecem inteiramente omissas (ocultas) aos que não receberam o devido treino e instrução.
Deveria ser enfatizado que o estudante não deve nunca perder-se em especulações sobre o significado de uma coisa ou outra. Tal intelectualização apenas o afastará de seu caminho para a estrada certa. Ele deverá olhar para o mundo com perspicácia, sensações saudáveis e agudo poder de observação e depois entregar-se ao sentimento que se eleva dentro dele. Ele não deve tentar decifrar, através de especulações intelectuais o significado das coisas, mas sim permitir que as coisas se revelem. Deve ser notado, deve-se cultivar uma calma natureza introspectiva, de forma a melhorar condição perliminar para o desenvolvimento das faculdades espírituais. Este sentimento atravessa o aspecto superfícial das coisas e, ao fazê-lo, toca os seus segredos.
Um outro ponto importante é aquilo a que a ciência espiritual chama de orientação nos mundos superiores. Isto é conseguido quando o estudante é permeado por completo com a consciência de que os sentimentos e pensamentos são realidades tão autênticas como as mesas e cadeiras no mundo físico. Na mundo anímico e mental, sentimentos e pensamentos reagem uns sobre os outros, tal como fazem os objetos físicos no mundo fisico. Quanto menos o estudante estiver vividamente compenetrado por essa consciência, menos ele irá acreditar que um pensamento errado na sua mente, poderá ter um efeito tão devastador sobre outros pensamentos que propagam na vida um mundo de dúvidas, no qual o pensamento tem efeito de bala de fogo nos objetos físicos em que ele, aleatóriamente, acerta. Ele possivelmente nunca irá permitir-se a realizar uma ação fisicamente visível que ele considere errada, embora não vá retrocer por abrigar pensamentos e sentimentos errados pois estes parecem inofencivos para o resto do mundo. Pode, no entanto, não existir qualquer progresso no caminho para o conhecimento superior a não ser que protejamos nossos pensamentos e sentimentos exatamente da mesma forma que protegemos os nossos passos no mundo físico.
Se virmos uma parede diante de nós, não temos a intenção imediata de a atravessar, mas sim, de nos desviarmos dela. Por outras palavras, guiamo-nos pelas leis do mundo fisico. Existem tais leis, também, para o mundo dos pensamentos e sentimentos, só não podem impor-se sobre nós a partir do exterior. Elas têm de fluir da vida de sua própria alma. Isto pode ser atingido se nós nos proibirmos de nos refugiar em pensamentos e sentimentos errados. Todos os voos arbitrários em pensamentos “para cá e para lá”, todos os vazios acidentais e fluxos de emoção devem ser, igualmente, proibidos. Ao fazê-lo, não nos tornamos sentimentalmente deficientes. Pelo contrário, se regularmos a nossa vida interna desta forma iremos ver-nos, brevemente, a tornarmo-nos ricos em sentimentos e em criatividade com genuina imaginação. No lugar de escassez emocional e voos caprichosos do pensamento, surgem emoções e pensamentos significativos que são verdadeiramente proveitosos.
Pensamentos e sentimentos deste tipo, conduzem o estudante na orientação do mundo espiritual. Ele adquire uma posição correta em relação ao mundo espiritual; um resultado distinto e definitivo vem interferir a seu favor. Assim como ele, como homem físico, encontra o seu caminho entre os objetos físicos, também o seu trajeto o leva agora por entre crescimento e decadência, os mesmos que ele já conheceu no percurso descrito acima. Por um lado, ele segue todos os processos de crescimento e florescimento e, por outro, de enfraquecimento e decadência da forma necessária para si próprio e para o avanço do mundo.
O estudante terá sempre de conceder um cuidado adicional ao mundo do som. Ele deverá estabelecer diferenças entre sons que são produzidos pelos assim chamados corpos inertes (sem vida), por exemplo, um sino, ou um instrumento musical, ou um corpo que cai, e aqueles que provêm de uma criatura viva (um animal ou um ser humano). Quando ouvimos um sino, nós o associamos a um sentimento agradável; mas quando ouvimos o choro de um animal, nós podemos, apesar do que sentimos, detectar a partir dele a manifestação de uma experiência animal interior, seja ela prazerosa ou dolorosa. É com o ultimo tipo de som que o estudante começa a trabalhar. Ele deve concentrar toda a sua atenção no fato do som lhe dizer algo que vive fora da sua alma. Ele deve mergulhar neste algo exterior. Ele deve unir de perto os seus próprios sentimentos com prazer ou dor como reação ao que o som lhe transmite. Ele deve ir além do ponto de se importar se o som é simpático ou antipático, agradável ou desagradável, e a sua alma deve ser preenchida com o que quer que esteja a ocorrer no ser do qual o som é originário.
A partir destes exercícios, se sistematicamente e deliberadamente realizados, o estudante irá desenvolver dentro de si próprio a faculdade de enterlaçamento, por assim dizer, com o ser a partir do qual o som procede. Para uma pessoa sensivel à música será mais fácil cultivar a sua vida interior desta forma, do que para alguém que não possui essa sensibilidade musical; mas ninguém deve supor que um mero sentido para a música pode substituir esta atividade interna. O estudante deve aprender a sentir desta forma, perante toda a natureza. Isto insere uma nova capacidade no seu mundo de pensamentos e sentimentos. Através da sua ressonância, toda a natureza começa a sussurar os seus segredos ao estudante. O que era, até agora, ressonância incompreensivel na sua mente torna-se, por este meio, uma coerente linguagem da natureza. E enquanto que, até agora, ele apenas ouvia o som de objetos inanimados, neste momento ele está consciente de uma nova linguagem da alma. Ele deve avançar ainda mais nesta cultura interior e brevemente irá aprender que pode ouvir o que, até então, ele não havia sequer desconfiado. Ele começa a ouvir com a alma.
Para isto, algo mais deverá ser adicionado antes que o ponto mais elevado desta região possa ser alcançado. De grande importância para o desenvolvimento do estudante é a forma como ouve os outros quando eles falam. Ele deve acostumar-se a fazê-lo de tal forma que, enquanto ouve, o seu eu interior esteja absolutamente silencioso. Se alguém expressa uma opinião e outro ouve, este acontecimento vai, de um modo geral, agitar favorável ou desfavorávelmente o ser interior do ouvinte. Nestes casos, muitas pessoas sentem-se impelidas a expor uma expressão de aprovação ou, mais especificamente, de discordância.
No estudante, tanto a concordância como a discordância deverão ser silenciados. Não é imperativo que ele deva, de repente, alterar toda a sua forma de vida por tentar conquistar, em todos os momentos, este pleno silêncio interior. Ele começar por fazê-lo em casos especiais, deliberadamente selecionados por si próprio. Depois, lentamente e por etapas, esta nova forma de ouvir irá influênciar os seus velhos hábitos, como se dos próprios se tratassem. Em pesquisa espiritual isto é sistemáticamente praticado. O estudante sente o dever de ouvir, como forma de prática, em alguns momentos, os pensamentos mais adversos e, ao mesmo tempo, silenciar todas as aprovações e, especialmente, todas as criticas adversas. O objetivo é que, ao fazê-lo, não seja apenas silenciado qualquer julgamento puramente intelectual, como também, todos os sentimentos de desagrado, negação, ou mesmo, aprovação.
O estudante deve, em todos os momentos, ser particularmente atento, se tais sentimentos, mesmo que não à superfície, possam ainda esconder-se no lugar mais intimo da sua alma. Ele deve ouvir, por exemplo, a declaração das pessoas que estão, em alguns aspectos, “muito abaixo” dele, e ainda assim, enquanto o faz, suprimir todos os sentimentos de maior conhecimento ou superioridade. É útil para todos ouvir a criança desta forma, pois até mesmo o mais sábio pode aprender incalculavelmente mais através das crianças. O estudante pode assim treinar-se para ouvir as palavras dos outros de forma completamente altruísta, abstraindo-se totalmente da sua própria pessoa e das suas opiniões e forma de sentir. Quando ele pratica ouvindo sem criticas, mesmo quando uma opinião completamente contraditória surge, quando o erro sem esperança é cometido diante dele, então ele aprende, pouco a pouco, a misturar-se com a essência dos outros seres e identificando-se com eles. Então ele ouve através das palavras da alma dos outros.
Através de exercícios continuos deste tipo, o som torna-se o meio certo para a percepção da alma e do espirito. Claro que implica a uma restrita autodisciplina, mas leva a uma meta superior. Quando estes exercícios são praticados em ligação com outros já indicados, relativos com o ressoar da natureza, a alma desenvolve um novo sentido de audição. A alma está agora capaz de perceber as manifestações do mundo espiritual que não encontram a sua expressão em sons perceptíveis ao ouvido físico. A percepção do “verbo interior” desperta. Gradualmente, as verdades do mundo espiritual revelam-se ao estudante. Ele escuta a linguagem espiritual. Apenas aqueles que, por escuta altruísta, se treinam para ser realmente receptivo ao mundo interior, em silêncio, indiferente à opinião ou sentimentos pessoais, apenas para tais os seres superiores falam. Enquanto alguém lança alguma opinião ou sentimento pessoal contra o orador a quem alguém deverá ouvir, o mundo espiritual mantém-se silencioso.
Todas as verdades superiores são atingidos através de tal discurso interiormente incutido, e o que ouvimos a partir dos lábios de um verdadeiro professor espiritual tem sido experimentado por ele à sua maneira. Mas isto não significa que isto seja desnecessário conhecermos a nós próprios através dos textos da ciência espiritual antes de nós próprios conseguirmos ouvir tal discurso interiormente. Pelo contrário, a leitura de tais escritos e a escuta de tais professores da ciência espiritual são meios de atingir conhecimento pessoal. Cada frase da ciência espiritual que ouvimos é, por natureza, capaz de levar sentido aonde este tem que chegar para a alma poder experiênciar um progresso verdadeiro. Para a prática de tudo o que foi aqui indicado, deverá ser adicionado um estudo zeloso sobre o que os investigadores espirituais transmitem ao mundo.
Em todos os treinos esotéricos, tal estudo pertence ao período preparatório e todos os outros métodos irão demonstrar-se ineficazes se a devida receptividade para os ensinamentos da pesquisa espiritual for escassa. Pois se estas instruções emanaram do verbo interior vivo, do discurso interiormente incutido, eles próprios são dotados de vida espiritual. Não são meras palavras; são forças vivas. E enquanto você segue as palavras daqueles que sabem, enquanto você lê um livro que nasce de experiências internas reais, em sua alma atuam forças que tornam você clarividente, tal como as forças naturais criaram a partir de matéria viva os seus olhos e os seus ouvidos.
Rudolf Steiner
Tradução: Inês Pinheiro
“Os meramente devotos são os que encerram as verdades científico-espirituais dentro de seus próprios limites abstratos e não estão dispostos a permear a realidade cotidiana com pensamentos penetrantes.”
Rudolf Steiner
FUNDAMENTO ANTROPOSÓFICO X PENSAR A REALIDADE VIVA
Atualmente nos cabe desenvolver a Alma da Consciência e, para tal, temos a tarefa de desenvolver um pensar vivo como germe do pensar imaginativo: a partir da capacidade de observar atentamente os fenômenos em estado de presença.
O fato de unirmos um conceito à observação é resultado de uma intuição de primeiro grau. Não apenas reproduzir meras representações do hábito e dos modelos mentais da cultura de massa que sufocam nossa mente, mas colocar-se ativamente diante do fenômeno como observador, conter nosso pensar autômato e permitir que algo subjacente ao fenômeno se revele em novos conceitos mais ricos e vivos em nosso pensar.
Aqui podemos invocar o conceito de Consciência Pontual, onde a Presença de Espírito e direção focal ao objeto/assunto a ser observado no tempo presente – “agora” – se torna essencial para a compreensão da realidade viva.
Para entender o ser humano, o mundo e suas relações é necessário a observação atenta dos fenômenos vivos no agora, sem fuga ou relativização de aspectos para moldar uma realidade que não seja verdadeira, seja em qualquer âmbito – material, conceitual e temporal, em sua amplitude e profundidade.
Apenas reproduzir conceitos estáticos, representações do hábito e dos modelos mentais da cultura representa a morte do pensamento – de seu aspecto espiritual.
Este pensar seletivo e vinculado a conceitos estáticos, o qual está desvinculado da observação atenta dos fenômenos em estado de presença é o oposto do proposto por Rudolf Steiner para o desenvolvimento da Alma da Consciência – o caminho de conhecimento alinhado a partir de Aristóteles, passando por Goethe e chegando à Antroposofia.
Steiner diz:
“Uma visão antroposófica do ser humano deve fornecer os meios mais frutíferos e mais práticos para a solução das questões urgentes da vida moderna e, em verdade deve poder juntar-se e trabalhar nas tarefas mais importantes da atualidade e promover seu desenvolvimento para o bem estar da humanidade como um todo… devemos observar a integração entre o pensamento e a realidade objetiva, qualquer oposição a isso vai contra ao que a humanidade precisa para o avanço do seu progresso.”
Portanto, hoje temos o desafio da integração dos fundamentos da Antroposofia com a observação atenta da realidade viva. Qualquer coisa que se oponha a isso é um Impulso na direção contrária ao indicado por Rudolf Steiner e uma distorção de seu pensamento.
Que tenhamos coragem para a verdade.
Leonardo Maia
GA 98 – Colônia, 9 de junho de 1908, Leitura:
A FESTA PENTECOSTAL DO CONFLUIR ANÍMICO DA ESPIRITUALIZAÇÃO DO MUNDO
Na última palestra chegamos a conhecer alguns seres espirituais, que se situam abaixo do homem, dos quais alguns têm capacidades que podem ser corporadas com as capacidades dos homens, só que lhes falta o sentimento de responsabilidade. Nós vimos como eles podem ser focalizados como restos da evolução e que seriam inconvenientes se ficassem entregues a si mas que são usados sob a direção de entidades superiores. Desta forma os seres prejudiciais são transformados em seres bons.
Hoje vamos aumentar esta multidão de seres com mais outros que vamos contemplar para mostrar como se efetua a colaboração do homem com estes seres. Vamos partir primeiramente do fato, de que cada vez que chega a noite o homem passa, cada vez de novo, por uma transição de estado de vigília para o catado de sono. Sabemos que quando o homem está desperto no estado diurno, seus quatro membros estão ligados entre si, se permeiam espiritualmente. Depois, lembramo-nos de que todas as noites, o corpo astral e o eu se retiram do corpo físico e do corpo etérico. Então vamos surgir, desta união humana do ser quadrimembrado, duas entidades diferentes entre si durante a noite. Na cama ficam deitados o corpo físico e o corpo etérico, e fora dele ficam o corpo astral e o eu.
Para o homem atual surgem na noite, situações bem diferentes do que durante o dia. Podemos comparar e estado de consciência do homem atual durante a noite com o estado de consciência dos vegetais. A planta tem o estado de consciência do sono isento de sonhos. Os homens possuem uma espécie de consciência vegetal em seu sono. E num sono isento de sonhos, o homem também está no mundo espiritual.
Ampliando esta representação, vamos ver que cada membro da entidade humana tem sua manifestação no corpo físico. O corpo físico é, por assim dizer, o resultado dos membros básicos do homem. o eu se manifesta no sangue, o corpo astral se manifesta no sistema nervoso, o corpo etérico se manifesta no sistema glandular e o sistema sensório é a manifestação do corpo físico. Se vemos o corpo físico do homem como a expressão da revelação dos diversos membros, então temos que nos dizer que a circulação sanguínea existe através do eu individual. Não é possível existir um sistema nervoso sem que o corpo astral crie e estruture este sistema nervoso. À noite retiramos do corpo físico, o corpo astral e o eu, mas não retiramos o sistema nervoso e o sangue. Mas o sangue e o eu se pertencem, e o corpo astral e o sistema nervoso se pertencem.
À noite, o homem se comporta displicentemente em relação a seu corpo físico. O sangue e o sistema nervoso tiveram que surgir para que o homem pudesse ter instrumentos para o eu e o corpo astral. No entanto, à noite, ele abandona o sangue e o sistema nervoso. É impossível um corpo físico, com sangue e o sistema nervoso se manter, mesmo por um segundo, sem o eu e o corpo astral. A planta pode existir sem ales porque não tem sistema nervoso nem sistema sanguíneo. Se estivessem dependendo apenas de nós, então, de manhã, iríamos encontrar nosso corpo físico morto. Nós lhes tiramos as forças superiores, o corpo astral e o eu, que devem cuidar do corpo físico. Isto que deixamos de fazer durante a noite, outras entidades tem que fazer por nós. À noite estas entidades penetram para dentro do corpo físico e etérico, elas baixam para dentro do corpo físico e corpo etérico.
Todas as noites, entidades espirituais elevadas, penetram no corpo físico e corpo etérico e assumem o trabalho que é executado durante a vida diurna pelo próprio eu e corpo astral. Trata-se de entidades muito elevadas e dignas, que criaram, em tempo idos, o corpo físico e corpo etérico do homem, que o reassumem de novo durante à noite. Durante a noite, o corpo astral e o eu ficam lá em cima no mundo superior e o corpo físico e o corpo etérico ficam embaixo. Eles são abandonados durante a noite pelo corpo astral e pelo eu. Na medida em que são abandonados pelo corpo astral e pelo eu, forças de entidades superiores vão se introduzindo neles.
O corpo etérico do homem não é o mesmo como o da planta. No corpo físico e etérico do homem penetram durante a noite, forças vindas de um mundo superior. Pode acontecer o seguinte: Em sua consciência diurna, o homem atua constantemente sobre o corpo físico e o corpo etérico. Quando o homem pensa e sente, isto se desenrola no corpo astral mas passa para o corpo etérico e o corpo físico. Isto se imprime neles. Antigamente o corpo físico e o corpo etérico surgiram simplesmente através do querer de entidades superiores. Mas na medida em que o homem foi se tornando consciente do eu, estas influências saíram do corpo etérico e do corpo físico. Isto que vive na alma, deixa de provocar sua influência sobre o corpo físico. Não é possível constatar, através de um exame de anatomia, quais são as modificações que ocorrem no corpo físico e no corpo etérico humano, mas elas ocorrem. Quando o homem mente, provoca um efeito sobre o corpo físico e o corpo etérico. Mentira e dissimulação, são processos que ocorrem na alma e no eu. Do ponto de vista materialista pode-se acreditar que a mentira só se manifesta no interior, mas a visão ocular sabe que através dela se dão mudanças de estrutura que vão até o corpo físico. Tais modificações também ocorrem com as múltiplas mentiras convenientes que vivem no mundo.
Vamos olhar para a realidade material. Sabemos como nossa vida está repleta de inverdades. Quando as pessoas se dizem coisas que não correspondem inteiramente ao que pensam, então isto se apresenta como uma impressão sobre o lacre. Esta impressão permanece. Toda dissimulação, a inverdade, a calúnia, fica impressa no corpo físico. Quando à noite, o homem abandona seu corpo físico e corpo etérico, então as tais impressões ficam visíveis. Agora vem as entidades do mundo superior e encontram as impressões que não são compatíveis com o mundo superior. Com isto, algo novo acontece, é criado algo novo. Das entidades superiores são desprendidos seres por intermédio do corpo físico, que passam a viver uma existência autônoma entre nossos mundos. Na ciência oculta eles são denominados de fantasmas (1). São denominados de fantasmas porque estão próximos da percepção física e, além do mais, são seres com leis físicas. Eles esvoaçam em nosso espaço e freiam a evolução humana. Eles pioram as coisas existentes no mundo do que seria se eles não existissem. Estes fantasmas são seres criados pelos homens através de mentiras, dissimulações, etc., e que freiam o desenvolvimento.
O fato de conhecermos a atuação destes seres espirituais nos ajuda mais do que prédicas morais. Uma humanidade futura vai saber o que ela cria através de mentiras, dissimulações e calúnias, ao se conhecer os fatos, cria-se uma moral eficaz do que através de princípios morais. Através da fundamentação da ciência espiritual referente ao existir, são criados mais fortes impulsos e motivações morais. Os fantasmas também são uma espécie de seres da natureza criados através das atitudes humanas. À noite, o homem abandona seu corpo e deixa impresso nele as impressões lacradas, provenientes da mentira, dissimilações e etc. De manhã, antes do homem entrar em seu corpo, fluem para fora dele, os fantasmas.
O corpo etérico também pode ser influenciado desta forma, que dele se desprendem seres. São novamente certos processos humanos que provocam desligamentos do corpo etérico. Todas as coisas como leis mal feitas e injustas que castigam erroneamente, instituições mal elaboradas dentro de uma comunidade social, retroagem sobre o corpo etérico de tal forma que dele se desprendem seres, que são ridicularizados em nossa época supersticiosa.
Estes seres são espectros, fantasmas. Fantasmas verdadeiros são aqueles que pertencem a esta classe ou ordem de seres. Os homens deveriam se esforçar para constituírem suas instituições da melhor forma possível para não criarem este tipo de seres.
Agora vamos dirigir nosso olhar para o eu e o corpo astral durante a noite. Consideremos que o eu e o corpo astral do homem também se encontram numa situação especial. Eles se adaptaram à vida do sangue e dos nervos. Sobre o corpo astral e o eu também fluem forças superiores dos mundos superiores, durante a noite. Quando o homem leva consigo certas coisa, também acontecem processos de desligamento. São novamente fatos da vida anímica que provocam o desligamento. Imaginemos duas pessoas que tem duas opiniões diferentes. Um tenta convencer o outro, tem o anseio de convencê-la. Este anseio é muito difundido entre os homens de hoje em dia. Os homens deveriam expor suas opiniões e esperar que no outro se movam as forças através das quais ele aceita a opinião. Existem tantos fanáticos por suas opiniões que não ficam satisfeitos enquanto não conseguirem impor suas opiniões. Se acontece algo assim, então os dois corpos astral são prejudicados. Eles levam consigo o convencer e os conselhos errados. O que é imposto ao corpo astral provoca que durante a noite se desprendem dele seres que são denominados de demônios.
Estes seres demoniacais tem uma influência especialmente perniciosa sobre nosso desenvolvimento humano. Eles esvoaçam pelo espaço espiritual e reprimem os homens no desenvolver de seus próprios pontos de vista. Reflitam, o quanto se peca neste sentido nas casas de chá e nas mesas de bar! Daqui são levadas, constantemente, forças para a formação de demônios. Eles se rastejam para dentro da alma humana.
Pergunta-se o quanto acontece neste ou naquele julgamento tribunal, na forma de como os homens testemunham! Eles estão convictos, e na verdade não fazem um juramento falso por estarem convictos. Foi criado uma vez uma série de acontecimentos programados, e trinta pessoas o deveriam descrever. Duas pessoas descreveram corretamente o processo, e todas as outras vinte e oito acrescentaram fatos que não haviam ocorrido. É deste modo que se manifestam as diversas influências destes seres demoniacais que são criados desta forma. Não existe outro meio para o se homem preservar da influência destes seres prejudiciais, do que o conhecimento destes fatos em relação às suas atitudes. Em todo o lugar onde se oferece uma situação propícia para que estes seres possam exercitar sua influência perniciosa, eles estão presentes.
A visão oculta pode constatar sua presença nos tribunais. Todos estes seres sempre atuam no sentido a partir do qual se original.
Os seres que surgiram por leis mal feitas, atuam novamente assim, que induzem os homens para criarem leis ruins.
O homem deve olhar para dentro do mundo espiritual, para atuar de forma prática e não criar constantemente obstáculos. Se olharmos para tudo isto que ocupou nossa atenção até agora, temos que constatar que o homem cria durante sua vida diurna, a oportunidade para que surjam uma multidão de seres espirituais, seres elementares temos que nos perguntar sobre o significado que estes seres tem para a futura evolução da humanidade. Olhemos para trás, para épocas antigas onde nossos antepassados viviam no mundo atlântico.
Se nós retrocedermos o suficiente na evolução da antiga Atlântida, chegaríamos a encontrar, sucessivamente, homens com uma configuração bem diferente. Vamos retroceder até aproximadamente a metade da época Atlântida. Aqui temos que imaginar os homens de tal forma, que esta parte do corpo etérico que hoje está em nossa cabeça, era sobresaliente da cabeça física, assim como hoje ainda é percebido, pela visão oculta, no cavalo. De forma surpreendente isto pode ser observado no elefante. Ele tem uma grande sobressaliência perante e acima de sua cabeça física atual. Este também era o caso no homem de Atlântida. O caminho do desenvolvimento consistiu em que estas partes se aproximassem cada vez mais, assim que hoje a cabeça etérica e a cabeça física do homem quase que se cobrem.
Antigamente o homem tinha uma vidência crepuscular. Quando o homem energia em seu corpo durante o dia, ele não via os limites concretos mos via as coisas envoltas por uma aura. Durante a noite não se via nenhum limite, mas sim apenas a espiritualidade das coisas. Na época pós-atlântica nós temos que diferenciar até agora, cinco épocas culturais. Na antiga Índia, na primeira época cultural pós-atlâtica, os homens eram constituídos assim, que a ligação da cabeça etérica com a cabeça física era muito tênue. A união da cabeça etérica com a cabeça física foi se tornando cada vez mais intensa. A maior união se apresenta em nossa época, a 5ª pós-atlântica, onde os homes desceram para o mundo físico material, onde os homens se infiltraram o mais profundamente para dentro da matéria. Nestas múltiplas encarnações dentro das diversas épocas, o homem aprendeu muitas coisas até os dias desta sua encarnação atual. Tudo o que acontece neste mundo, acontece numa linha decrescente e ascendente. Tão real quanto o fato que a cabeça etérica se uniu cada vez mais com a cabeça física, tão real é o fato, que lentamente se dará um afrouxamento. Nós chegamos na época em que a cabeça etérica começa a se desprender novamente. Aqui temos que fazer uma diferenciação entre desenvolvimento de raças e o desenvolvimento anímico. No futuro irão existir almas que não foram suficientemente ativas durante o período em que a cabeça etérica estava unida com a cabeça física. Hoje muitas pessoas se recusam, por conseqüência da união da cabeça etérica com a cabeça física, em aceitar as verdades espirituais.
As pessoas que agora aceitam as verdades espirituais, irão, mais tarde, quando voltarem novamente, encontrar uma conexão, se aprenderam o suficiente nesta encarnação. Aquelas pessoas que negligenciam agora, o que deve acontecer, não encontrarão no futuro os corpos que condizem com eles. O desenvolvimento das raças vai criar corpos normais que condizem com as almas que não foram negligentes. As outras serão assim, que com o corpo etérico afrouxado, não terão condições de captar qualquer coisa. Estes homens serão uma espécie humana que cai fora do prosseguimento do desenvolvimento humano.
Serão necessárias muitas coisas para se adaptar a um futuro corpo. Imaginem uma alma que terá que viver num corpo físico com o corpo etérico levemente desligado. Esta alma não irá compreender nada se lhe falar dos demônios e etc. Hoje, chegamos no ponto em que se pode falar destas coisas. Uma vez que o corpo etérico tenha se afrouxado, isto não é mais possível. Aí o corpo etérico está designado para percepções bem diferentes.
Futuramente, o corpo etérico vai viver no mundo espiritual que é habitado por demônios e etc. então este mundo de seres espirituais estará em volta do homem, e se ele não se preparar agora através destes ensinamentos, estará, mais tarde, perdido perante estes seres. Aqueles porém que levam desta encarnação o saber sobre estes seres, vão saber como se comportar perante eles. Estes homens que os conhecem são designados no futuro, para transformarem estes seres em servidores de um desenvolvimento progressivo. Assim podemos ver como os homens podem perder a hora certa para a execução de suas tarefas dentro da evolução humana e dos outros seres.
Todos estes demônios, fantasmas e fantomas são, hoje em dia, prejudiciais, mas no futuro nós os vamos transformar em servidores do desenvolvimento da humanidade. Mas o homem tem que se preparar para isto. O desenvolvimento de almas e raças não segue paralelo naturalmente.
No futuro os homens irão se dividir em bons e maus, sendo que uma parte se desenvolve de forma correta para poder transformar, no futuro, os demônios, fantasmas e fantomas. A outra parte que será impelida para baixo, serão os maus. O que o espírito do homem cria, tem um significado real. Sempre foi assim no desenvolvimento humano.
Deverá ser dado mais um outro exemplo de como os homens colaboram no Mundo. Vamos fixar nossa observação na quarta época cultural, sobre a época grega. A idéia do templo teve sua origem na alma humana. As idéias do templo baseada naquilo que denominamos de colunas e sobre o que a coluna sustenta. Nunca mais se chegou tão longe como naquilo que a humanidade conseguiu naquela situação, ou seja, se por na situação de um espaço sustentado. Comparemos um templo grego com ima construção moderna. Quando uma coluna se torna decorativa, ela deixa de ser a mesma coluna, que aquela que está livre e sustentando realmente. O homem tem que ter a sensação de que a coluna deve consistir do material certo. Se pintamos uma coluna de ferro, que é fina e sustenta o mesmo peso como uma coluna grossa de pedra, então ela nos mente.
Um templo grego é uma idéia grega de espaço. Isto os homens podem compreender quando forem capazes de se representarem forças que vem de cima para baixo e da direita para esquerda o que tem sua forma de manifestação. Podemos nos imaginar três anjos que estão pairando no ar, pintados de tal forma que sabemos que eles se sustentem mutuamente. Nos pintores antigos ainda encontramos este sentimento de espaço. Hoje não o encontramos mais, nem mesmo em Boooklin (obs do digitador: palavra não legível no original). Em sua Pietá, tem um anjo onde se tem a sensação que ele vai cair a qualquer instante.
O sentimento de espaço, pode faltar até para o maior gênio, se lhe falta a cultura espiritual. Cada vez em que o homem produz uma idéia de espaço real, isto oferece a oportunidade para que o espaço seja preenchido por entidades. Desta forma atraímos para baixo entidades, prendendo-as no espaço.
Entidades diferentes são atraídas para baixo pelas colunas gregas com o vigamento fazendo horizontalmente sobre elas, as entidades bem diferentes, para a catedral gótica com seus arcos ogivais. A catedral gótica se diferencia espiritualmente do templo grego da seguinte forma. No templo grego o homem introduziu a idéia de espaço de tal forma que o templo é uma idéia de espaço cristalizado.
Pelo fato do templo ser assim como ele é, ele é a moradia de entidades superiores, de um deus, mesmo que esteja abandonado pelo homem. mas da catedral gótica, os homens fazem parte. A ela tem que ser acrescentado o homem devoto com as mãos unidas para a prece. O templo grego é uma moradia de Deus. A catedral gótica é um lugar para cultos e uma moradia de Deus quando os homens estão presentes. O templo grego também é uma moradia de uma entidade espiritual, mesmo quando o homem está ausente. Assim vamos que os homens estão em harmonia com o mundo espiritual quando ele colabora com o mundo espiritual. Assim vamos no capítulo, como através das atividades dos homens pode se trabalhar sempre mais para chamar entidades superiores para baixo.
Novamente surge em nossa alma a idéia pentecostal. A idéia pentecostal transmite um símbolo que podemos reconhecer através das seguintes observações: Os homens criam, através do seu trabalho, espaços para a descida de entidades espirituais, ou seja, que eles trabalhem na espiritualização do mundo.
Temos que compreender a idéia espiritual, científica-espiritual, de tal maneira, para que ela penetre em cada ramificação da vida. Em nossa época materialista, a vida externa quase não é mais a manifestação do interior. Antigamente, cada trinco de porta, cada chave era manifestação de algo espiritual. Comparando com hoje, tudo é tão inexpressivo. O homem vai aprender a criar novamente de tal forma que o exterior seja uma expressão do interior. Daí também a estação de trem vai surgir com uma idéia TAM qual a idéia do templo grego o da catedral gótica. Nossa época também tem seu estilo arquitetônico correspondente. Este é o mercado. Ele é a estampa do pensamento utilitário, a estampa do egoísmo humano. A ora da utilidade criou o mercado como seu único estilo original.
Antigamente os homens punham suas sensações anímicas dentro do estilo arquitetônico. O mercado é a expressão das sensações do século 19. Mas agora já existe um movimento espiritual que prepara uma futura espiritualização. As pessoas que compreendem o movimento antroposófico desta maneira, concretizam a idéia pentecostal. Vamos ver no futuro a ideia antroposófica cristalizada naquilo que cobre a Terra.
Rudolf Steiner – GA 98 – Colônia, 9 de junho de 1908
Em cada ser humano vive toda a humanidade.
O HOMEM COMPLETO
“O Humano em toda a sua abrangência não chega de fato a se manifestar através de qualquer ser humano isolado, nem dos membros de um povo sozinho. Manifesta-se apenas através da humanidade inteira.
E se quiseres, o Homem, reconhecer o que tu és quando completo, percorre então as particularidades dos distintos povos da Terra. Recolhe tudo aquilo que por ti mesmo não podes ter; só então te tornarás o homem completo, o qual já tens em ti.
Faz-te atento, apenas, ao que há em teu interior. O que no outro se revela, tu não o tens: no outro precisas buscá-lo. Disse tens, porém, necessidade. Tu o sentes e sabes, quando encontras no outro o que é nele o grande, o que lhe é particular, e isso atua sobre ti profundamente, pois é uma necessidade, que tu não possa ser sem aquilo que do outro recebes, pois que responde a teu desejo anímico-espiritual interior. A constituição básica para Ser Humano completo já existe em cada um; o preenchimento, porém, temos de encontrá-lo ao peregrinarmos através das particularidades do Ser dos distintos povos, espalhados como estão por sobre a Terra.
(…) esse Pleno-Homem completo existe em nós apenas como necessidade, e, portanto em nós essa necessidade deveria madurificar-se em amor pela Entidade Humana toda, pela Entidade Humana que nós não temos, que podemos adquirir quando buscamos com dedicação reconhecer a Ser que vive, justamente com o nosso povo, nos outros povos da Terra.”
Rudolf Steiner – Pentecostes
“Reserva-te momentos de calma interior e aprende, em tais momentos, a discernir o essencial do não essencial” – Rudolf Steiner
A VISÃO PANORÂMICA DO HOMEM SUPERIOR
O discípulo do oculto terá de recolher-se, por um certo espaço de tempo, de sua vida quotidiana para dedicar-se a algo inteiramente diferente dos objetos de sua ocupação diária…
…Nesse espaço de tempo, a pessoa terá de desprender-se completamente de sua vida quotidiana. Sua vida dos pensamentos, dos sentimentos deverá então receber matizes diferentes dos costumeiros. Ela deverá fazer com que suas alegrias, seus sofrimentos, suas preocupações, suas experiências, seus atos sejam passados em revista por sua alma. E deverá tomar, então, uma posição tal que tudo o que geralmente vivencia seja encarado de um ponto de vista superior.
O que devemos aspirar nos momentos de recolhimento é, pois, contemplar e julgar nossas próprias vivências e ações como se essas não houvessem sido vivenciadas ou feitas por nós próprios, mas por uma outra pessoa. Imagine-se que alguém tenha experimentado um grave golpe do destino. Quão diferentemente ele se coloca diante do fato do que diante de um idêntico golpe de destino sofrido por uma pessoa próxima! Ninguém deve considerar isto injusto, uma vez que está encerrado na natureza humana. E semelhantemente a tais casos extraordinários acontece nos assuntos quotidianos da vida. O discípulo terá de buscar a força para, em certos momentos, considerar-se a si próprio como um estranho. Com a calma interior do juiz, terá de defrontar-se consigo próprio. Se isto for alcançado, as próprias vivências apresentar-se-ão sob uma nova luz. Enquanto a pessoa está entretecida nelas, enquanto está dentro delas, está em relação tanto com o essencial quanto com o acessório.
Ao se alcançar a calma interior da visão panorâmica, o essencial se separa do acessório. Desgosto e alegria, cada pensamento, cada decisão apresentam-se diferentes quando se está, desse modo, em autoconfronto…
…Todo ser humano traz em seu interior, ao lado de seu “homem quotidiano”, um homem superior. Este homem superior permanecerá oculto até ser despertado. E somente por si mesmo cada um poderá despertar esse homem superior dentro de si. Todavia, enquanto esse homem superior não for despertado, também permanecerão adormecidas as faculdades superiores latentes em cada um e que levam ao conhecimento suprassensorial. Enquanto alguém não experimentar o fruto da calma interior, terá de dizer a si mesmo que deve perseverar na observação séria e rigorosa das citadas regras. Para todos os que assim procederem, chegará o dia em que, ao seu redor, haverá uma luz espiritual onde um mundo novo se descortinará a uma visão até então desconhecida.
Rudolf Steiner – GA 10, “O Conhecimento dos Mundos Superiores”, cap II
EDUCAÇÃO INTEGRAL X EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL
Não vai confundir Educação Integral, com Educação em Tempo Integral.
É possível ter uma escola de Educação Integral, em meio período ou período integral. Que acolhe o aluno como um indivíduo, respeita suas curiosidades, desenvolve suas habilidades, competências e todas as dimensões formativas, integrando os diversos agentes educativos, com foco na aprendizagem complexa, integral e significativa de cada aluno.
Assim como é possível ter uma escola de Educação em Tempo Integral, instrucionista, conteudista e fabril, que dobra o tempo de permanência dos alunos na escola. Os alunos passam a ter o dobro de aulas enfadonhas, fragmentadas, com foco na memorização e sem aprendizagem significativa. Apenas dobraram o volume de ineficiência do processo.
Tina Carvalho
Se, em nossos tempos, os homens não se inclinarem para o conhecimento espiritual, irão perder o Cristo.
PENTECOSTES UNIVERSAL
“Quem perceber realmente o espírito da Antroposofia, descobrirá que será ela justamente que abrirá novamente os ouvidos, o coração e a alma do homem como um todo para o mistério do Cristo.
Meus caros amigos, o destino da Antroposofia quer se ligar ao do cristianismo. Para isso é necessário que os homens de hoje se elevem, além da palavra morta que lhes fala do Cristo, para aspirar a um conhecimento que os conduza à própria luz do Cristo vivo, não daquele histórico que séculos atrás vivera na Terra, mas daquele que hoje e em cada momento do futuro vive e viverá na Terra entre os homens, porque se transformou de deus em seu irmão divino.
Assim, queremos receber em nossos pensamentos pentecostais o anseio de procurar através da Antroposofia o caminho ao Cristo vivo e sentir como em cada antropósofo pode ser renovado o mistério primordial de Pentecostes. Que em seus corações surja o conhecimento do Cristo que aquece e ilumina nas línguas de fogo do conhecimento cristão universal.
Façamos com que o nosso caminho em direção ao espírito através da Antroposofia seja ao mesmo tempo o caminho em direção ao Cristo através do espírito. E se isto for assumido por uma minoria de pessoas com seriedade então será cada vez maior o número de homens em que esse mistério de Pentecostes criará raízes no presente e especialmente no futuro.
Então acontecerá o que a humanidade tanto precisa para a sua saúde e para a sua cura: falará então, para uma nova compreensão humana, o espírito salvador que Cristo enviou para curar as doenças das almas dos homens. Então, meus caros amigos, virá aquilo que a humanidade precisa:
O Pentecostes Universal!”
Rudolf Steiner
GA 10 – Publicado em 1910
CONHECIMENTO DOS MUNDOS SUPERIORES – CAPÍTULO 2
CALMA INTERIOR
No início de sua disciplina, o discípulo do oculto é apresentado à senda da veneração e ao desenvolvimento da vida interior. Ora, a Ciência Espiritual também fornece regras práticas; mediante sua observância, pode-se entrar no caminho, pode-se desenvolver a vida interior. Essas regras práticas não descendem de nada arbitrário. Baseiam-se em antiquíssimas experiências e remotíssima sabedoria. Por toda parte onde se apontem os caminhos ao conhecimento, elas são dadas da mesma maneira. Todos os legítimos mestres da vida espiritual são unânimes quanto ao conteúdo dessas regras, mesmo que nem sempre as revistam com as mesmas palavras. A disparidade secundária e, no fundo, somente aparente provém de fatos que não cabe abordar aqui.
Nenhum mestre da vida espiritual tenciona, através de tais regras, exercer um domínio sobre outras pessoas. Não pretende limitar ninguém em sua independência. Ora, não há ninguém que saiba melhor estimar e proteger a independência humana que os pesquisadores do oculto. Na primeira parte deste texto foi dito que um laço espiritual abrange todos os iniciados, e que duas leis naturais representam os elos que asseguram a firmeza dessa ligação. Ora, se o iniciado sai de seu ambiente espiritual circunscrito para diante do público, tem de considerar imediatamente uma terceira lei, qual seja: Governa cada um de teus atos, cada uma de tuas palavras de tal forma que através de ti não seja atingido o Livre arbítrio de ser humano algum.
Quem compreendeu que um verdadeiro mestre da vida espiritual é totalmente compenetrado por essa maneira de pensar pode também saber que nada perderá de sua independência ao seguir as regras práticas que lhe são recomendadas.
Uma das primeiras dentre essas regras pode ser revestida das seguintes palavras da nossa linguagem: “Reserva-te momentos de calma interior e aprende, em tais momentos, a discernir o essencial do não essencial”. Cite-se aqui que esta regra prática soa assim ao ser “expressa nas palavras de nossa linguagem”. Originalmente, todas as regras e ensinamentos da Ciência Espiritual são dados numa linguagem simbólica de signos. E quem quiser conhecer todo o seu significado e alcance precisa, antes de mais nada, entender essa linguagem simbólica. Este entender pressupõe que a referida pessoa já tenha dado os primeiros passos na ciência do oculto. Ela poderá executar esses passos através da exata observação das regras que aqui são dadas. O caminho está aberto a qualquer um, desde que compenetrado por uma vontade séria.
Simples é a regra acima quanto aos momentos de calma interior. E igualmente simples é sua observância. Contudo, ela não conduz ao fim almejado senão quando praticada tão séria e rigorosamente quanto é simples. Sem rodeios deve, pois, ser exposto aqui como essa regra deve ser observada.
O discípulo do oculto terá de recolher-se, por um certo espaço de tempo, de sua vida quotidiana para dedicar-se a algo inteiramente diferente dos objetos de sua ocupação diária. E também a natureza de sua ocupação terá de ser totalmente diferente daquela com que ele preenche o resto do dia. Isso, porém, não deverá ser entendido como se aquilo a que ele se dedica, nesse tempo de recolhimento, nada tenha a ver com o conteúdo de seu trabalho quotidiano. Pelo contrário: a pessoa que procura corretamente tais momentos de recolhimento logo perceberá que, justamente através deles, obterá toda a força para sua tarefa diária. Tampouco se deve imaginar que a observância desta regra possa, realmente, subtrair de alguém tempo do cumprimento de suas obrigações. Caso realmente alguém não disponha de mais tempo, cinco minutos diários serão suficientes. Tudo dependerá de como esses cinco minutos serão empregados.
Nesse espaço de tempo, a pessoa terá de desprender-se completamente de sua vida quotidiana. Sua vida dos pensamentos, dos sentimentos deverá então receber matizes diferentes dos costumeiros. Ela deverá fazer com que suas alegrias, seus sofrimentos, suas preocupações, suas experiências, seus atos sejam passados em revista por sua alma. E deverá tomar, então, uma posição tal que tudo o que geralmente vivencia seja encarado de um ponto de vista superior.
Pense-se apenas como, na vida comum, se encara de forma inteiramente diferente algo que um outro fez ou vivenciou, comparado com as próprias vivências e ações. Isto não pode ser diferente, pois no que a pessoa vivencia ou faz por si própria ela está entretecida; a experiência ou a ação de um outro ela apenas observa. O que devemos aspirar nos momentos de recolhimento é, pois, contemplar e julgar nossas próprias vivências e ações como se essas não houvessem sido vivenciadas ou feitas por nós próprios, mas por uma outra pessoa. Imagine-se que alguém tenha experimentado um grave golpe do destino. Quão diferentemente ele se coloca diante do fato do que diante de um idêntico golpe de destino sofrido por uma pessoa próxima! Ninguém deve considerar isto injusto, uma vez que está encerrado na natureza humana. E semelhantemente a tais casos extraordinários acontece nos assuntos quotidianos da vida. O discípulo terá de buscar a força para, em certos momentos, considerar-se a si próprio como um estranho. Com a calma interior do juiz, terá de defrontar-se consigo próprio. Se isto for alcançado, as próprias vivências apresentar-se-ão sob uma nova luz. Enquanto a pessoa está entretecida nelas, enquanto está dentro delas, está em relação tanto com o essencial quanto com o acessório.
Ao se alcançar a calma interior da visão panorâmica, o essencial se separa do acessório. Desgosto e alegria, cada pensamento, cada decisão apresentam-se diferentes quando se está, desse modo, em autoconfronto. É como se houvéssemos permanecido o dia inteiro num povoado, vendo de perto as coisas grandes e os menores detalhes; e depois, ao entardecer, subíssemos a uma colina vizinha e observássemos o povoado todo num só golpe de vista. Então todas as partes desse povoado se apresentariam em proporções recíprocas diferentes de quando se está no meio delas. Com relação a golpes do destino vivenciados na mesma oportunidade, isto não será e nem precisa ser alcançado; com relação àqueles ocorridos há mais tempo, isto terá de ser almejado pelo discípulo. O valor de tal introspecção tranquila depende muito menos daquilo que se contempla e muito mais do fato de encontrarmos, em nós próprios, a força que tal calma interior desenvolve.
Todo ser humano traz em seu interior, ao lado de seu – podemos denominá-lo assim – “homem quotidiano”, ainda um homem superior. Este homem superior permanecerá oculto até ser despertado. E somente por si mesmo cada um poderá despertar esse homem superior dentro de si. Todavia, enquanto esse homem superior não for despertado, também permanecerão adormecidas as faculdades superiores latentes em cada um e que levam ao conhecimento suprassensorial. Enquanto alguém não experimentar o fruto da calma interior, terá de dizer a si mesmo que deve perseverar na observação séria e rigorosa das citadas regras. Para todos os que assim procederem, chegará o dia em que, ao seu redor, haverá uma luz espiritual onde um mundo novo se descortinará a uma visão até então desconhecida.
E nada precisa mudar na vida exterior do discípulo pelo fato de ele ter começado a observar essa regra. Ele se ocupa de suas obrigações como antes: suporta os mesmos sofrimentos e vivencia as mesmas alegrias de outrora. De forma alguma poderá tornar-se, por isso, alheio à “vida”. Será, isso sim, capaz de ocupar-se mais intensamente dessa “vida” no resto do dia por haver adquirido, em seus momentos de recolhimento, uma “vida superior”. E, pouco a pouco, essa “vida superior” exercerá uma influência sobre a vida comum. A calma dos momentos de seu recolhimento terá seu efeito também na vida quotidiana. O indivíduo tornar-se-á mais calmo, ganhará firmeza em todos os seus atos, não mais se deixando perturbar por quaisquer incidentes. Paulatinamente, tal aspirante do oculto guiar-se-á cada vez mais, por assim dizer, a si mesmo e cada vez menos pelas circunstâncias e influências exteriores.
Tal indivíduo logo perceberá a fonte de energia que tais espaços de tempo significam para ele. Começará por não mais irritar-se com fato que antes o irritavam. Inúmeras coisas que antes o atemorizavam deixam de lhe causar medo. Ele adquire uma concepção de vida inteiramente nova. Antes ele abordava, talvez, uma ou outra tarefa hesitando. Dizia a si mesmo: “Oh! Minhas forças não são suficientes para executá-la como eu gostaria.” Agora não mais lhe ocorre esse pensamento, e sim um completamente diferente. Eis que agora ele diz a si mesmo: “Concentrarei toda a força a fim de elaborar minha tarefa da melhor forma que me for possível.” E reprime o pensamento que o possa tornar hesitante, uma vez cônscio de que justamente a hesitação poderá levá-lo a um mau desempenho e, em todo caso, essa hesitação não contribuirá para o que lhe cabe fazer. E, dessa forma, pensamento após pensamento tomarão conta da concepção de vida do discípulo, sendo fecundos e profícuos para sua vida e substituindo aqueles impeditivos e enfraquecedores. Ele começa a conduzir seu barco de vida num rumo seguro e firme em meio às ondas da vida, ao passo que antes era jogado por essas ondas de um lado para o outro.
Tal calma e firmeza atual retrospectivamente sobre todo o ser humano. O homem interior cresce, graças a isso. E com ele crescem as faculdades internas que conduzem aos conhecimentos superiores. Pois com os passos que dá nesse sentido o discípulo consegue pouco a pouco determinar, por si mesmo, como as impressões do mundo exterior podem influir sobre ele. Ele ouve, por exemplo, uma palavra com a qual outro quer feri-lo ou irritá-lo. Antes de tornar-se discípulo, ter-se-ia magoado ou irritado. Desde que iniciou a senda do aprendizado do oculto, é capaz de tirar dessa palavra o ferrão ofensivo ou irritante antes de ela encontrar o caminho para o seu íntimo. Ou outro exemplo: um homem impacienta-se facilmente quando obrigado a esperar. Ele entra na senda do discípulo ocultista. Compenetra-se tanto, em seus momentos de recolhimento, com o sentimento da futilidade de muitas situações de impaciência que, daí em diante, esse sentimento se apresentará imediatamente ao experimentar ele cada nova impaciência. A impaciência prestes a manifestar-se desaparece, e o tempo que de outra forma teria sido desperdiçado com a representação da impaciência talvez seja preenchido por observações úteis, que poderão ser feitas durante o tempo de espera.
Conscientizemo-nos apenas do alcance de tudo isso, levando em consideração que o “homem superior”, no indivíduo, está em constante evolução. Contudo, somente por meio da calma e da firmeza descritas lhe é permitida uma evolução regular. As ondas da vida exterior pressionam o homem interior de todos os lados, quando o indivíduo não domina essa vida mas é dominado por ela. Tal homem é como uma planta que tem de desenvolver-se na fenda de um rochedo: definha até que se lhe abra mais espaço. Ao homem interior, nenhuma força exterior pode abrir espaço. Isto somente a calma interior é capaz de fazer, calma essa que ele cria para sua alma. Circunstâncias exteriores somente podem mudar sua situação exterior, sendo que jamais serão capazes de despertar o “homem espiritual” dentro dele. O discípulo terá de gerar, dentro de si próprio, um novo homem, mais elevado.
Esse “homem superior” tornar-se-á então o “soberano interior” que, com mão firme, dirigirá as condições do homem exterior. Enquanto o homem exterior tiver autoridade e direção, esse “interior” será seu escravo e não poderá, portanto, desenvolver suas forças. Se depende de outra coisa que não de mim o fato de eu me irritar ou não, então não sou meu próprio senhor – ou, melhor dito: ainda não encontrei o “soberano em mim”. Terei de desenvolver, em mim, a faculdade de fazer com que as impressões do mundo exterior só me cheguem de uma forma por mim determinada; somente então poderei tornar-me discípulo. E somente na medida em que procurar de forma séria por essa força é que o discípulo poderá atingir o objetivo. Não importa o quanto ele tenha progredido num determinado espaço de tempo; importa apenas o fato de ele se empenhar seriamente na busca. Já houve muitos que, anos a fio, esforçaram-se sem notar em si progresso sensível; no entanto, muitos dentre os que não se afligiram com isso, perseverando inabaláveis, subitamente alcançaram a “vitória interior”.
Em muitas situações da vida será, sem dúvida, necessário um grande esforço para criar momentos de calma interior. Mas quanto maior for o esforço necessário, mais significativo também será o que se alcança. No aprendizado do oculto, tudo depende de alguém poder confrontar-se energicamente consigo mesmo, com veracidade interior e irrestrita sinceridade, com todos os seus atos e ações, qual alguém totalmente estranho.
Mas apenas um lado da atividade interior do discípulo é assinalado por esse nascimento do homem superior próprio. É preciso ser acrescentado algo mais. Ainda que se confronte consigo mesmo como se fora um estranho, o indivíduo não deixa de contemplar somente a si mesmo; ele voltará os olhos para aquelas vivências e atos com os quais está emaranhado por sua particular situação de vida. Ele deve ir além disso: deve elevar-se ao puramente humano, que nada mais tem a ver com sua particular situação. Terá de partir para uma consideração daquelas coisas que o interessam como ser humano, ainda que vivesse sob condições totalmente diferentes, numa situação inteiramente outra. Isto faz com que nele surja algo que transcende o pessoal. Ele dirige, com isto, seu olhar a mundos mais elevados que aqueles com os quais o dia-a-dia o reúne. E com isto o ser humano começa a sentir, a perceber que faz parte de tais mundos mais elevados.
São mundos sobre os quais seus sentimentos, suas ocupações quotidianas nada lhe podem dizer. É somente aí que ele transfere o ponto central de seu ser para o seu interior. Ele escuta em seu interior as vozes que lhe falam nos momentos da calma interna, cultivando no íntimo um relacionamento com o mundo espiritual. Está libertado do dia-a-dia. O ruído desse dia-a-dia para ele cessou; fez-se silêncio à sua volta. Ele rejeita tudo o que lhe recorda tais impressões de fora. A tranquila contemplação no interior, o colóquio com o mundo puramente espiritual, preenchem toda a sua alma. Tal tranquila contemplação deve tornar-se uma necessidade natural para o discípulo. Primeiramente ele está de todo submerso num mundo de pensamentos. Terá de desenvolver um vivo sentimento para com essa tranquila atividade de pensamentos. Deve aprender a amar o que aí o espírito lhe faz afluir. Logo deixará de sentir esse mundo dos pensamentos como algo menos real do que as coisas do dia-a-dia que o circundam.
Começa a lidar com seus pensamentos tal qual com os objetos no espaço. E então aproxima-se também o momento em que começará a vivenciar aquilo que se lhe revela na tranquilidade do trabalho mental interior como sendo muito mais elevado, mais real do que os objetos no espaço. Ele experimenta o fato de expressar-se vida nesse mundo de pensamentos. Reconhece que nos pensamentos não apenas vivem meras imagens sombrias, mas que através deles lhe falam entidades ocultas. Algo começa, a partir do silêncio, a falar-lhe. Antes, só lhe ressoava através de seus ouvidos; agora, ressoa através de sua alma. Descortina-se uma língua interior – um verbo interior. O discípulo sente-se enlevado ao máximo quando, pela primeira vez, vivencia esse momento. Sobre todo o seu mundo exterior derrama-se uma luz interior. Uma segunda existência começa para ele. A corrente de um mundo divino, divinamente sublime, derrama-se através dele.
Tal vida da alma em pensamentos, que cada vez mais se amplia para uma vida em essência espiritual, denomina-se na gnose, na ciência do oculto, meditação (reflexão contemplativa). Essa meditação é o meio para a cognição suprassensorial. Mas o discípulo não deve, em tais momentos, entregar-se a um enlevo sentimental. Não deve ter sentimentos indefinidos em sua alma. Isto somente o impediria de alcançar o verdadeiro conhecimento espiritual. Claros, nítidos, precisos terão de formar-se seus pensamentos. Para tanto ele encontrará um esteio não se entregando cegamente aos pensamentos que lhe surgem. Ele deve, muito mais, permear-se com os pensamentos elevados que pessoas mais avançadas, já compenetradas pelo espírito, pensaram em tais momentos. O discípulo deve tomar como ponto de partida os textos que por si brotaram de tal revelação na meditação. Na literatura mística, na gnóstica, na científico-espiritual, encontrará tais textos. Aí se lhe apresentam os assuntos para sua meditação. Os próprios pesquisadores espirituais registraram pensamentos da ciência divina em tais textos; o Espírito, através de seus mensageiros, fê-los anunciar ao mundo.
Tal meditação produz uma transformação completa no discípulo. Ele começa a formar ideias inteiramente novas sobre a realidade. Todas as coisas ganham um outro valor para ele. É preciso sempre repetir: tal transformação não fará com que o discípulo se torne alheio ao mundo. De forma alguma ele ficará alheio às suas responsabilidades quotidianas, pois aprenderá a verificar que a mais insignificante ação que tenha de executar, a mais insignificante experiência que se lhe apresente está em conexão com as grandes entidades do Cosmo e os acontecimentos do Universo. Uma vez que essa relação se lhe torne clara por seus momentos contemplativos, ele se entregará a seu campo de ação quotidiano com uma nova força mais poderosa. Pois agora sabe: seu trabalho, seu sofrimento cabem-lhe por motivos que tocam as grandes leis espirituais do Universo. Vigor para a vida – e não desleixo – brota da meditação.
O discípulo atravessa a vida com passos mais firmes. Haja o que houver, manter-se-á íntegro. Antes não sabia por que trabalhava, por que sofria; agora o sabe. Deve-se reconhecer que tal atividade de meditação conduz melhor ao objetivo quando executada sob a orientação de pessoas competentes, de pessoas que saibam, por si, como proceder em tudo da melhor maneira. Consideremos, portanto, o conselho, a orientação de tais pessoas. Com isto não se perde a liberdade. O que, de outra forma, só pode ser um andar inseguro, às apalpadelas, tornar-se-á, sob tal orientação, um trabalho preciso. Quem se preocupa por aqueles que possuem o saber e a experiência nesse rumo jamais baterá debalde às portas. Conscientiza-se, porém, de que buscará nada mais senão o conselho de um amigo, e não a prepotência de alguém que queira dominar. Sempre veremos que os que realmente sabem são os homens mais modestos, e que nada lhes é mais desinteressante do que o que as pessoas chamam de ânsia de poder.
Quem se eleva, pela meditação, àquilo que une o ser humano ao espírito começa a vivificar em si o que nele é eterno, o que não é delimitado pelo nascimento e pela morte. Só podem duvidar de tal eterno os que não o vivenciaram por si próprios. Assim,a meditação é o caminho que conduzirá o ser humano também à cognição, à contemplação do eterno, do indestrutível cerne de seu ser. E somente através dela o ser humano poderá chegar a tal contemplação. A gnose, a ciência do oculto falam da eternidade desse cerne do ser, de sua reencarnação. Muitas vezes se pergunta por que o ser humano nada sabe de suas vivências situadas além do nascimento e da morte. Mas não é assim que se deveria formular a pergunta; esta deveria ser, muito mais: como se chega a tal conhecimento? Na meditação correta se abre o caminho. Por ele é reativada a recordação de vivências que se situam além do nascimento e da morte. Cada um pode adquirir esse conhecimento; em cada um jazem as faculdades para conhecer e ver, por si, o que ensinam a mística, a ciência espiritual, a Antroposofia e a gnose autênticas. Basta escolher os meios corretos. Somente um ser dotado de ouvidos e de olhos pode perceber sons e cores. Tampouco o olho poderá perceber coisa alguma na falta de luz que torne visíveis os objetos.
Na ciência do oculto são fornecidos os meios para desenvolver os ouvidos e olhos espirituais e acender a luz espiritual. Pode-se designar como sendo de três graus os meios da disciplina espiritual:
1. A preparação: desenvolve os sentidos espirituais.
2. A iluminação: acende a luz espiritual.
3. A iniciação: inaugura o relacionamento com entidades superiores do espírito.
Rudolf Steiner
Tradução: Deise Nicácio
A indiferença ao outro ser humano, a falta de empatia e a desumanidade são aspectos de um subdesenvolvimento real do indivíduo que se refletem no obscurecimento das capacidades espirituais do seu coração.
O SUBDESENVOLVIMENTO DAS CAPACIDADES ESPIRITUAIS DO CORAÇÃO
Interessante pensar que o impulso altruísta é inerente ao processo evolutivo – segundo a perspectiva antroposófica – todos os seres humanos, mas o contexto social e educacional atuais não alimentam ou alimentaram essas forças que partem do coração e o obscurecem.
O que acontece: as pessoas se tornam indiferentes, egoístas e até mesmo sombrias – isto quando suas forças do coração praticamente já não existem. Neste ponto desprezam e descartam aqueles nos quais não possuem interesses ou não lhe trazem perspectivas de benefícios diretos ou indiretos.
Se permitem se considerar – seja por condição financeira, título, escolaridade/inteligência ou status social – uma classe superior aos menos favorecidos, independente da raiz desta condição inferior. Lidam com muitos como seus meros serviçais e tendem trata-los com soberba e arrogância – mesmo que tentem escondê-la por trás de uma boa educação.
O que muitas vezes não percebem, é que apesar do seu aparente desenvolvimento intelectual, esconde-se um aspecto de subdesenvolvimento real. Seu raciocício lógico e conceitual mesmo que elevado, provém de uma inteligência gélida e desalmada, sem amor, chamada por Rudolf Steiner de ahrimânica. Seu coração apagado e subdesenvolvido é incapaz de “pensar” e atuar no mundo com suas funcões espirituais, apenas se torna uma engrenagem mecânica de bombeamento sanguíneo.
Estes são aspectos de um subdesenvolvimento, que os torna incapazes de um infinito de percepções de âmbito mais elevado, aprisionando-os num emaranhado de pré-concepções mentais e impressões sensoriais brutas, impressões estas que os fazem acreditar que são superiores por meras condições materiais mais favoráveis.
A pobreza e subdesenvolvimento de suas almas lhes é oculta e vivem numa ilusão de superioridade e num aprisionamento dentro de seus egos inferiores ou personalidade, mergulhando-os num reino sub-humano. O crítico subdesenvolvimento das capacidades espirituais de seu coração lhes tornam incapazes de adentrar o sagrado no outro ser humano, empobrecendo de forma quântica suas vivências reais.
Acreditam ser inteligentes e superiores, mas sequer são capazes de perceber que seus corações possuem pouquíssima ou nenhuma inteligência. E este coração pensante é o destino do ser humano, da consciência individual em direção ao todo, ou seja, estão atrasados e subdesenvolvidos acreditando estarem acima de alguém… e não são poucos, e cada vez mais distantes.
A dignificação de todos os seres humanos e o desenvolvimento cósmico, que se refletem numa empatia superior é o ideal para a “humanidade superior” – caminho preconizado pela Antroposofia em contraposição ao impulsos destituídos de amor e senso de humanidade do reino sub-humano.
Leonardo Maia
Steiner descreve três tipos de desequilíbrio do ser humano atual: excesso de pensar, excesso de sentir e excesso de querer.
OS TRÊS DESEQUILÍBRIOS DO SER HUMANO
O SER HUMANO DAS NUVENS – EXCESSO DE PENSAR:
Nós temos o Ser Humano das Nuvens, os seres humanos que principalmente pensam, nos quais sentimento e vontade não se desenvolvem equilibradamente. Eles desejariam entregar a vontade ao mecanismo social, o sentimento é exigido pelos poderes arimânicos porque os próprios seres humanos não o mantém.
O SER HUMANO ARCO-ÍRIS – EXCESSOS DE SENTIMENTO:
Temos os Seres Humanos Arco-Írís. Neles o pensar não é desenvolvido, eles preferem viver em pensamentos tradicionais, eles têm certa timidez para se aproximarem do mundo espiritual. O sentimento está eminentemente desenvolvido. Tais seres humanos só podem entender o mundo com o sentimento; neles o pensar e o querer, até certo ponto, estão reprimidos.
O SER HUMANO ÍGNEO – EXCESSO DE QUERER:
Ainda temos os seres Humanos Ígneos, que realmente agem como se tivessem apenas a vontade desenvolvida de um modo hiper-atrofiado. Reprimido está o seu pensar: são seres humanos que agem taurinamente, entregando-se apenas aos impulsos exteriores imediatos.
Descrição por Rudolf Steiner na GA 346 – “O Apocalipse Moderno”, décima-quarta conferência
Rudolf Steiner e a busca real pela dignificação do ser humano e desenvolvimento cósmico como ideal de quem verdadeiramente busca o conhecimento superior.
ENOBRECIMENTO DO SER HUMANO COMO IDEAL
Em toda ciência espiritual existe um princípio fundamental que não pode ser transgredido sem sacrificar seu sucesso, e deve ser bem gravado no aluno em cada forma de instrução esotérica. É o seguinte:
Todo conhecimento procurado apenas para o enriquecimento de aprendizagem pessoal e a acumulação de tesouro pessoal te desvia do caminho; mas todo conhecimento procurado para crescer até madurecer dentro do processo de enobrecimento humano e desenvolvimento cósmico te conduz um passo adiante.
Esta lei deve ser observada estritamente, e nenhum estudante é genuíno até tê-la adotado como guia para sua vida inteira. Cada idéia que não se torna em teu ideal mata uma força em tua alma; cada idéia que se torna teu ideal cria forças vitais dentro de ti.
Rudolf Steiner – GA 10 – CONHECIMENTO DOS MUNDOS SUPERIORES – CAPÍTULO 1
“A Inteligência emana de Ahriman como impulso cósmico gélido e desalmado. E aqueles seres humanos que são apanhados por este impulso, desenvolvem uma lógica que parece falar por si mesma, sem amor nem misericórdia – em verdade é Ahriman quem fala dentro dela – e na qual nada se mostra do que seja união correta, interior, cordial anímica do homem com aquilo que ele pensa, fala, faz.” – Rudolf Steiner
MICAEL, A INTELIGÊNCIA E O DRAGÃO
“Micael é, dentre os seres espirituais, aquele que desde o inicio, voltou os seus olhos para a humanidade. Micael desenvolveu sua relação com a Inteligência cósmica servindo aos poderes divino espirituais que tanto deram origem a ele mesmo quanto ao homem. Ele quer permanecer nesta relação com a Inteligência. Quando esta se soltou dos poderes divino espirituais, a fim de encontrar o caminho para o interior do ser humano, Micael decidiu se colocar em relação à humanidade, de forma a encontrar nesta sua correta relação com a Inteligência. Micael deseja constantemente manter um vínculo entre a Inteligência que se desenvolve no âmbito da humanidade e os seres divino espirituais.
Mas há uma resistência contra esta intenção. O desenvolvimento pelo qual passam os Deuses no processo em que a Inteligência se desliga do seu agir cósmico e se incorpora á natureza humana, é um fato aberto ao mundo. Seres que tenham a capacidade de percepção destes fatos podem revertê-los em proveito próprio. Tais seres existem e são os seres arimânicos. Eles são plenamente predispostos a absorverem para dentro de si a inteligência que se desliga dos deuses. Eles tem em si o potencial para unir o seu próprio ser com toda a Inteligência, pois eles já uniram a si, em tempos remotos, o que o homem recebe no presente como uma dádiva do Cosmo.
Ahriman porém se apropriou da Inteligência em uma época em que ele não conseguia interiorizá-la. Ela permaneceu em seu ser, como uma força que nada tem a ver com o coração ou a alma. A Inteligência emana de Ahriman como impulso cósmico gélido e desalmado. E aqueles seres humanos que são apanhados por este impulso, desenvolvem uma lógica que parece falar por si mesma, sem amor nem misericórdia – em verdade é Ahriman quem fala dentro dela – e na qual nada se mostra do que seja a união correta, interior, cordial anímica do homem com aquilo que ele pensa, fala, faz.
Micael prevê que o ser humano, ao avançar gradativamente no uso próprio da inteligência, deve se confrontar com os seres arimânicos e pode, consequentemente, cair no seu domínio, por ter entrado em relação com os mesmos. É por isto que Micael coloca os poderes arimânicos sob os seus pés, ele os expulsa constantemente para a região abaixo da qual se desenvolve o ser humano. Micael com o dragão a seus pés, lançando-o ao abismo: é esta a grandiosa imagem que vive na consciência humana a respeito dos fatos aqui descritos.
Mas Micael nunca se apropriou da Inteligência cósmica. Ele a administra como força divino espiritual ao se sentir unido aos poderes divino espirituais. Através disto também se mostra na inteligência, quando ele a permeia, a possibilidade de ser uma expressão do coração, da alma, tão bem quanto da cabeça, do espírito. Pois Micael traz em si todas as forças originais dos deuses e do homem. Através disso ele não passa nada de desalmado e gélido á Inteligência, mas está com ela de modo íntimo, caloroso e animado.”
Rudolf Steiner – O Mistério de Micael – GA 26
Vale observar que a falta da “união correta, interior, cordial anímica do homem com aquilo que ele pensa, fala, faz” é uma questão atual que se reflete na incoerência de inúmeros indivíduos e grupos hoje: Cristãos, pessoas vinculadas a movimentos reconhecidamente “altruístas” e até mesmo dentro da própria Antroposofia sendo influenciadas por grupos favoráveis à morte, tortura, violência e, inclusive, a guerra – impulsos anti-Crísticos destituídos de amor e senso de humanidade.
“Há crianças que olham com admiração religiosa para os que elas veneram… tamanho é o respeito no mais profundo recôndito de seus corações.” – Rudolf Steiner
DEVOÇÃO E VENERAÇÃO DESINTERESSADA COMO CAMINHOS PARA A INICIAÇÃO
“O homem deve desenvolver dentro de si, certas faculdades até um determinado grau, então os mais elevados tesouros do espírito poderão ser-lhe concedidos.
Deve começar com certa postura de alma fundamental. Na ciência espiritual, esta atitude básica é chamada o caminho de veneração, de devoção à verdade e ao conhecimento. Sem esta atitude ninguém pode se chegar a ser aluno.
A disposição que já se mostram na infância os subseqüentes estudantes do conhecimento superior é bem conhecida entre os que são experientes nestes assuntos. Há crianças que olham com admiração religiosa para os que elas veneram. O tamanho respeito que têm por essas pessoas não lhes permite guardar, mesmo no mais profundo recôndito do coração, qualquer pensamento de crítica ou oposição. Tais crianças crescem tornando-se jovens felizes de poder contemplar qualquer coisa que os preenche de veneração. É dentre as fileiras de tais crianças que se recrutam muitos dos estudantes do conhecimento superior…
…Nossa civilização tende mais ao julgamento crítico e à condenação do que à devoção e veneração desinteressada. Nossas crianças já criticam muito mais do que veneram. Mas cada crítica, cada julgamento adverso pronunciado, dispersa os poderes da alma para adquirir o conhecimento superior na mesma medida em que toda veneração e reverência os aumenta.”
Rudolf Steiner – GA 10 (“O Conhecimento dos Mundos Superiores” – Capítulo 1)
GA 10 – Publicado em 1910
CONHECIMENTO DOS MUNDOS SUPERIORES – CAPÍTULO 1
CONDIÇÕES
Dentro de cada ser humano jazem as faculdades latentes pelas quais ele pode adquirir, por si mesmo, conhecimento dos mundos superiores. Os místicos, gnósticos, teosóficos – todos falam de um mundo de alma e espírito que para eles é tão real quanto o mundo que enxergamos com nossos olhos físicos e tocamos com nossas mãos físicas.
Em cada momento o ouvinte pode dizer para si: eu também posso aprender aquilo do que eles falam se desenvolvo dentro de mim certas forças que ainda hoje estão adormecidas. Só resta uma pergunta – como começar a trabalhar para desenvolver estas faculdades.
Para este propósito, os únicos que podem dar conselhos são aqueles que já gozam de tais poderes. Desde que existe a raça humana, sempre houve um treinamento, através do qual os indivíduos dotados destas faculdades superiores instruíram àqueles que as procuravam. Tal treinamento é chamado de oculto (esotérico), e a instrução recebida se denomina disciplina do oculto (esotérico) ou ciência espiritual. Esta denominação naturalmente desperta equívoco. Quem a ouve pode facilmente enganar-se acreditando que este treinamento interessa a uma classe especial e privilegiada, que arbitrariamente recusa o conhecimento a seus semelhantes. Pode até pensar que não há nada de real importância por trás de tal conhecimento, pois se fosse conhecimento verdadeiro – ele é tentado a pensar – não seria necessário mantê-lo em segredo; poderia ser divulgado publicamente fazendo seus benefícios accessíveis a todos.
Aos que foram iniciados na natureza deste conhecimento superior não lhes causa surpresa alguma que os não iniciados assim pensem, pois o segredo da iniciação somente pode ser desvendado por aqueles que têm até certo ponto experimentado esta iniciação no conhecimento superior da existência. Pode colocar-se a pergunta como então, nestas circunstâncias, podem os não iniciados desenvolver algum interesse humano em este “assim chamado” conhecimento esotérico? Como e por que se supõe que procurem algo cuja natureza não conseguem conceber? Tal pergunta é baseada em um conceito inteiramente errado da verdadeira natureza do conhecimento esotérico.
Realmente, não há diferença alguma entre o conhecimento esotérico e todo o resto do conhecimento e proficiência do homem. Este conhecimento esotérico não é mais um segredo para o ser humano médio do que é a escrita para aqueles que nunca aprenderam a escrever. E assim como todos os que escolhem o método correto podem aprender a escrever, também os que buscam da maneira certa se tornam alunos e até professores esotéricos.
Somente em um aspecto, diferem as condições aqui de aquelas aplicáveis ao conhecimento e proficiência externas. A possibilidade de adquirir a arte de escrever pode ser denegada a alguém devido à pobreza, ou através das condições da civilização em que nasce; mas para a realização de conhecimento e proficiência nos mundos superiores, não existe impedimento para aqueles que os procuram sinceramente.
Muitos acreditam que devem procurar, em um lugar ou outro, aos mestres de conhecimento superior para receber a iluminação. Ora, em primeiro lugar, quem se empenha seriamente em obter o conhecimento superior não evitará esforço algum e nem terá medo de nenhum obstáculo em sua procura a um iniciado capaz de conduzi-lo ao conhecimento superior do mundo. Por outro lado, cada um pode ter certeza que a iniciação o encontrará em qualquer circunstância se ele dá prova de um esforço sincero e digno para obter este conhecimento. É uma lei natural entre todos os iniciados não denegar a nenhuma pessoa o conhecimento que lhe é devido, mas existe uma lei igualmente natural que dispõe que nenhuma palavra de conhecimento esotérico será divulgada a qualquer pessoa não preparada para recebê-la. E quanto mais rigorosamente ele observa estas leis, mais perfeito é o iniciado. O vínculo de união que abraça a todos os iniciados é espiritual e não externo, mas as duas leis aqui mencionadas formam, de certo modo, um fecho forte que segura às partes componentes deste elo. Você pode viver em amizade íntima com um iniciado, e mesmo assim, uma brecha te separa de seu ser essencial enquanto você mesmo não se converter em um iniciado. Poderá desfrutar no sentido mais pleno o coração, o amor de um iniciado, porém ele entregará seu conhecimento em confiança somente quando você esteja maduro para recebê-lo.
Pode lisonjeá-lo, pode torturá-lo; nada pode induzi-lo a revelar coisa alguma, enquanto você, no estagio atual de sua evolução, não seja competente para recebê-lo propriamente em sua alma.
Os caminhos pelos quais um aluno é preparado para receber o conhecimento superior estão prescritos minuciosamente. A direção que deve tomar está traçada com letras indeléveis, eternas nos mundos do espírito onde os iniciados acautelam os segredos superiores. Na antiguidade, antes da nossa história, os templos do espírito também eram externamente visíveis. Hoje que nossa vida ficou tão desprovida de espiritualidade, não se encontram no mundo templos visíveis à vista externa, porém estão espiritualmente presentes em todo lugar, e todos que procuram podem encontrá-los.
Somente dentro de sua própria alma pode o homem encontrar a maneira de deslacrar os lábios de um iniciado. Ele deve desenvolver dentro de si, certas faculdades até um determinado grau, então os mais elevados tesouros do espírito poderão ser-lhe concedidos.
Deve começar com certa postura de alma fundamental. Na ciência espiritual, esta atitude básica é chamada o caminho de veneração, de devoção à verdade e ao conhecimento. Sem esta atitude ninguém pode se chegar a ser aluno. A disposição que já se mostram na infância os subseqüentes estudantes do conhecimento superior é bem conhecida entre os que são experientes nestes assuntos. Há crianças que olham com admiração religiosa para os que elas veneram. O tamanho respeito que têm por essas pessoas não lhes permite guardar, mesmo no mais profundo recôndito do coração, qualquer pensamento de crítica ou oposição. Tais crianças crescem tornando-se jovens felizes de poder contemplar qualquer coisa que os preenche de veneração. É dentre as fileiras de tais crianças que se recrutam muitos dos estudantes do conhecimento superior.
Você parou alguma vez frente à porta de uma pessoa venerada, e sentiu, nesta sua primeira visita, uma admiração religiosa ao apertar a manivela para entrar ao cômodo que para você é um lugar sagrado? Nesse caso, um sentimento se manifestou dentro de você que pode ser a germe de vossa aderência futura a um caminho de conhecimento. Para cada ser humano em processo de desenvolvimento é uma benção ter o alicerce de tais sentimentos. Mas não se deve pensar que esta disposição conduz à submissão e escravidão. O que uma vez era uma veneração pueril para as pessoas se converte, depois, em a veneração da verdade e do conhecimento. A experiência ensina que os que melhor mantém a cabeça erguida são os que aprenderam a venerar ao que merece veneração; e a veneração sempre é apropriada quando flui das profundezas do coração.
Se não desenvolvemos em nosso interior este sentimento profundamente arraigado de que existe algo maior que nós, nunca encontraremos a força para evoluir em algo superior. O iniciado só adquire a força para levantar a cabeça às alturas do conhecimento guiando seu coração às profundezas da veneração e devoção. As alturas do espírito só podem ser escaladas ao se passar pelos portais da humildade. Você só pode obter o conhecimento verdadeiro unicamente quando já aprendeu a valorizá-lo.
Certamente o homem tem o direito de voltar seus olhos para a luz, mas primeiro precisa adquirir este direito. Existem leis na vida espiritual, como na vida física. Esfrega uma vara de vidro com um material apropriado e esta se eletrificará, ou seja, receberá o poder de atrair corpos pequenos. Isto acontece conforme a lei da natureza. Todos os que aprenderam um pouco de física o sabem. Semelhantemente, a familiaridade com os primeiros princípios da ciência espiritual mostra que cada sentimento de verdadeira devoção acolhido na alma desenvolve um poder que pode, cedo ou tarde, conduzir adiante no caminho do conhecimento.
O aluno que tem o dom deste sentimento, ou que é tão afortunado que o mesmo lhe foi inculcado em uma educação adequada, traz muito consigo, quando, mais tarde na vida, procura admissão ao conhecimento superior. Sem tal preparo, encontrará dificuldades ao dar o primeiro passo, a menos que se examine rigorosamente para criar dentro de si esta vida interna de devoção.
Em nossa época é especialmente importante prestar total atenção a este ponto. Nossa civilização tende mais ao julgamento crítico e à condenação do que à devoção e veneração desinteressada. Nossas crianças já criticam muito mais do que veneram. Mas cada crítica, cada julgamento adverso pronunciado, dispersa os poderes da alma para adquirir o conhecimento superior na mesma medida em que toda veneração e reverência os aumenta.
Com isto não queremos dizer nada contra nossa civilização. Não é questão aqui de levantar nenhuma crítica contra ela. É a esta faculdade crítica, este julgamento humano autoconsciente, este “examine tudo e segura bem o que é melhor”, que devemos a grandeza de nossa civilização. O homem jamais teria alcançado a ciência, indústria, comercio e relações de direitos de nossa época, sem aplicar a todas as coisas a norma do julgamento crítico. Mas o que ganhamos em cultura externa por meio disso, pagamos com uma perda proporcional de conhecimento superior e vida espiritual. É preciso enfatizar que o conhecimento superior não se trata de veneração de pessoas, mas sim com a veneração da verdade e do conhecimento.
Ora, uma coisa que todos devem reconhecer é a dificuldade dos que estão envolvidos na civilização externa de nossa época em avançar ao conhecimento dos mundos superiores. Só podem fazê-lo trabalhando-se energicamente. Na época em que as condições da vida material eram mais simples, alcançar o conhecimento espiritual também era mais fácil. Os objetos de veneração se destacavam claramente em relevo entre as coisas ordinárias do mundo.
Em uma época de crítica os ideais são rebaixados; outros sentimentos tomam o lugar de veneração, respeito, adoração e admiração. Nossa própria era joga estes sentimentos mais e mais no segundo plano, de modo que só podem ser transmitidos ao homem mediante sua vida quotidiana em uma medida muito pequena. Quem quer que busque o conhecimento superior tem que criá-lo para si mesmo. Deve instilá-lo dentro de sua alma. Não se faz pelos estudos; se faz unicamente pela da vida. Portanto, quem quer ser estudante do conhecimento superior deve cultivar assiduamente esta vida de devoção interior – a disposição devocional.
Em toda parte de seu ambiente e suas experiências deve buscar motivos de admiração e reverência. Se eu me encontro com um homem e o culpo por seus defeitos, eu me roubo a mim mesmo o poder de atingir o conhecimento superior; mas se procuro entrar amorosamente em seus méritos, eu recolho esse poder. O aluno deve estar continuamente determinado a seguir este conselho. Os que são espiritualmente experientes sabem quanto devem ao fato de, diante de todas as coisas, uma e outra vez eles se tornam ao bem, e se abstém de julgamentos adversos. Mas isto não pode permanecer uma regra de vida que vem de fora; propriamente, deve tomar posse do âmago de nossa alma. Está dentro do poder do homem de se aperfeiçoar e, com tempo, se transformar. Mas esta transformação deve acontecer em seu ser mais íntimo, em sua vida mental – em seu pensar. Não basta eu apenas aparentar respeito em meu comportamento externo; devo ter este respeito em meus pensamentos. O aluno deve começar por absorver esta devoção em sua vida refletiva. Ele deve desconfiar de pensamentos de desrespeito, de crítica adversa existentes em sua consciência, e deve empenhar-se imediatamente em cultivar pensamentos de devoção.
Cada momento que dedicamos a descobrir em nossa consciência qualquer vestígio de julgamento adverso, depreciativo e crítico a respeito deste mundo e da vida; cada um desses momentos nos acerca mais ao conhecimento superior. E nos levantamos rapidamente quando, em tais momentos, preenchemos nossa consciência de pensamentos que evocam em nós admiração, respeito e veneração pelo mundo e pela vida. É de conhecimento geral entre os experientes nestes assuntos que em cada um desses momentos despertam poderes que de outra maneira ficam adormecidos. Assim se abrem os olhos espirituais do homem. Ele começa a ver coisas em volta dele que antes não era capaz de ver. Começa a entender que, até esse momento, só via uma parte do mundo ao seu redor. Um ser humano de pé em frente dele apresenta agora um aspecto novo e diferente. Claro, apenas esta regra de vida ainda não lhe permite ver, por exemplo, o que é descrito como a aura humana, porque para isto é necessário instrução mais elevada ainda. Mas ele pode se elevar para alcançar esta instrução superior se previamente passou por um rigoroso treinamento devocional – na disciplina da devoção.
(No último capítulo de seu livro, Teosofia, o autor descreve completamente o Caminho do Conhecimento; aqui o propósito é dar alguns detalhes práticos.)
Silencioso e despercebido pelo mundo externo é o pelo Caminho de Conhecimento. Não há necessidade de discernir mudança alguma no aluno. Ele cumpre seus deveres como fazia; se ocupa de seu trabalho como antes. A transformação acontece unicamente no interior da alma escondida da aparência exterior. No inicio toda sua vida interna é inundada pelo sentimento básico de devoção por tudo que é verdadeiramente venerável. Toda a vida de sua alma encontra seu eixo em este sentimento fundamental. Assim como os raios do sol vivificam tudo o que vive, assim a reverência no aluno vivifica todos os sentimentos da alma.
Não é fácil, no princípio, acreditar que sentimentos como reverência e respeito têm alguma coisa a ver com a conhecimento. Isto se deve ao fato que temos a tendência de por o conhecimento de lado como uma faculdade em si – uma que não tem relação com o que, por outro lado, acontece dentro da alma. Ao pensar assim não temos em mente que é a alma que exerce a faculdade de cognição; e os sentimentos são para ela o que a comida é para o corpo. Si damos pedras ao corpo em lugar de pão, sua atividade cessará. É a mesma coisa com a alma. A veneração, reverência, devoção são como nutrientes fazendo-a saudável e forte, especialmente forte para a atividade de cognição. A falta de respeito, antipatia, menosprezo do que merece reconhecimento, todas exercem um efeito paralisador e debilitante em esta faculdade de cognição.
Para os iniciados da espiritualidade este fato é visível na aura. Uma alma que almeja sentimentos de reverência e devoção produz uma mudança em sua aura. Algumas cores, que podemos chamar de “espirituais”, tonos: amarelo-vermelho e castanho-vermelho, desaparecem e são substituídos por matizes azul-vermelhos. Conseqüentemente a faculdade cognitiva amadurece; recebe conhecimento de fatos em seu ambiente que até então não tinha idéia que existiam. A reverência acorda na alma um poder simpático através do qual atraímos qualidades nos seres ao redor de nós, que de outra maneira ficam escondidas.
O poder obtido por meio da devoção pode tornar-se ainda mais efetivo quando a vida sentimental é enriquecida por mais uma qualidade. Isto consiste em entregar-se menos e menos a impressões do mundo externo, e em seu lugar desenvolver uma vívida vida interna.
A pessoa que corre de uma a outra impressão do mundo externo, constantemente buscando distrações, não pode encontrar o caminho para o conhecimento superior. O aluno não deve se tornar cego ao mundo externo, mas enquanto se presta às suas impressões deve ser guiado pela riqueza de sua vida interior. Ao passar por um belo distrito montanhoso, o viajante de alma profunda e riqueza de sentimento tem experiências diferentes aos de outro carente de sentimento.
Apenas o que experimentamos dentro de nós nos abre para as belezas do mundo de fora. Uma pessoa navega pelo oceano, e apenas passam umas poucas experiências por sua alma; outra ouvirá a linguagem eterna do espírito cósmico; para esta se desvelam os enigmas misteriosos da existência. Devemos aprender a ficar em contato com nossos próprios sentimentos e representações mentais se queremos desenvolver qualquer relação íntima com o mundo exterior. O mundo exterior, com todos seus fenômenos, está cheio de esplendor, mas temos que experimentar o divino dentro de nós mesmos antes de poder esperar descobri-lo em nosso ambiente.
O aluno é instruído a separar momentos em sua vida quotidiana para se retirar dentro de si, em quietude e sozinho. Em esses momentos não deve se ocupar com assuntos de seu próprio ego. O resultado disto seria o contrario do que se pretende. Mais propriamente deve deixar suas experiências e as mensagens do mundo exterior ecoar novamente dentro de seu próprio e completamente silencioso ser. Em tais momentos silenciosos cada flor, cada animal, cada ação lhe desvelará segredos não imaginados. E assim se preparará para receber impressões completamente novas do mundo externo através de olhos bem diferentes. O desejo de desfrutar uma impressão após outra simplesmente entorpece a faculdade de cognição; esta, porém, é nutrida e cultivada cada vez que experimenta o prazer e se lhe permite revelar sua mensagem.
Então, o aluno deve se acostumar a não meramente deixar o desfrute reverberar, mas propriamente renunciar a qualquer desfrute adicional e trabalhar com a experiência passada. O perigo aqui é muito grande. Em lugar de trabalhar internamente, é muito fácil cair no hábito contrário de intentar explorar o prazer. Que ninguém subestime o fato que imensas fontes de erro se apresentam ao aluno aqui. Ele tem que passar por uma multidão de tentadores em sua alma. Todos eles endureceriam seu ego e o aprisionariam dentro de si. Pelo contrario, ele deve abri-lo ao mundo inteiro. É necessário que busque o prazer, pois o mundo externo só pode chegar a ele através do mesmo. Se ele se insensibiliza para o desfrute é igual a uma planta que não pode mais tirar alimento do seu ambiente. Mas se ele se detém no desfrute e se fecha dentro de si, o prazer será algo para si mesmo e nada para o mundo. Não importa quanto ele possa viver dentro de si, quão intensamente ele possa cultivar seu eu – o mundo o rejeitará. Para o mundo ele está morto.
O aluno de conhecimento superior considera o desfrute apenas como uma maneira de se enobrecer para o mundo. O desfrute para ele é como um escoteiro que lhe informa sobre o mundo; mas uma vez instruído pelo prazer, ele passa ao trabalho. Ele não aprende para acumular instrução como tesouro próprio, mas para poder dedicar sua aprendizagem a serviço do mundo.
Em toda ciência espiritual existe um princípio fundamental que não pode ser transgredido sem sacrificar seu sucesso, e deve ser bem gravado no aluno em cada forma de instrução esotérica. É o seguinte:
Todo conhecimento procurado apenas para o enriquecimento de aprendizagem pessoal e a acumulação de tesouro pessoal te desvia do caminho; mas todo conhecimento procurado para crescer até madurecer dentro do processo de enobrecimento humano e desenvolvimento cósmico te conduz um passo adiante.
Esta lei deve ser observada estritamente, e nenhum estudante é genuíno até tê-la adotado como guia para sua vida inteira. Cada idéia que não se torna em teu ideal mata uma força em tua alma; cada idéia que se torna teu ideal cria forças vitais dentro de ti.
Rudolf Steiner
Tradução: Glória Bravo
Numa época de polarização, discursos de ódio, intolerância – religiosa e ideológica, certezas intransigentes e apologia à violência, guerra, morte, tortura, há cada vez menos espaço para a gentileza, cordialidade e respeito.
PALAVRAS GENTIS
“As palavras gentis faladas para nós têm um efeito direto, assim como a cor afeta nossos olhos diretamente. O amor que vive na alma do outro nasce em nossa alma nas asas das palavras. Esta é a percepção direta; não pode haver qualquer dúvida de interpretação aqui. […]
Vivemos com as almas dos outros, assim como vivemos com cores e sons. Quem não percebe isso, não sabe absolutamente nada de nossa vida interior. É muito importante entender essas coisas. ”
Rudolf Steiner – GA 169, “Os Doze Sentidos Humanos”
Tradução livre: Leonardo Maia
Steiner nos diz que o corpo Astral, ou nosso corpo de sentimentos, desejos, emoções é o corpo da Fé. A força que dele emana quando bem estruturado é Fé. Ora, estamos mergulhados hoje numa astralidade, numa atmosfera de medo. E ele também acrescenta, “a missão do medo é nos educar para a fé”. Ao realizarmos o esforço requerido por nossa época, de despertar para uma concepção espiritualizada da vida, purificamos nosso corpo de sentimentos e nos fortificamos na fé.
A QUESTÃO DO MEDO E SUA MISSÃO: EDUCAR-NOS PARA A FÉ
Este é sem dúvida, o momento propício para recordarmos os versos proféticos de Steiner para esta era de Michael:
“Temos de erradicar da alma, todo medo e terror daquilo que o futuro possa trazer ao homem. Temos de adquirir serenidade em todos os sentimentos e sensações a respeito do futuro. Temos de olhar para frente com absoluta equanimidade para com tudo que possa vir. E temos de pensar somente que tudo o que vier nos será dado por uma direção mundial plena de sabedoria. Isto é parte do que temos de aprender nesta era; a saber viver, sem qualquer segurança na existência material, mas viver com plena confiança na ajuda sempre presente do mundo espiritual. Em verdade, nada terá valor se a coragem nos faltar. Disciplinemos nossa vontade e busquemos o despertar interior todas as manhãs e todas as noites.”
Há três pontos fundamentais nestes versos que gostaria de destacar:
Primeiro: tudo o que vier nos será dado por uma direção mundial plena de sabedoria. Em tudo o que acontece há um propósito sábio. Há um princípio ordenador da vida e do mundo.
Segundo: precisamos aprender a viver sem qualquer segurança na existência material, mas podendo contar sempre com a ajuda do mundo espiritual.
E terceiro: disciplinemos nossa vontade e busquemos o despertar interior todos os dias.
Ou seja, ainda que não compreendamos ou não possamos elaborar tudo quanto acontece em nossos dias, se desenvolvermos uma relação de fidelidade e confiança com o mundo espiritual teremos a tranquilidade para aceitar aquilo que vem e a força para fazer disso algo de bom.
Há um velho ditado sufi que diz “confia, e amarra teu cavalo”. Quer dizer, confia, mas faz a tua parte. Não se trata de uma confiança cega nem irresponsável. E nossa parte tem a ver com este despertar interior que precisamos buscar e renovar todos os dias a partir de nossa livre vontade. O Salmo 90, chamado de salmo da confiança, também diz em seus lindos versos: “Tua fidelidade é teu escudo protetor”. Se examinarmos a origem da palavra fé, veremos que vem do latim Fidelis.
Steiner nos diz que o corpo Astral, ou nosso corpo de sentimentos, desejos, emoções é o corpo da Fé. A força que dele emana quando bem estruturado é Fé. Ora, estamos mergulhados hoje numa astralidade, numa atmosfera de medo. E ele também acrescenta, “a missão do medo é nos educar para a fé”. Ao realizarmos o esforço requerido por nossa época, de despertar para uma concepção espiritualizada da vida, purificamos nosso corpo de sentimentos e nos fortificamos na fé.
Para a formação desta atmosfera de medo e pânico em que estamos inseridos, mergulhados, colabora principalmente a mídia, formando uma “opinião pública”, mas também atitudes individuais que se vão somando numa corrente e espalhando temor através de notícias desencontradas, discursos muitas vezes infundados, distorcidos e frequentemente repassados adiante, seja por via oral ou pela internet.
Ana Paula Cury – Trecho do artigo “Epidemias”
A força básica em tudo que está fluindo aqui e que forma os homens exteriormente, e que interiormente os anima e os permeia com espírito – é puro amor.
O PURO AMOR – A FORÇA FUNDAMENTAL
Devemos conceber que quando entramos no elemento divino que está conectado com a evolução humana e no estado de equilíbrio entre as forças luciféricas e arimânicas que estão continuamente sendo mantidas, se compreendermos a verdadeira essência disso, então, sempre que chegarmos ao isso, quando percebemos corretamente o que não é uma influência de Lúcifer e o que não é uma influência de Ahriman, isto é, quando percebemos o que vem dessa espiritualidade divina progressiva que está realmente conectada com a evolução humana, se nos aproximamos do divino elemento que mantém um equilíbrio entre os reinos onde os elementos luciféricos estão fluindo continuamente e as coisas arimânicas fluem continuamente, descobrimos que a força básica em tudo que está fluindo aqui e que forma os homens exteriormente, e que interiormente os anima e os permeia com espírito – é puro amor.
Essa força fundamental é puro amor.
O universo consiste em amor puro, no que diz respeito à sua substância e ser internos e no que diz respeito aos seres humanos. Não é nada mais; não encontramos nada além de puro amor nas coisas divinas que são atribuídas aos homens.
No entanto, esse amor é um elemento interno e pode ser vivenciado pelas almas de uma forma interior. Nunca se tornaria exteriormente manifesto se não criasse seu corpo a partir dos elementos etéricos que conhecemos como luz. Se realmente olharmos para o mundo de uma maneira oculta, chegaremos ao ponto em que dizemos a nós mesmos: a essência fundamental do mundo é a substancialidade do amor interior que se manifesta exteriormente como luz.
Rudolf Steiner – GA 346, “Apocalipse Moderno” leitura XV
Tradução livre: Leonardo Maia
“Tudo o que você fizer ao menor dos meus irmãos, você faz por mim”.
IMPULSOS REDENTORES
Nossa compreensão contemporânea da natureza e das condições espirituais revela um desenvolvimento negativo que ameaça destruir os seres humanos e também a Terra.
Portanto, devemos fazer todos os esforços possíveis para contrariar esta tendência com um impulso positivo que fortaleça a cognição do espírito, a pesquisa e as atitudes humanas.
As pessoas estão gradualmente perdendo memórias cósmicas de sua origem divina. Muitas pessoas não sabem mais quais são seus objetivos na vida, tropeçam e sucumbem ao materialismo. Devemos tentar despertar seus interesses em ideias sempre novas, a fim de despertá-los de seu sono interior. É uma questão de plantar sempre novas sementes.
Se tivermos sucesso em dar novos impulsos espirituais, serviremos à humanidade.
Sempre que direcionamos um desenvolvimento para uma direção positiva, arrancamos algo da destruição. Assim, podemos entender as Escrituras que dizem:
“Tudo o que você fizer ao menor dos meus irmãos, você faz por mim”.
A oração em nome dos outros também é percebida pelas forças acima e fornecerá ajuda. A oração do coração é particularmente eficaz.
Um médico pode dirigir-se ao anjo do paciente com estas palavras:
“Você tem o cuidado espiritual dele e eu o cuidado físico. Portanto, por favor, ajude-me a encontrar o medicamento certo e a fazer a coisa certa.”
Nesse processo, o curador deve ficar completamente silencioso para ouvir uma resposta.
Ehrenfried Pfeiffer
Tradução livre: Leonardo Maia
“Uma visão antroposófica do ser humano deve fornecer os meios mais frutíferos e mais práticos para a solução das questões urgentes da vida moderna e verdade deve poder juntar-se e trabalhar nas tarefas mais importantes da atualidade e promover seu desenvolvimento para o bem-estar da humanidade como um todo… devemos observar a integração entre o pensamento e a realidade objetiva, qualquer oposição a isso vai contra ao que a humanidade precisa para o avanço do seu progresso”
Rudolf Steiner – GA 34
A ANTROPOSOFIA E A INTEGRAÇÃO ENTRE O PENSAMENTO E A REALIDADE OBJETIVA
A Antroposofia não nega ou obscurece fatos da realidade
“Antroposofia – em virtude de sua essência real, não é pretendida como uma teoria distante da vida, que meramente satisfaz a curiosidade do homem ou a sede de conhecimento como um instrumento para algumas pessoas que, por razões egoístas, gostariam de atingir um nível mais alto de desenvolvimento para si, não, em verdade deve poder juntar-se e trabalhar nas tarefas mais importantes da atualidade e promover seu desenvolvimento para o bem-estar da humanidade como um todo.
É verdade que, ao assumir essa missão, a Antroposofia deve estar preparada para enfrentar todo tipo de ceticismo e oposição.
Radicais, moderados e conservadores em todas as esferas da vida, serão obrigados a enfrentá-los com ceticismo.
Pois em seus começos, dificilmente estará em posição de agradar a qualquer parte. Suas premissas estão muito além da esfera dos movimentos partidários, sendo fundadas, de fato, puramente e unicamente em um verdadeiro conhecimento e percepção do todo da vida.
O investigador espiritual, portanto, necessariamente respeitará as coisas existentes. Por maior que seja a necessidade de melhoria que ele possa encontrar neles, ele não deixará de ver, nas coisas existentes, o embrião do futuro. Ao mesmo tempo, ele sabe que em todas as coisas para “tornar-se” deve haver crescimento e evolução.
Daí ele perceberá no presente as sementes da transformação e do crescimento.
Ele não inventa nenhum programa; ele os lê fora do que está lá. O que ele assim lê se torna, em certo sentido, um programa, pois nele está a essência do desenvolvimento. Por essa mesma razão, uma visão antroposófica do ser humano deve fornecer os meios mais frutíferos e mais práticos para a solução das questões urgentes da vida moderna.
Rudolf Steiner – GA 34
Esta é outra interessante conferência sobre os primórdios da Terra. Steiner traz Adão Kadmon, o ser humano primordial – que era a própria Terra. Ele faz a analogia com a semente humana – o feto em seu estado primeiro, o zigoto, o qual chama de Ovo-Terra, que seria a cópia microcósmico de Adão Kadmon: a Terra viva como ser humano primordial.
ADÃO KADMON
“Adão e Eva viveriam como pulgas sentadas sobre ela, e depois surgiria o gênero humano. Isso se originou justamente de um mal entendido do Antigo Testamento, ao passo que aqueles que antigamente sabiam alguma coisa não falaram de Adão, porém de Adão Kadmon. E este Adão Kadmon é algo diferente do Adão. Ele é aquela cabeça enorme que foi a Terra em passadas eras. E essa é uma representação natural. Esse Adão Kadmon só foi transformado numa pulga terrestre quando os homens não conseguiram mais imaginar que uma cabeça humana pode ter se tornado tão grande como a Terra, quando eles não acreditaram mais nisto, e então formaram para si uma imagem anormal, como se ela existisse por brincadeira, de que todos os nove meses se passam no corpo materno e de que dessa bola materna nasceria o ser humano.
Na realidade, devemos imaginar que em outras épocas o ser humano era o mundo inteiro – ele era o mundo todo. A Terra também era muito mais viva. Porquanto, meus amigos, isso não pode mesmo ser diferente; vejam, se eu lhes desenhar a Terra atual, ela de fato será um ser morto, do mesmo modo como a cabeça estará empenhada em definhar, mas se retrocedermos neste ponto até ao corpo materno, veremos que ele é vivo, de fora a fora. Ele é semelhante ao que a Terra foi no passado. Mas hoje a Terra já morreu. Entretanto, no passado ela foi viva, de fora a fora.”
Rudolf Steiner – GA 347, “Conferência aos Trabalhadores” – leitura X
GA 347 – Dornach, 30 de setembro de 1922
CONFERÊNCIA AOS TRABALHADORES – CONFERÊNCIA X
ADÃO KADMOS NA LEMÚRIA
Pergunta: Com referência a ter o Sol estado dentro da Terra, eu fiquei muito surpreso; sobre isto eu nunca tinha ouvido nada. Segundo o modo como eu entendi as últimas conferências, a Terra não foi nada senão o homem; e os animais, na realidade, descendem de tudo isto. – Como se explica, ao contrário, que o homem seria descendente do macaco?
Dr. Steiner: Estou muito contente por o senhor ter feito esta pergunta, pois através dela, exatamente ao respondermos a esta pergunta, poderemos prosseguir por um bom trecho.
– Se tomarmos a atual cabeça humana por si só, como ela é, o que encontramos nessa cabeça humana? Em primeiro lugar os senhores encontram essa cabeça humana envolta de fora para dentro e por cima, por uma casca bastante dura e óssea. Sim, meus amigos, se os senhores tomarem essa casca óssea, que na verdade é muito delgada em relação a toda a cabeça e a compararem com aquilo que encontram, por exemplo, quando entram pelas montanhas do Jura,6 os senhores descobrem ali uma extraordinária semelhança. A saber, aquilo que é uma casca óssea da cabeça consiste essencialmente de componentes muito semelhantes aos sedimentos de calcário, à crosta de calcário que os senhores encontrarão ali ao entrarem pelas montanhas do Jura.
De um modo geral os senhores podem encontrar tais sedimentos na superfície da Terra. Naturalmente não seria possível, exatamente, cultivar muito bem as frutas nesses sedimentos de calcário. Mas isso pode então ser feito numa camada que não consista de calcário, porém justamente de terra de cultivo e que é depositada por cima do solo de calcário.
No entanto, meus amigos, os senhores já devem ter visto isso: quando se fala da natureza deve-se fazer menção a tudo. E os senhores por certo sabem que a cabeça do homem, pelo menos pelo lado de fora, também está recoberta por uma pele que chega até mesmo a se escamar, de tal modo que sobre a capa craniana contendo calcário, sobre o esqueleto da cabeça, está colocada uma pele pelo lado de fora. Ao estudarmos então essa pele, ela exibe uma grande semelhança com o que é terra de cultivo. Na pele da cabeça crescem os cabelos. Os cabelos, por sua vez, têm uma grande semelhança com o que, como planta, medra em terras de cultivo.
Se desenharmos isso esquematicamente, como uma imagem, poderemos realmente dizer: em determinados locais da Terra existe, por cima dela, um sedimento de calcário; por cima desse sedimento de calcário existe a terra de cultivo e a partir dessa terra de cultivo nascem plantas. Já no ser humano temos pelo lado de fora aquela casca calcária, por cima a pele, e de dentro da pele crescem para fora os cabelos.
Nesse momento os senhores podem se lembrar de outra coisa. É muito curioso eu poder, portanto desenhar aqui com formas semelhantes, a Terra e a cabeça humana (desenho).
No entanto, lembrem-se por outro lado que eu lhes afirmei mais uma coisa. Eu lhes disse que quando se penetra a terra mais profundamente e se estuda aquilo que está ali mais no fundo da terra, encontra-se nela remanescentes de antigos seres vivos e de plantas. Eu lhes disse qual foi antigamente o aspecto desses animais e dessas plantas. Os Ictiosáurios e Plesiosáurios e assim por diante, estes eram bichos bastante grandes.
– Mas, se penetrarmos agora no interior da cabeça humana, o que foi que eu lhes disse? Eu lhes disse: no sangue nadam os corpúsculos sanguíneos brancos e, realmente, esses são animais pequenos. Dentro da cabeça humana esses pequenos animais definham incessantemente, de certa forma eles estão meio mortos embora sejam sempre avivados novamente durante a noite, mas eles estão a caminho da morte. E quanto mais alto se chega, na direção da cabeça, tanto mais ela definha. Sob a casca da cabeça, entre o cérebro e a casca óssea exterior, há uma pele muito bem amortecida. De modo que, mesmo quando se penetra na cabeça também se encontra algo que está amortecendo.
Portanto pode-se dizer: quando o homem morre e logo em seguida se toma a sua cabeça, – o que a ciência na verdade prefere fazer por não gostar de ocupar-se da coisa viva, porém apenas do homem morto sobre a mesa de autópsia -, sim, meus amigos, nós temos ali de fato aquelas células cerebrais amortecidas que realmente são células petrificadas de sangue, e por fora delas fica a casca dura. Nesse ponto a situação se torna muito semelhante á da Terra. De tal modo que não podemos senão dizer: ao penetrarmos ali por aquela dura pele cerebral – por isso até a chamam de “dura membrana cerebral”,7 por ela já estar totalmente amortecida – dentro do cérebro propriamente dito, então também veremos continuamente as petrificações.
Na Terra encontramos essas petrificações em toda parte. Se olharmos hoje então para a Terra, ela realmente parece como “dois fios de cabelo”, poder-se-ia dizer, com uma cabeça humana morta. Só que naturalmente esta é menor. A Terra é maior, por isso tudo tem uma aparência diferente. A Terra se assemelha a uma cabeça morta. Quem estuda a Terra hoje em dia, deve realmente dizer: a Terra é um imenso crânio humano e com toda a certeza ela é um crânio que já morreu.
Por outro lado, meus amigos, os senhores jamais poderão imaginar que alguma coisa tenha morrido, se ela não tiver vivido anteriormente. Ela na verdade não existe. Somente a ciência afirmaria uma dessas coisas. Mas eu acredito que os senhores se tomariam por tolos se encontrassem uma cabeça humana morta em algum lugar e dissessem: ora, isso foi formado pela matéria. – Os senhores jamais dirão isso, porém dirão: aquilo que tem esse aspecto deve alguma vez ter pertencido a um homem vivo, aquilo deve ter sido vivo no passado; portanto, o que morreu deve ter sido vivo alguma vez. – De tal modo que se alguém refletir racionalmente sobre isso, se estudar a Terra atual e encontrar uma cabeça humana morta, ele deverá naturalmente imaginar – senão diríamos que ele seria imbecil -, que ela viveu alguma vez, isto é, que no passado a Terra foi uma cabeça humana viva, que ela viveu no Universo da mesma maneira como o homem vive hoje na Terra.
Por outro lado, contudo, a cabeça humana não poderia viver, seria impossível que ela vivesse, se não recebesse o seu sangue do corpo humano. A cabeça humana sozinha pode, quando muito, ser mostrada alguma vez de brincadeira. Quando eu era um menino e morava numa vila, chegavam algumas vezes por ali dessas companhias perambulantes, montando suas barracas. Ao passarmos por ali, saía invariavelmente um deles e dizia: – Meus senhores, entrem, por favor, logo daremos início a uma apresentação! – Aqui se pode ver a cabeça humana viva que fala! – E então eles mostravam uma cabeça humana falante e viva. Os senhores sabem que isso é realizado através de uma aparelhagem feita de espelhos onde não se vê o corpo, porém apenas a cabeça. Mas, no mais, a cabeça naturalmente não existe sozinha, porém ela precisa receber do corpo humano o seu sangue e tudo aquilo que a nutre. Assim, a Terra também deve ter sido semelhante no passado, isto é, deve ter podido nutrir-se a partir do espaço universal. – Sim, seria então possível apresentar também fundamentos em favor da Terra ter realmente sido no passado semelhante a um ser humano e de ter sido nutrida a partir do Universo?
Muito se refletiu a respeito disto, de como acontece do Sol – eu o mostrei recentemente – ter sido ligado á Terra em outros tempos. Mas isso já aconteceu há muito tempo. Desde aquele tempo o Sol está fora da Terra e lhe dá luz e calor. Até mesmo o calor que se encontra dentro da própria Terra com certeza vem do Sol, ele só fica conservado no inverno. Nesse caso pode-se realmente calcular em quanto isso importaria, em quanto importa aquilo que o Sol despende anualmente na forma de calor. É muita coisa o que o Sol despende como calor. E os físicos também prepararam tais cálculos. São milhões e milhões de calorias.
No entanto, meus amigos, nesse cálculo os físicos realmente ficaram com medo e assustados, pois obtiveram como resultado a quantidade que o Sol despende cada ano; mas também descobriram que, se essa quantidade estivesse correta, o Sol já teria esfriado há muito tempo e todos nós já estaríamos congelados. Portanto, embora o cálculo fosse feito corretamente, contudo, ele não confere. Isso pode acontecer. Pode-se calcular algo, alguma coisa pode ter sido muitíssimo bem calculada, mas o cálculo não confere, exatamente por ter sido tão bem feito.
Por outro lado, existiu uma vez um físico, um suábio, chamado Julius Robert Mayer, que efetivamente teve uns pensamentos muito interessantes, lá pelos meados do século 19. Esse Julius Robert Mayer, cujo domicílio era em Heilbronn, Würtenberg, Alemanha, era médico e, de um modo semelhante a Darwin fez as suas descobertas na sua viagem pelo mundo, a saber, ele fez observações muito interessantes numa viagem para o Sul da Ásia, para aquelas ilhas, sobre o modo como, por influência do calor, o sangue humano tem um aspecto diferente do sangue das regiões mais frias, e chegou mediante essas observações a fatos interessantes. Posteriormente ele reuniu essas observações e as anotou, primeiramente, num artigo muito curto. E ele enviou naquele tempo esse artigo à mais importante revista alemã de ciência natural. Isso foi em 1841. E aquela revista de ciência natural lhe devolveu o artigo porque as pessoas diziam: tudo isso são coisinhas sem importância, amadorísticas e imbecis. – Hoje, as mesmas pessoas, isto é, os seus sucessores naturalmente, consideram esse assunto como uma das mais importantes descobertas do século 19!
Mas, os “Anais para Física e Química” de Poggendorf, que naquela época era a mais famosa revista alemã de ciência natural, não se limitaram simplesmente a lhe devolver naquela ocasião a dissertação que continha aquela pesquisa, porém, além disso, ainda o prenderam num hospício! Por estar muito entusiasmado com a sua ciência – ela não está totalmente correta, mas ele estava muito entusiasmado com ela -, por isso ele se comportou de uma forma um pouco diferente das outras pessoas -os outros também não sabiam exatamente a mesma coisa que ele -, e então os seus colegas médicos e os outros médicos notaram isso; por isso ele foi ter no hospício! De modo que os senhores chegam a uma descoberta científica que procede de um homem, o qual, por causa dela foi trancado no hospício. E, atualmente, se os senhores forem a Heilbronn, Suábia, Alemanha, os senhores encontrarão ali, na sua praça mais importante, um monumento a Julius Robert Mayer. Mas esse monumento foi feito mais tarde! Esse é apenas um exemplo de como as pessoas tratam aqueles homens que têm assim um pouco de pensamentos na cabeça.
Vejam! Por outro lado esse Julius Robert Mayer que passou a pensar nessa influência que ele conheceu, do calor sobre o sangue, também passou a pensar sobre o modo como o Sol pode chegar a esse calor. Outros simplesmente calcularam quanto ele fornece. Mas, além disso, Julius Robert Mayer também se questionou: – Sim, de onde vem tudo isso? – O que faz a fisica? – Dir-se-ia que a fisica calcula exatamente do mesmo modo como se calcularia no caso do homem: este comeu um dia e agora ficou satisfeito, mas, além disso, armazena-se mais alguma coisa em sua própria gordura e em seus músculos. Se agora ele não puder comer mais nada ele o retira da sua gordura e dos seus músculos. E então ele pode viver mais uns quarenta, sessenta dias, mas depois ele morre se não obtiver nada para comer. Os físicos também calcularam a mesma coisa para o Sol: aquilo que ele fornece a cada dia depois de ter adquirido aquele calor de uma maneira miraculosa. A maneira como ele teria comido naquela época, essa não foi realmente levada em consideração, mas, em todo caso, foi calculado quanto ele fornece como calor.
Mas, com certeza o Julius Robert Mayer perguntou-se de onde o Sol teria obtido tudo aquilo. E então ele veio a saber que a cada ano uns tantos corpos celestes voam para dentro do Sol, uns corpos que são como os cometas. Vejam! Essa é a comida do Sol. Mas, se hoje olharmos para cima, para o Sol, poderemos efetivamente ver: ele tem um bom estômago, anualmente ele come uma enorme quantidade de cometas. Da mesma maneira como nós consumimos o nosso almoço e por meio disso desenvolvemos o nosso calor, assim o Sol desenvolve calor ao forrar seu bom estômago com cometas.
Ora, meus amigos, isso quer dizer: quando os cometas já estão totalmente estilhaçados e ainda estão em queda, eles são duros núcleos de ferro, porém é apenas justamente o ferro que cai para o lado de cá. Na verdade, o homem também contém ferro em seu sangue. Se o ser humano fosse dissolvido em algum lugar e apenas o ferro caísse para o lado de cá, as pessoas provavelmente diriam: há algo lá em cima que reluziu e que consiste de ferro.
– Portanto, por consistirem de ferro as pedras meteóricas, os aerólitos nos quais os cometas se dissolvem, nós dizemos que os cometas consistem de ferro. Entretanto, isso é uma tolice, exatamente do mesmo modo como seria uma tolice acreditar que o homem consiste de ferro por haver ferro em seu sangue, e que se poderia encontrar nele um minúsculo punhado de ferro. Assim são encontradas as pedras meteóricas; essas são cometas decaídos. Mas os cometas são, na verdade, algo muito diferente; os cometas vivem! E o Sol, na verdade, também vive, ele tem um estômago, ele devora não só os cometas, porém se alimenta exatamente como nós. Em nosso estômago também há ferro. Quando alguém come espinafre, ele não se dá conta de que dentro de si há muito ferro, em geral naturalmente. Apesar disso, é bom que se recomende muito espinafre, exatamente para pessoas anêmicas, porque através dele elas recebem ferro no sangue com muito mais segurança do que se simplesmente lhes colocássemos o ferro dentro do estômago, o qual seguramente seria eliminado novamente pelos intestinos na maioria das vezes.
Se os cometas consistissem exclusivamente de ferro e caíssem assim dentro do Sol, os senhores efetivamente veriam como tudo isto sairia novamente para o lado de fora! Aí veríamos um processo totalmente diferente. Se isso fosse correto, provavelmente seria necessário construir uma gigantesca latrina no espaço celestial! Naturalmente esse assunto é totalmente diferente. Os cometas consistem de ferro apenas em sua menor porção: mas o Sol os devora.
Por outro lado, voltemos ao pensamento de que em outros tempos a própria Terra manteve o Sol dentro de si. Aqui dentro o Sol fazia a mesma coisa que ele faz sozinho atualmente; ele também comia cometas naqueles tempos anteriores. E agora os senhores obtêm o motivo pelo qual essa enorme cabeça que é a Terra conseguia viver: era porque o Sol representava o seu aparelho nutritivo.
Portanto, já havia sido providenciado para que a Terra, quando o Sol ainda estava com ela, dela poder nutrir-se. Só que os senhores devem imaginar o Sol muitíssimo maior que a Terra e, portanto, estando o Sol dentro da Terra, ele não estava dentro dela, porém a Terra estava dentro do Sol. De modo que devemos representar-nos esse assunto da forma seguinte (desenho): naquele tempo o Sol estava aqui, aqui dentro ficava a Terra e só depois, dentro da Terra, por sua vez a Lua. Num certo sentido isso era o contrário do que há no homem. Mas, na verdade, no homem é também apenas aparente que ele tenha um estômago pequeno; sozinho o estômago pequeno com certeza não poderia fazer muita coisa. O pequeno estômago que o homem possui – sobre isso haveremos de falar mais adiante -, ele está relacionado em toda parte com o mundo exterior. Em realidade, o homem está dentro do mundo da mesma maneira como em outros tempos a Terra estava dentro Sol. E o verdadeiro estômago da Terra era então o ponto central do Sol. Isto aqui sendo o Sol (desenho) e isto a Terra, então o estômago ficava bem aqui no meio e o Sol, ele apenas atraía de todos os lados aqueles cometas, entregando-os depois ao estômago, de tal modo que a digestão da Terra se dava efetivamente dentro dele.
Então, agora os senhores podem dizer: isso é contestado pelo fato da própria cabeça humana não digerir. – Isso está muito correto. Mas essa questão certamente também se alterou. Pois, realmente, a cabeça humana digere, todavia um pouquinho. Vejam como eu já lhes descrevi: quando comemos um alimento ele chega primeiramente à língua e depois ao céu da boca. Ali, em primeiro lugar ele é salivado com ptialina e depois segue pelo esôfago. Mas nem todo alimento segue pelo esôfago, pois o homem certamente também é, no fundo, uma coluna de água – pois tudo nele é mole, as partes duras estão apenas alojadas nele -, de modo que já na boca um pouco de comida é sugada para a cabeça. Uma nutrição direta segue do céu da boca para dentro da cabeça. Isso é assim.
Vejam como as coisas não são tão grosseiras quanto se acredita comumente; isso os senhores podem por certo concluir simplesmente fazendo comparações. Um óvulo humano não pode ser exposto ao ar para ser chocado exteriormente nele. Já com os ovos dos pássaros pode-se fazer isso. Estes são expostos ao ar e são exclusivamente chocados lá fora. O mesmo também se dá naturalmente – e de maneira análoga – com a cabeça humana. A atual cabeça humana não conseguiria nutrir-se do pouquinho de alimento que ela obtém a partir do céu da boca. Não obstante, a Terra estava justamente disposta de outro modo. Ela tinha um estômago dentro de si, o qual era ao mesmo tempo uma boca e se alimentava totalmente por essa boca. De modo que podemos dizer: durante o tempo em que o Sol esteve ligado á Terra, aquele imenso ser teve a possibilidade de alimentar-se a partir do Universo.
Por outro lado eu lhes disse: ao estudarmos a Terra hoje em dia, ela se assemelha a uma cabeça humana amortecida. Sim, mas uma cabeça humana morta deve ter vivido, evidentemente, em épocas passadas. Portanto, a Terra deve ter vivido anteriormente. E então ela foi nutrida pelo Sol.
Agora, meus amigos, eu quero dizer-lhes mais uma coisa. Vejam, se os senhores examinarem, num determinado período, o germe humano dentro do corpo da mãe, portanto, após a fecundação, quero dizer, duas, três, quatro semanas após a fecundação, então o aspecto desse germe humano é extremamente interessante. Ali se encontra, em primeiro lugar, dentro do complexo corpóreo materno e ao redor de tudo, dentro do corpo da mãe, uma pele chamada útero, uma membrana com muitos vasos sanguíneos. E os vasos sanguíneos que ali se encontram em excesso, ali no complexo corpóreo da mãe – eles naturalmente não estão ali no corpo humano se não houver justamente uma criança em gestação; esses vasos sanguíneos são ligados a outros vasos sanguíneos que a mãe possui. Ali eles penetram em toda parte nas veias sanguíneas.
De modo, portanto, que a mãe tem, inserida ali em seu próprio sistema sanguíneo, aquela esfera (desenho abaixo) e enquanto, além do mais, o sangue circula pelo corpo, ele ainda é derramado nessa esfera, mas somente na parte externa dela. Ora, meus amigos, dentro dessa esfera se encontram todos os órgãos. Ali há, por exemplo, um órgão que tem a aparência de um saco e ao lado dele outro saco que é menor. Aquelas veias sanguíneas também se estendem para dentro desses sacos, as quais senão, quando a mãe não carrega nenhum filho, não são encontradas ali, pois a esfera toda está ausente; essas veias também se estendem para dentro dali. De modo que podemos dizer: essas veias penetram ali em toda parte e tudo que eu lhes desenhei até agora está presente quando a criança se desenvolve nas primeiras semanas; isso está presente e a criança está suspensa nisso, muito pequena, portanto minúscula, a criança está suspensa nisso aqui. Minúscula, ela está suspensa nisso!
E, curiosamente, se agora eu lhes desenhasse a criança em tamanho grande, como ela será em seguida, então eu deveria desenhá-la assim: a saber, a criança será quase só cabeça (desenho), a outra parte que está nela será minúscula. Os senhores veem como eu acrescentei aqui o desenho de duas dessas extensões, mais tarde elas serão os braços. As pernas quase não existem. Mas, por isso mesmo estas duas bolsas estão, portanto dispostas justamente na criança, estas duas bolsas que eu desenhei aqui, e os vasos sanguíneos penetram nestas duas bolsas. E estes vasos sanguíneos levam consigo o alimento e a cabeça é nutrida desta forma.
Certamente ainda não existe um estômago e nem um coração também. Nas primeiras semanas a criança ainda não tem uma circulação sanguínea própria. Pois ela é só cabeça. E essa cabeça vai crescendo paulatinamente até que no segundo, no terceiro mês ela se torna semelhante ao ser humano, por se ajuntarem a ela os outros órgãos. Mas, a criança continua sendo alimentada de fora por aquilo que está ali como bolsas. E depois o alimento é armazenado desta maneira em toda a sua volta (desenho). Mas o sangue já é introduzido.
A criança ainda não consegue respirar, ela apenas obtém o ar indiretamente, pela mãe. Portanto a criança é, de fato, uma cabeça humana e os outros órgãos ainda não lhe servem para quase nada. Ela não consegue fazer nada com os pulmões. Ela não pode fazer nada com o estômago. Ela ainda não consegue comer; logo ela precisa receber todos os alimentos a fim de que apenas a sua cabeça seja nutrida. Ela ainda não consegue respirar. Ela também não tem ainda um nariz. Embora os órgãos estejam se desenvolvendo, ela ainda não consegue usá-los. Assim, na verdade, a criança é uma cabeça dentro do corpo materno; só que tudo ali é mole. Lá dentro, o futuro cérebro é muito mole, ele é extremamente mole e muito vivo, tremendamente vivo. E se os senhores pudessem servir-se de um enorme microscópio e examinar detalhadamente a cabeça de uma criança que esteja, digamos, na segunda ou terceira semana após a fecundação, então ela teria um aspecto muito semelhante áquilo que eu lhes disse sobre a Terra, sobre como a Terra foi em tempos idos, quando os Ictiosáurios e os Plesiosáurios e tudo o mais chapinhavam por ali. Isto teria um aspecto espantosamente semelhante, diferindo apenas quanto ao tamanho.
De modo que é possível perguntar: – Onde pode ser encontrada até nos dias de hoje uma imagem da Terra que existiu em outros tempos? Ora, na cabeça humana, justamente enquanto a cabeça humana ainda não houver nascido e enquanto ela ainda existe apenas como germe. Esta cabeça humana é evidentemente uma clara cópia da Terra.
E tudo que precisou ficar pendurado nela, aquelas bolsas do corpo, o que está ao redor dela, tudo aquilo é posto para fora depois de se romper, a modo das assim chamadas secundinas, permanecendo o corpo humano que é levado a nascer. Pois, realmente, dentro do complexo corpóreo materno recebe-se, como criança, o alimento do que serão posteriormente as secundinas, as quais serão lançadas para fora como secundinas – elas consistem de vasos sanguíneos dilacerados. O assim chamado alantóide8 e o líquido amniótico – trata-se portanto dos órgãos dilacerados -, são extremamente importantes para nós enquanto nos encontramos no corpo materno, porque substituem o estômago e os órgãos da respiração. Mas quando não os empregamos mais, após o nascimento, quando podemos, nós próprios, respirar e comer, eles são eliminados como secundinas.
Entretanto, meus amigos, se os senhores olharem para este assunto da forma como eu o desenhei aqui, basta que imaginem: aqui estaria o Universo, aqui a Terra e aqui dentro dela a cabeça humana; e ao redor disto, muito rarefeito, o Sol. E agora vem o nascimento, isto é, cessa aquilo que existiu anteriormente. O Sol e a Lua voam para fora e tem lugar o nascimento da Terra. Doravante, a Terra que se ajude!
É possível descrever de dois modos essas coisas. Primeiro me foi possível descrevê-las de modo a dizer-lhes: a Terra teve antigamente este aspecto – dentro dela havia Ictiosáurios, Plesiosáurios e assim por diante. Em segundo lugar, porém, eu poderia igualmente descrever-lhes o germe humano. Apenas, neste caso, tudo é muito menor, mas eu teria de dizer a mesma coisa. De modo que hoje os senhores podem afirmar: em outras eras a Terra foi o germe de um enorme ser humano.
E, por outro lado, é extremamente interessante saber que antigamente os homens sabiam muito mais que os homens surgidos posteriormente, e de um modo extraordinário, – a respeito disto ainda falaremos. Ou seja, em geral os seres humanos subsequentes aprenderam a partir do mal compreendido arquivo hebraico, do mal compreendido Antigo Testamento e na verdade, imaginaram o seguinte: aqui ficava a Terra e em algum lugar ficava o Paraíso e aqui em pé estaria Adão, feito um rapazinho no Paraíso. Essa imagem que as pessoas faziam a partir do mal compreendido Antigo Testamento é mais ou menos como se hoje alguém imaginasse o seguinte: o ser humano não procede daquela coisinha que se encontra ali, do alantóide e das bolsas amnióticas, daquela membrana e assim por diante – o homem não procederia disto, porém tudo isto seria um assunto à parte; mas uma minúscula pulga pousaria dentro do corpo materno e a partir dessa minúscula pulga surgiria o homem.
É mais ou menos dessa forma que imaginamos esse assunto: a Terra estaria aqui, Adão e Eva viveriam como pulgas sentadas sobre ela, e depois surgiria o gênero humano. Isso se originou justamente de um mal entendido do Antigo Testamento, ao passo que aqueles que antigamente sabiam alguma coisa não falaram de Adão, porém de Adão Kadmon. E este Adão Kadmon é algo diferente do Adão. Ele é aquela cabeça enorme que foi a Terra em passadas eras. E essa é uma representação natural. Esse Adão Kadmon só foi transformado numa pulga terrestre quando os homens não conseguiram mais imaginar que uma cabeça humana pode ter se tornado tão grande como a Terra, quando eles não acreditaram mais nisto, e então formaram para si uma imagem anormal, como se ela existisse por brincadeira, de que todos os nove meses se passam no corpo materno e de que dessa bola materna nasceria o ser humano.
Na realidade, devemos imaginar que em outras épocas o ser humano era o mundo inteiro – ele era o mundo todo. A Terra também era muito mais viva. Porquanto, meus amigos, isso não pode mesmo ser diferente; vejam, se eu lhes desenhar a Terra atual, ela de fato será um ser morto, do mesmo modo como a cabeça estará empenhada em definhar, mas se retrocedermos neste ponto até ao corpo materno, veremos que ele é vivo, de fora a fora. Ele é semelhante ao que a Terra foi no passado. Mas hoje a Terra já morreu. Entretanto, no passado ela foi viva, de fora a fora.
Vejam, se as pessoas fossem capazes de dar coesão a tudo que a ciência produz, elas chegariam a algumas coisas. Pois a ciência efetivamente está correta, mas as pessoas que a administram nos dias de hoje não sabem fazer muita coisa com ela. Se hoje em dia alguém examinar a superfície desta Terra, deverá dizer: isto, sem dúvida, é semelhante a uma cabeça humana morta. Na verdade, nós realmente andamos sobre coisas mortas, sobre coisas que devem ter vivido no passado. Eu já lhes disse isso anteriormente; mas eu ainda lhes direi todas as consequências desse fato.
Ora, havia uma vez, em Viena, ainda no tempo da minha juventude, um geólogo muito famoso, um entendido em Terra. Ele escreveu um grande livro: “O semblante da Terra”. Ali consta o seguinte: hoje em dia, quando andamos pelos torrões da Boêmia e da Westfália, andamos em cima de coisas mortas. Tudo isto foi vivo em outras eras. – A ciência até que adivinha as peculiaridades, mas ela não consegue combinar as coisas. O que eu lhes afirmo não contradiz a ciência em nenhum ponto. Os senhores podem encontrar a confirmação disto em toda parte, basta irem à sua procura na ciência. Mas os próprios cientistas não descobrem a saída para a sequência das coisas.
Portanto, chegamos realmente ao ponto de poder dizer: no passado a Terra foi um gigantesco ser humano. Ela foi isso. Mas ela morreu e hoje perambulamos em Terra morta.
Dessa maneira, vejam, restam agora algumas questões importantes, restam duas questões importantes, por intermédio da questão do senhor N. Uma é esta: ao retrocedermos ao passado vemos como a Terra foi um gigantesco ser humano. – De onde vêm os animais? E a segunda é esta: a Terra foi, pois um gigantesco ser humano. – Qual é a origem de ser o homem hoje uma pulga tão pequena sobre a face da Terra? – De onde provêm o que o tornou tão pequeno? Essas duas questões são realmente questões muito importantes.
Na realidade, a primeira não é tão difícil de ser respondida; basta não querer respondê-la a partir de toda sorte de brincadeiras fantásticas, porém é preciso respondê-la a partir de fatos.
Meus amigos, em que acreditam os senhores, quando uma mulher morre durante a gravidez, enquanto aquela coisa ali dentro ainda tem o aspecto daquilo que eu lhes desenhei na lousa, e os senhores, pela autópsia, extraem dela aquela esfera dentro da qual ainda estão aquelas coisas que caem com as secundinas, e dentro das quais se encontra o embrião que mais tarde se tornaria um homem – admitamos que se extraia toda aquela coisa e que não a coloquemos no álcool no qual ela certamente se conservaria, porém que nós a deixássemos assim em algum lugar, especialmente em algum lugar úmido, e que depois de algum tempo voltássemos até lá -, o que acreditam os senhores que veríamos ali? Sim, meus amigos! Se voltássemos para lá depois de algum tempo e em seguida começássemos a retalhar tudo aquilo, sairia uma porção de bichos andando dali de dentro; uma porção de bichinhos sairia dali. A cabeça humana inteira, que estivera bem viva dentro do complexo corpóreo materno, essa morre. E ao morrer – basta recortá-la para poder vê-lo -, sai dali toda espécie de bichos.
Sim, meus amigos, imaginem que outrora a Terra tenha sido uma dessas cabeças humanas dentro do Universo e que ela tenha morrido. – Seria preciso maravilhar-se com o fato de ter saído dela toda espécie de bichos? Pois até o dia de hoje uma cabeça ainda faz isso. Se os senhores levarem em consideração esse assunto, obterão a origem dos animais. Mesmo hoje ainda se pode observá-la.
Essa é uma questão. Ainda falaremos mais sobre ela, sobre como as formas animais surgiram separadamente. Mas em princípio os senhores já têm aí o fato de que os animais devam existir. Hoje eu posso apenas aludir a essa questão, mais tarde eu ainda a responderei detalhadamente.
Agora resta a outra pergunta: – Porque o homem é atualmente um sujeitinho tão pequeno? Ora, aqui os senhores devem novamente reunir tudo que for possível saber. Em primeiro lugar os senhores podem perguntar: sim, mas no passado viveu um homem no Universo e que hoje é a Terra, mas o qual definhou, e que hoje é Terra. – Então ele não nasceu? – Ele não se multiplicou? – Certamente não é preciso atentar para mais esta questão, pois, se ele se multiplicou naquele tempo, os outros foram convocados para algum lugar do Universo, para outras coisas. Assim, pois, primeiro devemos interessar-nos em quando surgiu um determinado ponto da multiplicação. Sim, meus amigos, se os senhores investigarem, mesmo hoje, o modo como uma pequena célula se multiplica, então ela começa sendo assim (desenho), depois ela fica assim, depois, dela surgem duas. Em seguida haverá mais duas de cada uma delas; isto já perfaz quatro.
Ora, todo o corpo humano é construído desse modo, de tal maneira que no final ele consistirá de um sem número de pequenos bichinhos separados, vivendo no sangue e definhando na cabeça, os quais, todos eles, foram produzidos por uma única célula. Dessa maneira, exatamente do mesmo modo como o ser humano hoje não nasce somente de um homem todo, porém de uma parte do homem, a Terra atual surgiu de uma parte da Terra original. É de perguntar-se apenas: – Porque o homem hoje não sai mais dela? É porque a Terra, desde quando o Sol saiu dela, não está mais tão ligada ao Universo. Agora todos esses seres permanecem internos. Eles passaram a ser iluminados por fora pelo Sol, quando este saiu, enquanto que anteriormente ele estava dentro da Terra. – Os senhores precisam reunir tudo que é possível saber.
Meus amigos, talvez os amigos saibam, não obstante, que é possível criar cães, os quais têm, em geral, certo tamanho abaixo do qual eles, na verdade, não chegam, mas que podem, todavia ser criados a ponto de algumas vezes quase não serem maiores do que grandes ratazanas. Por exemplo, quando se dá álcool aos cães para beber, eles ficam pequenos – na verdade, o seu tamanho depende do que age ali sobre a sua entidade -; no entanto, estes cães tornam-se terrivelmente nervosos.
Com efeito – embora o mundo inteiro não estivesse repleto de álcool -, foram, todavia as atuações dos materiais que se tornaram totalmente diferentes quando o Sol se afastou da Terra. Com certeza, quando ele ainda estava na Terra, existia uma atuação totalmente diferente de quando o Sol mais tarde passou a estar lá fora. E enquanto no início o homem era tão grande quanto a própria Terra, ele se tornou pequeno mediante aquela gigantesca atuação. Mas, essa foi a sua sorte, pois enquanto ele ainda era tão grande como a Terra, todos os outros homens que nasciam, tinham de voar para fora no Universo. Mais adiante haveremos de ouvir, por sua vez, o que se deu com eles. Mas agora eles puderam ficar na Terra para poderem nela perambular, uns com outros. E assim, em vez do homem, originou-se o gênero humano, porque os homens ficaram pequenos.
Sim, meus amigos, essa é a verdade: todos nós descendemos de um só homem! – Afinal, isso certamente também é compreensível, não é mesmo? Mas esse ser humano único também não era assim uma dessas pulguinhas terrestres como os seres humanos são atualmente, porém ele era a própria Terra. Só que, por um lado, ao sair o Sol, a Terra passou a definhar, enquanto os animais se arrastavam para fora dela, do mesmo modo como os animais atualmente também se arrastam para fora de algo que está morrendo. E, por outro lado, as forças ainda foram conservadas. Só que agora elas não foram excitadas de dentro pelo Sol, porém de fora, e o ser humano se tornou pequeno, podendo vir-a-ser muitos homens.
Por isso, por atuar de fora, o Sol torna o homem pequeno. Isso por certo também pode ser muito bem compreendido pelos senhores. Pois, imaginem uma vez, se isto for a Terra – agora quero desenhar a Terra bem pequena -, e se anteriormente o Sol estava aqui, dentro, portanto de onde a Terra estava colocada, então todas as forças irradiavam desse modo para fora, e quando a Terra se locomovia, o Sol sempre ia junto com ela, pois eram uma e outro a mesma coisa (desenho à esquerda). Mas agora que o Sol está fora, a história é outra: aqui está o Sol e aqui está a Terra que gira ao redor do Sol. Quando a Terra está aqui ela recebe estes raios; quando ela está ali, ela recebe aqueles raios (desenho à direita). Os senhores sempre veem apenas uma pequena porção dos raios. Quando o Sol está fora, a Terra passa a receber apenas uns poucos raios. Mas quando o Sol ainda ficava na Terra, sempre lhe chegava, por dentro, a plena atuação do Sol. Não admira que ao girar o Sol assim ao redor da Terra ele possa iluminar o ser humano em qualquer dos pontos da Terra, enquanto no passado, quando ficava dentro e precisava irradiar a partir do ponto central, ele conseguia irradiar somente um ser humano. Portanto, assim que o Sol começou a atuar a partir da periferia, ele diminuiu o tamanho do ser humano.
É interessante, é realmente muito interessante, que não somente os eruditos asiáticos, muito tempo depois de ter sido o Antigo Testamento interpretado erroneamente, ainda falavam do Adão Kadmon que na verdade é um homem que é a Terra toda, mas que os ancestrais dos atuais habitantes da Europa Central, que estão em toda parte na Suíça, na Alemanha, tivessem uma lenda na qual se dizia: que a Terra foi certa vez um ser humano gigantesco, que ela foi o gigante Ymir. E que a Terra foi fecundada.
Portanto, eles falavam da Terra da mesma maneira como se deve falar atualmente de um ser humano. E mais tarde isso naturalmente não foi mais compreendido porque em lugar dessas imagens lendárias, embora elas fossem imaginativas e corretas – pois são terrivelmente verdadeiras -, porque em lugar dessas imagens verdadeiras colocou-se a explanação latina errada do Antigo Testamento. Portanto, os antigos germanos da Europa – isso certamente era imaginativo, era como se eles houvessem sonhado, mas o sonho estava muito mais correto do que mais tarde, quando o Antigo Testamento foi mal entendido e quando, em vez de se falar da Terra toda, do Adão Kadmon, se falou do pequeno Adão – os antigos germanos ainda tinham uma ciência, conquanto esta fosse meramente imaginativa, sonhadora.
Sim, vejam, adquirimos até mesmo um enorme respeito por aquilo que foi anteriormente extirpado da antiga ciência, embora ela fosse meramente imaginativa e sonhadora. Mas ela existiu e foi extirpada. Não é de se admirar. Numa determinada época surgiu, portanto essa extirpação geral. E se eu lhes relatasse o que existiu no passado, por exemplo, na Ásia Menor, na Média Ásia, na África do Norte, no Sul da Europa, na Grécia, na Itália – sim, meus amigos, no 1°., 2°., 3°. séculos, quando o Cristianismo já existia, então os senhores encontrariam estátuas extraordinárias em toda parte, se fossem para os campos, na Ásia e na África; elas existiram em toda parte. E nessas estátuas, as pessoas, que ainda não sabiam ler nem escrever, expressavam como a Terra foi no passado. A partir dessas estátuas seria possível estudar como foram as coisas sobre a Terra no passado. Isso estava expresso na forma, na escultura, esse fato da Terra ter sido outrora um ser vivente.
E então as pessoas passaram a ficar furiosas, a ficar com aquela raiva, e em pouco tempo simplesmente acabaram com o que havia dessas estátuas. Destruiu-se uma imensa quantidade de coisas a partir das quais se poderia ter inferido muitíssimos assuntos. Aquilo que ainda é encontrado, atualmente como antigos monumentos, é realmente o menos importante, pois naqueles primeiros séculos sabia-se muito bem o que era o mais importante. E isso foi eliminado.
Pois, foi assim mesmo, antigamente a humanidade possuía um maravilhoso saber; mas, justamente, eles, aqueles homens o sonhavam. E, vejam! Esse é um fato extremamente interessante, o fato de que no passado os homens sonhavam em vez de refletir – coisa que precisam fazer hoje em dia -, os homens com efeito sonhavam aqui na Terra. Na realidade, eles sonhavam mais de noite que de dia. Pois tudo aquilo que se fica sabendo a respeito da antiga sabedoria humana está impregnado do que se vê: aqueles homens observavam muita coisa durante a noite. Os pastores que ficavam no campo observavam muita coisa durante a noite. E aquela antiga sabedoria existia, portanto entre os germanos quando estes falavam de um homem gigantesco. E depois dele ainda houve também mais um homem gigantesco. O homem realmente não se tornou pequeno de repente. Mas finalmente ele se tornou semelhante ao que os homens são agora.
Pois bem, meus amigos. Voltaremos a falar, a partir deste ponto, assim que eu puder estar com os senhores novamente. Os senhores veem como uma pergunta daquela ordem sempre estimula a falar sobre muito mais coisas. Agora eu devo viajar mais uma vez para a Alemanha, para Stuttgart. E depois disso poderemos com certeza conversar mais. Entrementes, preparem algumas boas perguntas.
Rudolf Steiner – GA 347 – Dornach, 30 de setembro de 1922
Tradução: Gerard Bannwart
GA 347 – Dornach, 27 de setembro de 1922
CONFERÊNCIA AOS TRABALHADORES – CONFERÊNCIA IX
O MAIS PRIMORDIAL ESTADO DA TERRA
Da última vez eu falei com os senhores do voo da Lua para fora da Terra e de como este fato está relacionado com a vida na Terra em geral. Até posso imaginar que os senhores tenham muitas perguntas. Poderemos tratar delas mais adiante, no próximo encontro. Até lá os senhores poderão refletir um pouco mais. Mas hoje eu ainda devo explicar algumas coisas. Dessas coisas também podem talvez surgir algumas perguntas.
Nós dissemos: enquanto a Lua estava dentro da Terra, enquanto isso, a questão da força reprodutora dos seres animais era algo totalmente diferente do que se tornou mais tarde, após a Lua ter-se retirado. Eu lhes disse que, na época, em que a Lua ainda estava na Terra, ela entregou em favor da Terra aquelas forças que, de certa maneira, são as forças maternas, as forças femininas. De modo que podemos imaginar que houve uma época em que a Lua ainda estava dentro da Terra. Quero desenhar-lhes como era aquilo, mas apenas muito esquematicamente.
Quando a Lua ainda se encontrava dentro da Terra, ela não estava bem no centro dela, porém um pouco de lado (desenho). Se os senhores olharem para a Terra nos dias de hoje, por certo também se darão conta de que, de um lado, mais para o lado de onde está a Austrália, há muita água sobre a Terra, enquanto deste lado onde fica a Europa, há muito chão. De modo que, na realidade, a Terra não está repartida por igual entre chão e água, porém a Terra está repartida de tal forma que de um lado está a maior parte do chão e de outro lado a maior parte da água. Portanto, o material não está distribuído por igual sobre a Terra (desenho da direita). As coisas também não estavam distribuídas por igual quando a Lua ainda estava dentro da Terra. A Lua ficava justamente para o lado onde a Terra tem em geral a tendência de ser pesada. Naturalmente, se ali houver um material sólido, ali será mais pesado. De modo que é preciso desenhar essa situação da forma como eu o desenhei ali com o giz branco.
No entanto, os senhores devem formar a representação de que naquele tempo a fecundação se processava de tal modo que a Lua, embora estando dentro da Terra dava àqueles enormes bichos a força mediante a qual eles forneceriam até certo ponto o material reprodutor. Não se pode dizer que os animais já naquele tempo botavam verdadeiros ovos. Aquelas enormes ostras eram realmente apenas uma massa mucosa, elas próprias, e segregavam de si justamente uma pequena parte. De modo que uma dessas ostras gigantescas que originalmente podia ser tão grande quanto a França inteira, conforme eu lhes descrevi da última vez, possuía uma poderosa crosta sobre a qual teria sido possível andar e, do lado voltado para a Terra, ela possuía uma massa mucosa.
As forças lunares agiam sobre esta massa mucosa e deste modo uma pequena parte da massa mucosa se separava. Esta continuava nadando pela Terra. E quando o Sol, por sua vez, passou a brilhar sobre ela – expliquei-lhes isto de uma forma bem visível com o exemplo do cão -, formou-se uma casca de ovo e, por isso, por formar-se a casca de ovo, a massa mucosa da ostra, por sua vez, inclinou-se a segregar uma pequena parte, tornando possível o surgimento subsequente de um novo animal. De maneira, portanto, que as forças femininas procediam da Lua que estava dentro da Terra e as forças masculinas procediam do Sol que brilhava de fora sobre a Terra. Aqui, meus senhores, lhes descrevo uma época muito bem determinada, uma época em que a Lua ainda se encontrava dentro da Terra.
Por outro lado, os senhores devem imaginar o seguinte. Nos dias de hoje, nos quais a Lua está lá fora, lá fora da Terra, ela age de um modo muito diferente. Pois os senhores também sabem que quando o ácido carbônico está dentro do homem – eu lhes disse isto no último encontro -, ele age de modo muito diferente de quando está fora do homem, onde ele é um veneno. Se os amigos se lembrarem da reprodução dos animais de hoje, deverão dizer: os animais precisam produzir ovos e em seguida estes ovos precisam ser fecundados de alguma maneira. Aquilo, portanto, que a Lua dava antigamente quando estava dentro da Terra, os animais têm agora dentro de si. Os animais têm as forças lunares dentro de si.
E, sem dúvida, a Lua também envia forças de fora. No último encontro eu lhes disse: até mesmo os poetas sabem que a Lua dá forças à Terra. Mas estas são forças pelas quais a fantasia é excitada, são forças que nos aviventam interiormente. São forças que não agem mais sobre a reprodução, porém, irradiam de fora para dentro, não conseguem mais realizar a reprodução.
Assim os senhores devem representá-las: aquilo que a Lua podia dar à Terra quando ainda estava dentro dela, daquelas forças reprodutoras os animais se apropriaram, receberam-nas como herança e as passam, como herança, de um para outro animal. Portanto, ao examinarem os ovos dos animais, os senhores deverão dizer: as forças lunares estão dentro deles. Mas, ali dentro permanecem aquelas forças que agiam quando a Lua ainda se encontrava na Terra. Hoje em dia a Lua não consegue mais realizar muitas outras coisas, a não ser excitar a cabeça. Portanto, hoje a Lua age dentro da cabeça. Em tempos passados, entretanto, ela agia justamente sobre a reprodução. Vejam. Essa é uma diferença a ser considerada. Isso constitui uma diferença muito grande, se uma coisa qualquer está dentro da Terra ou se está do lado de fora dela.
Mas, no caso da reprodução, certamente se trata de um assunto verdadeiramente extraordinário. Por outro lado, é preciso que se diga: todo entendimento da natureza está relacionado principalmente com o fato de se compreender a reprodução. Pois, por intermédio dela ainda hoje tem origem cada um dos animais e cada uma das plantas. Se a reprodução não existisse tudo já teria morrido há muito tempo. Se quisermos entender qualquer coisa a respeito da natureza é preciso entender a reprodução. Por outro lado, existe algo de muito peculiar, que se passa com a reprodução sobre a Terra.
Ponderem uma vez: o elefante tem a peculiaridade de poder estar, aos quinze, dezesseis anos, em condição de produzir uma única cria. Tomemos, para contrastar, uma concha: esta é um pequeno animal mucoso. Se os senhores a imaginarem como sendo imensamente grande, terão, mais ou menos, aqueles bichos que eu lhes mostrei como fazendo parte daquela época tão remota. Entretanto, até se pode aprender alguma coisa com a ostra. Mas a ostra não é igual ao elefante que precisa esperar tantos anos para produzir uma cria. Uma única ostra é capaz produzir um milhão de ostras por ano. Portanto, a ostra é diferente do elefante com relação à capacidade reprodutora.
Por outro lado, o pulgão é outro animal interessante. Os senhores sabem que ele se apresenta nas folhas das árvores e que ele é visto, em geral, como uma população efetivamente nociva para o mundo vegetal. Sofre-se muito com ele. Sem dúvida, um pulgão, como se sabe, é muito menor que um elefante, mas em poucas semanas ele pode -um único pulgão! -, ele consegue produzir muitos milhões de descendentes. Portanto, um elefante leva uns quinze, dezesseis anos para produzir um único descendente e o pulgão consegue proliferar justamente em poucas semanas, de tal forma que de um único deles provenham alguns milhões.
E, além disso, existem ainda uns animais minúsculos chamados vorticelas. Quando os enxergamos pelo microscópio eles em geral não são mais do que um minúsculo coágulo de muco, e têm um fio com o qual avançam serpeando. São animais muito interessantes, mas consistem apenas de coágulos muito pequenos de muco, como se estirássemos um fio de uma ostra com o qual eles nadam por aí. Essas pequenas vorticelas são capazes de produzir – uma única delas! -, cento e quarenta bilhões de descendentes em quatro dias. Fora isso, é uma coisa que nem dá para escrever na lousa, de tantos zeros que precisariam ser escritos! A única coisa que poderia concorrer com ela seria a inflação da Rússia!
Dessa maneira, os senhores veem como há uma diferença considerável, quanto à capacidade reprodutora, entre um elefante que precisa esperar quinze, dezesseis anos para produzir um único descendente e uma dessas pequenas vorticelas que em quatro dias prolifera tanto a ponto de nascerem cento e quarenta bilhões de descendentes.
Assim os senhores veem como aqui são apresentados segredos da natureza efetivamente muito importantes. E existe também uma narrativa francesa muito interessante, que, exteriormente, não tem muito a ver com isso, porém tem sim, interiormente. Existiu um importante poeta francês que se chamava Racine. E este Racine precisou de sete anos para escrever um poema, tal como, por exemplo, o “Athalie”. Portanto, em sete anos ele escreveu uma peça de teatro como a “Athalie”. E também viveu por ali na mesma época outro poeta que foi muito arrogante para com Racine e disse: Racine precisa de sete anos para escrever uma peça; eu escrevo sete peças num ano! – E disso resultou uma fábula, e nessa narrativa, essa fábula, um conto dizia: houve uma vez uma briga entre o porco e o leão; e o porco que era arrogante disse ao leão: eu dou sete crias por ano mas você, que é leão, você não consegue dar mais de uma única cria por ano. – Então disse o leão: sim, mas também a minha única cria é um leão e as tuas sete crias não passam de porcos. – E assim, dizem, Racine teria liquidado com o poeta. Não quis dizer-lhe diretamente que suas peças teatrais eram porcos, mas fez uma comparação, pois disse: ora, todos os anos você faz sete dessas peças, mas eu faço apenas uma em sete anos, uma só “Athalie” -a qual atualmente é mundialmente famosa.
Vejam! Isso também se pode dizer: mesmo numa dessas fábulas, numa dessas narrativas está contido algo desse gênero: é mais valioso, a modo do elefante, empregar quinze, dezesseis anos para ter uma cria, do que ser uma vorticela que em quatro dias prolifera tanto a ponto de ter cento e quarenta bilhões de crias. Também se fala muito do coelho que tem tantas crias: – Ah, mas se agora também se começasse a falar da vorticela – pois tal capacidade de multiplicação é mesmo inimaginável!
Por outro lado, é preciso descobrir de que se trata, quando tais minúsculos animais conseguem ter tantas crias, enquanto o elefante necessita de tanto tempo adicional.
No entanto eu já lhes disse: é o Sol que efetivamente se encontra na base da fecundação. Por isso, até os dias de hoje necessita-se do Sol para a fecundação. E eu também lhes disse: quando se encontra lá fora um corpo celeste como a Lua, ele ainda age quando muito sobre a cabeça, mas não age mais sobre os órgãos inferiores do corpo, portanto não age mais diretamente sobre as forças da reprodução. Hoje as forças da reprodução precisam ser passadas como herança de um ser para o próximo. Mas, meus amigos, num certo sentido, aquilo que se passa ali, todavia, na atual reprodução também depende da Lua. E eu quero explicar-lhes esse assunto da seguinte maneira, retrocedendo também novamente até o Sol.
Vejam! Devemos nos perguntar: – Porque o elefante necessita de quinze, dezesseis anos para levar a sua capacidade reprodutora até o ponto de ter uma cria? Ora, todos nós sabemos que o elefante é um paquiderme, isto é, que ele tem uma pele grossa e, por ser um paquiderme, ele necessita de tanto tempo. Porquanto, uma pele grossa permite a passagem de menos forças solares através dela, do que quando se é um pulgão, que é muito mole e no qual as forças solares podem penetrar por todos os lados. De modo que, com efeito, a menor capacidade reprodutora do elefante está relacionada exatamente com uma maior espessura da pele.
Os senhores também podem constatar a mesma coisa no seguinte fato: voltem a pensar mais uma vez naquelas enormes ostras nadando por ali. Com certeza jamais surgiria uma ostra adicional se dependesse apenas do Sol brilhando sobre aquela couraça de escamas, sobre aquela pele grossa! No entanto, como eu lhes disse, a ostra fornece um pouco de muco; o muco ainda não possui nenhuma crosta de ostra e então o Sol pode luzir sobre ele. E, quando esse muco começa a secar, é por causa disso pode surgir uma nova ostra. O Sol age sobre essa ostra de um modo fecundante. – Sim, quando os raios solares vêm de fora, meus amigos, eles podem justamente produzir apenas conchas. – Como é possível então que a forças solares possam, não obstante agir de maneira fecundante?
Vejam, aqui devemos examinar novamente outra questão a fim de que os senhores possam entender a relação existente entre as coisas, nesta história. Talvez os senhores até saibam que os camponeses, após colherem as batatas, cavam fossas muito fundas e as colocam ali dentro. E em seguida recobrem novamente essas fossas. E mais tarde, depois do inverno passar, eles retiram por sua vez as batatas dali, porquanto elas se mantiveram em bom estado ali dentro. Se os camponeses houvessem simplesmente guardado as batatas no porão, elas teriam apodrecido. Mas, lá dentro da Terra elas se conservaram muito bem.
– De onde vem isso? Esse é um assunto palpitante. Os camponeses não sabem explicá-lo muito bem. Mas, meus amigos, se os senhores mesmos fossem batatas e fossem enterrados lá naquelas covas, os senhores realmente se sentiriam muitíssimo bem se não precisassem justamente comer alguma coisa. Pois, vejam! O calor solar do verão permanece efetivamente ali dentro e aquilo que do Sol brilha no verão sobre a Terra, afasta-se cada vez mais, justamente para o fundo. E quando se cava a terra em janeiro, ora, então o calor solar e todas as outras forças solares do verão ainda se encontram lá dentro, a um metro e meio de profundidade.
Essa é uma coisa extraordinária. No verão o Sol está lá fora, ele aquece de fora, e no inverno, então a força solar se retira para baixo e pode ser encontrada mais no fundo. Mas ela não consegue ir muito fundo; ela reflui, novamente. Se fôssemos uma batata e estivéssemos deitados lá embaixo, passaríamos muito bem ali; não seria necessário nenhum aquecimento, pois, em primeiro lugar, ainda há lá dentro o calor do verão e, em segundo lugar, muito calor sobe dali de baixo para cima, porque as forças solares são irradiadas novamente de volta para cima. E assim, com efeito, essas batatas passam muitíssimo bem. É lá no fundo que elas passam a gozar do Sol. Durante o verão elas não obtêm muita coisa do Sol e nesta estação a situação chega até a incomodá-las. Se elas possuíssem cabeças, elas teriam dores de cabeça quando o Sol brilhasse sobre elas; neste período isso certamente incomoda as batatas. Mas no inverno, quando elas se beneficiam do enterramento, aí elas começam a usufruir do Sol corretamente.
Por conseguinte, os senhores podem ver como o Sol por certo não age apenas quando brilha sobre alguma coisa, porém prossegue agindo mesmo quando as suas forças são interceptadas, atrapalhadas por alguma coisa.
Sim, meus amigos, mas agora acontece uma particularidade. Eu já lhes disse: quando um corpo está fora da Terra ele age mortificando, ou – como o ácido carbônico -, ele age como um veneno, ou então, no caso aqui do Sol que produz escamas quando brilha sobre alguma coisa, ele endurece o ser vivo sobre o qual brilha. Entretanto, no inverno não é verdade que o Sol atua pelo lado de fora; no inverno ele age a partir do interior da Terra. Ele deixa a sua força para trás e age a partir do interior da Terra. E, por outro lado, ele também reaviva as forças reprodutoras no interior da Terra. E de tal maneira que hoje em dia, na época atual, as forças reprodutoras também procedem do Sol, mas não da irradiação direta do Sol, porém elas procedem do que fica retido dentro da Terra, e que depois no inverno é irradiado de volta novamente.
Esse é um assunto sumamente interessante. É exatamente como se inspirássemos ácido carbônico: então ele é um veneno. No entanto, quando o ácido carbônico está dentro do nosso corpo e passa pelo sangue, então nós necessitamos dele. Pois, se não contivéssemos ácido carbônico, não teríamos absolutamente nada dentro de nós. Por isso precisamos dele no interior, ali ele é benéfico; de fora ele é venenoso. Raios solares de fora produzem escamas nos animais, raios solares interceptados dentro e novamente irradiados de volta produzem vida e tornam os animais capazes de reproduzir.
Além disso, comecem a imaginar que os senhores não sejam uma batata, porém um elefante. Aí os senhores teriam uma pele extremamente grossa e então deixariam penetrar dentro de si apenas um pouco daquele calor que a terra obtém do Sol. Por isso os senhores, se fossem elefantes, empregariam um tempo terrivelmente longo para produzir uma cria de elefante. Mas, imaginem que os senhores fossem pulgões, ou melhor, ostras; então os senhores seriam – pelo lado justamente voltado para a Terra – nessa ostra -apenas uma massa de muco. O elefante não é uma dessas massas de muco. O elefante está fechado por todos os lados por sua pele, portanto só deixa penetrar em si, de uma forma tremendamente lenta, aquele calor que vem de baixo.
Reparem como isso é exatamente: os animais semelhantes aos pulgões também se mantêm assim próximos da terra, além disso, eles se mantêm nas plantas sem nenhuma pele grossa; na primavera eles conseguem absorver com enorme facilidade aquilo que emana de volta da Terra, recebendo, portanto as suas forças reprodutoras sempre rapidamente revitalizadas. E mais ainda as vorticelas, pois elas vivem na água e a água conserva muito mais intensamente o calor solar, de tal modo que esse calor solar poupado resulta, nas vorticelas, naqueles cento e quarenta bilhões de crias, na época certa do ano; isto é, depois de terem absorvido o suficiente daquilo que o calor solar é na água, elas conseguem reproduzir-se com estupenda rapidez. Dessa maneira, podemos dizer: hoje na Terra é assim: ela dá capacidade reprodutora aos seus seres por conservar dentro de si as forças solares durante o inverno.
Passemos agora, a partir disso, para as plantas. Vejam, com as plantas dá-se o seguinte: os senhores já sabem que nas plantas a reprodução também se dá mediante as assim chamadas estacas. Quando, portanto, uma planta já cresceu para fora da terra, pode-se cortar dela uma estaca em qualquer ponto. É preciso cortá-la corretamente e em seguida pode-se plantá-la novamente. E a seguir essa estaca cresce até converter-se também numa planta. Tal reprodução pode dar-se em determinadas plantas. – De onde vem isso? Essa força que tais plantas possuem, de chegar até mesmo a conseguir reproduzir-se mediante um pedacinho delas, as plantas têm essa força porque, na verdade, no inverno, elas mantêm a semente dentro da terra.
Ora, esse é um assunto muitíssimo importante nas plantas. Se, de alguma maneira quisermos levar plantas a um crescimento correto, é realmente necessário que elas estejam efetivamente dentro da terra no inverno. Elas precisam crescer de dentro da terra. Na verdade, até existem colheitas de verão, a respeito das quais poderemos falar mais adiante. Mas, em sua maioria as plantas, elas precisam desenvolver sua semente dentro da terra e só depois disso, elas conseguem crescer. Algumas vezes também é possível levar vegetais a crescerem dentro da água, como as que têm bulbos: como a raiz do lírio, por exemplo, que lembra uma cebola, mas nesse caso precisamos adotar medidas especiais, não é mesmo? Acima de tudo, acontece na natureza das plantas precisarem ser dispostas dentro da terra e a partir dali obterem a sua força para crescer.
– Então, meus amigos, o que acontece ali, quando uma semente é colocada dentro da terra? Ali a semente foi muito bem transferida para dentro do bem-estar a fim de absorver dentro de si aquelas forças entregues à Terra pelo Sol. Para ser mais preciso, é a semente da planta que absorve muito bem aquelas forças que do Sol penetram ali na terra.
No caso do animal isso ocorre com muito maior dificuldade. Aqueles animais que se encontram dentro da própria terra, como a minhoca e outros animais semelhantes, também absorvem aquela força com facilidade. Por isso eles também se reproduzem com muito maior intensidade, como todos os animais que vivem bem perto da terra ou dentro dela. Na verdade, os vermes também têm por isso muitos descendentes e, por exemplo, exatamente aqueles vermes que infelizmente também podem surgir nos intestinos humanos produzem uma descendência extremamente grande, e o homem precisa continuamente fazer uso das suas próprias forças a fim de que aqueles vermes não produzam uma assustadora quantidade de descendentes. De modo que, justamente quando se têm vermes dentro de si, se devem empregar quase todas as forças vitais para matar aqueles sujeitos assustadores que temos dentro de nós.
Sim, mas as plantas, essas têm condição de crescer a partir do solo (desenho); lá no fundo está a sua raiz; em seguida as plantas crescem para fora do solo e têm aqui as folhas; depois se desenvolvem as infiorescências e as novas sementes. Mas, os senhores sabem muito bem: quando a infiorescência começa a desenvolver-se, a planta para de crescer para o alto. Isso é muito interessante. A semente da planta, o germe é colocado no solo; dali nasce o caule, surgem folhas, as folhas verdes e depois vem a infiorescência. Nesse ponto cessa o crescimento e a planta então faz rapidamente, ela produz rapidamente a semente. Porquanto se ela não produzisse a semente rapidamente, o Sol empregaria toda a força sobre essas folhas da inflorescência que ficariam estéreis. A planta obteria uma bela e enorme flor multicolorida lá no alto, mas a semente não conseguiria desenvolver-se. Desse modo, ao chegar ao seu fim, a planta ainda reúne toda a sua força para produzir rapidamente a semente.
Vejam! O Sol que vem de fora tem a peculiaridade de embelezar a planta. Quando encontramos belas plantas pelos prados é o Sol exterior que com os seus raios faz assim surgirem essas belas cores. Mas ele também faria com que as plantas definhassem por esse mesmo motivo, exatamente do mesmo modo como na concha ele amortece a ostra, ressecando-a.
Por isso os senhores também podem ver esse fato em toda a Terra. Pode-se ver essa atuação do Sol de uma forma muito bela quando se vai para as regiões quentes, para as regiões equatoriais; ali são encontradas todas as aves revoando e misturadas entre si nas mais maravilhosas cores. Essa é a atuação do Sol exterior. As suas penas têm as cores mais maravilhosamente belas, mas elas não contêm mais nenhuma força vital. Nas penas a força vital chega ao extremo do definhamento.
E o mesmo se dá com a planta. Quando ela cresce para fora do chão ela tem uma força vital exuberante. Em seguida ela vai perdendo cada vez mais essa força e por fim ainda precisa poupar toda ela; ela ainda precisa levar aquele resquício de força vital para dentro da semente. E o Sol faz belas folhas, faz flores coloridas, mas com isto ele mortifica a planta. Nenhuma capacidade reprodutora vive nas pétalas coloridas.
– No entanto, o que faz a planta quando a sua semente é introduzida na terra? Ali ela não se deixa apenas introduzir, porém ela leva crescimento para cima, nas folhas; é isto que ela leva para cima. Ao desenhar aqui alguma coisa na cor verde, são as forças do Sol, portanto o calor, a luz e assim por diante que a desenvolvem. É dessa maneira que as forças solares sobem pela planta. A planta leva-as consigo para dentro da semente, enquanto as forças solares vindas de fora mortificam a planta de maneira a surgir ali uma belíssima flor. Mas, permeada nisso encontra-se ainda a semente que procede do calor solar acumulado no meio do inverno. A semente não procede do calor deste ano. Isso é apenas uma representação errônea. Do Sol deste ano procede a bela flor; mas a semente procede do calor solar do ano anterior, o qual ainda contém a força que o Sol já entregara previamente à Terra. A planta carrega essa força através de todo o seu corpo.
Com o animal isso não aconteceria com a mesma facilidade. O animal depende desse calor solar vir mais de fora, dele vir mais da Terra e de ser apenas vivificado. Pois o animal não absorve as forças solares tão diretamente quanto a planta. Mas a planta carrega através do seu próprio complexo corporal, para o alto, para dentro da inflorescência, até para dentro da semente, o calor solar do ano anterior, o qual havia se armazenado dentro da Terra.
Se observarmos essa questão de um modo correto – uma vez que ela é extremamente interessante, maravilhosamente interessante -, então diremos a nós mesmos: plantas e animais se reproduzem. Eles não conseguiriam reproduzir-se se o Sol não atuasse. Se o Sol não existisse, eles não se reproduziriam. Não obstante, o Sol que está lá fora no espaço celeste, que está fora da Terra, ele mata exatamente a capacidade reprodutora. Trata-se de um assunto semelhante ao do ácido carbônico: quando inspiramos ácido carbônico ele nos mata; quando o temos dentro de nós ele nos vivifica.
Quando a Terra recebe os raios solares de fora, os animais e as plantas são mortos; quando a Terra pode dar aos animais e às plantas, a partir do seu interior, algo do que está no Sol, então justamente, aqueles são vivificados e estimulados a reproduzir. Isso é visível nas plantas; elas desenvolvem sementes capazes de reproduzir apenas a partir da força do Sol trazida anteriormente, trazida do verão anterior. O que faz com que a planta seja bela neste ano, provém do Sol do ano passado. Isto é sempre assim: o interior nasce do passado e o belo, ora, belo se fica mediante o presente!
Por outro lado, meus amigos, esse elefante com a sua pele grossa quase não tiraria proveito desse pouquinho de calor proveniente da Terra e do pouquinho de Sol que vem dali de dentro da Terra, por ser ele um paquiderme. Não seria fácil para essas forças atravessarem a sua pele grossa. Ele precisaria armazenar muita coisa antecipadamente, em seu próprio sêmen. Ele tem forças lunares armazenadas. Naturalmente ele precisa delas para a reprodução materna, feminina. Essas ele as tem armazenadas. A Lua saiu da Terra e os animais que se reproduzem têm, justamente agora, essas forças lunares dentro de si.
Vejam, de mais a mais, aqui sucede algo que deve ser muito bem levado em consideração. Naturalmente poderia vir alguma pessoa e dizer: ali se encontra um tolo que, ao falar das antigas e passadas forças lunares, afirma que lá dentro dos ovos, dentro das forças reprodutoras, continuam vivendo aquelas antigas forças. E esse tolo afirma que as atuais forças reprodutoras vêm daqueles tempos antigos. – Eu diria simplesmente a essa pessoa: – Será que você nunca viu algo que vive agora e que contenha alguma coisa proveniente de períodos anteriores? – Eu lhe mostraria, por exemplo, um menino tão parecido com o seu pai que se poderia dizer que é o seu retrato.
Sim, se retrocedermos – o pai até já poderia ter morrido; alguém pode ter conhecido o pai quando este ainda era um menino com a idade dele, e a pessoa em questão poderia dizer: sim, este menino é o retrato do pai. – Ora, ele é exatamente tão semelhante ao pai como quando este ainda era um menino. Aquilo que porventura foi visto há trinta ou quarenta anos, aquilo ainda continua contido até agora no menino! As forças do passado ainda continuam presentes dentro do que vive na atualidade. E esse também é o caso das forças de reprodução. Aquilo que se encontra no presente procede do passado.
Com certeza os senhores sabem também que esse assunto, de que a Lua precisa atuar sobre o clima era visto como uma grande superstição. Ora, neste assunto também existe muita superstição. Mas, no passado havia certa vez na Alemanha, na Universidade de Leipzig, dois doutores, um dos quais – Fechner era o seu nome – dizia: talvez haja realmente nesta superstição, de que a Lua age sobre o tempo, um pouco de verdade. – Então ele passou a anotar como o tempo se comportava na Lua Cheia e como era o tempo na Lua Nova, e ele descobriu: há uma diferença; chove muito mais na Lua Cheia do que na Lua Nova. – Foi isso que ele descobriu. Entretanto, não é necessário que se acredite nisso sem mais nem menos. Na verdade, tais notícias não são muito convincentes. Para uma ciência genuína é preciso que se trabalhe com muito maior precisão. Em todo caso, ele afirmou que se deveria dar prosseguimento justamente a tais pesquisas e ver se realmente não se pode confirmar que a Lua age sobre o clima.
Pela mesma época, havia na mesma Universidade de Leipzig outro doutor, um doutor que se considerava muito mais inteligente – Schleiden era o seu nome -, o qual dizia: Agora até mesmo os meus colegas começam a dizer que a Lua age sobre o clima. Raios, esta história não pode continuar assim; é preciso combater esta coisa com todas as forças! – Então o Fechner disse: Pois bem, entre nós homens essa briga deverá mesmo continuar; mas nós também temos nossas mulheres. – Vejam! Tudo isso aconteceu, todavia, em outros tempos. Quando, então os dois professores universitários viviam em Leipzig, as suas mulheres ainda adotavam um velho costume da cidade. A saber, elas ainda colocavam as suas tinas, os seus recipientes na chuva a fim de conseguirem a água para lavar. Elas coletavam a água da chuva porque água não era tão fácil de obter na velha Leipzig. Naquela época ainda não havia encanamentos de água. – Então o professor Fechner disse: Ora, essa briga deve ser decidida por nossas mulheres. A mulher do professor Schleiden e a mulher do professor Fechner devem fazer o seguinte: para que ambas recebam sempre a mesma quantidade de água, a Sra. Schleiden colocará lá fora as tinas na Lua Nova e a minha mulher as colocará na Lua Cheia! – E para si mesmo ele se disse então: segundo o meu cálculo a minha mulher terá muito mais água da chuva.
Vejam, pois! As mulheres não concordaram com isso. Elas não quiseram concordar com a ciência dos seus maridos. Elas não se deixaram convencer. Assim apareceu de uma forma extraordinária a história de uma pessoa que, embora a ciência se apresentasse ao modo do marido, não se acreditava nela, como a senhora Schleiden, a qual não disse: “Eu obtenho exatamente a mesma quantidade de água na Lua Nova como na Lua Cheia”, mas ela também quis colocar as suas tinas de chuva lá fora na Lua Cheia, apesar do marido ter esbravejado terrivelmente contra o Fechner.
Na verdade, essa é uma história que não prova nada. Mas, vejam, é extraordinário que até os dias de hoje as marés ainda sejam relacionadas com o Sol e com a Lua. De maneira que se pode até mesmo dizer: marés altas acontecem num quarto lunar de uma forma totalmente diferente de qualquer outro. Essas coisas estão relacionadas entre si. Mas, meus amigos, isto não procede do fato da Lua brilhar em algum lugar sobre o mar e daí surgir justamente a maré alta, mas essa história é muito mais antiga.
Quando a Lua ainda se encontrava dentro da Terra ela desenvolveu as suas forças dentro desta, causando as marés. E a Terra ainda contém esses restos das próprias forças pelos quais surge a maré. Não admira que a Terra já o faça independentemente. É uma superstição quando se acredita que a Lua atuaria hoje sobre a Terra. Mas em outros tempos ela atuou sobre a Terra enquanto ainda estava dentro dela, quando tudo ainda atuava na Terra; e a Terra permanece dentro dessa relação. Por isso ela torna as marés dependentes da Lua. Mas isso é apenas aparente. Exatamente do mesmo modo como, ao olhar para o relógio, eu também não digo: ele me põe para fora do quarto ás dez horas. – Do mesmo modo as fases da Lua coincidem com a maré alta e a maré baixa, porque houve uma época em que estas coisas dependiam umas das outras.
E o mesmo se passa com as forças da reprodução na medida em que elas dependem da Lua, portanto, na medida em que são femininas. E o mesmo se passa com as forças da reprodução na medida em que elas dependem do Sol, isto é, na medida em que procedem daquela força solar que está no interior da Terra.
Mas , todos os animais que se reproduzem intensamente, chegando até aos bilhões, portanto aqueles que podem empregar as forças solares armazenadas pelo Sol na Terra, são animais inferiores. Os animais superiores e os seres humanos têm essas forças reprodutoras protegidas em seu interior. A estas, na verdade, ainda é acrescentado um pouco de força solar, que as reaviva continuamente. Sem vivificação elas também não existiriam. Mas, daquilo que hoje está contido na Terra como força solar, elas não poderiam obter tão precisamente as suas forças reprodutoras.
A planta pode obtê-las, por que ela eleva o que vive dentro da terra, do inverno até para dentro do verão, em seu próprio corpo. A planta obtém a força reprodutora do ano anterior.
No entanto, o elefante não consegue obtê-la do ano anterior. Ele a obtêm de uma época situada milhões de anos atrás e a mantém no sêmen da sua reprodução, e que é herdado de pai-elefante para filho-elefante. Ele a guarda ali dentro. – Mas, desde quando ele a tem ali dentro de si? Ora, exatamente do mesmo modo como a planta tem dentro de si a força reprodutora do ano anterior, assim o elefante tem dentro de si a força reprodutora de milhões de anos atrás. Por isso a planta – e os animais inferiores -, podem reproduzir-se a partir dela, porque eles ainda conseguem empregar até hoje a força armazenada pela Terra. Trata-se de forças reprodutoras extremamente fortes. Aqueles animais que dependem disso, de ainda conservarem dentro de si as forças situadas muito remotamente, eles só conseguem reproduzir-se fracamente.
Retrocedamos agora à época em que existiam aquelas ostras gigantescas: mal uma dessas ostras acabava de chegar ao ponto de ser tocada pelo Sol, ela já perdia a força interior, limitando-se a poder empregar apenas a força que subia da Terra. Mas, além disso, a ostra só podia empregá-la por estar aberta no lado de baixo. Embora essa ostra fosse tão grande como a França atual, ela estava aberta por baixo, podendo absorver dentro de si as forças terrestres provenientes do Sol. Depois, quando esses animais se transformaram em Megatérios, em Ictiosáurios, quando eram tocados pelo Sol de tal modo que este chegasse de todos os lados, portanto, quando não estavam mais abertos por baixo, então eles passaram a depender da força reprodutora que tinham dentro de si, a qual, por sua vez, era quando muito vivificada pelo Sol.
– Sim, meus amigos, que tempos teriam sido então aqueles de antigamente, quando os animais adquiriam forças de reprodução que não poderiam ter adquirido se o Sol não brilhasse de fora? Naqueles tempos remotos deve ter havido uma época em que o Sol se encontrava dentro da Terra, em que, portanto, não penetrava na Terra somente aquele pouquinho de forças solares, que, por exemplo, permanecem ali no inverno para as batatas; porém em outras eras houve uma época em que todo o Sol se encontrava dentro da Terra.
Ora, dirão os senhores: os físicos afirmam que o Sol, todavia, é tão tremendamente quente que, se ele houvesse estado dentro da Terra, ele teria queimado tudo. Sim, meus amigos, na verdade os senhores só sabem isso através dos fisicos. Mas esses fisicos ficariam enormemente maravilhados se conseguissem ver o verdadeiro aspecto do Sol. Se eles pudessem, por sua vez, construir um balão e viajar até lá em cima, eles não achariam que o Sol seria tão quente assim, porém que o Sol, justamente dentro dele, está repleto de forças vitais e que o calor se desenvolve quando os raios solares atravessam o ar e todas as outras coisas possíveis. Só então se desenvolve o calor.
Assim, quando em outras eras o Sol se encontrava dentro da Terra, ele estava repleto de forças vitais. Naqueles tempos ele não se limitava a dar apenas aquele pouco de forças vitais que ele consegue dar atualmente, porém outrora quando o Sol estava dentro da Terra, aqueles seres vivos, os animais e as plantas que existiam naquele tempo, podiam obter o suficiente daquilo que o Sol lhes dava, pois o Sol, na verdade, encontrava-se dentro da própria Terra. Naquele tempo, porém, as ostras também não desenvolviam conchas, por serem mero muco, além de tudo. Então ponderem: ali ficava a Terra, a Lua dentro dela, o Sol ficava dentro da Terra, e as ostras se desenvolviam; elas não possuíam conchas por serem muco. Havia muco; este besuntava, separava-se, surgia uma nova ostra e mais uma ostra e assim por diante, continuamente. Mas essas ostras eram tão enormes que não se conseguia distingui-las umas das outras. Elas encostavam umas nas outras.
– Então, qual seria o aspecto da Terra naquele tempo? A Terra era semelhante ao nosso cérebro, ou seja, ela era semelhante por estarem as células da Terra igualmente dispostas umas ao lado das outras. Também no cérebro uma célula está ao lado da outra; só que aqui elas definham, enquanto naquele tempo, quando o Sol se encontrava dentro da Terra, quando havia células de ostras, gigantescas células, umas ao lado das outras, e o Sol desenvolvia as suas forças, ele as desenvolvia continuamente por que ele se encontrava, realmente, ali dentro da Terra. Sim, meus amigos, reflitam agora a respeito do seguinte: aqui ficava, portanto a Terra (desenho), aqui uma enorme ostra, aqui novamente uma enorme ostra, mais uma, muitos destes enormes pedaços de muco, uns ao lado dos outros, e que iam se reproduzindo sem parar. E as ostras de hoje ainda se reproduzem tão rapidamente que em pouco tempo elas conseguem ter um milhão de descendentes; mas ali aquelas ostras de antigamente, elas se reproduziam muito mais.
– Raios! Mal surgia uma ostra velha e já apareciam ali suas crias, e estas, por sua vez, tinham crias novamente, e assim por diante. E as velhas precisavam dissolver-se novamente. Se alguém tivesse visto isso do lado de fora, como se ali houvesse um gigantesco grumo de terra semelhante a um grande cérebro, mas muito mais mole naturalmente, muito mais mucoso que um cérebro atual, se alguém visse o modo como uma imensa ostra se reproduzia ali tão rapidamente – mas, cada uma dessas outras poderia também ter um milhão de descendentes -, ele teria visto: ali cada uma delas precisava defender-se das outras, pois elas se chocavam umas contra as outras.
E se houvesse chegado alguém, alguém muito curioso, e ficasse olhando para aquilo a partir de uma estrela desconhecida, então ele teria visto: lá embaixo, lá no espaço universal está nadando um corpo gigantesco, mas ele é inteiramente vida, ele produz vida sem parar, ele não consiste apenas de milhões de ostras encaixadas umas nas outras, porém elas se reproduzem continuamente. – E o que veria? Exatamente a mesma coisa – porém imensamente grande -, a mesma coisa que se vê quando se examina hoje, em seus primórdios, um ovo dentro do qual tem origem um ser humano! Só que aqui tudo se passa numa escala muitíssimo mais reduzida. Aqui também se encontram aquelas minúsculas bolhas celulares de muco que se multiplicam rapidamente, pois em caso contrário o ser humano, nas primeiras semanas de prenhez, não alcançaria o seu tamanho. As células são justamente tão pequenas por precisarem multiplicar-se muito rapidamente. Se naquele tempo alguém houvesse olhado para a Terra, teria obtido a seguinte imagem dela: um gigantesco animal e dentro dele as forças do Sol e da Lua, no interior de toda a Terra.
Vejam, acabo de lhes mostrar como se pode retroceder àquela época evolutiva da Terra, em que Terra, Sol e Lua ainda formavam um único corpo. Mas, meus amigos, eu gostaria de acrescentar: no “Fausto”, se algum dia os senhores o lerem, ou se já o leram, ali a Margarida, a mocinha de dezesseis anos, quando o Fausto lhe descreve a sua religião, a mocinha diz o seguinte: mais ou menos da mesma forma como diz também o pároco; porém realmente de uma forma um pouco diferente. – Da mesma forma os senhores podem dizê-lo: sim, mais ou menos dessa forma também o dizem professores, todavia, em realidade de uma forma um pouco diferente. Eles dizem: outrora o Sol, a Terra e a Lua eram um só corpo. – Eles chegam a afirmar isso: mas, na verdade, eles dizem: o Sol era um corpo imenso; posteriormente ele passou a girar sobre si mesmo e a seguir a Terra destacou-se dele assim que o Sol passou a girar sobre si mesmo. Depois a Terra passou a girar ainda mais e então a Lua, por sua vez, destacou-se dela. – Portanto, no fundo, também ali se diz que em tempos passados todos os três eram um só corpo.
Então as pessoas vêm e dizem: isso pode ser comprovado; isso até já é demonstrado aos alunos. Pode-se impingi-lo de uma forma tremendamente elegante. E toma-se de uma gotícula de óleo – pois esta sobrenada na água – e depois, toma-se de um cartão e recorta-se deste um pequeno círculo, atravessando-lhe pelo centro um alfinete; a seguir se coloca tudo na água e se faz com que tudo gire ali pela cabeça do alfinete. As gotículas de óleo se separam e passam então a girar nas imediações. “Eis aí como se obtém isto, dizem eles, podem até vê-lo: pois foi isto que aconteceu antigamente no mundo!” Existia no mundo uma imensa bola feita exclusivamente de gás; mas esta coisa girava e era movediça.
E então aquelas coisas exteriores foram portanto sendo destacadas, exatamente desta forma, a nossa Terra foi sendo destacada do Sol do mesmo modo como aqui estas gotículas de óleo se destacaram. – Isto os senhores até já podem comprovar na escola. E as crianças que certamente acreditam na autoridade dizem: isto aconteceu de uma forma muito natural; houve antigamente uma enorme bola de gás que girava e dela destacaram-se os planetas. Nós mesmos o vimos, nós vimos o modo como as gotículas de óleo se destacaram.
Por outro lado, os senhores também devem perguntar ás crianças: – Ora, vocês também viram como o professor girou a cabeça do alfinete? Então vocês também precisam pensar que naquelas eras um enorme professor girou a bola de gás, pois senão os planetas certamente não poderiam se destacar! – O gigantesco professor – na Idade Média ele era assinalado da seguinte maneira: ele era o Senhor Deus com uma longa barba. Esse era o gigantesco professor e as pessoas simplesmente se esquecem dele.
Mas isso não constitui uma explicação, quando se admite aqui uma enorme bola de gás girando sobre si mesma e que só poderia girar se houvesse existido antes alguma vez um gigantesco professor. Isso não constitui uma explicação. Mas, meus amigos, isso constituirá uma explicação se nos lembrarmos de que o Sol e a Lua estavam ligados à Terra e que tudo isso movia a si mesmo. Tudo isso conseguia mover-se. Uma bola de gás não consegue mover-se. Mas aquilo que eu lhes expliquei aqui, aquilo sim, conseguia mover-se.
Naquele tempo aquilo não precisava de um professor, porém era vivo em si mesmo. Justamente a Terra era um ser vivo em outros tempos e, na verdade, da mesma forma como hoje a semente é um ser vivo; e a Terra continha o Sol e a Lua. O Sol e a Lua saíram da Terra, deixando para trás a sua herança, de maneira que hoje a força germinante que está protegida dentro do complexo corpóreo materno e paterno do ser humano, estas forças que outrora podiam vir diretamente do Sol, ainda conseguem reproduzir-se e hoje os animais, as sementes e os ovos desenvolvem dentro de si, elas carregam a força solar primordial dentro de si, no líquido dos seus ovos e do seu sémen, carregam-na dentro de si desde eras primordiais, como herança de épocas em que a própria Terra ainda continha o Sol e a Lua.
Vejam! Isso constitui uma explicação verdadeira, e somente quando ela é entendida dessa forma chega-se a uma verdadeira compreensão. Então sim, passa-se a compreender que houve uma vez uma época em que a Lua voou para fora da Terra e em que a Terra juntamente com a Lua voou para fora do Sol. Haveremos de nos entender ainda mais a respeito desse assunto, primeiramente no próximo sábado às nove horas. Esse assunto continuará sendo um pouco difícil de entender, mas apesar disso eu acredito que essa história adquira tal aspecto que possa finalmente ser compreendida.
Rudolf Steiner – GA 347 – Dornach, 27 de setembro de 1922
Tradução: Gerard Bannwart
GA 347 – Dornach, 23 de setembro de 1922
CONFERÊNCIA AOS TRABALHADORES – CONFERÊNCIA VIII
OS ESTADOS PRIMORDIAIS DA TERRA II
Meus amigos! Será necessário fazer considerações um pouco mais detalhadas sobre o assunto já descrito. Por certo me foi possível mostrar-lhes, da última vez, que estranhos animais povoaram antigamente a Terra e também o modo como se comportaram, na realidade, aqueles animais extremamente estranhos. No final também me foi possível chamar-lhes a atenção para o fato de que a própria Terra foi em outros tempos, um ser vivo.
Vejam. Se considerarmos todos aqueles animais que em épocas passadas viveram sobre a Terra – da última vez eu lhes falei dos Ictiosáurios, dos Plesiosáurios, dos Megatérios, das vacas marinhas -, se considerarmos todos estes animais, dos quais, na verdade, ainda há remanescentes em vários museus, então descobriremos que eles têm uma peculiaridade, a saber, que na maioria das vezes eles estão externamente envoltos por uma couraça de escamas e que eles possuem poderosos e grossos antebraços, patas. De modo que era possível, não apenas passear tranquilamente sobre um desses animais – pois eram suficientemente grandes para tal -, e que também seria possível bater neles com um potente martelo, pois o animal não seria incomodado por tudo isto, justamente por estar todo ele bem revestido por aquela couraça de escamas.
Contudo, em pequena escala e como minúsculos anões, daqueles antigos animais só restaram hoje em dia, por exemplo, as tartarugas ou os crocodilos. Dir-se-ia que tartarugas e crocodilos são, em pequena dimensão, aquilo que esses animais foram no passado em enormes dimensões. Portanto, imaginem aqueles antigos animais como sendo revestidos com uma dessas capas córneas, feita de placas córneas isoladas.
Agora faz-se necessário imaginarmos a procedência das capas córneas desses animais. Aqui devemos estudar todo o assunto a partir dos seus primórdios, não como um ser humano a partir da infância, porém o modo como o assunto evoluiu a partir do início. Imaginem uma vez que um cão tenha sido ferido em algum ponto. Os animais têm instintos curativos interessantes. Os senhores já devem ter reparado no que o cão faz quando se fere em algum lugar. Quando ele tem uma ferida em algum lugar ele começa a lambê-la, ele passa saliva sobre a mesma. E depois de passar saliva ele se contenta em deitar-se ao Sol, ele deixa o Sol luzir sobre a ferida.
– E o que se dá então? Forma-se então uma espécie de crosta sobre a ferida. De modo que se pode dizer: caso isto aqui seja a ferida (desenho abaixo), ele passa saliva sobre a mesma de modo que ela fique recoberta de saliva em toda a sua superfície. Em seguida ele faz o Sol incidir sobre a mesma e, daquilo que ali fervilha, o Sol forma, juntamente com a saliva, uma crosta dura e, por baixo dela, inicia-se o processo de cura. O cão tem, portanto, um instinto muito extraordinário para a cura. Ele faz a coisa certa a partir do seu instinto.
Agora, podemos ampliar um pouco aquilo que nesse caso constatamos. Nós podemos examinar outro fenômeno extraordinário que nos leva a aprender, a compreender um assunto semelhante a este aqui da cura da ferida. Os senhores sabem que inspiramos ar. Quando inspiramos o ar recolhemos oxigênio para dentro de nós. O oxigênio se espalha em nosso complexo corpóreo. E quando o oxigênio se espalha em nosso complexo corpóreo, conseguimos viver. Sufocaríamos subitamente tão logo não pudéssemos mais receber oxigênio. – Mas, o que fazemos em prol disso? Nós não somos exatamente pessoas muito gratas pelo ar que nos dá o oxigênio. Em realidade, somos seres muito ingratos para com o ar, pois combinamos o carbono com o oxigênio dentro de nós próprios e isto se transforma em ácido carbônico, e a este último expiramos novamente.
Com efeito, trata-se de algo muito ingrato para com os nossos arredores, pois com isso empestamos continuamente o ar. Se alguém for colocado dentro de ácido carbônico ele também sufocará. Mediante aquilo que é produzido em nosso próprio interior, a partir do bom e belo ar da respiração, empestamos os nossos arredores. Empestamos incessantemente os nossos arredores com ácido carbônico, um ar dentro do qual nenhum ser conseguiria viver – nenhum ser humano, nem qualquer ser vivo com jeito de animal. Portanto os senhores veem como de fato a vida animal consiste no fundo em sugar continuamente dos arredores para dentro de si, aquilo de que ela necessita para viver, porém devolvendo material morto aos arredores. Nisso consiste a vida animal.
Entretanto, com essa forma de vida animal, a situação sobre a Terra atual ficaria logo muito ruim, se todos os seres se comportassem de um modo tão indecente como os homens e os animais. Pois os homens e os animais empestam o ar. E se todos os seres se comportassem de uma forma tão indecente como os homens e os animais, então as coisas em geral já teriam acabado há muito tempo em nossa Terra, de tal forma que nada mais poderia viver; porquanto há muito tempo a nossa Terra já teria sido transformada num grande cemitério. Porém é bom que as plantas não se comportem de uma maneira tão indecente.
Ou seja, elas fazem o contrário. Pois, enquanto nós aspiramos oxigênio dos arredores e empestamos o ar à nossa volta, as plantas aspiram ácido carbônico, retendo por sua vez o carbono e devolvendo novamente o oxigênio. De modo que pelo simples fato de existirem plantas na Terra, principalmente florestas, pode haver vida na Terra. Se não existissem florestas sobre a Terra ou se por outro lado existissem grandes empresas – em parte elas já fazem isso – que derrubassem as florestas, a vida se tornaria muito menos saudável sobre a Terra. Assim, pois, é justamente esse o motivo pelo qual precisamos das florestas sobre a Terra. Se atentarmos apenas para a madeira, tornaremos realmente a vida sobre a Terra cada vez mais impossível por derrubarmos as florestas. Assim podemos dizer: na Terra as coisas estão instituídas de tal maneira que os homens e os animais efetivamente se comportam de uma forma muito indecente, pois eles empestam tudo, enquanto as plantas e as florestas, estas reordenam tudo novamente.
Ora, vejam meus amigos como esta é hoje em dia a situação sobre a Terra, mas isto nem foi sempre assim. E necessário justamente obtermos total clareza a respeito do fato de a Terra ter-se modificado; dela ter sido muito diferente na época da qual eu lhes falei na conferência anterior; com certeza os senhores entenderam isto. Pois se os senhores forem passear agora lá no alto do monte Gempen, não irão encontrar um Ictiosáurio, conforme poderia ter acontecido em tempos passados. Agora, isto não acontece mais. Além disso, a Terra se altera continuamente e no futuro ela também terá um aspecto totalmente diferente do atual. – Mas, o que podemos ver agora, depois de tudo que já aprendemos até aqui? Podemos dizer: o que está dentro do homem, aquilo que ele dá de si, isto não conseguirá mantê-lo. Ele precisa receber algo mais; a fim de poder viver na Terra atual ele precisa receber aquilo que as plantas lhe dão. Nós não conseguimos viver exclusivamente do que temos em nosso interior, isto nos destrói.
De forma que os senhores podem enxergar com toda clareza o seguinte: aquilo que é usado no interior do homem nos destruiria se nos chegasse de fora. No interior, estaríamos em péssimas condições se tivéssemos um excesso de oxigênio. Mas o oxigênio precisa chegar continuamente de fora.
Portanto, o que é nocivo dentro, passa a ser útil quando chega de fora. O que é útil no interior é prejudicial quando chega de fora. É preciso ver, meus amigos, como é importante entender que aquilo que é proveitoso no interior, será prejudicial se vier de fora, e o que é prejudicial no interior, será proveitoso se vier de fora. Isso é tão importante que, se não o entendermos, entenderemos absolutamente nada.
Dessa maneira, podemos dizer: agora sabemos a respeito da vida presente que deve vir do exterior até nós, algo totalmente diferente do que temos em nosso próprio interior. Algo totalmente diferente precisa chegar-nos de fora.
Vamos agora retroceder mais uma vez até aqueles tempos remotos, após havermos adquirido alguns conceitos no presente. Retrocedamos mais uma vez e nos desloquemos na fantasia para a época em que os Ictiosáurios passeavam sobre a Terra, meio passeando, meio nadando, para a época em que os Plesiosáurios saltitavam sobre a Terra. Desloquemo-nos para aquela época. Sim, mas essa foi uma época que também já foi precedida de outra. Ora, qual foi a situação na Terra naquela época ainda mais remota, antes de existirem ali Ictiosáurios, Plesiosáurios?
Sim, meus amigos, segundo os remanescentes que foram conservados daqueles tempos muito remotos, os animais que existiam naquela época eram ainda mais desajeitados do que aqueles que vieram posteriormente. Os senhores sabem como era um desses Plesiosáurios -, conseguem vê-lo ao olharem para ele em qualquer um desses museus, com as suas enormes dimensões, com a sua pesada couraça de escamas, pesada como a armadura dos cavaleiros da Idade Média, com tudo que já era um pouco incômodo para mover-se, e com as suas pernas bambas – como eles já eram seres horrivelmente desajeitados.
Os senhores sabem, portanto que eles não eram seres com facilidade para movimentos. Mas esses seres desajeitados tinham, todavia, algo como pés semelhantes a barbatanas, com os quais podiam nadar, com os quais podiam até mesmo segurar-se em alguma coisa. Portanto, se podemos dizê-lo dessa forma, isso já era uma espécie de época moderna. Mas os animais que existiram antes disto, antes desses Ictiosáurios, Plesiosáurios, Megatérios, os animais existentes anteriormente, esses eram muitíssimo mais desajeitados, pois eles não possuíam realmente muito mais que um corpo mole, dentro do qual tudo ficava reunido: na frente um pouquinho de alguma coisa parecida com uma cabeça, atrás uma cauda relativamente longa e, recobrindo tudo, uma enorme couraça de escamas.
Caso os senhores já tenham visto alguma vez, por exemplo, uma ostra, os senhores podem imaginá-la como um minúsculo anão diante deles. Em seu interior, a ostra tem apenas um corpo totalmente feito de mucosidade, com uma concha em toda sua volta. Ora, se imaginarem uma concha um pouco diferente, com escudos semelhantes aos da tartaruga e por dentro também um daqueles corpos como os das ostras, então terão aproximadamente os animais que viveram naqueles outros tempos sobre a Terra, antes de nela estarem os Ictiosáurios e Megatérios.
Naqueles tempos a Terra era muito espessa, ela era mais densa que o leite. Tudo que existe hoje lá fora como montanhas, ainda estava dissolvido. Era, pois uma matéria muito espessada, adensada. Lá dentro daquele molho -toda a Terra era um molho tremendamente espesso no espaço universal – nadavam essas ostras gigantescas. Diante delas toda esta nossa sala aqui onde nos reunimos, ainda seria como um anão. Eram ostras tão imensas que, se inscrevêssemos sobre as suas costas, por exemplo, a França atual, ela caberia facilmente em cima delas. Os mais velhos desses animais eram uns sujeitos enormes, pois a própria Terra também era ainda imensamente grande. Portanto, em tempos muito remotos existiram uns animais gigantescos que em realidade consistiam apenas de uma massa de muco e que na verdade também podiam mover-se apenas como as ostras, só que ostras precisam estar em águas muito mais rarefeitas. Mas esses animais mucosos que tinham uma enorme couraça de tartaruga nadavam dentro daquela terra adensada.
Dessa maneira os senhores veem como a Terra era realmente uma coisa semelhante a algo que se pode representar hoje como uma imensa sopa densa contendo como que algumas almôndegas. Mas os senhores devem representar essas almôndegas como sendo algo que se tornou muito duro num dos lados, tão duro que quebrariam os seus dentes se as mordessem por este lado, e que era muito mole no outro lado. Então os senhores poderiam erguer um dos lados dessas almôndegas e conseguiriam destacar algo assim como um chapeu. E a outra parte seria muito mole e poderiam até mesmo comê-la.
Nesses animais, aquela parte era muito mais mole que aquilo em que nadavam, mais mole que a terra adensada. Por isso, naqueles animais, a situação também era semelhante à de hoje na qual apenas uns animais muito pequenos podem manter-se. Fora disso os senhores devem ter visto caramujos rastejando às vezes pelas imediações. Quando caramujos se arrastam por á, os senhores podem seguir-lhes o rasto; este estará cheio dessa mucosidade; já devem ter visto isto que o caramujo vai deixando para trás. Hoje em dia essa mucosidade é ressecada pelo Sol. Hoje ela não tem mais muito significado. Mas imaginem como naqueles tempos remotos, quando a Terra ainda não era tão sólida, como aqueles animais também deixavam para trás a sua mucosidade, ali dentro da espessa sopa terrestre, e como esta se misturava com aquela sopa terrestre adensada. De modo que esses animais eram sempre muito úteis nessa sopa terrestre engrossada.
Atualmente somente é possível investigar tais coisas em vestígios muito diminutos, quando se anda por um caminho no qual choveu muito. Aqui perto do Goetheanum, particularmente, pode-se observar o seguinte: então as minhocas rastejam para fora. Com certeza os senhores devem ter visto, em períodos especiais de chuva, como as minhocas se arrastam para fora em toda parte. – Onde ficam as minhocas pelo restante do tempo? Ora, elas ficam dentro da terra, elas se arrastam dentro da terra e fazem ali aqueles furos pelos quais rastejam. Vejam, se essas minhocas não existissem os nossos campos seriam muito menos férteis. Porquanto aquilo que as minhocas vão deixando para trás na terra, torna férteis os campos. Na verdade, não podemos pensar que haja qualquer coisa inútil na natureza.
E era assim também com aquelas enormes ostras naqueles remotos tempos. Elas segregavam continuamente na sopa terrestre aquilo que davam de si como muco e com este sempre avivavam aquela sopa terrestre, elas sempre a avivavam.
Mas a história é a seguinte: na terra atual – por muito que os caramujos e as minhocas de igual modo ainda lancem aquilo que segregam dentro dela -, na terra atual tudo isso morre novamente. Pode-se aproveitar muito bem aquilo que as minhocas entregam como esterco ás lavouras, num certo sentido pode-se empregar até mesmo muito bem nas lavouras o que os caramujos entregam como esterco, e não só nas lavouras, porém também nos pastos, aquilo que está sobre a terra; quando o muco de caramujo penetra na terra é um excelente adubo. Mas -Vejam! – este não fica mais vivo; não fica vivo o que hoje penetra na terra por meios animais.
Mas, na época da qual agora estou falando, quando aquelas enormes ostras depositavam os seus produtos dentro da sopa terrestre, acontecia algo realmente extraordinário – até hoje acontece algo semelhante. Na verdade, a fecundação que ocorre com determinados animais inferiores e até mesmo com alguns animais assaz superiores, não ocorre de forma semelhante á dos animais superiores e á dos homens, porém a fecundação se dá, diria eu, em determinados animais parecidos com os peixes, ou até nos anfíbios ou nos batráquios, de tal forma que os ovos sejam depositados; eles são depositados em algum lugar e de tal forma que neste lugar se encontre um punhado de ovos depositados pela fêmea; e então o macho simplesmente lança sobre estes ovos o seu líquido seminal, fora da fêmea; e só depois os ovos passam a ser fecundados, fora da fêmea. Isso ainda ocorre nos dias de hoje.
De modo que se pode dizer: a fêmea deposita os ovos em algum lugar e se afasta. O macho encontra esses ovos, fecunda-os e também se afasta. Logo, toda a fecundação se dá externamente. Ela apenas deixará de dar-se, isto é, nada acontecerá, se o Sol não brilhar sobre esses ovos fecundados. Se o Sol não luzir sobre eles nada sairá deles, eles morrerão. Mas, se o Sol luzir sobre os ovos fecundados, deles surgirão novos animais. Isso acontece até os dias de hoje.
Na época em que aquelas gigantescas ostras nadavam pela sopa terrestre, aquela mucosidade, ao penetrar na terra, agia de tal maneira que, de dentro da própria terra, sempre se reproduziam aqueles enormes animais. Os velhos morriam, mas de dentro da própria terra desenvolviam-se novos animais. A Terra paria continuamente aqueles imensos animais, embora fossem altamente desajeitados. Tal era a Terra que ela própria era fecundada por aquilo que esses animais segregavam.
De modo que os senhores podem, portanto imaginar: em épocas passadas existia uma vida terrestre; a Terra toda era um ser vivo. Mas a sua vida precisava ser mantida pela secreção da mucosidade desses animais. Se existisse apenas essa sopa terrestre adensada, esses gordos animais dali também estariam brevemente extintos. Todavia, eles segregavam e por meio disso a vida da Terra era continuamente preservada, de tal modo que tais animais germinavam continuamente da própria Terra. Em seguida, eles próprios, por sua vez, fecundavam a Terra e esta então podia fazer crescerem novamente tais animais de dentro de si.
Mas esses animais não teriam podido segregar nela esse muco se não houvesse outra coisa. Vejam! A Terra era uma sopa extremamente densa; mas eu também lhes disse: o muco dos animais era muito mais ralo que a sopa terrestre, ele era muito mais ralo. Mas, de onde provem isso, dos animais poderem ter um muco tão ralo? Pois, na verdade isso deveria ser totalmente impossível, dos animais poderem ter um muco mais ralo que a Terra em geral. A Terra também era uma pasta, um muco, porém muito espesso; mas, sem cessar, sobrevinham aqueles grumos de muco mais ralo. – Como surgiam eles?
Vejam, meus amigos, basta os senhores terem aqui um copo e dentro dele um líquido, a água na qual dissolvam sal; então pode dar-se do sal cair ali no fundo. E o sal acumula-se ali no fundo como sedimento; mas então a água é mais rala. Somente após o sal ter sido dissolvido, a água fica mais densa. Ora a água está mais rala porque o sal ficou de fora. A saber, mais tarde os senhores obterão água mais rala em cima e água muito mais densa no fundo. E se eu pudesse fazer o seguinte: inverter o copo – agora na verdade, se eu fizesse isso então naturalmente toda a água salgada simplesmente fluiria para fora e a coisa não se formaria.
Mas com aqueles antigos animais aconteceu exatamente da coisa se inverter. Com aqueles antigos bichos a coisa foi assim: aqui estava a terra adensada; então aqui se formou alguma coisa. Cá em cima a couraça de escamas e mais abaixo o muco. – O que era, pois a couraça de escamas? Ela nada era senão aquilo que se segregou de dentro da massa terrestre adensada. Exatamente da mesma forma como o sal é segregado da água para o fundo, essa massa adensada, essa massa muito mais densa segregou-se e depois formou uma couraça de escamas como nas tartarugas, a partir do espessamento da massa terrestre, porém, de modo inverso para cima; ela segregou-se de tal forma que a parte mais rala restasse no fundo. E é desse modo que o copo invertido, ou melhor, a cabeça pôde erguer-se para fora dessa água. Somente o sal veio para cima.
– E o que ocorreu a seguir com esse sal? Sim, meus amigos, agora retornemos novamente para aquilo que o cão faz quando tem uma ferida. Quando o cão tem uma ferida ele a lambe. Depois deixa o Sol brilhar sobre a mesma; e tudo aquilo engrossa, acabando por matar o que está lá dentro da ferida. Senão viriam as bactérias e a ferida aumentaria e todo o cão se acabaria. Vejam! Naquele lugar se forma uma crosta, uma crosta daquilo que está em seu interior. O muco que o cachorro coloca sobre a ferida é algo interior; quando o Sol reluz sobre isto, ele engrossa o muco pelo calor.
Foi exatamente a mesma coisa que aconteceu no caso daqueles animais, naquela época tão remota. Ali o Sol brilhou por sobre aquela grossa sopa terrestre e por isso, por ter o Sol brilhado sobre ela, surgiram os espessamentos em alguns locais isolados, da mesma forma como eles surgem no cão sobre a ferida. Essas eram conchas. E embaixo delas, por ter-se formado um adensamento, apareceu uma massa de muco mais rala. E assim tiveram origem aquelas gigantescas ostras. No entanto, aquelas ostras gigantescas absolutamente não poderiam ter sido formadas, se o Sol não brilhasse sobre elas. Isso teria sido impossível. Portanto, temos agora uma coisa extraordinária: temos a Terra – quero desenhá-la numa escala bem pequena -; o Sol brilha sobre a Terra durante o dia e extrai da Terra aquelas enormes ostras. Assim podemos dizer: havia antigamente uma época em que a Terra era uma sopa grossa e, por ter sido iluminada de fora pelo Sol, formaram-se aqueles animais.
Naquele tempo, todavia, de nada teria servido o fato de que a Terra, por sua vez, poderia ser fecundada assim que esses animais, ao nadarem pela sopa, deixassem para trás o seu ralo muco. Isso não teria adiantado nada. Sim, a Terra deve, pois, não obstante, ter sido mais alguma outra coisa em seu interior. Ela deve ter sido semelhante a um ovo. Só desse modo ela poderia ter sido fecundada.
Não se consegue entender isto? Digamos assim, que a Terra outrora pode ter sido como um ovo. Somente nessa condição ela pode ter sido fecundada.
Portanto, devemos estudar, por outro lado, como isso é realmente possível, esse tal do ovo, de ele poder ser fecundado, pois chegamos à condição na Terra em que existia uma espessa sopa terrestre. Portanto, os seres que podem ter fecundado, chamemo-los de seres masculinos, nós já os encontramos ali na época antiga; mas, no caso da Terra ter sido o ser feminino geral – nós ainda não o encontramos e agora também devemos procurá-lo por sua vez. Necessitamos descobrir como a Terra pode ter sido, em outros tempos, um desses imensos ovos.
Vejam! Se os senhores quiserem descobrir alguma coisa assim, já será preciso examinar um pouco mais o mundo. E agora eu devo chamar em primeiro lugar a sua atenção, de um modo engraçado, para um campo totalmente diferente, para uma coisa que, todavia ainda existe hoje em dia, embora num estado realmente tão diluído, eu diria, que muita gente não atenta muito para ela em sua consciência. No entanto, não é realmente apenas a partir de certo agir secreto que os poetas quando querem descrever os pares enamorados na evolução do amor, fazem os amantes caminhar ao luar. O luar possui algo que age sobre a fantasia dos seres humanos de uma forma extraordinária.
Talvez os senhores imaginem que isso nada tem a ver com este assunto, porém tem tudo a ver. O luar impele a fantasia do homem para fora. Vejam! Isso é extraordinário: o luar impelir a fantasia do ser humano para fora. Quando os homens que hoje são tão eruditos, têm algumas vezes um acesso de bom senso, eles chegam a coisas muito bonitas, a coisas lindinhas. Assim, houve em Paris, há algum tempo, um erudito que disse: com todos esses medicamentos que temos hoje em dia na medicina pode-se realizar muitíssimo pouco para os homens e – é realmente extraordinário que um doutor parisiense finalmente tenha concluído isto! – se quiséssemos tornar as pessoas mais sadias poderíamos fazer outra coisa. E, pasmem meus amigos! O doutor de Paris recomendou às pessoas que lessem amiúde o “Fausto” de Goethe – pois assim elas ficariam mais saudáveis em vez de tomarem todas aquelas bobagens que apenas estimulam o intelecto -, pois o “Fausto” de Goethe estimula a fantasia e a fantasia é saudável. – Até mesmo um doutor materialista achou a leitura do “Fausto” de Goethe tão boa, pois ela estimula a fantasia, que ele disse: hoje em dia os seres humanos são inteligentes a ponto de apenas forçarem o intelecto; mas o intelecto deixa-nos realmente doentes. No entanto, se as pessoas lessem o “Fausto” e transferissem para dentro de si todas as imagens que estão no “Fausto”, elas se tornariam muito mais saudáveis.
Ora, o doutor queria que os seres humanos se deixassem penetrar um pouco por uma força de crescimento saudável. As pessoas devem impregnar-se um pouco com a força do crescimento! Vejam, na verdade esse foi uma vez um momento iluminado, dos quais a ciência atual tem apenas alguns, pouquíssimos. Esse foi um momento saudável que a atual ciência teve. Isso é saudável porque nos estimula a digerir melhor. Certamente é verdade: o homem digere melhor quando estuda o “Fausto” de Goethe, do que quando estuda todas as obras eruditas. Neste último caso ele estraga o seu estômago. Com o “Fausto” de Goethe o estômago torna-se cada vez melhor; mas os outros órgãos igualmente melhoram. – E de onde vem isso? Ora, é porque o “Fausto” goetheano procede da fantasia e não do intelecto.
Imaginem agora, se o ser humano se deixa excitar pela Lua, a fantasia é estimulada. Portanto, no homem são excitadas pela Lua exatamente as forças do crescimento. Mas hoje em dia isso se dá numa medida muito reduzida. Na verdade, o homem sente-se apenas um pouquinho aquecido por dentro, isto é, ao fazer um passeio ao luar ele sente as suas forças de crescimento interiormente estimuladas. Isso até é verdade. Mas não é muito levado em consideração.
A Lua está, todavia relacionada com tudo aquilo que significa vida no homem. Posso indicar-lhes um pequeno fato que mostra de forma extremamente forte, como a Lua está relacionada com a vida. Vejam, hoje, quando se chama a atenção para algumas coisas que as pessoas já sabiam em outras épocas – se os senhores se recordarem, por exemplo, daquilo que eu lhes disse aqui sobre a cabeça romana de Jano, com duas faces -, então podem imaginar que antigamente as pessoas sabiam mais do que hoje; embora não fossem mais “inteligentes” elas sabiam mais.
Atualmente, quando em verdade está soterrado sob a inteligência dos homens tudo aquilo que eles sabiam em outros tempos, hoje dizemos: ora, uma criança é carregada durante nove meses. – Mas a medicina que ainda manteve por vezes, como na língua latina, as velhas representações – os médicos atuais na verdade não querem saber mais nada delas, mas algumas vezes elas ainda existem, essas velhas representações -, a medicina diz: o filho é carregado durante dez meses. – De onde vem isso, meus amigos? Ora, se os senhores calcularem que um mês lunar tem aproximadamente 28 dias: dez vezes 28 = 280 dias. Um mês, como o temos hoje, calculado em 30 dias, quando tomado nove vezes, também tem quase a mesma coisa: 270 dias. A saber, os nove meses que temos atualmente, equivalem a dez meses lunares. Ora, ambos os tempos são iguais. Antigamente calculava-se amiúde segundo os meses lunares, quando se falava do período de gestação da criança no corpo da mãe.
– De onde vinha isso, meus amigos? Era porque ainda se sabia que a formação da criança no complexo corpóreo da mãe está relacionada com a Lua. Houve um tempo em que se sabia, e hoje se pode constatá-lo novamente pela Antroposofia, que a Lua é que possibilita para o ser humano que a criança possa se desenvolver como um ser vivente.
Mas essa Lua na verdade age apenas sobre os seres femininos do reino humano e do reino animal, porque estes estão preparados para isto. Hoje a Lua não age mais sobre a Terra. Aqui ela não produz mais ovos atualmente. E, todavia, se estudarmos o assunto metodicamente, descobriremos que a fantasia é excitada, e não apenas no sentido mais sutil e, com isso, as nossas forças de crescimento são excitadas; e somos penetrados por um movimento interior quando fazemos um passeio ao luar. A Lua age em nós de forma aviventadora, mas ela age de uma maneira tão intensamente aviventadora no corpo feminino, humano e animal, a ponto de dotar a criança ou o animal com forças de crescimento.
Vejam! Fora disso a Lua que brilha ali do alto do céu, não consegue fazer com que a própria Terra cresça, porque hoje a Terra já está muito morta. Portanto a Terra que podia ser fecundada no passado também deve ter sido mais viva.
E agora, lembrem-se de que eu lhes falei que aquilo que está no interior do homem é nocivo quando nele penetra de fora. Portanto, a Lua que hoje brilha lá do alto sobre a Terra não pode mais provocar vida. – Por quê? Porque seu brilho vem de fora, exatamente como quando o ar que nós próprios damos de nós, vem de fora. Então ele não pode mais aviventar-nos interiormente. Logo, hoje a Lua lá no alto nada mais pode fazer com a própria Terra. Hoje a Lua só pode fazer alguma coisa no corpo animal e humano porque estes estão protegidos.
– Mas, onde teria estado a Lua em tempos remotos, para poder fazer da própria Terra um ser vivo? Fora da Terra ela não conseguiria fazer desta um ser vivo. Ela deveria ter estado dentro da própria Terra! Exatamente da mesma maneira como o carbono quando está de fora, não consegue mais aviventar-se, porém precisa estar dentro, precisa vivamente desenvolver-se no interior, assim no passado o luar não estaria fora, porém dentro da Terra.
Do mesmo modo, meus senhores, imaginem como antigamente, quando existiam aqueles seres, a Lua com toda certeza não estava fora da Terra, porém estava dentro dela, dissolvida na densa sopa. Ela certamente não era ainda limitada, porém ainda era uma esfera adensada ali dentro. Ali ela podia converter a Terra toda em ovo. Dessa maneira chegamos ao fato, justamente, de que a Lua, que hoje ainda age apenas sobre a fantasia e sobre o corpo feminino fecundado, que a Lua que se encontra lá em cima no céu, esteve dentro da Terra em épocas remotas.
Nesse caso, todavia, a Lua também deve ter saído da Terra algum dia. Senhores! Vejam como chegamos dessa maneira a um momento extremamente importante da evolução da Terra: a Lua que hoje em dia sempre está lá fora, antigamente esteve no interior da Terra. A Terra a segregou. Hoje a Lua a envolve por fora.
Se estudarmos todo o corpo terrestre passaremos a descobrir deste modo uma coisa extraordinária. Na verdade, quando estudamos o corpo terrestre temos realmente um corpo terrestre que consiste de água e aqui nesta água nadam continentes, nadam massas terrestres do mesmo modo como antigamente nadavam por ali aqueles imensos animais. A Europa, a Ásia e a África nadam nessa água do mesmo modo como no passado aqueles enormes animais nadavam pela sopa terrestre, pela densa sopa terrestre. E, ao estudarmos o seu aspecto – os senhores sabem que o aspecto não é mais o mesmo -, então continuaremos a ver até hoje, por uma fossa da Terra e pelo desvio dos continentes, que a Lua voou antigamente para fora da Terra dali onde está o Oceano Pacífico. A Lua esteve dentro da Terra e depois voou para fora dela. Somente depois de estar lá fora ela endureceu.
Lancemos agora um olhar retrospectivo sobre o antigo estado da Terra. Naquele tempo a Terra ainda continha a sua Lua dentro do seu complexo corpóreo. Esta, mediante a sua substância converteu a Terra em mãe, e a substância paterna foi provocada pelo Sol, porquanto o Sol produzia continuamente aqueles grumos de muco que a envolveram pelo lado de fora com um grosso manto córneo. Isto foi realizado pelo raio solar. E esses grumos de muco sobrenadantes fecundaram continuamente aquilo que estava embaixo na sopa terrestre e que foi mantido em vida pela Lua. De modo que a Terra era um imenso ovo continuamente fecundado por aquilo que o Sol realizava.
Sim, meus senhores, se a história houvesse continuado desse modo, resultaria uma condição muito incômoda para a Terra. A Lua teria então voado para fora. A Terra ter-se-ia tornado estéril e tudo finalmente até teria morrido. – Mas, o que foi que resultou daquilo? Então, por voar a Lua para fora da Terra, na verdade resultou que esta morreu, embora algo daquela ação fecundante fosse preservado no complexo corpóreo materno, animal e humano.
Anteriormente não tinha na verdade havido absolutamente um vir-a-nascer da maneira como há hoje em dia. Exatamente do mesmo modo como quando se vai fazer uma nova fornada de pão, toma-se um pouco do velho fermento e depois se o coloca ali dentro, desta mesma maneira também permaneceu um pouco da antiga substância retirada da Lua, nos complexos corpóreos femininos, de maneira que estes pudessem ser fecundados. O que é fecundado dentro deles, aquilo que é interiormente convertido em ovo, é uma cópia do antigo ovo-terra. De maneira que não é de admirar que, quando surge a criança, a história da Lua continue a vagar ali por dentro e que até mesmo o período durante o qual a criança é embalada ali dentro se oriente segundo a Lua. Afinal, o filho de um nobre também deve acomodar-se às circunstâncias da sua herança que seu pai lhe houver deixado. O mesmo deve fazer o ovo fecundado, o qual, na realidade, descende da antiga sopa lunar. Isso ainda deve orientar-se até os dias de hoje pela antiga Lua, pois dela foi herdado.
Vejam! Em geral se sabia antigamente muito mais a respeito dessas coisas. Vou dar-lhes mais uma vez os fundamentos disso. Antigamente se sabia muito mais a respeito disso e dizia-se: o Sol é masculino. Mesmo em latim ele é masculino. Lua, feminino. Na língua alemã (do original) isso foi invertido: em alemão o Sol é uma palavra feminina e a Lua é uma palavra masculina.3
Mas, já o antigo latino fazia um gracejo a respeito disso e dizia – trata-se apenas de um gracejo com o qual quero encerrar as considerações de hoje: aqui eu queria dar-lhes apenas algo com que nos defrontaremos da próxima vez com muito maior clareza – pois, o antigo latino dizia: temos inicialmente uma Lua assim, depois a Lua aumenta, fica assim e depois fica cheia; depois ela diminui novamente e fica assim. – E, vejam, se tomarmos essas palavras duma língua latina, então poderemos transformar isto aqui, a Lua minguante num C (desenho), e isto aqui, a Lua crescente, o primeiro quarto, num D; então resulta do C = crescer. Mas justamente nesse período a Lua decresce, ela não está crescendo quando forma um C! Em contrapartida, decrescer = D, então ela cresce. De maneira que quando olhamos para o alto, no céu, a Lua nos diz: “eu cresço”, quando propriamente ela decresce; e também o inverso. Daí surgiu mais tarde uma expressão: a Lua é mentirosa. Ela mente para nós.
No entanto, isso por certo também tem outra significação. Aos poucos as pessoas começaram a envergonhar-se de falar sobre assuntos relacionados com a Lua, porque as coisas lunares têm a ver com a origem do ser humano. Esses assuntos foram se tornando algo sobre o qual não se falava. E as pessoas perderam a possibilidade de falar em geral de maneira correta sobre coisas relacionadas com a Lua. Por isso a Lua também se tornou mentirosa. Quando se olhava para ela, ela não dizia mais aos homens aquelas coisas pelas quais eles se ligam. Aos poucos os médicos perderam o hábito de falar a respeito disto, de que a criança permanece durante dez meses lunares dentro do corpo da mãe e passaram a falar então dos nove meses solares que, na verdade, têm mais ou menos a mesma duração. Mas, se trata realmente de dez meses lunares e, não de nove meses solares. Isso tem relação com a Lua e procede do fato de que em tempos remotos a Terra carregou em suas entranhas, dentro de si, a Lua; e de que a própria Terra a pariu lançando-a ao espaço universal.
Agora, pensem os senhores: no fundo, não estou lhes contando nada senão aquilo que alguém lhes contaria hoje em dia sobre uma antiga neblina cósmica, sobre um vapor do qual a Terra se houvesse separado novamente e a Lua houvesse saído dela novamente. – Todavia, tudo isso é pensado de forma mecânica! Tudo isso é materialista! De um vapor, por mais vapor que fluísse dele, jamais qualquer coisa poderia tornar-se viva. Mas o que eu lhes relatei não é sobre um velho vapor. Os senhores podem produzir quantos vapores quiserem numa caldeira e querer separar algo – mas, o que eu lhes relatei leva-os de volta à realidade. Essa é a realidade e não aquele vapor do qual Júpiter ter-se-ia separado, e a Terra; e quando a Terra ainda era igual a Júpiter, então a Lua lançou-se para fora dela. Pois a verdadeira Lua está relacionada com todo o crescimento e, digamos, até mesmo com a reprodução do ser humano, e a Terra teve dentro de si, num passado remoto, a sua própria força de reprodução, ela foi Terra maternal e foi fecundada pelos animais que existiam sobre ela, com as suas conchas e ela foi fecundada pelo brilho do Sol. Dessa maneira os senhores veem como saímos paulatinamente da Terra rumo ao espaço universal lá fora.
Naturalmente estou forçando um pouco a atenção dos senhores; mas os senhores veem como também se aprende algo verdadeiro!
Rudolf Steiner – GA 347 – Dornach, 23 de setembro de 1922
Tradução: Gerard Bannwart
GA 347 – Dornach, 20 de setembro de 1922
CONFERÊNCIA AOS TRABALHADORES – CONFERÊNCIA VII
OS ESTADOS PRIMORDIAIS DA TERRA: A LEMÚRIA
– Lama terrosa e ar ígneo. – Pássaros-dragões, Ictiosáurios e Plesiosáurios. – O fígado como órgão sensorial interno. – Pássaros-dragões como alimento dos Ictiosáurios e dos Plesiosáurios. – Aves, animais vegetarianos e Megatérios. – A terra: um gigantesco animal morto.
Pois bem, meus amigos! A fim de compreendermos o ser humano ainda melhor do que o compreendemos até aqui, queremos fazer considerações também a respeito da Terra. Quando seres humanos terrestres se reúnem, certamente não se deve considerar a vida do homem como vida físico-humana isoladamente, porém deve-se também considerar a própria Terra.
Quando se visita este ou aquele museu de ciência natural, encontra-se algumas vezes remanescentes de animais e também de plantas que viveram na Terra há muito tempo atrás. Naturalmente os senhores podem imaginar que muita coisa se passou aqui na Terra até que, de certo modo, esses antigos animais e plantas fossem destruídos. Os senhores também podem muito bem imaginar, por exemplo, que de certos animais se conservam na Terra, quando muito, os ossos, ao contrário dos músculos, das partes moles, do coração e de outros vasos que se perdem, que são destruídos e que assim, só podem ser encontrados os ossos petrificados, isto é, ossos que após a morte dos animais são preenchidos com outro material, isto é, quando a lama neles penetra, e que por isso só se encontram estes endurecimentos, estas petrificações; e que se pode desenterrá-las e que a partir desse material é possível obter, na maioria das vezes, trata-se de restos de ossos somente, é preciso criar uma representação do que foi o remoto aspecto da Terra.
Certamente os senhores também podem imaginar que as atuais condições da Terra não podem ter existido naquele tempo em que viveram tais animais e plantas totalmente diferentes, pois se assim fosse, os atuais não teriam surgido. Portanto, outrora a Terra deve ter tido um aspecto totalmente diferente. Os senhores poderão deduzir isso diretamente do que eu lhes contarei hoje.
Vejam. Falou-se de um pesquisador da natureza, Cuvier, que viveu na primeira metade do século 19, por volta de 1810 que, quando recebia um osso era capaz de fazer uma representação do aspecto do animal inteiro. Realmente, quando se estuda a fundo a forma dos ossos e se tem, por exemplo, apenas um osso do antebraço, pode-se fazer uma representação do aspecto do todo, pois qualquer forma de um osso altera-se tão logo se altera o corpo todo. Portanto, a partir de um único osso também se pode estabelecer qual foi o aspecto de todo o corpo. Além do fato de algumas vezes ter-se realmente encontrado esqueletos completos de animais que certa vez viveram sobre a Terra, temos aqueles ossos isolados e pode-se fazer uma representação, a partir deles, de como deve ter sido, em tempos remotos, o aspecto da Terra.
Agora vou começar por descrever-lhes um estado da Terra que em épocas muitíssimo remotas, há muitos milhares de anos, existiu aqui na Terra. Quero descrever-lhes esse estado narrativamente. Mais adiante iremos conhecer os detalhes mais pormenorizadamente, mas agora quero simplesmente narrar-lhes o remotíssimo aspecto da Terra sobre a qual caminhamos hoje em dia. Pois, todos os senhores já a conhecem em seu estado atual.
Ela era assim. Imaginem a Terra, vou desenhar aqui um pedacinho dela (desenho à página seguinte); mas aquela Terra ainda não tinha essas montanhas sólidas como são as de hoje, porém aquela Terra era realmente semelhante à superficie exterior da Terra quando chove hoje em dia durante várias semanas seguidas; e ela era ainda muito mais lamacenta. Portanto, a superfície da Terra não era tão sólida como ela é hoje, porém era muito mais lamacenta. Se naquele tempo já existissem pessoas como as de hoje, então estas pessoas precisariam, ou nadar – neste caso ficariam continuamente enlameadas, ou seja, horrivelmente sujas -, ou submergir continuamente. Portanto, gente com o feitio atual não existia naquele tempo. Era uma Terra lamacenta, muito lamacenta e havia toda sorte de coisas ali dentro daquela Terra lamacenta.
Se os senhores hoje em dia caminharem por aí e pegarem uma pedra, uma pedra como aquela que o senhor N. nos trouxe uma vez, ou se os senhores cavarem ainda mais fundo em algum lugar, catando pedras ainda mais duras, então podem imaginar: antigamente todas estas pedras encontravam-se dissolvidas em terra lamacenta do mesmo modo como o sal é dissolvido na água. Pois nessa terra lamacenta havia toda sorte de ácidos que dissolvem tudo que é possível. Portanto, resumindo, esse solo consistia de uma lama muito especial. E por cima desta lama ainda não havia um ar como o de hoje, não havia um ar contendo apenas oxigênio e nitrogênio, porém no ar havia toda sorte de ácidos em estado gaseiforme. Havia até mesmo o ácido sulfúrico, vapores de ácido sulfúrico e vapores de ácido nítrico; tudo isso se encontrava naquele ar.
Assim os senhores também já poderem deduzir que o ser humano não teria podido viver ali no seu feitio atual. Naturalmente, esses vapores eram fracos, porém estavam dentro daquele ar. E, além disso, aquele ar ainda tinha a peculiaridade de ser mais ou menos como se hoje os senhores se arrastassem para dentro de um velho forno e ali se produzisse exatamente o calor necessário para assar pão, e que os senhores o sentissem ao seu redor. Dessa maneira seria muito incômodo para o homem da atualidade se ele estivesse dentro daquele ar, onde, além disso, cheirava a ácido sulfúrico e estava bastante quente.
Não obstante, ainda havia outro ar por cima disso. Esse ar era um pouco mais quente que aquele que estava por baixo, e formava nuvens. Essas nuvens que ali se formavam, por também conterem muitas coisas, ácido sulfúrico, ácido nítrico e muitos outros materiais, produziam raios incessantemente, assim como fortes trovões. De modo que tudo lá dentro estremecia sem parar por causa dos enormes raios. Naquele tempo era esse, mais ou menos, o aspecto das imediações da Terra.
Eu desejaria – para que obtenhamos nomes para as coisas -, chamar de ar ígneo o que estava lá em cima, por tratar-se de um ar terrivelmente quente. Ele não era incandescente – essa é apenas uma representação errônea da ciência atual -, ele não era incandescente, ele não era mais quente que um dos atuais fornos de pão. Lá no alto havia, pois a temperatura de um fogo; embaixo ela ia se tornando mais fria na medida em que se descesse. Portanto, eu desejaria chamar aquele ar de cima de ar ígneo, e aquilo que estava lá embaixo, de lama terrosa.
Desse modo obtemos uma representação aproximada de como a Terra foi em outros tempos. Na parte de baixo havia uma lama esverdeada-amarronzada que às vezes se tornava tão espessa como o casco de um cavalo, mas que depois se dissolvia novamente. O que hoje é o inverno fazia com que naquele tempo a lama ficasse justamente tão espessa, a saber, quase como o casco de um cavalo — ela se solidificava. E no verão, quando o Sol brilhava de fora, aquilo se dissolvia novamente transformando-se numa lama fluída. E por cima ficava aquele ar quente que continha tudo aquilo que mais tarde sairia dali. Só mais tarde o ar se limpou.
Ora, a partir desse estado originou-se outro no qual viveram animais muito estranhos. Assim, vejam os senhores, como lá no alto, no ar ígneo, vivia toda sorte de animais. O aspecto deles era tal que se pode dizer: eles tinham uma cauda repleta de escamas, a qual, todavia, era achatada de tal modo que lhes servia para voarem muito bem no ar ígneo. E tinham asas como do morcego e também uma cabeça semelhante à dele. E então voavam por ali, no alto, no ar, quando esse ar ígneo já não continha mais tantos vapores nocivos.
Exatamente esses animais estavam notavelmente bem adaptados a isso, mas, naturalmente, quando as tempestades se tornavam extremamente fortes, quando trovejava e relampejava horrivelmente, a situação também se tornava incômoda para eles; no entanto, assim que a situação ficou mais mansa, quando passou a haver apenas uns poucos estalos e um suave faiscar, eles apreciavam viver no meio desses coriscos, no meio desses leves faiscamentos. Eles voejavam por ali e se adaptaram até mesmo a espalhar algo como uma emissão elétrica ao redor de si, enviando-a para baixo para a Terra. De tal modo que, se a essa altura existisse um ser humano lá embaixo, ele até teria percebido, graças a essas irradiações elétricas que lá no alto havia novamente um daqueles bandos de pássaros. Eram uns pequenos pássaros-dragões aquelas aves que espalhavam irradiações elétricas ao seu redor, e que realmente tinham sua existência lá dentro do fogo ígneo.
Vejam. Aquelas aves, aqueles pássaros-dragões que ali se encontravam estavam realmente muito bem organizados, de uma maneira muito extraordinária e sutil. Eles tinham sentidos extremamente sutis. As águias, os abutres, que mais tarde se originaram deles, após haverem aqueles seres sido transformados, as águias e os abutres conservaram apenas os olhos aguçados que tinham aqueles antigos seres. Mas aqueles seres percebiam tudo mediante suas asas semelhantes a asas de morcego, asas que eram tremendamente sensíveis, quase tão sensíveis quanto os nossos olhos.
Eles conseguiam perceber com aquelas asas; com elas eles sentiam tudo que se passava por lá. Quando a Lua brilhava, por exemplo, eles sentiam tal bem-estar em suas asas que passavam a agitá-las; como o cão quando está alegre abana a cauda, assim aqueles sujeitos meneavam ali as suas asas. Deliciavam-se com o brilho da Lua. Então eles vagavam por ali e lhes agradava especialmente fazer pequenas nuvens de fogo ao redor de si, do mesmo modo como ainda fazem hoje apenas os vaga-lumes nos campos. Quando a Lua brilhava, eles pairavam lá no alto, como nuvens luzentes. E se naquele tempo existissem pessoas, elas avistariam lá nas alturas aqueles enxames de esferas luminosas e de nuvenzinhas luminosas.
E quando o Sol brilhava – ora, naquele tempo era assim que então acabava o seu prazer de espalhar corpos luminosos ao redor de si! Na verdade, eles então se encolhiam mais para dentro de si mesmos e passavam a elaborar aquilo que haviam absorvido do ar – pois no ar ainda encontravam todos aqueles materiais que eles absorviam, sugavam. Eles se alimentavam sugando. Depois digeriam esses materiais ao Sol. Porquanto eram uns seres muito estranhos. Com efeito, eles existiram numa outra época, no ar ígneo da Terra.
Agora, se descermos um pouco mais até onde começava a Terra com a sua lama terrosa, então ali já se encontram animais que se destacam por terem uma enorme dimensão, pois eram gigantescos… (lacuna no texto); ao examinarmos aqueles animais que naquele tempo levavam uma vida diretamente sobre a terra, vemos que a levavam meio nadando e meio vadeando pela lama. Ora, existem remanescentes desses animais que igualmente podem ser vistos em museus de ciência natural. Dão-lhes o nome, a esses gigantescos seres que existiram em épocas remotas, de Ictiosáurios, peixes-sáurios.
Esses Ictiosáurios eram animais dos quais pode dizer-se que até mesmo viviam sobre a terra. Esses Ictiosáurios tinham um aspecto particularmente estranho. Eles tinham uma espécie de cabeça (desenho) semelhante á de um golfinho, mas o seu focinho não era tão duro. Além disso, eles tinham um corpo semelhante ao de um enorme lagarto, porém mais estreito, com escamas extremamente grossas. E, dentro da cabeça, eles tinham dentes enormes como os de um crocodilo. Eles tinham dentes de crocodilo, como em geral todos aqueles seres estranhos, eles tinham esses dentes triangulares de crocodilo. Além disso, eles tinham algo como barbatanas de baleia – pois eles se locomoviam como que nadando -; essas barbatanas eram muito moles e com elas conseguiam também patinhar por ali, vadear na lama.
Portanto, esses animais tinham algo como barbatanas de baleia, tinham um corpo gigantesco, depois uma cabeça como a do golfinho com um focinho pontudo voltado para frente e tinham dentes de crocodilo. E o mais estranho era que tinham uns olhos enormes que luziam. Ter-se-ia visto pontos elétricos ali na neblina.
Os pássaros luzentes voavam pelas noites enluaradas. E quando sobrevinha o crepúsculo, ora, se estivéssemos lá para ver, poderíamos ter um encontro extremamente desagradável para o homem atual, com uma enorme luz que viria ao nosso encontro com um corpo maior que o das atuais baleias, com barbatanas, isto é, com animais que ficavam nadando naquela água lamacenta e às vezes também se erguiam quando ela ficava mais dura. E aquela água lamacenta tornava-se às vezes tão dura como os cascos de cavalos. Nesse caso era possível soerguerem-se para cima dela. E então avançavam desse modo; em seguida convertiam aquelas barbatanas em mãos; elas eram interiormente móveis dessa forma.
Eles também chapinhavam por cima daquelas camadas córneas que se assemelhavam a desertos e a seguir novamente nadavam nelas assim que fossem mais moles. Mais adiante andavam novamente sobre essas coisas, às apalpadelas, e depois, quando aparecia novamente uma parte mais mole, eles se locomoviam nadando. E se naquele tempo alguém navegasse de barco por ali – ele não poderia avançar, pois isto seria impossível -, então ele poderia dar de encontro com um daqueles enormes animais, em cima do qual ele poderia subir usando uma escada. Era como escalar uma montanha hoje em dia. E toda uma montanha animalesca poderia ter vindo ao nosso encontro! Dessa maneira tudo ali era diferente naquele tempo.
Da mesma maneira, é bem possível conhecer todas estas coisas; assim como Cuvier obteve conhecimentos sobre um animal inteiro, a partir de um osso, assim também é possível, ainda hoje, obter conhecimentos sobre como viviam naquela época os próprios Ictiosáurios, dos quais ainda existem remanescentes assim como o que conseguiam fazer naquela época com as suas enormes barbatanas, uns animais que tinham aquele olho enorme que já brilhava de longe qual lanterna gigante de forma tal que era possível desviar-se deles. Eles se moviam, portanto, desse modo sobre e por cima da terra lamacenta e também dentro dela.
Além disso, havia ainda outros animais que se encontravam um pouco mais no fundo, que podiam patinhar e nadar com verdadeiro prazer dentro daquela lama; e eles tinham sempre um aspecto horrivelmente sujo, de uma sujeira esverdeado-amarronzada. Esses outros animais apenas espichavam algumas vezes a sua enorme cabeça para fora, para cima da terra lamacenta mais mole, mas de resto chapinhavam ali dentro e contavam com muito pouco do endurecimento da lama; nesta, eles se deitavam a maior parte do tempo como porcos preguiçosos. Raramente vinham à superfície, esticando as suas cabeças para fora. E ali havia algo muito estranho.
Aqueles outros animais, aqueles de olho enorme, atualmente são chamados em seus remanescentes de Ictiosáurios. Mas, além deles havia aqueles que eram mais presos à terra, os Plesiosáurios. Os Plesiosáurios também tinham um corpo mais ou menos barrigudo, como o da baleia, tinham cabeças como as do lagarto, portanto um corpo semelhante ao da baleia e uma cabeça semelhante à do lagarto; entretanto, eles já tinham uns olhos voltados mais para os lados, enquanto os Ictiosáurios tinham olhos que luziam enormemente voltados bem para a frente.
Os Plesiosáurios tinham um corpo de baleia, porém de igual modo recoberto totalmente de escamas. E por serem mais preguiçosos, notava-se que realmente sempre apoiavam aquela parte que nadava ali pela terra lamacenta, como enormes barcos um pouco mais sólidos que se assentavam mais, a saber, eles já tinham quatro pernas, quatro patas bastante grosseiras com as quais eles até mesmo conseguiam andar muito comodamente. Eles não possuíam mais barbatanas como os Ictiosáurios sobre as quais estes se apoiavam. Os Ictiosáurios se apoiavam em barbatanas quando chegavam numa daquelas coisas duras, e no local onde se apoiavam as suas barbatanas se alargavam; portanto eles faziam uns pés para si próprios. Mas os Plesiosáurios possuíam pés em forma de mãos. E pelos seus remanescentes também se pode constatar que deviam ter costelas tremendamente fortes.
Esse era assim o estado, o aspecto da Terra naqueles tempos, esse era o modo como os Plesiosáurios levavam uma vida preguiçosa ali mais embaixo, era o modo como os Ictiosáurios voavam e nadavam por ali – pois os animais com as barbatanas também conseguiam voar baixinho -e por cima de tudo isso iam aquelas nuvens luminosas sempre rebrilhando ao crepúsculo e ao luar, nuvens que em realidade eram pássaros-dragões astrais. Tal era o aspecto geral.
Pois bem. Os Plesiosáurios eram uns tipos preguiçosos. No entanto, os senhores devem saber que isso tinha um fundamento. Naqueles tempos, a própria Terra era mais preguiçosa do que hoje em dia. Hoje a Terra gira sobre o seu próprio eixo em vinte e quatro horas. Naquela época ela precisava de muito mais tempo para isso; a própria Terra era mais preguiçosa. Ela se movia mais devagar sobre si mesma e disso resultavam em geral todas as demais coisas. Pois, o fato do ar estar tão limpo hoje em dia depende totalmente de nossa Terra girar sobre si em vinte e quatro horas, portanto, da Terra ter ficado mais ativa no decorrer do tempo.
Mas aquela época deve realmente ter ficado mais incómoda – a julgar pelo atual ponto de vista humano -para aqueles pássaros-dragões, pois eles passavam muito mal. Eles não consideravam que estivessem passando mal, pelo contrário, tinham enorme prazer e apetência por aquilo que, ao ser contado e ouvido atualmente, realmente se considera hoje como estarem passando muito mal aqueles pássaros-dragões. Pois, era o seguinte: imaginem o Ictiosáurio com seu imenso olho, arrastando-se, voando, nadando e tudo mais por um ar bastante quente; não obstante, este olho alumiava com grande intensidade. Esse olho luminoso atraia aqueles pássaros lá do alto como uma lâmpada atrai um mosquito. No mosquito os senhores têm o mesmo fenômeno em menor escala. Quando se acende uma lâmpada e há um mosquito no quarto, ele voa em sua direção sendo imediatamente queimado. Ora, aqueles pássaros lá do alto eram inteiramente hipnotizados pelos enormes olhos dos Ictiosáurios e lançavam-se para baixo; e assim o Ictiosáurio podia comê-los. De modo que os Ictiosáurios viviam daquilo que voejava por cima deles por ali no ar.
Se um ser humano pudesse ter andado naquela época por aquela curiosa Terra, ele diria: aqueles são uns enormes animais e eles comem fogo. Pois parecia ser isso, parecia ser exatamente isso, como se enormes animais zunissem e voassem por ali e comessem o fogo que voava em sua direção a partir do ar.
E aqueles Plesiosáurios – eu lhes disse que eles esticavam a cabeça assim para fora; mesmo neles os olhos também luziam e quando algum pássaro estava em vias de arremessar-se ali para baixo eles também obtinham alguma coisa.
Portanto, quando se aceita a realidade todo este assunto passa a coincidir. Assim, um cão mal alimentado também nos mostra costelas protuberantes. Na verdade, os Ictiosáurios arrebatavam aos Plesiosáurios todo o fogo para si; além disso, estes obtinham apenas os piores pássaros-dragões e por isso exibiam aquelas costelas excessivamente salientes. Hoje em dia ainda é possível constatar que os Plesiosáurios eram mal alimentados naqueles tempos primordiais.
Mas eu disse e os senhores poderão pensar: era incômoda a situação daqueles pássaros, daqueles pássaros luminosos tão belos lá do alto, pois, além do mais, eram belos os pássaros luminosos. No entanto, eles gostavam exatamente disso, eles sentiam um grande bem-estar quando podiam precipitar-se na goela de um. Ictiosáurio. Eles encaravam isso como sendo sua bem-aventurança. Exatamente do mesmo modo como os turcos queriam um paraíso, desse mesmo modo aqueles pássaros consideravam sua bem-aventurança poderem precipitar-se na goela de um Ictiosáurio.
A esta altura, meus amigos, eu quisera dizer que a história quase se tornou realmente mais incómoda para o próprio comedor de fogo – ele precisava comê-los por necessitar deles como alimento -, ela se tornou mais incômoda para o próprio comedor de fogo do que para os outros que estavam entrando na sua barriga. Os pássaros de fogo arremessavam-se para dentro dali, dentro da sua bem-aventurança; mas para o Ictiosáurio a situação dentro da sua barriga tornou-se muito incômoda porque passou a desenvolver-se toda sorte de eletricidade dentro dela. E sob o influxo dessa comilança de fogo e dessa eletricidade que preenchia quase todo o Ictiosáurio – este quase nada tinha como superfície, pois ele era preenchido principalmente por um imenso estômago -, os Ictiosáurios iam ficando cada vez mais fracos. Na verdade, levou muito tempo -até mesmo a natureza de um peixe pode suportar muita coisa; outro dia eu disse da natureza humana que ela suporta muita coisa, mas também a natureza de um peixe, ou seja, a de um Ictiosáurio pode naturalmente suportar muito mais -, mas, apesar disso, os Ictiosáurios foram ficando cada vez mais fracos. Passavam por toda espécie de estados de fraqueza. Seus olhos passaram a não brilhar mais com tanta intensidade. Os pássaros já não eram mais atraídos com tamanha força. E a comida lhes ocasionava cada vez mais dores. Cada vez mais aumentavam as dores de barriga dos Ictiosáurios. – Ora, que significava isto? No mundo tudo tem um significado.
Vejam. Enquanto esses Ictiosáurios se desenvolviam ali na Terra e comiam aquele fogo, e aquele fogo era digerido em seu estômago, aquele estômago mudava de feitio; afinal ele já deixara de ser um verdadeiro estômago. E finalmente chegou o ponto em que os próprios Ictiosáurios, todos eles, adotaram outro feitio. Eles se transformaram.
A ciência atual limita-se a dizer: antigamente existiam animais diferentes e eles se transformaram. Ora, dizer isso não é melhor do que dizer às pessoas: antigamente existiu um Senhor Deus que desceu até a Terra tomou dela um pedaço e deste formou Adão. – Essa história pode ser tão bem entendida como a outra.
Mas aquilo que estou lhes comunicando neste momento pode ser muito bem entendido pelos senhores. Porquanto, por terem os Ictiosáurios e os Plesiosáurios comido os pássaros-dragões, por este motivo todo o seu interior transformou-se e eles se converteram em animais diferentes. Isso também resultou da Terra passar a girar cada vez mais depressa- não tão depressa como hoje, porém mais depressa do que antes, quando ela ainda era muito preguiçosa – e porque, além disso, o ar foi deixando cair cada vez mais materiais nocivos para os seres posteriores, materiais os quais, posteriormente, foram unidos à Terra. Principalmente tudo quanto era sulfuroso foi juntado à Terra.
O ar tornou-se cada vez mais limpo, não tão limpo como o atual, porém bem mais limpo. Somente num estado muito posterior ele converteu-se numa espécie de ar aquoso, sempre perpassado de espessos vapores, de vapores nebulosos. Na realidade, antigamente o ar era muito mais limpo por ser mais quente. Mais tarde ele esfriou e tornou-se terrivelmente nebuloso. Havia sobre a Terra uma neblina que realmente nunca acabava; havia sempre uma camada de neblina recobrindo a Terra. Também a lama tornou-se aos poucos mais espessa e os primeiros cristais já começaram a cristalizar-se dentro dela. A lama se espessava, porém continuava ali. Embaixo ainda havia algumas partes espessadas e de permeio sempre algumas partes menos adensadas, algumas partes lamacentas esverdeadas e amarronza das, e por cima disto havia um ar nebuloso.
Dentro desse ar nebuloso surgiam plantas gigantescas, muitas plantas gigantescas. Se os senhores andarem hoje em dia pela floresta e olharem para os fetos, hoje estes são minúsculos. Mas há muitos e muitos milhares de anos existiram plantas imensas, semelhantes a esses fetos, levemente enraizadas numa terra lamacenta e esponjosa, plantas que se destacavam por sua grande altura, nas partes onde a lama da Terra já se havia tornado um pouco mais espessa. De modo que mais tarde surgiu um estado da Terra que já era um pouco mais espesso. Ali já havia toda sorte de rochedos – eles se haviam solidificado, não muito, de um modo mais grosseiro, como a cera -, e entre eles havia lama em toda parte e de dentro disto cresciam então aquelas árvores de fetos, aquelas árvores enormes. Onde houvesse muitos rochedos por baixo, surgiam essas imensas florestas com suas enormes árvores. Mais adiante surgia um trecho livre – ai já era novamente diferente. O Ictiosáurio e o Plesiosáurio não poderiam mais fazer muitas coisas no meio dessas florestas imensas com suas árvores enormes que ali na natureza haviam aparecido para a Terra.
Tudo já estava ficando muito duro lá embaixo para o Plesiosáurio e embora ainda estivesse suficientemente mole, o lugar havia ficado muito duro para o Ictiosáurio e ele se sujava mais ainda: formar-se-ia uma crosta ao redor das escamas. Eles não poderiam mais viver. Por outro lado, todos esses animais também já se haviam arruinado por comerem fogo. Se eles tivessem chegado a essa Terra posterior – embora esse posterior sempre significasse milhares e milhares de anos -, sim, o seu aspecto já seria muito diferente. A essa altura havia animais assim na lama, dos quais alguns restos ficaram conservados, de modo que podemos imaginá-los, também ficaram conservados em remanescentes, de modo que os podemos representar. Acima de tudo, tais animais também tinham uma enorme barriga e um enorme estômago, mas eles tinham uma cabeça que se parecia mais ou menos com a cabeça de uma foca atual, era, porém mais grosseira. Os olhos quase já se haviam escurecido enquanto os olhos dos animais precedentes luziam. Eles já tinham quatro patas, umas patas muito toscas. Mas, além disso, esses seres estavam totalmente recobertos de pelos muito delicados e as patas na realidade se assemelhavam a mãos grosseiras.
E esses animais levavam uma vida estranha naquela Terra. Durante certos períodos eles ficavam em terra firme, porém, lá no fundo embaixo dentro da lama, e eles se moviam dentro daquela lama. E, principalmente os seus peitos se mexiam. Eles tinham enormes peitos que eram meio pulmões e meio peitos. Era com se os pulmões ainda estivessem totalmente voltados para fora. Em determinados momentos eles se aproximavam das florestas, patinhando e nadando, e comiam aquelas árvores de fetos. Assim, de comedores de fogo os animais passaram a ser comedores de plantas.
Aqui havia destes animais totalmente recobertos de cabelos como os das mulheres, que tinham enormes cabeças como se fossem cabeças grosseiras de focas. Se naquele tempo fôssemos passear por ali poderíamos ver aqueles animais e o modo como eles viviam em geral lá embaixo, como respiravam sob a água, sempre reapareciam, sentavam nas margens, serviam-se das florestas. Nelas eles comiam com suas enormes bocas uma grande porção daquele alimento que hoje não se poderia exatamente comer mais como refeição; eles comiam principalmente muita coisa retirada dessas imensas florestas. Esses são animais que, digamos, ainda estão totalmente preservados, e que hoje são chamados de vacas marinhas! . . . (lacuna no texto).
– E como surgiram realmente esses animais? Sim, vejam, eles surgiram porque os antigos animais comeram os animais do ar. E o seu corpo foi transformado pelas forças elétricas. As vacas marinhas não surgiram diretamente dos Ictiosáurios que eu descrevi, porém de animais parecidos. Aquilo que anteriormente eles haviam comido transformou-se em sua aparência externa. Aquilo que eles absorveram interiormente tornou-se o seu feitio exterior. Foi comendo que estes animais se transformaram.
Quer dizer, isto é o que deve ser acrescentado agora à atual ciência natural. Vejam, na verdade, antigamente tudo também era muito mais mole do que hoje sobre a Terra; esses animais adotaram as formas que neles foram feitas pelo que comeram dos animais do ar.
E estes pássaros-dragões, por seu lado, tiveram de mudar a sua forma, porque na verdade também não existiam mais no ar aqueles materiais que antes houvera por ali. Eles caíram para mais próximo da Terra e então surgiram aos poucos as aves posteriores.
Mas, lá embaixo, mediante o comer, foi sempre surgindo um novo formato. Assim, por exemplo, de um animal semelhante ao Plesiosáurio originou-se outro com quatro pernas, como quatro enormes colunas, embora suportando uma enorme barriga, com uma cabeça que também era semelhante à cabeça de uma foca, porém tosca, e ele tinha uma cauda. Era também um animal gigantesco. Ele era realmente muito grande. Se os senhores pisarem numa minúscula corruíra, ela naturalmente ficará embaixo do seu pé. Aquele animal poderia tranquilamente ter colocado a pata sobre uma avestruz e era tão grande que a teria pisoteado até a morte. Desse animal também existem remanescentes. Dão-lhe o nome de Megatério.
Esses animais também se movimentavam lentamente, o que se refletiu na sua constituição, também na medida em que avançam sobre quatro colunas; depois que a condição do ar se alterou eles igualmente se alimentavam daquilo que lhes voava para dentro da enorme boca, dentro da qual ainda havia dentes de crocodilo, embora um pouco mais fracos. Alguns outros animais se mantiveram, de modo que por ali ainda se agitavam animais parecidos com os sáurios, como crocodilos. Mas aqueles Megatérios, quando chegavam, pisoteavam-nos simplesmente até a morte. Sim, era assim que as coisas aconteciam!
E somente agora, após tudo aquilo haver ocorrido, aconteceu do ar livrar-se aos poucos daqueles vapores de água – pois tudo aquilo vivera dentro de vapores de água -e chegou a época em que pela primeira vez o Sol realmente pode atuar corretamente sobre a Terra, pois antigamente os raios solares sempre eram impedidos de atuar porque o ar era como um mar, conquanto rarefeito, porém era como um mar; nele os raios solares eram retidos. De modo que na realidade os raios solares somente passaram a descer até a Terra numa época posterior.
Sim, meus amigos, os senhores também precisam refletir mais um pouco sobre essa questão, e de uma maneira interior! Aqueles animais que se encontravam lá embaixo, os Ictiosáurios, os Plesiosáurios – as vacas marinhas e, posteriormente os Megatérios – ora, todos eles eram animais muito imbecis. O Ictiosáurio ainda era o mais inteligente, mas os outros eram efetivamente muito estúpidos. Mas não se pode dizer a mesma coisa dos pássaros-dagrões que se encontravam lá no alto. Eu já lhes disse anteriormente: estes possuíam uma incrível e delicada sensibilidade. Os senhores diriam: nós, seres humanos, somos mais inteligentes, nós não voaríamos como aqueles pássaros-dragões para dentro das goelas dos Ictiosáurios. – Todavia, eu não acredito nisso. Se os senhores tivessem vivido naquela época como pássaros-dragões, os senhores também teriam, por certo, voado para dentro das goelas. Entretanto, esses pássaros eram inteligentes. E eles tinham em primeiro lugar uma sensibilidade muito sutil para com a Lua e para com o Sol, assim como a tem o nosso olho, e dessa maneira eles sentiam com todo o seu corpo, isto é, com suas asas que hoje são imitadas, embora em pequena escala, pelas asas dos morcegos, as quais, na verdade, também são extremamente sensíveis.
Ora, esses animais eram sensíveis ao Sol e à Lua; à Lua, conforme já relatei, de tal modo que eles formavam ao redor de si uma espécie de envoltório eletromagnético que alumiava. E quando a Lua brilhava sobre o ar ígneo eles também começavam, como os vaga-lumes, a rebrilhar, a reluzir, a cintilar no ar com sua própria força luzente. Mas eles se davam conta de tudo isto. E não é necessário empregar nenhuma fantasia, porém pode-se proceder muito cientificamente para também poder saber que esses animais sentiam que o firmamento com astros era algo diferente dele sem astros. Na presença do firmamento eles se sentiam de modo a ter um grande bem-estar em suas asas quando os astros luziam sobre elas, razão pela qual as asas ficaram salpicadas.
Atualmente é possível comprovar esse fato até um determinado ponto se lhe dedicarmos muita atenção. Naturalmente, muito pouco ficou conservado desses pássaros, os quais tinham, na verdade, um complexo corpóreo muito mole, e quase não se consegue encontrá-los nas petrificações; mas é possível encontrar impressões das suas asas. Aquele que realmente souber estudar muito bem as petrificações, ou seja, as petrificações calcárias, as petrificações mais moles, este acaba encontrando tais impressões das asas. Mas é necessário que tenhamos a mente aberta, não podemos tê-la tão fechada como um professor catedrático. Portanto, havendo aqui um desses pássaros-dragões, que tenha deixado a sua impressão -da asa naturalmente não restou mais nada, mas sim a impressão no calcário -, nesta já é possível descobrir, se a examinarmos cuidadosamente, que ali se encontra impressa simultaneamente toda sorte de astros. São justamente os vestígios da impressão que os astros deixaram durante a noite sobre as asas dos morcegos. Estes morcegos sentiam se era dia ou se era noite.
Nesta altura não precisarei descrever-lhes muita coisa mais, pois os senhores já podem dizer a si próprios: – Ora, esta questão tem uma espantosa semelhança com aquilo que eu lhes descrevi aqui recentemente a respeito do fígado e dos rins! – O ser humano continua carregando em sua atual barriga, dentro de si, uma espécie de cópia do modo como as coisas aconteciam sobre toda a Terra. E aqueles pássaros-dragões eram como olhos da própria Terra. Ou seja – hoje posso dizer-lhes isso apenas para finalizar -, toda a Terra era um peixe, era um animal, e todos aqueles gigantescos animais viveram na Terra e andaram por ela e por ela chapinharam, da mesma forma como os corpúsculos brancos do sangue vivem dentro de nós.
Dentro de nós ainda somos uma Terra como aquela. Os corpúsculos brancos do sangue que de resto, embora sejam pequenos, não deixam de ser semelhantes a eles em seu feitio, às vezes quase têm o aspecto, em sua pequenez, dos animais daquela época. De tal modo, portanto, que a Terra toda era um enorme peixe, um gigantesco animal e aqueles pássaros-dragões eram os olhos móveis com os quais a Terra contemplava e percebia o firmamento, o espaço solar, o espaço universal.
Que a Terra esteja morta hoje em dia, isso só surgiu muito mais tarde. Originalmente a Terra era viva, da mesma maneira como nós somos vivos. E aquilo que eu lhes descrevi acima como Megatérios, como vacas marinhas, Plesiosáurios, Ictiosáurios e tudo o mais, ora, aquilo tem uma espantosa semelhança, só que com enormes dimensões, com o que atualmente perambula pelo nosso corpo afora como corpúsculos brancos. E aquilo que eu descrevi ainda como pássaros-dragões, tem uma espantosa semelhança com o que se passa em nosso olho, só que neste, isso está imóvel.
E, dessa maneira, pode-se dizer: a Terra foi outrora um imenso animal que, em conformidade com a sua dimensão era bastante preguiçosa e girava apenas lentamente sobre o seu eixo dentro do Universo, mas que olhava para fora para este Universo através daqueles pássaros-dragões, que não eram senão olhos móveis que ficavam contemplando aquilo tudo. E o que eu lhes descrevi ali, aquela comilança de fogo e assim por diante, tudo aquilo também se assemelha espantosamente com o que ainda hoje se passa no estômago e nos intestinos. E os pássaros-dragões, por sua vez, mostram uma espantosa semelhança com o contraste dos corpúsculos brancos do sangue e as células cerebrais, conforme eu lhes descrevi, os quais na verdade se estendem para dentro dos olhos.
Em resumo, os senhores poderão compreender a Terra se a conceberem como um animal morto. A Terra é um animal morto. E somente depois que a Terra perdeu a sua própria vida, os outros seres, aos quais, conforme eu lhes descrevi o ser humano foi acrescido, puderam passar a viver sobre a Terra.
É exatamente como se nós morrêssemos como seres humanos e os corpúsculos brancos do sangue se convertessem em entidades independentes. Foi isso que se passou antigamente sobre a Terra com aquele gigantesco animal. E hoje nos postamos diante desse imenso cadáver. Não é de admirar que os geólogos da atualidade, os quais somente sabem estudar coisas mortas, estudem apenas o cadáver. Os geólogos da atualidade estudam apenas o cadáver. Em toda parte a ciência faz a mesma coisa, isto é, ela estuda apenas a coisa morta. Ela coloca o cadáver sobre a mesa de autópsia. No entanto, se quisermos efetivamente conhecer alguma coisa, será necessário que se retroceda para a coisa viva. Houve uma época em que a Terra foi viva, em que ela voou pelo espaço do Universo, movendo-se muito lentamente sem dúvida, como um imenso animal, e ela pôde olhar para fora pelos olhos que ela possuía em toda parte, que eram os pequenos pássaros-dragões móveis. Com estes ela olhava para fora, para o espaço dos mundos.
Da próxima vez teceremos considerações adicionais a esse respeito, pois se trata de um assunto muito interessante.
Rudolf Steiner – GA 347 – Dornach, 20 de setembro de 1922
Tradução: Gerard Bannwart
GA 347 – Dornach, 16 de setembro de 1922
CONFERÊNCIA AOS TRABALHADORES – CONFERÊNCIA VI
O PROCESSO DO NUTRIÇÃO DO PONTO DE VISTA FÍSICO-MATERIAL E ANÍMICO-ESPIRITUAL
– Ptialina, pepsina, tripsina. – Sentir o fígado. – Secreção biliar. – Amido: açúcar; albumina: albumina líquida, formação de álcool; gorduras: glicerina, ácidos graxos; sais permanecem sais. – Sobre a morte de Paracelso. – Absorção de grandes porções de álcool. – A enxaqueca. – O cérebro no líquido cerebral. – Principal diferença entre homem e animal. – Sais e fósforo como os principais materiais no cérebro humano. – Sal e pensar, fósforo e vontade.
A fim de que os senhores obtenham uma imagem mais completa das coisas, eu quero discorrer com maior precisão sobre aquilo que realmente se passa a cada dia, em certos processos, no complexo corpóreo humano. Pois só se consegue entender processos superiores quando se conhece efetivamente certos processos inferiores. Por isso quero discorrer hoje, mais uma vez, sobre todo o processo da nutrição, tanto pelo lado material e físico, como também pelo anímico.
Nós comemos; quando comemos, primeiramente colocamos os alimentos na boca. Dessa maneira, tiramos proveito dos alimentos sólidos e dos líquidos, pois os alimentos aeriformes nós os absorvemos pela respiração, pelo pulmão. Portanto, tiramos proveito de alimentos sólidos e líquidos. Mas, dentro do nosso corpo, apenas podemos tirar proveito de líquidos. Já por esse motivo, o sólido precisa ser desfeito na boca, até o ponto de chegar ao estado líquido. Em princípio isso se realiza na boca. Isso só pode ser realizado na boca, nessa abóbada palatina, porque em toda a cavidade bucal em geral, encontram-se pequenos órgãos chamados glândulas, e essas glândulas segregam saliva continuamente.
Portanto, é preciso imaginar que, por exemplo, pelos lados da língua, existam essas glândulas. Elas são pequenas formações dispostas de tal forma que, ao serem cuidadosamente examinadas sob o microscópio, elas parecem cachos de uvas; elas estão alojadas juntas, umas às outras, na forma exposta, como células. Essas glândulas derramam saliva. A saliva desfaz os alimentos, penetrando neles. Os alimentos precisam ser ensalivados na boca; caso contrário, não servirão para o organismo humano.
Ora, aqui se exerce uma atividade – pois a salivação é uma atividade, a penetração dos alimentos com saliva é uma atividade – e nós a percebemos, nós a apreendemos pelo sabor. Nós saboreamos os alimentos durante a salivação, pelo sentido do paladar. Da mesma maneira como percebemos cores pelos olhos, percebemos o sabor da comida pelo sentido do paladar.
Portanto podemos dizer: a comida é ensalivada e saboreada na boca. Assim, pelo sabor, obtemos uma consciência da comida. E pela salivação a comida é preparada de forma a poder depois ser absorvida por outro complexo corpóreo. Mas é preciso que a saliva bucal contenha certo material, senão os alimentos não podem ser preparados de forma a se tornarem adequados ao estômago. É preciso haver um determinado material ali dentro da saliva. E este material também se encontra efetivamente ali dentro, sendo chamado de ptialina. Portanto, tal ptialina é derramada na boca pelas glândulas salivares. E a ptialina é o primeiro material que elabora os alimentos a fim de se tornarem adequados ao estômago.
Depois disso, os alimentos ensalivados e elaborados pela ptialina seguem pelo esôfago, pela garganta, para dentro do estômago. No estômago eles precisam ser ainda mais elaborados. Para isso, por sua vez, é preciso haver outro material no estômago. Este é secretado produzido pelo estômago. De um modo semelhante ao da boca com a saliva e a ptialina, também é produzida uma espécie de saliva no estômago. Só que esta saliva estomacal já contém um material um pouco diferente. Este passa, mais uma vez, a salivar os alimentos no estômago. De modo que podemos dizer: dentro do estômago, em lugar de ptialina, há pepsina.
Vejam também como no estômago do adulto e até mesmo no da criança após os sete anos, não há mais paladar. Mas o lactente ainda saboreia o alimento no estômago, da mesma forma como o adulto o saboreia na boca. Portanto, aqui já precisamos entrar no anímico da criança de peito se quisermos compreender o ser humano. O adulto obtém, quando muito, um conceito desse paladar do estômago, no momento em que este já está um pouco arruinado, e as coisas do estômago sobem em vez de irem para baixo. Então o homem obtém até uma representação de haver um paladar no estômago. Suponho que pelo menos alguns dentre os senhores já passaram por isso, ou seja, por ter voltado novamente alguma coisa que já se encontrava no estômago, e estes hão de saber que isso tem realmente um sabor muito pior do que tudo aquilo, ou pelo menos que a maior parte daquilo que se come.
E aquilo que tem o mesmo sabor das coisas que sobem do estômago certamente não seria considerado muito saboroso. Com certeza não se aprecia comer as coisas que têm o sabor que volta, daquilo que sobe do estômago. Mas o sabor encontrado ali no bolo alimentar. que voltou a subir, precisa ser formado em algum lugar. Ora, ele é formado justamente no estômago. Na verdade, a comida é apenas empepsinada na boca. E, em consequência, ela adquire justamente outro sabor. Por outro lado, a própria questão do sabor já é um assunto nada fácil!
Vamos admitir alguém muito sensível bebendo água; ora, em geral esta água não terá exatamente um sabor desagradável, a menos que se trate de uma água estragada. Conquanto seja preciso, naturalmente, ser um tanto sensível para isso, se alguém derreter uma boa porção de açúcar sobre a sua língua e a língua tiver se habituado ao sabor, poderá parecer, em contato subsequente com a água, que essa lhe pareça levemente ácida. Sabor é um caso à parte. Mas na forma em que o adulto o conhece ele não se desenvolve na boca, porém no estômago. No entanto, como a criança naturalmente ainda não sente, nem pensa, ela não conhece o sabor da mesma forma como o adulto conhece o sabor bucal. Por isso a criança precisa receber um alimento que não venha a ter um sabor muito desagradável no estômago.
E este é justamente o leite materno ou o leite em geral, por não adquirir um sabor muito desagradável no estômago e por ter a criança afinidade com o mesmo. Pois ela nasceu exatamente de um complexo corpóreo apto a produzir leite. Por isso a criança sente afinidade pelo leite. Por isso o leite não lhe proporciona um sabor desagradável. No entanto, se a criança começasse a receber outros alimentos cedo demais, ela teria nojo dos mesmos. O adulto não tem mais nojo porque o seu paladar se embruteceu. Mas a criança acharia nojentos os alimentos por não terem afinidade com ela, por serem alimentos exteriores.
Dessa maneira, vocês veem como, a partir do estômago, depois do alimento ter sido ensalivado pela pepsina no estômago, ele entra sucessivamente no intestino, no intestino delgado, no intestino grosso, espalhando-se a pasta alimentar pelos intestinos afora. Posso escrever aqui, ao lado do estômago: paladar infantil.
Quando a pasta alimentar se espalha, então, por ali e se nada lhe acontecesse, ora, então ela se converteria numa massa dura, empedrada, dentro dos intestinos, levando o ser humano à morte. Mas ali dentro outra coisa começa a ser feita com a pasta alimentar.
Pois o que é feito ali dentro começa a realizar-se por intermédio de uma glândula. Temos glândulas na boca, temos glândulas no estômago e também temos uma grande glândula situada atrás do estômago. Assim, se aqui está o estômago, então, atrás dele, olhando-se de frente para o homem, atrás do estômago, está uma glândula relativamente grande, ou seja, o estômago encontra-se na frente da glândula. Portanto, essa glândula encontra-se atrás do estômago. Por sua vez, essa grande glândula, chamada pâncreas, segrega uma espécie de saliva que segue por dentro de estreitos canais, para os intestinos.
Desse modo a comida é ensalivada uma terceira vez nos intestinos. E o material que ali é segregado pelo pâncreas passa a transformar-se dentro do homem. Primeiro o pâncreas o segrega. Nesse aspecto ele é semelhante à pepsina do estômago. Entretanto, em seguida, a caminho dos intestinos, ele se transforma. Ele torna-se mais picante. Pois, nesta altura, a comida precisa ser atacada com mais severidade do que antes. E essa espécie de material salivar mais picante, segregada pelo pâncreas, é denominada tripsina. Portanto, temos o pâncreas como terceira etapa. Este segrega a tripsina – pelo menos ele segrega algo que se converte no suco picante da tripsina dentro dos intestinos. Com isso a pasta alimentar é ensalivada uma terceira vez. Em troca, aqui lhe acontece algo de novo.
Isso já não pode mais ser percebido pela consciência do homem em sua cabeça, como eu lhes havia dito da última vez, porém agora aquilo que se origina desse bolo alimentar é percebido, degustado ou sentido pelo fígado e é pensado pelos rins. Portanto, tudo aquilo que se passa nos intestinos é pensado pelos rins e é percebido pelo fígado. Por conseguinte, há algo anímico sediado nos rins e no fígado e esse algo é capaz de perceber, do mesmo modo como o homem percebe pela cabeça. Só que o homem nada sabe sobre isso. Quando muito, conforme eu lhes disse da última vez, ele sabe um pouco quando sonha: nesse caso a coisa chega a sua consciência justamente na forma de imagens. Como a pasta alimentar sempre serpenteia pelos intestinos, misturada à tripsina, ela exerce um estímulo percebido pelo homem no sonho, como serpentes. Portanto, o que o homem percebe por ali é uma conversão num anímico turvo e indistinto.
Ora, nesse ponto o fígado percebe toda essa situação pela ptialina, pela pepsina e pela tripsina. Tenho de expressar essas coisas desta forma, pois lamentavelmente a ciência lhes deu nomes tão horríveis e, considerando que também se é visto de uma forma muito antipática pela ciência quando se quer esclarecer um desses assuntos, então a ciência ficaria de cabelos totalmente em pé se ainda déssemos novos nomes às coisas: até poderíamos fazê-lo, mas, para a ciência não ficar desnecessariamente de cabelos em pé, nós não o fazemos, continuando a empregar os velhos nomes, ptialina, pepsina, tripsina. Portanto, é dessa maneira que as coisas são ensalivadas pela terceira vez. E, na base disso, está situado um sentir do fígado.
Meus amigos, os senhores podem esclarecer-se a respeito do que seja esse sentir do fígado quando se lembrarem como ficamos – se já fizeram isso alguma vez -quando aproximamos uma cebola muito picante do nariz. Logo brotam as lágrimas. Mas lágrimas também brotam quando aproximamos a raiz forte do nariz. Ora, de onde vem isso? Isso procede do fato de a raiz forte ou de a cebola agir sobre as glândulas lacrimais e estas então segregam lágrimas amargas. Pois mais ou menos semelhante ao caso da cebola ou da raiz forte é esse processo da pasta alimentar nos intestinos. O fígado segrega bílis da mesma forma como os olhos segregam lágrimas. A cebola precisa ser percebida para provocar lágrimas: ela precisa ser sentida. O fígado sente a pasta alimentar da mesma forma, isto é, segregando a bílis que lhe é acrescentada. Essa é a quarta coisa.
Boca: gosto, ptialina
Estômago: gosto infantil, pepsina
Pâncreas: sentir o fígado, tripsina
Fígado: bílis
Agora, após haverem agido, a boca pela ptialina, o estômago pela pepsina, o pâncreas pela tripsina, acrescenta-se à pasta alimentar nos intestinos a bílis a partir do fígado. E só depois vem o pensar pelos rins.
Após ser ensalivado por quatro vezes, o bolo alimentar preparado dessa forma, isto é, ensalivado por quatro vezes… só depois disso, ele passa pelas paredes intestinais para os dutos linfáticos e em seguida para o sangue. Portanto, podemos dizer: no corpo humano existe um processo vital extremamente complicado. A partir da boca e até entrar no sangue, o bolo alimentar é continuamente transformado a fim de poder ser corretamente digerido, não só pelo estômago, porém por todo o corpo humano.
Por outro lado, isso é novamente realizado de uma forma diferente. Pensem bem. Na verdade, não se pode afirmar que os senhores estejam num laboratório químico, pois, mesmo que fossem os mais inteligentes dos professores, se precisassem realizar tudo isso nesse laboratório, os senhores não conseguiriam realizá-lo se tivessem de mastigar primeiro a comida misturada com a saliva bucal, depois com a saliva estomacal, depois com a saliva intestinal e finalmente com a bílis! Mas tudo isso é realizado dentro dos senhores, os senhores o realizam diariamente sem cessar. Mas se tivessem de realizá-lo no laboratório, certamente não o conseguiriam. Embora o ser humano possua um intelecto, aquilo que se passa em sua barriga de forma compreensível, passa-se ali de uma forma muito mais inteligente do que são em geral os homens na Terra. Esse processo que se realiza ali é muito sábio e muito inteligente. Simplesmente não se consegue imitá-lo.
Não obstante, os senhores terão um respeito muito maior ainda por esse processo assim que eu lhes descrever os seus detalhes. – O que come o homem? O homem come materiais vegetais, animais, minerais, introduzindo dessa maneira os mais variados materiais em sua boca, em seu estômago e em seus intestinos, materiais que precisam ser convertidos, modificados pela salivação.
Imaginem que os senhores estejam comendo batatas. Em que consiste a batata? A batata consiste principalmente no que se tem no amido. Os senhores até mesmo sabem que amido é feito a partir da batata. Portanto, na realidade, ao comerem batatas os senhores comem amido. Por conseguinte, essa é uma das principais coisas que se come – nós comemos amido. Existem muitas coisas semelhantes ao amido. A batata consiste quase inteiramente de amido, o qual está impregnado apenas por um único líquido, a saber, a água. E por esse motivo a batata tem o aspecto que tem – além disso, ela tem tal aspecto por estar viva e não morta. Na realidade, a batata é um amido vivo. Por conseguinte, como eu já lhes disse, nela precisa ser aniquilada a vida. Nesse momento ela passa a ser amido puro. As plantas contêm amido em toda parte; o que quer que se coma do reino vegetal contém amido.
O que mais comemos? Quer comamos a partir do reino vegetal ou do reino animal, também comemos albumina. Até mesmo no ovo comum come-se albumina; ali a temos como ela efetivamente é, só um pouco amortecida. Mas também se come albumina misturada na carne muscular ou nas plantas. Na realidade come-se albumina o tempo todo. Portanto, a segunda coisa que se come é albumina e materiais similares à albumina.
A terceira coisa que se come e que difere do amido e da albumina, são as gorduras. Gorduras são materiais diferentes do amido e da albumina. Há menos gorduras nas plantas que nos animais. Há as assim chamadas gorduras vegetais. O homem necessita de gorduras ou do reino vegetal ou do reino animal, para nutrir-se adequadamente. Portanto, as gorduras são o terceiro material contido no que o homem absorve como alimento.
E como quarto material contido no alimento, há os sais. O ser humano sempre precisa ingerir aqueles nutrientes que por natureza já contém suficientes sais ou pelo menos alguns deles, ou ainda, como os senhores sabem, também é possível colocar um saleiro sobre a mesa e, conforme o caso, acrescentar o sal do saleiro à sopa ou a outros alimentos, com os dedos ou com uma colherinha ou com a ponta da faca. Mas sal se come. Todos nós necessitamos dele. Esse é o quarto material que se come, e ali devo escrever sais, pois são vários sais.
Tudo isso entra no intestino e tudo é modificado dentro dele.
– Agora, meus amigos, qual é o resultado de tudo isso? A comida, por ter sido muito bem preparada pela saliva da boca e pelos sucos digestivos do estômago, pode ser ensalivada uma terceira vez no intestino e não endurece; mas é transformada.
amido : açúcar
albumina : albumina líquida
gorduras : glicerina, ácidos
sais : sais
Em que será transformado o amido? O amido transformar-se-á em açúcar. Ele se transformará de tal modo que, ao comerem amido, os senhores recebem açúcar em seu estômago. Se quisermos ter açúcar dentro de nós, se quisermos chegar a ter uma quantidade suficiente dele, não é absolutamente necessário comê-lo pelo simples motivo de que nós próprios o fazemos. Mas também é verdade que o homem não consegue fazer de tudo, dentro de si, embora a natureza humana consiga fazer muita coisa. Assim, há alguns casos de pessoas nas quais se produz pouco açúcar ou até mesmo pouquíssimo açúcar. Em tais casos é necessário adicionar mais açúcar à comida ou então adicionar-lhe açúcar para que este já penetre pronto nos intestinos, o que em outros casos os próprios intestinos até já fazem na vida normal. Do amido os intestinos fazem açúcar. E essa é uma grande arte.
Mais uma coisa: com certeza os senhores já sabem que pessoas de estômago fraco se dão melhor comendo ovos moles que comendo ovos muito duros. Além disso, se os ovos já tiverem um cheiro um tanto forte, então eles realmente lhes fazem mal. Embora seja verdade que a albumina é um bom alimento, se a introduzíssemos nos intestinos em seu estado vivificado, ela também se tornaria mal cheirosa e inaproveitável ali dentro de nós. Não podemos empregar a albumina em nosso intestino na mesma forma em que ela se encontra lá fora. Essa albumina precisa ser transformada e, acima de tudo, também precisa ser dissolvida. Mas se a colocarmos simplesmente na água, ela não se dissolverá. É preciso haver alguma coisa muito diferente a fim de que ela seja dissolvida. Ora, o que dissolve a albumina muito bem é a tripsina. Desta maneira, da albumina resulta albumina líquida.
E, ao mesmo tempo em que resulta albumina líquida, forma-se outra coisa no organismo humano: por influência dessa saliva intestinal do pâncreas, se forma mais uma coisa. A saber, por mais engraçado que isso pareça ser, forma-se álcool. O homem produz álcool dentro de si. Não é necessário tomar qualquer álcool, pois temos uma fonte de álcool dentro de nós. O álcool tem origem nos intestinos. E se as pessoas se tornam alcoólatras, isso se deve unicamente ao fato do seu fígado ter-se tornado muito ávido. Ele não se contenta com perceber o álcool formado em pequenas quantidades nos intestinos; ele exige mais, e então as pessoas se embebedam.
Vejam. As pessoas que já sabem disso chegam a alegá-lo como pretexto para beber vinho e cerveja. Elas dizem: “Andam por aí uns alcoólicos anônimos, mas o homem é incapaz de ser alcoólico anônimo uma vez que ele próprio produz álcool em seus intestinos”. Oral Isso naturalmente não pode servir de pretexto para nos tornarmos beberrões, nem para bebermos álcool em excesso. Pois, se passarmos a beber muito álcool, isto é, se cedermos ao fígado em sua avidez por álcool, ele degenera diante de tudo isso e passa a intumescer. Porquanto o fígado precisa ter atividade. Então ele aumenta e as pequenas glândulas incham. E, embora o fígado precise trabalhar na produção de bílis, ele passa a não produzir uma bílis regular.
A pasta alimentar não será regularmente impregnada com a bílis nos intestinos. Ela passará para os vasos linfáticos e para os vasos sanguíneos como uma pasta alimentar irregular. Posteriormente isso entra no coração e também o ataca. Por esse motivo, as pessoas que bebem muita cerveja têm um fígado doentio e um aspecto completamente diferente daquelas que bebem pouca ou até se contentam com o pouco de álcool dos próprios intestinos humanos, o qual realmente, em princípio, já é suficiente. Um fígado degenerado e um coração degenerado são a consequência do consumo excessivo de álcool. Daí provém o conhecido coração de cerveja de um grande número de habitantes de Munique. Junto com o coração, o fígado também estará sempre degenerado. Vejam: passa-se a entender a degeneração e as várias outras doenças quando se examina dessa forma o percurso diferenciado da pasta alimentar no organismo.
Dessa maneira, acabo de informar-lhes o resultado da liquefação da albumina. Aqui o álcool penetra na albumina e impede a formação de mau cheiro. Vocês sabem que ,para guardar algo vivo, é necessário guardá-lo no álcool, porque este, como se diz, conserva as coisas. Ele consegue mantê-las. A albumina também consegue conservar-se, manter-se no organismo, quando é colocada no álcool pelo próprio organismo. Isso é extremamente inteligente.
Trata-se, todavia, de processos tão sutis, os que ocorrem ali, que o homem não conseguiria fazer tudo isso. Digamos que ele quisesse conservar algum membro humano ou um pequeno organismo ou um pequeno ser vivo, ele então o colocaria no álcool, expondo-o em sua sala de ciência natural, em seu laboratório. Muito bem. Mas a tripsina faz isso de uma forma muito mais sutil e engenhosa dentro do intestino humano: ela faz derramar álcool e coloca a albumina no álcool.
E o que acontece com as gorduras? Ora, meus amigos, as gorduras, por sua vez, entram no intestino e são transformadas, em combinação com a bílis, por aquilo que é segregado pelo pâncreas. E então, da gordura resultam duas espécies de materiais. Um material é a glicerina. Os senhores conhecem a glicerina aqui de fora, mas os senhores também produzem glicerina dentro de si, diariamente. O outro material é o ácido. Portanto, das gorduras resultam a glicerina e os ácidos, toda sorte de ácidos.
E só os sais permanecem iguais, são pouco alterados, quando muito eles são dissolvidos a fim de se tornarem mais digestos. Mas na realidade eles permanecem iguais ao estado em que foram absorvidos. Portanto, sais continuam sendo sais.
Desse modo, ingerimos com os respectivos alimentos elementos de amido, elementos de albumina, elementos de gordura e sais. E após havermos feito a digestão, teremos, em lugar desse amido, dessa albumina e gorduras: açúcar, albumina líquida dissolvida, glicerina, ácidos e sais.
E o que se dará agora com o que temos aqui, dentro de nós? Porque dentro de nós temos algo totalmente diferente do que havíamos comido. Com efeito, transformamos todas aquelas coisas.
Vejam. Há alguns séculos ainda vivia na Suíça um médico – embora ele viajasse por muitos lugares distantes – um médico que é muito desprezado pela ciência contemporânea, mas que ainda possuía uma noção de todos esses processos. Era Paracelso. Ele foi professor na Basiléia, Suíça. Mas os sujeitos o expulsaram de lá porque ele sabia mais que eles. Em geral ele continua sendo injuriado até os dias de hoje. Embora fosse um homem muito inteligente, aconteceu-lhe de cair de um rochedo e arrebentar a cabeça. Passara a última parte da sua vida em Salzburgo, Áustria. Era médico. Se houvesse sido um cidadão respeitável, como são chamados atualmente, ou um membro do Conselho Municipal, teriam conservado dele a melhor das recordações. Mas era um homem que sabia mais do que os outros. E então disseram: “Ele era um beberrão, ele estava bêbado e por isso caiu do rochedo”. Ora, o mundo é assim mesmo! No entanto, ele ainda sabia alguma coisa a respeito do mundo e sempre apontava insistentemente para o fato de existir uma força transformadora dentro do ser humano. Mas na verdade isso foi esquecido desde aquela época, durante muitos séculos.
E o que ocorre agora com tudo aquilo que se encontra ali dentro? Agora a ciência se entrega novamente a uma grande ilusão. Pois vejam, agora a ciência diz: “Tudo aquilo que resulta como açúcar, albumina líquida, como álcool, glicerina, ácidos graxos e sais, tudo aquilo entra nos vasos sanguíneos e por dentro deles segue para dentro do coração, e somente a partir do coração é enviado pelos vasos sanguíneos ao restante organismo”.
Eu diria que por certo isso poderia ser assim e que também é assim quanto ã parte mais espessa que permanece ali – tudo é líquido, mas mesmo entre as coisas líquidas há líquidos mais espessos: esse liquido mais espesso segue pelas veias e abastece o corpo a partir delas. No entanto, meus antigos, os senhores nunca notaram, porventura, que, havendo aqui um copo com água, e que juntando-se-lhe açúcar e bebendo-a em seguida não é só o fundo com o açúcar que fica doce? Toda a água do copo fica doce, não é verdade? Pois o açúcar, ao ser liquefeito, dissolveu-se em toda a água. A mesma coisa faz o sal. Dentro do recipiente de água, não há veias para levarem primeiramente o açúcar ou o sal para todas as partes, mas sim, estes são absorvidos.
Já faz algum tempo que eu lhes disse que o ser humano consiste em realidade de 90 por cento de água ou, pelo menos, de líquido. É água viva, porém é água. Ora, será que os materiais ali presentes precisam passar primeiro por veias para depois irem para o corpo todo? Será que o açúcar produzido ali dentro dos intestinos precisa ir primeiro para as veias, para depois seguir para o corpo todo? Ou o homem consistirá de água para que o açúcar possa espalhar-se diretamente dentro dele?
Pois bem. Quando uma pessoa se torna alcoólatra, dizia-se que todas as partes do álcool que ela toma seguem pelos intestinos para o coração e, a partir deste, para todo o corpo. Mas eu posso assegurar-lhes, meus amigos, se todo o teor de álcool que o alcoólatra derrama dentro de si mesmo, passasse primeiro pelo coração, ele não sucumbiria pelo álcool após alguns anos, porém ele já sucumbiria após alguns dias.
Na realidade, isso é passível de comprovação, este fato de que aquilo que se toma desse modo como líquido não passa primeiro pelas veias para todo o corpo, porém passa para o corpo, do mesmo modo como o açúcar num copo de água passa para toda a água do copo. Quando alguém, tendo um organismo razoavelmente sadio, toma um copo de água e o toma por ter sede, então este primeiro copo de água é realmente elaborado nos intestinos, é adicionado à pasta alimentar e passa efetivamente, a partir daí, pelas veias e pelo coração, para o corpo. Mas, no momento em que as veias e o coração tiverem obtido água suficiente, então os senhores podem beber quanta água quiserem: ela não passará mais pelas veias, pois elas não precisarão mais dela.
Se os senhores beberem um copo ou um copo e meio de água, apenas o suficiente para matar a sede, então ela deixa o corpo em paz; no entanto, se os senhores beberem água em excesso, já no terceiro ou quarto copo, a água sai rapidamente pela urina. Ela não se dá ao trabalho de ir primeiro para o coração, mas sai simplesmente pela urina, pois o ser humano já é uma coluna de água e toda essa água seria excessiva para ele. Imaginem o que acontece quando pessoas se encontram na mesa cativa do seu bar chegando ao terceiro, quarto copo de cerveja; ali os senhores podem observar como um depois do outro começa a andar! Essa cerveja nem teve tempo de entrar primeiro no coração, ela sai novamente por um caminho muito mais curto, justamente por ser o homem um corpo líquido.
Assim podemos dizer: a pasta alimentar, que a essa altura consiste de açúcar, albumina líquida, glicerina, ácidos, sais, transfere-se para todo o corpo; somente a parte mais densa passa pelas veias para todo o corpo. E dessa maneira sucede que os sais são depositados na cabeça, que os sais são depositados em todos os demais órgãos, sais que sequer passam pelo sangue, porém penetram diretamente nesses órgãos.
Dessa forma os senhores veem: se fosse o caso de o homem continuamente dar-se conta de todo o sal depositado na sua cabeça, ele teria uma permanente dor de cabeça. Um excesso de sais na cabeça provoca dor de cabeça. Talvez os senhores já tenham ouvido falar alguma coisa sobre a enxaqueca. Aqui mesmo eu já falei sobre ela. Coisas podem ser explicadas de forma diferente em níveis diferentes. – Em que consiste a enxaqueca? A enxaqueca consiste em não estar em ordem aquela distribuição toda de sais, e em depositar-se um excesso deles na cabeça, a saber, um excesso de sais de ácido úrico.
Na enxaqueca, em lugar de serem eliminados com a urina os sais de ácido úrico, eles permanecem na cabeça, porque os demais alimentos não foram apropriadamente preparados e, portanto, retêm os sais. A enxaqueca não é nenhuma doença nobre, não obstante, em geral, exatamente as pessoas nobres a terem. A enxaqueca é uma doença muito indecente. Aquilo que deveria ser eliminado pela urina vai ficando do lado direito da cabeça, por já ter sido deteriorado lá no estõmago. Portanto, aquilo que age no organismo do lado esquerdo, age na cabeça, do lado direito. Adiante ainda demonstrarei o porquê disso.
E assim sucede das coisas que efetivamente deveriam ser eliminadas pela urina, serem depositadas ali, no lado direito da cabeça.
Quanto sal suporta o ser humano? Tentem lembrar-se do que eu já lhes disse uma vez. Lembrem de eu ter afirmado que a cabeça contém liquido cerebral. E simplesmente pelo fato de a água cerebral estar ali dentro, o cérebro torna-se tão leve a ponto de poder até mesmo existir no ser humano. Pois um corpo que está meramente suspenso no ar tem uma determinada gravidade, tem um determinado peso. Mas quando o mergulhamos na água, ele se torna mais leve. Se assim não fosse, não conseguiríamos nadar. Vejam. Se o cérebro não estivesse imerso na água, ele pesaria uns 1.500 gramas. Eu já lhes disse isso uma vez: o cérebro pesa apenas 20 gramas por nadar na água. É quanto ele fica mais leve que ele pesa apenas 20 gramas! No entanto, quanto maior a quantidade de sais depositada no cérebro tanto mais pesado ele fica, porque são justamente os sais que aumentam o peso do cérebro. Este simplesmente fica muito pesado devido aos sais.
Portanto, a esta altura podemos afirmar que no ser humano se dá o seguinte: quando ele deposita os sais no cérebro, o sal fica mais leve – todo o cérebro fica mais leve pelo impulso ascensional. Mas imaginem agora como no homem isso é diferente do animal. Pois os senhores devem imaginar que o homem tem a cabeça assentada sobre todo o seu organismo. No homem a cabeça tem um respeitável plano de apoio. Isso é diferente no animal. No animal a cabeça não tem aquele plano de apoio, porém ela fica simplesmente voltada, pendida para frente. – Qual é a consequência disso? Ora, no homem a pressão exercida pela cabeça, ainda que seja muito leve, é interceptada pelo corpo. Já no animal ela não é interceptada pelo corpo. Vejam! Nisso consiste a principal diferença entre o ser humano e o animal.
Os cientistas naturalistas sempre refletem sobre a forma como o ser humano evoluiu a partir dos animais. É até muito bom refletir sobre isso, mas não se pode considerar o homem dessa forma. Não se pode afirmar: “O animal tem tantos ossos e o homem também tem tantos ossos. O macaco tem tantos e tantos ossos e o homem também tem. Logo, ambos são a mesma coisa”. Não se pode absolutamente afirmar isso. No macaco permanece o fato de a cabeça pender para frente, por mais ereto que ele ande, mesmo ao tratar-se de um orangotango ou de um gorila. Já o homem está organizado de tal forma que a cabeça se assenta sobre o corpo, a fim de que toda a pressão seja interceptada pelo corpo. O que se passa aqui?
Ora, aqui se passa algo muito peculiar. Temos açúcar dentro de nós e albumina liquida, glicerina, ácidos, sais. Os sais sobem da barriga para a cabeça depositando-se nesta, mas, quando estão em excesso, eles precisam retornar, voltando, então, pelo corpo. No entanto, com relação aos restantes materiais, precisa acontecer outra coisa mais no corpo. E assim, enquanto sobem os materiais, acontece uma nova mudança. Esta mudança acontece simplesmente pelo fato de o corpo interceptar a força da gravidade. Os materiais tornam-se cada vez mais leves, ou melhor, apenas certa parte deles; a outra parte é depositada como um adensamento.
Da mesma forma como quando dissolvemos alguma coisa se deposita um sedimento, assim também se forma, de certa maneira, um sedimento em toda parte ao longo do trajeto da barriga à cabeça; as porções mais finas seguem para o alto e se transformam mediante essa força da gravidade que se tornou mais leve. E o que resulta ali, quando as partes mais leves dos alimentos que seguem até a cabeça são transformadas? Ali resulta dos alimentos uma espécie de fósforo. É isto, os alimentos efetivamente dão origem a uma espécie de fósforo, de tal forma que eles não se dirigem simplesmente para a cabeça. Muitas coisas tal como açúcar, glicerina e várias outras se elevam; contudo, parte dessas substâncias, antes mesmo de atingir essa proposta, transforma-se em fósforo.
Meus amigos, os senhores veem como obtemos sais na nossa cabeça, sais quase inalterados que foram absorvidos do mundo exterior, que entraram, ascenderam e espalharam dessa forma o fósforo em estado rarefeito, aeriforme, em estado realmente muito mais rarefeito que o ar. E estes são os principais materiais existentes na cabeça humana: sais e fósforo. Os outros materiais estão ali apenas para que ela possa manter-se como ser vivo. Mas os mais importantes são os sais e o fósforo. De maneira que podemos afirmar: o mais importante na cabeça do ser humano é o sal e o fósforo.
Por outro lado, também é possível comprovar, de uma forma que em breve eu ainda lhes mostrarei, que, quando o homem não possui uma quantidade certa de sal na cabeça, ele também não consegue pensar ordenadamente.
Precisamos ter uma quantidade certa de sal na cabeça para podermos pensar ordenadamente. Sal na cabeça — é disso que devemos nos servir para pensar. Acrescente-se a isso aquilo que eu já lhes falei em relação ao pensar. Pois as coisas no homem são mesmo muito complicadas.
E se tivermos simplesmente um excesso de fósforo dentro de nós, isto é, se comermos alimentos muito ardidos, então nos tornaremos terrivelmente irrequietos, seremos como alguém que quer agarrar tudo, seremos voluntariosos. Por isso, por termos o fósforo, por isso existe a vontade. E quando possuímos muito fósforo essa vontade começa a bulir conosco. E assim, quando o organismo, em geral por causa de toda a sua composição, passa a enviar fósforo em excesso para cima, para dentro da cabeça, o ser humano não começa apenas a tornar-se irrequieto, ou, como se diz, nervoso, a agitar-se pelo mundo — isso nada tem a ver com os nervos, mas tem a ver com o fósforo — porém ele começa a fazer um estardalhaço,
Cabeça { sal : pensar / fósforo : vontade
ele fica doido e furioso. Precisamos ter um pouquinho de fósforo dentro de nós, a fim de podermos ser volitivos de um modo geral. Mas quando produzimos muito fósforo em nós, enlouquecemos.
Ora, meus amigos! Nesse momento peço que os senhores passem a ponderar caso alguém lhes dê sal, sobre o modo de levar esse sal a pensar. Inicialmente eu sugeriria que tomassem um saleiro e tentassem fazer o sal pensar! Na verdade, os senhores fazem isso continuamente; dentro da cabeça fazem isso continuamente, empregam o sal para pensar. E agora, eu também lhes peço para tirarem um pouco de fósforo de um palito de fósforo° e pulverizarem-no até ficar bem fino; depois peço que lhe atem fogo por baixo e tentem queimá-lo. Ele que queira queimar! Até volatilizar ele volatiliza, mas queimar ele não queimará! Mas, por outro lado, os senhores fazem isso continuamente dentro de si.
Não digam agora que existe alguma coisa dentro dos senhores que seja realmente mais inteligente que esta nossa tola cabeça, que é muito pouco competente, que sequer consegue fazer um ser pensante a partir do sal, sequer um ser volitivo a partir do fósforo! Ora, isso dentro de nós é que podemos chamar de anímico-espiritual. Isso é o que vive, tece e podemos chamar de anímico-espiritual. Está inserido em nós, servindo-se do sal na cabeça para pensar e servindo-se do fósforo que ascende sutilmente até ela, como leve fumaça a fim de querer.
Dessa maneira, se observarmos isso de forma correta, penetraremos o anímico-espiritual a partir do corpóreo. Mas o que faz a ciência contemporânea? Ela já para na barriga. Ela sabe, quando muito, que o açúcar tem origem na barriga e assim por diante, mas logo em seguida, ela perde os vestígios das coisas no momento em que elas são dispersas um pouco adiante e a ciência também nada sabe do que se passa logo ali na frente. Por esse motivo a ciência é incapaz de relatar qualquer coisa a respeito do anímico-espiritual. Ora, tal ciência precisa ser restaurada e ampliada. Não devemos limitar-nos à barriga e imaginar a cabeça, quando muito, colocada ali no alto. Mas, com efeito, tal ciência não enxerga mesmo essa maneira pela qual os sais e o fósforo chegaram ali no alto. Então ela acredita que as coisas da cabeça também acontecem como acontecem as da barriga.
Todo esse assunto é dependente da ciência atual limitar-se a saber apenas alguma coisa referente à barriga, a saber tão somente que algo surge por ali, porém a não saber que o fígado percebe e que os rins pensam. Isso ela já não sabe. Ela não o sabe por que também nada sabe relativo à cabeça. Portanto, ela não procura naturalmente, porque já considera completo e suficiente aquilo que do fígado se encontra sobre a mesa de autópsia. Ora, o que está ali não é o todo, pois perdeu a alma no momento em que chegou ao estado em que, simplesmente, foi extirpado do complexo corpóreo. Enquanto o anímico está lá dentro, não se consegue extirpá-lo do corpo. Portanto, vemos como é necessário que uma ciência rigorosa continue trabalhando nesse assunto, a partir do ponto onde a ciência atual se obriga a parar. É disso que se trata. Por esse motivo construímos o Goetheanum aqui neste lugar, a fim de que a ciência não se limite a conhecer algo incompleto sobre a barriga, porém possa explicar algo a respeito do corpo inteiro. Porquanto, em seguida, isso também se converterá numa verdadeira ciência.
Rudolf Steiner – GA 347 – Dornach, 16 de setembro de 1922
Tradução: Gerard Bannwart
GA 347 – Dornach, 13 de setembro de 1922
CONFERÊNCIA AOS TRABALHADORES – CONFERÊNCIA V
A PERCEPÇÃO E O PENSAR DOS ÓRGÃOS INTERIORES
– Leite materno e leite de vaca. – Amortecimento e reavivamento da nutrição. – O fígado
como órgão sensorial interno. – Atividade perceptiva pelos rins – Escleroses cerebrais. –
Diabete. – Peculiaridades do fígado. – O fígado: um olho interno. – Secreções biliares. – Os
olhos do animal como órgão pensante. – As cabeças de Jano dos romanos.
Meus senhores! As coisas que debatemos durante as últimas considerações são tão
importantes, também para a compreensão do que ainda falarei a seguir, que eu quero, pelo
menos com algumas palavras, colocá-las mais uma vez perante os senhores.
Vimos como na verdade o cérebro humano consiste essencialmente de pequenas
formações moldadas como estrelas. Mas os raios daquelas estrelas percorrem distâncias
muito longas. Os prolongamentos dessas pequenas entidades se entrelaçam e se
entretecem de tal maneira que o cérebro forma justamente uma espécie de tecido, o qual
tem sua origem do modo como eu lhes disse.
Esses pequenos seres, da mesma maneira como estão no cérebro, também estão no
sangue, com a única diferença de que as células cerebrais – efetivamente são assim
chamadas, estas pequenas formações – não conseguem viver; somente à noite, quando
dormimos, elas conseguem viver apenas um pouco. Elas não conseguem exercer essa vida.
Elas não conseguem mover-se por estarem aglomeradas, espremidas como sardinhas em
lata. Mas os corpúsculos do sangue, os corpúsculos brancos ali dentro do sangue vermelho,
estes se movem. Estes nadam por todo o sangue, movem os seus prolongamentos e só se
afastam um pouco dessa vida, esmorecendo um pouco quando o homem dorme. De modo,
portanto, que o sono e a vigília estão relacionados com essa atividade ou também
inatividade das células cerebrais, com as células nervosas em geral e com as células que,
como corpúsculos sanguíneos brancos, nadam pelo sangue afora, movendo-se ali por
dentro.
Ora, eu também lhes disse que exatamente num órgão como o figado, pode-se observar o
modo como o corpo humano se altera ao longo da sua vida. Da última vez eu lhes disse: se,
na criança de peito, o figado eventualmente não percebe de forma regular – por certo é
uma espécie de atividade perceptível, pois o fígado percebe e regula a digestão -;
portanto, se o figado for perturbado em sua percepção de modo a realmente perceber
uma digestão incorreta durante o período da amamentação, isto frequentemente só se
mostra lã pelo final da vida, – eu lhes disse – no homem de quarenta e cinco, cinquenta
anos. Pois o organismo humano suporta muita coisa. Assim, mesmo que o fígado seja
perturbado durante o período da amamentação, ele ainda se mantém até o quadragésimo
quinto, quinquagésimo ano de vida. Em seguida ele se mostra enrijecido interiormente,
surgindo então as doenças hepáticas que se apresentam tão tardiamente no homem e são
uma consequência do que foi danificado por ocasião do período da amamentação.
Por esse motivo, a melhor forma é a de alimentar a criancinha com o leite da própria mãe.
Pois, na verdade, a criança efetivamente procede do complexo corporal da mãe. Portanto, é
possível perceber como em todo o seu organismo, em todo o seu complexo corporal, a
criança tem afinidade com a mãe. Por conseguinte, ela deverá desenvolver-se melhor se
não tiver de receber, tão logo venha ao mundo, alguma coisa diferente daquela que
também provém do corpo da mãe, com o qual já tem afinidade.
Todavia, pode acontecer de o leite materno não ser apropriado por causa da sua
composição. Por exemplo, alguns leites humanos são amargos, outros são muito salgados,
então será preciso estabelecer outra alimentação, e a melhor seria a de outra pessoa.
Ora, pode surgir a pergunta: – Não será possível alimentar a criança, de imediato, desde o
começo, com leite de vaca? – Agora é preciso que se diga o seguinte: no primeiro período
de vida do lactente, o leite de vaca não é muito bom, mas também não se deve pensar que
cometemos um pecado monstruoso contra o organismo humano quando alimentamos a
criança com o leite de vaca, o qual deve ser diluído de forma correspondente e assim por
diante. Pois, naturalmente, o leite é mesmo diferente nos diversos seres, mas não tão
diferente a ponto de não se poder empregar também o leite de vaca em vez do leite
materno, na alimentação.
Mas, enquanto se realiza essa alimentação, ela se processa de tal modo que, se a criança
beber somente leite, nada ainda necessita ser mastigado. Por isso, então, certos órgãos do
corpo exercem muito mais atividade do que mais tarde, quando será necessário preparar a
alimentação sólida. Pode-se quase dizer que, em essência, o leite é algo que ainda está
vivo quando a criança o recebe. É quase uma vida fluente o que a criança absorve dentro
de si.
Por outro lado, os senhores sabem que nos intestinos se processa algo muito importante
para o organismo humano, algo que é extremamente importante. Esta coisa de extrema
importância é o fato que aquilo que passa pelo estômago e adentra os intestinos, precisa
ser amortecido e, depois, após atravessar as paredes intestinas, quando chega aos vasos
linfáticos e ao sangue, precisa ser novamente aviventado. Com toda certeza esta é
realmente a coisa mais importante que deve ser entendida, que o ser humano precisa
primeiro matar o alimento que absorve e, em seguida, aviventá-lo novamente.
A vida exterior diretamente absorvida pelo ser humano não é aproveitável dentro do seu
complexo corporal. O ser humano deve, por sua própria atividade, tirar a vida de tudo que
absorve, e depois novamente vivificá-lo. É importante que se saiba isso. A ciência comum
não o sabe e por isso ela também não sabe que o ser humano tem força de vida dentro de
si. Exatamente da mesma maneira como o homem tem dentro de si os músculos, os ossos e
os nervos, assim também ele tem dentro de si uma força aviventadora, um complexo vital,
ou um corpo vital.
O fígado fica olhando para toda essa atividade digestiva, na qual, portanto, extermina-se e
novamente se aviventa o alimento e na qual o que foi aniquilado se eleva interiormente
para uma nova vida e penetra no sangue. O figado olha do mesmo modo como o olho
olha para as coisas exteriores. E, da mesma maneira como na idade mais avançada, o olho
pode ser atacado pela catarata, isto é, o que antes era transparente torna-se opaco; do
mesmo modo como o olho enrijece, desta mesma maneira o figado também pode
enrijecer. E o enrijecimento do figado,9 propriamente, é semelhante à doença da catarata
no olho.
Uma catarata também pode formar-seno fígado. Então surge, justamente no fim da vida,
uma doença hepática. Com quarenta e cinco, cinquenta anos, e também mais tarde, surge
uma doença do figado. Ou seja, o figado passa a não enxergar mais o interior do homem.
Isto é realmente assim: com os olhos vemos o mundo exterior, com os ouvidos ouvimos o
que soa no mundo exterior e com o fígado olhamos primeiramente para a própria digestão
e para aquilo que se acrescenta à digestão. O figado é um órgão interno dos sentidos. E só
quem conhece o fígado como um órgão dos sentidos interno entende o que se passa
dentro do ser humano. Desse modo o fígado pode ser equiparado ao olho. De certa forma
o homem possui, internamente, na sua barriga, uma cabeça. Só que esta cabeça não olha
para fora, porém olha para dentro. E é por isso que o homem trabalha em seu interior, com
uma atividade que ele não leva até o consciente.
A criança, porém, sente essa atividade. Tudo isso é diferente na criança. A criança ainda
olha muito pouco para fora e, mesmo quando o faz, ela não se orienta bem. Mas tanto
mais ela olha para dentro, para sentir. A criança sente com muita exatidão quando há algo
no leite que não faz parte dele e que precisa ser jogado fora, nos intestinos, para ser
eliminado. E, se algo não está em ordem no leite, o fígado acolhe, dentro de si, uma
predisposição para a doença durante toda a sua vida posterior.
Ora, vejam! Os senhores bem podem imaginar que, do olho, quando este se volta para o
exterior olhando, faz parte um cérebro. Não nos serviria de nada, como seres humanos, o
mero olhar para o mundo exterior. Veríamos o mundo exterior de olhos arregalados,
olharíamos a nossa volta de olhos arregalados, porém nada conseguiríamos pensar a
respeito do mundo exterior. Seria como se houvesse um panorama e nos sentássemos
diante dele, de cabeça vazia. Pensamos com o nosso cérebro e pensamos com o nosso
cérebro a respeito daquilo que está lá fora no mundo.
Mas, sim, meus senhores, se o figado, todavia, é uma espécie de olho interno que sonda
toda a atividade intestinal, então o fígado também deve ter uma espécie de cérebro, da
mesma forma como o olho tem um cérebro à sua disposição. Vejam! O figado pode
efetivamente examinar tudo aquilo que se passa no estômago e o modo como, no
estômago, o bolo alimentar’0 é misturado pepsina. Assim o fígado pode ver quando a
pasta entra no intestino pelo chamado piloro e como ela avança. Ele pode ver como vão
sendo separadas, cada vez mais, pelas paredes intestinais, as partes aproveitáveis dessa
pasta e como depois as partes aproveitáveis passam para os vasos linfáticos e destes vasos
ingressam no sangue. Mas, desse ponto em diante, o fígado não pode fazer mais nada.
Assim como o olho não pode pensar, o fígado não pode exercer a atividade subsequente.
Ali, então, outro órgão precisa ser acrescentado ao fígado da mesma forma como o
cérebro precisa ser acrescentado ao olho.
E, exatamente da mesma maneira como temos dentro de nós o figado que olha
continuamente para a nossa atividade digestiva, assim também temos dentro de nós uma
atividade pensante da qual nada se sabe na vida em geral. Essa atividade do pensar – me
limito a dizer isto – os senhores nada sabem desta atividade pensante, porém sabem, sim,
do órgão. Esta atividade do pensar que é acrescentada justamente à atividade do perceber,
à atividade de perceber do figado… do mesmo modo como o pensar é acrescentado, pelo
cérebro, à atividade de percepção do olho, esta mesma atividade nós também a temos –
por mais estranho que isto possa parecer-lhes -, por intermédio do rim, ou seja, por
intermédio do sistema renal.
O sistema renal, que, de resto, para a consciência comum, limita-se a separar a urina, não é
absolutamente um órgão vulgar, como sempre é visto, porém o rim, o qual retira, aliás,
justamente apenas o líquido, é aquilo que faz parte do figado e que exerce uma atividade
interior, um pensar interior. Por certo o rim também está ligado a outro pensar no cérebro,
de modo que, quando a atividade do cérebro não estiver em ordem, a atividade do rim
também não estará em ordem. Admitamos que, já na criança, comecemos anão deixar°
cérebro trabalhar ordenadamente. Este não trabalha ordenadamente quando, por exemplo,
obrigamos a criança a aprender demais – da última vez eu já apontei para este fato -,
obrigamo-la a trabalhar demais com a mera memória, quando a obrigamos a memorizar
demais. Alguma coisa ela deve aprender de memória, a fim de que o cérebro seja
mobilizado; mas se a obrigarmos a aprender demais com a memória, então o cérebro
precisará esforçar-se a ponto de exercer uma atividade excessiva, o que provoca
enrijecimentos no cérebro. Por esse intermédio surgem enrijecimentos cerebrais, quando
obrigamos a criança a memorizar demais. Não obstante, se surgirem enrijecimentos no
cérebro, isso pode resultar em que, durante a vida inteira, o cérebro não possa trabalhar
direito, por ele ficar duro demais.
Por outro lado, o cérebro está ligado aos rins. E, consequentemente, por estar o cérebro
ligado aos rins, estes também não trabalham mais de forma ordenada. Ora, o ser humano é
capaz de suportar muita coisa; isso só se mostrará mais tarde. Todo o complexo corpóreo
não trabalhará mais de forma ordenada, os rins também não trabalharão mais de forma
ordenada e na urina se encontrará açúcar, o qual, certamente deveria ser assimilado. Mas o
corpo estará demasiadamente enfraquecido para poder gastar o açúcar, pois o cérebro não
trabalha de forma regular. Ele deixa o açúcar permanecer na urina. O corpo não estará em
ordem, e o homem sofrerá da doença do açúcar, da diabete.
Vejam. Eu desejaria fazer com que isto ficasse bem claro para os senhores, em especial o
fato de que depende da atividade espiritual, por exemplo, do excessivo aprendizado de
memória, o modo como o homem será mais tarde. Os senhores já não ouviram falar que
exatamente a diabete é muito frequente entre os ricos? Estes podem cuidar extremamente
bem dos seus filhos, tanto materialmente como no campo físico; mas eles não sabem que
também devem providenciar, então, um professor adequado que não faça as crianças
aprenderem tantas coisas de cor. Os senhores pensam assim: o Estado cuida dessas coisas,
assim tudo sairá bem e não será necessário preocupar-se com isto.” – A criança aprenderá
coisas demais de cor, tornando-se diabética mais tarde! Pois, certamente, não se pode
tornar um homem sadio apenas pela educação material, por aquilo que se lhe dá por
intermédio dos alimentos.
Deve-se levar em consideração o que é o seu anímico. E – vejam os senhores! – pouco a
pouco se começa a sentir aqui que o anímico é uma coisa importante, que o corpo físico
não é a única coisa no ser humano, pois físico pode ser arruinado a partir da alma. Porque,
por melhor que seja a nossa alimentação quando nos alimentamos segundo o que o
químico estuda no laboratório sobre os alimentos, se o anímico não estiver em ordem, se o
anímico não for levado em conta, o organismo humano fatalmente será arruinado. Dessa
maneira, aprende-se aos poucos, através de uma ciência verdadeira, não apenas pela
ciência materialista atual, a experimentar, interiormente, o que já existe no homem antes de
sobrevir uma concepção e o que existe após a morte, pois se aprende justamente a
conhecer o que constitui o nosso anímico. É isso, em especial, que deve ser levado em
consideração em tais assuntos.
Mas pensem agora os senhores de onde provém realmente o fato de que os homens, hoje
em dia, não querem saber nada daquilo que acabo de lhes relatar aqui. Bem, hoje os
senhores podem se aproximar de qualquer pessoa que tenha uma assim chamada
“formação”, porém esta é uma “desinformação” quando se fala do fígado, ou até dos rins.
Isso seria uma grosseria. De onde surge essa situação, de ser isso uma grosseria, uma
“desinformação”?
Vejam, os primeiros judeus da antiguidade hebraica – afinal o nosso Velho Testamento vem
dos judeus – os antigos judeus ainda não achavam que discorrer sobre os rins fosse algo tão
horrivelmente grosseiro. Ora, os judeus não diziam, por exemplo, quando o homem tinha
sonhos atormentadores durante a noite (isto pode ser lido no Velho Testamento)… Os
judeus atuais são tão bem educados a ponto de não repetirem o que está no Velho
Testamento quando se encontram em companhia de gente decente, mas isto está no Velho
Testamento… Eles não diziam quando o homem tinha maus sonhos durante a noite: “Minha
alma está atormentada!”. Sim! É fácil dizer isso quando não se tem nenhuma representação
da alma; então “alma” é apenas uma palavra – isso não é nada. Mas o Velho Testamento
dizia, de forma correta e a partir de uma sabedoria que a humanidade possuía
antigamente, quando o homem tinha maus sonhos durante a noite: “Os rins o atormentam!”
É justamente a isso que já se sabia lá no Velho Testamento, que retornamos mediante a
mais recente Antroposofia, a mais nova pesquisa: que a atividade dos rins não está em
ordem, quando temos maus sonhos.
Posteriormente veio a Idade Média e nela formou-se, aos poucos, o que ainda prevalece
até os dias de hoje. Pois na Idade Média havia a tendência a louvar tudo que não se
pudesse perceber, tudo que, de algum modo, ficasse fora do mundo. O homem deixa a
cabeça livre, descoberta, o resto é coberto. Pode-se falar apenas do que está efetivamente
livre. Todavia, muitas senhoras, principalmente as do mundo educado, se mostram,
atualmente, com tanta coisa descoberta e livre que nem mesmo se pode falar de todas as
coisas que andam por aí, libertadas. Todavia, aquilo que se encontra no interior do ser
humano tornou-se, para certa espécie de cristianismo da Idade Média – que mais tarde foi
chamada de puritanismo na Inglaterra – algo de que não se pode falar. Não se pode falar
da mera ciência sensório-material. Esta não é espiritual, disso não se pode falar. E assim foi
perdendo-se aos poucos todo o espírito. Naturalmente, quando se fala apenas daquele
espírito assentado na cabeça, não se consegue captá-lo com tanta facilidade. Mas quando
se lança mão dele ali, onde ele se assenta em todo o complexo corpóreo humano, então
isso se torna possível.
Vejam. Os rins passam, então, a ser aquilo que pensa, acrescido à percepção, que é a
atividade do fígado. O fígado contempla, os rins pensam; e estes podem, então, pensar a
atividade do coração e podem enfim pensar tudo quanto o figado não tiver enxergado. O
figado ainda pode enxergar toda a atividade digestiva e também o modo como o suco
gástrico entra no sangue. Mas, no momento em que este começa a circular no sangue, neste
momento torna-se necessário pensar. E este pensar é realizado pelos rins. De maneira que
o homem efetivamente possui dentro si algo como um segundo ser humano.
Por outro lado, os senhores podem agora achar que seja impossível acreditar que aqueles
rins extraídos do corpo morto e depois colocados sobre a mesa de autópsia, ou aqueles
rins de boi que podem até ser comidos – esses podem ser examinados muito
comodamente antes de serem comidos ou cozidos -… Os senhores realmente não podem
acreditar que esse pedaço de carne, com todas as propriedades das quais nos fala o
anatomista, que ele pense! Naturalmente, ele não pensa! Todavia, o que provém do
anímico contido no rim, isto certamente pensa. Por conseguinte, também é um fato o que
eu lhes disse da última vez: a parte material, por exemplo, a que está no rim, digamos, na
infância, esta foi totalmente substituída depois de sete, oito anos. Em seu lugar encontra-se
outro material. Como as suas unhas não são mais exatamente as mesmas depois de sete,
oito anos, pois os senhores sempre lhes apararam a parte dianteira, assim também tudo
estava ali, no rim e no figado, foi substituído pelos senhores por algo novo.
Sim, agora os senhores podem questionar: se o material que há sete anos estava no figado,
no rim, não está mais lá, e apesar disso o figado pode ainda ficar doente depois de
algumas décadas, doença causada pelo que se negligenciou nele como lactente, então,
com certeza, há por ali uma atividade não visível, pois matéria não se multiplica por si só. A
vida se propaga desde a criança de peito até o quinquagenário. Adoecer a matéria não
consegue – pois é eliminada – mas o que se propaga é a atividade invisível que está ali
dentro e que impregna o homem ao longo de toda a sua vida. Desse modo os senhores
veem como o corpo humano é verdadeiramente um ser complicado, é um ser
tremendamente complicado.
Agora eu gostaria de dizer-lhes algo mais. Eu lhes disse que os antigos judeus ainda sabiam
algo sobre como a atividade dos rins participa daquele pensar obscuro e abafado, como
são os sonhos durante a noite. Mas durante a noite com certeza as nossas representações
também desaparecem e então se percebe o que o rim pensa. Durante o dia temos a cabeça
cheia de pensamentos provenientes de fora. Mesmo assim, havendo aqui uma luz forte e ali
uma luz fraca de vela, vemos apenas a luz forte e desaparece a luz fraca da vela ao seu
lado. Ora, o mesmo se dá com o ser humano desperto: ele tem a cabeça repleta de
representações provenientes do mundo exterior, e o que lá em baixo é atividade dos rins é
justamente a pequena luz fraca; esta ele não percebe. Mas, no momento em que a cabeça
deixa de pensar, ele percebe na forma de sonhos aquilo que os rins pensam e que o ligado
enxerga no seu interior. Por isso os sonhos também têm o aspecto com o qual os senhores
às vezes os veem.
Imaginem que alguma coisa não esteja em ordem ali no intestino; então, o ligado passa a
olhar para essa situação. Durante o dia não se nota isso, justamente por existirem
representações mais fortes. No entanto, à noite, ao adormecer ou ao despertar, nota-se isto,
a maneira como o ligado percebe o fato de não estarem em ordem os intestinos. No
entanto, nem o rim, nem o ligado são tão espertos quanto a cabeça humana. E por não
serem tão espertos, eles não conseguem dizer prontamente: “São os intestinos o que eu
vejo ali!”. Eles apenas fazem uma imagem deles, e o homem sonha em lugar de ver a
realidade. Se o ligado visse a realidade, ele veria os intestinos ardendo. Mas, por não ver a
realidade, ele faz disso uma imagem. Assim ele vê serpentes sibilantes.
Quando o homem sonha com serpentes sibilantes, o que faz amiúde, então o ligado está
olhando para os intestinos que por isso lhe parecem serem serpentes. Na cabeça se passa,
às vezes, exatamente a mesma coisa que se passa no ligado e no rim. Quando um homem
vê um objeto perto de si, como, por exemplo, um pedaço de pau torto e está num local
onde também pode haver serpentes, então a sua cabeça pode tomar esse pedaço de pau
torto por uma serpente, se estiver a uns cinco passos disso. Da mesma maneira, o olhar
interior e o pensar do ligado e do rim, tomam os intestinos enrodilhados por serpentes.
Algumas vezes, sonha-se com um fogão fortemente aquecido. Acorda-se com palpitações
do coração. O que teria acontecido nesse caso? Ora, foi o rim que refletiu sobre a
palpitação mais forte, mas ele projeta isso como se fosse um forno bem aquecido e então
sonhamos com um fogão fumegante. É isso que o rim pensa a respeito da atividade
cardíaca dos senhores.
Portanto, lá dentro da barriga do ser humano -repito que não é “elegante” falar disto – está
sediado um ser anímico. A alma é um camundongo que se insinua em algum lugar do
corpo humano e ali se abanca. Não é verdade que era isto que as pessoas faziam
antigamente? Elas ponderavam: “Onde está sediada a alma?” Mas hoje em dia já não se
sabe mais absolutamente nada sobre a alma quando se pergunta onde ela está sediada. A
alma tanto pode estar sediada no pavilhão auditivo como no dedão do pé, só que ela
necessita de órgãos mediante os quais ela possa pensar e representar e formar imagens. E
numa daquelas atividades que os senhores conhecem muito bem, ela faz isso pela cabeça,
mas, da maneira como eu lhes descrevi quando o interior é contemplado, ela o faz por
intermédio do fígado e do rim. Em toda parte é possível ver como a alma está ativa no
corpo humano. E é preciso saber ver isso.
No entanto, para isso se faz necessária uma ciência que não se limita simplesmente a
retalhar corpos humanos mortos, a colocá-los sobre uma mesa de autópsia, a extirpar
órgãos e a examiná-los materialmente; para isso se faz realmente necessário que tornemos
a nossa vida anímica interna, no pensar e em todas as coisas, um pouco mais ativa do que
querem aquelas pessoas que meramente olham. Naturalmente é mais cômodo limitar-se a
abrir corpos humanos extraindo o fígado e depois anotar apenas o que se encontra ali.
Desse jeito não será necessário fazer muita força com a “cachola”. Para isso basta empregar
os olhos e depois pensar um pouquinho sobre a coisa quando se retalha o fígado em todas
as direções, preparando uns pedacinhos, colocando-os sob o microscópio e assim por
diante. Essa é uma ciência muito fácil. Mas quase toda ciência atual é uma ciência fácil. Será
necessário justamente ativar muito mais o pensar interno e, acima de tudo, será necessário
deixar de acreditar que se possa aprender a conhecer o ser humano a partir do momento
em que é depositado sobre uma mesa de autópsia e se lhe extrai e descreve os órgãos.
Pois, justamente ao extrair o ligado de uma mulher ou de um homem quinquagenários, não
se sabe, ao examiná-los, o que se passou quando eram lactentes, crianças de peito. Para
isso se necessita de uma ciência completa à qual, por certo, deve aspirar uma verdadeira
ciência. A esta aspira a Antroposofia, a uma ciência verdadeira. E esta não leva apenas ao
corpóreo; porém, como eu lhes mostrei, leva ao anímico e ao espiritual.
Da vez anterior eu lhes disse que a situação do ligado é a seguinte: que os vasos
sanguíneos azuis – portanto as veias nas quais o sangue não flui como sangue vermelho,
porém como sangue azul, isto é, contendo ácido carbônico-, que estes vasos sanguíneos
especiais penetram no ligado. Em todos os outros órgãos não é assim. Quanto a isso o
fígado é um órgão muito extraordinário. Ele recebe vasos sanguíneos azuis e faz o sangue
azul desaparecer diretamente dentro de si.
Esse é um assunto importante e profundamente significativo. Portanto, ao imaginarmos o
fígado, as veias vermelhas comuns naturalmente também entram no ligado. As veias azuis
saem do fígado. Mas, além disso, entra no ligado uma veia azul especial, a veia porta ;
portanto, penetra sangue contendo muito ácido carbônico. Ora, o ligado o absorve e não
deixa mais sair o ácido carbônico que acaba de entrar por intermédio desse sangue azul
especial.
Certamente, ao extrair o fígado, a ciência comum realmente vê essa veia porta, porém
deixa de refletir um pouco mais adiante sobre isto. Não obstante, aquele que conseguir
chegar a uma verdadeira ciência, sem dúvida, fará comparações.
Por outro lado, há órgãos no corpo humano que possuem algo muito semelhante a isso e
estes sãos os olhos. Há algo muito pequeno nos olhos que apenas é indicado muito
sutilmente. Entretanto, também no olho não retorna todo o sangue azul que nele penetra.
Ali entram vasos sanguíneos, entram vasos vermelhos e saem vasos azuis. Mas nem todo o
sangue azul que entra no olho sai novamente, porém ele se espalha da mesma maneira
como no fígado. Só que no figado isso é mais acentuado e no olho é muito mais fraco.
Isto já não será uma prova de que posso comparar o ligado com o olho? É natural que se
pode apontar para tudo que existe no organismo humano. Dessa maneira chega-se
justamente à conclusão de que o figado é um olho interior.
No entanto, o olho está voltado para fora. Ele olha para fora e gasta o sangue azul
recebido para olhar para fora. O fígado o gasta para dentro. Por isso ele faz o sangue azul
desaparecer para dentro, empregando-o em outras coisas. Vejam. Apenas algumas vezes, o
olho também tem a tendência de empregar um pouco as suas veias azuis dessa forma. Esse
é o caso quando o homem fica triste, quando chora; nesse caso a lágrima de sabor amargo
brota dos olhos, das glândulas lacrimais, e vem para fora. Isso provém daquele pouco de
sangue azul que fica no olho. Quando ele é muito ativado pela tristeza, as lágrimas
aparecem como secreção.
Mas no figado essa situação está permanentemente presente! O figado está
permanentemente triste porque, pela própria condição em que o organismo humano se
encontra nesta vida terrena, pode-se ficar triste ao examiná-lo por dentro, pois, embora ele
esteja realmente dotado para realizar o que há de mais excelso, ele certamente não tem
um aspecto muito bom. Assim, o figado está sempre muito triste. Por isso ele sempre
segrega um material amargo, a bílis. Aquilo que o olho faz com lágrimas, o figado faz para
todo o organismo com a secreção biliar. Mas a lágrima flui para o exterior, as lágrimas se
dissipam tão logo chegam ao lado de fora do olho; no entanto, a bílis que se encontra ali
dentro de todo o organismo humano não se dissipa exatamente porque o figado não olha
para fora, porém olha para dentro. Aqui o olhar recua, e a secreção, comparável à secreção
das lágrimas, se evidencia.
Sim, meus senhores, mas se realmente for verdadeiro o que estou relatando, então outra
coisa também deve evidenciar-se muito mais, mas agora justamente numa outra esfera.
Deve evidenciar-se que os seres terrestres que vivem mais em seu íntimo, que vivem mais
na atividade do pensar interior, isto é, os animais pensam mais – embora na cabeça pensem
menos que o homem por terem um cérebro menos perfeito. Mas então eles devem atentar
mais para a vida do fígado e para a vida dos rins; eles devem olhar mais para dentro com o
fígado e pensar mais para dentro com os rins. Ora, esse é verdadeiramente o caso no
animal. Para isso existe uma prova exterior. Na realidade, nossos olhos humanos estão
dispostos de forma tal que o sangue azul que neles penetra seja muito pouco, tão pouco
que a atual ciência nem fala dele. Antigamente ela falava disso. Mas nos animais, por
viverem mais no íntimo, os olhos não se limitam a olhar; eles também pensam.
Se pudéssemos afirmar que os olhos são uma espécie de figado, diríamos que no animal o
olho é muito mais fígado do que no homem. No homem o olho aperfeiçoou-se mais,
sendo menos fígado. Isso fica evidente no próprio olho. É possível comprovar no animal, e
com precisão, como dentro dele não há somente o que há no homem, a saber: um corpo
vítreo, aquoso, depois a lente ocular e depois novamente um corpo aquoso e vítreo, porém
em certos animais os vasos sanguíneos penetram no olho e formam nele um corpo com
este formato (desenho à página seguinte). Os vasos sanguíneos penetram nesse corpo
vítreo e formam nele um desses corpos chamados leque, o leque ocular. Nesses animais ele
é . . . (lacuna no texto). Por quê? Porque o olho é muito mais fígado nestes animais. E
precisamente do mesmo modo como a veia porta penetra no fígado, aqui este leque
penetra no olho. Por esse motivo, no animal se dá o seguinte: quando ele olha para alguma
coisa, o olho começa imediatamente a pensar; no ser humano o olho se limita a olhar, e ele
pensa com o cérebro. No animal o cérebro é pequeno e imperfeito. Ele não pensa tanto
com o cérebro, mas já pensa no próprio olho e consegue pensar dentro do olho por possuir
essa protuberância em forma de foice e por empregar dentro do olho um sangue usado,
um sangue contendo ácido carbônico.
Posso dizer-lhes uma coisa que realmente não será surpreendente. Por certo os senhores
não supõem que o abutre, lá nas alturas do ar, com o seu cérebro desprezivelmente
pequeno, possa ser bem sucedido na espertíssima decisão de precipitar-se exatamente na
direção onde se encontra o cordeiro! Se a questão do abutre dependesse do cérebro, ele
morreria de fome. No entanto, há um pensar situado dentro do olho do abutre, que é
apenas um prolongamento do seu pensar renal, e por intermédio deste, ele toma a sua
decisão precipitando-se para o solo e apanhando o cordeiro. O procedimento do abutre
não será o de dizer o seguinte: “Lã embaixo há um cordeiro, agora vou colocar-me em
posição e deixar-me cair exatamente por essa reta, pois desse modo encontro o cordeiro”.
Um cérebro faria tal raciocínio. Se houvesse um homem lá no alto, ele faria tal raciocínio,
porém ele só não seria capaz de executá-lo. Mas no abutre já o próprio olho pensa. Nele a
alma já está dentro do olho. Isto nem lhe chega dessa forma ao consciente, embora ele
pense.
Vejam. Eu lhes disse que o antigo judeu, quando compreendia o seu Velho Testamento,
sabia o que queria dizer: “Deus atormentou-te durante a noite, mediante os teus rins”. Com
isso ele queria expressar a realidade daquilo que aparece para a alma, como meros sonhos.
Deus atormentou-te durante a noite mediante os teus rins – assim falava ele, pois sabia:
aqui não há simplesmente um ser humano olhando para fora, para o mundo exterior,
porém aqui há um ser humano pensando para dentro, pelos seus rins e olhando para
dentro, para o seu interior, pelo seu figado.
Até mesmo os antigos romanos ainda sabiam disso. Com efeito, eles sabiam que existem
dois homens: um, olhando para fora pelos seus olhos e outro que tem o figado dentro da
sua barriga, olhando para o seu próprio interior. Ora, todavia, no caso do fígado – pode-se
acompanhá-lo pela distribuição de todas as veias azuis -se quisermos usar esta expressão,
será preciso dizer: ele, na verdade, olha para trás. Disso provém também o fato de se
perceber muito pouco do nosso interior. Exatamente o pouco que se percebe do lado
detrás é o pouco que o figado percebe bem conscientemente daquilo que está olhando
realmente. Os antigos romanos sabiam disso. Apenas o expressaram de tal forma que não
conseguimos entender prontamente. Eles imaginavam: aqui na frente o homem tem uma
cabeça e, na parte inferior do corpo, ele tem mais uma cabeça, mas esta é apenas uma
cabeça indistinta e ela olha para trás. – E então eles reuniram essas duas cabeças e
formaram algo parecido com isto (desenho): uma cabeça com dois rostos, um dos quais
olha para trás e o outro para a frente. Tais estátuas ainda são encontradas hoje em dia,
quando se vai para a Itália. São chamadas de cabeças de Jano.
Vejam. Os viajantes que têm dinheiro para essas coisas atravessam a Itália com o seu
Baedeker12 e também olham para essas cabeças de Jano; eles consultam o Baedeker, mas
dentro dele não consta nada de sensato. Pois, na verdade, é preciso realmente indagar:
como foi que os antigos romanos chegaram a esculpir tais cabeças? Eles certamente não
eram tolos a ponto de acreditar que, navegando para algum lugar da Terra, encontrariam
gente com duas cabeças. Mas é mais ou menos isso que pensará o viajante cujos olhos não
lhe ensinam nada quando veem que os romanos esculpiram uma cabeça com dois rostos,
uma voltada para trás e uma para frente.
Ora, naquela época os romanos ainda sabiam exatamente, por um pensar natural, algumas
coisas que toda a humanidade subsequente não mais sabia e às quais chegamos
atualmente de uma forma independente. De modo que hoje é possível redescobrir que os
romanos não eram tolos, porém sensatos!
Cabeça de Jano; Jano significa Janeiro. Por que o colocaram exatamente nesse período do
começo do ano? Isso também é um mistério bem especial.
Sim, meus senhores, após havermos chegado ao ponto de entender que a alma não
trabalha exclusivamente na cabeça, mas também trabalha no fígado e no rim, então
também podemos acompanhar como isso varia ao longo do ano. Ora, quando estamos no
verão, na época quente do ano, o fígado trabalha muito pouco. É quando o fígado e o rim
entram numa espécie de atividade anímica sonolenta executando apenas as suas funções
corporais externas, pois o homem estará mais entregue ao calor do mundo exterior. O
interior começa a fazer mais uma das suas pausas. Todo o sistema digestivo é mais
pausado no verão do que no inverno, mas no inverno esse sistema digestivo começa a
tornar-se muito anímico-espiritual. E quando chega a época do Natal, o tempo do Ano
Novo, quando chega e começa o mês de janeiro, então a atividade anímica torna-se mais
forte dentro do figado e dos rins.
Os romanos também sabiam disso. Por isso chamavam os homens com dois rostos de
homens de Janeiro, ou homens de Jano. Quando se reencontra tal assunto por uma via
independente, essa coisa realmente sensata que aí está, então não se precisa mais arregalar
os olhos diante de tais assuntos, porém consegue-se entendê-los novamente. Hoje só lhes
arregalamos os olhos porque a ciência contemporânea não vale mais nada. Vejam como a
Antroposofia não deixa de ser realmente prática. Embora ela não se limite a explicar tudo
quanto é humano, ela consegue explicar até mesmo o que é histórico; ela consegue
explicar, por exemplo, por que motivo os romanos esculpiam aquelas cabeças de Jano! Na
verdade – e realmente não o direi por envaidecimento – seria bom contratarem um
antropósofo para o Baedecker a fim de que as pessoas possam entender o mundo, pois de
outra forma elas andam meio dormindo pelo mundo e arregalando os olhos diante de
todas as coisas, não conseguindo refletir sobre coisa alguma.
Sim! Disso os senhores podem depreender que é realmente uma coisa séria quando digo
que se precisa partir do corpóreo para chegar ao anímico. Muito bem! No próximo sábado
continuarei falando com os senhores a respeito desse anímico. Até lá os senhores terão
tempo para refletir sobre as perguntas que quiserem fazer. No entanto, os senhores já viram
que não é realmente nenhuma brincadeira quando se quer, a partir do corpóreo, chegar a
uma maneira de conhecer o anímico, porém que tudo isso é uma ciência muito séria.
Rudolf Steiner – GA 347 – Dornach, 13 de setembro de 1922
Tradução: Gerard Bannwart
GA 347 – Dornach, 9 de setembro de 1922
CONFERÊNCIA AOS TRABALHADORES – CONFERÊNCIA IV
O CÉREBRO E O PENSAR. O FÍGADO COMO ÓRGÃO SENSORIAL.
– A vida nas células cerebrais e nos glóbulos brancos do sangue. – Imbecilidade e amolecimento do cérebro. – Amortecimento da vida no cérebro como pressuposto do pensar. – Causas da esclerose do fígado. – O fígado como órgão de percepção. – Troca de materiais no corpo humano. – Formação do ser humano no complexo corpóreo da mãe. – O sono da criança de peito. – Inutilização do corpo com a idade. – Câncer intestinal, estomacal ou do piloro. – Sobrecarga da memória e esclerose do órgão. – Conhecimento real e factual. – A ciência tornada prática.
Bem, meus senhores, embora tenha havido um intervalo bastante longo entre as nossas conferências, eu desejaria, apesar disso, continuar tratando do assunto que debatemos da última vez. Na verdade, naquela ocasião tentei explicar-lhes, principalmente, o modo como o sono e a vigília estão situados dentro da vida. Eu lhes disse que temos certas formações dentro do cérebro, chamam-nas de células, e eu também lhes desenhei a sua forma.
Essas células têm aqui o corpo de albumina (desenho) e, além disso, alguns prolongamentos; elas têm, portanto, um formato estelar. Mas esses prolongamentos são desiguais. Um é longo, outro é curto. Depois, há outras dessas células por perto que também têm os seus prolongamentos e estes prolongamentos, estes fios que saem das células redondas, eles se entrelaçam de modo a formar uma rede. De maneira que o cérebro — isto não pode ser visto a olho nu, porém somente usando grandes ampliações — é realmente um entrelaçamento, ele forma uma rede e aqui nesta rede estão alojadas pequenas bolinhas.
Vejam, no fundo, essas células cerebrais são semimortas. Essa, certamente, é a coisa mais surpreendente. Pois esses pequenos seres — como o são as células cerebrais —, quando estão vivas também se movimentam. Sem dúvida eu também lhes descrevi as outras células, os corpúsculos brancos do sangue, que nadam por ai como pequenos animais. Com efeito, são pequenos animais; têm exatamente esse aspecto. Mas nadam e se alimentam. Quando há alguma coisa no sangue que possam absorver, eles a absorvem alongando suas antenas e sugando-a para dentro do seu próprio corpo. E desse modo eles cruzam nadando e fluindo como ribeirões nosso corpo. Dessa maneira, temos células semimortas e semi-vivas nadando pelo nosso sangue.
Agora, quando estamos despertos, essas células cerebrais estão, na verdade, praticamente mortas. E somente por isto, por estarem mortas as células cerebrais, é que conseguimos pensar. Se as células cerebrais estivessem mais vivas, não conseguiríamos pensar. E isso, efetivamente pode ser visto. Pois, no sono, essas células do cérebro se avivam; justamente quando não pensamos, isto é, quando dormimos, as células do cérebro começam a viver. E elas só não se movem porque estão colocadas tão perto umas das outras, isto é, por não conseguirem desviar umas das outras. Senão, se elas começassem a se mover, nós com certeza não despertaríamos mais.
Por outro lado, caso alguém tenha se transformado em débil mental, isto é, não consiga mais pensar, morrendo em seguida, ao examinar as suas células cerebrais também se descobre que estas células cerebrais de um homem que tenha sofrido de retardo mental, começaram a viver e a proliferar. Elas são mais moles que as de um homem normal. Por isso, nessas pessoas também se fala de um amolecimento do cérebro e a expressão “cérebro mole” não é de todo ruim.
Quando aprendemos a conhecer, isentos de preconceitos, o ser humano vivo, podemos dizer-nos: – A vida nele contida, a vida corpórea não pode ser a causa do seu pensar, pois a vida precisa justamente ser amortecida no cérebro se o ser humano tiver de pensar. Na verdade, esse é o caso. Na atualidade, se a ciência realmente procedesse de forma correta, se ela trabalhasse de forma correta, então a ciência não poderia ser materialista, porque nesse caso se poderia ver, a partir da própria condição do corpo humano, que algo espiritual age de uma maneira mais viva, justamente quando a parte corpórea definha, como no cérebro. Portanto, é possível comprovar a alma e o espírito de uma forma rigorosamente científica.
À noite, quando dormimos, as células cerebrais estão um pouco mais vivas. Por esse motivo também não podemos pensar. E os corpúsculos brancos principiam a se agitar quando despertamos. Essa é a diferença entre dormir e estar desperto. Portanto, estamos despertos quando as nossas células cerebrais estão paralisadas, quase mortas; então conseguimos pensar. Dormimos e não conseguimos pensar quando os corpúsculos brancos do nosso sangue estão amortecidos e as células do nosso cérebro começam a adquirir um pouco de vida. O homem precisa, portanto, realmente ter algo da morte dentro de si com relação ao seu corpo, caso ele deva pensar, isto é, se quiser viver animicamente.
Vejam! – senhores – não é de admirar que a ciência atual não atine com essas coisas, pois esta ciência atual realmente se desenvolveu de uma maneira totalmente peculiar. Quando temos a oportunidade de examinar uma coisa dessas, como a que eu vi agora em Oxford -pois em Oxford me foi possível proferir uma série de conferências, e Oxford possui uma das principais escolas superiores da Inglaterra -, então se pode notar o fato desta escola superior oxfordiana estar organizada de um modo totalmente diverso das nossas escolas superiores aqui da Suíça, da Alemanha ou da Áustria. Aquela escola superior oxfordiana, aquela universidade, conserva algo muito medieval, algo absolutamente medieval. Ela é tão intensamente medieval que as pessoas graduadas por ela, isto é, as que fazem ali o seu doutorado, ainda recebem uma batina e um barrete.
Cada uma das suas universidades tem o seu próprio corte para a batina e o barrete. Pode-se distinguir um bacharel ou doutor oxfordiano de um cambridgiano por ter um corte diferente de batina e de barrete. Mas, aquela gente é obrigada a vestir tal batina e tal barrete durante toda e qualquer ocasião festiva a fim de que se saiba: esta pessoa esteve e pertence a esta ou àquela universidade. Isso é precisamente desse jeito porque na Inglaterra ainda conservam essas coisas desde a Idade Média, como, por exemplo, no caso dos seus juízes: quando exercem o seu oficio ainda precisam colocar uma peruca – ela faz parte. Assim os senhores veem como foi mantida toda a medievalidade. Esse não é mais o caso no continente, na Suíça, na Áustria, na Alemanha. Aí não se recebe nenhuma batina e também como juiz não se põe uma peruca. Creio que mesmo na Suíça não se faz mais isso, segundo me consta.
Pelo lado de fora, isso é muito divertido de ser visto por um europeu do continente. Ele dirá simplesmente: -Ora, ali eles ainda se encontram na mais profunda Idade Média. Lá os bacharéis, os doutores, andam pelas ruas de batina e de barrete e assim por diante. Entretanto, isso tem uma significação adicional muito diferente. Vejam! A ciência deles também continua sendo exercida da mesma forma como era exercida na Idade Média. A saber, o que se exerce ali é extremamente simpático, ao contrário da escola superior atual, que aboliu tudo.
Não me entendam mal, eu não desejo que a batina seja reintroduzida, mas ao contrário de algumas coisas que acontecem hoje em dia em outras escolas superiores aquilo é realmente algo extremamente simpático, pois contém certa inteireza. Lá realmente se preservou a Idade Média sob todas as formas. E isso por certo possui alguma inteireza, pois na Idade Média podiam realmente pesquisar tudo que fosse possível, apenas não podiam realizar pesquisas sobre aquele mundo que a religião havia monopolizado. Isso também é algo que os senhores ainda sentem em Oxford. Por lá, tão logo alguém se apresentasse e quisesse também dizer alguma coisa sobre o mundo suprassensível, eles se portariam extremamente reservados.
No entanto, enquanto as pessoas não se manifestassem a respeito da vida religiosa, a ciência medieval tinha a sua plena liberdade. Entre nós isso foi perdido. Entre nós é obrigatório ser materialista nas escolas superiores. Quem não for materialista é tratado como herege – em verdade, se ainda fosse considerado decente, digamos, queimar as pessoas, elas seriam queimadas até o dia de hoje, também pelas escolas superiores. Sem dúvida, os senhores também podem ver isso muito de perto, esse modo de ser tratado, quando se trata de introduzir algo novo nos domínios do saber. Embora as perucas exteriores tenham desaparecido, as perucas interiores, essas absolutamente ainda não desapareceram, mesmo no continente europeu!
Por outro lado, no continente europeu desenvolveu-se efetivamente uma ciência, mas essa ciência ainda mantém outros costumes, tornando-se materialista por nunca se ter acostumado a ocupar-se com o espiritual. Na Idade Média não era permitido ocupar-se com o espiritual, porque o espiritual estava entregue à religião. Hoje as pessoas continuam a fazer a mesma coisa do seguinte modo: elas se ocupam apenas do corpo e, por esse motivo, não aprendem nada sobre aquilo que realmente é espiritual no homem. Portanto, efetivamente, é apenas por desleixo de parte da ciência que não se estuda realmente todas essas coisas que existem.
É exatamente isso que desejo mostrar-lhes hoje, mediante um exemplo, para os senhores poderem ver: quem exerce hoje a verdadeira ciência pode falar de um modo inteiramente científico a respeito da entrada de uma alma ou de um espírito no corpo, quando o ser humano desenvolve o seu corpo no complexo corpóreo da mãe e que, por ocasião da morte, o espírito abandona novamente o corpo. Isso é passível de ser comprovado cientificamente, mas nesse caso é preciso realmente conhecer a ciência. É preciso saber lidar objetivamente com a ciência. Que faz a ciência hoje, num caso específico qualquer?
Digamos, por exemplo, que alguém adoeça do fígado aos cinquenta anos de idade e que depois venha a morrer da sua doença hepática. Pois bem! Ele é colocado sobre a mesa de autópsia, abre-se-lhe a barriga e examina-se o seu figado. Descobre-se, talvez, que o fígado está um pouco endurecido na parte interna e reflete-se sobre a eventual causa disso. Quando muito, reflete-se anda sobre o que o homem pode ter comido e, devido a um alimento errado, haver o seu fígado endurecido. Entretanto, a nossa natureza não é tão fácil assim de entender, para que, simplesmente, possamos ter diante de nós alguém, examinarmos o seu fígado e sabermos então do que se trata no seu fígado; a coisa não é tão fácil assim. Se nos limitarmos a refletir sobre os últimos anos desse homem, não conseguiremos absolutamente conhecer, a partir do fígado, porque ele está na condição em que se encontra.
Quando se extrai o fígado de um homem de cinquenta anos e se descobre que o seu fígado está endurecido, então – nem em todos os casos, porém na maioria deles – a culpa é dele ter sido alimentado com leite errado quando ainda era uma criança de peito. Aquilo que muitas vezes se apresenta como doença apenas aos cinquenta anos tem a sua causa na mais tenra infância. E por quê?
Ora, vejam! Quem realmente sabe investigar o fígado e o que este significa no homem, pode dizer o seguinte: ele sabe que o fígado ainda está muito tenro numa criança bem pequena e que o fígado até mesmo ainda está em desenvolvimento. Mas o fígado é um órgão humano totalmente diferente dos demais órgãos humanos. O fígado é algo muito especial. Esse fato também pode ser visto exteriormente. Vejam, tome-se qualquer órgão do corpo humano, o coração ou o pulmão ou qualquer outro que seja, e pode-se dizer: — Certamente este órgão pertence a todo o corpo humano. Tome-se qualquer órgão, digamos, por exemplo, o pulmão direito e se dirá: — Neste pulmão direito penetram vasos de sangue vermelho — os senhores sabem o que isto significa — e saem vasos de sangue azul. Os vasos vermelhos que entram contêm oxigênio — os senhores o veem passar para o corpo — e os vasos sanguíneos azuis contém material usado, ácido carbônico que deve ir embora, deve ser exalado.
Ora, os senhores podem constatar como cada órgão — estômago, coração — está organizado de tal modo que o homem recebe sangue vermelho neles, saindo deles o sangue azul. No fígado é diferente. Na verdade, à primeira vista, no fígado o aspecto também é essencialmente o mesmo. Se tivermos o fígado aqui — o fígado está sob o diafragma, do lado direito do corpo humano — então também temos a mesma condição, de tal forma que os vasos sanguíneos vermelhos entram e os vasos sanguíneos azuis saem. Mas se o caso fosse só esse, o fígado seria um órgão igual aos demais órgãos humanos.
No entanto, além disso, entra também no fígado, em especial, um grande vaso contendo sangue azul, ácido carbônico, o que não é o caso em nenhum outro órgão. Um vaso azul dirige-se, pois, para dentro do fígado; é a assim chamada veia porta, um poderoso vaso azul. Este se ramifica para todos os lados dentro do fígado e o abastece com sangue azul; portanto, com um sangue tornado imprestável para todos os demais processos orgânicos, e que costuma ser purificado quando expiramos o ácido carbônico. Assim ficamos permanentemente enviando ácido carbônico para dentro do fígado. O fígado necessita justamente daquilo que os outros órgãos precisam jogar fora.
De onde vem isso? Isso vem do fato de ser o fígado uma espécie de olho interior. Com efeito, o fígado é uma espécie de olho interior. Ele percebe o sabor – especialmente quando ele é tenro como o da criança -, porém o fígado também percebe a qualidade do leite que a criança suga no peito materno. E ainda, muito mais tarde, o fígado percebe tudo que, como alimento, esgota-se no corpo humano. O fígado é um órgão de percepção; digamos que ele seja um olho; eu também poderia dizer que ele é um órgão do tato, do sentimento. O fígado tudo percebe!
Outro órgão do ser humano que percebe é o próprio olho. No entanto, o olho percebe justamente o mundo exterior com muita intensidade por estar situado, quase com exclusividade, dentro da cabeça. Pois ele está totalmente dentro daquela cavidade óssea, mas é praticamente um órgão separado. Pode-se retirá-lo e ele fica bem separado do corpo, ele fica de parte, porém dentro dessa cavidade óssea. Os outros sentidos não nos levam tanto para o mundo exterior quanto o olho. Quando se ouve, ainda se vivencia algo interior. Por isso, a música é algo mais interior que a visão. O olho está disposto de uma forma que certamente não pertence tanto ao complexo corpóreo humano, porém mais ao mundo exterior.
Por isso, por entrar sangue azul no fígado, um sangue que normalmente lança o ácido carbônico para o mundo exterior tornando-se novamente vermelho, o fígado está quase tão separado do resto do complexo corpóreo humano quanto o olho. Desse modo, o fígado é um órgão dos sentidos. O olho percebe cores. O fígado percebe quando o chucrute que se come é útil ou prejudicial ao corpo, quando o leite que se bebe é benéfico ou prejudicial para o corpo. O fígado percebe essas coisas com sutileza e expele a bílis. E a bílis é expelida – isto é realmente assim – como o olho expele as lágrimas. Quando o homem fica triste, ele começa a chorar. As lágrimas não saem do olho à toa. O fato de ficar triste relaciona-se com a percepção, com o reparar nas coisas. E da mesma maneira, a secreção da bílis relaciona-se com o fato do fígado perceber quando alguma coisa é prejudicial ou benéfica para o corpo. Ele secreta mais ou menos bílis, na medida em que for mais ou menos prejudicial o que o homem recebe. Portanto, no fígado temos um órgão da percepção.
Agora, suponham que uma criança receba um leite nocivo à saúde e o fígado fique permanentemente zangado. E por mais sadio que o ser humano seja, embora ele não adquira imediatamente a icterícia causada por excessiva secreção de bílis, na criança haverá, todavia, uma contínua pressão sobre a secreção da bílis. E então o fígado adoece já na infância. O ser humano suporta muita coisa. Ele consegue arrastar consigo, durante quarenta, cinquenta anos, esse fígado doente adquirido quando criança de peito; no entanto, finalmente, no quinquagésimo ano, acontece a eclosão: o fígado está endurecido.
Não obstante, na realidade, isso não é tão simples assim a ponto de se poder colocar o homem de cinquenta anos sobre a mesa de autópsia, abrir a sua barriga, retirar os seus órgãos, examiná-los e dizer algo a seu respeito. Pois dessa forma não é possível dizer nada. O homem simplesmente não é esse ser que vemos nesse instante, porém é um ser que se desenvolve ao longo de um determinado número de anos. E algo que retrocede para cinquenta anos atrás se expressa cinquenta anos mais tarde. Então, se quisermos entendê-lo, será preciso conhecer o homem integralmente.
Agora vou supor que os senhores sejam materialistas. E sendo materialistas, os senhores dirão o seguinte. Eu lhes disse que o Ligado é um órgão cuja doença pode ser causada na criança de peito e irromper apenas no quinquagésimo ano de idade. – Sim, meus senhores, mas qual é a verdadeira história no caso do ser humano? Vamos admitir muito esquematicamente que o homem seja um ser feito de carne, de sangue, de músculos e assim por diante. E que tem vasos sanguíneos, veias, nervos -naturalmente tudo isso são materiais, são verdadeiros materiais.
No entanto, acreditam os senhores que os mesmos materiais que estavam no fígado, por exemplo, no fígado da criancinha amamentada, ainda se acham ali após cinquenta anos? Não, com certeza não é esse o caso. Pois basta vermos uma coisa muito mais simples: os senhores cortam suas unhas. Quando não são cortadas, elas crescem como unhas de gavião. Ali cortamos continuamente um pedacinho do material de nós mesmos! E quando se corta o cabelo, também se corta um pedacinho do material de si mesmo.
Mas os senhores já devem ter notado alguma vez que isso não se limita a acontecer com o corte dos cabelos ou das unhas, de afastar-se o material, porém, se porventura nos coçarmos ou se deixarmos de lavara cabeça por um período mais longo, também coçaremos a caspa para fora de nós. São pedacinhos da nossa pele. E, se não nos lavássemos completamente, se o suor não afastasse pequenas escamas do nosso corpo, então teríamos um corpo totalmente coberto de escamas. Isso quer dizer que do lado externo do corpo, permanentemente, é eliminada matéria.
Ora, imaginem que aqui se corta um pedaço da unha. Ela volta a crescer. Ela volta a sair de dentro para fora. Na verdade, é isso que realmente acontece com o corpo humano todo. Depois de uns sete anos, aquilo que estava na parte mais interna do corpo estará no plano externo dele, e nós poderemos removê-lo como escamas. Aliás, a própria natureza faz isso sem que nos apercebamos de como estamos sempre nos livrando dessas tênues escamas. O material, isto é, a matéria do homem sempre se dirige de dentro para fora e é escamada pelo lado de fora. Aquilo que hoje temos aqui, bem dentro de nós, estará lá fora depois de sete anos, tendo sido totalmente escamado; e aquilo que temos dentro de nós, estará refeito, estará totalmente refeito.
Na realidade, a cada sete anos as partes moles do material humano se refazem. Enquanto ainda somos crianças pequenas, isso também é válido para certos órgãos ósseos externos. Por esse motivo, conservamos os dentes de leite apenas até os sete anos aproximadamente. Nessa idade eles são afastados e formam-se novos dentes a partir do interior. Depois disso, estes permanecem, só porque não temos mais força para afastá-los; não se consegue afastá-los exatamente do mesmo modo como se afastam as unhas. Contudo, no homem moderno os dentes realmente não têm a tendência de se manter por muito mais tempo! Mas, o ser humano é capaz de suportar muita coisa. Os dentes são mantidos, mas por quanto tempo? Na verdade, eles estão se deteriorando horrivelmente depois de algum tempo, especialmente na Suíça. Isso está relacionado com a água, essa deterioração dos dentes, especialmente aqui nesta região.
Por outro lado, nesse assunto os senhores veem como o material que hoje temos dentro de nós não é mais mantido após sete anos. Ele foi lançado fora e refeito. Se dependêssemos do material, aquele senhor não seria mais aquele que está sentado ali, pois se foram, dissiparam-se os materiais que ele possuía anteriormente. Desde então ele se converteu em alguém muito mais novo, segundo o material. No entanto, desde então ele certamente continua sendo chamado pelo mesmo nome. Ele ainda é o mesmo, atualmente; sim, mas o material não é o mesmo, absolutamente não é. Aquilo que, como força, mantém o material permanentemente coeso, isto é, aquilo que, quando o material se afasta daqui ou de qualquer lugar, traz novamente para cá um novo material – o material pode ser visto no homem colocado sobre uma mesa de autópsia, contudo, o que na qualidade de forças se distende pelo corpo todo do homem, não conseguimos ver, isso constitui o assim chamado suprassensível.
Dessa maneira, meus senhores, se o figado do lactente tiver sido arruinado e se, portanto, uma doença hepática se manifestar no seu quinquagésimo ano de idade, aquela porção correspondente ao figado encontrada ali dentro já terá sido totalmente trocada. O material original terá sido eliminado há muito tempo. O fato de adquirirmos uma doença hepática não depende do material, porém depende das forças, as quais são invisíveis. Durante o período da amamentação, essas forças se acostumaram a não deixar o fígado ser regularmente ativo. A atividade, não o material, mas a atividade desordenou-se. Portanto, no momento em que fica clara para nós essa forma de comportamento do figado, devemos dizer: Com efeito, é claro e também é evidente que o homem, por trocar permanentemente o material, carrega dentro de si algo que não é meramente material.
Basta captar corretamente esse pensamento para chegar com toda certeza, a partir de fundamentos científicos, à impossibilidade de ser materialista. Somente são materialistas aquelas pessoas que acreditam que o homem de cinquenta anos seja feito do mesmo material de que foi feito quando criança. Portanto, é isto que, a partir de bases puramente científicas, torna necessário pensar o homem fundamentado no espiritual, ou seja, que o homem traz dentro de si algo espiritual.
Mas, os senhores por certo não acreditam que essas partículas de material do fígado, que aos cinquenta anos já partiram há muito tempo, que elas possam construir um fígado, possam contribuir para que o fígado seja construído. Pois elas se vão, são elas justamente que abandonam o fígado. No lugar dessas partículas de material que se vão não fica realmente nada senão o espaço. O que refaz o fígado continuamente é a força, é algo supra-sensível. Isto refaz incessantemente o fígado.
O ser humano inteiro precisa ser refeito dessa maneira se, além disso, quiser vir ao mundo. As forças situadas aqui no figado já devem, com toda certeza, existir por ocasião da formação do homem no corpo materno.
Mas pode-se dizer: no corpo da mãe, reúnem-se o óvulo feminino e as células seminais masculinas, surgindo disso o ser humano. Ora, senhores, tanto não pode surgir um ser humano dessa mistura de materiais, quanto não pode surgir a doença hepática no quinquagésimo ano de idade, a partir do material que se deteriorou no seu primeiro ano de vida. Esse material precisa estar presente. Quem afirmar que no corpo materno o ser humano é formado por material, que também afirme em seguida que, juntando-se um pedaço de pau e postando-se alguém ao lado dele durante alguns anos, este se converte numa bela estátua.
É evidente que o material precisa ser colocado à disposição do espírito. E isto acontece no complexo corpóreo da mãe. Entretanto, o ser humano não é formado no corpo materno, porém aquele material, da mesma forma como o material de um escultor, é elaborado justamente pelo espírito, formando-se dessa maneira, no homem, aquilo que o refaz todas as vezes em que um material físico é eliminado. Nós efetivamente precisaríamos comer muito menos do que comemos se o material tivesse um significado mais importante, pois, como crianças, precisaríamos comer muito a fim de ficarmos maiores.
No entanto, aos vinte anos, estando suficientemente grandes e continuando o material a ser sempre o mesmo, ora! Não precisaríamos comer mais nada depois dessa idade. Seria uma bela condição para o empresário da mão-de-obra, uma vez que hoje é proibido empregar crianças para o trabalho, se os trabalhadores não precisassem mais comer nada. Seria uma situação maravilhosa! Entretanto, o fato de precisarmos continuar comendo permanentemente, mesmo depois de crescidos, prova que aquilo que permanece em nós, aquilo que continua no homem durante a sua vida, não é o material, porém é o anímico-espiritual. E este precisa estar presente antes mesmo de dar-se a concepção do ser humano. Estar efetivamente presente e também já elaborar o material desde o princípio, e ainda prosseguir elaborando-o posteriormente.
Outra coisa: Quando o ser humano nasce, pode-se ver a sua mais tenra infância, em que ele dorme quase sem interrupção. Ele dorme incessantemente. Em realidade, só é bom para a sua saúde que, em seu primeiro período de amamentação, ele permaneça desperto durante menos de uma ou duas horas; além desse tempo, o lactente deveria dormir permanentemente, ou seja, ele precisa dormir quase o tempo todo.
Ora, o que significa isso? O que significa essa necessidade de a criança de peito dormir continuamente, essa necessidade de dormir? Isso significa que o seu cérebro ainda deve permanecer um pouco vivo. Os corpúsculos brancos do sangue ainda não podem sair tão vivamente em disparada, devem ainda ficar calmos, e o cérebro ainda não deve estar morto. Por isso a criança de peito precisa dormir. Além disso, ela ainda não consegue pensar. Tão logo ela comece a pensar, as células do cérebro também começarão a ficar cada vez mais mortas. Além disso, enquanto estamos crescendo, a força que nos torna maiores ainda leva para o cérebro, o tempo todo, aqueles processos que podem manter o cérebro adequadamente mole.
Mas, ao pararmos de crescer, quando cessa o crescimento, torna-se cada vez mais difícil, para aquilo que deve entrar no cérebro, conseguir também subir para o cérebro durante o sono. E a consequência disso, embora aprendamos a pensar cada vez melhor ã medida que ficamos mais velhos, é que o nosso cérebro adquire muito mais a propensão para estar morto e que nós, uma vez crescidos no cérebro, estamos continuamente amortecendo-nos.
Apesar disso, o homem suporta muita coisa. Ele ainda consegue manter por muito tempo o seu cérebro de forma a tornar-se suficientemente mole, à noite. Mas um dia acaba chegando o momento em que as forças que impelem para o alto, para a cabeça, não conseguem mais abastecer o cérebro ordenadamente, e então ele se aproxima da velhice.
Ora, de que morre então o homem realmente? Naturalmente, quando algum órgão sucumbe, o espírito não consegue mais trabalhar, do mesmo modo como não conseguimos mais trabalhar com uma máquina que não está em ordem. Mas, além disso, o cérebro humano certamente vai se tornando cada vez mais rígido e ele não consegue mais restabelecer o espírito adequadamente. Pois o cérebro é continuamente arruinado durante o dia por não ser o corpo que restabelece o cérebro, mas, sim, o anímico-espiritual. Mas isso, se é que podemos expressá-lo dessa forma, é como se fosse um veneno; o anímico-espiritual arruína o cérebro durante a vigília. Por isso precisamos dormir, para que o cérebro possa ser restabelecido. Se o cérebro não pudesse pensar, ele certamente não entraria nesse processo de sucumbir, porém tornar-se-ia cada vez mais forte. Pois o braço, que não pensa, que trabalha, torna-se cada vez mais forte. Mas o cérebro, por pensar, torna-se cada vez mais fraco. O cérebro não é um órgão que pensa pelo fato de viver, porém ele pensa pelo fato de ir morrendo e, por conseguinte, algum dia o corpo acaba ficando imprestável para o homem. O espírito permanece, mas, um dia, o corpo torna-se imprestável.
Isso também fica evidente se os senhores lembrarem o que eu disse: o fígado é como um órgão dos sentidos, ele é como um olho aqui dentro. Sim, meus senhores, trata-se de uma doença hepática quando o fígado de um quinquagenário fica tão enrijecido e endurecido conforme eu coloquei anteriormente. Todavia, o fígado sempre estará um pouco endurecido na velhice. Na infância ele está fresco e mole. Esta textura aqui de ilhotas vermelho-marrons – o fígado consiste delas, de haver aqui esta textura de ilhotas -, elas estão interligadas, por sua vez, como uma rede. Assim é o tecido do fígado.
Ora, na infância, esse fígado é totalmente mole e elástico. Mas ele se torna cada vez mais rígido e duro à medida que a idade avança. Lembrem-se, a mesma situação se dá com o olho. À medida que envelhecemos, a parte interna do olho torna-se cada vez mais rígida. Quando ela enrijece de modo patológico, aparece a catarata. Quando o fígado enrijece de um modo doentio, aparece o endurecimento hepático interior com abscessos no fígado e assim por diante.
Mas, mesmo sob condições sadias, o fígado se desgasta como órgão dos sentidos, da mesma forma como se desgasta o olho. E o fígado, por ter sido desgastado, percebe cada vez menos, no seu interior, se os alimentos são úteis ou prejudiciais. Portanto, quando uma pessoa envelhece, o fígado não a serve mais tão bem para avaliar as coisas que entram no estômago, se são úteis ou prejudiciais. Nesse caso elas também não serão mais tão bem barradas. Quando o fígado está sadio, ele faz com que os materiais úteis se espalhem pelo corpo e os prejudiciais sejam retidos.
Mas quando o fígado está danificado, os materiais danosos também penetram nas glândulas intestinais, na linfa, espalhando-se pelo corpo e produzindo toda sorte de doenças. E isso faz com que aquele que houver envelhecido como ser humano não consiga mais perceber interiormente o seu corpo tanto quanto podia fazê-lo anteriormente, através do fígado. Eu diria que ele se torna interiormente cego para o seu próprio corpo. Caso estejamos exteriormente cegos, outra pessoa pode conduzir-nos e ajudar-nos. Mas quando nos tornamos interiormente cegos, neste caso os processos não decorrem mais de uma forma ordenada e então logo aparecerá o câncer do intestino, ou o câncer do estômago, do piloro ou uma coisa qualquer, no momento em que o fígado não está mais em ordem. Então não dá mais para usar o corpo. Nessa altura, todavia, os novos materiais que precisam ser continuamente eliminados também não são mais inseridos de forma ordenada no corpo. A alma não consegue mais acompanhar, na mesma medida, o corpo humano, e aproxima-se o tempo em que o corpo precisa ser totalmente jogado fora.
Na verdade, senhores, podemos ver, de ano a ano, como o corpo é efetivamente jogado fora, pois, ao escamarmos na cabeça ou cortarmos as unhas, jogamos fora aquelas coisas que se tornaram inúteis. Mas o que está ali dentro, como forças, permanece no corpo. Ora, quando o todo se torna inútil, aquilo que trabalha dentro dele não consegue mais substituir nada. E, do mesmo modo como são descartadas as unhas e a caspa e as outras coisas do corpo, também o corpo todo é descartado; e o que resta do homem é precisamente o espiritual. De modo que os senhores podem dizer a si mesmos: “Se entendo o ser humano, então eu o entendo como complexo corpóreo e espírito, e não é verdade que o ser humano simplesmente seja algo corpóreo”.
Vejam. Poder-se-ia dizer que isso seria uma mera questão religiosa. Contudo, isso não é uma mera questão religiosa. Aqui, nesta ciência goetheanística,7 fica realçado justamente o fato de não se tratar apenas de um assunto religioso. Mediante a religião, o homem deve ser tranquilizado no sentido de que não morrerá concomitantemente à morte do seu corpo. No fundo, esses sentimentos são egoístas, e os pregadores também contam com isso. Eles pregam às pessoas algo como isto, que elas não morrerão. Mas aqui não se trata de um assunto religioso, e sim de algo verdadeiramente prático.
Aquele que simplesmente coloca o homem sobre uma mesa de autópsia, lhe corta a barriga e lhe examina o fígado, não chega ao pensamento de como é importante dar-se ao trabalho de alimentar corretamente a criança de peito. Mas aquele que souber como essas coisas acontecem também chegará ao conhecimento de como a criança deve ser educada a fim de que ela possa tornar-se um ser humano saudável. Suscitar saúde na infância é muito mais importante do que curar posteriormente a doença. Mas, na verdade, nada se saberá a respeito disso se o homem for visto apenas como um pedaço de matéria.
Ora, através desse exemplo, fica visível facilmente o que eu lhes disse anteriormente. Mas tomemos outro exemplo. Vamos supor que eu tenha uma criança na escola e que eu a alimente continuamente com toda sorte de coisas e a faça aprender, a sobrecarregar a memória de tal forma que ela nem consiga tornar-se consciente de si mesma. Sim, senhores! O espírito realmente é forçado dessa maneira. Mas não é verdade que estamos apenas sobrecarregando o espírito, pois este trabalha continuamente no corpo. E se ensino a criança de uma forma errada e a educo de uma forma errada, mesmo que o faça, digamos, apenas no caso da memória, então endureço nela determinados órgãos, pois aquilo que é empregado no cérebro perde-se para os outros órgãos. E quando se sobrecarrega excessivamente a criança pelo lado do cérebro, os seus rins adoecem. Isso significa que não se consegue levar a criança a adoecer apenas mediante influências corporais, mas também se pode levar uma criança a permanecer sadia ou ficar doente pela forma como ela é ensinada e criada.
Vejam como, por esse lado, o assunto toma um aspecto prático. Quando se conhece realmente o ser humano, obtém-se uma pedagogia correta na escola. Mas quando se conhece o homem na forma como a ciência atual o conhece, então é possível propor às pessoas nas universidades a forma que acabamos de ver: que o fígado tem aquele aspecto, que temos ilhotas vermelho-marrons e assim por diante. E tudo que eu lhes expus aqui pode naturalmente ser descrito na universidade. Mas, depois disso, emudecemos.
Tal ciência não é prática por não podermos introduzi-la nas escolas. O professor não consegue fazer nada com tal ciência. O professor somente passa a poder fazer algo com esse assunto depois de saber: se o fígado tiver esse aspecto no trigésimo ano de vida eu devo fazer aquilo para ele se desenvolver corretamente; no oitavo ou nono ano de vida, não exigindo que a criança assista a aulas de ensino intuitivo, porém, ensinando-lhe, no oitavo ou nono ano de vida, alguma coisa que conduza os seus órgãos de uma maneira correta. Por exemplo, devo contar-lhe alguma coisa e devo deixar que ela me repita isto, não lhe sobrecarregando a memória, porém deixando-a entregue a si mesma. É isto que se descobre quando se conhece o homem segundo o seu corpo físico, a sua alma e o seu espírito. É assim que se consegue também educar de uma maneira correta.
Agora eu lhes pergunto: Não é, acaso, mais importante não tranquilizar o ser humano com alguma história extraterrestre proveniente de sermões do púlpito, de que ele não morre quando morre o corpo? Com certeza isto não se faz – pois eu lhes comprovei isso – mas com isso se atua apenas sobre o egoísmo das pessoas que desejam justamente continuar vivendo, e é ao encontro desses desejos que se vai. A ciência nada tem a ver com desejos, porém com fatos, e estes fatos, quando conhecidos, tornam prática a história inteira. Então, quando se conhece o ser humano realmente, passa-se a ter algo para ser introduzido nas escolas.
E é por isso que essa ciência goetheanística se destaca de outra ciência qualquer. Nós desejaríamos trazer para cá, aos poucos, uma condição que seja aplicável não só a algumas poucas pessoas exatamente pertencentes à classe de cientistas, porém levar essa condição aonde a ciência seja total e simplesmente humana, aonde ela venha a beneficiar a humanidade, aonde ela trabalhe em prol do desenvolvimento da humanidade.
A ciência atual limita-se a lidar com a tecnologia de uma forma prática e, ainda esporadicamente, neste ou naquele campo, por exemplo, no campo da medicina; mas também não muito, mesmo neste. Sim! Ensina-se a teologia ou a história; entretanto, verifiquem os senhores se é aplicado em algum momento na vida. Nem mesmo no próprio púlpito, o teólogo pode empregar a sua ciência; ele é obrigado a falar de uma forma tal que as pessoas queiram ouvir. Ou, perguntem ao jurista, ao advogado, ao juiz! Ele aprende as suas coisas a fim de memorizá-las à força e depois sabê-las para o exame. Mas em seguida ele as esquece tão depressa quanto for possível, pois aqui fora ele se orienta segundo leis inteiramente diferentes. Nada daquilo é aplicado ao ser humano vivo. Em poucas palavras, já temos uma ciência que absolutamente não é mais prática para a vida. E isso é ruim.
Neste fato os senhores também podem ver como são realmente formadas as classes de pessoas. Na vida é assim: aquilo que é colocado na vida também deve ser utilizado. Portanto, quando existe uma ciência que não pode ser utilizada, isto é, quando existe uma ciência inútil, então as pessoas que a cultivam também são inúteis num certo sentido e, consequentemente, surge uma classe de gente inútil. Eis aí as diferenças de classe!
Tentei expor esse assunto no meu livro “Pontos Centrais da Questão Social”.. Ali tentei expor o fato de que até mesmo as diferenças de classe sociais estão, em realidade, relacionadas com a vida espiritual. Mas quando uma pessoa aponta para a verdade, ela é definida em toda parte como fantasista. Todavia, os senhores podem ter certeza de que aqui não se trata de coisas fantasiosas, porém de um conhecer real e efetivo, e também de tornar a ciência prática, na ciência que realmente pode intervir na vida. Assim as pessoas se tranquilizam também quanto à morte.
Naturalmente, algumas coisas são difíceis para os senhores, precisamente por não ser a educação escolar como deveria ser. Mas, sem dúvida, aos poucos os senhores irão entendendo as coisas. E os senhores podem ter certeza de que outros também não as entendem muito bem. Quando se encontra a ciência contemporânea tão sujeita assim a todas aquelas situações medievais, pode-se ver que espécie de ciência ela é. Porém, quando exponho em Oxford a ciência do Goetheanum, esta se destaca notavelmente daquilo que em geral se expõe por ali. Pois tem uma conotação diferente; mas ela somente será entendida aos poucos.
Dessa maneira, gostaria que os senhores obtivessem uma compreensão de quão difícil é passar adiante tais assuntos. É difícil, porém acontecerá, terá de acontecer necessariamente, porque de outra forma a humanidade simplesmente haverá de sucumbir.
Rudolf Steiner – GA 347 – Dornach, 9 de setembro de 1922
Tradução: Gerard Bannwart
A FORMAÇÃO DAS IMAGENS E DOS PENSAMENTOS
“Quando dormimos, copiamos o Universo. No Universo tudo está disposto cristalinamente. Por isso, aquilo que vemos aqui na areia cerebral é semelhante aos cristais, justamente porque as forças do Universo estão dispostas desta maneira. Umas se dirigem para cá, outras se dirigem para lá, de maneira que os cristais são formados a partir de todo o Universo. Mas isso também quer acontecer dentro de nós. E quando percebemos, quando olhamos para nossos arredores imediatos, então aquilo que está em nossos arredores imediatos quer adquirir formatos. Devemos impedir, incessantemente, que aquilo se solidifique, devemos dissolvê-lo incessantemente…
…Ora, sempre se trata disso, quando formamos um objeto aqui dentro e depois precisamos dissolvê-lo novamente. Percebemos a sua dissolução e, depois, por sentirmos a dissolução, afirmamos: Sim, o objeto está lá, pois ele nos forneceu uma imagem e nós a dissolvemos. Por havermos dissolvido a imagem, sabemos o aspecto do objeto. Por intermédio disso, o nosso pensamento chega ao objeto, por precisarmos primeiro dissolver a imagem do objeto. O pensamento sobrevém por intermédio disso. Se tivéssemos apenas a imagem, desmaiaríamos. No entanto, quando somos suficientemente fortes para dissolver a imagem, sabemos dela. Essa é, portanto, a diferença entre desfalecer quando vemos alguma coisa ou quando ficamos sabendo a seu respeito…
…O nosso cérebro precisa conter os materiais necessários para que o nosso Eu possa trabalhar dentro dele. Mas este Eu está ligado a todas as vastas forças do Universo, as quais querem outra coisa. Essas forças do Universo querem converter-nos incessantemente em pedras muito duras, e nós precisamos sempre dissolver-nos novamente. Se não conseguíssemos dissolver-nos não conseguiríamos pensar, não chegaríamos à consciência do Eu. Nessa dissolução consiste aquilo que denominamos nossa consciência do Eu.”
Rudolf Steiner – GA 347, “Conferência aos Trabalhadores” – leitura 3
GA 347 – Dornach, 9 de agosto de 1922
CONFERÊNCIA AOS TRABALHADORES – CONFERÊNCIA III
O SER HUMANO E SUA RELAÇÃO COM O MUNDO
FORMAÇÃO E DISSOLUÇÃO
– Amortecimento da vida. – Procedência dos pensamentos. – Formação de cristal. – Silício. – Formação de montanhas. – Os Alpes. – Açúcar e sua dissolução. – Diabete. – Reumatismo e gota. – Formação e dissolução da areia cerebral. – Apoplexia cerebral. – Adoecer não é senão formar algo com muitas forças. – Café e chá. – Nutrição rica em nitrogênio. – Processo de dissolução e consciência do Eu.
Pergunta: Um dos ouvintes trouxe das férias algumas pedras. Ele pergunta se as pedras também têm vida ou se alguma vez tiveram vida e como surgiram.
Dr. Steiner: Talvez eu possa referir-me a estas pedras numa outra ocasião; mas, eventualmente, também será possível introduzi-las ainda em nossas considerações de hoje.
Vejam, meus senhores! Aqui quero dizer-lhes o seguinte: já verificamos como em nós, no ser humano, ocorre uma espécie de amortecimento da vida. Também vimos como temos no sangue aqueles pequenos animais que se arrastam por ali, os corpúsculos brancos do sangue, os quais se arrastam até a nossa pele pelas veias. Eu lhes disse: constitui uma guloseima para esses pequenos animais, embora permaneçam normalmente dentro de todo o corpo humano, quando eles se dirigem à superfície. Para eles isso constitui, por assim dizer, o tempero da vida.
Essas são, portanto as células vivas que se arrastam por ali. E eu lhes disse que, contrastando com isso, as células do sistema nervoso, a saber, as que estão no cérebro, estas são as que na realidade são continuamente amortecidas, as que penetram continuamente no âmbito da coisa morta. As células do cérebro são, assim, as que, em realidade, somente começam a ficar um pouco vivas quando os senhores dormem. Nesse momento elas começam a ficar vivas. Mas elas não conseguem afastar-se de lá onde estão, pois estão muito aglomeradas entre si; elas não conseguem se mover como os corpúsculos brancos, mas começam a viver um pouco durante a noite, enquanto os senhores dormem. E isso também faz com que nesse momento, no momento em que essas células recebem um pouco mais de força vital, de força de vontade do corpo, os corpúsculos brancos do sangue precisem permanecer um pouco mais em repouso. E assim se passa, com efeito, a pensar em todo o corpo, conforme eu lhes disse.
Coloquemos agora a seguinte questão: De onde procedem realmente esses pensamentos? Na verdade, aquelas pessoas que querem pensar apenas de forma materialista, isto é, as que querem pensar comodamente, dizem: “Ora, os pensamentos têm origem no cérebro ou no sistema nervoso do homem. Os pensamentos nascem ali, como os repolhos nascem no campo”. Não obstante, se as pessoas pensassem até o fim, mesmo que fosse uma única vez, sobre “como nascem os repolhos no campo”… Ora, no campo não nasce um único pé de repolho se ele não for previamente semeado. Portanto, as coisas precisam ser, digamos, previamente cultivadas. No que me diz respeito, qualquer um pode ver, no cérebro humano, uma espécie de lavoura para os pensamentos. No entanto, suponham uma vez: se os senhores tivessem uma bela lavoura de repolhos, mas aquele que sempre a cultivasse fosse embora e não se encontrasse mais ninguém para dar continuidade ao seu cultivo, então, com certeza, jamais cresceria ali qualquer pé de repolho.
Por isso, é preciso dizer: justamente quando se acha que os pensamentos têm origem dentro do cérebro, deve-se perguntar primeiro: “De onde vêm os pensamentos?” Ora, do mesmo modo como o repolho, vem da lavoura! Portanto, em primeiro lugar é preciso conceber a questão de forma correta. E em seguida devemos dizer-nos o seguinte: aquilo que os senhores veem aqui surgiu efetivamente lá fora, na natureza. Mas, por outro lado, eu gostaria de explicar-lhes aquilo que surge lá fora, na natureza.
Eu lhes disse: encontramos tudo dentro do homem a partir do momento em que compreendemos tudo aquilo que está ao seu redor. Assim que voltamos nosso olhar para as plantas e outras coisas mais, passamos a compreender muita coisa que se encontra dentro do homem. Agora, temos esta pedra aqui. Ora, examinemos então esta rocha em detalhes. Vejam! Por debaixo dela, atrás dela e na sua parte superior, há uma camada de material bem mole. Tudo isso pode ser raspado com uma faca. A parte externa, a que está ao seu redor, simplesmente se assemelha a uma terra mais compacta. Portanto, ela é assim… (vou desenhar apenas a parte de baixo).
Aqui embaixo, encontra-se esta rocha muito mole, e aqui, justamente como que crescendo a partir dela, encontramos toda sorte de cristais que parecem nascer a partir daqui, da rocha mole. Na verdade, eu deveria desenhar muitos outros cristais, mas estes aqui já bastam. Existem, portanto, aqui, estes pequenos cristais; eles estão aqui embaixo como se houvessem crescido a partir daqui; mas eles são extremamente duros. Não se conseguiria raspá-los com a faca, a faca não consegue atacá-los; quando muito, para pegar um deles, seria possível destacá-lo inteiro, porém não se consegue riscá-lo. Assim, trata-se de cristais muito duros, acamados ai dentro.
Agora façamos a pergunta: Como podem esses cristais surgir numa terra mais mole, numa terra que foi apenas muito pouco comprimida para compactar-se? Pois esses cristais são corpos que obtiveram uma forma muito bonita; aqui eles têm uma forma um tanto alongada e, por cima, no alto, eles têm um pequeno telhado. Também haveria um pequeno telhado por baixo, se esta parte não penetrasse na terra. Se a terra fosse suficientemente mole, isso ficaria assim em todos os cristais, mas esta parte sucumbe ao penetrar no reino terrestre.
De onde vêm estes cristais? Na verdade, para que as plantas cresçam, é preciso haver ácido carbônico pelo lado de fora das plantas, ao redor delas. Senão as plantas não conseguem crescer. O mesmo material que nós exalamos precisa acercar-se das plantas. E então, quando o ácido carbônico se acerca das plantas, as plantas absorvem este ácido carbônico, elas retêm o carbono que está contido no ácido carbônico, exalando novamente o oxigênio. Ou seja, esta é a diferença entre os homens e as plantas.
Os homens inalam o oxigênio e exalam o ácido carbônico; nós retemos o oxigênio enquanto entregamos o ácido carbônico. A planta está ligada à Terra. Quando a planta morre, esse carbono volta à Terra e se converte justamente no carvão mineral preto, que depois de séculos retiramos de dentro do solo ao escavá-lo.
No entanto, dessa mesma forma também existem outros materiais. Existe um material que se assemelha ao carvão num certo sentido, mas, por outro lado, é diferente dele. É o silício. Presumam que os senhores tenham um solo rico em silício, dentro do qual exista muito silicio. Nele atua o oxigênio, pois sempre existe muito oxigênio. Agora, há o oxigénio por cima dele. No começo esse oxigênio não atua sobre o silício. Mas, depois de algum tempo, no decurso da evolução terrestre, descobre-se subitamente que o oxigênio uniu-se ao silício.
E, da mesma maneira como surge em nós o ácido carbônico quando exalamos, assim também surge o quartzo, o ácido silícico, quando o silício da terra se junta corretamente ao oxigênio; nisso têm então origem esses cristas. Basta que o silício da terra se ligue ao oxigênio para surgirem esses cristas, tais como os que estão aqui.
Mas o oxigênio não tem, por si só, o poder de unir-se ao silício. Poderia haver muito silicio e muito oxigênio sobre ele; mesmo assim tudo isso não se formaria. – Por qual motivo surgem, então, essas belas formações? Ora, elas surgem justamente porque, por todos os lados do Universo, há forças atuando na Terra e porque a Terra está permanentemente conectada ao Universo inteiro. Aqui dentro há forças atuando continuamente e estas forças introduzem o oxigênio no silício; por esse motivo surgem tais cristais.
De modo que todos estes cristais surgem porque a Terra recebe a influência de todos os outros astros. Podemos, portanto afirmar: estes cristais são realmente formados a partir do Universo atuando para dentro da Terra. Mas agora os senhores podem dizer o seguinte: – O que você está nos contando? A rocha que o senhor N. nos trouxe, prova exatamente o contrário!
Na realidade a rocha é assim: aqui em baixo há terra solta, aqui em cima também há terra solta e aqui atrás também há terra solta. A rocha está toda rodeada de terra solta, e estas formações de cristal aqui, elas não crescem apenas de baixo para cima, conforme acabo de descrever, porém os senhores poderiam dizer que aqui algumas realmente crescem para cima, porém se apenas existissem as daqui de baixo. No entanto, estas aqui crescem de cima, vindo ao encontro das de baixo.
E os senhores poderiam dizer: “Mas isso certamente não pode ser explicado a partir do Universo, pois nesse caso precisaríamos admitir que tais forças vêm do interior da Terra, aquelas forças que deveriam proceder do Universo se nos limitássemos a explicá-las de baixo para cima”.
Ora, vejam! Isto é uma aparente contradição. Deve haver algo por detrás disso. Pois agora quero dizer-lhes o que há atrás disso.
Por certo, tais rochas não têm origem em terreno aberto; elas são originárias das montanhas. E mesmo quando elas são encontradas em terreno aberto, há camadas de terra por cima e por baixo delas, como também as há nas montanhas.
Mas vamos admitir que as busquemos nas montanhas. Suponham que tivéssemos montanhas como esta, cuja encosta quero desenhar aqui. Quando os senhores sobem deste modo, precisam passar obrigatoriamente por aqui, o caminho precisa passar por aqui onde a terra ou o rochedo podem estar um pouco salientes; com certeza, quando nos dirigimos às montanhas, encontramos saliências de terra em toda parte. E suponham que, há muitíssimo tempo, o que eu desenhei aqui em marrom estivesse ali, estivesse depositado ali, e isto estivesse depositado aqui (desenho).
Segundo a minha exposição, cristais também se formariam, porém aqui dentro, mediante as forças provenientes do Universo, conforme expliquei. E aqui também se formariam tais cristais. Com certeza, cristais teriam crescido partindo daqui de baixo, formados pelas forças do Universo, e também partindo de cima.
E depois terá acontecido de mais tarde, o que está aqui em cima precipitar-se para baixo cobrindo tudo aquilo ali. Assim os senhores veem: a parte de cima, ao precipitar-se ali para baixo, cá de tal forma que esta parte se volta para cima, porém ficando voltados para baixo, pela queda, os cristais que originalmente se dirigiam para cima, de tal forma que ficam caídos por cima disto, sendo detidos pelos que estavam por baixo e depositados, assim, uns sobre os outros. Aqueles que se precipitaram para baixo depositaram-se sobre os de baixo, de tal forma que a parte de cima ficou por baixo.
Em realidade, era assim que as coisas iam acontecendo continuamente, nas montanhas. O estudioso descobrirá que tais deslizamentos de terra não cessam de acontecer nas montanhas, quando a parte de cima é depositada sobre a parte de baixo. É esse, justamente, o fato interessante do estudo das montanhas. Quando se anda pela planície tem-se a sensação, pois ela foi formada apenas durante os últimos milênios, de que uma camada sempre se deposita sobre a outra. Mas jamais poderíamos afirmar a mesma coisa a respeito dos Alpes. Todavia, os Alpes também surgiram há muito tempo dessa mesma maneira; mas as partes mais altas precipitaram-se posteriormente sobre as mais baixas, e os Alpes são camadas de terra que foram todas elas arremessadas e revolvidas.
Por esse mesmo motivo, é tão difícil estudar os Alpes, pois, em toda parte, é preciso indagar se aquilo que está em cima surgiu efetivamente ali em cima. Amiúde, aquela parte não teve origem daquela maneira, porém havia uma camada lá embaixo e havia outra aqui em cima e, depois, por causa de algum empurrão, a parte que estava em cima foi lançada para baixo, e ela encobriu, então, o que estava embaixo. Assim, aquelas assim chamadas dobras das montanhas surgiram ao longo de milénios e milénios e causaram essas coisas. De maneira que é necessário esclarecer primeiro essas coisas, pois foram elas que, por sua vez, precipitaram as montanhas umas sobre as outras.
Portanto, dever-se-ia dizer: a parte de baixo surgiu nesta encosta (desenho), a parte de cima naquela, e por trás ficava naturalmente a montanha, de tal modo que isto caiu aqui, por cima daquilo; isto se sobrepõs àquilo. De modo que somente podemos esclarecer um assunto como esse, onde cristais se defrontam embaixo e em cima, quando se sabe que na Terra, no decurso dos milénios, tudo foi seguidamente arremessado e revolvido desse jeito.
Portanto, sempre temos dessas forças atuando a partir do Universo dentro de todo o reino sem vida e também atuando dentro de nós, de tal maneira que devemos certamente fazer alguma coisa dentro de nós mesmos, a fim de que estas forças não nos perturbem.
Vejam, pois, senhores, nós também temos, dentro de nós, aquele silício que abunda ali na terra. Todavia, dentro de nós, ele não é nem um pouco abundante, mas tais materiais podem dar origem, dentro de nós, a tais pedras tão terrivelmente duras. Porém, se tais pedras duras, como aquelas das quais o senhor N. nos trouxe um exemplar, surgissem dentro de nós, certamente passaríamos muito mal! Se, por exemplo, a criança, que já tem silício dentro de si não conseguisse socorrer-se de nenhum outro modo e em todo lugar lhe aparecessem tais cristais, por menores que fossem – com certeza seriam minúsculos – isso seria uma coisa muito ruim! Na verdade, eles aparecem às vezes, numa doença.
O açúcar, como os senhores certamente sabem, também pode formar cristais. Quando examinamos o açúcar-cândi, aqueles enormes cristais de açúcar, ele certamente também consiste de cristais em camadas superpostas. Ora, açúcar, nós temos muito dele dentro de nós. Os homens aqui da Terra, não comem todos exatamente a mesma quantidade de açúcar. Isso, portanto é variável. Por exemplo, na Rússia as pessoas comem muito pouco açúcar enquanto na Inglaterra elas comem bastante – em média, naturalmente. Mas, em consequência disso, as pessoas também são diferentes. O caráter russo é diferente do caráter inglês. Os russos são pessoas totalmente diferentes dos ingleses. Com frequência, essa diferença provém do fato de os russos obterem pouco açúcar através dos alimentos. Os ingleses comem aquelas coisas que contêm muito açúcar, eles ingerem alimentos contendo muito açúcar.
Isso está relacionado com o que eu já disse. As forças do Universo agem dentro de tudo que podem! Portanto, o homem tem em si muito açúcar. E o açúcar está sempre querendo cristalizar-se. O que podemos fazer, então, para que ele não se cristalize?
Vejam. Eu já lhes contei que, sem dúvida, existe muita água dentro de nós, muita água viva: esta dissolve o açúcar. Seria complicado se a água não dissolvesse continuamente o açúcar! Pois, se o açúcar não fosse continuamente dissolvido, formar-se-iam aqueles pequenos cristais, como os do açúcar-cândi, e nós os teríamos dentro de nós, nós teríamos aqueles pequenos cristais pontiagudos. Não obstante, nós, seres humanos necessitamos de açúcar como alimento, mas apenas podemos empregá-lo se o dissolvermos continuamente. Necessitamos dele. E por que precisamos tê-lo? Porque precisamos realizar a sua dissolução! Nós não vivemos apenas disso, porém isso pertence à nossa vida, essa necessidade de dissolver o açúcar. Por isso precisamos conseguir introduzi-lo em nós.
Entretanto, se não tivermos força suficiente para dissolver esse açúcar, então começarão a se formar aqueles minúsculos cristais que serão depois eliminados na urina. É desse modo que aparece a diabete. Esta é, pois, a explicação por que as pessoas ficam diabéticas: elas não têm força suficiente para dissolver novamente o açúcar que comeram. Elas precisam ingerir açúcar, mas quando não têm força suficiente para dissolvê-lo, aparece a doença do açúcar. O açúcar não deve chegar ao ponto de ser eliminado em seguida, sob a forma de pequenos cristais, porém deve ser dissolvido. O homem precisa ter a força para dissolvê-lo. Nisso consiste a sua vida.
Quando se reflete sobre algo assim, também se pode certamente reconhecer nisso que não devemos ter a força para dissolver apenas o açúcar, porém também devemos ter a força para continuamente dissolver aqueles pequenos cristais que sempre querem formar-se dentro de nós como cristais de quartzo. Embora sejam poucos, eles sempre querem se formar para serem dissolvidos novamente. Eles não devem formar-se dentro de nós. Se eles se formassem já na criança, esta viria e diria: “Que coisa horrível! Eu sou picada em toda parte! Por toda parte está comichando em mim!”.
Ora, o que terá acontecido para ser a criança picada em toda parte? Vejam. Nesse caso os pequenos cristais de silício originários dos nervos não foram dissolvidos. Eles permaneceram ali. Não se deve imaginar que se trate de enormes quantidades. São muito poucos cristais e eles são tão minúsculos que sequer podem ser encontrados com facilidade no microscópio; eles são muito menores do que um décimo milésimo de milímetro. Mas quando um grande número desses minúsculos cristais se acumula no sistema nervoso, o homem passa a receber minúsculas e inexplicáveis picadas em toda parte. Somos picados em toda parte.
Além do mais, por isso acontecer dessa forma, por causa disso, pequenas inflamações aparecem provocadas em toda parte; isso ocasiona minúsculas inflamações. E o homem passa a ficar reumático ou tem a gota. A gota nada mais é que a deposição desses minúsculos cristais. Disso provêm aquelas dores que o homem passa a ter. E o fato de o homem gotoso adquirir os nós da gota, procede das inflamações. Se os senhores introduzirem um prego dentro de si, surgirá uma inflamação. Esses pequenos espetos vêm de dentro para fora, impulsionam-se em direção á superfície. E surgem pequenas inflamações interiores, pelas quais se formam, depois, aqueles nós da gota.
Destarte, esses são meros processos que podem atuar no interior do homem. No entanto, a partir deles, os senhores veem como sempre precisamos realmente ter forças dentro de nós, as quais, digamos, precisam atuar contra a gota, senão estaríamos continuamente adquirindo a gota, como seres humanos. Mas nós não podemos ficar adquirindo a gota continuamente. Por isso, sempre é preciso haver, por trás, aquilo com que possamos nos opor a ela.
Ora, o que significa isso? Vejam. Isso significa: lá, a partir do Universo, agem forças para cá, aqui para dentro. Na realidade, elas não querem formar cristais grandes dentro de nós, porém apenas cristais minúsculos, microscópicos. Quando aquelas forças penetram aqui dentro, formando aqui estes cristais, elas também agem dentro nós, de modo que somos continuamente atravessados por essas forças e precisamos desenvolver em nosso interior aquelas forças que continuamente anulam estas coisas. Precisamos continuamente fazer oposição a essas forças. Portanto, devemos ter forças dentro de nós que se oponham a elas. Essas forças do Universo também penetram em nós, mas nós nos opomos a elas — especialmente nos nervos. Se não nos opuséssemos a elas, surgiriam continuamente substâncias totalmente minerais em nossos nervos.
Vejam. As substâncias minerais precisam surgir, uma vez que existem crianças que ficam idiotas e morrem cedo. E quando se autopsia essas crianças que ficaram idiotas, se descobre nelas, muitas vezes, uma insuficiência daquilo que é chamado de areia cerebral. Todos nós necessitamos ter um pouco de areia cerebral dentro de nós. Essa areia cerebral precisa surgir e precisa sempre se dissolver novamente.
Mas agora também pode acontecer de se depositar um excesso de areia caso não tenhamos força suficiente para dissolvê-la. No entanto, meus senhores, aquilo que os senhores fazem continuamente em seu cérebro é ficar continuamente depositando areia nele, ao introduzirem os alimentos em seu sangue. Fazendo isso ela é continuamente depositada. E a areia contida aqui no cérebro (desenho) fica exposta às forças do Universo; exatamente do mesmo modo como a que se encontra lá fora, na natureza, de tal maneira que continuamente pequenos cristais querem formar-se aqui dentro. Mas estes não devem ser formados. Se não tivermos areia no cérebro, tornamo-nos idiotas. Se os cristais se formassem, desmaiaríamos sem cessar, pois, de certo modo, adquiriríamos reumatismo cerebral ou gota cerebral. Embora no resto do corpo isso apenas cause dor, quando o cérebro contém esses cristais, não se pode fazer mais nada e se desmaia. Dessa forma, necessitamos de areia cerebral; porém, deve-se dissolvê-la continuamente. Trata-se de um processo contínuo, da areia cerebral depositar-se, dissolver-se, depositar-se, dissolver-se.
Caso ela seja depositada em excesso, ela pode chegar a ferir as paredes dos vasos sanguíneos do cérebro. Então o sangue escoa por ali. Isto resulta em apoplexia, não só em desmaio, mas numa apoplexia cerebral.
Portanto, justamente ao estudarmos os processos das doenças, compreendemos o que o ser humano efetivamente tem dentro de si. Pois na doença também está em nós tudo quanto está dentro de um ser humano sadio, com a diferença de ser em excesso. Estar doente não significa senão que desenvolvemos algo com força excessiva.
Isso certamente também acontece na vida. Os senhores já viram que, quando há uma criancinha e se lhe toca o rosto com a mão, mas com um toque suave, então isto é um carinho, ela é acariciada. E certamente também é possível tocá-la com a mesma mão, porém com mais força; então isso não é mais um carinho, porém é uma bofetada.
Os senhores podem reparar como, em geral, as coisas no mundo são assim. Por um lado, as coisas podem ser um carinho e por outro lado elas podem ser uma bofetada. Da mesma maneira, na vida, aquilo que deve estar ali no cérebro, aquele trabalho suave na areia cerebral converte-se numa bofetada na vida quando ele é demasiadamente forte, isto é, quando a força contida dentro de nós se torna demasiadamente fraca a ponto de não conseguirmos dissolver essa coisa mineral que temos dentro de nós. Então, ou estaríamos desmaiando continuamente ou, quando a coisa fica muito forte, se esses pequenos cristais começam a perfurar os vasos sanguíneos, temos uma apoplexia. Dessa maneira, esses nossos minúsculos cristais devem ser permanentemente dissolvidos. Essa coisa que acabo de lhes relatar, ela ocorre ininterruptamente, dentro dos senhores.
Aqui quero relatar-lhes mais uma coisa. Vamos tornar as coisas bem evidentes. Admitamos que os senhores tenham aqui o ser humano (quero desenhá-lo bem esquematicamente). Aqui os senhores têm o seu cérebro, aqui o seu olho e aqui quero desenhar uma coisa para a qual, de algum modo, os senhores dirijam o olhar; portanto, digamos que aqui haja uma planta diante dos seus olhos.
Agora, dirijam a sua atenção para essa planta. Vejam! Ao dirigirem a sua atenção para a planta – naturalmente os senhores só podem fazê-lo de dia – e ela estiver iluminada pelos raios solares, então ela estará clara e os senhores receberão o efeito da luz em seus olhos. No entanto, através do nervo ótico que a partir do olho se dirige aqui para trás, aquilo que é atuação da luz entra no cérebro. Portanto, ao olharem para uma planta os senhores são dirigidos através do olho para a planta e, a partir da planta, penetra, através do olho, uma atuação da luz no cérebro.
Meus senhores! Contemplando a planta desse modo – por exemplo, uma flor -, os senhores prestarão atenção à flor. Mas esse prestar atenção a uma flor significa muita coisa. Na realidade, quando se presta atenção à flor, também se esquece de si mesmo. Com certeza os senhores sabem que podem ficar tão atentos a ponto de esquecerem inteiramente de si mesmos. No momento em que se esquece um pouco de si mesmo, em que se olha para a flor, surge imediatamente, em algum lugar do cérebro, a força que segrega um pouco da areia cerebral. Portanto, olhar para algo significa segregar areia cerebral de dentro para fora.
Essa segregação deve ser representada como um processo inteiramente humano. Os senhores já devem ter notado que nós não nos limitamos a transpirar após fazermos muito esforço; porém, quando se tem, por exemplo, um medo horrível de alguma coisa, segrega-se não exatamente uma areia cerebral, mas outros sais, e com estes, água, pela pele. Segregação é isso. No entanto, contemplar significa segregar continuamente areia cerebral. Quando alguém examina alguma coisa com muita atenção, está continuamente segregando areia cerebral. E aqui se nos apresenta o fato de também precisarmos dissolver novamente essa areia cerebral. Pois, se não dissolvêssemos novamente essa areia cerebral, surgiria dentro de nós, em nosso cérebro, da areia cerebral, uma diminuta flor! Com efeito, contemplar a flor significa formar em nós uma diminuta flor a partir da areia cerebral, formar uma flor muito pequena, que apenas estará invertida, do mesmo modo como também estará voltada de baixo para cima, no olho, a pequena imagem. Essa é a diferença, meus senhores.
Trata-se do seguinte: quando contemplamos uma cadeira – nem precisa ser uma flor – mediante a contemplação, forma-se, ali dentro, um pouco de areia cerebral e, se agora nos entregássemos apenas a esta contemplação, obteríamos, ali dentro de nós, uma minúscula imagem – muito menor do que a que caberia num microscópio – obteríamos uma imagem muito diminuta dessa cadeira feita de areia siliciosa. E se eu me postasse agora, aqui nesta sala, e houvesse desenvolvido, como ser humano, certa força contemplativa, então toda esta sala estaria invertida dentro de mim, isto é, com o piso no alto, como uma imagem feita de diminutas pedras de silício. É extraordinário como isso é continuamente construído dentro de nós. No entanto, somos uns sujeitos que depois não permitem que isso aconteça. Sem, todavia fazê-lo com a consciência, dissolvemos novamente toda essa imagem. A esse respeito, na qualidade de seres humanos, somos organizados de um modo muito peculiar.
Olhamos para o mundo. O mundo quer formar continuamente tais configurações dentro de nós, as quais são iguais ao mundo, porém invertidas. E se não estivéssemos presentes, se absolutamente não olhássemos, isto é, se não desenvolvêssemos durante a noite, quando dormimos, a partir de dentro, a força para dissolvê-las, então essas configurações se formariam continuamente por intermédio daquilo que está no Universo. Além disso, essas formas adquirem o seu feitio principalmente quando a Terra não está sendo iluminada pelo Sol, pela luz, porém adquirem o seu feitio por intermédio de forças provenientes de muito mais longe. Por outro lado, sempre estamos entregues a tais forças. De modo que podemos afirmar: quando dormimos, quer se formar dentro de nós, permanentemente, mediante o Universo, toda sorte de configurações inertes, minerais e, quando olhamos, também querem se formar dentro de nós configurações que, todavia, são iguais aos nossos arredores.
Quando dormimos, copiamos o Universo. No Universo tudo está disposto cristalinamente. Por isso, aquilo que vemos aqui nos cristais é semelhante aos cristais, justamente porque as forças do Universo estão dispostas desta maneira. Umas se dirigem para cá, outras se dirigem para lã, de maneira que os cristais são formados a partir de todo o Universo. Mas isso também quer acontecer dentro de nós. E quando percebemos, quando olhamos para nossos arredores imediatos, então aquilo que está em nossos arredores imediatos quer adquirir formatos. Devemos impedir, incessantemente, que aquilo se solidifique, devemos dissolvê-lo incessantemente.
Agora – senhores! – aqui se dá um processo peculiar. Suponham que a flor queira formar aqui dentro uma imagem de si mesma, uma imagem inerte de silício. Esta imagem não pode surgir, pois nesse caso nada saberíamos a respeito da flor, porém adquiriríamos a gota na cabeça. Portanto, em primeiro lugar, essa imagem precisa ser dissolvida.
Ainda quero tornar mais evidente para os senhores esse processo que aqui se dá continuamente, dizendo o seguinte: Vamos admitir que os senhores tenham aqui uma vasilha contendo água morna e que os seus olhos estejam vendados, mas que após vendá-los alguém introduza certo objeto na vasilha, o qual seja solúvel nesta água morna. Agora basta os senhores introduzirem a mão nessa água morna. Os senhores não veem o objeto, pois têm os olhos vendados. Mas agora outra pessoa pode perguntar-lhes: Atenção! Agora você coloca a sua mão dentro da água. Você sente alguma coisa ali dentro? Sim, sinto a água morna. Você sente mais alguma coisa ali dentro? Sim, está ficando frio ao redor dos dedos.
De onde viria isso? É que o outro colocou na água um objeto que se dissolve! E essa dissolução faz justamente com que em volta dos dedos aquela água morna fique mais fria. Ele nota essa dissolução em volta dos seus dedos e pode dizer: ali dentro há algo sendo dissolvido.
Ora, sempre se trata disso quando formamos um objeto aqui dentro e depois precisamos dissolvê-lo novamente. Percebemos a sua dissolução e, depois, por sentirmos a dissolução, afirmamos: Sim, o objeto está lá, pois ele nos forneceu uma imagem e nós a dissolvemos. Por havermos dissolvido a imagem, sabemos o aspecto do objeto. Por intermédio disso, o nosso pensamento chega ao objeto, por precisarmos primeiro dissolver a imagem do objeto. O pensamento sobrevém por intermédio disso. Se tivéssemos apenas a imagem, desmaiaríamos. No entanto, quando somos suficientemente fortes para dissolver a imagem, sabemos dela. Essa é, portanto, a diferença entre desfalecer quando vemos alguma coisa ou quando ficamos sabendo a seu respeito.
Por outro lado, os senhores podem observar alguém, digamos, que está um pouco doente e, nesse momento ressoa um tremendo trovão. Isso pode acontecer. Então, por causa do trovão, forma-se uma imagem no doente e, embora ela não seja formada pelo olho, mas pelo ouvido, a areia se deposita no cérebro. E o doente não consegue dissolvê-la com suficiente rapidez. Talvez ele até desmaie, perdendo a consciência. Se estivesse com boa saúde, ele não perderia a consciência, isto é, ele teria dissolvido a areia cerebral com suficiente rapidez. Desse modo, desmaiar, desfalecer significa não dissolver a areia cerebral com suficiente rapidez. E não desmaiar, não desfalecer significa dissolver a areia cerebral com suficiente rapidez. Todas as vezes que enxergamos objetos ao nosso redor, devemos dissolver a areia cerebral com suficiente rapidez.
Desse modo, chegamos, pois, à maneira como o ser humano se coloca diante das forças existentes em todo o Universo. Na conferência anterior, eu lhes disse: Se o ser humano colocar-se diante das forças do Universo de tal forma que as células cerebrais de seu cérebro queiram morrer continuamente, então, com efeito, elas por certo estarão totalmente inertes e por isso ele precisará dirigi-las. Será com o seu anímico-espiritual que ele as manejará. Assim encontramos nossa própria força que dissolve continuamente as células cerebrais. Na verdade, a areia cerebral mata permanentemente as células. O fato de a areia cerebral se imiscuir, isto mata continuamente as células. E nós devemos opor-nos a isso. Vejam. Esse é o fundamento pelo qual somos seres humanos: a fim de podermos, de certa maneira, opor-nos à areia cerebral.
No animal, trata-se de algo diverso. O animal não consegue opor-se à areia cerebral com a mesma força do homem. Por isso o animal não tem uma cabeça como nós a temos; quando muito, a têm os animais superiores. Temos uma cabeça na qual tudo que entra continuamente nela pode ser dissolvido. Essa dissolução de tudo que entra em nós faz com que o homem possa experimentar a sensação que lhe permita dizer: “Eu!” Essa constitui a mais forte dissolução da areia do cérebro, quando dizemos: “Eu.” É dessa maneira que penetramos a nossa fala com a consciência. Aí a areia cerebral é dissolvida, assim como toda a areia dos nervos em geral. Mas no animal não se trata disso. Por conseguinte, o animal chega apenas até o grito ou até algo semelhante ao grito, mas não chega à verdadeira fala. Por isso, nenhum animal tem a possibilidade de experimentar a sua própria sensação de dizer Eu a si próprio como o ser humano, uma vez que é este quem dissolve a areia cerebral num grau muito mais elevado.
De modo que podemos dizer: dentro de nós, não nos opomos apenas àquilo que está na Terra, porém também nos opomos às forças do Universo. As forças do Universo nos cristalizariam interiormente. Nós nos converteríamos numa montanha, com todas aquelas suas camadas de cristais superpostas. Mas nós nos opomos interiormente a isso. Nós dissolvemos continuamente os cristais. Opomo-nos às forças do Universo com as forças dissolventes.
E dessa maneira não nos limitamos a dissolver o ácido silicioso – pois é ácido silicioso que esses cristais formam aqui -; nós dissolvemos de tudo: dissolvemos as partes que compõem o açúcar e assim por diante.
Por certo é possível pesquisar formalmente tais situações. Suponham que um homem não saiba realmente nada de forma correta sobre esse assunto – pois tais coisas se dão como um instinto dentro do homem -, mas que ele perceba, todavia, algo indefinido dentro de si. Suponham que ele perceba: – Ah! Não chego propriamente a pensar direito, não consigo concatenar corretamente os meus pensamentos.
Por exemplo, um jornalista que escreva um artigo todos os dias, pode chegar com muita facilidade a essa propensão. Pois, meus senhores, escrever um artigo todos os dias, significa dissolver uma quantidade enorme de areia cerebral – será preciso dissolver muitíssima areia cerebral! Essa história de escrever um artigo todos os dias é extremamente nauseante, pois isso significa dissolver uma tremenda quantidade de areia cerebral. Então, toda vez que ele precisa escrever um artigo – pelo menos antigamente era assim – ele começa a roer a parte traseira da haste da caneta. Na verdade, era isso que se dizia, especialmente dos jornalistas, que eles mordiscavam a parte traseira da haste da sua caneta para soerguer as forças dentro deles. Com efeito, ao morder alguma coisa, puxa-se para cima, dentro do corpo, as suas últimas forças, a fim de tê-las na cabeça, a fim de subjugar essa areia adicional do cérebro. Será preciso dissolver muita areia cerebral.
Tudo isso acontece de uma forma bastante instintiva. Naturalmente, o jornalista não dirá: – Eu mordo a haste da minha caneta para chegar aos pensamentos. Mas esse assunto pode ir mais longe. Instintivamente ele se dirige ao bar tomando ali um cafezinho. Os jornalistas não formulam nenhum pensamento a respeito disso, pois nada sabem a respeito desses processos. Entretanto, após tomarem o cafezinho: – Raios! A coisa funciona, e eles conseguem escrever novamente.
De onde provém isso? Isso vem do fato de terem tomado, juntamente com o cafezinho, a assim chamada cafeína. Essa é um material tóxico que contém muito nitrogênio. O nitrogênio está no ar. Nós também podemos obtê-lo dali. Mediante a respiração, sempre absorvemos certa porção de oxigênio e de nitrogênio. Ora, todo aquele que precisa dissolver areia cerebral, necessita de uma força justamente para a dissolução da areia cerebral, de uma força que está situada especialmente no nitrogênio. No nitrogênio buscamos para nós essa força dissolvente da areia cerebral.
Por esse motivo, durante a noite, quando dormimos, também estamos expostos mais intensamente ao nitrogênio do que quando estamos despertos. E nós já dissemos: – Por inalarmos mais oxigênio, vivemos muito mais aceleradamente; se inspirássemos mais nitrogênio, viveríamos muito mais lentamente e, portanto, estaríamos mais presentes, pois poderíamos dissolver mais.
Portanto, ao beber café, o jornalista conta de uma forma totalmente inconsciente com esse nitrogênio que ele recebe dentro de si e através deste nitrogênio que ele acaba de ingerir pela cafeína, ele adquire a possibilidade de formar mais areia cerebral e também, posteriormente, de poder dissolver mais. Então ele não precisa mais roer a haste da sua caneta, mas poderá escrever com ela, porque os seus pensamentos estarão novamente coordenados.
Dessa maneira, os senhores podem ver o modo como trabalha o Eu humano. O Eu humano despacha – pois é verdade que introduzimos um alimento rico em nitrogênio no estômago – ele despacha para dentro do cérebro aquele nitrogênio e, com isso, torna mais fácil a dissolução da areia cerebral. E assim adquirimos a possibilidade de conectar um pensamento a outro.
Por outro lado, algumas pessoas têm a particularidade de seus pensamentos ficarem intensamente unidos a elas, de não conseguirem afastar-se dos seus pensamentos. Tais pessoas são constituídas de tal forma que, na verdade, trabalham incessantemente em sua areia cerebral. Não obstante, elas farão bem em trabalhar no processo oposto. Enquanto uma pessoa é mantida coesa em seus pensamentos por conseguir desenvolver um curso qualquer de pensamentos conexos, outra precisa ajudar-se com a cafeína, com o café. No entanto, a pessoa que não quiser conectar em demasia os seus pensamentos, porém quiser deixá-los brilhar e reluzir e, como se diz, arremessar os seus pensamentos no rosto dos outros, o que soa muito engenhoso, esta pessoa deve beber chá. O chá exerce uma influência contrária. Ele dispersa os pensamentos. E então outra dissolução da areia cerebral é apoiada.
Da maneira como esse processo efetivamente se passa dentro do ser humano, sendo extremamente interessante e complicada. Cada alimento age de um modo diferente e nós devemos sempre acrescentar o contrário ao que realmente quer surgir. E, em seguida, devemos dissolvê-lo novamente. Ora, essa é realmente a nossa parte espiritual mais elevada, essa é a parte pela qual realmente dissolvemos interiormente e sem cessar o ser humano em nós.
Agora, vejam. Quando uma pessoa come de uma determinada forma, a fim de receber, durante um período de tempo, muito pouco daquilo que contém suficiente nitrogénio, então acontece justamente aquilo que a leva a dormir com tanta facilidade, a respeito do que um dos senhores também me perguntou.
Ora, isso se fundamenta no fato de recebermos muito pouco nitrogênio pelos alimentos. E, por esse motivo, num caso desses, quando ficamos muito sonolentos, precisamos tentar absorver alimentos ricos em nitrogênio. Naturalmente isso pode ser feito das mais diversas formas. É o que se consegue quando tentamos ingerir, por exemplo, algo como o queijo, ou a clara do ovo, a albumina, ou ovos portanto. Então, por sua vez, a presença do nitrogênio sempre é melhorada dentro de nós. Deve-se, portanto, trabalhar dessa maneira no homem a fim de que ele esteja em condição de empenhar-se nesse assunto com o que constitui o seu Eu.
Hoje, no início, eu lhes dizia: — Pode até mesmo haver uma lavoura e nela crescerem repolhos, mas eles não crescem se não houver um homem que os cultive. Mas essa lavoura também precisa ser adequadamente preparada. Dessa mesma maneira, o nosso cérebro precisa conter os materiais necessários para que o nosso Eu possa trabalhar dentro dele. Mas este Eu está ligado a todas as vastas forças do Universo, as quais querem outra coisa. Essas forças do Universo querem converter-nos incessantemente em pedras muito duras, e nós precisamos sempre dissolver-nos novamente. Se não conseguíssemos dissolver-nos não conseguiríamos pensar, não chegaríamos à consciência do Eu. Nessa dissolução consiste aquilo que denominamos nossa consciência do Eu.
Vejam! Senhores. Em primeiríssimo lugar é preciso responder essas questões de uma forma sensata se quisermos dar prosseguimento ao aspecto científico de uma visão de mundo,6 se quisermos saber alguma coisa sobre o homem em sua relação com o mundo. O mais importante no homem é que ele compreenda algo daquilo que está ligado a sua dissolução. Agora, quando vemos um homem morrer, verificamos como um homem físico é totalmente dissolvido. Se não soubermos que a cada instante em que estamos despertos, ocorre dentro de nós uma dissolução, jamais compreenderemos o significado da dissolução que ali se completa quando o homem é dissolvido na morte.
Portanto, acima de tudo, meus senhores, é realmente necessário saber que somos capazes de nos opor, dentro de nós, às forças do Universo, pois somos capazes de dissolvê-las continuamente dentro de nós. A dissolução só é incessantemente suspensa porque a alimentação nos repõe os materiais através dos quais dissolvemos. No entanto, quando o homem deixa de ser capaz de dissolver os materiais contidos dentro de si, ele passa a dissolver a si próprio. Então ele se converte em cadáver, ele dissolve a si próprio.
Por ocasião da nossa próxima reunião, haveremos de questionar: – O que acontece quando o homem dissolve a si próprio? Hoje chegamos pelo menos a ponto de saber que existe um processo contínuo de dissolução e que, se não tivermos força – por não termos suficiente nitrogênio dentro de nós – para dissolver as coisas que querem formar-se dentro de nós a partir do Universo, então o nosso Eu começa a desmaiar ou até a ficar sonolento. Ficar sonolento significa não conseguir dissolver suficientemente, significa que a força da deposição nos vence. E é desse modo, na verdade, que essas forças são potencializadas.
Entretanto, exatamente do mesmo modo como os senhores existem quando adormecem, pois podem novamente despertar, também não devem concluir a respeito do espiritual uma coisa que acontece exteriormente ao corpo. Pois, exatamente do mesmo modo como nada acontece numa máquina sem a presença do ser humano, nada aconteceria com o ser humano sem a presença do espírito. Meus senhores, isso é científico e o resto não o é. E isto não é algo que eu queira eventualmente impingir-lhes, mas é algo que para si conquista aquele que realmente possa aceitá-lo cientificamente com muita seriedade.
No início de setembro, haveremos de prosseguir com essas considerações. Então os senhores verão como esse assunto penetra profundamente na compreensão do ser humano, levando-os, ao longo de toda sorte de rodeios, a entender o homem no dia a dia. E os senhores ainda entenderão o ser humano de uma forma muito diferente, no momento em que continuarmos a falar com base naquilo que já debatemos até aqui. O ser humano sempre se restaura novamente e novamente se dissolve, e assim por diante. Mais adiante haveremos de examinar esse assunto. Então os senhores certamente hão de enxergar como o ser humano está predisposto a ser um genuíno cientista.
Rudolf Steiner – GA 347 – Dornach, 9 de agosto de 1922
Tradução: Gerard Bannwart
“Assim que o estudante do ocultismo começa suas práticas, as flores de lótus primeiramente se tornam luminosas; mais tarde elas começam a girar. É quando isso ocorre que a faculdade de clarividência começa. Essas “flores” são os órgãos dos sentidos da alma, e suas revoluções tornam manifesto o fato de que somos capazes de perceber no mundo superfísico.” – Rudolf Steiner (GA 10)
OS CHACRAS OU CENTROS ASTRAIS
Para aqueles que, no caminho certo, praticaram os métodos referentes à aquisição do conhecimento suprafísico que são indicados no “Caminho da Iniciação”, certas mudanças ocorrem no que é chamado de “corpo astral” (o organismo da alma). Este organismo é apenas perceptível para o clarividente. Pode-se compará-lo a uma nuvem mais ou menos luminosa que é discernida no meio do corpo físico e, neste corpo astral, os impulsos, desejos, paixões e ideias tornam-se visíveis. Apetites sensuais, por exemplo, são manifestados como efusões vermelho-escuras de uma forma particular; um pensamento puro e nobre é expresso em uma efusão de cor violeta-avermelhada; a concepção clara de um pensador lógico aparecerá como uma figura amarela com contornos bem definidos; enquanto o pensamento confuso de um cérebro nebuloso se manifesta como uma figura com contornos vagos. Os pensamentos de pessoas com visões unilaterais e firmemente fixadas parecerão nítidas em seus contornos, mas imóveis; enquanto as pessoas que permanecem acessíveis a outros pontos de vista são vistas em movimento, com contornos variáveis.
Quanto mais o aluno avançar em seu desenvolvimento psíquico, mais seu corpo astral será regularmente organizado; no caso de uma pessoa cuja vida psíquica não está desenvolvida, permanece desorganizado e confuso. No entanto, em um corpo astral tão desorganizado, o clarividente pode perceber uma forma que se destaca claramente de seu ambiente. Ele se estende do interior da cabeça até o meio do corpo físico. Aparece como, em certo sentido, um corpo independente possuidor de órgãos especiais. Esses órgãos, que agora devem ser considerados, são vistos nas seguintes partes do corpo físico: a primeira entre os olhos; o segundo na laringe; o terceiro na região do coração; o quarto no que é chamado de boca do estômago; enquanto o quinto e sexto estão situados no abdômen. Tais formas são tecnicamente conhecidas como “rodas” (chakras) ou “flores de lótus”.
Elas são assim chamadas por suas semelhanças com rodas ou flores, mas é claro que deve ser claramente entendido que tal expressão não deve ser aplicadas mais literalmente do que quando se chama os lóbulos dos pulmões de “asas”. Assim como todos sabem que aqui não se trata realmente de “asas”, é preciso lembrar que, em relação às “rodas”, estamos apenas falando figurativamente. Essas “flores de lótus” são atualmente, na pessoa não desenvolvida, de cores escuras e sem movimento – inertes. No clarividente, no entanto, eles são vistos em movimento e de cor luminosa. No médium algo semelhante acontece, embora de maneira diferente; mas essa parte do assunto não pode agora ser prosseguida. Assim que o estudante do ocultismo começa suas práticas, as flores de lótus primeiramente se tornam luminosas; mais tarde elas começam a girar. É quando isso ocorre que a faculdade de clarividência começa.
Essas “flores” são os órgãos dos sentidos da alma, e suas revoluções tornam manifesto o fato de que somos capazes de perceber no mundo suprafísico. Ninguém pode contemplar qualquer coisa suprafísica até que tenha desenvolvido seus sentidos astrais.
Rudolf Steiner – GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 347 – Dornach, 5 de agosto de 1922
CONFERÊNCIA AOS TRABALHADORES – CONFERÊNCIA II
SOBRE O CORPO VITAL DO SER HUMANO
O CÉREBRO E O PENSAR
– Como o ser humano é um ser pensante? – Alimentação láctea. – Leite de jumenta. – Leite materno. – Amortecer e reavivar a nutrição. – Os corpúsculos brancos do sangue e as células cerebrais. – Estados de desmaio e anemia. – A consciência e sua dependência da exata proporção entre glóbulos brancos e glóbulos vermelhos do sangue. – Vivacidade do cérebro durante o sono. – Inconsciência no sono. – Atividade pensante durante o sono. – Processo respiratório e atividade cerebral. – Percepção dos sonhos. – Atividade pensante diurna do cérebro.
Bom dia, meus senhores! Hoje ainda deverei dar prosseguimento ao assunto do qual tratamos anteriormente, porque, com certeza, este só será muito bem compreendido se nos aprofundarmos cada vez mais nele.
Vejam: para o ser humano, como vimos, é necessário retirar seu alimento do reino da Terra, pois, por meio disso, ele se nutre. Trata-se de ele prover sua respiração a partir do que circunda a terra, pois é somente a partir disso que realmente ele vive, somente por isso ele está em condição de tornar-se um ser sensível e sensório, e também trata-se de retirar forças do Universo todo, conforme vimos, pois por isso ele é um ser pensante e, em realidade, só por isso ele se torna um ser humano pleno.
Portanto, o homem deve poder alimentar-se e deve poder respirar, tornando-se assim um ser sensível, e deve poder retirar as forças do Universo para, por meio delas, tornar-se um ser pensante. Ele tanto não pode tornar-se um ser pensante somente por si próprio, quanto não pode conseguir somente por si próprio. O homem não pode pensar-se a si próprio, do mesmo modo como não pode comer-se a si próprio.
Consideremos agora, uma vez, mais de perto, como essas coisas efetivamente acontecem. Em primeiro lugar, comecemos por esclarecer-nos como ocorre esse processo ao absorvermos os materiais nutritivos, destruindo-os de certa forma dentro de nós; então eles adquirem uma condição morta dentro do nosso organismo intestinal e em seguida são novamente avivados através das glândulas linfáticas e levados através da linfa até o sangue; o sangue é renovado pela respiração. O sangue, respectivamente a força do sangue, a respiração, sobe em seguida, pela medula espinhal, para dentro do cérebro e ali se liga àquilo que constitui a atividade cerebral.
Basta somente considerar como a criança se alimenta de modo diverso do adulto para os senhores já poderem deduzir disso muita coisa que serve para a aquisição de conhecimentos sobre o ser humano. A saber, a criança precisa beber muito leite no primeirissimo período da sua vida. Em realidade, no inicio ela se alimenta exclusivamente de leite. – Ora, que significação tem isso, o fato de a criança precisar alimentar-se exclusivamente de leite? Isso podemos imaginar ao nos esclarecermos a respeito daquilo que compõe o leite.
O leite consiste – em geral não se pensa nisto – em 87 por cento de água. Portanto, quando bebemos leite em criança, com efeito, estamos bebendo 87 por cento de água e só os restantes 13 por cento são coisas diferentes. Destes últimos 13 por cento, apenas 4,5 por cento são albuminas; 4 por cento do leite é gordura e depois ainda restam alguns outros materiais, sais etc. Porém, essencialmente, é isso que a criança absorve com o leite. Portanto, propriamente, ela absorve água.
Ora, eu lhes afirmei que o ser humano, na verdade, consiste, acima de tudo, em liquido. A criança precisa aumentar continuamente este líquido, porquanto ela precisa crescer e por isso tem necessidade de muita água; ela absorve essa água através do leite.
Agora os senhores podem dizer: nesse caso seria indiferente se déssemos à criança apenas esses 13 por cento de alimento e de resto lhe déssemos água para beber.
– Mas, vejam bem, o corpo humano não está organizado para isso. Aquilo que recebemos com o leite realmente não são apenas os banais 13 por cento da albumina e da gordura e assim por diante, porém tudo isto, albumina e gordura, está dissolvido no leite, está dissolvido na água, quando se trata de leite. Portanto, na realidade, é um fato que, ao beber leite, a criança recebe, em estado de dissolução, os materiais dos quais necessita. E isso é algo bem diferente do que seria se o corpo precisasse executar anteriormente aqueles trabalhos que acontecem na dissolução.
Se estiverem lembrados do que eu já falei até agora sobre a nutrição, os senhores dirão: realmente, nós também precisamos dissolver previamente a alimentação que absorvemos pela boca. Na verdade, da natureza temos apenas a permissão de receber alimentos sólidos pela boca; posteriormente os dissolvemos pelo nosso próprio líquido. O resto do corpo, o estômago, os intestinos, etc., podem usar apenas coisas previamente dissolvidas. Na verdade, a criança ainda precisa adquirir essa capacidade de dissolver; ela precisa primeiramente conquistá-la. Ela própria não consegue cuidar disso desde o começo. A coisa lhe é previamente dissolvida. Isso os senhores podem deduzir facilmente, pelo fato de que a criança, quando excessivamente alimentada com qualquer alimento artificial previamente composto, simplesmente definha.
Agora os senhores podem dizer: supondo que talvez eu tivesse condições de produzir leite artificial, se eu conseguisse, portanto, compor os 13 por cento contidos em água como albumina, gordura, etc., compô-los com a água de tal forma que exteriormente ficasse muito semelhante ao leite, seria isso um leite e esse leite seria tão bom para a criança quanto o leite que ela recebe normalmente? – Ora, meus senhores – Vejam! – com toda certeza este não seria o caso. A criança definharia ao receber tal leite artificial. E, uma vez que os seres humanos têm permissão de produzir apenas para atender necessidades, será também preciso renunciar à produção de tal leite. Pois este seria apenas um meio destinado a arruinar a humanidade.
Pois quem na verdade pode providenciar, sob a forma de dissolução, aquilo que a criança, exatamente, necessita? Vejam, isso também só pode ser provido pela própria vida. Premidos pela necessidade, os animais em verdade podem fazê-lo, porém nem mesmo todos os animais. Mas, durante o primeiríssimo período da vida, quando a criança depende disso – pois ela ainda não consegue dissolver corretamente – quando ela precisa receber essas substâncias nutritivas, a albumina e a gordura, já corretamente dissolvidas, a criança realmente só pode ser adequadamente nutrida com o próprio leite humano.
E, dos outros leites, o da jumenta é com certeza o que mais se assemelha ao leite humano e por isso é possível, se de algum modo não se apresentar a possibilidade de a mãe ou alguém alimentar a criança amamentando-a, ainda é possível levá-la adiante com leite de jumenta. Embora isso seja muito cômico, o leite da jumenta é, com efeito, o que mais se assemelha ao leite humano, de modo que se for impossível, portanto, providenciar a correta amamentação humana, o aleitamento, por certo, também poderia ser atendido, na emergência, através da manutenção de um estábulo e de uma jumenta, provendo-se, dessa forma, a criança com leite. Entretanto, essa é uma coisa que apresento, naturalmente, apenas como hipótese, a fim de que os senhores vejam como as coisas estão interligadas na natureza.
Agora, comparando-se, por exemplo, o leite como alimento, digamos, com o ovo de galinha, verifica-se que o ovo contém aproximadamente 14 por cento de albumina, ou seja, muito mais, na realidade quatro vezes mais que a albumina contida no leite. Portanto, se começarmos a dar à criança um alimento que contém mais albumina, então, nesta altura, é preciso que a criança já tenha dentro de si essa força de dissolução. Ela já deve ser capaz de dissolver por si própria.
Disso se depreende quão necessário é que a criança receba alimento líquido. – Porém, qual alimento líquido? Ora, um alimento líquido que já tenha passado pela vida e, na verdade, como a criança é colocada diretamente ao seio da mãe, possivelmente ainda esteja vivo.
Na criança pode-se notá-lo nitidamente, a saber, que ao beber o leite e este, por sua vez, seguir pela boca e pelo esôfago até o estômago – só neste ponto ele é amortecido no corpo humano -, que o leite será novamente avivado nos intestinos. De modo que se pode constatar diretamente, ali na criança, que a vida deve ser primeiramente extinguida. E, por estar ainda a vida muito pouco modificada, a criança necessita de menos forças para reavivar o leite, ao bebê-lo, que ao ingerir qualquer outro alimento. Dessa maneira, pode-se ver quão próximo da vida está o ser humano.
Entretanto, esse fato também nos permite ver algo mais. Se efetivamente pensarmos de forma correta: a que chegaremos realmente aqui neste assunto? Comecem os senhores, justamente agora, neste momento, a pensar corretamente. Vejam. Quando, portanto, dissemos que a criança precisa tomar um alimento reanimado, o qual possa ser amortecido por ela própria e novamente vivificado e depois dissemos que o homem consiste em sua maior parte de líquido, ora, estaremos então autorizados a dizer que o homem é composto de água, daquela mesma água encontrada lá fora na natureza, lá na natureza morta? Então aquela água encontrada lá fora na natureza morta deveria, na verdade, ser capaz de trabalhar na criança exatamente do mesmo modo como trabalha no adulto que já acumulou mais forças vitais dentro de si!
A partir dal podemos constatar que aquilo que carregamos dentro de nós como nossos quase noventa por cento de água, não é uma água comum, não é uma água morta, porém é uma água vivificada. Portanto, é uma coisa diferente o que o homem carrega dentro de si como água: ele leva água aviventada dentro de si. E, contudo, esta água aviventada é uma água igual à que temos lá fora na natureza morta, porém impregnada com aquilo que impregna o mundo inteiro como vida, a qual, simplesmente não se manifesta na água morta da mesma maneira como o pensar humano não se manifesta no cadáver. Portanto, se os senhores disserem: água! Ora, ali tenho água no ribeirão e aqui tenho água no corpo humano, então os senhores tornam isto exatamente tão compreensível quanto se dissessem: ali tenho um cadáver e aqui tenho um homem vivo. A água no ribeirão é o cadáver daquela água que está no corpo humano.
Por isso dizemos: o homem não contém apenas essa coisa morta dentro de si, esta parte física, porém ele também contém um corpo de vida, um complexo corpóreo vital. Ora, um modo correto de pensar oferece o seguinte: o ser humano contém dentro de si esse complexo corpóreo vital. E a respeito de como isso irá atuar posteriormente dentro do homem, a respeito disso poderemos esclarecer-nos na medida em que, realmente, observarmos o homem no contexto da natureza. Neste caso, todavia, devemos atentar para o fato de olharmos, em primeiro lugar, para fora, na natureza, para somente em seguida olharmos para dentro, no homem. Quando olhamos para fora, na natureza, encontramos, mais ou menos em toda parte os componentes, as partes das quais o homem se compõe, porém o homem elabora, à sua maneira, essas partes da natureza.
A fim de podermos compreender isso, voltemo-nos para os menores de todos os animais. Acerca disso, os senhores hão de notar, enquanto estou falando, que já falei de modo semelhante sobre o homem, daquilo que está nele, na medida em que agora preciso falar sobre os menores e mais ínfimos seres vivos lá fora da natureza. Vejam, lá na água, na água do mar, existem minúsculos seres animais. Esses pequeninos animais realmente não são mais que minúsculos grumos de muco, em geral tão pequenos que só podem mesmo ser vistos através de uma forte lente de aumento. Agora vou desenhá-los aqui, naturalmente ampliados (desenho). Estes minúsculos grumos de muco nadam, portanto, na água circundante, no líquido.
Ora, se, além disso, não existisse mais nada senão um desses pequenos grumos de muco e em toda sua volta apenas água, esse pequeno grumo ficaria em repouso.
Mas digamos que algum grãozinho, feito de um material qualquer, nade nas imediações, como, por exemplo, este aqui (desenho): neste caso aquele pequenino animal espalha o seu muco sem que exista qualquer outra coisa, espalha-o até o ponto em que o grãozinho seja incluído no seu muco. Naturalmente ele precisa ter primeiro espalhado o seu muco, deslocando-se daqui. Dessa maneira, o pequeno grumo se move. Portanto, por haver cercado o grãozinho com o seu próprio muco, este pequeno ser vivo, esta pequena mucosidade viva, consegue movimentar-se simultaneamente. Por outro lado, o grãozinho é agora dissolvido ali dentro. Ele se dissolve, e o pequenino animal terá comido o grãozinho.
Da mesma forma, todavia, um desses animaizinhos pode comer vários desses grãozinhos. Suponham que aqui exista esse pequenino animal e aqui um grãozinho, aqui outro e aqui mais outro grãozinho (desenho), e que o animalzinho estenda então os seus tentáculos até aqui, aqui, aqui, e até lá onde mais ele tenha estendido os seus tentáculos, portanto, ali onde o grãozinho for maior, ele se arrasta até esse ponto e arrasta consigo os demais. De tal modo, portanto, que esse pequenino animal se mova de maneira a alimentar-se simultaneamente.
Assim, meus senhores, ao descrever essas coisas, ao descrever-lhes o modo como esses pequenos grumos de muco nadam pelo mar afora, alimentando-se simultaneamente, os senhores se recordarão de como eu lhes descrevi os assim chamados corpúsculos4 sanguíneos brancos do homem. Primeiro, dentro do homem eles são exatamente a mesma coisa. Em meio ao sangue humano também nadam tais animaizinhos, alimentando-se e movendo-se do mesmo modo. Com isso podemos chegar à compreensão daquilo que ele está propriamente nadando aqui no meio do sangue humano, ao examinarmos aquilo que nada por ali, lá fora no mar, como pequenos animais. Portanto, nós carregamos isso dentro de nós.
E agora, depois de lembrarmos que temos efetivamente aqueles seres vivos, os quais, num certo sentido, encontram-se espalhados lá fora na natureza, que nós os temos nadando em nosso sangue; portanto, os temos vivendo aqui dentro, em toda parte, vamos tentar esclarecer como é feito o nosso sistema nervoso, principalmente o nosso cérebro.
O nosso cérebro também é composto de pequeníssimas partículas. Ao desenhar para os senhores estas partículas, vemos como elas também apresentam uma espécie de muco espesso, grumoso. Deste muco partem os tais raios (desenho) compostos do mesmo material do muco. Vejam. Aqui está uma dessas células, como são chamadas as partículas do cérebro. Esta tem uma célula vizinha. Ela estende aqui os seus pezinhos ou bracinhos e roça-se por aqui com as outras. Aqui há uma terceira destas células; esta estende os seus pezinhos por ali, roçando-se por aqui. Estes podem ficar muito compridos. Alguns atravessam a metade do corpo. Este, por sua vez, limita com uma célula.
Se examinarmos o nosso cérebro sob o microscópio ele parece ser totalmente composto destes pontinhos onde a massa de muco está mais densamente amontoada. E, prosseguindo, daqui saem grossos galhos de árvores que se vão entrelaçando. Se os senhores imaginarem uma densa floresta, com árvores profusamente copadas, cujos galhos se estendem para longe, roçando-se entre si, então teremos uma representação do cérebro sob o microscópio, sob a lente de aumento.
Por outro lado, os senhores podem dizer: nesse momento ele acaba de nos descrever aqueles corpúsculos brancos que vivem no sangue. E aquilo que foi descrito como cérebro realmente se lhes assemelha muito; aqui no cérebro se formam núcleos, colônias de tais corpúsculos, assim como os que estão no sangue. Se eu conseguisse extrair de alguém, sem com isso matá-lo, todos os seus corpúsculos, todos os corpúsculos brancos do seu sangue e, em seguida, após haver previamente extraído o seu cérebro, pudesse em seu lugar introduzi-los cuidadosamente em seu crânio, eu lhe faria um novo cérebro com esses seus corpúsculos brancos.
No entanto, note-se que, antes de lhe fazermos um cérebro com os corpúsculos brancos do seu sangue, estes precisariam estar semimortos. Esta é a diferença entre os corpúsculos brancos do sangue e as células do cérebro. Os corpúsculos brancos do sangue estão repletos de vida. Eles se movem continuamente entre si, dentro do sangue humano. Eu lhes disse que eles se movem como o sangue, pelas veias. Por aqui eles seguem para fora. Neste ponto, como eu expus, eles se tornam gulosos e seguem até a superfície do corpo. Na verdade, eles se arrastam para todas as partes do corpo.
Entretanto, se os senhores examinarem o cérebro, estas células, estes corpúsculos permanecem em seus lugares. Eles estão em repouso. Eles apenas estendem os seus ramos, sempre roçando os mais próximos. Portanto, aquilo que está lá no corpo como corpúsculos brancos do sangue e que está em pleno movimento, isso entra em repouso no cérebro e neste está efetivamente semimorto.
Agora imaginem, por outro lado, aquele pequeno animal arrastando-se pelo mar, e que às vezes come demais. Ora, ao comer demais o que se passa é o seguinte: ele estende seu braço, seu ramo, pegando coisas daqui e dali, e acaba comendo demais. Ele não suporta isso; então se divide em dois, rompe-se e passamos a ter dois em lugar de um. Ele se terá multiplicado! Essa aptidão para multiplicarem-se também a têm os nossos corpúsculos brancos do sangue. Alguns estão sempre definhando, porém outros vão surgindo pela multiplicação.
Já as nossas células cerebrais, aquelas que eu lhes desenhei, elas não conseguem multiplicar-se dessa forma. Os nossos corpúsculos brancos, contidos em nosso sangue, constituem uma vida plena, independente. As células cerebrais que se entrelaçam daquele modo não conseguem multiplicar-se da mesma forma: de uma célula cerebral jamais surgem duas células. Quando um cérebro aumenta, isto é, quando o cérebro humano cresce, células precisam sempre migrar do resto do corpo para dentro dele. As células precisam crescer para dentro dele. Não que isso possa eventualmente acontecer dentro do cérebro, que as células cerebrais possam multiplicar-se dentro dele; no cérebro elas apenas se acumulam. E durante o nosso crescimento, novas células do resto do corpo precisam ir entrando continuamente no cérebro a fim de que, ao nos tornarmos adultos, tenhamos um cérebro suficientemente grande.
Também por isso, por não poderem multiplicar-se as células do cérebro, os senhores podem ver que elas estão semimortas. Elas estão sempre em processo de morte, essas células cerebrais estão sempre e continuamente morrendo. Se realmente considerarmos esse assunto de uma forma correta, observaremos, no homem, um maravilhoso contraste: em seu sangue ele leva células repletas de vitalidade nos seus corpúsculos brancos, os quais querem viver incessantemente e, por outro lado, em seu cérebro ele leva células que na realidade querem morrer incessantemente, as quais estão sempre a caminho da morte. E isto também é verdadeiro: mediante o seu cérebro, o homem está sempre caminhando em direção à morte, pois o cérebro realmente está sempre correndo o risco de morrer.
Pois bem! Os senhores já devem ter ouvido, ou talvez até já passaram por isto — é sempre desagradável quando nós mesmos passamos por isso — os senhores certamente já ouviram falar que as pessoas também podem desmaiar. Quando as pessoas desmaiam, elas entram num estado semelhante ao de uma queda. Elas perdem a consciência.
Então, o que terá efetivamente acontecido com alguém que perde a consciência desse modo? Os senhores também devem saber que as pessoas muito pálidas como, por exemplo, aquelas mocinhas anêmicas, desmaiam com muita facilidade. Por quê? Ora, vejam, elas desmaiam por que o seu sangue contém um excesso de corpúsculos brancos em comparação com os glóbulos vermelhos. O ser humano precisa ter uma proporção muito exata, como eu já lhes indiquei, entre os corpúsculos bancos e os glóbulos vermelhos, a fim de poder manter-se consciente de maneira correta. Ora, o que significa isso, de tornarmo-nos inconscientes? Por exemplo, quando desmaiamos ficamos inconscientes, porém também ficamos inconscientes quando dormimos. Isso significa que a atividade dos corpúsculos brancos do sangue é excessivamente intensa, que ela é muito forte. Quando os corpúsculos brancos do sangue exercem uma atividade muito forte, portanto quando o ser humano tem muita vida dentro de si, ele perde a consciência. Por conseguinte, é muito bom que, em seu cérebro, ele tenha células que queiram morrer incessantemente, pois, se estas ainda vivessem, se estes corpúsculos brancos do cérebro também vivessem, nós não teríamos absolutamente nenhuma consciência, seríamos seres adormecidos para sempre. E dormiríamos o tempo todo.
E assim os senhores podem indagar: por que, então, as plantas dormem sem cessar? As plantas dormem, sem cessar, simplesmente porque não têm, dentro delas, aqueles seres vivos, isto é, elas efetivamente não contêm nenhum sangue, não possuem esta vida que está aqui dentro de nós, em nosso interior, como vida independente.
Se quisermos comparar o nosso cérebro com alguma coisa existente lá fora na natureza, então devemos compará-lo somente com as plantas. No fundo, o cérebro solapa continuamente a nossa própria vida, criando, justamente desse modo, a consciência. Portanto, nós adquirimos um conceito totalmente contraditório sobre o cérebro, porquanto ele é contraditório: a planta não adquire consciência, o homem adquire consciência! Isso é algo que ainda teremos de explicar adiante, primeiro através de extensas ponderações, mas agora queremos partir para o caminho que nos permita esclarecê-lo.
Na verdade, ficamos inconscientes todas as noites, quando dormimos. Portanto, dentro do nosso corpo há de ocorrer alguma coisa que, nesta altura, devemos aprender a compreender. O que ocorre dentro do nosso corpo? Ora, vejam, meus senhores, se em nosso corpo, quando dormimos, tudo fosse exatamente igual a quando estamos despertos, nós realmente não dormiríamos. Quando dormimos, as células cerebrais começam a viver um pouco mais do que vivem quando estamos despertos. Portanto, elas se assemelham mais àquelas células que tém vida própria dentro de nós. De modo que os senhores podem presumir que, quando estamos despertos, essas células cerebrais estão totalmente quietas; porém, quando dormimos, elas realmente não podem distanciar-se muito dos seus locais por já estarem estabelecidas. Elas, por já estarem retidas por fora, não conseguem mover-se muito pelas imediações, nem conseguem sair nadando muito bem, pois logo se chocariam com alguma outra coisa; no entanto, de alguma forma, elas adquirem a vontade de se movimentar. O cérebro fica interiormente inquieto.
É dessa maneira que chegamos à condição inconsciente, por tornar-se o cérebro interiormente inquieto. Neste ponto devemos dizer: ora, de onde provém esse pensar no homem? Ou seja, de onde provém o fato de podermos acolher dentro de nós as forças de todo o vasto Universo? Mediante os nossos órgãos alimentares, podemos absorver apenas as forças terrenas, juntamente com os materiais. Mediante os nossos órgãos respiratórios podemos absorver apenas o ar, a saber, juntamente com o oxigénio. No entanto, a fim de podermos acolher, mediante a nossa cabeça, todas as forças do vasto mundo, é necessário que aqui dentro tudo fique muito tranquilo, ou seja, é necessário que o cérebro fique totalmente em repouso. Por outro lado, quando dormimos, o cérebro começa a entrar em atividade e então acolhemos uma quantidade menor daquelas forças que se encontram lá fora, no vasto Universo, e depois ficamos inconscientes.
Entretanto, além disso, existe ainda a seguinte situação. Suponham que um trabalho seja executado em dois lugares diferentes: aqui, digamos, um deles é executado por cinco trabalhadores e ali adiante por outros dois. Mais tarde esses trabalhos são reunidos num só e em seguida cada grupo dá continuidade a uma parte do trabalho.
Mas admitamos que, num dado momento, seja necessário deter um pouco uma parte do trabalho, por ter sido fabricado aqui um número excessivo de certas peças de uma espécie e ali um número insuficiente de outras. O que faremos então? Nesse caso pediremos a um dos cinco trabalhadores que se dirija ao outro grupo, para o lado dos dois trabalhadores. Assim teremos ali três trabalhadores, enquanto os cinco ter-se-ão convertido em quatro. Se não quisermos multiplicar nada, apenas deslocamos o trabalho de um lado para o outro. Ora, o ser humano apenas possui uma porção muito bem definida de forças. Ele precisa reparti-las. Quando, portanto, durante o sono, à noite, o cérebro se torna mais ativo e trabalha mais, isso precisa ser retirado do resto do corpo, esse trabalho precisa ser extraído de lá. Assim, de onde é deslocado esse trabalho? Vejam, na verdade, ele é deslocado justamente de uma parte dos corpúsculos brancos do sangue que de noite começa a viver menos que de dia e, portanto, o cérebro passa assim a viver mais. Uma parte dos corpúsculos brancos passa a viver menos. Esse é o ajuste que acontece.
Não obstante, eu lhes havia afirmado que, por suspender o cérebro um pouco a vida, por serenar um pouco, o homem começaria a pensar. Portanto, quando esses corpúsculos brancos do sangue sossegam, quando eles se acalmam durante a noite, o homem deveria começar a pensar em todos os lugares nos quais esses corpúsculos brancos se vão acalmando. Ele deveria então começar a pensar com todo o seu corpo.
E a questão que se coloca é a seguinte: Porventura o homem pensa com o seu corpo durante a noite? Na verdade, trata-se de uma questão delicada, a de o homem eventualmente pensar com o corpo durante a noite, pois o homem nada sabe a esse respeito! No início ele pode limitar-se a dizer que nada sabe a este respeito. Entretanto, o fato de nada saber a respeito de alguma coisa, realmente ainda não prova que tal coisa não exista. Porquanto, se assim fosse, tudo aquilo que o homem ainda não viu não existiria. Dessa maneira, o fato de nada se saber a respeito de alguma coisa não é uma prova de que esta coisa não exista. Por certo é possível que o corpo humano pense durante a noite; nada se sabendo a respeito disso, acreditando-se por isso que ele talvez não pense.
Nesse caso precisamos realmente verificar se o ser humano porventura mostra quaisquer indícios de pensar durante o dia com a cabeça e se à noite ele começa a pensar com o figado e com o estômago e com os outros órgãos e se ele eventualmente começa a pensar até mesmo com os intestinos.
Ora, para isso existem certos indícios. Todo homem mostra indícios positivos de que isso é assim, pois basta os senhores imaginarem de onde provém o fato de que algo possa existir e que, todavia, nada saibamos a seu respeito. Suponham que eu esteja postado aqui conversando com os senhores, dedicando minha atenção aos senhores, isto é, que eu não veja aquilo que se encontra atrás de mim. Nessa situação pode acontecer algo curioso. Eu posso, por exemplo, ter o hábito de sentar de vez em quando aqui na cadeira, no meio da palestra. Agora, enquanto dedico a minha atenção aos senhores, alguém pode afastar esta cadeira daqui. Embora eu não tenha visto nada disso, mas o fato tenha efetivamente acontecido, certamente notarei as consequências se nesse exato momento eu quiser sentar-
me!
Vejam, na realidade trata-se de não julgar apenas segundo aquilo que costumamos saber, porém de julgarmos segundo aquilo que porventura também possamos saber de uma maneira totalmente indireta. Se, por um instante, eu houvesse olhado rapidamente para trás, provavelmente eu não me teria estatelado assim no chão. Se houvesse olhado para trás, eu teria evitado isso.
Por outro lado, vamos examinar agora o pensar humano dentro do corpo. Vejam, os pesquisadores da natureza apreciam falar de limites do conhecimento humano. Que querem eles realmente dizer com isso? Com isso, com o que falam sobre os limites do conhecimento, eles querem dizer que não existe coisa alguma que não tenha sido previamente enxergada – ou através do microscópio ou do telescópio ou de outro modo qualquer. Ora, quanto ao conhecimento, tais pessoas estatelam-se continuamente no chão, pois, o fato de não se ter visto não constitui nenhuma prova de que alguma coisa não exista. Assim é que são as coisas.
Entretanto, aquilo que deverá tornar-se consciente para mim não deve limitar-se a ser perscrutado por mim, porém eu devo também observar o perscrutado de uma maneira especial. Para mim, o pensar poderia até mesmo ser um processo que sempre acontece ora na cabeça, ora em todo o corpo. Mas quando estou desperto, tenho os olhos bem abertos. Olhos não se atêm apenas a ver para fora, porém olhos também percebem para dentro. Da mesma maneira, quando saboreio alguma coisa, não saboreio meramente o que está do lado de fora, porém também percebo em meu interior, se, por exemplo, digamos, estou doente em todo o meu corpo e se aquilo que qualquer outro ainda saboreia como algo agradável, já é repugnante para mim. Por conseguinte, o interior sempre determina. O perceber interior também deve estar presente.
Suponham agora que estejamos despertando de um modo bem normal. Então as nossas células cerebrais vão se acalmando aos poucos. Elas entram muito lentamente em repouso e a coisa prossegue de tal forma que eu vou aprendendo aos poucos a empregar os meus sentidos, isto é, vou recomeçando a usar os meus sentidos. O despertar se processa em total conformidade com a circulação da vida. Esse pode ser um dos casos.
Mas também pode dar-se o outro caso em que, por alguma circunstância, eu acalme as minhas células cerebrais muito rapidamente. Eu as acalmo depressa demais. Agora, neste caso, acontecerá uma coisa diferente, ao acalmá-las depressa demais. Digamos que haja uma pessoa orientando a movimentação dos trabalhadores, sobre a qual eu disse que, se aqui houver cinco, ela afasta o quinto colocando-o ali, deslocando-o para lá. Se uma pessoa dirige tal movimentação, a coisa pode eventualmente ir muito bem.
Entretanto, admitam os senhores que uma pessoa deva afastar um deles e outra pessoa deva colocá-lo novamente no lugar, então toda essa história pode desandar, e, principalmente, ela pode desandar se as duas pessoas se desentenderem quanto ao estar certo ou errado esse processo. Caso agora, no meu cérebro, as células cerebrais sossegarem muito rapidamente, aqueles corpúsculos brancos do meu sangue que, durante o sono, haviam se acalmado, não conseguirão voltara movimentar-se tão depressa novamente. E acontecerá que, enquanto no cérebro eu já estiver em repouso – portanto, no cérebro já tiver acalmado todo o meu movimento que existia durante o sono -, lá embaixo, no sangue, os corpúsculos brancos ainda não queiram levantar-se. Digamos que eles ainda queiram continuar em repouso, por algum tempo, e não queiram levantar-se.
Isso por certo seria uma coisa maravilhosa se pudéssemos, sem mais nem menos, observar esses corpúsculos ainda preguiçosos – naturalmente eu digo isso apenas em sentido figurado – que queiram continuar deitados na cama. Então, em primeiro lugar, eles iriam apenas se encarar, da mesma forma, aliás, como se encaram as sossegadas células cerebrais, e nós perceberíamos os mais maravilhosos pensamentos. Exatamente no momento em que despertássemos depressa demais, perceberíamos os mais maravilhosos pensamentos. Meus senhores, nós podemos compreender isso com muita facilidade quando compreendemos toda a história da conexão do homem com a natureza.
Caso despertássemos rapidamente, se nenhuma outra coisa interviesse, poderíamos perceber em nosso corpo os mais maravilhosos pensamentos. Isso, no entanto, é impossível. E porque é impossível? Ora, é preciso saber que ali, entre aqueles corpúsculos brancos do sangue, ainda preguiçosos e ainda adormecidos, e entre aquilo com que nós os percebemos, o que só é possível com a cabeça, processa-se toda a nossa respiração. Aí dentro estão os glóbulos vermelhos do sangue. Processa-se a respiração, e nós devemos examinar, mediante todo este processo da respiração, aquele processo dos pensamentos.
Suponham, por sua vez, que eu estou despertando, e nisso acalma-se o meu cérebro. Lá em baixo, em alguma parte, estão os corpúsculos brancos, dentro do sangue. Eu também os perceberia ainda como coisas calmas e veria ali dentro os mais belos pensamentos. Entretanto, agora, aqui, de entremeio, encontra-se todo o processo da respiração. Isso é o mesmo que querer ver alguma coisa, mas enxergá-la apenas através de um vidro turvo; então vejo tudo indistintamente, tudo se me torna turvo. Esse processo da respiração é como um vidro turvo. Então se me dissipa todo o pensar que está ali embaixo no corpo. E o que tem origem nisso? Ora, são os sonhos. Os sonhos têm aqui a sua origem: são intermináveis os pensamentos que eu percebo quando em meu corpo a atividade do cérebro se acalma depressa demais.
Por sua vez, ao adormecer, quando tenho algo irregular, portanto quando o cérebro, ao adormecer, entra em atividade muito lentamente, então a história que acontece por causa disso, por entrar o cérebro devagar demais em atividade, isto é, por manter o cérebro a capacidade de perceber algo… por causa disso, eu posso, no momento de adormecer, observar novamente o pensar começado lá embaixo durante o sono. E assim acontece, portanto, que, ao despertar, o homem perceba como sonhos aquilo que em realidade havia permanecido sem ser observado por ele durante a noite inteira.
Porquanto, nós propriamente percebemos os sonhos somente no momento do despertar. E é fácil verificarmos se só os percebemos no momento de despertar, pois basta os senhores examinarem corretamente um sonho. Admitam que eu esteja dormindo e que do lado da minha cama haja uma cadeira. Ora, posso sonhar o seguinte: sou um estudante e encontro em algum lugar outro estudante ao qual dirijo alguma palavra grosseira. O outro estudante
deve reagir a isso, ele precisa necessariamente reagir a isso – tais são as “regras dos estudantes” – ele precisa reagir a essa palavra grosseira e chegar a ponto de me lançar um desafio. As vezes pode tratar-se de alguma futilidade, mas os estudantes precisam lançar um desafio ao duelo.
Ora, nesse momento tudo é sonhado da seguinte forma: escolhem-se os padrinhos, parte-se para a floresta, tudo em sonho, e lá chegando começa-se a atirar. O primeiro atira. No sonho ainda chego a ouvir o tiro, mas desperto imediatamente e vejo que apenas derrubei a cadeira do lado da cama com o meu braço. O tiro foi isso!
Portanto, meus senhores, se eu não houvesse derrubado a cadeira, com toda certeza eu não teria sonhado todo aquele sonho, o sonho não teria existido! No entanto, o sonho converteu-se exatamente nessa imagem, o que só se deu no momento do despertar, pois, na verdade, foi apenas a cadeira derrubada que me despertou. Portanto, nesse único momento do despertar surgiu a imagem e ela confundiu o que se passa aqui dentro de mim. Dessa maneira, pode-se concluir que aquilo que é figurativo no sonho forma-se somente no único momento em que eu desperto, exatamente como ao adormecer deve formar-se, naquele único momento, aquilo que é figurativo no sonho.
Entretanto, quando tais imagens se formam e, por outro lado, eu posso perceber algo com tais imagens, então é preciso que existam pensamentos para isso. Em que ponto nós chegamos aqui? Chegamos a ponto de compreender um pouco o dormir e o despertar. Portanto, perguntemo-nos: – De que se trata quando se dorme? Ao dormir, o nosso cérebro é mais ativo que na vigília, na vigília o nosso cérebro sossega. Sim senhores! Se nós pudéssemos dizer que o nosso cérebro torna-se mais ativo na vigília, também poderíamos ser materialistas, pois neste caso a atividade física do cérebro significaria o pensar. No entanto, se formos sensatos, com certeza não poderemos dizer que o cérebro na vigília seja mais ativo que ao dormir. Ele precisa aquietar-se justamente quando desperta.
Portanto, a atividade corpórea, com toda certeza, não pode dar-nos o pensar. Se a atividade corpórea nos desse o pensar, esse pensar deveria consistir numa atividade corpórea mais forte que o não pensar. Todavia, o não pensar consiste numa atividade mais forte. Por causa disso, pode-se dizer: eu tenho pulmões; os pulmões seriam preguiçosos se o oxigênio exterior não se espalhasse sobre eles e os colocasse em atividade. Porém é dessa forma que o meu cérebro é preguiçoso durante o dia; aqui também é preciso que venha algo de fora para o cérebro, para colocá-lo em atividade. E dessa maneira devemos reconhecer como no mundo – exatamente do mesmo modo como o oxigénio põe os pulmões em movimento ou os coloca em atividade – o cérebro deve ser levado a pensar durante o dia, mediante alguma coisa que não esteja no próprio corpo, que não pertença ao próprio corpo.
Portanto, também podemos afirmar: se praticarmos corretamente as ciências naturais, seremos levados a admitir algo incorpóreo, algo anímico. Na verdade, vemos que isso existe. Nós o vemos voando, por assim dizer, para dentro de nós, pois não pode provir do próprio corpo aquilo que nele constitui o pensar. Pois, se proviesse do corpo, deveríamos justamente pensar melhor durante a noite. Deveríamos deitar-nos e adormecer e, em seguida, deveria surgir o pensar em nosso cérebro. No entanto, não fazemos isso. Portanto, vemos, de certo modo, voando para dentro de nós aquilo que constitui a nossa entidade espiritual e anímica.
Dessa maneira, também podemos afirmar: embora, efetivamente, as ciências naturais tenham feito grandes avanços nos últimos tempos, elas apenas aprenderam o que realmente não é apropriado para a vida e para o pensamento, ao mesmo tempo em que não entenderam a própria vida e muito menos ainda entenderam o pensamento. No entanto, ao praticarmos corretamente as ciências naturais, somos levados não por uma superstição, mas justamente por essas ciências naturais corretas. Somos levados a afirmar: exatamente do mesmo modo como é preciso haver um oxigênio para a respiração, é preciso haver algo espiritual para o pensamento.
Sobre esse assunto falaremos na próxima vez, pois ele não se deixa resolver tão simplesmente. E ainda surgirá também, em muitos dos senhores, toda sorte de forças contrárias ao que eu afirmei aqui. No entanto, com toda certeza, é preciso dizer que aquele que neste assunto não fala dessa maneira, simplesmente não clareia para si toda a história que se passa dentro do ser humano. Porquanto, é disto que se trata, de não se espalhar uma superstição qualquer, porém de se criar, em primeiro lugar, a clareza total. É disso que se trata efetivamente.
Rudolf Steiner – GA 347 – Dornach, 5 de agosto de 1922
Tradução: Gerard Bannwart
Assim, olhamos para os seres que atingiram seu estágio humano três estágios acima do homem e notamos como eles se colocaram conscientemente a serviço da humanidade e influenciaram nossa evolução terrestre.
OS ESPÍRITOS DE ÉPOCA
“Assim, para cada época podemos descobrir o Espírito da Época, que é algo que permeia a atividade dos Espíritos Populares, uma atividade que já descrevemos como a atividade dos Arcanjos. Para o materialista de hoje, o Espírito da Época é uma abstração, destituída de realidade; ainda menos ele estaria preparado para aceitar o Espírito da Época como uma entidade autêntica. No entanto, o termo “Espírito da Era” oculta a existência de um Ser real, que está três estágios acima do homem…
…Eles são os Seres que podem ser descritos como os inspiradores – ou se escolhermos usar a expressão técnica do ocultismo – os “intuidores” do Espírito ou Espíritos da Época. Eles trabalham de tal forma que substituem um ao outro e se apoiam mutuamente. De época em época, eles passam a missão ao sucessor. O Espírito da Época, que atuou na época grega, entregou sua missão ao seu sucessor, e assim por diante.
Em cada época um desses Espíritos da Época predomina e marca toda a época, atribui aos Espíritos Populares suas tarefas específicas, de modo que todo o espírito da época é determinado pelas características especiais ou individuais do Espírito Popular. Então, na época seguinte, outro Espírito de Época, outro dos Archai, assume…
…Para que, distribuído entre os vários povos da Terra, se realize o desenvolvimento progressivo das épocas sucessivas, para que os tipos étnicos amplamente diversos sejam moldados por uma determinada área geográfica ou comunidade de língua, para que uma forma particular – a linguagem, a arquitetura, a arte ou a ciência podem florescer e suas várias metamorfoses recebem tudo o que o Espírito da Idade pode derramar na humanidade – para isso precisamos dos Espíritos Populares, que, na hierarquia dos Seres superiores, pertencem aos Arcanjos.
Agora, precisamos de mais um agente intermediário entre as missões superiores dos Espíritos Populares e aqueles seres aqui na Terra que serão inspirados por eles. Você perceberá prontamente, pelo menos teoricamente no início, que o mediador entre os dois tipos diferentes de Espíritos é a Hierarquia dos Anjos. Eles são os intermediários entre o único ser humano e o Arcanjo do povo. Para que o indivíduo receba em si aquilo que o Espírito Popular deve derramar em todo o povo, para que o único ser humano seja instrumental no cumprimento da missão do seu povo, agente intermediário entre o ser humano e o Arcanjo de seu povo é indispensável.
Assim, olhamos para os seres que atingiram seu estágio humano três estágios acima do homem e notamos como eles se colocaram conscientemente a serviço da humanidade e influenciaram nossa evolução terrestre.”
Rudolf Steiner – GA 121, “A Missão das Almas dos Povos” – leitura 1
Tradução livre: Leonardo Maia
A CRUCIFICAÇÃO DE CRISTO NO MUNDO ETÉRICO
Queridos amigos,
Vamos passar dos sintomas à realidade. Esta manhã acordei com estas palavras ressoando em meu coração:
Existem forças trabalhando no mundo agora que desejam negar a 5ª época cultural e, por meio dessa negação, toda a tarefa legítima da 5ª época pós-Atlântida, que é desenvolver a conexão da alma com o espírito através da superação das forças do mal.
No momento, essas forças estão trabalhando fortemente para polarizar os seres humanos e fazer com que a 5ª época cultural seja completa e inextricavelmente inoculada com as forças da 4ª época, que são uma recapitulação da grande época atlante.
Essas forças são inimigas do desenvolvimento do Espírito. Vemos isso com particular facilidade se considerarmos a ascensão da China e da América, ambos os continentes formaram a Atlântida, como sabemos pelas palestras de Rudolf Steiner e pelo trabalho de outros esotéricos. Ambos os continentes têm uma relação particular com a morte e com o mal, Lúcifer e Ahriman, porque foi durante a Atlântida que Lúcifer e Ahriman trabalharam juntos pela primeira vez para infectar a alma humana.
Sabemos por Rudolf Steiner que a 4ª época cultural foi uma repetição dos tempos atlantes, foi uma época em que a humanidade teve que enfrentar o mistério da morte. Para entender que a morte pode ser transformada em vida. Esta humanidade foi capaz de fazer isso porque Cristo desceu em uma forma terrena para morrer e ressuscitar a forma humana como algo espiritual.
A política e a fantasia foram os preparativos necessários para isso, porque a política permite que os seres humanos desenvolvam seus egos e a fantasia, por outro lado, os impede de se tornarem muito endurecidos. Tudo o que é ‘romano’ se tornou decadente em nosso tempo.
Aquele aspecto da 4ª época que se encontra na cultura da América e da China – é preciso lembrar que temos muitas almas ocidentais encarnadas na Ásia e muitas almas asiáticas na América – inspira o materialismo para que encontremos neles as forças da morte luciférica e mentiras arimânicas, eles são as duas faces da mesma moeda.
E porque essas forças da morte e das mentiras se encontram interpoladas em uma época em que devemos vencer o mal, também encontramos nelas as maiores forças do mal no mundo de hoje – e as maiores forças do mal no mundo hoje inspiram o materialismo que é o antagonista direto do espírito.
Deve-se lembrar que nos alcances superiores do espírito, países que parecem hostis estão na verdade trabalhando juntos por meio de suas almas populares – portanto, vemos uma luta entre a China e a América e nas populações desses países, o medo uns aos outros. Mas os dois são como face de uma mesma moeda. Inextricavelmente conectados através dos velhos mistérios decadentes de Tao e Taotl.
É por esta razão que aqueles que devem viver com as forças decadentes atrasadas da Atlântida, na China e na América, no Oriente e no Ocidente, devem desenvolver as forças contrárias: as forças da vida e da verdade. Só podemos fazer isso desenvolvendo a faculdade de imaginação/fé, inspiração/amor e intuição/esperança.
Se essas forças não forem desenvolvidas hoje, a 5ª época cultural será completamente subvertida pela 4ª e sua tarefa legítima de desenvolver a alma da consciência não será realizada. Isso significa que a 4ª Época Cultural irá dominar, levando a influência atlante adulterada e putrificada para a 6ª Época Cultural. Para conseguir isso, os poderes adversos estão trabalhando hoje na política e através do materialismo para trazer a Guerra de Todos contra Todos à frente de seu tempo concedido.
Isso dará aos seres humanos menos tempo para desenvolver a alma da consciência e suas três habilidades, que são o resultado de transformar a Fantasia em Cognição Espiritual, a matéria em espírito: para ver imaginativamente outro ser humano como um ser espiritual.
Ou seja, ver além do material para a imaginação do outro em sua própria alma. Essas imaginações nos tornarão quentes ou frias, e afetarão nossa vontade. Devemos digerir o ser humano e nesta digestão sentiremos que devemos fazer isto ou aquilo com aquele ser humano, realizar esta ou aquela tarefa.
Ouvir inpirativamente qual a ligação desse ser humano com seres superiores ou inferiores, isto é, experimentar as inspirações que vivem no outro em sua própria alma. Elas se manifestarão como cores em nossa própria alma. Saberemos se este ou aquele ser humano é inspirado por seres superiores ou inferiores.
Para compreender as intuições que vivem na própria alma do outro ser humano – conhecer a sua fonte, o ser que vive na alma do outro pelas experiências sentidas no coração, sentiremos o nosso coração mover-se com o outro, rapidamente. ou lentamente. Sentiremos calor, cor e excitação, medo, relaxamento, etc… e compreenderemos o outro por meio dessas três habilidades.
Devemos começar a aprender a fazer isso agora, porque, ao fazer isso, podemos reconhecer a verdade da mentira, a vivência da morte, e uma comunidade capaz de fazer isso não guerreia uma contra a outra.
Devemos aprender a digerir uns aos outros se quisermos nos conhecer como seres individuais. Para aceitar o outro completamente e separar o bem do mal. Guarde o que é bom e vivificante e descarte o mal que voltará a surgir como algo belo.
Isso é chegar a um acordo com o mal, que é a tarefa de nossa época e a tarefa da Alma da Consciência – Cristo já fez isso por nós, ele foi crucificado não no mundo físico agora, mas no mundo etérico, no reino do pensamento humano que é o resultado do materialismo imaginado, inspirado e intuído na alma humana por Lúcifer e Ahriman.
Devemos seguir o exemplo de Cristo e aplicar este entendimento aos nossos líderes acima de tudo, pois eles representam o ego de uma nação! Do contrário, nunca aprenderemos a reconhecer Ahriman quando ele sair para o mundo, pois ele não virá da maneira esperada pelos seres humanos! Ele não aparecerá a falar e agir de nenhuma maneira que seja esperada. O tempo está chegando e está muito próximo, quando se não cultivarmos pelo menos algum senso para essas coisas, seremos completamente enganados … assim como tantos são enganados pelos líderes hoje. Não é para nos paralisar, mas para instilar em nós o entusiasmo pelas tarefas que devemos cumprir!
Rudolf Steiner nos diz:
‘Na medida em que os homens pertencem a uma comunidade humana por seu próprio ato de vontade, então, no reino da vontade, eles terão – perdoe a dura palavra – de digerir uns aos outros. Na medida em que teremos que querer, ou desejar querer, uma coisa ou outra em associação com este ou aquele homem, teremos experiências interiores semelhantes às que temos agora, ainda uma forma muito primitiva, quando consumimos um alimento ou outro. Na esfera da vontade, os homens terão que digerir uns aos outros. Na esfera do sentimento, eles terão que respirar uns aos outros. Na esfera da compreensão, eles terão que sentir um ao outro em cores vivas. Por último, à medida que aprendem realmente a ver um ao outro, aprenderão a se conhecer como seres individualizados.’
https: //wn.rsarchive.org/Lectures/19181026p01.html
…Devemos ver que o trabalho de Ahriman em todo incitamento à guerra, à divisão, ao ódio, à xenofobia, e Lúcifer em todo encorajamento para se unir com aqueles de sangue semelhante, como nação, como ideologia, como classe, como raça, como religião. Aqueles que propagam essas inverdades atlantes na política hoje estão trabalhando para aqueles que querem fazer do materialismo um deus e que desejam destruir qualquer chance de encontrar o espírito no outro.
Eles não estão trabalhando em nome dos poderes progressivos da evolução mundial! Eles funcionam de duas maneiras: trazendo as forças da 4ª época para a nossa (Luciférica), eles trarão uma Guerra de Todos Contra Todos antes do tempo e isso levará ao nascimento prematuro da 6ª Época (Ahriman).
Pode-se dizer que essas forças que atuam na China e na América atuam em todo o Oriente e no Ocidente, respectivamente, em um grau ou outro. Elas trabalham juntas. Quanto mais elas parecem trabalhar uma contra o outra, mais elas trabalham juntas.
É por isso que devemos nos elevar acima da dualidade.
Com o mais caloroso amor e o mais profundo respeito, Namastê!
AdriXXX – Adriana Koulias
Tradução livre: Leonardo Maia
Hoje temos uma tarefa sagrada que depende exclusivamente de nós: a reconexão da Humanidade com o Espiritual autoconsciente.
UMA TAREFA SAGRADA
“Hoje, as incumbências dos seres humanos se tornam grandes. Elas se tornam grandes porque se esvaíram as forças daqueles tempos nos quais a humanidade ainda podia afastar-se, mais ou menos, dos antigos mistérios.
Na verdade, os impulsos dos antigos mistérios desfraldaram substâncias divinas e forças divinas totalmente realistas, sobre a Terra. A humanidade precisava desenvolver-se de tal modo que surgisse um tempo no qual ela fosse mais ou menos entregue a si mesma, e que nesse tempo as substâncias e forças divinas não pudessem atuar diretamente através dos seres humanos sobre a Terra. As forças que entrementes perpassavam o desenvolvimento humano pela humanidade terrestre se exauriram. E talvez essa seja a coisa mais significativa, embora não seja a mais elevada, porém seja uma verdade oculta importante e incisiva, a de que se exauriram as forças que sem os mistérios podiam atuar dentro da evolução humana, e de que a evolução humana não seguirá adiante se não sobrevierem novamente forças dos mistérios.”
Rudolf Steiner – GA 346, “Apocalipse Moderno” – primeira conferência
BEM COMUM E LIBERDADE – SEREMOS CAPAZES?
Pergunta:
Tratando a esquerda ou movimento da esquerda como a politica voltada para o bem comum e o movimento de direita, priorizando a liberdade do individuo. Lúcifer seria de esquerda e Ariman de direita?
Resposta:
Não, porém tem aspectos que podem indicar uma tendência de suas influências pelas perspectivas das suas atuações em certas esferas.
O aspecto de enfraquecimento das forças do coração é Ahrimânico, isso pode refletir numa tendência a ser contra questões humanitárias e de assistência social joga a pessoa mais para a direita, por exemplo, pois o assistencialismo é mais característico da esquerda.
O fanatismo religioso é um aspecto Luciférico – e hoje temos muitos fanáticos neo-pentecostais à direita tb. (Não confundir espiritualidade, independente da religião, com fanatismo religioso). Já o ateísmo é uma característica Ahrimânica, porém vale observar duas qualidades de ateus: aqueles que não acreditam no Deus antropomórfico das religiões e os que não seguem nenhuma doutrina, porém vivem uma espiritualidade real (estes em essência não são ateus) e os ateus que não vivem nenhuma espiritualidade – estes são os verdadeiros ateus.
Um controle total pelo Estado é um aspecto Ahrimânico, que padroniza e aprisiona a sociedade – pois tende a anular as perspectivas individuais, é um aspecto Ahrimânico e temos comunistas mais na extremidade da esquerda com essa perspectiva – por outro lado, o militarismo tb é o controle pelo Estado – muito apoiado pela direita, inclusive esse controle é oculto, pois está disfarçado no discurso de defesa da liberdade, o que não é de fato, pois nos obriga a ter a “liberdade” de se comportar de acordo com as regras do jogo “capitalista”, onde quem tem mais pode sempre mais para ter mais e poder mais ainda, inclusive ter poder para “quebrar as regras do jogo a seu favor” – criando um desequilíbrio social gigantesco.
Essa questão do militarismo reflete um paradoxo – pois nada é mais impositor por parte do “Estado”. Para se criar uma ditadura, seja comunista ou não, requer um Estado militarizado para controle da população e cerceamento da liberdade. Perceba que a maioria dos movimentos à esquerda são contra o militarismo, o que anula o discurso de ditadura comunista. Já na direita temos esse apoio à militarização do Estado, que visa, de fato, a imposição das regras do capitalismo moderno amoral, favorecendo aqueles que tem mais poder econômico, corporações e na esfera social mais fragilizada se torna um impositor de deveres – “Estado mínimo” de direitos e “Estado máximo” de deveres. Isso gera a manutenção de grupos de elite na esfera coletiva – que determinam e se favorecem com as “regras do jogo” e são protegidos pela militarização sob justificativa de defesa da “ordem e da liberdade”. A militarização é um impulso Ahrimânico e contra a liberdade em essência.
A observação pontual da atuação das duas forças é bem complexa, por isso requer um conhecimento mais íntimo das duas potências, para podermos reconhecer suas atuações em todas as esferas da vida.
A questão do bem comum e da verdadeira liberdade está, na verdade, atrelada ao desenvolvimento moral, alicerçada no Amor Crístico.
Leonardo Maia
Amor Universal ou indiferença: o quanto você se importa, verdadeiramente, com o aquele que não te trará benefício algum?
A POLÍTICA E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
Eu gostaria de falar sobre a relação entre a política e o processo de individuação do ser humano. Por que considero isso relevante?
Bom, em realidade, esta relação é de extrema importância, tanto pelo perigo de regredirmos para uma consciência inferior quanto pela oportunidade de elevação que já se mostra em certas consciências nessas amplas discussões políticas da internet.
O processo de individuação é a libertação do pensar coletivo, a capacidade de pensar a agir a partir de si mesmo e seguir o caminho da liberdade (vale ressaltar que libertar-se do pensar coletivo não implica em sua negação, mas a possibilidade de ponderar e agir a partir do sua própria concepção e decisão – através da Vontade, o fortalecimento do EU individual).
Muito dirão, mas eu tenho liberdade de escolha, vivemos em uma democracia e etc… enquanto esse processo, em realidade, é de sutil percepção, muitas vezes somos levados por uma consciência coletiva, de massa e a força da individualidade (que é desenvolvida gradualmente) ainda é muito fraca e nossa vontade é incapaz de sobrepujar ou mesmo termos a capacidade de ponderar com clareza sobre como estas forças coletivas que atuam e, até certo ponto, conduzem o ser humano.
A individualidade reflete em uma forma de pensar singular a cada ser humano, uma capacidade de percepção, de expressão e uma personalidade única.
Qual a relação disso com a política contemporânea?
Bom, estamos vivenciando a algum tempo uma polaridade que pode ser facilmente identificada nas redes sociais: esquerda x direita.
Do ponto de vista oculto, existem duas correntes distintas que podem, segundo minha percepção, influenciar diretamente uma tendência maior para um lado ou outro, falando de forma grotesca para não estender muito: uma corrente do coração (emocional) e outra do cérebro (racional). Cada uma dessas correntes tem um papel essencial no desenvolvimento da consciência humana.
Acontece que o desequilíbrio entre essas duas correntes no ser humano cria tendências que podem gerar um déficit no indivíduo. Nos extremos, ou um ser humano que age a partir das emoções sem um pensamento coeso, ou um ser humano sem coração, com um pensar frio e rígido, que é incapaz de sentir e se importar com o próximo. No caminho do meio encontramos a semente do futuro, a ponte entre o cérebro e o coração, onde o pensar racional é aquecido pelos valores universais e morais do coração. Cada um de nós se encontra em uma posição entre estes dois extremos. Independente, estar mais à esquerda ou à direita ou mesmo próximo ao centro não equivale a ser de esquerda, direita ou centro, mas indica sim uma tendência.
Podemos fazer uma referência às forças luciféricas e ahrimânicas dentro de uma perspectiva Antroposófica. Onde Lúcifer é a dissolução do pensamento coeso e um desequilíbrio emocional e Ahriman sua coagulação, um pensamento rígido e sem sentimento (o cabeça de vento x o coração de pedra). No equilíbrio se encontra a criatividade e emoção coesa com o pensar racional e científico, porém humanitário, aquecido pelo amor a si, ao próximo, ao mundo (natureza).
Vamos falar sobre a percepção do EGO – caminho para a individuação, que se torna aspecto essencial nessa percepção política para podemos nos tornar mais conscientes do quão individualizados ou dissolvidos na mente coletiva e o quão mergulhados no egoísmo ou no altruísmo.
Existe uma crença negativa em cima do ego, mas ele funciona como um impulsionador para o processo de individuação. Dentro do processo de desenvolvimento humano, passamos por uma etapa de consciências coletivas. Estas partem do todo para o indivíduo que, através de suas experiências singulares, começa a se diferenciar.
De uma forma grotesca, podemos colocar o ego como uma forma do indivíduo perceber a si próprio como algo separado do todo, como uma individualidade. Eu não sou igual, sou único. Acontece que para isso o ego necessita de uma força para retirar o indivíduo do fluxo coletivo, e isso pode gerar um egoísmo no indivíduo, fazendo que olhe apenas para si próprio. Isto é normal, pois ele precisa sair da corrente coletiva para se perceber.
Este é um processo incrível, pois a consciência se metamorfoseia do todo para o ponto focal, o indivíduo. No próximo passo, o indivíduo deve sair de dentro de si mesmo ao compreender o outro, saindo do egoísmo para o altruísmo. Por isso o ego muitas vezes é chamado de veículo do sofrimento humano, pois este pode (e geralmente o é) um processo muito doloroso: sair do amor egoísta e narcisista para o amor ao próximo e universal.
Nos seres menos individualizados, seu fluxo de ação menos ponderada e menos crítica – com pouco ou nenhum discernimento, age quase que a partir de um processo instintivo de sobrevivência. Então eles agem a partir de uma impressão mais bruta, menos refinada da realidade, com o impulso instintivo do que seria melhor. Já no ser mais individualizado, porém ainda mergulhado no egoísmo, ele segue o fluxo no que é melhor para si próprio, quase que exclusivamente.
Acontece que nestas duas etapas, ou o indivíduo não tem discernimento ainda ou pensa demais em si (no que é melhor para si) quase que exclusivamente. Muitas vezes passando por cima do ético, moral e correto. Enquanto a pessoa pouco individualizada pouco pondera sobre as questões, o egoísta não dá o braço a torcer, pois seu ego não pode sair em déficit. Ele tem necessidade de estar certo e se autoafirmar e quando confrontado ou questionado, ataca o interlocutor fugindo do ponto focal – o objeto da questão, chegando, até mesmo, a ganhar no grito e na força (violência). Mais uma vez quero salientar que isto não tem um lado, pode acontecer através de qualquer viés ideológico (no caso em questão – direita ou esquerda).
Porém, já existem pessoas saindo do processo do egoísmo para o altruísmo – acredito que um processo mais profundo de individuação aliado a um equilíbrio nas correntes do coração e do cérebro seja o grande gatilho deste processo (vide a parte1). Estes são os grandes reformadores que estão a surgir, a grande possibilidade de transformação para uma sociedade mais justa, feliz e consciente, que trará abundância, cultura e paz.
Entretanto, visivelmente estamos ainda num limiar onde esta polarização é evidente e está acontecendo uma grande desarmonia.
Onde você se encontra? O quanto você se importa com o que foi dito aqui? Pode ser doloroso, principalmente para o ego, ser confrontado e ver que ainda tenho muito a caminhar, assumir meus erros ou mesmo descobrir que sequer percebia isso tudo em mim mesmo…
Em relação à minha individualidade, como posso mensurar se estou pensando por mim ou estou sendo levado por ideias coletivas?
Neste aspecto existem duas vertentes inferiores – inferiores no sentido de que o indivíduo ou não se encontra individualizado o suficiente e segue a corrente coletiva ou já possui um certo grau de individuação mas seu ego ainda é dominante (egoísta) e para justificar suas posições ou se autoafirmar, junta-se à corrente coletiva para o não confrontamento com a sua sombra, erro ou mesmo ignorância (no sentido de ignorar algum aspecto) ao percebê-lo: ou seja, ele junta-se à corrente coletiva como fuga.
No âmbito político, enquanto uma vertente não possui argumentação por não ter um pensamento crítico individual (pela pouca individuação) a outra se esconde para proteger o ego.
No entanto, existe uma terceira classe de pessoas que é extremamente sensível no sentido de importância, pois ela é bem individualizada, não se esconde na corrente coletiva, mas possui um desequilíbrio nas correntes do coração e do cérebro, mais especificamente, um déficit na corrente do coração. E por este déficit, não consegue sair do egoísmo para o altruísmo, e, portanto, é uma classe de pessoas extremamente perigosa.
No ponto superior existe os seres em equilíbrio nas correntes do coração e do cérebro e bem individualizados – que é o caminho do desenvolvimento da consciência futura, onde não possuem unanimidade de ideias e pontos de vista, obviamente, pois a percepção é individualizada, porém o foco é altruísta, o amor é a base que impulsiona e existe um pensamento verdadeiro em prol do melhor para todos.
1 – Pessoa pouco individualizada:
Ela tenderá a seguir uma das correntes de informações de paixão ou de ódio. Dependerá muito de como foi afetada durante o processo político quanto das informações recebidas – independente se verdadeiras ou não, até porque sua pouca individualidade pouco atua por aprofundamento na busca da verdade mas atua com a priorização da simpatia ou antipatia. Só abro os olhos para ver algo de ruim – corrente de ódio. Só abro os olhos para ver algo de bom: corrente da paixão.
Nas redes sociais, é fácil identificar pela incapacidade de questionar ou tendência a repetir o que lhe foi informado, mesmo que seja inverdade, e na extremidade, fica repetindo jargões e atacando quem não torce para seu time. Segue a sua corrente como uma crença.
2 – Pessoa mais individualizada, porém com o ego inferior ainda atuando de forma muita intensa (o egoísta):
Tenta ter uma visão mais profunda da questão mas tende a seguir a corrente que mais lhe convém e lhe trará benefícios. Prioriza as informações que lhe autoafirmam e adapta o que não lhe convém a um discurso elaborado para inverter o contexto – quanto mais individualizado, maior a capacidade de elaboração de argumentos, até mesmo fugir da questão, pois ainda tende a uma corrente polar (simpatia ou antipatia). Faz um jogo de comparação adaptado ao seu interesse. E tb tende a se jogar na corrente de ódio ou paixão quando a verdade confronta o ego, que se apoiou em algum aspecto que foi desconstruído ou se contextualizou como uma inverdade – fechando assim a porta da própria consciência que busca a verdade.
Vale ressaltar que nesse âmbito, a diferenciação da atuação das correntes do coração e do cérebro se fazem mais evidentes, pois o aspecto de insensibilidade causado pelo déficit na corrente do coração (falta de compaixão, altruísmo, empatia e amor ao próximo) vai dificultar ainda mais a superação do ego inferior – a compaixão e amor ao próximo impulsiona a corrente do coração a superar essa necessidade de estar certo e prol de algo melhor para todos.
3 – Pessoa mais individualizada, já com um certo nível de superação do ego inferior e atuação voltada mais para o altruísmo:
Bom, aqui a pessoa busca a verdade e o melhor para todos, tentando ao máximo estar acima de suas paixões e necessidades particulares que possam ter impacto negativo em outras pessoas…
Elas têm já a capacidade de ponderar em cima das questões específicas e ter o próprio julgamento do que considera certo ou errado – justamente por estarem mais individualizados, não seguem uma linha dual, por exemplo: odeio o PT ou odeio o Bolsonaro. Analisam o ponto específico sendo capazes de concordar ou não conscientemente e justificavelmente. (O que não invalida a necessidade de análise de contextualização ampla: o Lula foi um ótimo/péssimo presidente ou o Bolsonaro é um ótimo/péssimo presidente, mas baseados nos pontos e argumentos alicerçados e verdadeiros que justificam tal opinião e sempre pensando em todos, não apenas no que é melhor para mim).
O mesmo vale para todos os âmbitos da vida, sendo que busca o melhor para todos, o mais correto e justo em prol de uma sociedade mais harmônica. Acredito que isso se desenvolve através do processo de individuação aliado ao equilíbrio das correntes do coração e do cérebro – contextualizando uma certa superação do ego inferior: o ser altruísta.
4 – Seres com certa individuação porém com déficit na corrente do coração:
Este é o pior contexto que o ser humano pode adentrar. Ele se encontra ciente do mal e por indiferença ao próximo, não se importa, desde de que alcance seus objetivos. Estes são aqueles que lutam pelo poder e por seus egos essencialmente. Podem disfarçar, dissimular e inúmeras outras ações para conseguir o que quer.
Todos temos que tomar cuidado para não cairmos neste processo, pois ele é altamente destrutivo e existem forças que estão atuando nessa direção. Inclusive existem aqueles que têm ciência do processo de individuação e manipulam massas (como aconteceu na Alemanha Nazista e infelizmente está acontecendo em nível mundial através das redes sociais).
O quanto você se importa, verdadeiramente, com aquele que não te trará benefício algum?
Leonardo Maia
GA 347 – Dornach, 2 de agosto de 1922
CONFERÊNCIA AOS TRABALHADORES – CONFERÊNCIA I
SOBRE O SURGIMENTO DA FALA E DOS IDIOMAS
– A descoberta de Broca. – Apoplexia cerebral e perda da fala. – O falar e a formação da circunvolução temporal esquerda. – O desenvolvimento da fala infantil. – Vogais e consoantes. – Imitação ao falar. – Ser canhoto e ser destro. – Tratamento pedagógico do canhoto. – Diversidade das línguas segundo regiões da Terra e segundo constelações celestes.
Bom dia, meus senhores! Hoje queremos empregar o tempo em acrescentar mais alguma coisa ao que já foi dito. Assim, com isso, poderão tornar-se compreensíveis muitas coisas a respeito de toda a dignidade do ser humano. Vejam, já descrevi de maneira aproximada o processo da alimentação e o processo da respiração do ser humano.
Vimos também como a alimentação está mais ligada à vida do ser humano e de que modo ela consiste em acolher alimentos que na realidade ficam em estado inerte em nosso intestino; depois esses alimentos são vivificados pelos vasos linfáticos e, em seguida, são transferidos ao sangue em estado vivo. A seguir, dentro do sangue, como sabemos, esse alimento vivo entra em contato com o oxigênio do ar. O ar é absorvido pelo ser humano. O sangue é alterado. Tal é o processo que ocorre dentro do peito. E dentro deste temos, simultaneamente, o que provoca em nós a sensação.
Por conseguinte, a vida é propriamente concebida entre os processos intestinais e os processos sanguíneos. Por outro lado, dentro dos processos sanguíneos, entre os processos sanguíneos e o ar, realiza-se aquilo que é a nossa índole. Ora, nós também devemos ocupar-nos do intelecto e tentar compreender como este surgiu no ser humano.
Vejam. Reconhecer exteriormente essas coisas só se tornou adequadamente possível há pouco mais de sessenta anos (trata-sede 1922). No ano passado, em 1921, poder-se-ia ter comemorado o seu sexagenário. Não foi comemorado porque as pessoas hoje têm pouco interesse em promover jubileus puramente científicos. A descoberta feita em 1861, que poderia ter sido comemorada como descoberta sexagenária – portanto, somente há cinquenta, sessenta anos pode-se falar deste modo do assunto sobre o qual quero falar hoje – foi uma importante descoberta científica. Foi uma descoberta científica importante; lembro-me desta descoberta, até por ela ter exatamente a minha idade. Ela consiste no seguinte:
Recentemente, eu lhes falei como é possível fazer observações no ser humano: não é preciso efetuar experimentos, basta dar atenção àquilo que a própria natureza realiza como experimento no ser humano quando este adoece de alguma forma. E quando se decide verificar em seguida o que aconteceu no ser humano físico após ter este adoecido de alguma maneira, então tal experimento, tal pesquisa terá sido efetuada para nós pela própria natureza, e a partir dessa experiência nós poderemos extrair conhecimentos reais.
Naquela época, em 1861, descobriu-se – na verdade foi Broca quem descobriu – que nas pessoas com defeitos na fala, quando autopsiadas, encontra-se algo lesado na terceira circunvolução frontal esquerda.
Por certo, ao observar o cérebro, quando afastamos a abóbada craniana óssea, o envoltório ósseo, passamos a enxergar o cérebro. Este cérebro tem circunvoluções, uma primeira, uma segunda, uma terceira circunvolução. As circunvoluções situadas na fronte, nas têmporas, são chamadas circunvoluções temporais. Pois bem, toda vez que alguém tem defeitos da fala isolados, ou quando não consegue mais falar, há algo destruído nessa circunvolução, nesta dobra frontal esquerda.
Isso pode acontecer quando alguém sofre uma assim chamada apoplexia cerebral. Uma apoplexia cerebral acontece quando o sangue, que normalmente só deve fluir nas veias, irrompe através das veias e depois se espalha pelo resto da massa existente ao redor delas, onde não deve haver sangue. Portanto, tal derrame sanguíneo causa em seguida o colapso, a paralisia. Quando, pois, o sangue se derrama irregularmente dentro do ser humano, dentro dessa circunvolução temporal, e quando esta é completamente minada, ele faz com que finalmente o ser humano não consiga mais falar.
Os senhores veem como aqui há uma conexão muito interessante. Podemos dizer que o ser humano fala porque contém em seu corpo físico uma sadia circunvolução temporal esquerda. E agora devemos compreender o que realmente significa para o ser humano ter uma sadia circunvolução temporal esquerda. Mas, para entendê-lo precisamos considerar outra coisa mais.
Quando crianças morrem e examinamos esse mesmo local do cérebro, portanto, a circunvolução temporal esquerda, esta corda cerebral é uma pasta bastante uniforme; principalmente antes de a criança aprender a falar, ela constitui uma pasta muito uniforme. Mas, na mesma medida em que a criança começa a aprender a falar, essa circunvolução frontal esquerda adquire, cada vez mais, pequenas circunvoluções. Ela vai se desenvolvendo cada vez mais engenhosamente, de tal maneira que se pode dizer: se na criança bem pequena essa dobra frontal esquerda tem este aspecto, na criança que aprendeu a falar e no adulto, ela tem este aspecto (perderam-se os desenhos apontados): ela tem uma forma muito engenhosa.
Aqui, portanto, passou-se algo com o cérebro. Enquanto a criança foi aprendendo a falar, aconteceu algo. E ninguém deveria realmente pensar sobre uma dessas coisas de forma diferente da que se pensa na vida usual. Vejam, quando empurro a mesa de cá para lá, ninguém dirá: “A mesa empurrou-se para lá.” Tampouco eu deveria dizer: “O cérebro desenvolveu a circunvolução”, porém devo sim, refletir sobre o que efetivamente aconteceu ali, preciso refletir sobre qual é a sua causa. Portanto, preciso refletir sobre a procedência dessa formação, justamente dessa circunvolução temporal esquerda.
Ora, vejam os senhores como, quando a criança está aprendendo a falar, ela mexe o seu corpo. Ela mexe o seu corpo dentro dos órgãos da fala. Antes disso, enquanto a criança ainda não consegue falar e é apenas um ser buliçoso, ela chora estridentemente e assim por diante. Enquanto ela se limita a chorar, essa circunvolução frontal esquerda permanece como aquela pasta que desenhei em primeiro lugar. Quanto mais ela aprende, não só a chorar, porém a deixar o choro transformar-se em som, tanto mais se desenvolverá essa dobra frontal. De modo que se pode dizer: enquanto a criança apenas chora, ela tem naquele local uma pasta cerebral. Mas agora ela começa, não só a chorar, porém a emitir sons. Então, aos poucos, essa pasta geral transforma-se na parte cerebral esquerda lindamente desenvolvida.
Pois bem, meus senhores. Trata-se do seguinte: os senhores certamente sabem que, se a criança chora, em geral a sua choradeira é aquela que chamamos de vogais: “A”, “E”. Se a criança apenas chora, ela não precisa de nenhuma dobra frontal esquerda articulada, porém sempre produz a partir de si própria aquilo que chora, sem que ela possua algo tão engenhoso ali no cérebro. Basta prestar um pouco de atenção para ver como aquilo que o som que aparece no choro da criança em primeiro lugar é muito parecido com as vogais do tipo “A”. Depois, mais adiante, a criança começa a acrescentar as vogais “U” e “I” ao seu choro. E, aos poucos, como os senhores sabem, a criança também aprende as consoantes. Primeiro a criança chora o “A”, depois aprende mais o “M”: Ma ou Va. Portanto, aos poucos, a criança extrai as palavras do choro e as cria quando consegue acrescentar consoantes às vogais.
E estas consoantes, como são formadas? Basta que os senhores prestem atenção à maneira como produzem um “M”. Os senhores precisam mover os lábios. As crianças precisam aprender isso por intermédio da imitação. Se os senhores produzirem um “I.,” precisam mover a língua. E assim é preciso mover alguma coisa. Portanto, é preciso passar do simples espernear feito pela criança para movimentos regulares, para movimentos realizados pelos órgãos da fala através da imitação. E quanto mais a criança acrescenta as consoantes “L”, “M”, “N”, “R” e outras às vogais que se encontram apenas no choro, tanto mais é articulada essa dobra frontal esquerda, tanto mais engenhosamente, artisticamente ela é formada, de maneira que coma mesma intensidade com a qual a criança aprende as consoantes, forma-se essa dobra frontal esquerda.
Portanto, agora podemos dizer: de onde a criança aprende primeiramente a falar? A criança realmente aprende a falar somente através da imitação. Ela aprende a falar, a mover os lábios, a imitar a partir da sensação de como as outras pessoas movem os lábios. Tudo é imitação. Isso quer dizer que a criança nota, vê, percebe aquilo que se passa ao seu redor. E mediante esta percepção, portanto, por esse trabalho espiritual do perceber, o cérebro é desenvolvido. Da mesma maneira como o escultor molda sua madeira ou seu mármore ou seu bronze, exatamente dessa maneira é desenvolvido o cérebro, como uma escultura, porque a criança se move. Os órgãos que ela move propagam seu movimento até para o interior do cérebro. Portanto, quando digo o “I,” com a língua, esta está ligada ao cérebro por um nervo, ela está ligada através de outros órgãos. Esse “L” penetra até a minha dobra cerebral esquerda e produz dentro dela essas figuras. Portanto, o “L” produz tal figura, onde uma coisa se ajunta à outra, com o que essa dobra cerebral esquerda quase adquire a forma de um intestino. O “M” produz aquelas dobras esféricas. Assim os senhores veem como existe trabalho nessa circunvolução temporal esquerda. Nela trabalha aquilo que a criança, por reparar, movimenta e aviva. Ora, isso é muito interessante; portanto, desde quando se sabe que uma síncope, um derrame cerebral arruína essa dobra frontal esquerda e com isso a fala é minada, que se possa saber por meio disso, que se está continuamente trabalhando na criança, enquanto ela aprende consoantes e vogais. E isto provém do fato de que o olho e toda sorte de outros órgãos reparam que algo está se passando lá fora, no mundo. – Ora, o que é que está se passando lá fora, no mundo?
Reparem os senhores como, ao falar, estamos também sempre respirando durante a fala. Na verdade, respiramos sem parar. E, quando respiramos aquilo que se desenvolve a partir do respirar, aquela respirada como eu disse, ela penetra primeiro no complexo corpóreo humano, depois sobe pelo canal da medula espinhal e penetra no cérebro. Portanto, enquanto a criança chora, não conseguindo ainda dizer as consoantes, porém chora e respira, durante este tempo a respiração, esta respirada está sempre subindo, ela sobe e penetra por toda parte do cérebro.
Agora, perguntemo-nos o que realmente penetra no cérebro. Ora, no cérebro penetra sangue. Este segue para toda parte, como eu já lhes expus. Portanto, com efeito, mediante a respiração, o sangue é continuamente empurrado para dentro do cérebro. No entanto, o fato de que pela respiração o sangue é empurrado para dentro de tudo isso, na realidade também já acontece a partir do momento em que a criança acaba de nascer – até mesmo antes disto, mas neste caso as coisas se operam de outra forma. Portanto, já ao nascer, a criança começa a respirar. A partir deste momento, não para de subir a respirada que empurra o sangue para dentro do cérebro.
E, por conseguinte, podemos dizer que, enquanto somente o sangue é empurrado pela respiração para dentro do cérebro, a criança apenas consegue chorar. Ela começa a falar quando não só o sangue é empurrado para dentro da cabeça, porém quando através do olho ou de qualquer outro órgão, digamos principalmente do ouvido, a criança atenta para algo ou quando percebe alguma coisa. Portanto, quando a criança nota um movimento numa outra pessoa, ela imita tal movimento dentro de si; então não é apenas o fluxo de sangue que sobe, porém digamos, penetra, por exemplo, a partir do ouvido; entra continuamente outro fluxo por ali. Vejam. Este é outro fluxo. E este fluxo é o fluxo nervoso.
Portanto, na circunvolução temporal esquerda, na assim chamada dobra da fala, os vasos sanguíneos se encontram com os feixes nervosos, como, aliás, em toda parte do corpo humano. Sobre os feixes nervosos, age aquilo que notamos, aquilo que percebemos. Os movimentos que a criança exerce com as consoantes se propagam através dos nervos penetrando na dobra esquerda da fala. E ali a dobra vem sendo muito bem plasmada enquanto a respirada com o sangue vai agindo ininterruptamente plasmada em conjunto com o que provém do ouvido ou também do olho, o que aos poucos, entre o sangue e os nervos, vai articulando maravilhosamente toda aquela massa cerebral pastosa. Portanto, os senhores podem ver como o nosso cérebro realmente começa a se desenvolver, pelo menos nessa parte e, em seguida, em outras partes acontece o mesmo, como ele começa a se desenvolver mediante a colaboração de uma atividade, a da percepção, com outra atividade, a da respirada, a qual impele o sangue para dentro do cérebro.
Aliás, agora os senhores também devem ter clareza quanto ao seguinte: foi, portanto, dessa maneira que a criança aprendeu a falar, ou seja, foi dessa maneira que a criança formou a dobra frontal esquerda. Entretanto, se nos encontrarmos ao lado de um cadáver e, ao autopsiá-lo, observarmos a dobra frontal direita, ali situada simetricamente, notaremos que ela está relativamente mal formada. Temos, portanto, aqui, a dobra frontal esquerda tão maravilhosamente bem formada, como eu lhes disse. Mas a da direita, essa permanece, em geral, a vida inteira do mesmo jeito como ela era na criança, ela permanece. Eu diria que se possuíssemos apenas a dobra direita, só conseguiríamos chorar e que, somente por termos preparado com tanto engenho a dobra esquerda, conseguimos falar.
Contudo, – Vejam! – se por acaso alguém for canhoto, se ele tiver o costume de não exercer o seu trabalho com a mão direita, porém com a mão esquerda, então se verifica curiosamente que, se uma síncope o atingir, por exemplo, no lado esquerdo, ele não perderá a fala. E se ele for autopsiado descobrir-se-á que, no canhoto, a dobra cerebral direita foi articulada, da mesma maneira como é articulada a dobra esquerda de algum cidadão normal, isto é, de um ser humano comum.
Por conseguinte, os movimentos dos braços e das mãos têm uma participação extremamente importante nessa formação do cérebro. – De onde vem isso? Ora, isso vem do seguinte: quando alguém se acostuma a fazer muitas coisas com a mão direita, ele não faz somente o que faz com a mão direita, porém depois ele também se acostuma a respirar um pouco mais fortemente pela direita, ou seja, a empregar um pouco mais da força respiratória por ali. Ele se habitua a ouvir mais nitidamente pela direita, e assim por diante. Isso apenas nos mostra que o homem, ao habituar-se a empregar a mão direita, tem em geral a tendência de exercer mais atividades pelo lado direito que pelo lado esquerdo. Todavia, é exatamente a dobra esquerda que se desenvolve quando alguém é destro, enquanto o canhoto desenvolve a dobra direita. – De onde vem isso?
Sim, meus senhores, vejam: aqui, ao lado do nosso corpo, temos o braço direito, temos a mão direita, aqui temos a cabeça e aqui a sua dobra temporal esquerda. Mas examinemos agora o percurso dos nervos. Na realidade eles seguem assim: aqui dentro há nervos em toda parte. Se não tivéssemos estes nervos, não sentiríamos, por exemplo, nem calor nem frio por aqui. Tudo isso está ligado aos nervos. Aqui e em toda parte, os senhores têm nervos que sobem pela medula espinhal e penetram o cérebro. Entretanto, curiosamente, os nervos encontrados na mão direita penetram o cérebro esquerdo e os nervos que estão ali na outra mão penetram o cérebro direito. Aqui dentro, portanto, cruzam-se os nervos. Os nervos cruzam-se no cérebro de tal maneira que quando, digamos, eu, por exemplo, faço algum exercício de ginástica ou de eurritmia2 com a mão direita ou com o braço direito, eu noto o nervo transmitindo o movimento, porém o noto com a metade esquerda do cérebro, pois os nervos se cruzam.
Agora, imaginem que uma criança prefira fazer tudo com a mão direita. Neste caso ela também respira um pouco mais intensamente do lado direito, ouve um pouco melhor e até enxerga um pouco mais nitidamente do lado direito. Esta pessoa se esforçará mais do lado direito e desenvolverá, então, aquilo que ela realiza como movimento, dentro do cérebro esquerdo.
Na verdade, basta imaginarmos que nós também temos, sempre, um pouco a peculiaridade de gesticular quando falamos. A expressão: – “Ah!” – é acompanhada de um gesto. E quando recusamos algo, a expressão: – “Eh!” – é acompanhada de um gesto correspondente. Quando falamos, fazemos gestos. Esses gestos dão sensações aos nossos nervos. E os gestos da mão direita, que fazemos ao falar, dão sensações à metade esquerda do cérebro. E quando somos destros temos igualmente a tendência de exprimir com mais força e com a metade direita da laringe, as vogais e as consoantes, de exprimir com mais força os sons. Então, o que ali é feito também dará sensações mais fortes à metade esquerda do cérebro. E disso provém o fato de o cérebro, que originalmente é uma pasta, ficar mais desenvolvido. Deixamos de aproveitar mais a metade esquerda e, por conseguinte, a metade direita do cérebro será menos desenvolvida, ficará pastosa. Mas, com aquele que é canhoto acontece o inverso.
Disso segue-se toda sorte de coisas importantes para a pedagogia. Suponham as crianças canhotas – pois, na verdade, também já temos poucas crianças canhotas3 nas escolas – a respeito das quais é preciso dizer: enquanto em todas as outras se desenvolveu, com muito engenho e arte, a dobra temporal esquerda do cérebro, nessas crianças canhotas, empenhadas em sua plena formação, desenvolve-se a dobra temporal direita. E quando as ensino a escrever, emprego a mão direita. Aquelas crianças que são destras apenas fortalecerão, em sua dobra frontal esquerda, o que já haviam começado a desenvolver ao aprenderem a falar. Entretanto, aquelas crianças que são canhotas, se eu as obrigasse a escrever com a mão direita, arruinariam novamente aquilo que desenvolveram em si pela fala na dobra temporal direita. Elas destruiriam tudo isso novamente, e eu tenho a tarefa de não deixar que isso aconteça através da escrita, que aconteça de deixar os canhotos escreverem com a mão esquerda, porém, em primeiro lugar, me incumbe lenta e paulatinamente dirigir o que fazem com a mão esquerda para o outro lado, para a mão direita, a fim de que aprendam primeiramente a trabalhar um pouco com a outra mão e só depois entrem para a escrita, muito más lentamente que as demais crianças. Não faz mal que aprendam a escrever um pouco más tarde.
Se eu simplesmente deixar as crianças canhotas aprenderem a escrever tão depressa quanto aquelas que são destras, eu as torno más bobas, pois lhes estrago aquilo que já desenvolveram na metade direita do cérebro. Por conseguinte, devo atentar para o fato de dever ensinar as crianças canhotas de uma maneira diferente das crianças que são destras. Exatamente por isso elas não serão mais bobas, porém mais inteligentes para sua vida posterior, se eu levar lentamente o canhoto a tornar-se destro, evitando simplesmente de tornar confuso o cérebro inteiro devido à escrita com a mão direita.
Aliás, os senhores precisam saber que se quiserem tratar o homem inteiro por intermédio da escrita, conseguem apenas, do ponto de vista pedagógico, o oposto daquilo que se quer alcançar. Atualmente existe uma grande tendência a sempre ensinar tudo ao ser humano com as duas mãos, uma tendência a deixá-lo fazer tudo com ambas as mãos.
No entanto, assim eu atrapalho tudo em seu cérebro. E isso mostra apenas quão pouco sabem essas pessoas que têm tal tendência de deixar fazer a mesma coisa à esquerda e à direita. Até se poderia aspirar a isso. Mas, nesse caso, seria preciso fazer previamente outra coisa. – E o que precisaria ser feito? Sim, meus senhores, na verdade, seria preciso antes de tudo modificar o homem todo! Seria preciso deixar passar lentamente uma atividade do lado esquerdo para o lado direito e lentamente enfraquecer a atividade do lado direito. O que aconteceria então? Vejam. Aconteceria que essa parte que se encontra por baixo da superfície da dobra temporal esquerda, desenvolver-se-ia de uma forma mais engenhosa e, na parte de fora da dobra esquerda, permaneceria a pasta. E o mesmo, então, também se daria na dobra temporal direita. Em lugar de repartir as duas atividades entre o lado esquerdo e o direito, eu transformo cada dobra em metades, uma metade exterior e uma metade interior. E a metade interior fica mais adequada para o falar, reservando-se a exterior mais para apenas clamar a vogal e a consoante para dentro dela. Mas, na verdade, toda a fala é uma composição de clamores e de articulação. Isso dura a vida inteira.
Dessa maneira, os senhores veem como não se pode, sem mais nem menos, remexer por aí em alguém, porém é preciso, quando se quer exercer a pedagogia, mesmo que seja apenas pedagogia do grau fundamental, conhecer o homem todo. Pois, em tudo que se faz, transforma-se efetivamente o homem. E esse é realmente o aspecto pecaminoso, o de simplesmente remexer-se, hoje em dia, apenas nas superficialidades, e não se atentar para a maneira como as coisas se posicionam quando realmente se penetra o ser humano.
Ora, em pouquíssimas pessoas ambas as circunvoluções frontais são úteis, porém a da direita está mais impregnada de correntes sanguíneas, a da esquerda tem menos correntes sanguíneas e está mais impregnada de nervos. E, além disso, esse é o caso em todo o nosso cérebro, que o cérebro do lado direito está mais para espargir o sangue, portanto, para dispersar o sangue, enquanto a metade esquerda está para reparar, para perceber.
Assim que tivermos atingido o ponto de saber que o cérebro se desenvolve a partir de influências exteriores, somente depois disso passamos a ter noção de quão fortes são essas influências vindas de fora. É natural que essas influências exteriores sejam extremamente fortes, se soubermos que por intermédio das influências exteriores se realiza tudo aquilo que efetivamente se passa no cérebro. Portanto, por termos aprendido o que efetivamente se passa no cérebro quando o homem vai falar, por esse motivo também podemos formar agora uma representação do que realmente se passa neste cérebro humano. Vejam, se prosseguirmos então com o exame desse cérebro, sempre haveremos de verificar, na parede externa, ali onde o cérebro tem a sua parede externa, que ali existem mais vasos sanguíneos do que no lado interno. De maneira que podemos afirmar: por fora o cérebro é mais sanguíneo, por dentro ele é mais nerval. Dentro temos mais nervos, dentro temos os feixes nervosos.
Muito bem. – Qual será agora o caso, digamos, de uma criança que aprende a falar da maneira usual, ou seja, de uma criança destra? – Como propriamente será formado o cérebro dessa criança? Vejam, se tomarmos um cérebro bem novo de uma criança, encontraremos nele, em toda a sua volta, o seu manto sanguíneo. Visto de frente (perderam-se os desenhos mencionados) este é o lado direito, visto a partir dela – portanto, visto a partir dos senhores é o lado esquerdo – e este o lado esquerdo. Aqui se formam, portanto, todos estes feixes de nervos. Por isto ser assim, por haver feixes de nervos ali dentro, essa massa cerebral, quando retirada, tem um aspecto esbranquiçado, enquanto a parte sanguínea, a massa cerebral encontrada à sua volta tem um aspecto cinza avermelhado. O aspecto desta parte é cinza avermelhado.
No entanto, se a criança agora for se desenvolvendo mais ainda desse modo e for aprendendo a falar a fim de que então a sua dobra temporal esquerda se articule, o que acontece nesse caso? Acontece que aqueles feixes de nervos recuam ainda mais para o interior, desenvolvendo-se, aqui mais e aqui menos, o sistema sanguíneo. Por conseguinte, de certa maneira, a parte interior do cérebro da criança que está evoluindo normalmente recua mais para a esquerda e, consequentemente, a outra parte é deslocada. Dessa maneira, o cérebro se desloca para o lado esquerdo e vai ficando cada vez mais esbranquiçado do lado esquerdo. Assim ele se desloca. Todo o desenvolvimento humano depende de tais engenhosidades.
Vamos agora detalhar mais, a partir da fala. Vejam, existem línguas, direi eu, que têm muitas consoantes e existem línguas que têm muitas vogais: “A”, “E”, “I”, etc. Também existem outras línguas que empurram tudo para fora, como “S”, “W”, a ponto de quase não se notarem as vogais. – Qual será nestes casos a verdadeira questão?
Quando uma pessoa vive numa região – pois isso depende da região – em verdade, as línguas diferem de acordo com as regiões da Terra – na qual se formam mais consoantes, o que significa isso? Isso significa que ela passa a maior parte da vida lá fora no mundo, pois as consoantes precisam ser formadas pelo lado de fora. Portanto, quando alguém vive predominantemente no mundo exterior, a sua parte cerebral branca desloca-se mais para a esquerda, então a sua parte branca do cérebro é impelida mais para o lado esquerdo. Quando alguém vive predominantemente no seu próprio interior, quando alguém se desenvolve numa região onde o homem vive mais em seu próprio interior, então essa massa cerebral é menos impelida para lá. O ser humano é mais levado a produzir vogais sonoras a partir do seu interior. Mas isso varia de acordo com a região da Terra.
Agora, consideremos o próximo caso. Imaginem que esta seja a Terra (perderam-se os desenhos) e que, em diversos pontos desta Terra, encontrem-se pessoas. Quero desenhá-lo bem esquematicamente, aqui um ser humano e aqui outro ser humano. Portanto, há diversos seres humanos posicionados na Terra. Na verdade, na Terra sempre estamos postados deste modo e, embora isto aqui naturalmente também esteja desenhado de uma forma muito desproporcional, todavia, é deste modo que nos postamos na Terra. E este ser humano aqui, digamos, adquire uma fala em que predominam as vogais enquanto aquele outro ali adquire uma fala em que predominam as consoantes.
O que terá ocorrido nas regiões em questão? Ora, muita coisa pode ter ocorrido nelas, muitíssima coisa pode ter ocorrido, mas eu quero ressaltar para os senhores uma das coisas que pode ter ocorrido. Suponham que aqui se encontram altas montanhas e ali fica uma planície. Portanto, aqui as altas montanhas, lá a planície. Agora, com efeito, quando nos deparamos com planuras em algum lugar, notamos que nelas a fala se torna mais rica em vogais. Por outro lado, quando há montanhas em algum lugar, montanhas com grandes elevações, então a fala tende a tornar-se mais rica em consoantes, mais consonantal.
Entretanto, vejam os senhores, essa história também não é tão simples assim, porém devemos perguntar-nos: Ora, por onde surge a montanha e por onde tem origem a planura? É o seguinte: aqui, em toda parte, está o reino terrestre; aqui brilha o Sol. Então, na verdade, houve uma época em que toda a Terra foi uma pasta. Mas as montanhas… elas certamente foram as primeiras a serem extraídas do pastoso. Portanto, no fundo, a Terra é uma pasta, e a montanha é extraída aqui desta pasta.
Pois bem, meus senhores: – Então, o que extrai a montanha daqui? As forças do Universo que aqui atuam, de fora, puxam a montanha daqui! De modo que podemos dizer: aqui operam certas forças, a partir do Universo, que extraem a montanha de dentro da Terra. Estas forças são muito vigorosas e por isso surge uma montanha. Mas aqui na planura penetram forças mais débeis do Universo; portanto aqui não surgem montanhas. Aqui se soergueu menos terreno, naqueles remotíssimos tempos. E os homens que atualmente nascem nesse terreno, onde essas forças atuam menos, eles falam em vogais, enquanto os homens que nascem num terreno onde essas forças atuam mais, esses homens falam em consoantes. Logo, isso está ligado a todas as forças do Universo.
– E como é possível afirmar uma coisa dessas? Ora, meus senhores, o que acabamos de afirmar deve ser colocado da mesma forma como quando olhamos para um relógio: devemos ir trabalhar ou devemos ir embora; mas, em nenhum momento alguém diria: – Isto é demais! Este maldito ponteiro das horas é um sujeito execrável, agora ele está me fustigando para ir trabalhar! – Isso não nos vem à mente. O ponteiro do relógio apenas nos informa quando devemos ir trabalhar, mas nós não podemos atribuir-lhe a menor culpa ou causa disso. – Não é verdade? Nós não fazemos isso. Portanto, o relógio é totalmente inocente neste assunto.
Meus senhores. Assim podemos olhar, da mesma maneira, aqui para o Sol e podemos dizer: quando nos postamos neste ponto, então o Sol, num certo momento, está, digamos, diante do signo de Carneiro. Ali obtemos o rumo de onde atuam as forças vigorosas. Não se trata de Carneiro, mas este nos dá a direção de onde atuam aquelas forças vigorosas. Simultaneamente, um homem está postado nesse ponto. Assim, para ele é importante, em primeiro lugar, o seguinte: ao deslocar-se o Sol para cá, ele passa a situar-se aqui, por exemplo, em Virgem, no signo de Virgem. As forças vêm débeis, dessa direção. E em vez de descrever agora o processo todo, posso simplesmente dizer: quando uma pessoa nasce numa região onde, digamos, no momento do seu nascimento, o Sol está no signo de Carneiro, ela aprende a falar de um modo mais consonãntico; mas se ela nasce num momento em que o Sol está no signo de Virgem, ela aprende a falar de um modo mais vocálico, com predominância das vogais.
Portanto, os senhores veem como posso fazer uso de todo o zodíaco, no qual posso ler o que se passa na Terra, no mesmo sentido de um relógio. Só que sempre precisa ficar claro para mim que não são os signos que fazem isto aqui, porém os signos estão ali para serem lidos. Disto os senhores podem concluir que o zodíaco certamente pode dizer-nos muitas coisas. Ele pode dizer-nos muitas coisas, a ponto de sermos capazes de entender, por intermédio dele, como são diversas as línguas sobre a Terra.
Podemos, portanto, afirmar: olhemos para a Terra. Suponhamos que a Terra esteja ali e que nós estejamos sentados aqui numa cadeira – embora isso não seja possível, podemos admiti-lo como hipótese -, numa cadeira, lá fora, no Universo, enquanto examinamos dali, numa espécie de mapa das línguas, as diversas línguas da Terra. Obtém-se dessa maneira uma imagem. E agora, virando a cadeira, passamos a olhar para… voltamos nosso olhar para o Universo. Então obtemos uma imagem das estrelas e estas se correspondem entre si. Entretanto, uma pessoa que olhe desse modo para o Hemisfério Sul da Terra e examine as suas línguas, e depois, voltando a cadeira, olhe para o Hemisfério Sul do firmamento, verá que este é totalmente diferente daquilo que a pessoa viu em relação à metade nórdica. De tal modo que uma pessoa seria capaz de desenhar o firmamento e, aquela que o estudasse, que estudasse essa conexão, ela é capaz de indicar, a partir de uma determinada constelação, qual a língua usualmente empregada sob a mesma.
Dessa maneira, os senhores veem, portanto, como justamente quando começamos a observar a vida espiritual do homem, a saber, lá onde se desenvolve o seu intelecto pela fala, precisamos olhar para o alto, para o céu estrelado, se quisermos entender alguma coisa. Nós não obteremos uma conexão aqui na Terra. Por mais que os senhores reflitam aqui na Terra sobre o porquê da diferença entre as línguas, não obterão nenhum esclarecimento.
Vejam, se quiserem saber o que se passa na sua barriga, os senhores precisam interrogar o solo terrestre, aquilo que está lá por baixo. Se o plantio predominante de uma região for o repolho, os senhores podem ponderar: nessa região as cabeças de repolho que tiverem sido mortas, precisam ser continuamente avivadas novamente. Portanto, se os senhores quiserem saber como as pessoas se alimentam numa determinada região, interroguem o solo. Se quiserem saber como se respira numa determinada região, os senhores devem indagar o que se passa nos arredores, no âmbito do ar. E se quiserem saber o que se passa aqui dentro desta cachola, desta caixa craniana, os senhores devem indagar como as estrelas estão dispostas lá fora. Assim os senhores se capacitam a inserir o ser humano no Universo todo. E então, sem dúvida, os senhores irão ver como se trata de uma superstição quando se diz, com os resíduos daquilo que os homens um dia souberam: isso ou aquilo acontece quando o Sol está em Carneiro. Estas coisas não existem! Entretanto, ao conhecermos a conexão inteira, o assunto deixa de ser uma superstição banal e converte-se numa ciência.
E é isto que nos leva, aos poucos, da compreensão do mero rearranjo dos materiais, àquilo que efetivamente acontece e que está em conexão com todo o Universo lá de fora.
Rudolf Steiner – GA 347 – Dornach, 2 de agosto de 1922
Tradução: Gerard Bannwart
“O Crístico é o equilíbrio, é a busca para estabelecer o equilíbrio e a harmonia. Isto se aplica também para a medicina e a cura, num nível bem físico, bem prático.” – Rudolf Steiner
CRISTO – O MEDIADOR
Entre esses dois polos – Lúcifer e Ahriman – está a terceira qualidade mediadora, que nós chamamos o verdadeiro Crístico. Meus queridos amigos, o verdadeiro Cristianismo é algo muito pouco conhecido no mundo. A cristandade mundial que conhecemos é algo bem diferente, á qual devemos de fato nos opor.
O ser sobre o qual lhes falei da última vez, que nasceu no ponto de virada dos tempos e que viveu 33 anos, não é como as pessoas o descrevem.
Ele queria dar á toda a humanidade ensinamentos que permitiriam as pessoas equilibrar as tendências luciféricas e arimãnicas opostas. O verdadeiro sentido do Cristianismo reside na busca por este equilíbrio. O que as pessoas hoje em dia pensam como sendo Cristão não é, de fato, o que foi pretendido.
O que por exemplo, significa o Cristianismo no âmbito físico, na esfera da doença e da saúde? Significa ganhar um conhecimento real do ser humano, de tal forma que se uma pessoa sofre de pleurisia, podemos ver que ela esta muito sujeita ás influências luciféricas. Uma vez que eu sei disto, posso começar a tentar equilibrar os pratos da balança.
No caso da pleurisia, o arimãnico é muito fraco, de tal forma que preciso acrescentar um “ingrediente arimãnico” á situação, para promover o equilíbrio.
Uma coisa que posso fazer é o seguinte: pego um pedaço de madeira da pereira, uma planta que tem um crescimento intenso, vigoroso na primavera. A madeira que fica próximo a casca é melhor, pois ela contém as forças de crescimento mais poderosas. Agora eu mato essas forças queimando a madeira até se transformar em carvão, e assim “arimanizando” as forças rejuvenescedoras da pereira. Depois eu môo este carvão até se tornar pó e o administro á pessoa que sofre de pleurisia pelo excesso de forças luciféricas. Então eu agreguei um ingrediente arimãnico a uma condição excessivamente luciférica e criei novamente o equilíbrio. Eu mineralizei e assim também arimanizei a madeira da pereira transformando-a em carvão.
Podemos ao contrário, ter uma pessoa que adquiriu uma expressão cansada, pálida, de tal forma que imaginemos que ela poderá em breve sofrer um derrame. Os pratos da balança, nesse caso, estão pendendo em direção ao arimãnico, precisamos reencontrar o equilíbrio administrando-lhe algo de uma qualidade luciférica. Como fazer isso?
Observamos uma planta: a raiz é dura e contêm minerais e sais – em nada luciférico. O caule e as folhas também não são luciféricos, mas se continuarmos para cima, encontrarei um botão de cheiro doce. Ele está enviando substância dele mesmo para o cosmos – caso contrário eu não poderia sentir o perfume. Assim, deste botão eu extraio o suco, que tem uma qualidade luciférica. Este é administrado de maneira correta, de tal forma que o equilíbrio é restabelecido: eu curo o paciente ao contrapor a preponderância da tendência arimãnica.
Como, ao contrário, a medicina moderna atua? Ela experimenta. Um químico descobre, por exemplo, o acetifenidina – não precisamos saber exatamente o que é isto, é uma substância complicada. Ela então é levada a um hospital, onde é experimentada talvez em 30 pacientes, aproximadamente. Suas reações, temperatura, etc., são anotadas e se houver algum resultado a substância é usada como medicamento.
Mas as pessoas não têm ideia do que realmente está acontecendo dentro do corpo humano. Não há uma compreensão do processo interno em andamento. A única maneira correta de prosseguir é se as pessoas perceberem que a pleurisia, por exemplo, indica uma tendência luciférica muito pronunciada, que precisa ser equilibrada pela arimãnica; ou se um derrame indica a preponderância das forças arimãnicas, ela deve ser equilibrada pela luciférica.
Este tipo de abordagem é o que a humanidade precisa, pois ela não está, no momento, suficientemente cristianizada neste aspecto. O Crístico é o equilíbrio, é a busca para estabelecer o equilíbrio e a harmonia. Isto se aplica também para a medicina e a cura, num nível bem físico, bem prático.
Rudolf Steiner – GA 349, “Cristo, Áriman e Lúcifer em relação ao Ser Humano” – 7 de Maio de 1923
GA 349 – Dornach, 7 de maio de 1923
CRISTO, AHRIMAN e LÚCIFER EM RELAÇÃO AO SER HUMANO
Bom dia a todos! Pensaram em algo que gostariam de discutir hoje?
Pergunta: Dr. Steiner, o senhor poderia, por favor, dizer algo entre a relação de Cristo, Ahrimam e Lúcifer e o ser humano?
Primeiro precisamos olhar para as coisas com um ângulo ligeiramente diferente, caso contrario vocês sentirão que o que eu tenho a dizer é superstição infundada. Vamos primeiro nos lembrar de coisas que já discutimos anteriormente.
Hoje em dia, vejam vocês, as pessoas pensam que a natureza do ser humano é simples e uniforme. Mas não é. Somos permeados por um processo continuo de vida florescente, e depois de fenecimento. Nós não simplesmente começamos a viver no nascimento e morremos no momento da morte, mas, como tenho dito freqüentemente, estamos continuamente morrendo e depois revivendo novamente.
Se olharmos para a cabeça humana, por exemplo, podemos ver que a sua composição interna é toda substancia nervosa. “Filamentos” nervosos correm por toda parte do resto do corpo, mas no interior da própria cabeça é tudo nervo. Num desenho parecia algo assim (veja acima). Dentro, a cabeça e a parte anterior são nervo, uma espessa massa de nervos; uma parte dessa massa de nervos corre para baixo através da coluna espinal, e de lá irradia para todo o corpo. Estes filamentos que correm por toda a parte do corpo são concentrados na cabeça numa massa uniforme de nervos.
O interior do estomago do ser humano, por exemplo, tem inúmeros nervos. O plexo solar lá situado contém uma grande parte de substancia nervosa.
Mas isso também é verdade para os braços, mãos, pernas e pés, pelos quais passam muitos filamentos nervosos.
Se mudarmos nossa atenção dos nervos para os vasos sanguíneos, encontraremos que estes, na cabeça, são um tanto delicados e finos, enquanto na região do coração eles são particularmente bem envolvidos; e nos membros eles se tornam fortes e grossos. Assim, podemos ver que há dois sistemas distintos e separados, desenvolvidos de maneira diferente em diferentes partes do corpo: o sistema nervoso e o sistema de vasos sanguíneos.
O fato é, vocês vêem, que nós estamos continuamente sendo rejuvenescidos através do nosso sangue, todo dia, toda hora. O sangue nos renova constantemente. Se tivéssemos somente o sistema sanguíneo, cresceríamos sempre, cada vez maiores, mais vitais. Se por outro lado, tivéssemos somente o sistema nervoso, estaríamos continuamente nos exaurindo e morrendo. Estas duas tendências opostas estão continuamente em ação em nós, simultaneamente; o sistema nervoso que nos envelhece constantemente, que nos leva continuamente para a morte e o sistema de vasos sanguíneos, ligado aos processos de nutrição, que constantemente nos rejuvenesce.
Podemos continuar com este tema: na velhice, vocês sabem, muitas pessoas se tornam esclerosadas ou, podemos dizer, “calcificadas”, ou endurecidas.
Pessoas que sofrem de um endurecimento nas artérias têm dificuldades em se movimentar adequadamente. Quando esta esclerose arterial se torna muito pronunciada, as pessoas podem se debilitar através de um derrame.
Mas o que este processo de endurecimento, de esclerose, nos diz? É realmente como se os vasos sanguíneos dessas pessoas estivessem tentando se tornar nervos. Os nervos têm que morrer continuamente durante toda a nossa vida; eles tem que participar de um processo que seria muito errado pra nossos vasos sangüíneos. Os vasos sanguíneos deveriam se manter vitais e vigorosos, enquanto as funções nervosas requerem um processo continuo de morte. Uma pessoa cujo nervos são muito moles, não suficientemente “endurecidos”, pode se tornar insano (louco). Em outras palavras, os nervos e vasos sanguíneos devem ser muito diferentes um do outro para funcionarem adequadamente.
Portanto, não podemos deixar de reconhecer o fato de que há dois princípios simultaneamente em ação em nós, que se opõe mutuamente. Nosso sistema nervoso nos faz envelhecer continuamente durante o dia. Durante a noite o frescor da vida é restaurado através do sangue. É como o balanço de um pêndulo: envelhecer, rejuvenescer novamente, envelhecer, rejuvenescer novamente. Mas cada dia que passa permite que um pouco mais de “idade” advenha, apesar do bom trabalho da noite, até que tenha resultado “idade” suficiente e nós finalmente morremos como um todo.
Estes dois princípios opostos do ser humano e o equilíbrio entre eles, tem amplas conseqüências para o homem. Se as forças de juventude e vitalidade são muito exageradas, as pessoas podem desenvolver pleurisia ou pneumonia. Coisas que são boas e adequadas em sua esfera correta se tornam tendências patológicas se estiverem fora de proporção. A doença sempre aparece quando aspectos que tem seu ligar correto e adequado escapam do controle e se imprimem muito distante do estado de equilíbrio. A febre aparece quando os processos de rejuvenescimento se tornam muito fortes: todo o nosso corpo começa a ser muito vigoroso e vital.
O desequilíbrio entre polaridades também afeta nossa vida emocional e mental. Assim como o corpo não pode se tornar nem muito febril, nem muito esclerosado, assim também as nossas almas. As pessoas têm uma certa tendência sobre a qual não gostam muito de ouvir fala, uma vez que ela é muito difundida hoje em dia, de se tornarem rígidas e pedantes. Um professor, por exemplo, pode facilmente se tornar ressecado e pedante, embora ele na realidade precise ser flexível e entusiasmado. Este é um fenômeno da vida da alma semelhante ao endurecimento físico das artérias. Mas podemos também nos tornarmos compassivos na alma, em tal caso nos tornamos sonhadores, “cabeça nas nuvens”. Podemos então nos tornarmos místicos ou teósofos, na medida em que evitamos pensar corretamente, de forma a permitir que nossa imaginação nos leve a outros mundos sem termos que afiar o nosso pensar. Nos tornamos místicos ou teósofos é o mesmo que ter a temperatura em alta.
Precisamos de ambas as tendências. Não podemos entender ou penetrar em nada sem a força da imaginação; e não podemos levar qualquer ordem às nossas vidas sem um tanto de pedantismo, sem mantermos algum tipo de anotações e controle das coisas. O que é necessário é o equilíbrio, a proporção correta.
Nosso espírito também é capturado por essas duas tendências. Imaginem o que acontece quando acordamos do sono, de fato, uma mudança abrupta.
Estamos deitados, bastante inconscientes sobre o nosso ambiente – alguém pode ate nos fazer cócegas sem que acordemos. Então subitamente acordamos e vemos, ouvimos tudo. Esta é de fato uma mudança enorme em nossa condição e precisamos do poder, da força que nos permite acordar.
Mas esta pode se tornar muito forte se, por exemplo, não conseguimos adormecer, se somos atormentados pela insônia.
Há também pessoas que de fato, nunca acordam corretamente. Passam suas vidas numa espécie de estado de sonho crepuscular e sempre prefeririam estar dormindo. É claro que precisamos da capacidade para adormecer – mas não a tal ponto que não possamos acordar corretamente.
Vamos então resumir: podemos distinguir certas tendências polares no ser humano em três níveis diferentes. De um lado esta o sistema nervoso que continuamente tende ao endurecimento e a calcificação. Todos vocês – com a exceção do rapazinho sentado ali – são suficientemente velhos para que seus sistemas nervosos estejam um pouco calcificados. Se seus nervos fossem ainda moles como quando vocês tinham seis meses de idade, vocês todos seriam loucos (insensatos). As pessoas loucas têm um sistema nervoso muito mole, infantil. Precisamos dessa tendência em direção ao endurecimento e a calcificação. Por outro lado, também precisamos em sua esfera correta, da tendência ao rejuvenescimento e ao amolecimento.
Corpo endurecimento amolecimento
Calcificação rejuvenescimento
Na nossa vida emocional, no âmbito da alma, podemos dizer que o endurecimento corresponde ao pedantismo, ao filistinismo, ao materialismo, á razão árida. Disto também precisamos na dose certa! Se não tivéssemos nada destas qualidades, seriamos “avoados” – em relação a tudo. Se não tivéssemos nem um sinal de pedantismo, não colocaríamos nossa roupa na gaveta certa; nos as colocaríamos no forno ou as penduraríamos na chaminé! Precisamos da imaginação, mas não a ponto de erguemos fora da terra: e precisamos de um pouco de pedantismo, mas não ao ponto de nos tornarmos rígidos e fossilizados.
Uma vez conheci alguém que odiava a imaginação e o imaginário, a tal ponto que esta pessoa nunca ia ao teatro, muito menos a opera, pois dizia que era tudo irreal. Ela não tinha nem um lampejo de imaginação. Então, vocês podem ver que sem esta, podemos nos tornar um tipo de espécime muito ressecado, alguém que se esquiva da vida, ao contrario de uma pessoa verdadeiramente “cheia de sangue”.
Alma: pedantismo fantasia
Filistinismo sonhador
Materialismo misticismo
Razão Árida teosofia
Em relação ao nosso espírito, podemos reconhecer a tendência em relação ao endurecimento no processo de acordar. Quando acordamos, nos apossamos firmemente do corpo, começamos a usar nossos membros. A tendência oposta, em relação ao amolecimento, se expressa quando adormecemos, quando mergulhamos nos sonhos. Então abandonamos o corpo.
Espírito: acordar adormecer
Vocês podem ver então, que estamos constantemente correndo o risco de oscilar muito fortemente entre uma ou outra destas direções. Um imã, como vocês sabem, atraem o ferro; mas há dois aspectos neste processo, o magnetismo positivo e o negativo. Um atrai, o outro repulsa. No campo do fenômeno físicos, nos não ficamos nem um pouco embaraçados em chamar uma espada de espada, em nomear o que observamos. Eu descrevi agora as mesmas tendências polares em três âmbitos diferentes: o físico, o anímico e o espiritual. Vocês podem entender e reconhecer o que estou dizendo e observa-lás por si mesmos. Mas para fazer isto, é necessário chamar as coisas por seus nomes. Quando observamos o magnetismo positivo, nos precisamos ser claros quanto ao fato que não é o próprio ferro que traz este efeito, mais algo que esta agindo de modo invisível dentro do ferro.
Alguém que se recusa a contemplar tal idéia não consegue enxergar muito alem do próprio nariz. É como se dizer que a atração magnética no ferro é uma bobagem. “O que é esta bobagem sobre o magnetismo?” – ele dirá “ É só ferro, nada mais nem menos que isto – eu faço a ferradura do meu cavalo com isso, é tudo o que há pra se dizer”. Esta é, sem duvida, uma visão um tanto pedante ou imbecil das coisas, pois a ferradura pode ter outros aspectos alem da sua função aparente.
Da mesma forma, o processo de endurecimento e calcificação contem um aspecto essencial invisível, supra-sensível que é possível observar se desenvolvemos a capacidade para isso. Este aspecto é chamado “ arimânico”. As forças arimânicas são aquelas que continuamente buscam nos transformar em uma espécie de cadáver ressecado. Se somente as forças arimânicas agissem, nos seriamos calcificados, enrugados e fossilizados.
Estaríamos continuamente bem acordados e seriamos incapazes de adormecer.
As forças contrárias de rejuvenescimento e amolecimento, de imaginação e de fantasia, são as forças luciféricas. Nos precisamos dela para não nos tornarmos cadáveres. Mas se somente as forças luciféricas existissem permaneceríamos crianças toda a vida. Precisamos de ambas as tendências – sem as luciféricas seriamos velhos e anciãos aos três anos de idade; sem as arimânicas, seriamos eternas crianças.
Arimânicas Luciféricas
Corpo: endurecimento amolecimento
Calcificação rejuvenescimento
Alma: pedantismo fantasia
Filistinismo sonho
Materialismo misticismo
Razão seca teosofia
Espírito: estar acordado estar dormindo
Estas duas tendências precisam ser equilibradas e harmonizadas. Como isso pode se dar? Nenhuma das tendências deveria ganhar a supremacia.
Estamos agora no ano 1923; e desde o ponto crucial do tempo, quando nossa contagem DC começou, até este momento presente, a humanidade foi exposta ao perigo das forças arimânicas desequilibradas. A educação hoje em dia, com exceção onde a ciência espiritual está ativa, tem uma tendência decididamente arimânica. Quando nossas crianças vão á escola elas tem que aprender coisas que de fato parecem muito distantes, até cômicas para elas, coisas em relação ás quais elas não podem ter nenhum interesse real. Elas sabem, por exemplo, como são seus pais, e como são seus cabelos, olhos, narizes, etc. E então elas vão á escola e tem que aprende que esses sinais estranhos: P – A – l supostamente representam o pai que elas conhecem. O mesmo é verdade para tudo o que as crianças devem aprender na escola. Tudo é muito estranho para elas.
Esta é uma boa razão para formarmos escolas nas quais as crianças podem aprender coisas com as quais possam se relacionar, pelas quais elas tenham interesse. Se a educação continuar em seus passos atuais, as pessoas logo começarão a se tornar velhos prematuramente, a perder toda a flexibilidade, porque esta form,a de educação é arimãnica. Nos últimos 900 anos toda a nossa tendência evolutiva foi na direção arimãnica. Antes era diferente.
Se olharmos para trás, para 8000 anos AC até o tempo da vinda do Cristo, as pessoas estavam expostas ao perigo oposto, o de serem incapazes de envelhecer. Naqueles dias antigos, as escolas como nós as conhecemos, não existiam. As únicas escolas eram para aqueles que haviam atingido uma idade respeitável e que deviam se tornar estudiosos. Não havia escolas para crianças naqueles tempos, pois elas aprendiam o que precisavam da própria vida. Ninguém tentava ensinar ás crianças coisas estranha ás suas naturezas. Havia portanto o perigo oposto; das pessoas se tornarem muito luciféricas, com a cabeça nas nuvens, sonhadoras. Na verdade aqueles eram os tempos de grande sabedoria, mas havia a necessidade de que essa tendência luciférica fosse represada, refreada, caso contrário, as pessoas contariam umas as outras coisas sem sentido ou estórias de fantasmas o dia todo.
Em outras palavras: de 8000 AC até o tempo da vida de Cristo, foi uma época luciférica. De lá em diante, até nossos dias, tem sido a época arimãnica.
Vamos olhar um pouco para a época anterior, luciférica. Os estudiosos viviam em estruturas do tipo de torres. A torre de Babel mencionada na Bíblia era justamente uma dessas “torres de marfim”. Os estudiosos viviam e estudavam lá. Eles sabiam das suas forças luciféricas de imaginação e fantasia, até mesmo do fato que suas observações dos fenômenos externos podiam contrabalançar estas forças. Eles observavam os movimentos das estrelas, por exemplo, e reconheciam que estes estavam de acordo com as leis que não estavam sujeitas aos desejos ou á imaginação. Eles sabiam que se por exemplo, eles imaginassem um pedacinho de madeira sendo aceso e queimando até formar uma incandescência enorme, isto não aconteceria á partir de resultados reais, que de fato um pedacinho de madeira só produziria um fogo muito pequeno. O objetivo destes artigos estudiosos era de fato representar e reprimir nas pessoas as forças sobrepujantes da fantasia e da imaginação. E assim eles forneciam sua sabedoria e ensinamentos – embora muito do que ensinassem fosse justamente para diminuir a capacidade de fantasia luciférica das pessoas, e nem sempre relatavam a verdade. Havia um bom tanto de refugo misturado ao ouro e de fato é esse refugo que, na sua maior parte, sobreviveu daqueles ensinamentos antigos.
E se voltamos á época em que estamos agora, a época arimãnica, podemos ver que nossa ciência moderna tem se voltado de maneira crescente em direção ao arimãnico e atomístico. Esta ciência se tornou algo que nos torna relativamente secos e áridos, pois ela só leva em conta o mundo físico, material, calcificado.
Entre esses dois pólos está a terceira qualidade mediadora, que nós chamamos o verdadeiro Crístico. Meus queridos amigos, o verdadeiro Cristianismo é algo muito pouco conhecido no mundo. A cristandade mundial que conhecemos é algo bem diferente, á qual devemos de fato nos opor.
O ser sobre o qual lhes falei da última vez (2), que nasceu no ponto de virada dos tempos e que viveu 33 anos, não é como as pessoas o descrevem.
Ele queria dar á toda a humanidade ensinamentos que permitiriam as pessoas equilibrar as tendências luciféricas e arimãnicas opostas. O verdadeiro sentido do Cristianismo reside na busca por este equilíbrio. O que as pessoas hoje em dia pensam como sendo Cristão não é, de fato, o que foi pretendido.
O que por exemplo, significa o Cristianismo no âmbito físico, na esfera da doença e da saúde? Significa ganhar um conhecimento real do ser humano, de tal forma que se uma pessoa sofre de pleurisia, podemos ver que ela esta muito sujeita ás influências luciféricas. Uma vez que eu sei disto, posso começar a tentar equilibrar ao: pratos da balança.
No caso da pleurisia, o arimãnico é muito fraco, de tal forma que preciso acrescentar um “ingrediente arimãnico” á situação, para promover o equilíbrio.
Uma coisa que posso fazer é o seguinte: pego um pedaço de madeira da pereira, uma planta que tem um crescimento intenso, vigoroso na primavera. A madeira que fica próximo a casca é melhor, pois ela contém as forças de crescimento mais poderosas. Agora eu mato essas forças queimando a madeira até se transformar em carvão, e assim “arimanizando” as forças rejuvenescedoras da pereira. Depois eu môo este carvão até se tornar pó e o administro á pessoa que sofre de pleurisia pelo excesso de forças luciféricas. Então eu agreguei um ingrediente arimãnico áuma condição excessivamente luciférica e criei novamente o equilíbrio. Eu mineralizei e assim também arimanizei a madeira da pereira transformando-a em carvão.
Podemos ao contrário, ter uma pessoa que adquiriu uma expressão cansada, pálida, de tal forma que imaginemos que ela poderá em breve sofrer um derrame. Os pratos da balança, nesse caso, estão pendendo em direção ao arimãnico, precisamos reencontrar o equilíbrio administrando-lhe algo de uma qualidade luciférica. Como fazer isso?
Observamos uma planta: a raiz é dura e contêm minerais e sais – em nada luciférico. O caule e as folhas também não são luciféricos, mas se continuarmos para cima, encontrarei um botão de cheiro doce. Ele está enviando substância dele mesmo param o cosmos – caso contrário eu não poderia sentir o perfume. Assim, deste botão eu extraio o suco, que tem uma qualidade luciférica. Este é administrado de maneira correta, de tal forma que o equilíbrio é restabelecido: eu curo o paciente ao contrapor a preponderância da tendência arimãnica.
Como, ao contrário, a medicina moderna atua? Ela experimenta. Um químico descobre, por exemplo, o acetifenidina – não precisamos saber exatamente o que é isto, é uma substância complicada. Ela então é levada a um hospital, onde é experimentada talvez em 30 pacientes, aproximadamente. Suas reações, temperatura, etc., são anotadas e se houver algum resultado a substância é usada como medicamento.
Mas as pessoas não têm idéia do que realmente está acontecendo dentro do corpo humano. Não há uma compreensão do processo interno em andamento. A única maneira correta de prosseguir é se as pessoas perceberem que a pleurisia, por exemplo, indica uma tendência luciférica muito pronunciada, que precisa ser equilibrada pela arimãnica; ou se um derrame indica a preponderância da arimãnica, ela deve ser equilibrada pela luciférica.
Este tipo de abordagem é o que a humanidade precisa, pois ela não está, no momento, suficientemente cristianizada neste aspecto. O Crístico é o equilíbrio, é a busca para estabelecer o equilíbrio e a harmonia. Isto se aplica também para a medicina e a cura, num nível bem físico, bem prático.
Isto é o que eu quis também expressar na figura de madeira do Cristo (3) esculpida para o prédio do Goetheanum. Acima se vê Lúcifer, o luciférico, representando tudo que tem a ver com a febre, a imaginação, o adormecer, etc; abaixo se encontram todas as tendências ao endurecimento, ao arimãnico. Entre estas duas está o Cristo.
Contemplar esta figura nos ajudará saber como proceder em todos os diferentes âmbitos; da medicina á ciência e a sociologia. Hoje em dia deveríamos começar a nos tornarmos conscientes de como as tendências luciféricas e arimãnicas estão em ação na natureza humana.
Mas será que as pessoas têm, ou querem ter alguma relação com estas coisas? Há pouco tempo atrás havia um sacerdote, bem conhecido na Basiléia e ainda mais longe, chamado Frohnmeyer, que dava palestras por toda a parte. Ele não se dispôs a vir e ver a escultura por si mesmo, mas leu relato de alguma pessoa ( que por sua vez, também não se deu o trabalho de vê-la). Isto não o impediu de se pronunciar sobre esta escultura do Cristo e de dizer que Steiner, em Domach, estava fazendo uma horrível caricatura; uma imagem do Cristo cujas partes superiores tinham características luciféricas e abaixo, traços animais.
Vocês podem ver por si mesmos que isto é errado: a figura do Cristo tem uma cabeça bem humana. Mas o padre confundiu a questão. Ele nem ao menos sabe que a escultura ainda está inacabada abaixo – nem tanto formas animais tal como um pedaço de madeira não talhado. Mas ele era, apesar de tudo, um sacerdote, alguém que busca a verdade, e assim o mundo todo agora acredita que o que disse deve ser verdade. É muito difícil fazer qualquer progresso em tais circunstâncias, quando as pessoas não têm vontade de ver ou ouvir a verdade. As pessoas preferem tomar suas verdades das bocas de sacerdotes, embora neste caso isso tenha levado a uma mentira de enormes proporções. Mas isto não é o final da estória – é extraordinária a maneira como algumas pessoas pensam. Na época em que Frohnmeyer escreveu estas coisas, tínhamos o Dr. Boos conosco aqui no Goetheanum. Vocês com certeza sabem que o Dr. Boos gosta de tomar a defesa ás vezes; vocês podem pensar que tomar defesa é algo tanto duro – um tanto arimãnico – e que talvez se deva buscar um método mais suave – um golpe luciférico um pouco mais suave, talvez com um espanador. De qualquer forma, bem ou mal, Dr. Boos tomou a defesa,disse-lhe a verdade em termos bem precisos.E quem foi que recebeu uma carta de Frohnmeyer? Eu recebi! Foi uma carta longa de Frohnmeyer queixando-se do comportamento do Dr. Boos e pedindo a mim que contivesse seus excessos.
É espantoso como as pessoas pensam! Atacam alguém, fazem-lhe uma calúnia e depois pedem á mesma pessoa que os proteja contra alguém que tenta retificar a questão.
É um sinal da superficialidade e simplicidade do nosso tempo, eu temo que o público em geral não confie em seu próprio julgamento sobre muitos assuntos, mas que aceite o que aqueles em situação de autoridade coloquem diante deles.
O que é necessário é abrir toda uma nova corrente e direção de pensamento. As pessoas precisam entender que falar sobre Cristianismo “a torto e direito”, não vai nos levar muito longe. Ao contrário, precisamos torná-lo real na prática, de maneira bem “pé no chão”. Por exemplo, precisamos saber que a medicina pode se tornar cristã. Se alguém comeu açúcar continuadamente toda a vida, desde a infância, e como resultado desenvolve um câncer de fígado, que é uma arimanização do fígado, precisamos saber como tratá-la pela administração de algo que contenha qualidades luciféricas. Assim como uma pessoa pode distinguir entre quente e frio, assim também precisamos aprender a distinguir entre as tendências luciféricas e arimãnicas. Quando nossos membros enrijecem,estamos nos tornando arimãnicos. Podemos contrabalançar isto aplicando faixas e roupas quentes, com algo aquecido e de natureza luciférica. Isto é somente um exemplo de toda uma abordagem, de uma maneira toda de compreender o ser humano; de tal forma que a medicina se torne Cristã.
A pedagogia e a educação também precisam se tornar Cristãs de alguma forma. Precisamos educar as crianças sem deixá-las prematuramente velhas desde a infância. Para fazer isso, precisamos deixá-las começar com coisas que tenham relação com elas, com as quais elas se relacionam naturalmente, nas quais elas estejam interessadas, etc.
Espero, então que esteja claro que as expressões que usei – arimãnico, luciférico, Crístico – não são superstição infundada. Elas são de fato verdadeiramente científicas.
Olhemos agora, por um momento, para um aspecto do nosso desenvolvimento histórico e cultural. Desde os primeiros dias do Cristianismo até os séculos doze, treze e quatorze, os Cristãos eram de fato proibidos de ler a Bíblia, o novo Testamento. Somente os padres tinham permissão para ler, e não a congregação de fiéis. Por quê? Porque os padres e estudiosos sabiam que era necessário ler a Bíblia da maneira correta. Ela foi composta num tempo em que as pessoas não pensavam como nós pensamos hoje, mas muito mais em imagens.
Se as pessoas a lessem de maneira errada, sem a preparação adequada, logo iriam descobrir que os quatro evangelhos se contradizem. E por quê? É claro que sim. Mesmo nos séculos quatro e cinco qualquer pessoa que tivesse toda esta clareza teria sido capaz de compreender por que é assim.
Imaginem que eu tire uma fotografia do Sr. Burle de frente e lhes mostre a imagem. Vocês com certeza o reconhecerão. Mas e se alguém entrar e tirar uma fotografia de perfil e lhes mostrar, vocês todos poderão se recusar a acreditar que é o Sr. Burle, pois o ângulo da fotografia irá lhes mostrar um aspecto com o qual vocês não estão familiarizados. No entanto, é claro que ainda assim seria ele. E se eu o fotografasse de costas, vocês poderiam dizer: “Este não pode ser o Sr. Burle, ele tem um nariz, não somente cabelo!”.
Da mesma forma, pode-se “fotografar” um processo espiritual de vários ângulos diferentes, cada um deles aparece um pouco diferente do outro. Os quatro Evangelistas são simplesmente descrevendo coisas de quatro ângulos diferentes. Mas á medida que o tempo passou, as pessoas deixaram de pensar que havia necessidade de se prepararem para ler os Evangelhos, ou para fazer qualquer outra coisa. Eles acreditavam que a preparação escolar era a preparação suficiente para tudo, que ao redor dos 14 ou 15 anos eles não deveriam mais se preparar, mas que deveriam ser capazes de entender tudo. Este tipo de crença é o que levou as pessoas a olharem
Para o Goetheanum aqui e dizerem: ”Pessoas velhas, carecas, estão indo lá para aprenderem. É uma escola para os mais velhos – deve ser uma casa de loucos!” Eles dizem isso porque não podem imaginar que pessoas mais velhas podem ainda querer e precisar aprender. Mas precisamos ter clareza quanto ao fato que não podemos ler os Evangelhos corretamente sem a preparação adequada, sem começarmos a entender que eles encerram um tipo de linguagem em imagens. Se alguém quiser ler um texto chinês, precisa entender os caracteres chineses; da mesma forma, os Evangelhos serão um balbucio sem sentido para nós se não aprendermos a le-los da forma correta. Assim também, para compreender as coisas de direito, precisamos aprender a reconhecer que o Cristianismo está totalmente relacionado a criar o equilíbrio entre o luciférico e o arimãnico, de tal forma que nenhuma das tendências prevaleça ás custas da outra.
É por esta razão que a Antroposofia não se envergonha de falar do Cristianismo nesses termos. Ela enfatiza que não se serve ao Cristianismo pronunciando a palavra Cristo todo o tempo. As pessoas freqüentemente acusam a Antroposofia de mencionar muito pouco ao Cristo. Mas eu refuto que a Antroposofia se acautela de falar do Cristo porque ela se lembra dos dez mandamentos, especificamente aquele que diz: “Não tomar o nome do Senhor, teu Deus em vão.” Um padre cristão, hoje em dia, costuma falar o nome de Cristo muitas vezes durante seu sermão. Mas se deveria somente falar este nome quando se tem realmente alguma compreensão do que ele significa! Isto é o que distingue a Antroposofia de uma superstição ou falsa piedade. A Antroposofia não quer ser nada além de cientifica. E é desta perspectiva que ela olha o acontecimento na Palestina, que aconteceu no ponto de virada do tempo, no limite entre os tempos antigos que eram luciféricos e os novos tempos, que são arimânicos, como um acontecimento de significado histórico e universal.
Somente quando começarmos a entender o que realmente aconteceu naquele tempo na terra, é que seremos capazes de chegar à nossa verdadeira herança, a nós mesmos. Hoje em dia as pessoas estão bastante “fora“ de si mesmas, nos pontos de vista exteriores da ciência. Falaremos mais sobre isto na próxima Quarta- feira às nove horas. Isto, por agora, é minha resposta à pergunta. Espero que ela tenha lançado alguma luz sobre toda a questão.
Rudolf Steiner – GA 349 – Dornach, 7 de maio de 1923
Você deve conceber a verdade por si próprio.
A CIÊNCIA ESPIRITUAL E O DOGMATISMO
“Seria desastroso para a Ciência Espiritual se aquele que ainda não consegue ver no mundo espiritual fosse obrigado a aceitar com fé cega o que lhe é dito.
Imploro-lhes agora que nunca aceite com autoridade ou fé qualquer coisa que eu disse ou devo dizer. Mesmo antes de alguém atingir o estágio de clarividência, é possível testar os resultados da visão clarividente. Peço-lhe que não aceite como artigo de fé tudo o que eu disse sobre Zaratustra e Jesus de Nazaré, sobre Hermes e Moisés, Odin e Thor e sobre o próprio Cristo Jesus, nem que aceite minhas declarações como oficiais. Suplico-lhe que renuncie ao princípio da autoridade, pois esse princípio seria prejudicial ao nosso Movimento…
…Você só precisa abrir os olhos e verificar objetivamente; não apelamos para a crença na autoridade. Essa necessidade de testar tudo o que é recebido da Ciência Espiritual deve se tornar um tipo de atitude básica que permeia toda a nossa abordagem.
Gostaria de enfatizar a você, portanto, que não é antroposófico aceitar uma declaração como dogma sobre a autoridade desta ou daquela pessoa; mas é verdadeiramente antroposófico deixar-se estimular pela Ciência Espiritual e verificar o que a própria vida comunica.”
Rudolf Steiner – GA 121, “A Missão das Almas dos Povos – leitura 11”
Tradução livre: Leonardo Maia
AHRIMAN E A DIVISÃO DOS SERES HUMANOS
O chauvinismo (termo dado a todo tipo de opinião exacerbada, tendenciosa ou agressiva em favor de um país, grupo ou ideia) está cada vez mais prevalecendo até que finalmente levará os homens a se dividirem a tal ponto que, por fim, um grupo envolverá apenas um único ser humano! As coisas poderiam chegar ao ponto em que os homens individualmente se dividissem novamente em direita e esquerda, e ficassem em guerra consigo mesmos; a esquerda estaria em desacordo com a direita. Essas tendências são evidentes mesmo agora na evolução da humanidade. Para combater isso, um contrapeso deve ser criado; e esse contrapeso só pode ser criado se, como a velha sabedoria inerente ao paganismo, uma nova sabedoria, adquirida pela livre resolução e vontade do homem, for infundida na cultura terrena. Esta nova sabedoria deve ser novamente uma sabedoria de Iniciação.
E aqui chegamos a um capítulo que não deve ser omitido do conhecimento do homem moderno. Se, no futuro, o homem não fizesse nada para adquirir uma nova sabedoria, então, inconscientemente para ele, toda a cultura se tornaria arimânica, e seria fácil para as influências provenientes da encarnação de Ahriman permear toda a civilização no terra. Portanto, devem ser tomadas precauções em relação aos fluxos pelos quais a forma arimânica de cultura é promovida. Qual seria o resultado se os homens seguissem a forte inclinação que têm hoje de deixar as coisas à deriva como estão, sem compreender e guiar para os canais certos as correntes que conduzem a uma cultura arimânica?
Rudolf Steiner – GA 121, “Lúcifer e Ahriman”, leitura IV – Dornach, 15 de novembro de 1919
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 121 – Christiania (Oslo), 17 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 11
NERTHUS, FREYJA E GERDA. CREPÚSCULO DOS DEUSES. WIDAR E A NOVA REVELAÇÃO DE CRISTO.
Ao iniciar esta nossa última palestra, posso assegurar-lhes que ainda há muito a ser discutido e que, neste curso de palestras, tocamos apenas na periferia deste assunto, que cobre um amplo campo. Só posso esperar que não seja a última vez que falaremos juntos aqui sobre assuntos afins, e deve ser suficiente se eu consegui introduzir este assunto apenas com as mais breves indicações, visto que uma discussão detalhada neste momento presente criaria outras complicações.
Como um fio condutor que percorreu as últimas palestras, estava a ideia de que a mitologia teutônica contém algo que, em forma imaginativa, está conectada, de maneira notável, com o conhecimento derivado da pesquisa espiritual de nosso tempo. Agora, esta é também uma das razões pelas quais podemos esperar que o Espírito Popular, o Arcanjo, que dirige e guia este país (Noruega), imbuirá a filosofia moderna e a pesquisa espiritual moderna com as capacidades que ele desenvolveu ao longo dos séculos e que, daqui pra frente, a pesquisa espiritual moderna será fertilizada pela união com as forças vitais de todo o povo.
Quanto mais penetramos nos detalhes da mitologia teutônica, mais perceberemos – e isso não se aplica a nenhuma outra mitologia – quão maravilhosamente as mais profundas verdades ocultas são expressas nos símbolos dessa mitologia. Talvez alguns de vocês que leram minha “Ciência Oculta – um Esboço” ou ouviram outras palestras, que fui capaz de dar aqui, se lembrem de que uma vez no curso da evolução da Terra ocorreu um evento que podemos descrever como a descida de aquelas almas humanas que, nos tempos primitivos antes da velha época da Lemúria, por razões muito especiais, ascenderam a outros planetas, a Saturno, Júpiter, Marte, Vênus e Mercúrio, e que essas almas na época Lemuriana tardia e ao longo da época Atlante, depois que as forças de endurecimento da Lua haviam deixado a Terra, empenharam-se em encarnar em corpos humanos cujas capacidades haviam sido gradualmente desenvolvidas e aperfeiçoadas nas condições da Terra.
Essas almas de Saturno, Júpiter, Marte, Vênus e Mercúrio então desceram sobre a Terra e esta descida ainda pode ser verificada hoje nos Registros Akáshicos. Durante a época atlante, o ar da Atlântida foi permeado por névoas aquosas e, através dessas névoas, aqueles na Terra viram, com a velha clarividência atlante, a descida dessas almas para fora do Cosmos. Sempre que novos seres desceram das alturas espirituais para os corpos ainda moles, plásticos e flexíveis daquela época, isso foi entendido como a manifestação externa das almas descendo do Cosmos, da atmosfera, das esferas planetárias, a fim de encarnar em corpos terrestres.
Esses corpos terrenos foram frutificados por aquilo que desceu das alturas espirituais. A memória desse evento sobreviveu nas concepções imaginativas da mitologia teutônica e persistiu por tanto tempo que ainda existia entre os povos germânicos do sul, na época em que Tácito escreveu sua “Germânia”*. Ninguém entenderá o relato que Tácito faz da deusa Nerthus, a menos que perceba que esse evento realmente aconteceu.
* [Capítulo 40 da Germânia. Ver também a palestra proferida por Rudolf Steiner na Basiléia, 12 de setembro de 1916, intitulada “Christmas at a Time of Grievous Destiny”. Aula IV em As Festas e seus Significados. Vol. 1. Natal. (Rudolf Steiner Press).]
Ele relata que a carruagem da Deusa Nerthus foi lançada sobre as águas. Mais tarde, isso sobreviveu como um ritual solene; anteriormente era uma questão de visão real. Esta Deusa ofereceu os corpos humanos adequados às almas humanas descendentes das esferas planetárias. Este é o mistério subjacente ao mito de Nerthus e ele sobreviveu em tudo o que chegou até nós nas antigas sagas e lendas que dão indícios do nascimento do homem físico. Njordr, que está intimamente relacionado com a Deusa Nerthus, é sua contraparte masculina. Diz-se que ele representa a memória primitiva da descida dos seres psicoespirituais que antigamente haviam ascendido às alturas planetárias e que, durante a época atlante, voltaram e encarnaram em corpos humanos.
Em meu panfleto, O Significado Oculto do Sangue, você pode ler como a miscigenação e o contato entre diferentes povos tiveram um papel significativo em certos períodos. Agora, não apenas a mistura de povos e suas inter-relações que levaram à introdução do sangue estrangeiro, mas também o desenvolvimento psíquico e espiritual dos Espíritos Populares tiveram um papel decisivo. A visão dessa descida foi preservada com a maior pureza nas sagas que surgiram em tempos anteriores nessas regiões do Norte. Portanto, nas Sagas dos Vanir você ainda pode encontrar uma das mais antigas lembranças dessa descida.
Especialmente aqui no Norte, a tradição finlandesa ainda preserva uma memória viva desta união da alma-e-espírito que desceu das esferas planetárias com o que brota do corpo da Terra – que a tradição do Norte conhece como Riesenheim (Casa dos gigantes). Aquilo que se desenvolveu fora do corpo da Terra pertence a Riesenheim. Percebemos, portanto, que o homem nórdico sempre esteve ciente dos impulsos espirituais, que ele sentiu dentro de sua alma em evolução gradual o funcionamento desta velha visão dos Deuses que ainda era natural para o homem aqui quando, naqueles tempos antigos, as névoas aquosas da Atlântida ainda cobriam a região.
O homem nórdico sentia, dentro de si, alguma centelha de um Deus que descia diretamente daqueles Seres divino-espirituais, aqueles Arcanjos que dirigiam a união da alma e do espírito com o terrestre e o físico. As pessoas acreditavam, e sentiam, que o Deus Freyr e sua irmã Freyja, que uma vez foram Deuses do Norte especialmente favorecidos, foram originalmente aqueles Seres angelicais que derramaram na alma humana tudo o que esta alma exigia para desenvolver ainda mais, sobre o plano físico, aquelas velhas forças que eles (o povo) receberam através de suas capacidades clarividentes.
No mundo físico, o mundo limitado aos sentidos externos, Freyr era o continuador de tudo o que até então havia sido recebido de forma clarividente. Ele era a continuação viva das forças recebidas clarividentemente. Ele teve, portanto, que se unir aos instrumentos físico-corpóreos existentes no próprio corpo humano para o uso dessas forças da alma, que então transmitem ao plano físico o que havia sido percebido na clarividência primitiva. Isso se reflete no casamento de Freyr com Gerda, a filha do Gigante. Ela nasce das forças físicas da própria evolução terrena.
A descida do espiritual divino ao físico ainda se reflete nesses símbolos mitológicos. A figura de Freyr retrata, de maneira notável, como ele faz uso daquilo que permite ao homem manifestar no plano físico aquilo para o qual foi preparado por meio de sua clarividência anterior. O nome de seu cavalo é Bluthuf, indicando que o sangue é um fator essencial no desenvolvimento do ‘eu’. Um notável navio mágico é colocado à sua disposição. Ele pode abranger o céu ou ser dobrado para caber em uma caixa minúscula. O que é esse navio mágico?
Se Freyr é o poder que transmite as forças clarividentes ao plano físico, então este navio mágico é algo peculiarmente seu: ele simboliza a alternância da alma durante o dia e a noite. Assim como a alma humana durante o sono e até o momento de acordar se espalha sobre o macrocosmo, também a nave mágica espalha suas velas e é então dobrada novamente nas dobras cerebrais para ser guardada naquela minúscula caixa – o crânio humano. Você encontrará tudo isso retratado de maneira maravilhosa nas figuras mitológicas da mitologia teutônica.
Aqueles de vocês que investigarem mais profundamente essas questões serão gradualmente convencidos de que, o que foi implantado, “injetado” na mente e na alma deste povo do Norte por meio desses símbolos ou imagens, não é um voo da imaginação, mas, na verdade, se origina das Escolas de Mistério. Assim, no Arcanjo guia ou Espírito Popular do Norte, muito da velha educação por meio da percepção clarividente sobreviveu, muito do que pode se desdobrar em uma alma que, no curso de seu desenvolvimento no plano físico, está associada ao desenvolvimento clarividente.
Embora não seja aparente do ponto de vista externo hoje, o Arcanjo do Norte germânico tinha dentro de si esta tendência, e, graças a esta tendência, ele está particularmente apto para entender a Ciência Espiritual moderna e para transformá-la da maneira apropriada para satisfazer as potencialidades inerentes das pessoas. Portanto, você compreenderá por que eu disse que a alma dos povos germânicos em particular está mais bem preparada para entender o que eu poderia apenas indicar brevemente na palestra pública que dei aqui sobre a Segunda Vinda de Cristo.
A pesquisa espiritual hoje nos mostra que depois que Kali Yuga tiver percorrido seu curso (que durou 5.000 anos, aproximadamente de 3.100 aC a 1.899 dC), novas capacidades aparecerão nos poucos isolados que estão especialmente preparados para recebê-las. Chegará o tempo em que os indivíduos serão capazes, por meio do desenvolvimento natural da nova clarividência, de perceber algo do que é anunciado apenas pela Ciência Espiritual ou pela pesquisa espiritual. Dizem que, no decorrer dos próximos séculos, um número crescente de pessoas será encontrado nas quais os órgãos do corpo etérico estão tão desenvolvidos e que atingirão a clarividência, que hoje só pode ser adquirida através de treinamento. Como devemos explicar isso?
Qual será a natureza do corpo etérico naqueles poucos que desenvolvem a clarividência? Haverá alguns que receberão impressões clarividentes, e gostaria de vos descrever um exemplo típico. O homem realiza algum ato e, ao mesmo tempo, se sente impelido a observar algo. Surge nele uma espécie de visão onírica que, a princípio, ele não entende. Mas se ele ouviu falar do Karma, de como os eventos mundiais se conformam com a lei, ele então perceberá, pouco a pouco, que o que viu é a contrapartida cármica de seus atos presentes tornados visíveis no mundo etérico. Assim, os primeiros elementos das capacidades futuras são desenvolvidos gradualmente.
Aqueles que estão abertos ao estímulo da Ciência Espiritual irão, a partir de meados do século XX, gradualmente experimentar uma renovação daquilo que São Paulo viu na clarividência etérica como um mistério por vir, o ‘Mistério do Cristo Vivo’. Haverá uma nova manifestação de Cristo, manifestação que deve ocorrer quando as capacidades humanas se desenvolverem naturalmente até o ponto em que o Cristo possa ser visto no mundo em que sempre esteve presente desde o mistério do Gólgota e no qual também pode ser experimentado pelo Iniciado. A humanidade está gradualmente evoluindo nesse mundo de modo a ser capaz de perceber do plano físico o que antes só podia ser percebido nas Escolas de Mistérios da perspectiva dos planos superiores.
No entanto, o treinamento oculto ainda é uma necessidade. Sempre apresenta as coisas sob uma luz diferente para aqueles que não passaram por tal treinamento. Mas o treinamento oculto irá, pela transformação do corpo físico, mostrar o Mistério do Cristo Vivo de uma nova maneira – como ele poderá ser visto etericamente da perspectiva do plano físico por alguns indivíduos isolados no início, e mais tarde, aumentando o número de pessoas no decorrer dos próximos três mil anos. O Cristo Vivo percebido por São Paulo, o Cristo que se encontra no mundo etérico desde o Mistério do Gólgota, será visto por um número cada vez maior de pessoas.
As manifestações do Cristo serão experimentadas pelo homem em níveis cada vez mais elevados. Esse é o mistério da evolução de Cristo. Na época do Mistério do Gólgota, pretendia-se que o homem compreendesse tudo do ponto de vista do plano físico. Era, portanto, necessário que ele pudesse ver Cristo no plano físico, receber as novas Dele e dar testemunho de Seu domínio neste plano. Mas a humanidade foi projetada para progredir e desenvolver poderes superiores.
Aquele que acredita que a manifestação de Cristo será repetida na forma que era válida há mil e novecentos anos, pode ter pouca compreensão do desenvolvimento da humanidade. A manifestação de Cristo ocorreu no plano físico porque, naquela época, as forças do homem estavam adaptadas ao plano físico. Mas essas forças irão evoluir e, no decorrer dos próximos três mil anos, Cristo será cada vez mais compreendido pelas almas mais desenvolvidas da Terra.
O que acabei de dizer é uma verdade que há muito foi comunicada a uns poucos escolhidos de dentro das escolas esotéricas e é uma verdade que hoje deve permear os ensinamentos da Ciência Espiritual em particular, porque a Ciência Espiritual se destina a ser uma preparação para isso que está por vir. A humanidade está agora pronta para a liberdade e o autoconhecimento e é altamente provável que aqueles que se proclamam os pioneiros da visão de Cristo sejam denunciados como tolos devido a sua mensagem à humanidade.
É possível para a humanidade mergulhar ainda mais fundo no materialismo e rejeitar aquilo que poderia se tornar uma revelação valiosa para a humanidade. Tudo o que pode acontecer no futuro está, em certa medida, sujeito à vontade do homem; consequentemente, ele pode perder o que é pretendido para sua salvação. É extremamente importante perceber que a Ciência Espiritual é uma preparação para a nova revelação de Cristo.
O materialismo apresenta um perigo duplo. O que provavelmente decorre das tradições do Ocidente, é que tudo o que os primeiros pioneiros da nova revelação de Cristo anunciarão no século XX, a partir de sua própria visão, será descartado como uma invenção da imaginação, como o auge de loucura. Hoje o materialismo invadiu todas as esferas. Não está apenas enraizado no Ocidente, mas também invadiu o Oriente. Lá, porém, assume outra forma. Uma consequência do materialismo oriental pode muito bem ser que a humanidade deixará de reconhecer os aspectos mais elevados da revelação de Cristo.
E então seguiremos o que tenho falado muitas vezes aqui, e que devo repetir continuamente, a saber, que o pensamento materialista terá uma concepção puramente materialista da manifestação de Cristo. Pode muito bem ser que, sob a influência de verdades científicas espirituais, as pessoas se aventurem a falar de uma manifestação futura de Cristo e ainda assim crer que Ele aparecerá em um corpo físico. O resultado seria simplesmente outra forma de materialismo, uma continuação do que já existe há séculos.
As pessoas sempre exploraram esse falso materialismo. Na verdade, certos indivíduos se declararam o novo Messias. O último caso conhecido ocorreu no século XVII, quando um homem chamado Sabbatai Zevi de Esmirna anunciou ser o novo Messias. Ele fez uma grande agitação. Não só aqueles que viviam em seu ambiente imediato fizeram peregrinações para visitá-lo, mas também pessoas da Hungria, Polônia, Alemanha, França, Itália e Norte da África. Em todos os lugares, Sabbatai Zevi era considerado a encarnação física de um Messias. Não me proponho a relatar a tragédia humana que se abateu sobre a personalidade de Sabbatai.
No século XVII, nenhum grande dano foi causado. Naquela época o homem não era realmente um agente livre, embora pudesse reconhecer intuitivamente – o que era uma espécie de sentimento espiritual – o que era a verdade. Mas no século vinte seria uma grande desgraça se, sob a pressão do materialismo, a manifestação de Cristo fosse tomada em um sentido materialista, implicando que se deveria esperar Seu retorno em um corpo físico. Isso apenas provaria que a humanidade não adquiriu nenhuma percepção ou insight do progresso real da evolução humana em direção a uma espiritualidade superior.
Os falsos messias inevitavelmente aparecerão e, graças ao materialismo de nosso tempo, eles encontrarão o favorecimento popular como Sabbatai no século XVII. Será um teste severo para aqueles que foram preparados pela Ciência Espiritual para reconhecer onde está a verdade, para saber se as teorias espirituais são realmente permeadas por um sentimento espiritual vivo ou se são apenas uma forma disfarçada de materialismo.
Será um teste do desenvolvimento posterior da Ciência Espiritual se a Ciência Espiritual desenvolverá um número suficiente de pessoas que são capazes de compreender que devem perceber o espírito no espírito, que devem buscar a nova manifestação de Cristo no mundo etérico, ou se eles se recusarão a olhar além do plano físico e irão esperar ver uma manifestação de Cristo no corpo físico. A Ciência Espiritual ainda não passou por esse teste. Não há dúvida de que em nenhum lugar o terreno foi mais bem preparado para reconhecer a verdade sobre esse assunto do que na Escandinávia, onde floresceu a mitologia do Norte.
O crepúsculo dos Deuses abrange uma visão significativa do futuro, e agora chego a um tema que já toquei. Já lhes disse que, em uma comunidade folclórica que tão recentemente deixou para trás seu passado clarividente, também se desenvolve um senso clarividente em seu Espírito Folclórico orientador, a fim de que a clarividência recém-descoberta possa ser novamente compreendida. Agora, se um povo experimenta a nova época com novas capacidades humanas na região onde a mitologia teutônica floresceu, então esse povo deve perceber que a velha clarividência deve assumir uma forma diferente depois que o homem se desenvolveu no plano físico.
A velha clarividência foi temporariamente silenciada; o homem perdeu por um tempo a visão do mundo de Odin e Thor, de Baldur e Hodur, de Freyr e Freyja. Mas este mundo retornará novamente em uma época em que outras forças, entretanto, estiverem agindo sobre a alma humana. Quando o homem contemplar o novo mundo com a nova clarividência etérica, ele perceberá que as forças dos antigos deuses não mais valem. Se as velhas forças persistissem, então as contra-forças se alinhariam contra aquela força cuja função nos tempos antigos era desenvolver as capacidades do homem até um certo nível. Odin e Thor estarão visíveis novamente, mas agora em uma nova forma.
Todas as forças opostas a Odin e Thor, tudo o que se desenvolveu como uma contra-força, mais uma vez será visível em um quadro poderoso. Mas a alma humana não progrediria; não seria capaz de resistir a influências prejudiciais se estivesse sujeito apenas às forças conhecidas da antiga clarividência. Uma vez, Thor dotou o homem de um ego. Este ego foi desenvolvido no plano físico, evoluiu a partir da Cobra Midgard que Loki, o poder Luciférico, deixou para trás no corpo astral. Aquilo que Thor já foi capaz de dar e que a alma humana transcende, está em conflito com o que procede da Cobra Midgard.
Isso é descrito na mitologia nórdica como o conflito entre Thor e a Cobra Midgard. Eles são combinados de maneira uniforme, nenhum deles pode prevalecer. Da mesma forma, Odin luta com o Lobo Fenris e não prevalece.
[No dia do Ragnarok (o Crepúsculo dos Deuses) Odin é engolido pelo Lobo Fenris.]
Freyr, que, por um tempo, moldou as forças da alma humana, teve que sucumbir àquilo que havia sido dado das próprias forças da Terra ao ‘EU’, que, entretanto, havia sido desenvolvido no plano físico. Freyr foi vencido pela espada flamejante de Surtur nascido da Terra.
Todos esses detalhes que são registrados no Crepúsculo dos Deuses encontrarão sua contrapartida em uma nova visão etérica que ‘na realidade’ aponta para o futuro. Mas o Lobo Fenris, símbolo das relíquias da antiga clarividência, viverá no futuro. Há uma verdade muito profunda oculta no fato de que a luta entre o Lobo Fenris e Odin ainda persiste.
Não haverá perigo maior do que a tendência de se apegar à velha clarividência que não foi permeada com as novas forças, um perigo que pode tentar o homem a permanecer contente com as manifestações da velha clarividência astral dos tempos primitivos, como as imagens anímicas do Lobo Fenris. Seria novamente uma prova severa para as perspectivas futuras da Ciência Espiritual, se, talvez, no domínio da própria Ciência Espiritual, surgisse uma tendência para todos os tipos de clarividência confusa e caótica, uma inclinação para valorizar a clarividência iluminada pela razão e conhecimento espiritual “menos elevado do que a velha e caótica clarividência”, à qual esta prerrogativa é negada.
Essas relíquias sombrias e confusas da antiga clarividência eclodiriam uma terrível vingança. Tal clarividência não pode ser desafiada por aquilo que resultou do antigo dom da clarividência, mas apenas por aquilo que, durante o período de Kali Yuga, amadureceu de maneira saudável a fim de dar à luz uma nova clarividência. O poder dado pelo antigo Arcanjo Odin, os antigos poderes clarividentes, não pode salvar o homem; algo muito diferente deve suplantá-los.
Esses poderes futuros, entretanto, são conhecidos pela mitologia teutônica; ela tem plena consciência de sua existência. Ela sabe que existe a forma etérica na qual estará corporificado o que agora veremos novamente – Cristo na forma etérica. Só ela terá sucesso em banir os poderes clarividentes escuros e impuros que confundiriam a humanidade se Odin não conseguisse vencer o Lobo Fenris, que simboliza a clarividência atávica. Vidar, que ficou em silêncio até agora, vencerá o Lobo Fenris. Aprendemos isso também no Crepúsculo dos Deuses.
Quem quer que reconheça o significado de Vidar e o sinta em sua alma, descobrirá que no século XX o poder de ver o Cristo pode ser dado ao homem novamente. Vidar, que faz parte do patrimônio da Europa do Norte e Central, voltará a ser visível para o homem. Ele era mantido em segredo nas escolas de mistérios e ocultismo – o Deus que deveria aguardar sua missão futura. Apenas vagas sugestões de sua imagem foram dadas. Isso pode ser visto pelo fato de que uma imagem foi encontrada nas proximidades de Colônia e ninguém sabe quem ela representa. Mas é claramente uma imagem de Vidar.
Ao longo do período de Kali Yuga, foram adquiridos os poderes que permitirão aos novos homens ver as novas manifestações de Cristo. Aqueles que são chamados a interpretar os sinais dos tempos o que está por vir, estão cientes de que a nova investigação espiritual irá restabelecer o poder de Vidar que banirá dos corações e mentes dos homens todas as relíquias obscuras e confusas dos velha clarividência e vai despertar na alma humana a nova clarividência que gradualmente se desdobra.
Quando a maravilhosa figura de Vidar brilha para nós no Crepúsculo dos Deuses, percebemos que a mitologia teutônica promete uma esperança futura. Sentimo-nos intimamente relacionados com a figura de Vidar, cujos aspectos mais profundos de cujo ser estamos agora nos esforçando para compreender. Esperamos que aquelas forças com as quais o Arcanjo do mundo Teutônico pode contribuir para a evolução dos tempos modernos sejam capazes de fornecer o núcleo e a essência viva da Ciência Espiritual. Apenas uma parte do desenvolvimento da humanidade e do espírito – uma parte de um todo maior – foi realizada para a quinta época pós-Atlântida; outra parte ainda precisa ser realizada.
Os membros dos povos nórdicos que sentem dentro de si as energias elementares e vitais de um jovem serão os mais capazes de contribuir para este desenvolvimento. Isso será, até certo ponto, implantado nas almas dos homens; mas eles próprios devem estar preparados para fazer um esforço consciente. No século XX, pode-se cair no esquecimento porque o homem deve, até certo ponto, ter liberdade de escolha na determinação de seu objetivo, que não deve ser predeterminado. É, portanto, uma questão de ter uma compreensão adequada do objetivo à frente.
Se, então, a Ciência Espiritual reflete o conhecimento do Ser Crístico, e se partimos de uma compreensão verdadeira desse Ser que buscamos no próprio âmago dos próprios povos europeus, se colocamos nossas esperanças futuras neste entendimento, então não seremos motivados por qualquer tipo de predileção pessoal ou predisposição temperamental.
Já se disse algumas vezes que o nome que damos ao maior Ser na evolução da humanidade não tem importância. Aquele que reconhece o Ser Crístico não vai insistir em reter o nome de Cristo. Se entendêssemos o Impulso de Cristo da maneira correta, jamais diríamos: um Ser participa da evolução da humanidade, da vida dos povos do Ocidente e do Oriente e esse Ser deve se conformar às predileções do homem por uma verdade particular.
Tal atitude não é compatível com os ensinamentos do ocultismo. O que é compatível com os ensinamentos ocultos é que, no momento em que se reconhece que esse Ser deve receber o nome de Buda, devemos obedecer sem hesitação à nossa decisão, independentemente de concordarmos com ela ou não. Fundamentalmente, não é uma questão de simpatia ou antipatia, mas de verdade factual.
No momento em que os fatos estão abertos a outras interpretações, devemos estar preparados para agir de forma diferente. Fatos e apenas fatos devem decidir. Não temos o desejo de introduzir Orientalismo e Ocidentalismo naquilo que consideramos o sangue vital da Ciência Espiritual; se descobrirmos no reino dos Arcanjos Nórdicos e Germânicos uma fonte de alimento potencial para a verdadeira Ciência Espiritual, então isso não será prerrogativa de um povo ou tribo particular nos países germânicos, mas de toda a humanidade.
O que é dado a toda a humanidade deve ser dado; pode, é verdade, originar-se de uma determinada região, mas deve ser dado a toda a humanidade. Não diferenciamos entre Oriente e Ocidente. Aceitamos com profunda gratidão a grandeza insuperável da cultura primitiva dos sagrados Rishis em sua verdadeira forma. Aceitamos com gratidão a cultura persa, as culturas egípcia caldéia e greco-latina, e com a mesma objetividade também aceitamos o patrimônio cultural da Europa. Somos compelidos, pelas necessidades da situação, a apresentar os fatos como eles realmente são.
Se incorporarmos as contribuições totais que cada religião fez ao processo civilizador da humanidade no que reconhecemos ser propriedade comum da humanidade, então, quanto mais fizermos isso, mais estamos agindo de acordo com o princípio de Cristo. Visto que este princípio é capaz de um maior desenvolvimento, devemos abandonar a interpretação dogmática dos primeiros séculos e milênios, quando os estágios iniciais do princípio de Cristo eram apenas compreendidos de maneira imperfeita.
Não olhamos para o passado para orientação futura. Não procuramos perpetuar o Cristo do passado; estamos principalmente preocupados com o que pode ser investigado por meio da percepção espiritual. Para nós, o elemento essencial do princípio de Cristo não pertence ao passado – por mais que a tradição insista nisso – mas ao futuro. Nós nos esforçamos para determinar o que está por vir. Não confiamos tanto na tradição histórica que foi fundamental para o impulso de Cristo no início da era cristã; não damos muita importância à abordagem externa e histórica.
Depois que o Cristianismo tiver passado por suas dores de crescimento, ele se desenvolverá ainda mais. Ele foi para terras estrangeiras e procurou converter as pessoas aos dogmas cristãos específicos da época. Mas professamos um cristianismo que proclama que Cristo foi ativo em todos os tempos e que o encontraremos onde quer que formos, que o princípio de Cristo é a expressão máxima da Antroposofia. E se o budismo reconhece como budistas apenas aqueles que juram por Buda, então o cristianismo será a fé que não jura por nenhum profeta, porque não está sujeita a um fundador religioso ligado a um povo específico, mas reconhece o Deus de toda a humanidade.
Todo cristão sabe que o ponto focal do cristianismo é um mistério que se manifestou no plano físico do Gólgota. É a percepção desse Mistério que leva à nova visão que descrevi. Também podemos estar cientes que a vida espiritual na época do Mistério do Gólgota era tal que o Mistério só poderia ser experimentado na forma em que foi experimentado naquele momento. Recusamo-nos a nos submeter a dogmas, mesmo aqueles de um passado cristão.
Se um dogma fosse imposto sobre nós, independentemente de sua fonte, nós o rejeitaríamos em nome do verdadeiro princípio de Cristo. Por mais que muitos tentem forçar o Cristo histórico no “leito de Procusto”* de um credo confessional, por mais que muitos possam declarar que nossa visão do Cristo futuro está errada, não nos permitiremos ser desencaminhados quando eles declararem que Ele deve ser dessa ou daquela forma, mesmo quando vem dos lábios daqueles que deveriam saber quem é Cristo. Da mesma forma, a ideia do Ser Crístico não deve ser limitada ou circunscrita pelas tradições orientais, nem ser colorida pelos dogmas do dogmatismo oriental. O que é ensinado a partir das verdadeiras fontes do ocultismo sobre a evolução do futuro deve ser livre e independente de toda tradição e autoridade.
* Leito de Procusto: Um dos mais emblemáticos personagens da mitologia grega é Procusto, impiedoso bandido que possuía uma cama de ferro de seu exato tamanho. Divertia-se obrigando os viajantes que capturava a deitarem-se nessa tal cama; se maiores, cortava-lhes as pernas, se menores, esticava-os até caberem exatamente no leito.
É uma fonte de admiração para mim quanto consenso existe entre as pessoas aqui reunidas. Aqueles que não são de origem nórdica, que vieram aqui, têm me dito repetidamente nos últimos dias como se sentem livres em suas relações com o povo do Norte da Escandinávia. É a prova, se uma prova fosse necessária, de que somos capazes, embora alguns possam não estar cientes disso, de compreender uns aos outros nos níveis mais profundos de conhecimento espiritual e de que nos entenderemos, especialmente nas questões que enfatizei no último Congresso Teosófico em Budapeste e que repeti durante a nossa Assembleia Geral em Berlim, quando tivemos o grande prazer de ver amigos da Noruega entre nós. Seria desastroso para a Ciência Espiritual se aquele que ainda não consegue ver no mundo espiritual fosse obrigado a aceitar com fé cega o que lhe é dito.
Imploro-lhe agora, como lhe implorei em Berlim, que nunca aceite com autoridade ou fé qualquer coisa que eu disse ou devo dizer. Mesmo antes de alguém atingir o estágio de clarividência, é possível testar os resultados da visão clarividente. Peço-lhe que não aceite como artigo de fé tudo o que eu disse sobre Zaratustra e Jesus de Nazaré, sobre Hermes e Moisés, Odin e Thor e sobre o próprio Cristo Jesus, nem que aceite minhas declarações como oficiais. Suplico-lhe que renuncie ao princípio da autoridade, pois esse princípio seria prejudicial ao nosso Movimento.
Tenho certeza, no entanto, que quando você começa a refletir objetivamente, quando diz: “Disseram-nos isso e aquilo; investiguemos os registros que nos são acessíveis, os documentos religiosos e mitológicos, examinemos as afirmações dos cientistas naturais”, você perceberá como tenho razão.
Disponha de todos os meios à sua disposição, quanto mais melhor. Eu não tenho receios. Tudo o que é fornecido a partir de fontes Rosacruzes pode ser testado de todas as maneiras. Munido da crítica mais materialista dos Evangelhos, verifique o que eu disse sobre Cristo Jesus; verifique-o tão completamente quanto possível por todos os meios ao seu dispor no plano físico. Estou convencido de que quanto mais completamente você testar, mais você descobrirá que o que foi dado a partir das fontes Do Mistério Rosacruz corresponderá à verdade.
Tenho como certo que as comunicações fornecidas por fontes Rosacruzes serão testadas ao invés de creditadas, testadas não superficialmente pelos métodos superficiais da ciência moderna, mas cada vez mais conscienciosamente. Pegue as últimas conquistas das ciências naturais com suas técnicas mais recentes, pegue os resultados de pesquisas históricas e religiosas, é tudo um só para mim. Quanto mais você testá-las, mais você as encontrará confirmadas por esta fonte. Você não deve aceitar nada com autoridade. Os melhores estudantes da Ciência Espiritual são aqueles que tomam o que é dito como um estímulo em primeiro lugar e o testam pelos fatos da própria vida.
Pois na vida também, em todas as fases da vida, você pode testar o que é fornecido a partir das fontes do Rosacrucianismo. Está longe de minha intenção nessas palestras estabelecer dogmas e afirmar que os fatos são tais e tais e devem ser acreditados. Verifique-os por uma troca de pontos de vista com pessoas de mente capaz e ativa e você encontrará a confirmação do que foi dito como uma indicação profética da manifestação futura de Cristo. Você só precisa abrir os olhos e verificar objetivamente; não apelamos para a crença na autoridade. Essa necessidade de testar tudo o que é recebido da Ciência Espiritual deve se tornar um tipo de atitude básica que permeia toda a nossa abordagem.
Gostaria de enfatizar a você, portanto, que não é antroposófico aceitar uma declaração como dogma sobre a autoridade desta ou daquela pessoa; mas é verdadeiramente antroposófico deixar-se estimular pela Ciência Espiritual e verificar o que a própria vida comunica. Então, qualquer coisa que possa colorir de alguma forma uma visão verdadeiramente antroposófica deixará de existir. Nem as predileções orientais, nem as ocidentais devem influenciar nossa visão. Aquele que fala do ponto de vista do Rosacrucianismo não aceita o Orientalismo nem o Ocidentalismo; ambos o atraem igualmente.
Somente a natureza interna dos fatos determina sua verdade. Ele deve ter isso em mente, especialmente em um momento tão importante como este, quando indicamos o Espírito Popular que governa as terras do Norte. Aqui habita o espírito mitológico teutônico; mesmo que sua presença não seja sentida, sua influência é mais amplamente difundida na Europa do que se imagina. Se um conflito pudesse surgir entre os povos do Norte, não poderia acontecer, porque é um povo que disputa as contribuições para o bem comum. Cada povo deve praticar o autoconhecimento e se perguntar: como posso contribuir da melhor forma para o bem comum? Então, aquilo que leva ao progresso coletivo de todos, ao bem-estar comum da humanidade, será colhido.
As fontes de nossa contribuição estão em nossas características individuais. O Arcanjo Teutônico trará para todo o campo da cultura no futuro aquilo para o que ele está mais apto, de acordo com as capacidades que ele adquiriu que já delineamos. Em virtude desse poder inerente, ele é capaz de garantir que o que ainda não poderia ser apresentado, na primeira metade da quinta época pós-atlântica, possa desempenhar seu papel na segunda metade, ou seja, aquele elemento espiritual que fomos capazes de reconhecer em uma forma germinativa e profética na filosofia eslava e no sentimento nacional dos povos eslavos.
Este estágio preparatório durou até a primeira metade da quinta era pós-Atlântida. No início, tudo o que poderia ser alcançado por meio da filosofia era uma percepção espiritual altamente sublimada. Isso deve ser compreendido e permeado pelas energias vitais das pessoas para que se torne propriedade comum de toda a humanidade e possa ser realizado em todos os aspectos de nossa vida terrena. Tentemos chegar a um entendimento sobre este assunto, pois então este tema, um tanto perigoso, não terá causado grande dano se todos os que estão aqui reunidos do Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro da Europa sentirem que ele é realmente importante para toda a humanidade, que as nações maiores, não menos do que os grupos isolados menores, tenham cada uma sua missão designada e contribuam com sua parte para o todo.
Frequentemente, os menores fragmentos nacionais têm contribuições mais importantes a fazer, porque é dado a eles a tarefa de preservar e nutrir motivos antigos e novos na vida da alma. Assim, embora tenhamos feito deste tópico perigoso o assunto de nossas palestras, ele servirá para fomentar o sentimento básico de uma comunidade de alma entre todos aqueles que estão unidos sob a bandeira do pensamento e sentimento antroposófico e dos ideais antroposóficos.
Somente se ainda reagíssemos com simpatia e antipatia, se não tivermos uma compreensão clara da essência de nosso Movimento Antroposófico, é que podem surgir mal-entendidos do que foi dito. Mas se apreendemos o espírito subjacente a essas palestras, as ideias apresentadas também podem nos ajudar a tomar a firme resolução de abrigar o ideal elevado – cada um de seu próprio ponto de vista e de sua própria formação – de contribuir para o objetivo comum que é inerente à nossa missão.
Podemos alcançar isso melhor através de nossa iniciativa individual e nossa predisposição natural. Podemos servir melhor a humanidade se desenvolvermos nossos talentos particulares de modo a oferecê-los a toda a humanidade como um sacrifício que trazemos para o desenvolvimento progressivo da cultura. Devemos aprender a entender isso. Devemos aprender a entender que não redundaria em crédito da Ciência Espiritual, se não contribuísse para a evolução do homem, do Anjo e do Arcanjo, mas apoiasse as convicções de um povo em detrimento de outro.
Não faz parte da Ciência Espiritual contribuir com a imposição de crenças confessionais de um continente sobre outro continente. Se os ensinamentos religiosos do Oriente prevalecessem no Ocidente, ou vice-versa, isso seria uma negação completa do ensino antroposófico. O que só está de acordo com o ensino antroposófico é que devemos dedicar altruisticamente o que há de melhor em nós, nossa simpatia e compaixão, ao bem-estar de toda a humanidade. E se somos autossuficientes e vivemos, não para nós mesmos, mas para todos os homens, então essa é a verdadeira tolerância antroposófica. Tive de acrescentar essas palavras como explicação para que esse assunto um tanto delicado poderia ofender as suscetibilidades nacionais.
A Ciência Espiritual, como perceberemos cada vez mais claramente, acabará com as divisões da humanidade. Portanto, agora é o momento certo para aprender a conhecer as Almas Populares, porque o campo da Ciência Espiritual não é promover o antagonismo entre elas, mas convidá-las a trabalhar em cooperação harmoniosa. Quanto melhor compreendermos isso, melhores seremos os alunos da Ciência Espiritual. Com esta nota encerraremos por enquanto o curso de palestras aqui ministradas. Pois o conhecimento que reunimos deve, em última análise, encontrar um eco em nossos sentimentos e pensamentos e na meta antroposófica que estabelecemos diante de nós. Quanto mais praticamos isso em nossas vidas, melhores antropósofos seremos.
Descobri que muitos dos que nos acompanharam a Oslo receberam uma impressão muito favorável, que se apressam em expressar com as palavras: “o quanto nos sentimos em casa aqui no Norte!” E se forças espirituais superiores devem ser despertadas na humanidade, o que certamente veremos realizado no futuro, então, para usar as palavras de Vidar, o Aesir que tem estado em silêncio até agora, ele se tornará o amigo ativo do trabalho cooperativo, de esforço cooperativo, para o qual todos nós nos reunimos aqui.
Com este objetivo em vista, nos depedimos depois de alguns dias de convivência, e permaneçamos sempre juntos em espírito com esta intenção. Independentemente de onde viemos, nós, estudantes de Ciências Espirituais, de perto ou de longe, que nos encontremos sempre em harmonia, mesmo quando discutimos entre nós as características particulares dos povos que habitam os vários países da Terra. Sabemos que estas são apenas as várias línguas de fogo que se elevarão juntas na poderosa chama sobre o altar – o progresso unido da humanidade – através da visão antroposófica da vida que está tão perto de nossos corações e está tão profundamente enraizada em nossas almas.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 17 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
“Num ambiente onde o ódio só cresce
Eu escolho transgredir,
Eu escolho amar e acolher…”
MICAEL: O PENSAMENTO DESCONECTADO DO CORAÇÃO
Quando eu me torno excessivamente racional, desvinculando o pensar do emocional, me distancio do sentido de humanidade. Começo a perceber a ignorância com um sentido de inferioridade. O intelecto pode subjugar o sentir a um ponto onde a inteligência e conhecimento tem mais valor do que o amor e a bondade.
Podemos ver pessoas inteligentes, com argumentos super fundamentados mas que não tem amor no coração. Uma alma seca e fria que olha o outro ser humano com indiferença e ar de superioridade. Criam uma casca em suas almas que os impedem de serem tocados pelo outro ser humano, a não ser num âmbito superficial, onde o encontro traz benefícios diretos (de status ou materiais), ou fortalece o sentimento de superioridade ou mesmo massageia o ego, através da bajulação ou reconhecimento da suas capacidades, sejam elas intelectuais ou técnicas.
Daí… surge a falta de compassividade, a arrogância e a intolerância. Podemos pensar, que coisa horrível, não? Ainda bem que não sou assim… mas será mesmo? Será que o mundo contemporâneo não está nos forçando para esse mundo de excesso de racionalidade e desumanização?
Quantas vocês você leu um artigo, uma notícia ou mesmo um comentário de Facebook que alimentou esses sentimentos de intolerância, mesmo que você acredite fundamentalmente que está correto no seu modo de pensar? Basta navegar nos comentários das redes sociais que percebemos quão comum está se tornando essa intolerância e esse racionalismo exacerbado, que estão cada vez mais suprimindo nossa humanidade (capacidade de acolher o outro ser humano).
Acho que mesmo de forma sutil, todos estamos sendo influenciados, alguns mais, outros menos… precisamos estar bem atentos!!! Segue um trecho de Rudolf Steiner sobre Micael e a emancipação da força intelectual:
“Micael deseja que a inteligência que está a desenvolver-se na humanidade, mantenha-se em conexão constante com os seres espirituais divinos.
No entanto, existe um obstáculo. Toda a linha evolutiva percorrida pelos deuses, a partir do momento em que a força intelectual se emancipou da atividade cósmica e foi incorporada na natureza humana, fica exposta a outro fator.
Suponha que houvesse seres que se apercebessem deste fato, e logo tentariam tirar proveito disso. Tais seres existem realmente – os seres ahrimânicos. A sua própria natureza lhes predispõe a absorver toda a inteligência que se desliga dos deuses. Eles são capazes de assimilar o intelecto de qualquer tipo. Assim se tornam as maiores, abarcantes e penetrantes inteligências em todo o cosmos.
Micael vislumbra como é impossível que o homem não entre em contato com esses seres, na medida que vai alcançando um uso cada vez mais pessoal da inteligência, vendo-se tentado a estabelecer alianças com Ahriman e cair presa dele. Então Micael inclina as forças ahrimânicas aos seus pés, empurrando-as cada vez mais para as regiões inferiores, abaixo do nível onde o homem leva a cabo o seu desenvolvimento. Micael, com os seus pés sobre o dragão, derruba-o ao abismo – tal é o estupendo quadro que vive na consciência humana destes fatos no mundo suprassensível.” – Rudolf Steiner, GA 26
Neste trecho ele cita a atuação de forças ahrimânicas, porém temos hoje, grande influência de outra hierarquia – Sorath (também prevista por Steiner para o atual período), onde sua influência conduz ao caminho da bestialização e animalidade do ser humano, em direção contrária aos Impulsos Crísticos. Perceba que independe de inteligência intelectual, essa animalidade, agressividade, intolerância e desumanização podem surgir no indivíduo subjugando as forças do coração.
É explícito como existe um ódio crescente nas almas humanas, independentes de suas direções ideológicas e justificativas. Utilizo o que considero correto como justificativa para alimentar o meu ódio a algum movimento ou alguém.
Acontece que as forças que se alimentam desse ódio podem crescer tanto a ponto que podem subjugar a vontade humana, a alma humana, sua humanidade, acarretando na intolerância completa ao “outro lado”. Estes são aqueles que jogam o carro contra a multidão, que matam o outro ser humano, que adentram mesquitas atirando, que incitam a violência ao outro e guerra para destruir a raiz do “mal” e seus seguidores, inconscientes que eles são o próprio mal.
Isto é um perigo real, e está acontecendo com todos nós agora, no mundo inteiro. Basta observar nas redes sociais, onde existe a potencialização do processo pelas bolhas sociais.
No Brasil por exemplo, existem grupos de todos os lados que propagando ódio, seja ao PT, ao Bolsonaro, às feministas, ao Trump, ao Maduro, aos comunistas e socialistas, aos muçulmanos, aos crentes, aos ateus, aos negros, aos LGBT, aos conservadores, às mulheres, aos homens, a qualquer coisa… uma egrégora de ódio crescendo constantemente alimentados pelas nossas próprias mentes. Inclusive ontem, dia 9 de abril de 2021, o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro levantou a hashtag “vou pra guerra com bolsonaro” sob o discurso:
“Após décadas de scravidão, o Brasil rompeu as correntes do comunismo. Guiado por Deus e levado pelo povo, um homem lidera esta guerra: o Presidente Bolsonaro. Com ele lutaremos sempre pela democracia e a favor da soberania do povo brasileiro.”
Vocês podem ver o efeito deste “estímulo” nos comentários da sua publicação, onde tem fotos de armas e seguidores fanáticos prontamente se oferecendo para a “guerra” contra seus inimigos:
Após décadas de escravidão, o Brasil rompeu as correntes do comunismo
Guiado por Deus e levado pelo povo, um homem lidera esta guerra: o Presidente @JairBolsonaro
Com ele, lutaremos sempre pela democracia e a favor da soberania do povo brasileiro#VOUpraGUERRAcomBOLSONARO 🇧🇷 pic.twitter.com/nuAiy71pTl
— Eduardo Bolsonaro🇧🇷 (@BolsonaroSP) April 9, 2021
Não estamos percebendo porque não estamos despertos, estamos sendo manipulados, está acontecendo uma lavagem cerebral que está tirando pouco a pouco a nossa humanidade…
Você pode pensar: É inconcebível um sentimento de acolhimento, respeito e amor a estes grupos e indivíduos.
E é justamente este o ponto: um microcosmo da “guerra de todos contra todos.”
Pergunto: Será que estamos realmente percebendo o que está acontecendo no interior da alma humana?
Leonardo Maia
Segundo a Antroposofia, as forças germinativas da infância são compensadas na maturidade – após os 42 anos (em torno). Quais seriam os efeitos de nossas infâncias na terceira etapa da vida? O que devemos observar para que a vida do ser humano, como um todo integral, seja mais saudável e plena?
A INFÂNCIA COMO VIR A SER DO HOMEM
Como os princípios básicos da educação são compostos hoje em dia?
Pensa-se qual é a melhor maneira de ensinar para que a criança possa aprender isso ou aquilo rapidamente. Mas o que é uma criança, na verdade? Uma criança ainda é criança por até doze anos, ou possivelmente mais, mas você deve sempre pensar que você se tornará um ser humano mais velho. A vida como um todo é uma unidade, e devemos não apenas considerar a criança, mas toda a vida; devemos olhar para todo o ser humano.
Suponha que eu tenha uma criança pálida na escola. Uma criança pálida deveria ser um enigma para mim, um enigma a ser resolvido. Pode haver várias razões para a sua palidez, mas ela pode ter vindo corada para a escola e ficou pálida sob o meu trato com ela. Devo ser capaz observar e buscar o porquê ela ficou pálida; Talvez tenha-se dado muito a essa criança para apreender na memória. Você pode ter trabalhado demasiado na sua memória. Porém, se eu não admitir essa possibilidade, tendo a idéia de que um método deve ser realizado independentemente disso, então a criança permanecerá pálida.
No entanto, se você pudesse observar essa mesma criança com a idade de cinquenta anos, você provavelmente deve encontrá-lo sofrendo de terrível esclerose ou endurecimento arterial, cuja causa será desconhecida. Este é o resultado de ter sobrecarregado a memória da criança quando tinha oito ou nove anos de idade. Como você pode ver, o homem de cinquenta anos e o menino de oito anos vão juntos, eles são um e o mesmo ser humano. Devemos saber qual será o resultado, quarenta ou cinquenta anos depois, de nossa administração da criança; porque a vida é uma unidade, tudo está conectado. Não é suficiente simplesmente conhecer a criança, devemos conhecer o ser humano.
Rudolf Steiner – GA 311 (1ª conferência)
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 121 – Christiania (Oslo), 16 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 10
A MISSÃO DE POVOS E CULTURAS INDIVIDUAIS NO PASSADO, PRESENTE E FUTURO
Antes de nos aprofundarmos no que surgirá de qualquer elaboração posterior da imagem significativa do Crepúsculo dos Deuses, será bom estabelecer uma base sólida a partir da qual proceder. Para isso trataremos da natureza da alma popular germânica e escandinava e, a partir dos resultados de nossa investigação, descrevê-las com mais detalhes. Vamos descobrir como toda a vida espiritual da Europa funciona em conjunto, como a atividade dos vários Espíritos Populares promoveu o desenvolvimento da humanidade no passado remoto, no presente e continuará a fazê-lo no futuro. Todos os povos, mesmo fragmentos isolados de povos, têm uma contribuição especial a dar a esta grande tarefa coletiva.
Você perceberá pelo que foi dito que, em certos aspectos, a tarefa, a missão de educar o ‘EU’ através dos estágios evolutivos do ser humano, de moldá-lo e desenvolvê-lo gradualmente, recai sobre o cristão e o pós-cristão, culturas da Europa em particular. Nos tempos primitivos, como mostramos no caso dos povos escandinavos e germânicos, o ‘EU’ foi revelado clarividentemente ao homem. De acordo com a tradição, este ‘EU’ foi concedido ao homem por um ser angélico, Donar ou Thor, que fica a meio caminho entre o homem e a Alma Popular. Vimos que o indivíduo ainda se sentia sem ego, desprovido de personalidade; ele considerou o ‘EU’ como um presente do mundo espiritual.
No Oriente, quando o ‘EU’ realmente despertou, não foi vivenciado da mesma forma. Lá o homem já havia atingido subjetivamente um grau tão alto de perfeição que não sentia o ‘EU’ como algo estranho, mas como sua propriedade. Na época em que o homem se tornou consciente do ego no Oriente, a cultura oriental já estava tão avançada que era capaz de desenvolver gradualmente aquela especulação, lógica e sabedoria finamente tecidas que se refletem na sabedoria oriental. O Oriente, portanto, não experimentou todo o processo de receber o ego como se fosse concedido por um mundo espiritual superior por meio da instrumentalidade de um Ser divino-espiritual como Thor.
Essa foi a experiência da Europa; portanto, o europeu sentiu esse desdobramento gradual do “EU” individual como a emergência da Alma de Grupo. O homem germânico-escandinavo ainda se sentia ligado a uma Alma Grupo, por ser membro de uma unidade ou família muito unida, que pertencia a uma comunidade integrada. Por esta razão, quase cem anos depois de Cristo, Tácito poderia descrever os teutões da Europa Central como aparentemente pertencentes a tribos separadas e, ainda assim, como membros de um organismo, e pertencendo à unidade do organismo. Assim, cada indivíduo ainda se sentia naquele momento como um membro do ‘EU’ tribal.
Ele sentiu seu ‘EU’ individual emergir gradualmente do ‘EU’ tribal e ser reconhecido no Deus Thor o doador do ‘EU’, o Deus que realmente o dotou com seu ‘EU’ individual. Mas, ao mesmo tempo, ele sentia que esse Deus ainda estava unido ao espírito coletivo da tribo com aquele que vive na Alma Grupo. A esta Alma grupal foi dado o nome de “Sif“. Este é o nome da esposa de Thor. Sif está linguisticamente relacionado à palavra Sippe, parentesco, embora a relação seja velada ou oculta.
Ocultamente, no entanto, Sif significa a Alma do Grupo da comunidade individual da qual o indivíduo emerge. Sif é o Ser que se une ao Deus do ‘EU’ individual, com Thor, o concessor do ‘EU’ individual. O indivíduo percebe Sif e Thor como os seres que o dotaram com seu ‘EU’. Foi assim que o homem nórdico os experimentou, numa época em que os povos de outras regiões da Europa já haviam recebido outras tarefas na preparação do desenvolvimento do ego do homem.
Cada povo individualmente tinha sua tarefa designada; o líder deles era aquele grupo homogêneo de povos, aquela comunidade popular amplamente distribuída que conhecemos pelo nome de celtas. Era responsabilidade do antigo espírito popular celta, que, como sabemos por palestras anteriores, mais tarde recebeu tarefas bastante diferentes, educar o ainda jovem “EU” dos povos da Europa. Para tanto, era necessário que os próprios celtas recebessem educação e instrução mediada diretamente pelo mundo superior. Portanto, era inteiramente apropriado que através de seus Iniciados, os sacerdotes Druidas, os Celtas transmitissem a outras nações instruções recebidas de mundos superiores e que eles não poderiam ter adquirido por si mesmos.
Toda a cultura europeia é um legado dos mistérios europeus. As Almas Populares progressivas são sempre as líderes da cultura coletiva da humanidade à medida que ela se desenvolve. Mas na época em que esses Espíritos Populares europeus ordenaram aos homens que agissem mais por sua própria iniciativa, era necessário que os Mistérios se retirassem gradualmente. Consequentemente, com a retirada do elemento celta, seguiu-se uma retirada gradual dos Mistérios para lugares mais secretos.
Na época dos antigos celtas, os mistérios estabeleceram uma relação muito mais direta entre os seres espirituais e as pessoas, porque o ‘EU’ ainda estava ligado à vida da alma em grupo e, ainda assim, o elemento celta deveria trazer o dom do ‘EU’ para as outras tribos germânicas. Assim, no período anterior à evolução própria dos povos do Norte e germânicos, os ensinamentos dos Mistérios só podiam ser dados à civilização europeia pelos antigos Mistérios Célticos.
Esses ensinamentos dos Mistérios permitiram que tanto fosse revelado quanto o necessário para estabelecer uma base para toda a cultura da Europa. Agora, as mais diversas Almas de Grupos e Espíritos de Grupo foram capazes de se nutrir desta velha cultura, misturando-se com os diversos fragmentos raciais, comunidades nacionais e elementos folclóricos, e trouxeram o ‘EU’ a situações sempre novas para alimentá-lo, o ‘EU’ que estava lutando para se libertar de seu apego à alma grupal.
Depois que a antiga cultura grega atingiu, em certa medida, seu ápice no cumprimento de sua missão especial, vemos um aspecto totalmente diferente dessa mesma missão no espírito da Roma Antiga e em suas várias etapas de cultura. Já mencionamos que as várias civilizações pós-Atlantes se sucedem em sequência estrita. Se quisermos ter uma visão geral dos estágios sucessivos da civilização pós-Atlântida, podemos resumi-los da seguinte maneira: a velha cultura indiana trabalhava sobre o corpo etérico humano. Daí a notável sabedoria e visão clarividente da antiga cultura indiana, porque – após o desenvolvimento de capacidades humanas especiais – era uma cultura refletida no corpo etérico humano. Podemos imaginar a antiga cultura indiana da seguinte maneira:
Corpo Astral ————> Civilização Persa
Alma das Sensações ou Alma senciente – Civilização Egipto-Caldeu
Corpo Etérico ————> Civilização Indiana
Alma do Intelecto – Civilização Greco-Latina
Corpo Físico ————> ??? (espaço em branco no diagrama)
Alma da Consciência – 5ª Época Cultural
Entre a época atlante e a época pós-atlântica posterior, o espírito popular indiano desenvolveu ao máximo as forças interiores de sua alma sem desenvolver a consciência do ego. Ele então voltou à sua atividade para o corpo etérico. O elemento essencial na antiga cultura indiana é que o antigo indiano foi capaz de retornar ao corpo etérico com suas faculdades de alma altamente desenvolvidas e refinadas e, dentro desse corpo etérico, ele desenvolveu aquelas forças maravilhosamente delicadas, cujo reflexo posterior ainda podemos veja nos Vedas e, de uma forma ainda mais refinada, na filosofia Vedanta. Isso só foi possível porque a Alma Popular Indiana atingiu um alto grau de desenvolvimento antes de ter consciência do “EU”, e isso em um momento em que o homem podia perceber por meio das forças do corpo etérico.
A Alma Popular Persa não havia se desenvolvido até agora; seu órgão de percepção limitava-se ao corpo senciente ou corpo astral. A cultura egipto-babilônica-caldéia era novamente diferente. Aqui, o órgão de percepção era a Alma Senciente; e a característica da cultura Egipto-Caldéia era a habilidade de trabalhar na Alma Senciente. O Espírito Folclórico Greco-Latino relacionava-se com o Intelectual ou Alma do Intelecto em que atuava.
Ele mesmo só foi capaz de trabalhar sobre essa Alma Intelectual porque ela, por sua vez, tinha uma espécie de contraparte psíquica no corpo etérico. Mas a forma de cosmogonia que agora emergia na Grécia era, até certo ponto, menos real, menos definida; tinha menos a marca da realidade. Enquanto a forma de cognição na antiga cultura indiana estava diretamente relacionada à atividade do corpo etérico, a cultura grega apresentava uma imagem borrada, pálida e sem vida da realidade; como já disse, era como a lembrança do que essas pessoas uma vez vivenciaram, como uma lembrança refletida em seu corpo etérico.
Nos outros povos que seguiram os gregos, estamos principalmente preocupados com o uso do corpo físico para o desenvolvimento progressivo da Alma Espiritual (ou Alma-Consciência). Portanto, a cultura grega era uma cultura que só podemos compreender de dentro, se percebermos que nesta cultura o que é importante na experiência externa é o que brota da vida interior dos gregos.
Por outro lado, os povos que vivem mais para o Ocidente e para o Norte tiveram, sob a orientação de suas Almas Folclóricas, de se voltar cada vez mais para o mundo externo, para os fenômenos do plano físico, e para desenvolver tudo o que tem um papel a desempenhar naquele plano. Esta era a tarefa especial dos povos do Norte e Germânicos, que só eles podiam cumprir, porque ainda gozavam do dom, o dom supremamente importante da antiga clarividência que lhes permitia ver o mundo espiritual e incorporar as experiências espirituais primitivas, que ainda eram vitais em suas almas, naquilo que deveria ser estabelecido no plano físico.
Houve um povo que, em seu estágio posterior, não possuía mais este dom, que não havia passado por essa evolução preliminar e que havia encarnado repentinamente no plano físico antes do nascimento do ‘EU’ humano e só foi capaz, portanto, de atender a tudo o que promoveu o desenvolvimento deste ‘EU’ no plano físico, tudo o que foi necessário para o seu bem-estar sob a orientação de sua Alma Popular, seu Arcanjo.
Este era o povo romano. Tudo o que o povo romano teve que realizar para a missão coletiva da Europa sob a orientação de seu Espírito Popular foi direcionado para obter o reconhecimento para o ‘EU’ do homem. Consequentemente, o povo romano foi capaz de desenvolver relações humanas e sociais. Eles foram os fundadores do direito civil e da jurisprudência que são construídos puramente sobre o ‘EU’. A relação de um ‘EU’ humano para com o outro ‘EU’ humano era a grande questão na missão do povo romano.
Os povos ocidentais cujas civilizações surgiram a partir da civilização romana já possuíam mais daquilo que, vindo da Alma Senciente, da Alma Intelectual e do próprio Espiritual ou da Alma da Consciência, frutifica o ‘EU’ de alguma forma e o projeta para fora, para o mundo. Portanto, toda a mistura de raças que a história externa registra e que se encontra nas penínsulas italiana e ibérica, na França e na Grã-Bretanha hoje, foi necessária para desenvolver o ‘EU’ no plano físico de acordo com as diferentes nuances da Alma Senciente, Alma Intelectual e Alma Espiritual. Tal foi a grande missão daqueles povos que se desenvolveram gradualmente das mais diversas formas na Europa Ocidental.
Todas as tonalidades individuais de cultura, todas as missões particulares dos povos da Europa Ocidental podem finalmente ser explicadas pelo fato de que na área das penínsulas italiana e ibérica deveria ser desenvolvido aquilo que poderia ser formado no ‘EU’ através dos impulsos da Alma Senciente. Se você estudar os personagens folclóricos individuais em seus aspectos positivos e negativos, descobrirá que os povos da península italiana e ibérica refletem uma fusão peculiar do ‘EU’ com a Alma Senciente ou Alma das Sensações.
Você poderá compreender, no entanto, as características peculiares daqueles povos que, até recentemente, viviam em solo francês, se estudar o crescimento e a fusão da Alma Intelectual com o ‘EU’. As grandes conquistas mundiais de um país como a Grã-Bretanha podem ser atribuídas ao fato de que o impulso da Alma Espiritual penetrou no “EU” humano. À missão mundial do Império Britânico também estão associadas as formas parlamentares de governo e a fundação dos direitos constitucionais.
A união da Alma Espiritual (Alma da Consciência) com o ego humano ainda não havia sido realizada interiormente. Se você reconhecer como essa união entre a Alma Espiritual e o ‘EU’ que estava orientado para fora se originou, você verá que as grandes conquistas históricas dos habitantes daquela ilha procedem desse impulso. Você também descobrirá que o estabelecimento de formas parlamentares de governo imediatamente se torna compreensível se alguém perceber que, em consequência disso, um impulso da Alma da Consciência (Alma Espiritual) foi em direção a encontrar expressão no plano da história mundial.
Assim, as diversidades culturais eram uma necessidade, pois os povos individuais tinham de ser guiados pelos vários estágios de desenvolvimento do ego. Se tivéssemos tempo suficiente para nos aprofundarmos nessas questões, poderíamos encontrar exemplos da história que mostram as ramificações dessas forças básicas e como elas se manifestam das mais diversas maneiras. Foi desta forma que a constituição peculiar da alma influenciou os povos ocidentais que não preservaram a memória direta e original da antiga visão clarividente do mundo espiritual de outros tempos. Nas regiões germânicas e do norte, em épocas posteriores, aquilo que procedeu diretamente de uma evolução gradual e contínua da clarividência original com a qual a Alma Senciente já estava imbuída, teve que se desenvolver de uma maneira totalmente diferente.
Isso explica aquele traço característico da interioridade, que é apenas o efeito posterior de um insight clarividente experimentado em uma época anterior. A tarefa dos povos germânicos do sul estava principalmente no domínio da Alma Espiritual. A era greco-latina teve que desenvolver a Alma Intelectual (ou Alma-Mente). Mas não só isso; também precisava incluir um desenvolvimento maravilhoso ainda em atuação desde os tempos pré-históricos e imbuídos de uma visão clarividente.
Tudo isso foi então derramado na Alma Espiritual dos povos da Europa Central e da Escandinávia e seus efeitos posteriores viveram como uma disposição interior da alma. Coube aos povos germânicos do sul desenvolver, antes de tudo, o que diz respeito à preparação interior da Alma Espiritual, impregnando-a da substância espiritual da antiga clarividência, agora transposta para o plano físico.
As filosofias da Europa Central representadas por Fichte, Schelling e Hegel no século XIX parecem muito distantes da esfera da mitologia. Não obstante, são simplesmente produtos da mais elevada sublimação da antiga intuição clarividente, da cooperação dos Seres divino-espirituais no coração do homem. Do contrário, não teria sido possível para um Hegel considerar suas ideias como realidades; teria sido impossível para ele fazer a estranha observação, tão característica do homem, quando, em resposta à pergunta:
“O que é o abstrato?”
Ele respondeu:
“O resumo é, por exemplo, um indivíduo que cumpre seus deveres diários – o carpinteiro, por exemplo.”
O que é concreto para o teórico puramente abstrato era, portanto, abstrato para Hegel. O que para o teórico puramente abstrato são meros pensamentos, para ele foram os grandes e poderosos arquitetos do mundo. A filosofia de Hegel é a expressão final, a mais altamente sublimada expressão da Alma Espiritual e incorpora, na forma de conceitos puros, aquilo que o homem nórdico ainda via como suprassensível perceptível, poderes espirituais divinos associados ao ‘EU’.
O ‘EU’ da filosofia de Fichte era simplesmente a precipitação do que o Deus Thor havia dado à alma humana, visto apenas do ponto de vista da Alma Espiritual e aparentemente revestido do mais simples dos pensamentos, o pensamento de “Eu sou”, que é o ponto de partida da filosofia de Fichte. Desde a dádiva do ‘EU’ pelo deus Thor ou Donar aos antigos povos nórdicos do mundo espiritual, até esta filosofia, a evolução segue uma linha reta.
Thor teve que preparar este desenvolvimento para a Alma Espiritual para que esta pudesse ter o conteúdo apropriado para sua tarefa – que é se voltar para o mundo externo e trabalhar dentro desse mundo. Mas esta filosofia está ciente não apenas do mundo externo da experiência empírica crua, mas encontra no mundo externo o conteúdo da própria Alma Espiritual e considera a natureza simplesmente como a ideia em seu outro aspecto. A missão dos povos germânicos nórdicos na Europa Central é garantir que este impulso perdure.
Agora, visto que toda evolução é um processo contínuo, devemos nos perguntar que forma ela assume. Quando olhamos para os tempos antigos, observamos um fenômeno notável. Já dissemos que as primeiras manifestações da antiga cultura indiana foram expressas por meio do corpo etérico, depois que as forças espirituais da alma foram adequadamente desenvolvidas. No entanto, existem outras civilizações que também preservaram a antiga cultura atlante e a transportaram para a época pós-atlântica.
Enquanto, por um lado, o antigo indiano foi capaz de retornar ao corpo etérico com faculdades de alma altamente desenvolvidas e a partir das forças deste corpo criou sua grande civilização e elevada vida espiritual, nós temos, por outro lado, uma cultura que se originou na Atlântida e continuou a trabalhar na época pós-Atlântida, uma cultura que deve sua origem e desenvolvimento à sua ênfase no outro aspecto da consciência do corpo etérico.
Essa é a cultura chinesa. Se você tiver essa conexão em mente e se lembrar que a cultura atlante estava diretamente relacionada ao, que em nossas palestras anteriores, chamamos de “Grande Espírito”; você entenderá as peculiaridades da cultura chinesa. Essa cultura estava diretamente conectada com os estágios mais elevados da evolução mundial.
Isso ainda funciona nos corpos dos homens hoje e de um ângulo totalmente diferente. Parece muito provável, portanto, que essas duas civilizações, as duas grandes polaridades da época pós-Atlântida, se chocarão em algum momento futuro – a índia que, dentro de certos limites, é capaz de se desenvolver, e a chinesa que se isola e permanece estática, repetindo o que existia na velha época atlante. Recebemos literalmente uma impressão oculta, científica e poética se acompanharmos a evolução do Império Chinês, se pensarmos na Grande Muralha da China, que buscava excluir completamente tudo que se originou nos tempos primitivos e se desenvolveu na época pós-Atlântida .
Algo como um sentimento oculto e poético se apodera de alguém se compararmos o Muro da China com o que existiu em tempos anteriores. Posso dar apenas algumas indicações sobre esses assuntos. Se você os comparar com as descobertas científicas existentes, verá como elas são extraordinárias e esclarecedoras. Consideremos clarividentemente o velho continente da Atlântida, que se localiza onde agora se encontra o Oceano Atlântico, entre a África e a Europa de um lado e a América do outro. Este continente era circundado por um riacho quente que, por estranho que pareça, foi visto clarividentemente fluir do sul através da baía de Baffin em direção ao norte da Groenlândia, circundando-o.
Então, virando para o leste, isto gradualmente esfriou. Muito antes dos continentes da Rússia e da Sibéria terem emergido, ele fluiu além dos montes Urais, mudou de curso, contornou os Cárpatos orientais, invadiu a região agora ocupada pelo Saara e finalmente alcançou o Oceano Atlântico nas vizinhanças do Golfo da Biscaia. Assim, seguiu um curso estritamente delimitado. Apenas os últimos vestígios restantes deste riacho ainda existem. Esta corrente é a Corrente do Golfo que, naquela época, circundava o continente atlante. Agora você deve se lembrar que, em sua vida psíquica, os gregos experimentaram uma memória dos mundos espirituais. A imagem de Oceanus, que é uma memória daquela época atlante, surgiu dentro deles.
Sua imagem do mundo, sua cosmogonia, estava muito próxima da verdade porque era derivada da velha época atlante. O riacho que fluía para o sul via Spitzbergen como uma corrente quente e gradualmente esfriava, etc… seguia um curso estritamente delimitado. Este curso circunscrito teve um eco inequívoco na cultura chinesa, uma cultura circunscrita pela Grande Muralha e que havia sido trazida da Atlântida. A civilização atlante ainda não tinha história; portanto, a civilização chinesa também preservou um elemento não histórico. Ele preserva algo da cultura pré-índia, algo que sobreviveu da antiga Atlântida.
Vamos agora descrever o progresso posterior do Espírito Popular Germânico e Nórdico. Que consequências ocorrerão quando um Espírito Popular dirigir seu povo de forma que o Eu Espiritual em particular possa se desenvolver? Lembremos que o corpo etérico foi desenvolvido na antiga época indiana, o Corpo Senciente na Persa, a Alma Senciente na egipto-caldeu, a Alma Intelectual (ou alma da mente) na greco-latino, a Alma Espiritual (ou Alma da Consciência) ainda de desenvolve em nossa época atual que ainda não terminou.
A próxima época verá a invasão da Alma Espiritual pelo Eu Espiritual, de modo que o Eu Espiritual irradie a Alma Espiritual. Esta é a tarefa da sexta civilização pós-Atlântida e deve ser preparada gradualmente. Esta civilização, que deve ser preeminentemente receptiva, pois deve esperar reverentemente o influxo do Eu Espiritual na Alma Espiritual, está sendo preparada pelos povos da Ásia Ocidental e seus postos avançados na Europa Oriental, os povos Eslavos.
Estes últimos, com suas almas populares, foram os preparadores da vindoura sexta época pós-Atlântida, pela boa razão de que as contingências futuras devem, até certo ponto, ser preparadas de antemão, já devem ser antecipadas a fim de preparar o terreno para o desenvolvimento futuro. É extremamente interessante estudar esses “pioneirismo” de uma alma popular que se prepara para épocas futuras. Isso explica o caráter peculiar dos povos eslavos que são nossos vizinhos orientais imediatos.
Aos olhos da Europa Ocidental, toda a sua cultura dá a impressão de estar em uma fase preparatória e de forma curiosa, por meio de seu “pioneirismo”, eles apresentam aquilo que em espírito é totalmente diferente de qualquer outra mitologia. Deveríamos dar uma falsa impressão desses postos avançados orientais como uma futura civilização se os comparássemos com a cultura dos povos da Europa Ocidental que desfrutam de uma tradição contínua e ininterrupta que ainda está enraizada e tem sua origem na antiga clarividência.
A peculiaridade ligada às almas desses povos da Europa Oriental se reflete em toda a atitude que sempre demonstraram quando emergem suas relações com os mundos superiores. Em comparação com a nossa “mitologia” na Europa Ocidental com suas divindades individuais, sua (ou seja, os povos eslavos) relação com os mundos superiores é totalmente diferente. O que esta “mitologia” eslava nos apresenta, como profusão direta do ser interior das pessoas, pode ser comparado à concepção antroposófica de planos ou mundos sucessivos por meio dos quais nos preparamos para compreender uma cultura espiritual superior.
Encontramos no Oriente, por exemplo, a seguinte concepção: o Ocidente foi moldado pela influência de culturas sucessivas e relacionadas. No Oriente encontramos, em primeiro lugar, uma consciência distinta de um mundo do Pai Cósmico. Tudo o que é criativamente ativo no ar e no fogo, em todos os elementos dentro e acima da Terra, está incorporado no conceito do Pai Celestial, em uma ideia aparentemente grande e abrangente que é ao mesmo tempo um sentimento abrangente.
Assim como pensamos no mundo Devacânico como frutificando nossa Terra, também este mundo Divino, o mundo do Pai, se aproxima do Oriente, frutificando aquilo que é experimentado como a Mãe, o Espírito da Terra. Não temos outra expressão e não podemos pensar em nenhuma outra maneira de retratar todo o Espírito da Terra do que na fertilização da Mãe Terra. Em vez de divindades individuais, temos então dois mundos contrastantes. E confrontar esses dois mundos como um terceiro mundo é o que sentimos ser o Filho Abençoado desses dois mundos.
Esta Criança Abençoada não é um ser individual, não é um sentimento emocional, mas algo que é criação do Pai Celestial e da Mãe Terra. A relação do Devachan com a Terra é percebida dessa forma no mundo espiritual. O nascimento de uma nova vida, a chegada da primavera e aquilo que cresce e se multiplica no corpo material é sentido como algo totalmente espiritual; e aquilo que cresce e se multiplica na alma é percebido como o mundo que ao mesmo tempo é sentido como o Filho Abençoado do Pai Celestial e da Mãe Terra.
Por mais universais que sejam essas concepções, nós as encontramos entre os “postos avançados” dos povos eslavos que avançaram para o oeste. Em nenhuma mitologia da Europa Ocidental esta concepção é tão universal. No Ocidente, encontramos divindades claramente definidas; mas não são iguais aos que descrevemos em nossa cosmogonia espiritual; estes são mais representados pelo Pai Celestial, a Mãe Terra e o Filho Abençoado do Oriente. Na concepção do Menino Abençoado existe novamente um mundo que permeia outro mundo. É um mundo concebido como um mundo separado porque está associado ao sol físico e sua luz.
O elemento eslavo também reconhece esse Ser – embora diferente, é claro, em concepção e sentimento – que encontramos tantas vezes na mitologia persa; reconhece o Ser Sol que derrama suas bênçãos sobre os outros três mundos, de modo que o destino do homem é tecido na criação, na Terra, através da fecundação da Mãe Terra pelo Pai Celestial e através daquilo que o Espírito do Sol tece ambos esses mundos. Um quinto mundo é aquele que abrange tudo o que é espiritual. A Europa Oriental sente o mundo espiritual subjacente a todas as forças da natureza e todos os seres animados. Devemos pensar nisso como uma resposta senciente totalmente diferente, mais associada talvez aos fenômenos, criações e seres da natureza.
A Europa Oriental sente o mundo espiritual subjacente a todas as forças da natureza e todos os seres animados. Devemos pensar nisso como uma resposta senciente totalmente diferente, mais associada talvez aos fenômenos, criações e seres da natureza.
Devemos pensar nessa Alma Eslava como sendo capaz de ver entidades nos fenômenos naturais, ver não apenas os aspectos físicos e sensoriais, mas também os astrais e espirituais. Daí a Alma Eslava é concebida um vasto número de seres neste estranho mundo espiritual que podemos, na melhor das hipóteses, comparar com o mundo dos Elfos da Luz. O mundo espiritual que é considerado na Ciência Espiritual como o quinto mundo é aproximadamente o mundo que surge nos corações e mentes dos povos da Europa Oriental.
Qualquer nome que lhe atribuirmos não tem importância; o que importa são as nuances e gradações sutis dos sentimentos dos povos eslavos e que os conceitos que caracterizam este quinto plano ou mundo espiritual podem ser encontrados na Europa Oriental. Neste estado de espírito, este mundo da Europa Oriental estava se preparando para aquele Espírito que deve derramar o Eu Espiritual no homem em antecipação da época em que a Alma Espiritual será elevada para receber o Eu Espiritual na sexta era pós-Atlântida, que é para suceder o nosso próprio. Encontramos isso de uma maneira única, não apenas nas criações das Almas Folclóricas, que acabei de descrever, mas descobrimos que a sexta era é notavelmente antecipada nas diversas manifestações da Europa Oriental e de sua cultura.
É muito interessante observar como o Leste Europeu expressa sua receptividade natural ao puro Espírito, assimilando a cultura da Europa Ocidental com grande devoção, antecipando assim profeticamente o tempo em que será capaz de unir algo ainda maior com seu ser. Daí também seu interesse limitado por aspectos isolados dessa cultura da Europa Ocidental. Ele absorve o que lhe é oferecido em contornos mais amplos, ignorando os detalhes, porque se prepara para assimilar o que é entrar na humanidade como o Eu Espiritual.
É particularmente interessante ver como, sob essa influência, foi possível para a Europa Oriental desenvolver uma concepção muito mais avançada do Cristo do que a Europa Ocidental, exceto nas áreas do Ocidente onde a concepção do Cristo foi introduzida por Ciência Espiritual. Entre aqueles que não aceitam os ensinamentos da Ciência Espiritual, a concepção mais avançada de Cristo é a do filósofo russo Solovieff.
Sua concepção de Cristo é tal que só pode ser entendida por estudantes de Ciência Espiritual porque a eleva a planos cada vez mais elevados e revela suas infinitas potencialidades, mostrando que nossa compreensão de Cristo hoje é apenas um começo, porque o Impulso de Cristo foi apenas capaz de revelar à humanidade uma fração do que ele reserva. Mas se olharmos para a concepção de Cristo apresentada por Hegel, por exemplo, descobrimos que Hegel o entendia como apenas a mais refinada, a mais sublimada Alma Espiritual poderia entendê-lo. Mas a concepção de Solovieff de Cristo é muito diferente.
Ele reconhece plenamente a natureza dual dessa concepção. Ele rejeita as intermináveis polêmicas teológicas que, na realidade, repousam sobre profundos mal-entendidos, porque as concepções comuns são inadequadas para uma compreensão da natureza dual de Cristo e porque falham em desenvolver em nós qualquer compreensão de que os dois aspectos, o Humano e o Divino, deve ser claramente distinguidos. O conceito de Cristo repousa sobre uma compreensão clara do que aconteceu quando o Espírito de Cristo entrou no homem Jesus de Nazaré que já havia desenvolvido todos os atributos necessários. Devemos antes de tudo entender as duas naturezas de Cristo e a união de ambos em um estágio superior.
Enquanto não apreendemos esta dualidade, não compreendemos o Cristo em toda a Sua plenitude. Só pode conseguir isso aquele entendimento filosófico que prevê que o próprio homem participará de uma cultura na qual sua Alma Espiritual poderá receber o Eu Espiritual, de modo que, na sexta época da civilização, o homem se sentirá uma dualidade na qual a natureza superior refreará a inferior.
Solovieff carrega essa dualidade em sua concepção de Cristo e enfatiza que essa concepção só pode ser significativa se aceitarmos a existência de uma natureza divina e uma humana que só pode ser compreendida se reconhecermos que sua cooperação é uma realidade, que eles não formam uma natureza abstrata, mas uma unidade orgânica. Solovieff já reconhece que devemos pensar neste Ser como possuindo dois centros de vontade. Se você aceitar os ensinamentos da Ciência Espiritual sobre o verdadeiro significado do Ser de Cristo em sua forma original, que se originou, não de uma influência indiana imaginária, mas de uma influência indiana espiritualmente real, você terá que pensar em Cristo como tendo se desenvolvido em Seus três corpos as capacidades de sentir, pensar e querer. É um sentimento, pensamento e desejo humano ao qual desce o sentimento, pensamento e vontade Divinos.
O homem europeu só assimilará isso completamente quando tiver alcançado o sexto estágio de civilização. Isso havia sido expresso profeticamente na concepção antecipatória de Solovieff de Cristo, que anuncia o alvorecer de uma civilização posterior. Essa filosofia da Europa Oriental, portanto, vai muito além da de Hegel e Kant, e na presença dessa filosofia, de repente, sentimos os primeiros indícios de um desenvolvimento posterior.
Esta filosofia está muito adiantada porque esta concepção de Cristo é sentida como uma antecipação profética, o alvorecer da sexta civilização pós-Atlântida. Consequentemente, todo o Ser de Cristo, todo o significado de Cristo ocupa um lugar central na filosofia e, portanto, torna-se totalmente diferente das concepções da Europa Ocidental.
A concepção de Cristo, na medida em que foi desenvolvida fora da Ciência Espiritual e é concebida como uma substância viva, como uma entidade espiritual viva que deve permear toda a vida social e instituições sociais – que é sentida como uma Personalidade a cujo serviço o homem encontra a si mesmo como ‘homem dotado do Eu Espiritual’ – esta Personalidade de Cristo é retratada de uma maneira maravilhosamente concreta nas várias exposições de Solovieff do Evangelho de São João e suas palavras iniciais.
Somente se estivermos no terreno da Ciência Espiritual podemos compreender a interpretação profunda de Solovieff da frase, “No Princípio era a Palavra ou Logos”, e quão diferente o Evangelho de São João é entendido por uma filosofia que, de uma maneira notável, antecipa o futuro.
Se, por um lado, a filosofia de Hegel marca um ponto alto, algo que nasce da Alma Espiritual como a mais alta realização filosófica, esta filosofia de Solovieff, por outro lado, fornece a semente na Alma Espiritual para a filosofia do Eu Espiritual que será incorporado na sexta época cultural.
Talvez não haja maior contraste do que aquela concepção eminentemente cristã do Estado que paira como um grande ideal diante de Solovieff como um sonho do futuro, aquela concepção cristã do Estado social que leva tudo implícito nessa concepção para apresentá-la como um oferecimento ao Eu Espiritual em fluxo, de modo a sustentá-lo como um ideal do futuro a ser cristianizado pelos poderes do futuro – não há, de fato, nenhum contraste maior do que esta ideia de Solovieff de uma comunidade cristã na qual o Cristo a concepção está totalmente no futuro e no Estado Divino de Santo Agostinho que aceita, é verdade, a ideia de Cristo, mas cujo Estado Divino é simplesmente o Estado Romano com Cristo incorporado na ideia Romana do Estado.
O que fornece o conhecimento para o cristianismo emergente do futuro é a questão decisiva. No Estado de Solovieff, Cristo é o sangue que circula no corpo social, e o ponto essencial é que o Estado seja visto como uma personalidade concreta para que atue como uma entidade espiritual viva, mas, ao mesmo tempo, cumpra sua missão com todas as idiossincrasias de uma personalidade. Nenhuma outra filosofia está tão profundamente permeada pela ideia de Cristo – a ideia de Cristo que é antecipada na Ciência Espiritual em um nível mais elevado – e, ao mesmo tempo, permaneceu por tanto tempo no estágio germinativo.
Tudo o que encontramos no Oriente, desde a constituição do povo à sua filosofia, surge-nos como algo que contém apenas o início germinal de uma evolução futura e que, portanto, também teve que se submeter à educação especial do Espírito do tempo da Grécia antiga, o espírito-guia do cristianismo exotérico a quem foi confiada a missão de se tornar mais tarde o Espírito do tempo para a Europa. A constituição deste povo, cuja tarefa será desenvolver a semente da sexta época cultural, teve, desde o início, não só de ser educada, mas ser cuidada e nutrida por aquele Espírito do Tempo.
E assim podemos dizer literalmente – e aqui o conceito do Pai e o conceito da Mãe perdem seu aspecto dual – que a composição do povo russo, que está destinada a evoluir gradualmente para a Alma Popular, não foi apenas educada, mas também nutrida e cuidada por aquilo que, como vimos, foi desenvolvido a partir do antigo Espírito do Tempo grego e, então, assumiu externamente outro nível.
Assim, as várias missões são distribuídas entre a Europa Ocidental, Central, do Norte e Oriental. Gostaria de dar uma indicação dessas várias missões. Com base nestas indicações, proponho-me acrescentar outras observações e mostrar como será a Europa do futuro, um futuro que fará com que formemos os nossos ideais com base nesse conhecimento. Proponho-me mostrar como, por meio dessa influência, o espírito popular germânico e nórdico vai se transformando gradativamente em espírito do tempo.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 16 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
A era das direitas e as esquerdas radicais terminaram porque não representam mais as duas pulsões naturais da civilização humana e sua evolução, mas apenas duas nuances da mesma inércia da espécie humana em sua autodestruição, ou seja, o fanatismo fratricida (anti-frater, que mata o próprio irmão) ou, na sua versão moderada, a indiferença perante a sofrimento do próximo.
HUMANISMO E ECOLOGISMO
A humanidade enfrentará duas sucessivas aniquilações. A primeira será seletiva, provocada pela parte mais violenta da população, que usará toda forma de totalitarismo para eliminar o adversário. A segunda será coletiva e irreversível quando o planeta, antes de cair, encontrará um modo de se livrar do vírus humano.
A primeira já estava prestes a acontecer totalmente no século XX e ainda tem remédio, mas é preciso que a parte mais civilizada da população lute de forma ativa contra todo tipo de totalitarismo, desde o novo fascismo disfarçado no alegado jogo democrático ao fundamentalismo, entre outros…
Contra a segunda estamos sem armas e tempo. A era das direitas e as esquerdas radicais terminaram porque não representam mais as duas pulsões naturais da civilização humana e sua evolução, mas apenas duas nuances da mesma inércia da espécie humana em sua autodestruição, ou seja, o fanatismo fratricida (anti-frater, que mata o próprio irmão) ou, na sua versão moderada, a indiferença perante a sofrimento do próximo.
Só há duas ideologias possíveis para a sobrevivência a partir do século XXI: Humanismo e Ecologismo. Qualquer outra opção significa escolher o nosso final. Qualquer desculpa antiga significa acelerar a nossa morte. Porque de nada adianta conter cada nova acometida totalitária se não for construída algo duradouro nessa trincheira. De nada adianta nossa boa consciência momentânea se continuarmos alimentando o câncer planetário que é o capitalismo selvagem e predador. E não se combate um totalitarismo materialista com outro totalitarismo materialista.
Fórmulas e símbolos do século passado já não nos servem. Sem Humanismo e sem Ecologismo já só nos espera a morte. Primeiro, o mercado irá eliminar-nos e, depois, aqueles que prevaleceram, vão fulminar o planeta.
Sergi Bellver – Escritor
Tradução livre: Leonardo Maia
“Assim, aos poderes luciféricos devemos o benefício mais precioso ao homem, a saber, a liberdade e, ao mesmo tempo, um legado perigoso, a possibilidade do mal.”
A LIBERDADE E O SEU LEGADO: A POSSIBILIDADE DO MAL
“Duas forças opostas participaram do desenvolvimento do homem terrestre que estava destinado, gradualmente, a adquirir seu ‘EU’. Desde a época da Lemúria, as forças luciféricas se imprimiram no ser interior do homem, em seu corpo astral. Você sabe que essas forças tornaram a vida interior do homem o ponto focal de ataque, infiltrando-se em seus desejos, impulsos e paixões. Em consequência, o homem se beneficiou de duas maneiras: ele foi capaz de se tornar um ser livre e independente, ser inflamado pelo que pensa, sente e deseja, enquanto, em relação aos seus interesses, ele foi guiado por Seres espirituais divinos.
Mas, por outro lado, através dos poderes luciféricos, o homem teve que aceitar a possibilidade de cair no mal através de suas paixões, emoções e desejos. Lúcifer, portanto, é onipresente em nossa existência terrestre e encontra seu ponto de ataque no ser interior do homem, no jogo do astral humano. Onde o astral foi integrado ao ego, o ego também foi permeado pelo poder luciférico. Portanto, quando falamos de Lúcifer, estamos falando daquilo que lançou o homem mais fundo na existência material e sensorial do que teria sido o caso sem essa influência. Assim, aos poderes luciféricos devemos o benefício mais precioso ao homem, a saber, a liberdade e, ao mesmo tempo, um legado perigoso, a possibilidade do mal.”
Rudolf Steiner – GA 121 (“A Missão da Alma dos Povos” – Leitura 9)
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 121 – Christiania (Oslo), 15 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 9
LOKI – HODUR E BALDUR – CREPÚSCULO DOS DEUSES
Os membros da audiência que desejam analisar de um ponto de vista filosófico minha palestra de ontem podem encontrar talvez dificuldades, aparentes dificuldades, porque eles terão ouvido no decorrer de palestras anteriores sobre temas semelhantes que o propósito de toda a nossa época pós-Atlante e mesmo os estágios posteriores da evolução atlante que desenvolveriam gradualmente o ego humano e o levariam a uma consciência mais plena.
Neste contexto, indiquei que os membros da antiga civilização indiana que foram capazes, na Atlântida, de perceber o mundo espiritual por meio da velha clarividência ainda prevalecente naquela época foram, em alguns aspectos, os primeiros que experimentaram uma transição imediata deste estado clarividente para uma consciência do mundo físico. A reação deles a este mundo físico foi tal que toda esta era pós-Atlântida foi permeada pelo sentimento de que a verdadeira realidade deveria ser encontrada no mundo espiritual, enquanto o mundo fenomenal era meramente Maya ou ilusão.
Agora eu apontei em nossa última palestra – e os fatos confirmam isso – que os membros desta antiga civilização indiana tiveram, em certa medida, um rico desenvolvimento da alma e que eles alcançaram este alto nível enquanto seu ego estava mais ou menos adormecido, ou seja, eles só despertaram para a consciência do ego depois de já terem atingido a maturidade do desenvolvimento da alma.
Qual foi, então, o destino desses povos indianos enquanto isso? Pois os povos indianos devem ter experimentado todo o desenvolvimento de sua alma de uma maneira totalmente diferente da europeia e especialmente dos povos germânicos, que tinham consciência do ego enquanto suas capacidades estavam gradualmente evoluindo e que estavam conscientes do poder divino-espiritual trabalhando em suas almas. Você pode achar difícil conciliar minhas declarações na palestra de ontem, se você refletir filosoficamente sobre essa palestra. Para aqueles que desejam analisar essa palestra, não de um ponto de vista desinteressado, mas de um ângulo filosófico, devo acrescentar algo entre parênteses a título de explicação.
A aparente contradição se resolverá imediatamente se você lembrar que a cognição do ego é totalmente diferente de outras formas de cognição. Se o ego “conhece” qualquer outro objeto ou outro ser humano distinto de si mesmo, então, no ato da cognição, estamos realmente lidando com dois fatores, com o conhecedor, o agente cognitivo e o conhecido. No ato formal de cognição, é irrelevante se o que se conhece é o ser humano, o animal, a árvore ou a pedra. Mas é uma questão diferente quando o ego conhece a si mesmo, pois então o conhecedor e o conhecido são um, sujeito e objeto de cognição são o mesmo. É importante perceber que na evolução humana, no desenvolvimento do indivíduo, esses dois modos de cognição são distintos.
Aqueles que desenvolveram a madura cultura indiana na época pós-Atlântida, desenvolveram o ‘EU’ subjetivamente como o conhecedor, um agente cognitivo, e este aumento subjetivo do ‘EU’ dentro da alma humana pode existir por muito tempo antes do homem adquirir o poder de ver o ‘EU’ objetivamente como uma entidade. Por outro lado, os povos europeus desenvolveram-se relativamente cedo, embora ainda preservassem a velha clarividência, o poder de ver o ‘EU’ objetivamente, ou seja, em seu campo de visão clarividente perceberam o ‘EU’ como uma entidade entre outras entidades.
Se você distinguir cuidadosamente entre esses modos de percepção, seus problemas filosóficos serão resolvidos e os da Ciência Espiritual também, se você os abordar da maneira certa. Se você deseja que eu expresse isso em termos filosóficos: a cultura indiana exibe uma alma que atingiu o pleno florescimento do “EU” subjetivo muito antes de o “EU” objetivo ser desenvolvido.
Os povos teutônicos desenvolveram a percepção do ‘EU’ muito antes de se tornarem conscientes do verdadeiro esforço interior em direção ao ‘EU’. Clarividentemente, eles viram o surgimento de seu ego em uma imagem imaginativa. No mundo astral ao seu redor, eles há muito viam o ‘EU’ objetivamente entre os outros seres que eles percebiam clarividentemente. Portanto, devemos conceber essa antítese de uma maneira puramente formal; então, compreenderemos também porque a Europa em particular estava destinada a associar este “EU” do homem com os outros seres superiores, os anjos e os arcanjos, da maneira que indiquei ontem em relação à mitologia.
Se tiver isso em mente, perceberá que a Europa estava destinada a relacionar o ego de uma multiplicidade de formas com o mundo perceptível aos sentidos e que o ego, a essência fundamental do ser humano, pode entrar nas mais variadas relações com o mundo externo. Antigamente, antes que o homem tivesse consciência de seu ego, antes de percebê-lo, essas relações eram determinadas para ele pelos Seres superiores e ele próprio permanecia um instrumento passivo.
Seu relacionamento com o mundo externo era puramente instintivo. O fator decisivo no desenvolvimento do ego é que ele deve determinar progressivamente sua relação com o mundo externo. Substancialmente, era tarefa das nações europeias determinar garantidamente essa relação do ‘EU’ com o mundo inteiro, e o guia da Alma Popular tinha, e ainda tem a tarefa de orientar o homem europeu sobre como trazer seu ‘EU’ ’em relação com o mundo externo, com outros egos e com o mundo dos Seres espirituais, de modo que, no geral, foi dentro da civilização europeia que se começou a falar da relação do ego humano com o universo circundante.
Daí a atmosfera completamente diferente na velha cosmologia indiana daquela prevalecente na cultura mitológica da Europa. No Oriente, tudo é impessoal e, acima de tudo, é necessário adotar uma atitude passiva em relação ao conhecimento, suprimir o ego para se fundir em Brahma e encontrar Atman dentro de si mesmo. No Oriente, portanto, o objetivo principal é perder a identidade e buscar a união com o Absoluto.
Na Europa, esse “EU” humano ocupa um lugar central na vida humana, de acordo com suas tendências inatas originais e com seu desenvolvimento progressivo no curso da evolução. Na Europa, portanto, é dada atenção particular a ver tudo em relação ao ‘EU’, para mostrar clarividentemente a relação do ‘EU’ com tudo que participou de seu desenvolvimento no curso da existência terrena.
Agora todos vocês sabem que duas forças opostas participaram do desenvolvimento do homem terrestre que estava destinado, gradualmente, a adquirir seu ‘EU’. Desde a época da Lemúria, as forças luciféricas se imprimiram no ser interior do homem, em seu corpo astral. Você sabe que essas forças tornaram a vida interior do homem como ponto focal de ataque, infiltrando-se em seus desejos, impulsos e paixões. Em consequência, o homem se beneficiou de duas maneiras: ele foi capaz de se tornar um ser livre e independente, ser inflamado pelo que pensa, sente e deseja, enquanto, em relação aos seus interesses, ele foi guiado por Seres espirituais divinos.
Mas, por outro lado, através dos poderes luciféricos, o homem teve que aceitar a possibilidade de cair no mal através de suas paixões, emoções e desejos. Lúcifer, portanto, é onipresente em nossa existência terrestre e encontra seu ponto de ataque no ser interior do homem, no jogo do astral humano. Onde o astral foi integrado ao ego, o ego também foi permeado pelo poder luciférico. Portanto, quando falamos de Lúcifer, estamos falando daquilo que lançou o homem mais fundo na existência material e sensorial do que teria sido o caso sem essa influência. Assim, aos poderes luciféricos devemos o benefício mais precioso ao homem, a saber, a liberdade e, ao mesmo tempo, um legado perigoso, a possibilidade do mal.
Mas também sabemos que, porque esses poderes luciféricos intervieram em toda a constituição da natureza humana, outros poderes puderam entrar mais tarde, o que não poderia ter acontecido se Lúcifer não tivesse primeiro invadido o organismo humano. O homem veria o mundo de forma diferente se não tivesse caído sob a influência de Lúcifer e seus seguidores, se não tivesse sido obrigado a se submeter à influência de outro poder depois de se abrir à invasão de um poder luciférico. Ahriman se aproximou de fora e penetrou na vasta arena do mundo fenomênico que cerca o homem, de modo que a influência Ahrimânica é, portanto, uma consequência da influência Luciférica. Lúcifer, por assim dizer, toma posse do homem por dentro e, em consequência, ele é vítima de Ahriman, que trabalha de fora.
A ciência espiritual de todas as eras que está familiarizada com os fatos reais, fala tanto dos poderes luciféricos quanto dos arimânicos. Parecerá muito notável para você que os vários povos que expressam esses pontos de vista na forma de mitologia nem sempre estão cientes de Lúcifer e Ahriman na mesma medida. Por exemplo, não há uma consciência clara disso em uma concepção religiosa construída a partir de toda a tradição semítica como corporificada no Antigo Testamento.
Apenas uma certa consciência da influência luciférica pode ser encontrada lá. Você encontrará evidências disso no relato do Velho Testamento sobre a Serpente, que é simplesmente uma imagem de Lúcifer. E isso mostra que houve uma compreensão clara de que Lúcifer desempenhou um papel na evolução, uma percepção que está inegavelmente presente em todas as tradições associadas à Bíblia. Mas eles não revelam a consciência da influência arimânica na mesma medida; isso só pode ser encontrado onde a Ciência Espiritual é ensinada.
Porém, os escritores dos Evangelhos levaram isso em consideração. Você descobrirá – pois na época em que os Evangelhos foram escritos, a palavra “demônio” foi emprestada do grego – que o Evangelho de São Marcos não fala da tentação de Jesus, mas de um demônio tentando-O; mas em todas as referências a Ahriman, a palavra Satanás é usada. Mas quem nota a diferença importante entre essas descrições no Evangelho de São Marcos e as de São Mateus? Exotericamente, essas distinções sutis não são atendidas de forma alguma, nem essa diferença é notada nas tradições externas.
Essa diferença é muito aparente no contraste entre a Índia e a Pérsia e é ilustrada de maneira impressionante em certo momento da história. Os persas estavam menos sujeitos à influência luciférica do que a arimânica. Foi na Pérsia em particular que os homens lutaram com os poderes que nos dão uma imagem externa e falsa do mundo e que nos cercam com as forças das trevas, isto é, aquilo que está relacionado com a relação do homem com o mundo externo.
Ahriman é conhecido, principalmente, como oponente do Bem e inimigo da luz. Qual é a explicação disso? A explicação é que na segunda época pós-Atlântida o homem desenvolveu sua percepção do mundo externo. Lembre-se de que a tarefa de Zoroastro era revelar o Espírito do Sol, o Espírito da Luz. Ele tem primeiro de mostrar que este mundo é composto de Luz e do Espírito das Trevas que obscurece nossa consciência do mundo externo.
O persa visa principalmente a conquista de Ahriman e se esforça para se unir aos Filhos da Luz, os Espíritos que aqui são os Poderes dominantes. Ele está organizado para atividades no mundo externo; portanto, ele tem seus Ahuras ou Asuras. Por outro lado, é perigoso para os seguidores da religião persa olhar para dentro, seguir o caminho interior. Onde os poderes luciféricos estão à espreita, ele não se permitirá tomar consciência dos bons poderes que aí estão presentes: ele sente o perigo. Ele dirige seu olhar para fora e acredita que os Asuras da Luz estão em oposição aos Asuras das Trevas.
Nessa época, os indianos seguiam exatamente o caminho oposto. Eles viveram em um período em que se esforçaram para se elevar às esferas mais altas por meio da contemplação interior. Eles buscaram a salvação unindo-se às forças da visão interior. Era perigoso; eles sentiram, olhar para o mundo externo, onde eles poderiam ter que lutar com Ahriman. Eles temiam o mundo externo e o consideravam perigoso. Enquanto os persas evitavam os Devas, os indianos os admiravam e queriam trabalhar em seus domínios. Mas os persas se retrocederam e evitaram a região onde a batalha contra Lúcifer deveria ser travada.
Por mais que você procure através das muitas mitologias e concepções diferentes do mundo, em nenhuma delas você encontrará uma consciência tão clara e profunda do fato de que há duas influências agindo no homem como na mitologia teutônica. Como o homem nórdico ainda era clarividente, ele realmente viu esses dois poderes e assumiu uma posição intermediária entre eles. Disse a si mesmo que, no curso de sua evolução, o homem viu o advento de certos poderes que penetraram em seu ser interior e atuaram em seu corpo astral; eles operavam de fora. E, porque ele estava destinado a desenvolver o ‘EU’, para alcançar a independência, ele sentia não apenas a possibilidade do mal, mas, nesses poderes que permeavam seu corpo astral para trazer liberdade e independência, ele sentia, acima de tudo, a aspiração de liberdade.
Ele sentiu o elemento rebelde manifestando-se nessas forças. Ele sentiu a presença do elemento luciférico no poder que, nessas regiões escandinavas e germânicas, ainda participava da criação das raças, na medida em que deu ao homem sua forma externa e pigmentação e o tornou um ser independente e ativo no mundo. Com sua clarividência, o homem nórdico sentiu que Lúcifer era principalmente aquele que torna o homem um ser livre, aquele que não está preparado para se submeter passivamente a poderes externos aleatórios, mas é sólido e confiável e está determinado a agir independentemente. O homem nórdico sentiu que essa influência luciférica era benéfica.
Mas agora ele percebeu que algo mais derivava dessa influência. Lúcifer se esconde atrás da figura de Loki, que tem uma forma incrivelmente iridescente. Porque o homem nórdico podia perceber a realidade, ele viu que os pensamentos sobre a liberdade e independência do homem podiam ser rastreados até Loki. Por meio da velha clarividência, no entanto, ele também estava ciente de que aquilo que repetidamente arrasta o homem através de seus desejos e ações e o faz sofrer uma deterioração maior de todo o seu ser do que teria acontecido se ele tivesse se dedicado a Odin e ao Aesir, deve ser atribuído à influência de Loki. E agora ele sentia a terrível grandeza dessa mitologia teutônica; ele sentiu com veemente convicção aquilo que só retornará gradualmente à consciência do homem por meio da Ciência Espiritual.
Como, então, a influência luciférica age? Ela penetra no corpo astral e, portanto, é capaz de operar em todos os três membros do homem, em seus corpos astral, etérico e físico. Atualmente, só podemos dar indicações dessa influência luciférica fora da Sociedade Antroposófica. O que você compreenderá cada vez mais claramente é que a influência luciférica se faz sentir de três maneiras diferentes: no corpo astral, no corpo etérico e no corpo físico do homem.
Ele gera no corpo etérico o desejo de falsidade e mentira. Mentiras e falsidades não se limitam à vida interior do homem. No corpo astral, veículo da vida interior do homem, o eu é permeado por uma influência luciférica que assume a forma de egoísmo. O corpo etérico é interiormente motivado pelo impulso de ser mentiroso e, portanto, está disposto a mentir. No corpo físico, a influência luciférica gera doença e morte. Aqueles que estiveram presentes na minha última série de palestras* compreenderão isso facilmente.
* Manifestações do Karma. Onze palestras dadas em Hamburgo, maio de 1910.
Gostaria de enfatizar, mais uma vez, que os sinais e sintomas da morte física estão carmicamente relacionados com a influência luciférica. Para recapitular brevemente: Lúcifer gera egoísmo no corpo astral, no corpo etérico mentira e falsidade, e no corpo físico, doença e morte.
É claro que os materialistas de hoje ficarão muito surpresos ao saber que a Ciência Espiritual atribui doença e morte a uma influência luciférica. Mas isso também está conectado com Karma. Se não fosse pela influência luciférica, o homem nunca teria conhecido a doença e a morte. O efeito cármico dessa influência é que o homem está mais profundamente imerso na corporeidade e, por outro lado, a pena para isso é a doença e a morte.
Podemos dizer que, quando a influência luciférica entrou no homem, os corpos físico, etérico e astral tornaram-se presas de doenças e morte, mentira, falsidade e egoísmo. Gostaria de chamar sua atenção para o fato de que os cientistas materialistas de hoje atribuem à mesma causa a morte no ser humano, no animal ou na planta. Eles não conseguem perceber que uma aparência externa pode se parecer com outra e, ainda assim, ter origens totalmente diferentes.
Uma situação externa pode surgir de várias causas. A morte de um animal não surge da mesma causa que a morte de um homem, embora externamente dê a mesma impressão.
Levaria muito tempo para fornecer uma prova epistemológica dessas coisas. Desejo apenas afirmar aqui que a visão científica da causalidade está tristemente equivocada. Encontramos erros como esses, que surgem de pensamentos confusos, em quase todas as etapas. Imagine o caso de um homem que sobe em um telhado, cai, é mortalmente ferido e é pego morto. O que seria mais natural do que dizer: “O homem caiu, ficou mortalmente ferido e morreu devido aos ferimentos”. Mas pode ter havido uma explicação totalmente diferente. O homem pode ter sofrido um derrame enquanto estava no telhado e cair já morto. Os ferimentos podem ter sido causados pela queda, de modo que externamente este caso pode parecer o mesmo que o descrito antes, mas a morte teria sobrevido por uma causa totalmente diferente.
Este é um exemplo muito grosseiro, mas os cientistas são frequentemente culpados desse tipo de erro. Externamente, os fatos reais podem ser exatamente os mesmos: as causas internas podem ser completamente diferentes.
Afirmamos, então, a partir dos resultados da investigação científico-espiritual, que a influência luciférica gera no corpo astral egoísmo, no corpo etérico mentira e falsidade e no corpo físico, doença e morte. Agora, o que a mitologia teutônica teria a dizer se tivesse sido obrigada a atribuir essa influência tripla a Loki, a Lúcifer? Teria que dizer que Loki tem três filhos. O primeiro, aquele que gera egoísmo, é a Cobra de Midgard, por meio da qual se expressa a influência do espírito luciférico no corpo astral.
O segundo é o que falsifica o conhecimento humano. No homem, no plano físico, isso consiste nas coisas da mente que não estão de acordo com o mundo externo. É aquilo que não tem validade aí. Para o homem nórdico que vivia mais no plano astral, aquilo que para nós é uma ilusão, manifestou-se imediatamente como um ser astral e viveu como tal no plano astral. A expressão para tudo que implicasse escurecimento da luz da verdade, falsa perspectiva, era algum tipo de animal; e aqui no Norte era principalmente o Lobo Fenris. Este segundo animal é a influência de Loki no corpo etérico, ao qual o homem deve sua inclinação interior para se enganar, para pensar incorretamente sobre as coisas; isto é, os objetos no mundo externo não aparecem para ele na verdadeira perspectiva. Isso geralmente era expresso na velha mitologia teutônica na forma de um lobo. Essa é a forma astral de mentira e falsidade que procede de impulso interno.
Onde o homem está relacionado com o mundo externo, Lúcifer confronta Ahriman, de modo que a infiltração do erro em seu conhecimento – mesmo em seu conhecimento clarividente – toda ilusão e maya, é a consequência da tendência à falsidade que está ativa lá. O Lobo Fenris representa a configuração que cerca o homem, porque ele não vê as coisas em sua forma verdadeira. Sempre que os antigos teutões experimentavam o escurecimento da luz da verdade, eles falavam de um lobo. Isso permeia toda a consciência nórdica e você descobrirá que essa imagem é usada neste sentido, mesmo em relação a fatos externos.
Quando os antigos teutões quiseram explicar o que viram durante um eclipse do Sol – na época da velha clarividência, é claro, o homem via de forma muito diferente do homem de hoje que usa um telescópio – eles escolheram a imagem de um lobo perseguindo o Sol e quem, no momento em que o ultrapassa, causa um eclipse. Isso concorda perfeitamente com os fatos. Essa terminologia é parte integrante da grandeza, aquela grandeza terrível peculiar à mitologia teutônica. Posso apenas dar indicações aqui, mas se fosse possível falar por semanas a fio sobre essa mitologia teutônica, você veria como isso é universalmente aplicado nas representações da mitologia teutônica. Isso ocorre porque a mitologia teutônica é uma consequência da velha clarividência em que o “EU” atua em todos os lugares.
Os materialistas de hoje responderão que isso é pura superstição, que não há lobo em busca do sol. O velho e imaginativo homem nórdico vê esses fatos na forma de imagens e eu talvez pudesse enumerar muitas das chamadas verdades científicas que contêm mais influência Ahrimanica, um maior grau de erro, do que a percepção astral correspondente que descreve o lobo em busca do Sol . Que ocorra um eclipse porque a Lua se interpõe entre a Terra e o Sol, parece ao ocultista trair uma mente ainda mais supersticiosa.
Do ponto de vista externo, a explicação do eclipse é perfeitamente correta, assim como o caso do lobo é perfeitamente correto do ponto de vista astral. Na verdade, a visão astral é mais correta do que a que você encontrará nos livros didáticos modernos, que está ainda mais sujeita a erros. Se em algum momento futuro o homem estiver preparado para aceitar os fatos reais em vez dessa explicação externa, ele descobrirá que o mito teutônico está correto. Sei que estou dizendo algo que é ridiculamente absurdo aos olhos do homem contemporâneo, mas sei também que nos círculos antroposóficos já se está suficientemente avançado para estar em posição de mostrar em quais aspectos a visão física do mundo é mais influenciada por maya, engano ou ilusão.
Vamos agora examinar a influência de Loki no corpo físico. Seu terceiro filho é Hel, que gera doença e morte. Assim, as figuras Hel, o Lobo Fenris e a Cobra Midgard são representações maravilhosas da influência de Loki ou Lúcifer na forma em que foi percebida pela antiga clarividência onírica. Se fôssemos seguir toda a história de Loki, descobriríamos em todos os lugares que essas coisas lançam luz sobre o assunto, nos mínimos detalhes. Mas devemos entender claramente que o que o clarividente vê não são alegorias, mas seres reais.
Agora, o homem nórdico não estava apenas ciente de Loki, da influência luciférica, mas também da influência de Ahriman, que era o oposto, e ele sabia também que o envolvimento na influência Ahrimanica era uma consequência da influência luciférica. Se você agora olhar para trás, para a época em que o homem não apreendia o mundo por meio da percepção sensorial, mas o contemplava com a velha clarividência, descobrirá que esse mito foi desenvolvido em resposta a essa clarividência.
O que diz o mito? O homem sucumbiu à influência de Loki, e isso se expressa na atividade da Cobra Midgard, do Lobo Fenris e de Hel. O efeito foi tal que a percepção do homem, sua visão clara e luminosa do mundo espiritual, tornou-se turva, porque a influência luciférica se afirmava cada vez mais. Naquela época, quando essa visão se desenvolveu, o homem alternava entre uma consciência que era capaz de ver o mundo espiritual e uma consciência que era direcionada para o plano físico, da mesma forma que normalmente alternamos entre acordar e dormir.
Quando ele olhou para o mundo espiritual, ele olhou para o mundo do qual ele nasceu. O ponto essencial é que o mito teve sua origem na consciência clarividente. Mas a consciência humana consistia nessa alteração entre a percepção do mundo espiritual e sua perda. Quando o homem viveu em uma condição de consciência onírica, ele viu o mundo espiritual. Quando em estado de consciência desperta, ele estava cego para isso. Assim, ele alternou entre as condições de cegueira e de percepção do mundo espiritual.
Sua consciência alternava da mesma forma que um certo Ser Cósmico alternava entre o cego Hödur e o clarividente Baldur, que podia ver o mundo espiritual. Assim, o homem estava predisposto a receber a influência de Baldur e ele teria se desenvolvido de acordo com essa influência se não estivesse sujeito à influência de Loki. Era responsabilidade de Loki, no entanto, que a natureza de Hodur superasse a natureza de Baldur. Isso é expresso por Loki trazendo o visco, com o qual o cego Hodur mata Baldur, aquele que vê.
Loki, portanto, é o poder destrutivo, como Lúcifer, que levou o homem aos braços de Ahriman. Na medida em que o homem se submete ao cego Hodur, a velha visão clarividente se extingue. Essa é a morte de Baldur. Isso é sentido pelo homem nórdico como a extinção gradual do poder de Baldur, a perda da visão do mundo espiritual. Assim, na perda da clarividência, o homem nórdico sentiu que, com a morte de Baldur, Loki havia extinto a clarividência e que doravante ele era impotente para reviver esta clarividência anterior.
Assim, um dos maiores eventos históricos, a perda gradual do conhecimento antigo e desvelado, é expressa no mito de Baldur, Hödur e Loki. Por um lado, portanto, temos Loki com seus parentes, os três seres, e por outro, a trágica morte de Baldur.
Assim, na mitologia teutônica, reflete-se o que podemos derivar da Ciência Espiritual: a dupla influência – a luciférica e a arimânica. É isso que a Ciência Espiritual sempre procura apresentar a você como uma ilustração do conhecimento clarividente dos tempos antigos e como um desenvolvimento do mito a partir da velha clarividência que então gradualmente começou a desaparecer.
Seria muito prolongado se fôssemos aprofundar esse assunto. Mas mesmo nas linhas gerais que apresentei a você, você pode sentir a grandeza terrível desse mito, que é insuperável, porque nenhuma outra mitologia adere tão de perto à antiga condição de clarividência. A mitologia grega é apenas uma memória de algo vivido em tempos anteriores, expresso em forma escultórica. A mitologia grega não tem mais aquela associação direta com os fatos que encontramos na mitologia teutônica.
É mais sofisticado, mais maduro, as figuras mostram contornos mais definidos e acabados e, portanto, parecem marcadamente esculturais. Eles perderam a simplicidade primitiva das primeiras impressões. A velha clarividência há muito desaparecida no resto da Europa ainda sobreviveu no Norte. Só lentamente, passo a passo, a perspectiva do homem tornou-se limitada apenas à imagem do mundo físico. Assim, na época em que o cristianismo começou a se espalhar pelo mundo, aquilo que se expressa no mito de Baldur, na morte de Baldur, havia se tornado verdade para a maioria dos homens. No entanto, ainda havia alguns que eram capazes de perceber diretamente o que o homem nórdico vivenciava de maneira clarividente.
Assim, por muito tempo ainda existia a percepção direta do mundo espiritual e, porque ainda era tão elementar e brotava tão diretamente da experiência clarividente, esta percepção consciente do mundo espiritual ainda sobreviveu quando o Cristianismo começou a se espalhar, pois foi mais desenvolvido nos povos teutônicos do que em qualquer outro.
Então, eles sentiram que suas experiências anteriores de seu lar espiritual original estavam desaparecendo. E essas experiências espirituais foram perdidas quando o homem nórdico recebeu os consolos do Cristianismo. Mas o cristianismo não ofereceu a ele nenhuma visão direta. Ele havia sentido o destino de Baldur muito profundamente para ser capaz de se consolar dessa perda trocando Baldur por um Deus que desceu ao plano físico para que os filhos dos homens que só podiam perceber no plano físico, também pudessem ter permissão para chegar à consciência de Deus. Ao contrário dos povos do Oriente Próximo, os povos do Norte foram incapazes de responder às palavras:
“Mude sua atitude mental, pois o Reino dos Céus está próximo!”
Na Palestina, onde Cristo nasceu, existiam apenas lembranças há muito perdidas do fato de que uma vez existiu uma antiga clarividência. No Oriente, o Kali Yuga, a Idade das Trevas, já durava três mil anos, quando os homens não podiam mais ver o mundo espiritual. Mas eles sempre ansiaram por esse mundo e sempre falaram de um mundo que o homem já foi capaz de perceber espiritualmente. Mas era um mundo que agora havia desaparecido de suas vistas.
Consequentemente, eles haviam experimentado o mundo espiritual em um passado muito mais distante do que os homens do Norte, e eles só sabiam de memória que o mundo espiritual um dia estivera ao alcance. Portanto, os povos da Ásia Menor poderiam entender bem as palavras: “Mude sua atitude mental, pois o Reino dos Céus está próximo!”
Eles podiam entender as palavras:
“O Reino dos Céus está perto de vocês, mesmo aqui no plano físico. Procurem, portanto, a figura única que aparecerá na terra da Palestina, busquem o Messias, a Encarnação da Divindade, através de quem vocês também serão capazes de encontrar sua relação com o Divino, embora não possam se elevar acima do plano físico. Reconheça essa figura na Palestina, conheça a figura de Cristo!”
Essas foram as profundas palavras de João Batista.
O homem nórdico, necessariamente, sentia isso de maneira diferente; por um longo tempo ele experimentou muito mais do que a mera memória de uma visão do mundo espiritual. Daí surgiu nele um pensamento de grande importância, a saber: esta limitação ao plano físico externo, este escurecimento da visão espiritual, só pode ser um tempo intermediário. Deve haver um período de provação e o homem terá que descobrir o que o mundo físico pode lhe ensinar.
Esta transição é necessária e ele deve, portanto, retirar-se do mundo espiritual. Ele deve passar pela experiência do mundo fenomenal como um treinamento necessário. Mas, por meio desse período de provação, ele encontrará o caminho de volta ao mundo de onde veio. A visão de Baldur poderá animá-lo novamente. Em outras palavras, a grande verdade que surgiu no curso da evolução dos povos teutônicos de que o mundo que estava perdido para a visão clarividente voltaria a se tornar visível, deve-se ao fato de que o homem sentiu sua estada no plano físico ser um tempo de transição.
Os Iniciados ensinaram ao homem nórdico que uma mudança estava ocorrendo no mundo espiritual durante o tempo intermediário, quando ele perdeu sua visão e, em consequência, um dia pareceria transformado. Eles explicaram isso a ele da seguinte maneira:
“Anteriormente, você olhou para o mundo espiritual e lá você viu o Arcanjo da Fala, o Arcanjo das Runas, Odin, o Arcanjo da Respiração, e Thor, o Anjo da Ego-coberto. Você estava associado a eles, e aquele que estiver suficientemente preparado poderá entrar no mundo espiritual novamente. Mas então parecerá diferente; outros poderes terão sido adicionados a ele, e as esferas de poder e as relações de poder daqueles antigos líderes espirituais da raça humana terão mudado. Você verá, é verdade, este mundo, mas o encontrará transformado.”
O que o homem então verá, os Iniciados descreveram a ele como uma visão do futuro – a Visão que um dia aparecerá ao homem quando ele for capaz de ver novamente no mundo espiritual, quando ele verá qual foi o destino do velhos deuses e qual era sua relação com outros poderes. Eles descreveram a ele esta visão do futuro vista pelos Iniciados quando a influência Luciférica irá, em certa medida, anular a que vem dos Deuses e, por sua vez, será superada.
Essa era sua visão de Ragnarok, o Crepúsculo dos Deuses. E novamente veremos que todos os eventos que foram retratados como eventos futuros não poderiam, mesmo nos menores detalhes, ser retratados melhor ou mais apropriadamente, nem em terminologia mais adequada do que no maravilhoso quadro do Crepúsculo dos Deuses. Esse é o pano de fundo oculto da “Saga do Crepúsculo dos Deuses”.
Sob que luz, então, o homem deve se ver? Ele deve se ver como aquele que recebeu tudo o que vem de épocas anteriores como origem e causa de sua evolução. Ele deve assimilar cuidadosamente o que recebeu como um presente de Odin, enquanto sente que ele mesmo passou pela evolução subsequente. Ele deve receber em si o ensinamento implantado nele por Odin. Ele deve lutar o bom combate sem demora.
O Iniciado, o Líder da Escola Esotérica, deixa isso claro, particularmente para o homem nórdico, chamando nossa atenção para o Ser divino-espiritual que nos aparece tão misteriosamente, que de fato primeiro desempenha um papel definido no Crepúsculo dos Deuses porque ele supera até mesmo aquele poder pelo qual Odin é inicialmente superado.
No Crepúsculo dos Deuses, o papel do vingador de Odin é um papel especial. Quando entendermos esse papel, perceberemos a conexão maravilhosa entre os talentos nativos dos povos teutônicos e a concepção de nossa visão do futuro. Tudo isso é expresso de uma forma maravilhosa, nos mínimos detalhes na poderosa visão do Crepúsculo dos Deuses.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 15 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
“O momento da decisão chegará em torno do final do século XX, quando nós ficaremos na sepultura da civilização em uma guerra de todos contra todos ou voltaremos para uma cultura espiritualizada.”
Rudolf Steiner, GA 240
AHRIMAN: ANIQUILAÇÃO OCULTA DA ALMA
Vivemos tempos difíceis. Lendo as manchetes de notícias em qualquer dia específico, pode-se facilmente sentir-se sobrecarregado com o colapso iminente de culturas, países, mercados financeiros, decência comum, lei e ordem, educação e impulsos espirituais e morais. Uma crise após a outra, sejam bandeiras reais ou falsas, são usadas para destruir nossas liberdades e liberdades pessoais, levando-nos a um mundo orwelliano (George Orwell – 1984) de governança global e à aniquilação completa de tudo o que é divino no mundo. Nós nos agarramos a fios esfarrapados de esperança, orando por misericórdia e intervenção divina em um atoleiro global que parece insolúvel.
Onde está o Cristo que havia de vir? Onde está o caminho para Shamballa? Onde está a porta de saída de toda essa loucura mundana?
Se você é novo na antroposofia, pode não saber que Rudolf Steiner falou muito sobre esses assuntos. Para quem estudou antroposofia, você deve se lembrar que Steiner escreveu sobre a Guerra de Todos contra Todos, uma época em um futuro distante que é a transição para a futura Terra. Mas o que muitos podem não estar cientes é que essa luta pode ocorrer em qualquer período cultural, seja em uma forma microcósmica ou em uma batalha completa entre a Lua e a Terra.
Para sermos vitoriosos nesta luta – seja agora ou no final da Sétima Época, seja pessoalmente ou globalmente – é preciso enfrentar o mal em suas formas luciféricas e arimânicas com coragem para ver através de seus terríveis e assustadores espectros de medo, ódio e dúvida, abraçando em seu lugar um espírito cheio de fé, amor e sabedoria. Fazer isso é empunhar a espada de Micael e dominar o dragão de fogo. Mas, primeiro, é preciso tomar consciência do mal e, como a filha do moleiro em Rumpelstiltskin, gritar seu nome em total reconhecimento do mal que ele é.
Rudolf Steiner (1861-1925) escreveu e deu palestras extensas sobre esses seres – Lúcifer e Ahriman – bem como o Ser de Cristo, que encarnou na Palestina e é a segunda pessoa na Santíssima Trindade. O que pode ser uma surpresa para os leitores iniciantes na Antroposofia é que em cada lado de Cristo existem dois seres, um caminho do mal para a direita e para a esquerda. Esses dois seres do mal são Lúcifer, o tentador, o caminho da mão esquerda do mal, e Ahriman, o pai da mentira, o caminho da mão direita do mal. Lúcifer é o anjo caído que conhecemos da Bíblia. Ahriman, um nome retirado da Antiga Pérsia, onde era visto como o oposto do deus sol, também é conhecido como Satan.
Outra surpresa vem dos ensinamentos de Steiner de que Lúcifer e Ahriman na verdade encarnam como seres humanos, Lúcifer em torno de 2000 anos antes de Cristo e Ahriman encarnará/encarnou em meados do terceiro DC, e que Cristo os equilibra encarnando no meio (Ano 0). Existe outro ser do mal que se opõe diretamente a Cristo, conhecido como Sorath ou Sorat, o Demônio Solar que atua contra o desenvolvimento do EU humano.
Sua atuação agora está sendo preparada por Ahriman. Esses quatro seres e suas encarnações físicas fazem parte do plano de evolução espiritual e cada ser, mesmo os considerados “maus”, tem funções importantes na evolução do ser humano livre que deve desenvolver discernimento para saber a diferença entre cada um desses seres. Por mais desesperador que o mundo possa parecer às vezes, podemos nos consolar em saber que os espíritos de oposição são uma parte importante do plano divino.
A encarnação de Cristo criou um momento decisivo, pois toda a evolução gira em torno deste evento central. Cristo encarnou uma vez para derrotar os efeitos existentes da encarnação humana de Lúcifer na China e se preparar para a futura encarnação de Ahriman na América do Norte. Cristo venceu as tentações de Lúcifer assim como Ele conquistará as mentiras de Ahriman, como Ele fará, ao doar a forma do EU humano (consciência do Eu) ao homem no ponto de virada do tempo, conquistar a influência anti-EU de Sorat em um futuro distante.
Por causa da ação de Cristo no mistério do Gólgota, o ego aperfeiçoado de Cristo agora existe em uma forma etérica no reino do superetérico e pode se replicar para aqueles que desejam assumir esta forma perfeita. Embora a humanidade como um todo leve algum tempo para assumir o veículo aperfeiçoado da consciência de Cristo, existem algumas almas avançadas (e você pode ser um), que realizou ou realizará esta maravilha e trará ensinamentos que se alinham com os veículos aperfeiçoados de Cristo.
A fim de nos tornarmos conscientes do mal para que possamos ascender à consciência de Cristo, devemos conhecer suas muitas faces e manifestações. Devemos reconhecer suas encarnações físicas. Já passou o tempo de reconhecer as encarnações de Lúcifer e Cristo. Nossa tarefa hoje é conhecer a encarnação de Ahriman.
Por Douglas e Tyla Gabriel
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 121 – Christiania (Oslo), 14 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 8
AS CINCO CIVILIZAÇÕES PÓS-ATLANTES.
MITOLOGIA GREGA E TEUTÔNICA.
Se quisermos estudar o desenvolvimento da história nórdico-germânica e os impulsos espirituais nela incorporados, devemos antes de tudo ter em mente o caráter fundamental da mitologia Teutônica. Na última aula, observei que essa mitologia Teutônica, apesar de seus muitos pontos de semelhança com outras mitologias, é, no entanto, algo único. É verdade, no entanto, que entre os povos e tribos germânicas da Europa havia um grande acordo sobre as concepções fundamentais da mitologia, de modo que nas regiões distantes do Sul era possível que existisse uma visão uniforme da mitologia e, por diante, no todo, uma compreensão semelhante das relações afins entre essas mitologias.
Em algum momento, deve ter havido compreensão idêntica do caráter único da mitologia teutônica em todos os países onde essa mitologia, garantidamente, existiu. As características comuns da mitologia teutônica são muito diferentes das características essenciais da mitologia grega, para não falar da egípcia. Tudo na mitologia teutônica está inter-relacionado e difere amplamente da substância da mitologia greco-romana. Atualmente, não é fácil compreender este elemento essencial porque – devido a certas suposições intelectuais que estão fora do escopo desta palestra – há uma tendência geral hoje de embarcar no estudo da religião comparada.
Mas este é um campo no qual é possível perpetuar o maior absurdo. O que acontece geralmente quando uma pessoa compara as mitologias e religiões de vários povos umas com as outras? Ele compara os aspectos superficiais das histórias dos deuses e tenta demonstrar que a figura de um deus específico que aparece em uma mitologia também é encontrada de maneira semelhante em outra mitologia, e assim por diante. Para quem conhece os fatos reais, este estudo comparativo das religiões mostra uma tendência muito inquietante nos estudos antropológicos de hoje, porque está, em toda parte, a prática de comparar exteriores.
A impressão criada pelos estudos comparativos das religiões sobre quem conhece os fatos é comparável à impressão de quem declara:
“Há trinta anos conheci um homem; ele usava um uniforme que consistia em calças azuis, casaco vermelho e algum tipo de touca, e assim por diante.”
Em seguida, ele adiciona rapidamente:
“Há vinte anos conheci um homem que usava o mesmo uniforme e há dez anos conheci outro que também usava o mesmo uniforme.”
Agora, se a pessoa em questão acreditasse que, porque os homens que ela conheceu há trinta, vinte e dez anos usavam o mesmo uniforme, eles poderiam, portanto, ser comparados uns com os outros no que diz respeito ao seu ser essencial, ele poderia ser muito enganado, pois uma pessoa totalmente diferente pode estar usando aquele uniforme em momentos diferentes.
O essencial é saber que tipo de homem se esconde atrás do uniforme. Esse paralelo pode parecer improvável, mas em religião comparada é equivalente a comparar Adônis a Cristo. Estão comparando apenas os externos. O vestuário e as características dos seres nas várias lendas podem ser muito similares ou mesmo semelhantes, mas o ponto é saber qual é a natureza dos seres divino-espirituais ocultos por trás deles. Se seres completamente diferentes estão presentes em Adônis e em Cristo, então estamos apenas comparando os externos e o paralelo tem apenas um valor superficial. No entanto, este método comparativo é extremamente popular nos dias de hoje.
Portanto, os resultados da extensa pesquisa no estudo comparativo das religiões com sua abordagem puramente externa não têm a menor consequência. A questão é, antes, que se deve aprender a saber, até certo ponto, a partir de uma compreensão das diferenças específicas dos Espíritos Populares, a maneira pela qual um determinado povo chegou à sua mitologia ou outros ensinamentos sobre os deuses, ou mesmo à sua filosofia.
Mal podemos compreender o caráter fundamental da mitologia teutônica, a menos que revisemos mais uma vez as cinco épocas sucessivas da civilização na era pós-Atlântida. Essas cinco épocas de civilização foram provocadas por migrações do Ocidente para o Oriente, de modo que, ao final dessas migrações, os mais maduros, os seres humanos mais evoluídos avançaram para o território indiano e ali fundaram a sagrada civilização Indiana primitiva. A civilização seguinte, e mais próxima da nossa era, foi a persa, seguida pela egípcia-caldeia-babilônica, depois a greco-latina e, finalmente, pela nossa.
A natureza essencial dessas cinco civilizações só pode ser compreendida se percebermos que, em épocas passadas, aqueles que delas participaram, incluindo também os Anjos, os Espíritos Populares ou Arcanjos e os Espíritos do Tempo/Arqueus, eram todos muito diferentes uns dos outros. Hoje, nos propomos a dedicar mais atenção à maneira como os seres humanos que participaram dessas civilizações diferiram uns dos outros.
Os homens que, na Índia Antiga, por exemplo, fundaram a antiga civilização indiana – que então encontrou sua expressão literária nos Vedas e mais tarde na literatura indiana – eram totalmente diferentes dos povos greco-latinos. Eram diferentes dos persas, dos povos egipto-caldeus e principalmente daqueles que se preparavam na Europa para a quinta civilização pós-Atlântica. Em que aspecto eles diferiam? Toda a composição dos membros dos antigos povos indianos era completamente diferente da dos habitantes de todos os países mais a oeste.
Os povos da Índia antiga alcançaram um alto estágio de evolução antes de desenvolverem o ‘EU’. Em todos os outros aspectos da evolução, eles fizeram grandes avanços. Atrás deles havia um longo período de desenvolvimento, mas eles o haviam vivido em uma espécie de consciência turva. Então o ‘EU’ entrou – eles despertaram para a consciência do ‘EU’. Entre os indianos isso veio relativamente tarde, numa época em que o povo já estava em certa medida muito maduro, quando já havia passado pelo que os povos teutônicos ainda tinham que passar quando desenvolveram seu ego. Tenha isso em mente. Os povos teutônicos tiveram que experimentar com seu ‘EU’ totalmente desenvolvido o que os habitantes da Índia antiga passaram em um estado de consciência obscura, sem uma consciência do ego desenvolvida.
Agora, qual foi a natureza do desenvolvimento que a humanidade poderia passar na época pós-Atlântida? Nos velhos tempos da Atlântida, os seres humanos ainda eram dotados de um alto grau da velha vaga clarividência com a qual viam o mundo espiritual divino. Eles tiveram uma visão sobre o funcionamento oculto daquele mundo. Agora imaginem-se por um momento na velha Atlântida, antes que as migrações para o Oriente tivessem começado. O ar ainda estava impregnado de vapor d’água e exalações nebulosas.
A alma do homem também era diferente. Ele ainda não conseguia diferenciar entre as várias percepções dos sentidos externos; naquela época, ele encontrou o conteúdo espiritual do mundo aparentemente difuso ao seu redor como uma aura espiritual. Assim, ele possuía uma certa clarividência natural que precisava superar. Isso foi conseguido pela operação das forças cuja influência os seres humanos estavam sujeitos ao migrar do Ocidente para o Oriente. No curso dessas migrações, o homem passou por muitos estágios diferentes de desenvolvimento espiritual.
Houve povos que, durante sua migração para o leste, a princípio dormiram, por assim dizer, durante o período de emergência da velha clarividência e já haviam alcançado um estágio superior de desenvolvimento quando seu ego ainda estava em um estado obscuro de consciência. Eles passaram por vários estágios de desenvolvimento, mas seu “EU” ainda estava em uma condição embotada e onírica. Os indianos foram os que mais evoluíram quando seu ego despertou para a autoconsciência total. Estavam tão avançados que possuíam uma rica vida interior da alma que já não apresentava quaisquer vestígios daquele estágio elementar do desenvolvimento da alma que ainda persistiu por um longo período de tempo nos povos da Europa.
Os indianos já haviam passado por esse estágio elementar há muito tempo. Eles despertaram para a autoconsciência quando já estavam dotados de poderes espirituais e capacidades espirituais que os capacitaram a penetrar profundamente nos mundos espirituais. De onde toda a atividade e influência positiva dos vários Anjos e Arcanjos nas almas humanas se tornaram um assunto de completa indiferença para os membros mais avançados do povo indiano em seus esforços para emergir de suas velhas condições crepusculares de clarividência. Eles não tinham consciência direta do trabalho dos Arcanjos e Anjos e de todos aqueles Seres espirituais que estavam ativos, particularmente no espírito popular.
Todo o trabalho desses Seres superiores em suas almas, em seus corpos astral e etérico foi realizado em uma época em que eles ainda não tinham consciência do ego. Eles acordaram para a consciência do ego quando suas almas já haviam alcançado um estágio muito alto de desenvolvimento. Os mais avançados entre eles foram capazes, após um breve desenvolvimento, de ler novamente no Registro Akáshico tudo o que havia ocorrido anteriormente na evolução da humanidade, de modo que eles olhavam para o seu ambiente espiritual, para o Cosmos, e podiam ler no Registro Akáshico o que estava acontecendo no mundo espiritual e o que eles haviam passado em um estado de consciência sombrio e obscuro.
Eles foram inconscientemente guiados para as esferas superiores. Antes de sua consciência do ego ter despertado, eles adquiriram capacidades espirituais que eram muito mais ricas do que as dos povos ocidentais. Assim, o mundo espiritual pode ser observado diretamente por esses homens. Os mais avançados entre aqueles que guiaram o povo indiano tinham ascendido a níveis espirituais tão elevados que, no momento em que seu ego despertou, eles não eram mais dependentes do ego para observar como o desenvolvimento humano surgiu, por assim dizer, dos Espíritos da Forma ou Poderes, mas estavam mais intimamente associados aos Seres que chamamos de Espíritos do Movimento ou Potestados e aqueles acima deles na segunda Hierarquia, os Espíritos da Sabedoria ou Domínios.
Esses seres eram de especial interesse para eles. Os seres espirituais de categoria inferior eram, por outro lado, seres cujo domínio eles já haviam compartilhado em tempos anteriores e que, portanto, não eram mais de importância particular para eles. Olharam acima para o que mais tarde chamaram de soma total dos Espíritos do Movimento e dos Espíritos da Sabedoria, aquilo que mais tarde foi caracterizado pelas expressões gregas Dynamis e Kyriotetes.
Eles viram novamente esses Seres e os chamaram de “Mula-prakriti”, a soma total dos Espíritos do Movimento, e “Maha-purusha”, a soma total dos Espíritos da Sabedoria, aquilo que vive como se em uma unidade espiritual. Eles puderam atingir essa visão porque aqueles que pertenciam a esse povo tornaram-se conscientes do ego em um estágio tardio de desenvolvimento. Eles já haviam passado pelo que os povos posteriores ainda tiveram que experimentar através de seu ‘EU’.
Os povos pertencentes à antiga civilização persa eram menos desenvolvidos. Seu desenvolvimento foi tal que, através de sua capacidade cognitiva peculiar e através do despertar de seu “EU” em um estágio inferior de evolução, eles olharam para os Potestados ou Espíritos da Forma. Eles estavam especialmente familiarizados com eles; eles podiam entendê-los até certo ponto e estavam particularmente interessados neles.
Os povos pertencentes às comunidades persas despertaram para a consciência do ego um estágio abaixo dos indianos, mas era um estágio que os povos do Ocidente ainda deveriam atingir. Portanto, os persas estavam familiarizados com os Potestados ou Espíritos da Forma, conhecidos coletivamente como “Amshaspands”. Eram as radiações que conhecemos como Espíritos da Forma ou Poderes e que, do seu ponto de vista, os povos da civilização persa estavam especialmente preparados para perceber de forma clarividente.
Chegamos então aos povos caldeus. Já conheciam as Forças Originais, os Espíritos do Tempo dirigentes, os Espíritos da Personalidade. Ora, os povos da era greco-latina também tinham uma certa consciência dessas Forças Primárias ou Espíritos da Personalidade, mas de uma forma diferente. No caso deles, havia um fator adicional que pode ajudar a esclarecer nosso entendimento. Os gregos estavam mais próximos dos povos germânicos. Eles se tornaram conscientes do ego em um estágio mais elevado do que os povos germânicos-nórdicos. A atuação dos Anjos e dos Arcanjos na alma humana, que os povos do Norte ainda viviam, não era mais vivida diretamente pelos povos greco-latinos, embora eles ainda tivessem uma lembrança distinta dela.
A diferença entre os povos germânicos e greco-latinos é que os greco-latinos ainda preservaram a memória da participação de Anjos e Arcanjos no desenvolvimento de sua vida anímica. No geral, eles não tinham uma lembrança clara desse estágio, pois ainda estavam em um estado de consciência diminuída. Mas agora, na memória clarividente, eles se lembraram dessa experiência de forma bastante distinta. A criação de todo este mundo, o trabalho dos Anjos e Arcanjos, normais e anormais, na alma humana era conhecido pelos gregos.
Eles preservaram em suas almas imagens vívidas da memória do que haviam experimentado. Agora a memória é muito mais clara, assume contornos mais nítidos do que as experiências imediatas do momento presente. Não é mais tão fresco, não é mais tão infantil; a memória ou recordação tem contornos mais nítidos, contornos mais firmes. A mitologia grega é uma imagem da memória em contornos claros e em negrito da influência ou atividade positiva dos Anjos e Arcanjos sobre a alma humana.
Se não abordarmos a mitologia grega dessa maneira, se simplesmente compararmos os nomes gregos com outros nomes nas várias mitologias, se não considerarmos a influência das forças especiais, nem compreendermos o significado das figuras que aparecem como Apolo e Minerva e assim por diante, estamos fazendo um estudo superficial da religião comparada; estamos apenas comparando os externos. A maneira ou modo de percepção naqueles dias é o ponto importante.
Quando entendemos isso, percebemos que a mitologia grega foi construída a partir de memórias conscientes. Os egípcios e caldeus tinham apenas uma vaga lembrança da atividade dos Anjos e Arcanjos, mas eram capazes de perceber o mundo das Forças Primárias. Parecia que eles estavam começando a perder a memória dos seres angélicos.
A mitologia persa, por outro lado, havia esquecido completamente o mundo dos Anjos ou Arcanjos, mas, ao mesmo tempo, os homens eram capazes de olhar para o mundo dos Potestados ou Espíritos da Forma. Aquilo que se encontra na mitologia grega foi esquecido pelos persas e totalmente esquecido pelos Indianos.
Quando eles olharam para o Registro Akáshico, perceberam novamente toda a sequência de eventos das épocas anteriores e criaram imagens dos eventos anteriores a partir de seu conhecimento, que, entretanto, era conhecimento divino, o qual provinha dos poderes espirituais mais altamente desenvolvidos. Isso também ajuda a explicar a grande dificuldade que os povos do Oriente experimentaram em compreender a vida espiritual do Ocidente e aquela atitude superior que adotaram em relação à vida espiritual do Ocidente.
Eles estão preparados para aceitar a civilização materialista do Ocidente, mas a cultura espiritual do Ocidente – a menos que cheguem a ela indiretamente por meio da Ciência Espiritual – permanece mais ou menos fechada para eles. Eles já haviam alcançado um alto estágio de evolução em uma época em que Cristo Jesus ainda não havia descido à Terra. Ele apenas encarnou na quarta época pós-Atlântida. Este é um evento que não poderia mais ser alcançado com as forças que o povo indiano desenvolveu. De modo a apreender a vinda de Cristo, são necessárias faculdades pertencentes a uma posição menos elevada do ‘EU’ – uma morada do ‘EU’ nas forças mais humildes da alma humana.
Os povos teutônicos não só preservaram a memória da atuação dos Anjos e Arcanjos na alma do homem, mas mesmo na época em que Cristo Jesus andou sobre a Terra sabiam que ainda estavam sujeitos a essas influências e que participavam da atividade dos Anjos e Arcanjos que ainda estavam ativos em suas almas.
Ao passar por essas experiências interiores da alma, os povos greco-latinos relembram algo por que passaram em épocas anteriores. Os povos germânicos responderam a essas experiências de forma mais pessoal. Seu ego havia despertado no estágio de existência quando os Espíritos Populares e aqueles Seres espirituais que ainda estavam sujeitos aos Espíritos Populares ainda estavam ativos em suas almas; portanto, esses povos estavam mais próximos dos eventos que ocorreram na antiga Atlântida.
Na velha Atlântida, o homem contemplava os poderes espirituais e falava de uma espécie de unidade da Divindade, porque desfrutava da percepção direta dos antigos estados primitivos da evolução humana. Naquela época ainda se percebia o domínio dos Espíritos da Sabedoria e dos Espíritos do Movimento, domínio que os indianos de uma época posterior voltaram a perceber nos Registros Akáshicos. Esses povos germânicos do Ocidente haviam se elevado um estágio acima desse nível de percepção, de modo que experimentaram diretamente a transição da velha percepção para a nova.
Eles perceberam uma tecelagem ativa de verdadeiros poderes espirituais em um momento em que o ego ainda não estava desperto. Mas, ao mesmo tempo, eles viram o despertar gradual do ‘EU’ e a penetração da alma do homem pelos Anjos e Arcanjos. Eles estavam cientes dessa transição direta. Eles preservaram uma memória clarividente de uma vida anterior que se entrelaçava, quando tudo era visto através das névoas obscuras da Atlântida e quando, desse mar de névoa, emergiu o que viemos a conhecer como os seres divino-espirituais imediatamente acima do homem.
Os antigos deuses, no entanto, que eram ativos antes dos deuses intervirem na vida da alma humana, e que agora podiam ser vistos e com os quais os homens se sentiam unidos, aqueles seres divinos que estavam ativos em um passado muito distante no tempo da velha Atlântida, eram chamados de Vanir. Depois da Atlântida, os homens viram a trama dos Anjos e Arcanjos a quem chamavam de Aesir. Eles eram os seres que, como anjos e arcanjos, estavam preocupados com o ‘EU’ do homem, que então despertou em um nível elementar.
Esses seres assumiram a liderança dos povos germânicos. Aquilo que os outros povos do Oriente tinham “atravessado dormindo”, ou seja, a percepção de como a alma, a vida interior, foi gradualmente desenvolvida por meio das várias forças que foram conferidas a ela pelos Anjos e Arcanjos normais e anormais, este processo teve de ser vivido pelos povos da Europa, começando da fase mais baixa. Eles tinham que estar totalmente conscientes para que essas forças da alma pudessem se desenvolver gradualmente.
Assim, o homem nórdico percebeu as figuras dos deuses, os seres divinos trabalhando diretamente em sua alma; ele viu a alma humana lutando para sair do Cosmos. Esta foi uma experiência direta para ele. Ele não se lembrou, em retrospecto, de como as almas dos homens foram “informadas” em seus corpos; em vez disso, ele viu tudo isso como um acontecimento imediato e presente. Ele estava lá com seu próprio ego; ele foi uma testemunha consciente disso. Mesmo até os séculos oitavo, nono e décimo dC, ele manteve esse sentimento, essa compreensão de como as forças da alma são gradualmente formadas e cristalizadas no corpo.
Em primeiro lugar, ele viu os Seres Arcangélicos que trabalharam em sua alma e o dotaram de suas potencialidades psíquicas, e o maior desses Arcanjos foi Wotan ou Odin. [Veja o Apêndice.] Ele o viu trabalhando em sua alma e como ele trabalhou. Como ele percebeu Wotan ou Odin? Quem ou o que era ele? De que forma o homem nórdico aprendeu a amar Odin e acima de tudo a compreendê-lo? Ele aprendeu a reconhecê-lo como um daqueles Arcanjos que, no passado, decidiram renunciar ao seu desenvolvimento para estágios superiores.
Ele conheceu Odin como um dos Arcanjos anormais, como uma das grandes figuras da renúncia nos tempos antigos, que assumiu o cargo de Arcanjo quando assumiu a importante tarefa de trabalhar nas almas dos homens. O homem nórdico experimentou a atividade de Odin em um momento em que ele ainda estava no processo de dar o dom da linguagem à alma encarnada do homem. A maneira pela qual o próprio Odin trabalhou com seus povos de modo a dotá-los de linguagem sobreviveu de maneira notável. Foi descrito como uma iniciação divina.
O meio pelo qual Odin adquiriu o poder de dar o dom da linguagem aos povos teutônicos é descrito da seguinte maneira: antes de adquirir essa capacidade, Odin havia se submetido à Iniciação bebendo na fonte de Mimir o gole mágico dos Deuses, aquele gole mágico que outrora uma vez, no passado primevo, havia sido o esboço dos Gigantes. Este rascunho incorporou não apenas uma forma generalizada de sabedoria, mas representou a sabedoria que vive diretamente nos sons da fala. Em sua iniciação, Odin ganhou poder sobre aquela sabedoria que vive no som.
Aprendeu a utilizá-la quando passou por uma longa Iniciação que durou nove dias e da qual foi libertado por Mimir, o antigo portador da sabedoria. Assim, Odin tornou-se Senhor do poder da linguagem. Isso explica porque a última saga remonta a língua dos bardos ou skalds até Odin. A tradição rúnica, que nos tempos antigos se pensava estar muito mais intimamente relacionada à linguagem do que a literatura e as cartas posteriores, também foi rastreada até Odin. Portanto, a maneira pela qual a alma, indiretamente, por meio do corpo etérico, e interpenetrando o corpo físico, adquiriu o poder da fala por meio do Arcanjo apropriado, é expressa nas maravilhosas histórias sobre Odin.
Arcanjos semelhantes podem ser encontrados entre os companheiros de Odin: Hönir que deu o poder do pensamento e Lödur que deu aquilo que está intimamente conectado com a raça, ou seja, a pigmentação e o caráter do sangue. Esses dois Seres, portanto, são Arcanjos mais na linha normal. Em Vili e Ve, por outro lado, temos Arcanjos de desenvolvimento anormal. São seres que trabalham mais na vida interior, nos recônditos ocultos da alma, como indiquei na última palestra.
Mas um ego que está em um estágio anormal de evolução quando testemunha o cultivo das forças subordinadas da alma humana, sente-se intimamente relacionado a um Arcanjo anormal. Odin, portanto, não é considerado um arcanjo anormal, mas sim o tipo de arcanjo cuja renúncia é semelhante à dos povos ocidentais que estão mais conscientes de que seu desenvolvimento interior foi adiado, enquanto os povos orientais ultrapassaram certos estágios de seu desenvolvimento psíquico até que despertaram para a consciência do ego. Consequentemente, vive especialmente na alma dos povos Teutônicos tudo o que está associado às forças Arcangélicas de Odin agitando-se nas profundezas primitivas da alma humana.
Quando afirmamos que os Anjos são responsáveis por transmitir aos seres humanos individuais as conquistas dos Arcanjos, também um ‘EU’ que desperta em um nível tão elementar de vida da alma está particularmente preocupado em ver que as intenções dos Arcanjos são comunicados a esse ego. Consequentemente, o homem germânico-nórdico tem interesse em um ser angélico dotado de um poder especial, mas que, ao mesmo tempo, está intimamente relacionado com o único ser humano e sua individualidade.
E esse ser é Thor. Só podemos reconhecer Thor quando vemos nele um Ser que poderia ter ascendido a um nível muito mais alto se tivesse seguido o curso normal da evolução, mas que renunciou ao avanço relativamente cedo e permaneceu no estágio de um Anjo na ordem que, no momento em que o homem despertou para a consciência do ego no curso da evolução de sua alma, ele poderia se tornar o Espírito guia na vida espiritual dos povos teutônicos. O que dá a sensação imediata de que Thor está relacionado ao ego humano individual é que o que deveria ser transmitido a cada “eu” individual do mundo espiritual pode, de fato, ser transmitido.
Se tivermos isso em mente, também compreenderemos mais claramente as informações fragmentadas que chegam até nós. É importante ter uma compreensão correta desses Deuses individuais. O homem germânico-nórdico percebeu e experimentou essa impressão da alma no corpo. Ele testemunhou a integração do ego no corpo e o nascimento da consciência do ego.
Agora sabemos que o ego está encarnado na pulsação do nosso sangue e que tudo dentro tem sua contraparte fora, que tudo que é microcósmico tem seu paralelo no macrocósmico. A obra de Odin que deu fala e sabedoria rúnica, que trabalhou indiretamente por meio da respiração, tem sua contrapartida no movimento do vento no macrocosmo. A inalação regular do ar através de nossos órgãos respiratórios, que transforma o ar em palavras e fala, corresponde aos movimentos e correntes de vento no macrocosmo externo.
Assim como sentimos dentro de nós o poder de Odin na transformação do ar em palavras, também devemos perceber sua presença e atividade nos ventos ambientais. Mas aqueles que ainda preservaram um certo grau de clarividência realmente viram a presença de Odin em todo o elemento cósmico do ar, viram como ele formava a fala através de sua respiração. Este homem nórdico é percebido como uma unidade. Assim, como aquilo que vive em nós e organiza nossa fala – isto é, na forma em que a fala existia entre os povos nórdicos – penetra no ego e faz pulsar o sangue, também a organização interna da fala no homem encontra seu paralelo no macrocosmo em trovões e relâmpagos.
O dom da palavra precede o nascimento do ego no homem. Consequentemente, o ‘EU’ é sentido em todos os lugares como o filho de Odin, a quem devemos o dom da palavra. Thor desempenha um papel ativo na implantação do ego individual e, no microcosmo, a pulsação do sangue corresponde ao trovão e ao relâmpago no macrocosmo. Assim, no macrocosmo, o paralelo à pulsação do sangue no homem é o trovão e o relâmpago nos ventos que suspiram e nas nuvens que se tecem.
O homem germânico-nórdico vê isso clarividentemente como uma unidade; ele percebe que o sussurro do vento e o lampejo do relâmpago estão intimamente relacionados à respiração. Ele vê como o ar que ele inala passa para a corrente sanguínea e faz o ‘EU’ pulsar. Hoje isso é visto como um processo físico, mas para o homem germânico-nórdico foi uma experiência astral. Ele sentiu a afinidade do fogo interno do sangue e do raio externo. Ele sentiu a pulsação em seu sangue e sabia que era a pulsação do ‘EU’.
Ele estava ciente dessa pulsação interna e sabia que ela voltaria. Mas ele não deu atenção ao processo físico externo. Tudo isso foi visto de forma clarividente. Ele sentiu que foi a ação de Thor que fez com que o pulso batesse e o sangue voltasse várias vezes para a mesma fonte. Ele sentiu a força de Thor em seu ‘EU’ como o martelo de Thor voltando sempre para sua mão; ele sentiu o poder de um dos mais poderosos Anjos que já haviam sido honrados ou reverenciados, porque ele era um Ser poderoso que foi visto como tendo permanecido no palco Angelical.
A maneira pela qual a força espiritual mantém unido o corpo físico é descrita na mitologia teutônica, onde diz que o “EU” é aquele que mantém unidos a alma e o corpo no estágio formativo. O homem germânico-nórdico vê a trama do corpo e da alma por dentro e, nos anos posteriores, ainda entende como, originando-se no astral, sua vida interior se integra, como o interior responde, por assim dizer, ao exterior. Ele ainda pode responder quando soube dos Iniciados que o homem foi construído a partir do Cosmos.
Ele foi capaz de olhar para trás, para os estágios anteriores, para o que havia sido contado a ele sobre os eventos que refletiam a relação entre os Anjos e os Arcanjos, para aqueles estágios anteriores quando o homem nasceu do macrocosmo na forma físico-espiritual. Ele foi capaz de perceber como o indivíduo foi construído a partir do macrocosmo e como ele era parte integrante dele. Ele procurou no macrocosmo por aquelas ocorrências que são refletidas no microcosmo. Ele podia distinguir no microcosmo humano, o norte microcósmico, o reino frio onde os pensamentos humanos são tecidos e de onde o corpo é suprido com os doze nervos cranianos.
Ele vê o espírito da tecelagem no que chama de Nebelheim ou Niflheim; ele vê os doze rios que convergem para formar fisicamente os doze nervos cranianos. Ele vê como as forças que emanam do Sul microcósmico, do coração humano, neutralizarem as forças de cima. Ele os procura fora do macrocosmo e entende quando lhe dizem que se chamam Muspelheim. Assim, mesmo na era cristã, ainda era possível para ele compreender o microcosmo em termos do todo macrocósmico.
E poderíamos voltar ainda mais longe e mostrar-lhe como o homem gradualmente se originou do macrocosmo como extrato de todo o mundo. Ele foi capaz de olhar para trás e entender que esses eventos têm uma longa ancestralidade, que ele mesmo ainda vê como uma obra dos Anjos e Arcanjos em sua alma. Ele percebe que esses eventos têm uma longa ancestralidade e as concepções que ele assim adquire encontramos no antigo Gênesis Teutônico, como a origem da humanidade de todo o macrocosmo.
De Ginnungagap, o abismo primitivo da mitologia teutônica, uma nova Terra emerge depois de ter passado pelas três encarnações anteriores do Antigo Saturno, Velho Sol e Antiga Lua. O mundo emergente sem forma e vazio surge novamente do Pralaya, onde os reinos da natureza ainda não são diferenciados e os homens ainda são seres indivisos e completamente espirituais. Ficou então claro para o homem nórdico como as condições posteriores se desenvolveram a partir desse abismo original.
Agora é interessante ver como os eventos daquela época são retratados na mitologia teutônica na forma de imagens imaginativas, eventos que nós, em nossos ensinamentos antroposóficos descrevemos em termos mais sofisticados, usando conceitos no lugar de imagens. Na Antroposofia, temos uma descrição dos eventos que ocorreram quando o Sol e a Lua ainda estavam unidos, da separação da Lua e da transição evolutiva para o posterior “Riesenheim”. Tudo o que existia durante a época atlante é descrito como uma continuação de épocas anteriores e é uma preocupação particular do povo teutônico ou germânico.
Hoje eu só queria dar uma ideia de como os povos germânicos despertaram para o ego ainda em um estágio elementar de evolução e como o homem nórdico percebeu em plena consciência a alma popular, a alma de Thor e assim por diante. Eu queria mostrar como, como um ser com ego, ele foi capaz de responder imediatamente à trama de Seres ainda mais elevados que, no entanto, vêm de um reino inteiramente diferente daqueles que encontramos entre os povos orientais.
Amanhã tentaremos explorar os ramos menos conhecidos da mitologia teutônica. Devemos descobrir como eles são arautos daquilo que habita nas almas populares e veremos qual é a natureza de nossas almas populares ocidentais.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 14 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 121 – Christiania (Oslo), 12 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 7
EVOLUÇÃO DOS ESPÍRITOS POPULARES AO NÍVEL DOS ESPÍRITOS DO TEMPO.
MONOTEÍSMO E PLURALISMO.
CRISTIANISMO EXOTÉRICO E ESOTÉRICO.
Se você entrar no espírito das palestras aqui ministradas nos últimos dias, poderá aceitar a ideia de que não apenas os Seres e as forças das várias Hierarquias guiam e dirigem os eventos em nossa Terra e especialmente o curso da evolução humana, mas também que os próprios seres dessas Hierarquias passam por evolução ou desenvolvimento. Falamos de como os Seres de uma Hierarquia particular intervêm para dirigir a evolução de uma raça particular, como, por exemplo, como Espíritos da Forma normais e anormais cooperam para organizar as várias raças.
Agora, a questão que nos confronta é se esses próprios Seres espirituais avançam para um nível mais alto. Quando olhamos para os tempos pós-atlantes, temos consciência de que, no curso de seu desenvolvimento, certos seres espirituais avançam para o nível imediatamente superior. Desde a catástrofe atlante, desde o início da evolução pós-Atlante, vivemos uma Era em que certos Arcanjos, certos Seres da Hierarquia dos Arcangeloi, avançam ao posto de Arqueus ou Espíritos do Tempo.
Este é um fenômeno muito interessante, pois quando observamos como os Espíritos Populares, ou Arcanjos em nossa terminologia, ascendem a um nível mais alto, só então temos uma verdadeira compreensão dos eventos cósmicos. Esse avanço na classificação está relacionado ao fato de que no final da Atlântida e por algum tempo depois, a distribuição da humanidade, a distribuição das raças, foi seguida por uma segunda migração de povos.
Se quisermos compreender o período em que ocorreu a divisão da humanidade nas cinco raças-raízes das quais já falamos, devemos olhar para os tempos antigos da Atlântida. Se quisermos averiguar quando aqueles que se tornaram a raça negra ou etíope migraram para uma área geográfica específica na África, quando aqueles que se tornaram a raça malaia migraram para o sul da Ásia, então devemos olhar para os primeiros tempos da Atlântida. Mais tarde, outras migrações seguiram essas primeiras migrações.
Quando a Terra já estava colonizada pelos núcleos desses povos, outros povos foram despachados para aquelas áreas geográficas da Terra já colonizadas. Assim, encontramos uma segunda migração nos tempos atlantes posteriores. Se quisermos compreender o padrão e a extensão da distribuição das raças na Europa, África e América na época da submersão gradual da Atlântida, e a posterior grande migração no final da época atlante, desde quando um pequeno grupo se formou pela primeira vez durante a época pós-Atlântida, então devemos perceber claramente que estamos lidando com aquela poderosa corrente da humanidade que avançou para a Ásia, para o território indiano, e que, como muitas vezes foi apontado, os núcleos dos futuros povos ficaram para atrás em diferentes pontos e destes núcleos desenvolveram-se os vários povos da Ásia, África e Europa.
Estamos aqui preocupados, portanto, com uma distribuição anterior e uma expansão posterior, com uma segunda onda. O objetivo desta segunda onda era despachar na direção oeste-leste aquelas comunidades folclóricas que estavam cada uma sob a orientação de um arcanjo. Mas esses Arcanjos, que eram os Poderes espirituais que dirigiam essas tribos ou comunidades populares, estavam em diferentes estágios de desenvolvimento; em outras palavras, alguns estavam mais próximos do que outros da categoria de Espírito do Tempo ou Espírito da Época. Temos que olhar para o Extremo Oriente para aquele movimento de povos cujo Arcanjo foi o primeiro a atingir o posto de Espírito do Tempo/Arqueu.
Esta foi a corrente que se fundiu com os habitantes originais da Índia e formou a classe dominante daquele país e, assim, lançou as bases da primeira civilização pós-Atlântida depois que seu Arcanjo foi promovido a ser o primeiro Espírito do Tempo ou Arqueu da civilização pós-Atlântida. Agora, este Espírito do Tempo dirigiu a cultura sagrada da Índia antiga e a tornou a cultura líder da primeira época pós-Atlântida. Enquanto isso, os outros povos da Ásia que estavam se desenvolvendo gradualmente ficaram por muito tempo simplesmente sob a direção dos Arcanjos.
Os povos da Europa também que permaneceram para trás durante a migração do Ocidente para o Oriente, há muito tempo estavam sob a orientação dos Arcanjos quando o Arcanjo da Índia já havia ascendido à categoria de um Arqueu, que então trabalhou por intuição sobre aqueles grandes mestres de Índia, os Santos Rishis. Através da mediação deste Espírito exaltado e importante, os Rishis foram capazes de cumprir sua alta missão da maneira já descrita. Este Espírito do Tempo trabalhou por um longo tempo, enquanto as pessoas que jaziam ao norte da Índia antiga ainda estavam sob a orientação do Arcanjo. Depois que o Espírito do Tempo da Índia cumpriu sua missão, ele foi promovido para liderar toda a evolução da humanidade pós-Atlante.
Na Antiga Época Persa, o Arcanjo tornou-se o Espírito da Personalidade, o Espírito do Tempo, de quem o grande Zaratustra ou Zoroastro, o Zaratustra original, recebeu sua inspiração. Novamente, este é um exemplo de um arcanjo, uma alma popular que ascendeu à categoria de espírito do tempo. Como afirmamos no início desta palestra, estamos vivenciando a mesma situação hoje, ou seja, que os Arcanjos, no decorrer do cumprimento de sua missão, avançam para o posto de Espíritos orientadores e governantes da época.
Na Época Egípcia-Caldéia, o Arcanjo do povo egípcio e o Arcanjo do povo caldeu, ambos ascenderam a um posto superior. Durante esta época, o Arcanjo do povo egípcio ascendeu ao posto de Espírito do Tempo líder e assumiu a direção e controle do que anteriormente cabia ao Arcanjo Caldeu. O líder na era Egipto-Caldeu, portanto, tornou-se o terceiro poderoso Espírito do Tempo, guiador, que gradualmente avançou além do posto de Arcanjo Egípcio. Mas esta também foi a época em que ocorreu outro desenvolvimento importante, um desenvolvimento paralelo ao da civilização da Egipto-caldéia e está relacionada com o desenvolvimento para o qual chamamos atenção especial em nossa última palestra.
Vimos que tudo o que está associado às tribos semitas assumiu um significado especial e que, dentre a raça semítica, Javé ou Jeová escolheu o povo semita para ser seu povo escolhido. Visto que ele havia escolhido uma raça em particular para ser seu povo especial, ele precisava, no início, enquanto esta raça se desenvolvia gradualmente, de uma espécie de arcanjo para atuar como seu vice-regente. Nos tempos antigos, portanto, o povo semítico em evolução era guiado por um arcanjo que estava sob a inspiração contínua de Javé ou Jeová e, posteriormente, esse próprio arcanjo cresceu e se tornou um espírito do tempo.
À parte dos Espíritos do Tempo em evolução comum dos antigos povos indianos, persas e caldeus antigos havia ainda outro Espírito do Tempo que desempenhou seu próprio papel especial, trabalhando com um povo específico. Este é um Espírito do Tempo que, de certo modo, aparece na missão de um Espírito da Nação, um Espírito do Tempo que devemos chamar de Espírito Semítico da Nação. Sua tarefa era de um tipo muito especial. Você entenderá isso se tiver em mente que, na realidade, essa pessoa em particular foi destacada do curso normal de evolução para orientação especial.
Por meio desses arranjos especiais, este povo foi encarregado de uma missão que foi de particular importância para a época pós-atlântica e que se distinguiu das missões de todos os outros povos. Pode-se entender melhor essa missão do povo semita comparando-a com as missões dos vários povos da época pós-Atlântida.
A humanidade está sujeita a duas correntes espirituais. A primeira tem seu ponto de partida na monadologia ou pluralismo*.
*Nota do tradutor – Pluralismo: a teoria que reconhece mais de um princípio último em ontologia. Monadologia: doutrina das mônadas formulada por Leibnitz. Monismo: a doutrina que tenta explicar os fenômenos do Cosmos por uma substância última.
Para dar-lhe seu nome correto. Essa teoria reconhece mais de um princípio último em ontologia. Aonde quer que você vá, você descobrirá que, garantidamente, os povos da época pós-Atlântida partiram de uma pluralidade de aspectos do Divino – a trindade da Índia antiga, mais tarde simbolizada nas figuras de Brahma, Shiva e Vishnu; a trindade de Odin, Hönir e Lödur da mitologia alemã.
Você encontrará uma trindade em todos os lugares e esta trindade subdividida em uma pluralidade. Essa característica é peculiar não apenas aos mitos e ensinamentos sobre os Deuses, mas também às filosofias onde a encontramos novamente na forma de monadologia. É essa corrente que, por partir do pluralismo ou da monadologia, pode oferecer a maior variedade possível. Foi na época pós-Atlântida que, partindo do Extremo Oriente da Índia e seguindo uma ampla curva através da Ásia até a Europa, essa doutrina do pluralismo que afinal se expressa na Antroposofia por nosso reconhecimento de uma série de Seres e Hierarquias amplamente diferentes, foi representado das mais diversas maneiras e em uma ampla variedade de formas.
A polaridade para o pluralismo era o monismo, a doutrina de que um princípio de ser ou substância última constitui a realidade subjacente do mundo físico. Os verdadeiros inspiradores do culto a uma única divindade, aqueles que deram o impulso ao monoteísmo e ao monismo são os povos semitas. É natural para eles, e se você se lembra do que eu disse na palestra desta manhã, é sua missão representar o único Deus, o Monon.
Aquele que, examinando o Universo, persistiu em explicar os fenômenos do Cosmos por um único princípio último, um monon, permaneceria prisioneiro de suas limitações. O monismo ou monoteísmo em si só pode representar um ideal último; nunca poderia levar a uma compreensão real do mundo, a uma visão abrangente e concreta do mundo. No entanto, na era pós-Atlântida, a corrente do monoteísmo também teve que ser representada, de modo que a ânsia, o impulso para o monoteísmo recaísse sobre um único povo, o povo semita.
O princípio monístico se reflete neste povo por uma certa rigidez ou inflexibilidade, enquanto todos os outros povos, na medida em que suas diferentes divindades são compreendidas em uma unidade, recebem deles o impulso para o monismo. O impulso monístico sempre veio do povo semita. Os outros povos tendem ao pluralismo.
É extremamente importante que isso seja considerado e quem se preocupa com a continuidade do antigo impulso hebraico encontrará os extremos do monoteísmo dos dias atuais entre os rabinos eruditos, no rabinismo. A tarefa desse povo em particular é propagar a doutrina de que o princípio único último fundamenta o mundo. A tarefa de todas as outras nações, povos e espíritos do tempo era analítica; para representar o Princípio do Mundo único como articulado em diferentes Seres. Na Índia, por exemplo, a abstração final da Unidade subjacente a todas as coisas foi dividida em uma tri-unidade, assim como o único Deus do Cristianismo está dividido em Três Pessoas.
A tarefa das outras nações era ‘analisar’ a Realidade última e, assim, fornecer aspectos particulares dela com conteúdo abundante, preencher-se com um rico material para aquelas representações que podem apreender fenômenos com compreensão simpática. A tarefa do povo semita era evitar todo pluralismo e se dedicar à síntese, à doutrina de uma substância. Daí o poder da especulação, o poder do pensamento sintético ilustrado pelo Cabalismo, é insuperável precisamente porque deriva desse impulso.
Tudo o que poderia ser destilado do princípio unitário pela atividade sintetizadora do ‘EU’ foi destilado pelo espírito semítico no curso de milhares de anos. Este é o significado da influência semítica no mundo e ilustra a polaridade entre pluralismo e monismo. O monismo não é possível sem pluralismo. O pluralismo não é possível sem monismo. Devemos reconhecer a necessidade de ambos.
A linguagem do fato objetivo frequentemente leva a conclusões bem diferentes daquelas que são motivadas pelas simpatias ou antipatias prevalecentes. Portanto, devemos ter uma compreensão clara das tarefas dos Espíritos Populares individuais. Considerando que os líderes de vários povos na Ásia e na África há muito haviam ascendido à categoria de Espíritos do Tempo ou Espíritos da Personalidade e, de fato, alguns deles esperavam transformar-se de Espíritos do Tempo para o próximo nível superior, para Espíritos da Forma – apenas como, por exemplo, aquele Espírito do Tempo que estava ativo na Índia antiga já havia ascendido em certos aspectos ao posto de Espíritos da Forma – os vários povos da Europa estiveram por muito tempo ainda sob a direção de seus Arcanjos individuais.
Não foi antes da quarta Época pós-Atlântida que o Arcanjo da Grécia antiga se elevou acima dos vários povos da Europa, que ainda estavam sob a orientação de seus Arcanjos, ao nível de um Espírito do Tempo. Ele se tornou o principal Espírito do Tempo da quarta Época pós-Atlântida, a Época Greco-Latina. Assim, o Arcanjo da Grécia avançou ao posto de ser Arqueu, um Espírito de Personalidade. Depois que ele se tornou um Espírito do Tempo, a influência desse Arcanjo grego se estendeu por toda a Ásia, África e Europa, que procurava a Hélade em busca de sua cultura.
Enquanto o Arcanjo dos gregos se desenvolveu em um Arqueu, o Espírito do Tempo dos egípcios e dos persas avançou na evolução em direção à Hierarquia dos Espíritos da Forma. Estamos agora prestes a tocar em algo excepcionalmente interessante no curso da evolução pós-Atlante.
Como consequência de seu desenvolvimento anterior, o Arcanjo Grego foi capaz de passar com relativa rapidez por aquele estágio de desenvolvimento que o qualificou para uma posição especialmente proeminente como Espírito da Época (Espírito do Tempo). Portanto, algo da maior importância ocorreu na quarta época pós-Atlântida.
Pois bem, naquela época aconteceu, como sabemos, o Mistério do Gólgota, por meio do qual a humanidade recebeu o Impulso de Cristo. Este impulso foi destinado, no decorrer dos séculos e milênios seguintes, a se espalhar gradualmente por toda a Terra. Sem esta consumação do Gólgota, sem a atividade de certos Seres orientadores e dirigentes das hierarquias, isso não poderia ter sido alcançado. Um evento muito notável e interessante ocorreu agora.
Em um momento definido de tempo que coincidiu aproximadamente com a descida de Cristo à Terra, o Espírito do Tempo grego renunciou para a nossa época atual a possibilidade de ascender à Hierarquia dos Espíritos da Forma e tornou-se o Espírito do Tempo guia que então atua através das épocas sucessivas. Ele se tornou o Espírito guia representativo do Cristianismo exotérico, de modo que o próprio Arqueu, o Espírito guia dos gregos, formou ele mesmo a vanguarda do Impulso Cristão.
Em consequência, a Grécia antiga declinou rapidamente na época da expansão do Cristianismo, porque havia rendido seu Espírito do Tempo para que ele pudesse se tornar o líder do Cristianismo exotérico*. O Espírito do Tempo grego tornou-se então o missionário, o inspirador, ou melhor, o Espírito intuidor do Cristianismo exotérico em expansão. Aqui temos um exemplo concreto de um ato de renúncia, tal como falamos.
* Atenção: o prefixo grego eso significa tudo que é voltado para dentro, enquanto exo quer dizer para fora. Um livro muito técnico, portanto, pode ser considerado esotérico – já que o conhecimento é mais aprofundado e acessível para poucos. Um livro didático, por outro lado, é exotérico por estar aberto a muitas pessoas.
Como o Espírito do Tempo grego cumpriu sua missão na quarta era pós-Atlântida de maneira tão admirável, ele agora poderia avançar na evolução em direção a uma Hierarquia superior. Mas ele renunciou a essa possibilidade e, ao fazê-lo, tornou-se o espírito guia do cristianismo exotérico em expansão e, nessa qualidade, continuou a trabalhar entre os vários povos.
Um ato semelhante de renúncia ocorreu em outra ocasião, e esta segunda instância é de particular interesse para estudantes de Ciência Espiritual. Enquanto na Ásia, incluindo Egito e Grécia, os vários Arcanjos estavam avançando para a categoria de Espíritos do Tempo, existiam na Europa povos e tribos isolados que eram guiados por seus vários Arcanjos. Assim, enquanto os Arcanjos correspondentes que foram enviados em tempos antigos do Ocidente para o Oriente avançaram à categoria de Espíritos do Tempo, ainda existia na Europa um Arcanjo que atuou nos povos germânicos e especialmente nos celtas, nesses povos que, na época da fundação do Cristianismo, ainda estavam espalhados por uma grande área da Europa Ocidental, estendendo-se pela Hungria, pelo sul da Alemanha e pelos países alpinos.
Esses povos tinham o Espírito Popular Celta como seu Arcanjo. Os povos pertencentes ao Espírito Popular Celta também habitavam uma área que se estendia até o nordeste da Europa. Eles foram guiados por um importante Arcanjo que, logo após o impulso cristão ter sido concedido à humanidade, renunciou à possibilidade de se tornar um Arqueu, um Espírito da Personalidade e optou por permanecer no estágio de Arcanjo e se subordinar no futuro aos diferentes Espíritos do Tempo que surgiriam na Europa. Consequentemente, os povos celtas também declinaram como um povo unido porque seu Arcanjo fez um ato especial de renúncia e empreendeu uma missão especial. Este é um exemplo típico de como, em tal caso, um ato de renúncia ajuda a iniciar missões específicas.
Agora, o que aconteceu com o Arcanjo dos povos Celtas depois que ele renunciou à possibilidade de se tornar um Espírito de Personalidade? Ele se tornou o inspirador do Cristianismo Esotérico*. Todos os ensinamentos e impulsos subjacentes do Cristianismo Esotérico, especialmente do Cristianismo Esotérico real e verdadeiro, têm sua fonte em suas inspirações. O santuário oculto para aqueles que foram iniciados nestes mistérios estava situado na Europa Ocidental e lá o impulso espiritual foi transmitido por este Espírito guia que originalmente havia passado por um treinamento importante como Arcanjo do povo celta, renunciou à sua promoção a um posto superior e havia empreendido outra missão – a de se tornar o inspirador do Cristianismo Esotérico que estava destinado a viver mais nos Mistérios do Santo Graal, no Rosacrucianismo.
* Atenção: O prefixo grego eso significa tudo que é voltado para dentro, enquanto exo quer dizer para fora. Um livro muito técnico, portanto, pode ser considerado esotérico – já que o conhecimento é mais aprofundado e acessível para poucos. Um livro didático, por outro lado, é exotérico por estar aberto a muitas pessoas.
Aqui está um exemplo de um ato de renúncia, um sacrifício por parte de um desses Seres das Hierarquias. Ao mesmo tempo, oferece um exemplo concreto que ilustra o significado desse sacrifício. Embora este Arcanjo pudesse ter avançado ao nível de um Arqueu, ele permaneceu no estágio de Arcanjo e, em consequência, foi capaz de guiar a importante corrente do Cristianismo esotérico cuja influência está destinada a ser promovida por meio dos diferentes Espíritos do Tempo.
Não importa como esses Espíritos do Tempo possam trabalhar, esse Cristianismo Esotérico permanecerá uma fonte viva, capaz de ser renovado e metamorfoseado sempre e novamente sob a influência de diferentes épocas. Aqui, então, está outro exemplo que ilustra um ato de renúncia, enquanto nós, por outro lado, estamos testemunhando em nossa época, especialmente o poderoso espetáculo de Espíritos Populares avançando à categoria de Espíritos do Tempo.
O Espírito do Tempo, que era o Espírito Popular na era Greco-Latina, tornou-se, como você sabe, aquele Espírito do Tempo que mais tarde se preocupou com a expansão do cristianismo exotérico. A história romana posterior também foi guiada por uma espécie de Espírito do Tempo que havia subido da posição de Arcanjo dos antigos romanos e juntou forças com o Espírito do Tempo Cristão a fim de coordenar suas atividades. Ambos foram os mestres daquele Arcanjo que guiou os povos germânicos, foram um de seus Arcanjos-guia e então ascenderam à categoria de Espírito do Tempo da quinta época pós-Atlântida. Mas ainda havia muito a ser feito.
Era essencial que os diferentes elementos folclóricos dos povos da Europa fossem mesclados e individualizados. Isso só foi possível pelas seguintes razões:
– Enquanto na Ásia e na África os Arcanjos há muito haviam avançado ao posto de Espíritos do Tempo, a Europa ainda estava sob a orientação dos próprios Arcanjos. Os povos individuais, indiferentes aos Espíritos do Tempo e guiados por suas várias Almas Folclóricas, foram totalmente entregues aos impulsos do Espírito Folclórico. Na época em que o impulso cristão começou a permear a humanidade, a Europa foi palco da atividade simultânea de muitos Espíritos Populares, cheios de um espírito de liberdade, cada um agindo de forma independente e que, portanto, dificultou a um Espírito do Tempo da quinta época surgir, o qual poderia dirigir os vários Espíritos Folclóricos.
O povo francês, por exemplo, foi o produto da mistura de celtas, francos e latinos e, em consequência, toda a orientação seguiu naturalmente um padrão claramente definido. Ele passou dos vários Arcanjos guias, que haviam recebido outras tarefas, para as mãos de outros. Já indicamos qual era a missão do Arcanjo-guia dos celtas; da mesma forma poderíamos indicar quais eram as missões dos Arcanjos dos outros povos. Portanto, entre os povos que eram produtos da miscigenação, outros Arcanjos apareceram que assumiram o controle quando os vários elementos se misturaram.
Assim, durante um longo período – e mesmo na Idade Média – a liderança na Europa Central e do Norte estava principalmente nas mãos dos Arcanjos, que foram apenas gradualmente influenciados por aquele Espírito do Tempo comum que estava na vanguarda do Impulso de Cristo. Os vários Espíritos Folclóricos da Europa frequentemente se tornavam servos do Espírito do Tempo Cristão. Os Arcanjos Europeus colocaram-se a serviço deste Espírito do Tempo Cristão universal, enquanto os vários povos dificilmente estavam em posição de permitir que qualquer um dos Arcanjos avançasse para a categoria de Espírito do Tempo.
A partir do século XII, mas não antes dos séculos XVI e XVII, que os primeiros passos foram dados para o desenvolvimento do Espírito do Tempo-guia da quinta época pós-Atlântida que ainda nos dirige hoje. Ele pertence aos grandes Espíritos do Tempo dirigentes, da mesma forma que aqueles que foram os grandes Espíritos do Tempo dirigentes durante as épocas Egipto-Caldeia-Babilônica, da Antiga Persa e Indiana.
Mas esse Espírito de nossa quinta época pós-Atlântida trabalha de uma maneira única. Ele teve, com efeito, de entrar em uma espécie de compromisso com um dos antigos Espíritos do Tempo que estavam ativos antes do nascimento do impulso cristão, a saber, com o Espírito do Tempo do antigo Egito, que, como ouvimos, havia ressuscitado um certo respeito pela posição de um Espírito da Forma. Assim, nossa atual quinta época pós-Atlântida é realmente governada por um Espírito do Tempo que de certa forma está muito sujeito à influência e aos impulsos do Espírito do Tempo do antigo Egito e que é um Espírito da Forma em um estágio elementar.
Essa foi a fonte de muitas clivagens e divisões de nosso tempo. Na quinta época pós-Atlântida, nosso Espírito do Tempo está se esforçando para elevar-se ao Espiritual e elevar a quinta época pós-Atlântida a um estágio superior. Mas isso não exclui uma tendência ou inclinação para o materialismo. De acordo com os vários Arcanjos, as várias Almas Folclóricas são mais ou menos inclinadas a esta tendência materialista, então surge sob a orientação deste Espírito do Tempo da quinta época pós-Atlântida um povo mais ou menos materialista que inclina o Espírito da Época mais na direção do materialismo. Por outro lado, um povo idealista inclina o Espírito da Era mais para o idealismo.
Agora, do século XII ao século XVI algo se desenvolveu gradualmente, trabalhando (em certo aspecto) em paralelo com o Espírito do Tempo Cristão – que continua a atividade do Espírito do Tempo Grego – de modo que, de fato, de maneira notável, fluiu em nossa cultura do Espírito do Tempo Cristão unido a um Espírito do Tempo próprio da quinta época pós-Atlântida; e novamente houve um influxo de impulsos do antigo Egito, cujo Espírito do Tempo havia avançado até certo nível entre os Espíritos da Forma.
Agora, precisamente porque esse trifólio está em ação em toda a nossa cultura, foi possível que as almas populares e padrões culturais de tipos e compleições amplamente diferentes emergissem na quinta época pós-atlântica. Tornou-se possível para o Espírito do Tempo manifestar a maior diversidade. Os Arcanjos que receberam ordens do Espírito do Tempo trabalharam de muitas maneiras.
Aqueles de vocês que vivem na Escandinávia se interessarão por algo que examinaremos de perto em nossas próximas palestras. A seguinte pergunta será de particular interesse para você: qual a forma da atividade daquele Arcanjo que uma vez foi enviado à Noruega com os povos nórdicos, os povos escandinavos, e dos quais os vários Arcanjos da Europa, especialmente os da Europa Ocidental, Central e do Norte, recebeu suas inspirações?
Aos olhos do mundo, seria considerado o cúmulo da tolice falar daquele centro espiritual no continente da Europa que outrora irradiava os impulsos espirituais mais poderosos, o centro que foi a sede de espíritos exaltados perante o povo celta. O Espírito como Arcanjo Celta havia estabelecido um novo centro no Alto Castelo do Graal. O Arcanjo dos povos do Norte recebeu pela primeira vez a sua missão naquele lugar que, na antiguidade, foi o centro espiritual da Europa. Deve parecer o cúmulo da tolice, como eu disse, se formos indicar como a fonte central de inspiração para as várias tribos germânicas aquele distrito que agora fica sobre a Alemanha Central – não realmente na Terra, mas pairando sobre ela.
Se você fosse descrever um arco para incluir as cidades de Detmold e Paderborn, você delimitaria a região de onde os Espíritos mais exaltados foram enviados em suas várias missões ao norte e ao oeste da Europa. Consequentemente, como o grande centro de inspiração espiritual estava situado ali, a lenda conta que Asgard realmente se localizou neste lugar da Terra. Lá, no passado remoto, estava o grande centro de inspiração; nos anos posteriores, sua missão espiritual foi assumida pelo Castelo do Graal.
Os povos da Escandinávia, com seus primeiros Arcanjos, eram naquela época dotados de potencialidades bastante diferentes, potencialidades que hoje se refletem apenas na configuração peculiar da mitologia escandinava. Se compararmos, no sentido oculto, a mitologia escandinava com outras mitologias, podemos saber que esta mitologia nórdica retrata a predisposição nativa do Arcanjo que foi enviado em sua missão à Escandinávia, aquela predisposição nativa que manteve sua forma original e que é peculiar a uma criança cujos talentos particulares, dons latentes, etc., permanecem em um estágio infantil.
O arcanjo que foi enviado à Escandinávia incorpora aquelas potencialidades que mais tarde foram expressas na configuração peculiar da mitologia escandinava. Aqui reside a grande importância da mitologia escandinava para a compreensão do ser real e interior da Alma Popular Escandinava. Aqui, também, reside o grande significado que a compreensão desta mitologia tem para o desenvolvimento posterior deste Arcanjo que certamente tem a potencialidade de ascender à posição de um Arqueu.
Mas, para este fim, ele deve desenvolver de uma maneira específica aquelas potencialidades nativas que (em certos aspectos) foram ofuscadas pela influência crescente daquele Espírito do Tempo que estava na vanguarda do Cristianismo exotérico. Embora a mitologia germânico-escandinava e a mitologia grega sejam curiosamente semelhantes em muitos aspectos, devo salientar que não há outra mitologia que, em sua composição peculiar e desenvolvimento característico, dê uma imagem mais profunda ou mais clara da evolução cósmica do que esta mitologia escandinava, de modo que esta imagem pode servir como um esboço preliminar para a visão antroposófica da evolução do mundo.
Assim, a mitologia germânica, da maneira como foi desenvolvida a partir dos poderes nativos do Arcanjo, é, em suas imagens, intimamente semelhante à concepção antroposófica do mundo tal como deverá crescer no decorrer do tempo para toda a humanidade. O problema será como essas potencialidades originais e nativas de um Arcanjo podem ser desenvolvidas após serem nutridas pelo Espírito do Tempo Cristão.
Essas potencialidades poderão se tornar um elemento importante no Espírito do Tempo norteador quando, em um estágio posterior da evolução de um povo, esse povo tiver aprendido a desenvolver e aperfeiçoar as potencialidades com as quais foi dotado em uma época anterior. Com relação a isso, apenas indicamos um problema importante, uma evolução importante de um arcanjo europeu.
Indicamos até que ponto ele tem potencialidade para se desenvolver para um Espírito do Tempo. Devemos parar neste ponto por enquanto. Devemos então continuar nossas investigações, quando nos esforçarmos, por meio da análise da configuração da alma popular, para realizar um estudo esotérico da mitologia, e uma seção especial será dedicada a uma descrição das características muito interessantes da mitologia germânica, e também da mitologia escandinava em particular.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 12 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 121 – Christiania (Oslo), 12 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 6
AS CINCO RAÇAS RAÍZES DA HUMANIDADE.
É uma questão muito complicada, como você bem pode imaginar, quando os Espíritos das diferentes Hierarquias têm que coordenar suas forças de tal forma para que a missão da Terra possa ser cumprida e, finalmente, um estado de balanço ou equilíbrio seja alcançado. Você compreenderá, portanto, que afirmações como as feitas em nossa última palestra são válidas apenas enquanto se referem a um período definido de evolução e que todo o quadro muda imediatamente quando retrata a evolução em outro período. Portanto, para chegar a uma compreensão mais completa desses problemas complexos, um determinado curso de palestras não pode ser isolado do resto.
Vou chamar aqui a atenção para apenas um ponto e o que estou prestes a dizer deve ser tomado como nota de rodapé ou adendo às palestras sobre as Hierarquias Espirituais.
* Este curso de palestras foi ministrado em Düsseldorf, em abril de 1909, e intitulado: Hierarquias Espirituais e seu Reflexo no Mundo Físico. Zodíaco, Planetas, Cosmos.
Na criação da harmonia ou equilíbrio de nossa Terra, toda a cooperação das Hierarquias está envolvida e devemos imaginar os Espíritos da Vontade, os Querubins e Serafins, que descrevemos ontem como a Hierarquia mais elevada, irradiando do interior da Terra. Devemos imaginar esses seres trabalhando originalmente para dentro do Universo em direção ao centro da Terra. O homem não se dá conta dessas forças no primeiro aspecto, mas apenas no último aspecto, quando elas são refletidas do centro da Terra.
Você só poderá, portanto, formar um quadro completo dos processos íntimos que aqui ocorrem se comparar o que foi dito em minha última palestra com as informações mais detalhadas sobre as Hierarquias no curso-palestra ministrado em Düsseldorf, em que um quadro abrangente foi dado da atividade cósmica das três Hierarquias. Essas coisas não são de forma alguma tão simples, e para tornar compreensível a missão da Terra, devemos abordar esse problema de forma que estejamos preparados para aceitar que os Espíritos dessas Hierarquias se refletem nos elementos da existência terrestre.
Se você tiver isso em mente, também sentirá a infinita sabedoria inerente a um universo de relacões. Até certo ponto, também sentirás que o campo do conhecimento deve ser continuamente ampliado, que é ilimitado, pois as coisas são tão complicadas que, quando imaginamos que alcançamos um ponto de vista, imediatamente o rejeitamos em favor de outro que ilumina o problema de um ângulo diferente. Só podemos avançar passo a passo em nosso conhecimento: não obstante, a partir das indicações dadas na última aula, especialmente no encerramento dessa aula, você terá uma compreensão mais clara da cooperação entre os Espíritos da Forma normais e anormais, uma cooperação que garante que a população da Terra não deve ser limitada a uma única espécie homogênea espalhada por toda a Terra, mas que uma diversidade de raças individuais possa ser possível.
Para alcançar essa humanidade corporativa, que só é possível ao homem no curso da evolução da Terra, teria sido necessário que os Espíritos da Forma normais agissem independentemente. Esses são os mesmos Seres espirituais que em Gênesis são chamados de Elohim. Em todo o Universo que circunda a Terra e junto com a Terra forma um único todo, podemos distinguir sete desses Espíritos da Forma normais. Existem, portanto, sete Espíritos da Forma ou sete Elohim. Se quisermos formar uma concepção desses sete Elohim com suas várias missões e sua tarefa de estabelecer a Harmonia ou o Amor como a missão final da Terra, devemos entender claramente que esses sete Espíritos da Forma cooperam de forma que o que descrevemos na quarta aula como “o homem no segundo terço de sua vida” se torna uma realidade.
Assim, se todos esses sete Espíritos da Forma pudessem trabalhar de acordo com sua intenção declarada, então, coletivamente, formariam o verdadeiro EU humano. Mas como outros Seres espirituais cooperam com eles e diversificam esta humanidade uniforme, foi necessário fazer preparações especiais no Cosmos. Se hoje você deseja encontrar no Cosmos a esfera de atividade dos Espíritos da Forma normais – aqueles Seres que, como eu descrevi ontem, brilham sobre nós na luz de nosso Cosmos presente – então você deve procurá-los no Sol.
Você deve sempre olhar para a esfera do Sol para aquele “Abrigo” cósmico, aquela comunidade no Universo, onde esses Espíritos da Forma planejam estabelecer a harmonia terrena e cumprir a missão de evolução da Terra.
Para que a atividade dos Espíritos da Forma anormais não provocasse uma desarmonia muito grande entre os homens, um dos Espíritos teve que se desligar da comunidade. Portanto, apenas seis Espíritos da Forma ou Elohim trabalham do Sol; um desses Espíritos teve que se desligar para que a atividade simultânea dos Espíritos da Forma anormais, que são na verdade Espíritos do Movimento, não perturbasse o equilíbrio ou a harmonia.
Foi o Espírito que na Bíblia, no Gênesis, é chamado de Javé ou Jeová. Se você deseja seguir Sua atividade no Universo, você deve procurá-la, não na esfera do Sol, mas na esfera da Lua em uma época particular. Mencionei isso em minha “Ciência Oculta – um esboço” de outro ângulo, onde mostrei que os Espíritos da Forma se retiram com a separação do Sol, mas na disposição especial após a separação da Lua, as condições preliminares foram estabelecidas pela primeira vez para a evolução posterior do homem.
Pois, se a Lua tivesse permanecido unida à Terra, a evolução do homem não poderia ter ocorrido. Esta evolução posterior do homem só foi possível porque um dos Elohim, Jahve, acompanhou a separação da Lua – enquanto os outros seis Espíritos permaneceram no Sol – e porque Jahve cooperou com Seus seis colegas para neutralizar as forças dos Espíritos do Movimento atrasados.
Agora, a separação do Sol era uma necessidade pelas seguintes razões: depois que certos Espíritos do Movimento mais antigos que possuíam forças mais potentes do que os Espíritos da Forma – pois eles estão mais altos nas Hierarquias – decidiram ficar para trás, Os Espíritos da Forma normais eram obrigados a modificar sua atividade destacando-se um de seus membros, caso contrário não teriam sido capazes de estabelecer o equilíbrio ou a harmonia necessária para uma evolução posterior.
Se quisermos ter uma ideia clara das atividades destes Espíritos da Forma normais, é melhor pensar neles como fluindo até nós através da luz do sol. Se, entretanto, desejamos entender como os Espíritos da Forma anormais cooperam com os Espíritos da Forma normais que estão centrados no Sol (pois Jahve se retirou em direção à esfera da Lua apenas com o propósito de estabelecer o equilíbrio), então devemos imaginar que uma certa força solar, que flui em nossa direção nos Espíritos da Forma normais, é modificada pela força que nos irradia dos Espíritos da Forma anormais que são, em verdade, Espíritos do Movimento. Estes têm seu centro nos outros cinco planetas, em Saturno, Júpiter, Marte, Vênus e Mercúrio, falando em termos dos sete corpos celestes da astronomia antiga.
Quando você olha para o Cosmos, você tem agora uma imagem da distribuição dos Espíritos da Forma normais e anormais. Seis dos Espíritos da Forma normais estão centrados no Sol e um deles, Javé ou Jeová, na esfera da Lua, que atua como contrapeso em virtude dessa função de Regente e Guia dessa esfera. As atividades desses Espíritos da Forma são influenciadas pelas atividades procedentes de Saturno, Júpiter, Marte, Vênus e Mercúrio. As forças dos Espíritos anormais fluem para baixo sobre a Terra, são absorvidas pela Terra e irradiam novamente do centro da Terra, como foi descrito no final da última palestra.
Assim, se os Elohim ou Espíritos da Forma normais, operando do Sol, estão ativos em uma região particular da superfície da Terra, então apenas o ‘Eu’ normal, que determina o ser normal do homem, sua constituição geral, entraria na existência naquela região particular. Agora, as forças de Mercúrio, por exemplo, se misturam às forças dos Espíritos da Forma normais que, se não fossem pelo estado de equilíbrio, “dançariam” sobre a superfície da Terra.
Portanto, aquilo que aqui se manifesta nas forças potentes dos Espíritos da Forma, dançam e vibram não apenas as forças normais, mas também aquelas que se mesclam com as forças normais dos Elohim ou Espíritos da Forma, ou seja, aquelas que emanam dos Espíritos da Forma anormais que estão centrados nos vários planetas. Assim, vemos que, por meio desses Espíritos da Forma anormais, existem cinco centros potenciais de influência onde essas forças planetárias refletidas estão concentradas e produzem o que conhecemos como as cinco Raças Raiz da Terra.
Vamos agora olhar mais de perto para o centro que, na quarta aula, situamos no interior da África. Se afirmarmos que a raça negra nasceu da cooperação entre os Espíritos da Forma normais e os Espíritos da Forma anormais centrados em Mercúrio, então, do ponto de vista ocultista, estamos perfeitamente corretos ao descrever a raça negra como a “raça de Mercúrio”.
Vamos agora continuar ao longo da linha que une os centros ou pontos focais a partir dos quais as raças individuais se espalham para fora. Chegamos então à Ásia, que é a sede da “Raça de Vênus” ou da Raça Malaia. Em seguida, movemo-nos para o norte através da vasta extensão da Ásia e encontramos a Raça Mongol, que é formada pelas forças de Marte. Então cruzamos para a Europa e encontramos os europeus que em seu caráter racial original são “homens de Júpiter”. Se cruzarmos o oceano para a América, que é o centro onde morrem civilizações ou raças, encontraremos lá a negra “raça de Saturno”: a raça indígena vermelha original. A raça dos índios americanos é a “raça de Saturno”. Assim, se você examinar o assunto mais de perto do ponto de vista oculto, você se tornará ciente dos cinco centros onde as forças planetárias estão concentradas e se manifestam no mundo externo.
Com uma concepção progressivamente mais definida e concreta dessa distribuição racial, você desenvolverá uma compreensão interna das características raciais peculiares aos povos espalhados pela Terra, uma compreensão desta cooperação única dos Espíritos da Forma normais e anormais. Assim, esboçamos a imagem, pois somos capazes de capturá-la em um momento definido no tempo. Mas o que eu disse sobre os diferentes centros da Terra é novamente válido apenas para uma época específica de evolução.
É válido para a época em que, em um determinado momento da antiga evolução atlante, os povos começaram a migrar de um centro na Atlântida e buscaram o centro particular onde pudessem receber o “treinamento adequado à sua raça”.
Portanto, em meu livro Ciência Oculta, apontei que nos antigos Centros de Mistérios específicos da Atlântida, chamados de Oráculos Atlantes, eram responsáveis por direcionar esta distribuição dos povos sobre a Terra, de modo que, de fato, aquele estado de equilíbrio ou balanço pudesse ser alcançado e levasse à distribuição adequada das raças. Em um desses Oráculos de Mistérios, as verdades das quais estamos falando agora foram sempre investigadas e, originalmente, o homem tomou sua orientação inteiramente delas. Desta forma, os eventos na Terra foram determinados de acordo com esses centros espirituais.
A onda de povos que permeou a África e se cristalizou na raça etíope é a expressão de um impulso do Oráculo de Mercúrio onde se podia observar claramente a cooperação dos Espíritos da Forma normais (os seis Elohim e Jahve ou Jeová) e também a participação dos Espíritos da Forma anormais que trabalham no Centro de Mercúrior. O centro de equilíbrio na Terra foi selecionado de acordo com a conjunção astrológica correta de forças planetárias nos vários centros e o ponto de radiação para a raça em questão foi determinado assim.
A formação das outras raças também foi determinada de forma semelhante. De acordo com esses fatores determinantes, o grande projeto é traçado, mapeando as influências cósmicas em relação aos povos, famílias, etc. É uma imagem da atividade cósmica e reflete as forças planetárias que fluem para a Terra, fluem do interior da Terra e determinam o destino do homem.
Agora, como vemos um membro da raça etíope, da raça de Mercúrio? Nós o vemos como aquele que foi originalmente escolhido, que foi predestinado pelos Elohim para expressar a quintessência do todo-humano. Mas, do Centro de Mercúrio, as influências potentes dos espíritos anormais da forma intervieram e modificaram a forma do homem a tal ponto que surgiu a raça etíope. E esse foi o caso com cada raça individual.
As migrações dos povos eram dirigidas especificamente a partir do centro original; isso é indicado pela linha que liga os pontos focais ou centros em meu diagrama há alguns dias. Você deve, portanto, imaginar os Espíritos da Forma irradiando de um centro, que, devemos supor, existiu em um momento definido na velha Atlântida. Esses Espíritos da Forma irradiaram-se para o continente atlante e formaram-no de tal maneira que as almas humanas foram colocadas sob o domínio dos correspondentes Espíritos da Forma anormais.
Desta forma, as bases das raças foram estabelecidas, e quando o homem olha para a extensão infinita do Macrocosmo, ele deve buscar lá as forças das quais ele foi construído. Ele é formado por seus raios espirituais refletidos do centro da Terra. E quando ele olha para os Espíritos da Forma normais, os Elohim, ele está olhando para o que realmente o torna homem. Quando ele olha para as forças concentradas nos Espíritos planetários individuais (com exceção do Sol e da Lua), ele percebe as forças que determinam seu pertencimento a uma raça particular.
Agora, como esses Espíritos da Raça atuam no homem e sobre ele? Eles trabalham de uma maneira única: eles o permeiam com suas energias vitais, eles o penetram até mesmo em seu corpo físico. Agora você sabe que os quatro membros fundamentais do homem encontram sua impressão e são refletidos nas partes correspondentes do corpo físico: o ‘eu’ encontra sua impressão no sangue, o corpo astral no sistema nervoso, o corpo etérico ou vital no sistema glandular. Apenas o corpo físico é autossuficiente; é um reflexo de seu próprio ser interior que, para o homem do presente, está sujeito às suas próprias leis fixas.
Agora, aqueles Seres espirituais que estão agitando o homem e determinam seu caráter racial não podem, a princípio, trabalhar diretamente em seus veículos superiores. Eles estão ativos, antes de tudo, nesses reflexos dos veículos superiores no corpo físico. Eles ainda não podem entrar diretamente no corpo físico, mas são ativos nos três outros membros, no sangue que é o reflexo do ‘eu’; no sistema nervoso, o reflexo do corpo astral; e no sistema glandular que é o reflexo do corpo etérico. Os Espíritos da Raça – os Espíritos da Forma anormais – atuam nesses três sistemas, que fazem parte do sistema orgânico do homem, mas são reflexos dos veículos superiores.
Assim, o corpo físico do homem é determinado de dentro. Esses vários seres espirituais invadem aqueles membros do corpo físico, que são os esboços preliminares, as sugestões dos veículos superiores. Agora, onde, por exemplo, Mercúrio faz sentir sua influência? Sob Mercúrio, incluo todos os Espíritos da Forma anormais que podem ser encontrados em Mercúrio. Ele faz sua influência ser sentida cooperando com outros, especialmente no sistema glandular.
Ele é ativo no sistema glandular (ou linfático) onde se manifestam as forças nascidas dessa preponderância das forças de Mercúrio que estão presentes na raça etíope. Tudo o que dá à raça etíope seu caráter distinto deriva do fermento das forças de Mercúrio no sistema glandular deste povo. O que transforma o humano universal indiferenciado no tipo distinto da Etiópia, com sua pigmentação preta e cabelos lanosos ou crespos, é a consequência de sua atividade.
Se você se mudar agora para a Ásia, encontrará lá as forças planetárias de Vênus, um desenvolvimento anormal dos Espíritos da Forma. Ao transferir seu ponto de ataque principalmente para o que chamamos de impressão do corpo astral, essas forças de Vênus atuam no sistema nervoso. Eles atuam sobre o sistema nervoso de uma maneira peculiar, não diretamente como os espíritos de Vênus. Pois o sistema nervoso pode ser trabalhado indiretamente de duas maneiras.
Uma maneira é através da respiração. Trabalhando especialmente na respiração, essas atividades dos Espíritos de Vênus estão localizadas no sistema respiratório e nervoso e lhe dão uma forma definida. Dessa forma indireta, os Espíritos da Forma anormais, que podemos chamar de Seres de Vênus, atuam através do sistema respiratório e nervoso na raça Malaia, nas raças marrom-amareladas encontradas no sul da Ásia e na direção do Arquipélago Malaio. Assim como o tipo glandular é encontrado distribuído pela Etiópia, também nessas regiões é encontrado o tipo de homem em quem os Espíritos da Forma anormais atuam sobre o sistema nervoso indiretamente por meio do sistema respiratório.
No sistema nervoso é preparado aquilo que, com modificações especiais, produz os tipos raciais de pele mais ou menos amarela. A transformação operada nessas raças se manifesta mais na parte do sistema nervoso coberta pelo termo “plexo solar” – portanto, não no sistema nervoso superior ou central, mas naquela parte misteriosa do sistema nervoso que funciona em dois cordões paralelos com a medula espinhal e se ramifica em várias direções para formar uma rede. Esta parte do sistema nervoso, portanto, que do nosso ponto de vista ainda não está associada a uma atividade mental superior, é trabalhada indiretamente através do sistema respiratório. O organismo inconsciente é profundamente agitado por essas forças de Vênus que atuam nesses tipos raciais.
Vamos agora nos mover para o norte, para as vastas planícies da Mongólia, onde estão amplamente concentrados os Espíritos da Forma que trabalham indiretamente por meio das forças do sangue. Nesta área geográfica é preparado nas forças do sangue aquilo que provoca uma modificação na espécie humana e determina o caráter básico da raça. No entanto, há uma característica muito peculiar ligada à raça mongol; os Espíritos de Marte entram no sangue. Mas eles atuam no sangue de uma maneira específica. Eles são capazes de neutralizar a influência dos seis Elohim que estão centrados no sol. Na raça mongol, portanto, eles trabalham em oposição a esses seis Elohim.
Ao mesmo tempo, eles se opõem ativamente à influência de Javé ou de Jeová, que retirou Seu campo de ação daquele dos seis Elohim. Mas, além dessa interação dos Espíritos de Marte com os seis Elohim e Jahve que produziu a raça mongol, há outro fator de suma importância que deve ser considerado. Assim como em um caso, os Espíritos de Marte em oposição aos seis Elohim do Sol e Javé da Lua criam a raça Mongol, então em outro caso, devemos assumir que as forças de Javé da esfera da Lua se encontram e cooperam com os Espíritos de Marte e, portanto, surge um tipo especial de modificação, a saber, a raça semítica. Aqui está a explicação oculta para a origem dos semitas.
Os semitas são um exemplo de modificação da humanidade coletiva. Javé ou Jeová se exclui dos outros Elohim e dá a este povo um caráter especial, cooperando com os Espíritos de Marte, de modo a realizar uma modificação especial em seu povo. Agora você vai entender o caráter peculiar do povo semita e sua missão. Em um profundo sentido ocultista, o escritor bíblico foi capaz de afirmar que Javé ou Jeová havia tornado este povo seu.
Se você adicionar a isso o fato de que Javé cooperou com os Espíritos de Marte que trabalharam principalmente no sangue, você entenderá porque a continuidade racial através da corrente sanguínea era de particular importância para o povo hebraico-semítico e por que Javé se descreve como o Deus que está presente no sangue das gerações, no sangue de Abraão, Isaac e Jacó. Quando ele se declarou o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, Ele proclamou estar presente na corrente sanguínea dos Patriarcas. Tudo o que funciona no sangue, tudo o que deve ser determinado pelo sangue – a cooperação com os Espíritos de Marte – é um dos mistérios que nos dá uma visão profunda da orientação sábia de toda a humanidade.
O sangue da humanidade está, portanto, sujeito a uma dupla influência; surgem duas raças, a raça mongol e a raça semita. Isso aponta para a existência de uma polaridade importante na humanidade e devemos enfatizar a imensa importância dessa polaridade se quisermos sondar as profundezas das Almas Folclóricas ou Almas dos Povos.
Devemos agora voltar nossa atenção para o centro ocidental e traçar a maneira pela qual as forças dinâmicas dos Espíritos e Seres que estão centrados em Júpiter operam no homem. Eles optam por trabalhar diretamente no sistema nervoso por meio da vida externa dos sentidos. Este é o único caminho. No outro, as forças planetárias atuam no sistema nervoso simpático, entrando indiretamente no plexo solar por meio do sistema respiratório.
Agora, as forças de Júpiter atuam indiretamente por meio das impressões dos sentidos e de lá se irradiam para as partes do sistema nervoso central que estão situadas no cérebro e na medula espinhal. Aqui está a sede das forças que determinam o caráter racial particular dessas raças pertencentes à humanidade de Júpiter. Isso se aplica mais ou menos aos arianos, aos povos da Ásia Menor e da Europa, que consideramos membros da raça caucasiana. Nesses povos, a modificação do caráter genérico que deriva dos Espíritos da Forma anormais é explicada pela influência dos Espíritos anormais sobre os sentidos, que podemos descrever como Espíritos de Júpiter. Os caucasianos, portanto, são determinados pelos sentidos.
Agora você também entenderá por que um povo como os gregos, que estavam conscientemente sob a influência especial de Júpiter ou Zeus e que se sentiam um ponto focal da influência de Zeus, eram predominantemente determinados pelo que flui para o sistema nervoso por meio dos sentidos. Os gregos, é claro, também foram influenciados pelas forças dos Elohim, que fluem do sol. Mas os gregos dedicaram tudo o que atua sobre os sentidos ao serviço de Júpiter ou Zeus e assim alcançaram a grandeza.
Para eles, todas as formas externas, todas as formas de vida externa estavam imbuídas de um significado mais profundo. Eles perceberam o espiritual no físico e, portanto, se tornaram os principais expoentes da escultura e das formas arquitetônicas. Indicamos aqui a missão muito especial do povo grego, que é tão preeminentemente o povo de Júpiter ou Zeus. Mesmo na época em que, especialmente sob a influência da nova constelação planetária, ocorreu a cooperação das forças de Júpiter ou Zeus com as forças universais dos Elohim, eles se sentiam como o povo de Zeus.
Todos os povos do Sudoeste Asiático, e especialmente os povos europeus, são, em geral, modificações desta influência de Júpiter e você pode bem imaginar: como o homem tem muitos sentidos, muitas modificações são possíveis. Na formação dos indivíduos dentro desta raça raiz, os povos que foram formados pela influência dos sentidos sobre o sistema nervoso, um ou outro dos sentidos podem predominar. Consequentemente, os vários povos podem assumir as mais diversas formas.
Conforme predomina o olho, o ouvido ou um dos outros sentidos, os diferentes povos responderão desta ou daquela maneira à tendência nacional particular no caráter racial. Em consequência disso, eles se deparam com tarefas bastante específicas. A tarefa particular da raça caucasiana é encontrar o caminho para o espírito por meio dos sentidos, pois essa raça é orientada principalmente para o mundo dos sentidos.
Aqui é revelado algo que nos apresenta aos segredos mais profundos do ocultismo; isto mostra como, naqueles povos que estão sujeitos às forças de Vênus, as etapas iniciais do desenvolvimento, mesmo no desenvolvimento oculto, devem se concentrar no sistema respiratório. Entre os povos que vivem mais no Hemisfério Ocidental, por outro lado, os passos iniciais devem partir de um enriquecimento e uma espiritualização da vida dos sentidos. Isso é experimentado por aqueles povos que habitam países mais voltados para o Ocidente em seus estágios de cognição superior, em Imaginação, Inspiração e Intuição, na medida em que o Espírito de Júpiter originalmente modificou o caráter.
Portanto, esses dois centros geográficos sempre estiveram presentes na evolução humana; aquele presidido pelos Espíritos de Vênus, o outro pelos de Júpiter. Os Espíritos de Júpiter, em particular, foram percebidos naqueles Mistérios nos quais – como aqueles de vocês sabem que participaram do meu curso de palestras em Munique no ano passado [O Oriente na Luz do Ocidente. Os Filhos de Lúcifer e os Irmãos de Cristo. Nove conferências dadas em Munique, 23-29 de agosto de 1909.] – as três Individualidades finalmente se juntaram, os três Seres espirituais, Buda, Zaratustra ou Zarathas em sua encarnação posterior, e aquele grande líder da humanidade, Scythianus.
Este é o “Conselho” ou conferência espiritual que, sob a orientação de Um ainda maior, se propõe a investigar as forças misteriosas que devem ser desenvolvidas para a evolução da humanidade, forças que se originaram daquele centro inicialmente conectado com as forças de Júpiter e que estava pré-ordenado no mapa dos centros culturais já mencionados.
Finalmente, os Espíritos da Forma anormais que têm seu centro em Saturno atuam indiretamente através de todos os outros sistemas no sistema glandular. Na raça de Saturno, portanto, em tudo o que devemos atribuir ao caráter de Saturno, devemos esperar encontrar a combinação das forças que conduzem ao crepúsculo da humanidade, forças que selam seu desenvolvimento e semeiam as sementes de seu desenvolvimento: declínio. Essa ação e seu efeito sobre o sistema glandular podem ser vistos na raça indígena americana e foi a causa de sua extinção final.
A influência de Saturno finalmente atua através de todos os outros sistemas no sistema glandular, que secreta as partes mais sólidas do homem. Este lento declínio é caracterizado por uma espécie de ossificação que se reflete claramente na forma externa. Se você olhar as fotos dos antigos índios americanos, o processo de ossificação descrito acima fica evidente no declínio dessa raça. Em uma raça como essa, tudo o que pertence às forças da evolução de Saturno foi realizado de maneira especial; então Saturno recolheu-se a si mesmo, abandonou o homem ao seu sistema ósseo e assim acelerou seu declínio.
Pode-se sentir algo dessa atividade verdadeiramente oculta se observarmos como, no século XIX, um representante desses antigos índios americanos ainda preserva uma memória daquela grande civilização atlante que não conseguiu se adaptar à evolução posterior. Existe a descrição de uma bela cena em que um chefe desta raça indígena moribunda enfrenta um colono europeu. Imagine as emoções conflitantes quando dois desses homens se confrontam, um representando aqueles que vieram da Europa e o outro aquele que, nos primeiros tempos, na época da separação das raças, se mudaram para o oeste. O índio vermelho trouxe para o Ocidente tudo o que havia de bom na cultura atlante.
O que o índio vermelho mais valorizava era que ele ainda era vagamente capaz de sentir algo da antiga grandeza e majestade de um período que existia na velha época atlante, quando a separação das raças mal havia começado, quando o homem podia olhar para o Sol e perceba os Espíritos da Forma através de um mar de névoa. Através de um oceano de névoa, o Atlante estava clarividentemente ciente dos sete Espíritos da Forma agindo em conjunto. E esta atividade cooperativa foi chamada pelos atlantes do Grande Espírito que se revelou ao homem na antiga Atlântida.
Os atlantes não assimilaram tudo o que os Espíritos de Vênus, Mercúrio, Marte e Júpiter trouxeram no Oriente, a quem devemos todas as civilizações que alcançaram seu apogeu na Europa em meados do século XIX. O descendente da raça parda não participou desse desenvolvimento. Ele se manteve firme no Grande Espírito do passado primevo. Ele tomou conhecimento das realizações dos europeus (que, em um passado remoto, também conheceram o Grande Espírito) quando um pedaço de papel foi colocado diante dele no qual havia muitos pequenos símbolos, letras, dos quais ele nada entendia. Tudo isso era estranho para ele, pois em sua alma ainda morava o Grande Espírito. O discurso que ele fez foi preservado para nós e é digno de nota porque fornece evidências do que já indicamos.
É mais ou menos assim:
“Aqui no solo, pisoteado pelos pés dos conquistadores, estão enterrados os ossos de meus irmãos. Por que os pés de nossos conquistadores podem profanar os túmulos de meus irmãos? Porque eles estão de posse daquilo que torna o Homem Branco grande. Mas há algo mais que torna o Homem Marrom grande; é o Grande Espírito que fala com ele no sussurro do vento, no murmúrio da floresta, na ondulação das ondas, no rugir do riacho, no trovão e no relâmpago! Esse é o Espírito que nos fala a verdade. Sim, dos lábios do Grande Espírito vem a verdade. Mas o seu espírito aqui no papel e quem fala o que para você é grande, não fala a verdade.”
Assim falou o chefe índio de seu ponto de vista.
“Pele-vermelha é servo do Grande Espírito; Pele-vermelha é servo dos espíritos que, em formas negras que lembram seres pigmeus* dançam no papel; eles não falam a verdade”.
*referia-se às letras
Esse diálogo de importância histórica foi trocado entre o conquistador e o último dos grandes caciques dos índios vermelhos. Aqui temos um exemplo das forças de Saturno e sua atividade e do que se segue da cooperação entre Saturno e outros Espíritos em um momento como este, quando duas civilizações contrastantes se encontram.
Assim, vimos como aqui na Terra o nascimento da humanidade universal foi preparado pelos Elohim ou os Espíritos da Forma normais, como então as cinco raças principais da evolução humana se destacam do corpo coletivo da humanidade, da massa unida da humanidade, e como essas cinco raças estão relacionadas aos Espíritos-guia na Hierarquia dos Espíritos da Forma anormais, raças que devemos chamar de acordo com os cinco planetas, enquanto os Espíritos da Forma normais estão centrados no Sol e na Lua. Daqui passaremos para algo que será mais fácil de entender, porque poderemos relacioná-lo com algo que nos é familiar, a saber, tribos e povos.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 12 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 121 – Christiania (Oslo), 11 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 5
MANIFESTAÇÃO DAS HIERARQUIAS NOS ELEMENTOS DA NATUREZA. A MISSÃO DAS ERAS PLANETÁRIAS DO ANTIGO SATURNO, DO VELHO SOL, DA ANTIGA LUA E DA TERRA.
Ver-se-á a partir da última aula que, se desejamos fazer um estudo imparcial dos fatos subjacentes à nossa presente investigação, devemos transcender os preconceitos que podem surgir facilmente em questões que agora devo descrever objetivamente. Enquanto alguém tiver a menor tendência a tomar pessoalmente uma descrição objetiva de uma raça ou povo em particular, será difícil chegar a uma compreensão sem preconceitos dos fatos apresentados neste curso de aula. Por esta razão, esses assuntos só podem ser discutidos à luz da Ciência Espiritual.
Por mais profundamente que alguém possa estar emocionalmente envolvido com uma pessoa ou raça em particular, como antropósofos temos um contrapeso adequado através do ensino do carma e da reencarnação, quando corretamente entendidos. Este ensinamento abre uma perspectiva para o futuro e revela que nosso Eu integral está encarnado em épocas sucessivas em diferentes raças e povos. Quando contemplamos o destino de nosso Eu integral, podemos ter certeza de que compartilharemos não apenas os aspectos positivos ou talvez também os negativos de todas as raças e povos; mas podemos estar certos que, em nosso ser mais íntimo, também receberemos as bênçãos incontáveis de todas as raças e de todos os povos, visto que encarnamos em raças diferentes em tempos diferentes.
Nossa consciência, nosso horizonte, é ampliado por meio das ideias de carma e reencarnação. Somente por meio desses ensinamentos, portanto, aprendemos a aceitar o que nos é revelado atualmente a respeito das misteriosas relações de raça e nação. Se entendermos corretamente o tema dessas palestras, não nos arrependeremos de ter encarnado em um povo ou raça em particular. Mas um levantamento objetivo das características nacionais e raciais pode, não obstante, provocar discórdia e desarmonia, a menos que seja aceito no espírito conforme já sugeri.
O aspirante ao conhecimento espiritual aprenderá através dos ensinamentos do carma e da reencarnação como cada nação, mesmo a menor nação, deve contribuir com sua parte para a evolução total da humanidade. Na segunda parte desta aula, proponho-me mostrar – e aí reside a sua real importância – como as influências particulares das missões dos diversos povos se fundem em toda a humanidade e como até mesmo as etnias isoladas espalhadas aqui e ali, entre os grupos nacionais maiores, têm seu papel a desempenhar na grande harmonia da evolução humana. Isso, no entanto, só se tornará aparente para nós gradualmente.
De modo a adquirir uma compreensão completa das características das Almas Folclóricas individuais, teremos de selecionar exemplos que sejam mais claros para nós em certos aspectos do que as características folclóricas de nossa própria época atual. Por outro lado, talvez tenhamos que lidar com características folclóricas pertencentes a uma época mais distante, de modo a termos um padrão para determinar as características e tarefas das diferentes nações. Mas isso nada mais será do que um esboço geral das características raciais ou folclóricas.
No decorrer das últimas palestras, aprendemos que uma raça é o produto da atividade cooperativa de um Espírito da Forma normal e anormal, e um povo, o produto de um Arcanjo normal e anormal; e agora entendemos como os seres das Hierarquias espirituais intervêm na evolução.
A questão agora surge; como os seres de uma ordem superior trabalham no mundo externo? Seria bom começar adquirindo hoje uma compreensão das Hierarquias das quais o homem é o membro inferior. Você deve se lembrar que colocamos o homem no degrau mais baixo da escada hierárquica. Abaixo dele estão os três reinos da natureza, os reinos animal, vegetal e mineral. Acima dele estão os Anjos, os Arcanjos e os Arqueus ou Primeiros Principados. Esta é a Hierarquia imediatamente acima do homem – a terceira Hierarquia.
A segunda Hierarquia é a seguinte:
Espíritos da Forma – Potestades (Exusiai)
Espíritos do Movimento – Dynamis
Espíritos da Sabedoria – Domínios (Kyriotetes)
Então temos a mais alta das três Hierarquias – a primeira Hierarquia:
Espíritos de Vontade – Tronos
Querubim
Serafim
Visto que todos os seres espirituais se manifestam de uma forma ou de outra e devem ser encontrados, portanto, no mundo fenomênico, o reino de Maya ou da ilusão, devemos nos perguntar onde devemos procurá-los no estágio mais baixo de manifestação, no estágio da ilusão. Em sua percepção normal da Natureza e do Espírito, o homem conhece apenas o reino de Maya, a manifestação mais externa desses Seres espirituais. Proponho-me ilustrar isso através de um exemplo.
Suponhamos que uma pessoa esteja viajando a pé pela paisagem nua e acidentada da Noruega. Sua primeira impressão será de uma extensão rochosa espalhada diante dele. Ele descreverá esta formação de rocha sólida em termos de sua primeira impressão, ou seja, como “substância rochosa” dura. Mas quem penetra no ser dos fenômenos naturais tem uma concepção totalmente diferente dessa “substância rochosa”. Qual é a real natureza daquilo em que nos encontramos e que oferece resistência? A superfície externa da Terra que o homem acredita ter uma existência real não existe, é uma ilusão.
Na realidade, as forças espirituais estão trabalhando irradiando de baixo, de dentro da Terra; eles emanam de certos seres. Assim, em uma determinada localidade, vemos uma manifestação de forças emanando da Terra e irradiando para fora em todas as direções. Mas se apenas essas forças estivessem presentes, o homem claramente não teria chão sólido sob seus pés, pois elas o projetariam com velocidade máxima no espaço. Ele deve sua capacidade de permanecer em terreno sólido à circunstância de outras forças fluírem de todos os lados do espaço universal. Onde as forças fluindo do Universo encontram as forças que irradiam de dentro da Terra, surge, por assim dizer, uma fronteira ou limite que é a superfície aparente da Terra. A superfície que se vê, portanto, é apenas uma ilusão; é o resultado da atividade das forças de fluxo interno e externo que se neutralizam na superfície aparente em questão.
As forças que irradiam para fora em todas as direções são as forças dos Tronos, os Espíritos da Vontade. As forças que fluem do Universo são essencialmente as forças que procedem dos Espíritos do Movimento. Assim, essas duas forças se encontram nesta fronteira e essa interação dos Tronos com os Espíritos do Movimento – já que a atividade dos Tronos é neutralizada pelos Espíritos do Movimento – produz os contornos diversificados da superfície terrestre. O que é visto externamente como a superfície da Terra é totalmente irreal; é simplesmente ilusão. Na realidade, é o produto de um equilíbrio de forças; um acordo, por assim dizer, é concluído entre os Espíritos da Vontade e os Espíritos do Movimento, em consequência do qual a Terra assume suas configurações altamente diversificadas.
No entanto, somente por meio dessa interação, nossa Terra não poderia chegar à sua forma planetária atual. As forças dos Espíritos da Vontade e dos Espíritos do Movimento agindo e reagindo um sobre o outro não seriam suficientes para isso; o efeito resultante seria algo totalmente diferente. Se, por exemplo, apenas os Espíritos da Vontade fossem irradiar para fora de dentro da Terra e fossem opostos apenas pelos Espíritos do Movimento, então a Terra estaria em um estado contínuo de fluxo, as formas sempre em movimento não poderiam ser colocadas em repouso. Nesse caso, é verdade, não seria tão fluido quanto o oceano em seu estado atual; não seria de consistência líquida como a água que se agita ao menor sopro de vento, mas de consistência viscosa e semifluida.
Se você deseja ter uma ideia de como os Espíritos da Vontade e os Espíritos do Movimento trabalhavam originalmente em concerto, gostaria de lhe dar um exemplo e pedir-lhe que me acompanhe no esboço. Em primeiro lugar, permitam-me chamar a vossa atenção para os Alpes, que hoje formam uma sólida cadeia montanhosa de modo que a sólida barreira do Maciço Alpino divide a península italiana a Sul do resto da Europa. Como contabilizar esta cadeia alpina? Houve um passado muito distante em que o Maciço Alpino ainda não existia, mas a Norte e a Oeste já existiam eminências mais antigas que nessa altura já se tinham solidificado. Ondas de consistência semifluida foram então lançadas do sul. Podemos imaginar a situação da seguinte maneira:
Diagrama
Aqui em A, temos o planalto da Boêmia. Agora imagine uma enorme onda lançada do sul que se dividiu e se espalhou sobre o planalto da Boêmia à direita (a leste) e sobre o planalto central da França à esquerda (a oeste). Nos tempos primitivos, essa onda poderosa formou o Maciço Alpino. É possível chegar a essa conclusão sem conhecimento especializado. Qualquer pessoa que já esteve no cume de um dos picos Alpinos e pesquisou a configuração única da cadeia alpina observou – mesmo que ele não soubesse disso – o que a Ciência Espiritual estabeleceu há muito tempo e que até os geólogos atuais confirmaram – aquela formação peculiar em forma de onda que data da época em que a massa primitiva da Terra ainda estava em uma condição semifluida.
Tal seria a configuração da Terra hoje pela cooperação dos Espíritos da Vontade e dos Espíritos do Movimento, mas pela intervenção de outra atividade notavelmente persistente e que se manifesta na superfície de nossa Terra pelo entrelaçamento da atividade dos Espíritos da Forma com os Espíritos da Vontade (os Tronos) que atuam em conjunto com os Espíritos do Movimento. Você pode imaginar, portanto, que esses Espíritos da Forma, dançando, por assim dizer, sobre as ondas, trouxeram as formas sempre em movimento para descansar e moldaram-nas em forma. Podemos, portanto, apontar para a atividade cooperativa por parte de três forças diferentes que procedem de três tipos de seres.
Por um lado, vemos a atividade dos Espíritos da Forma que trabalham internamente a partir da esfera cósmica e desdobram sua atividade nos domínios dos Espíritos da Vontade abaixo deles, bem como nos Espíritos do Movimento acima deles. Aquilo que em nossa Terra aparece externamente em sua maior parte como um elemento fluido – não a água líquida que vemos ao nosso redor hoje, mas o elemento semifluido primordial que foi trazido para descansar pelos Espíritos da Forma – isso devemos considerar como a manifestação mais externa dos Espíritos da Vontade. Mas outro elemento está sempre associado a esta atividade. Os Espíritos da Vontade (ou Tronos) são assistidos pelos Querubins ou Serafins. Os Querubins atuam no elemento ar, em tudo aeriforme que permeia a aparente substância sólida da Terra. O ar é uma ilusão por trás da qual estão os poderosos Seres que chamamos de Querubins. Os Serafins trabalham no fogo, eles operam em tudo o que se manifesta como calor.
Assim, vemos como as radiações do centro influenciam nosso planeta Terra. Nosso planeta, portanto, é constituído de tal forma que os Espíritos da Vontade (ou Tronos), os Serafins e os Querubins trabalham a partir do centro. Devemos olhar para o nosso planeta desta maneira: no ponto de encontro das fronteiras do ar e calor ou excitação – pois a atmosfera é parte de nosso planeta tanto quanto a água ou a terra seca – uma superfície é formada. Sobre esta superfície, os Espíritos da Forma literalmente dançam sobre as ondas e os trazem para descansar e moldá-los em forma. Foi por essa razão que eles receberam seu nome. Atrás deles estão os Espíritos do Movimento e em seu elemento novamente está mesclado o que chamamos de Espíritos da Sabedoria.
Portanto, quando olhamos para o interior em direção ao centro de nosso planeta, estamos cientes da presença de Seres Divinos, Tronos, Querubins e Serafins. Quando olhamos para fora, percebemos primeiramente além do reino dos Espíritos da Forma que permeiam o ar e o calor com seu elemento, os Espíritos do Movimento e os Espíritos da Sabedoria. Quando olhamos para a periferia da Terra, quando levantamos nossos olhos para as Esferas Cósmicas, todas as forças da natureza e fenômenos naturais que encontramos lá são fundamentalmente o trabalho da segunda Hierarquia. Tudo o que vemos quando olhamos para as profundezas da Terra, atribuímos aos Seres da primeira (mais alta) Hierarquia. É à atividade cooperativa única dessas duas Hierarquias que devemos a configuração de nosso ambiente.
Afirmamos que os três elementos, água, ar e fogo estão relacionados aos Espíritos da Vontade, os Querubins e os Serafins. Em qual desses elementos os Espíritos da Forma se manifestam? Eles são os seres mais próximos de nós e eles “dançam” na superfície da Terra onde vivemos e existimos. Eles trabalham para dentro a partir do espaço universal, mas agora desdobram suas forças nas emanações que partem da Terra. Para nós, eles estão concentrados nos raios do sol. A luz, portanto, é o elemento em que os Espíritos da Forma se tecem e trabalham pela primeira vez. Como, no entanto, as atividades da luz e tudo o que a ela se relaciona se manifestam na fronteira onde os Espíritos do Movimento e os Espíritos da Vontade atuam em conjunto, é nesse ponto de encontro onde se criam as formas sólidas.
O homem não possui, a princípio, órgãos que o capacitem a ver o que está além dessas forças de luz, que chamamos de Espíritos da Forma, não possui nenhum órgão com o qual possa perceber o que é tecido na luz. Tudo o que, em nossa Terra, determina a criação e a destruição, todas as forças químicas ativas na Terra, ainda está entrelaçado com a luz e este é o principal domínio onde operam os Espíritos do Movimento. Quando o homem aprende a perceber algo daquilo que ele considera simplesmente como Maya, na ação de síntese e análise química, então ele ouve esses Espíritos do Movimento, ele percebe a Música das Esferas de que falam as escolas Pitagóricas e outras escolas ocultas. Isso também é o que Goethe descreve quando fala do Sol, não como o doador de luz, mas quando diz:
O Sol, em uma aparência antiga, competindo
Com esferas irmãs em uma música rival,
Com a marcha do trovão, sua mundo completando
Move seu curso predestinado ao longo.
Fausto – Prólogo no céu
Esta Música das Esferas ainda está lá, mas é inaudível para a consciência comum. É uma realidade; ela se aproxima de todos os homens como um efeito astral. O homem, porém, não ouve. Se em relação a isso ele experimentasse uma alternância semelhante à luz e a escuridão em certos momentos, então também haveria momentos em que ele poderia ouvir a Música das Esferas.
Soa dia e noite mas, porém, ele só pode ouvi-la se passar por um certo treinamento e desenvolvimento ocultista. Enquanto a luz flui em nossa direção durante o dia como luz e durante a noite continua a operar como um reservatório de luz assimilada, a Música das Esferas soa continuamente tanto de dia como de noite. Nessa situação, o homem fica na mesma posição do moleiro, que só percebe o som da roda do moinho quando ela não está mais funcionando.
O último dos Seres da Segunda Hierarquia são os Espíritos da Sabedoria, que atuam desde o Cosmos circundante na luz entrelaçada e na Música das Esferas que operam em todo o Universo. Essa é a Vida do Éter universal, irradiando para a Terra. Pois a vida está fluindo para a Terra a partir dos espaços cósmicos e é recebida por criaturas vivas aqui na Terra. Isso vem dos Espíritos da Sabedoria.
Assim, contemplamos os espaços cósmicos e percebemos, antes de tudo, o Sol, no qual essas três forças estão concentradas para nossa visão espiritual. Percebemos como a difusão da Vida, o Som entrelaçado, a Luz formativa, a trindade da segunda Hierarquia, estão atuando a partir do espaço universal. A mais alta das Hierarquias, os Serafins, os Querubins e os Tronos, trabalham de baixo para cima, do centro da Terra.
A terceira Hierarquia (a Hierarquia imediatamente acima do homem) está entrelaçada com todas as atividades terrestres e atua principalmente no ser interior da vida orgânica. A esta Hierarquia pertence, em primeiro lugar, os Arqueus atuando como os Espíritos do Tempo. Esses Espíritos do Tempo trabalham no material preparado para eles pelas Hierarquias mais altas; eles lançam a base do que chamamos de história da humanidade, a evolução da civilização na Terra. Então, em nosso ambiente imediato, encontramos os Arcanjos, os Espíritos Folclóricos tribais ou Populares e, finalmente, os Anjos que fazem a mediação entre os seres humanos individuais e os Arcanjos.
Resumindo, portanto: nas forças da Natureza sobre nosso planeta, na terra, água, ar e fogo estão os Seres da primeira ou mais alta Hierarquia que fluem para encontrar a atividade dos Espíritos da Forma trabalhando na esfera cósmica. De fora, os Seres da segunda Hierarquia fluem para dentro, e no ambiente da Terra são os Seres da terceira Hierarquia que, no momento, são a mais fraca das forças. Imaginem, por um momento, quão poderosas são as forças daqueles Seres exaltados a quem chamamos de Espíritos da Vontade, que moldam o próprio solo sob nossos pés.
Então temos aquelas forças que fluem de fora, os Espíritos da Forma que estão mais próximos de nós e que moldam os contornos da Terra em seu estado plástico. E, finalmente, temos Anjos, Arcanjos e Arqueus que trabalham mais intimamente nas almas humanas. E assim, na primeira (mais alta) Hierarquia, temos aquelas forças da Natureza que reconhecemos como as mais fortes – as forças da Natureza que emanam do centro da Terra, as forças da Terra sólida abaixo de nós. Na segunda Hierarquia temos as forças cósmicas que vivem e se tecem ao nosso redor no éter e na terceira Hierarquia temos aquilo que vive e se tece nos recessos internos de nossa alma.
Se observarmos a atividade cooperativa dessas três Hierarquias e vermos como elas operam em nosso planeta Terra, como se formam a partir da totalidade do Universo, então temos alguma indicação do que foi necessário para criar nossa Terra. A Terra teve que passar pelas épocas planetárias do Antigo Saturno, Velho Sol e Antiga Lua antes que pudesse se tornar nossa Terra atual. Se você consultar meus livros “Cosmic Memory and Occult Science”, verá que, mesmo durante as encarnações anteriores de nossa Terra, esses vários Seres espirituais trabalharam juntos, mas que a natureza dessa atividade cooperativa era diferente da de hoje.
A cada nova encarnação nos estados de Saturno, Sol, Lua e Terra, a atividade cooperativa desses Seres Hierárquicos assumia uma forma diferente porque em cada uma dessas épocas planetárias da Terra os Seres Hierárquicos tinham sua tarefa específica a cumprir. Podemos afirmar com segurança que cada uma das condições pelas quais nossa Terra passou e aquelas que ainda existem antes dela representam, e representaram, um estágio particular no processo de evolução cósmica.
Visto que todas as concepções mudam de uma condição planetária para outra, é extremamente difícil definir quais eram as tarefas das épocas de Velho Saturno, Velho Sol e Antiga Lua. Isso não é fácil porque devemos primeiro caracterizar a missão de nossa Terra de uma maneira muito geral. A maneira mais simples de conceber isso é lembrar a natureza das várias forças que se manifestam no espaço.
A vida interior do homem consiste em pensar, sentir e querer; seus veículos externos consistem no corpo físico, corpo etérico e corpo astral. De modo que se tomarmos um homem dos dias atuais e ignorarmos por um momento seu EU, podemos imaginá-lo como uma tapeçaria consistindo dos corpos físico, etérico e astral nos quais são tecidos – como em um envelope externo – o pensar, o sentir e o querer.
Agora, essas forças no homem, tanto no homem externo quanto no interno, estão sempre relacionadas a alguma missão anterior que estava conectada com uma encarnação anterior da Terra. Se, por exemplo, quisermos ter uma ideia aproximada da missão de Saturno, podemos pensá-la como estando relacionada, por um lado, ao corpo físico humano e, por outro, à vontade humana. Agora, se não houvesse nenhuma encarnação de Saturno em nossa Terra, nem a vida da vontade no homem, nem mesmo seu corpo físico poderia ter alcançado sua forma atual.
Um homem deve seu corpo físico e sua vida de Vontade ao Velho Saturno. Ele está em dívida com os Registros Akáshicos por esse conhecimento. Os efeitos posteriores de cada encarnação da Terra, no entanto, são refletidos nas formas das encarnações seguintes. Consequentemente, a vida da vontade como a conhecemos hoje pode ser rastreada até os efeitos posteriores do elemento de Saturno. Consequentemente, o elemento de Saturno se reflete na vida interior do homem como vontade. Você terá uma ideia da missão da época do Velho Sol se estudar o corpo etérico e também o desenvolvimento posterior da vida senciente.
Você já sabe que o corpo etérico pode ser rastreado desde o Velho Sol. Os efeitos posteriores, entretanto, são tais que o homem foi capaz de desenvolver mais tarde a vida interior dos sentimentos. Finalmente, descobrimos que a condição da Antiga Lua estava relacionada ao corpo astral do homem e à vida interior do pensamento. Assim, três sucessivas encarnações da Terra foram necessárias para que essas forças do homem interno e externo – corpo físico, corpo etérico e corpo astral; O pensar, o sentir e o querer – poderiam então se desenvolver de tal forma que agora são parte integrante de sua vida física e espiritual.
Para que a tarefa das três encarnações sucessivas ou épocas planetárias de nossa Terra pudesse ser cumprida e que o homem pudesse ser dotado de sua atual constituição, aqueles Seres que descrevemos como pertencentes às Hierarquias foram obrigados a trabalhar juntos em cada uma dessas épocas planetárias de uma forma apropriada para cada encarnação da Terra.
A missão do Antigo Saturno, portanto, tinha que ser cumprida, de outra forma o corpo físico do homem e a vida de Vontade não poderiam ter sido concedidos a ele. Ao Velho Sol ele deve seu corpo etérico e vida senciente, e finalmente à Antiga Lua ele deve o corpo astral e o poder do pensamento. Assim, cada uma das três encarnações anteriores de nossa Terra foram especialmente devotadas a um dos aspectos salientes de nosso ser individual, nosso ‘EU’. Com efeito, o corpo físico externo que se origina da atividade dos Seres Espirituais do Antigo Saturno, dos Espíritos da Vontade, é simplesmente Vontade que se exterioriza. Hoje, a vontade é uma expressão da vida interior.
O problema que agora nos confronta é este: que missão particular foi escolhida pelos Espíritos da Forma que atuam principalmente na Terra e a modelam?
A tarefa dos Espíritos de Vontade ou Tronos, que trabalharam principalmente no Antigo Saturno, era dotar o homem daquele elemento que mais tarde, durante a evolução da Terra, se manifestaria como Vontade. A grande tarefa do Antigo Saturno, então, é implantar a vontade, as forças da vontade. Quando contemplamos este presente para o homem, ficamos cheios de admiração e reverência pelos poderes cósmicos dominantes. Eles impõem nosso profundo respeito quando percebemos que, para o hábil entrelaçamento da Vontade externa, que reside em nosso corpo físico, e da Vontade interna, uma missão planetária especial era necessária.
O mundo inteiro das Hierarquias teve que sofrer o nascimento e a morte de um planeta para trazer a condição que experimentamos como o elemento externo e interno da Vontade. Da mesma forma, o universo do Antigo Sol foi necessário para nos dotar do corpo etérico e do elemento Sentir, o elemento interno da Sabedoria. E a missão da Antiga Lua foi necessária para nos dotar do corpo astral e da vida interior do Pensamento. Qual é, então, a missão dos Espíritos da Forma? Qual é a verdadeira missão da Terra?
Se alguém associa a missão do Antigo Saturno com a aquisição do elemento da Vontade, a missão do Velho Sol principalmente com a dotação do elemento do Sentimento e a missão da Lua principalmente com a do elemento do Pensamento – com o corpo astral do homem – então a missão da Terra é trazer uma harmonia perfeita entre esses três elementos, cada um dos quais havia sido predominante em uma encarnação anterior de nossa Terra. A missão da nossa Terra é resolver o conflito entre esses elementos e restaurar uma harmonia adequada entre eles.
O homem está envolvido nesta missão da Terra para que possa estabelecer esta harmonia entre pensar, sentir e querer, antes de mais nada, no seu próprio ser interior. No início do período terrestre, o homem era, a esse respeito, uma colcha de retalhos de pensamento, sentimento e vontade. Todo aquele que possui um pouco de autoconhecimento pode sentir que o homem de hoje ainda não alcançou a harmonia interior; ele é frequentemente vítima de conflito e discórdia. O homem é chamado, em primeiro lugar, a encontrar um equilíbrio entre pensamento, sentimento e vontade dentro de si mesmo, por meio do qual ele mesmo, como um EU, possa demonstrar e comunicar a seus semelhantes o que essa harmonia significa.
No simbolismo oculto, essa missão terrestre sempre foi expressa de maneira especial através de uma figura geométrica. Entre as figuras geométricas, você não encontrará nenhuma que corresponda tão exatamente ao equilíbrio ou harmonia dessas três atividades como o triângulo equilátero. Se você desenhar um triângulo equilátero, verá que os três lados são iguais, os três ângulos iguais, os vértices são equidistantes uns dos outros e todos são equidistantes do centro. O centro de um triângulo equilátero é um símbolo completo de um equilíbrio de forças, de modo que quando o ocultista olha para um triângulo equilátero percebe nele um símbolo da cooperação perfeitamente equilibrada desses elementos, cada um dos quais manteve, por um tempo, a conduta superior nas três encarnações anteriores de nossa Terra.
As ações do “EU” no homem significam simplesmente a criação de um centro ativo em sua natureza, por meio do qual este estado de harmonia pode ser preparado de dentro. O homem, portanto, é chamado a um destino elevado na Terra para realizar de dentro, antes de tudo, através de todo o seu ser, um equilíbrio entre o que foi predominante por um tempo em cada uma das épocas planetárias anteriores de várias maneiras e em vários momentos.
Essa é uma definição muito geral de nossa missão na Terra, mas essa missão é exatamente como eu a descrevi. O segredo desta missão é que, através desta cooperação, através deste equilíbrio ou harmonia das três forças, o ser interior realmente cria algo novo. Um quarto elemento, que é o elemento do Amor, é assim adicionado aos três elementos anteriores. O amor só pode se desenvolver no agitado mundo do trabalho diário quando existe uma harmonia absoluta entre as três forças, que em épocas anteriores foram, cada uma por sua vez, a influência dominante. Teremos mais a dizer sobre isso nos próximos dias. Por enquanto, você deve aceitá-lo como uma descrição geral.
Assim, nosso planeta é o planeta do Amor e, portanto, o resultado deste equilíbrio ou harmonia que se reflete na cooperação das três forças é o espírito ativo do Amor, e este espírito do Amor deve ser tecido em toda a evolução ao longo de todas as sucessivas encarnações da Terra pelo cumprimento da missão dela. Desta forma, a Trindade se torna um Quaternário: este último começa com seu quarto elemento no estágio mais baixo, com a forma mais elementar ou primitiva de amor, que é tão depurada e purificada que, no final da evolução da Terra, o Amor aparecerá como um elemento gozando de pleno status de igualdade com os outros.
Cumprir a missão de equilíbrio ou harmonia ordenada para o nosso planeta Terra implica, na realidade, transformar a Trindade em Quaternário. Transformar a Trindade em um quaternário é, portanto, uma fórmula oculta para o segredo da Terra. Inevitavelmente, o quarto elemento ainda hoje é muito imperfeito. Mas quando a Terra tiver cumprido sua missão, ela aparecerá tão luminosa quanto o Triângulo Sagrado que, com seu estado de equilíbrio perfeito, brilha como o símbolo mais elevado que possuímos para nossa Terra – ideal na medida em que podemos nos lembrar do passado da Terra.
Essa correspondência entre os elementos de pensamento, sentimento e vontade é tal que o ser mais íntimo do homem se torna a substância do Amor e isso é o que se pode chamar de realmente criativo, o elemento interiormente criativo da existência terrena. Devemos, portanto, descrever os Espíritos da Forma em sua totalidade (porque sua missão particular é harmonizar as três condições anteriores) como os Espíritos do Amor.
Ao considerar a existência da Terra desta forma, primeiro descrevemos o pensamento, o sentimento, a vontade e a atuação do Amor fora de nosso planeta Terra e descrevemos como tarefa especial dos Espíritos da Forma a implantação do Amor que resulta do equilíbrio ou harmonia. Esta é toda a missão da Terra. Para realizar este poder de Amor que deve permear a Terra, a interação e interação das Hierarquias mais baixas foi necessária.
Como começamos a indicar em nosso estudo anterior, a rede do Amor deve ser tecida por essas Hierarquias e o Amor deve ser tecido de tal maneira que os principais fios sejam tecidos pelos Espíritos da Forma normais, pois essa é sua missão fundamental. Então, os Espíritos da Forma anormais que, na realidade, são Espíritos do Movimento, tecem na tapeçaria aquilo que cria as diferentes raças.
Então, os Espíritos do Tempo normais e anormais tecem nela a evolução histórica, e os Arcanjos normais e anormais, a evolução dos povos e línguas individuais; e, finalmente, os Anjos que determinam o lugar de direito do homem na Terra participam dessa atividade. Desta forma, a poderosa tapeçaria do Amor está sendo tecida. No entanto, desta tapeçaria de Amor que está sendo tecida como a verdadeira missão da Terra, apenas o Maya, o reflexo externo, é visível na Terra.
O reino mais próximo acima do mundo físico no qual é possível perceber essa tapeçaria é o mundo astral. De modo a ver o funcionamento das Hierarquias mais e mais claramente nas verdades subjacentes ao nosso Maya externo, devemos elevar nossa consciência do plano astral aos planos do Devachan inferior e superior. Então percebemos como essa tapeçaria é tecida. Se elevarmos nossa consciência ao plano astral, os Seres que normalmente trabalham das profundezas, ou seja, os Espíritos da Vontade (Tronos), Querubins e Serafins ainda não são visíveis. Se quisermos perceber esses Espíritos em ação, devemos elevar nossa visão espiritual a reinos ainda mais elevados.
Mas já no mundo astral encontramos os Espíritos da Forma anormais que, se tivessem cumprido sua evolução normal, estariam trabalhando de fora. Os Espíritos da segunda Hierarquia, como já sabemos, deveriam trabalhar de fora, das esferas celestes, mas aqui estão trabalhando de dentro, do centro da Terra. Assim, nesta tapeçaria de Amor em que os Espíritos do Movimento, os Espíritos da Forma e os Espíritos da Sabedoria estão trabalhando de fora, e os Espíritos da Vontade, os Serafins e Querubins de dentro, existem também outros Seres trabalhando de dentro que deveriam realmente trabalhar de fora.
Eles trabalham secretamente, no entanto, conforme a maneira pela qual o bicho-da-seda tece seu casulo. O que se vê antes de tudo no mundo astral são seres trabalhando das profundezas. Esses singulares Espíritos de Movimento que transpuseram sua esfera e são Espíritos caídos, são os primeiros Seres a se tornarem visíveis entre aqueles Seres espirituais que se tecem e emergem na atmosfera espiritual da Terra. Esses Seres que são os primeiros a se tornarem visíveis no plano astral, antes mesmo dos Anjos normais, são os Espíritos que em certo sentido falsificam a percepção clarividente – apesar de serem vitalmente necessários para a propagação das raças.
Esses Espíritos, cada um dos quais tem muitos espíritos acompanhantes, porque cada um gera muitos seres espiritualmente subordinados, estão rodeados no mundo espiritual por uma série de seres espirituais que estão sempre subordinados às suas respectivas Hierarquias. Os Espíritos superiores também têm seus espíritos da Natureza acompanhantes – os Espíritos da Vontade: as Ondinas; os Querubins: os Silfos; o Serafim: as Salamandras. Os Espíritos da Forma anormais que são realmente Espíritos do Movimento e que aparecem como seres espirituais hediondos no plano astral também têm seus espíritos subordinados. Eles são os espíritos que estão ativamente engajados em tudo o que está associado à gênese das raças humanas, naquilo que no homem está associado ao terreno, à propagação da raça e semelhantes.
Esses seres, na verdade, todo este domínio, é um dos mais variados e perigosos do mundo astral e – este é o momento apropriado para chamar a atenção para ele – é o mais facilmente contatado por aqueles que alcançam a visão clarividente por métodos errôneos. As hostes desses espíritos que estão associadas à propagação da raça, que servem a esse propósito, são aquelas mais facilmente percebidas. Muitos que entraram no reino oculto prematuramente ou de forma errada tiveram que pagar caro por isso, porque encontraram esta hoste de seres espirituais sem a influência harmonizadora dos outros Seres espirituais.
Assim, pudemos lançar luz sobre o que se tece no tear da Realidade para produzir essa tapeçaria da qual emerge o padrão da vida psíquica do homem. Amanhã discutiremos com mais detalhes como esse padrão cósmico que abordamos hoje se reflete na origem e no desenvolvimento das raças e dos povos.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 11 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
No dia da crucificação e tortura de Cristo – o Ser Solar que teve como tarefa encarnar o Amor como Força Viva na humanidade, nos convém lembrar do desafio de nosso encontro com este impulso em nosso íntimo.
O IMPULSO DO AMOR CRÍSTICO
Sabemos que, no estudo da Ciência Espiritual, a Décima Hierarquia – o Ser do Amor e da Liberdade – é o destino da evolução regular do Ser Humano.
Porém, segundo a Antroposofia, forças adversas intentam nos remover deste caminho, rompendo o caminho de evolução. Uma dessas forças é Ahriman, que quer criar um reino terrestre comum da morte, com o extermínio de qualquer autonomia, de qualquer sensação anímica.
É tarefa do homem atual fortalecer seus impulsos de Amor e seu próprio coração, não permitindo que seu entorpecimento anímico se torne indiferente com a vida e o sofrimento do próximo: “Amai-vos uns aos outros”.
Sabe-se que a tortura e a morte são iniciações Ahrimânicas, que subjugam o sentimento de Amor e bondade no coração humano, podendo culminar na completa extinção da empatia e “Amor ao Próximo” – o ser indiferente ao outro ser humano, que subjuga a Vontade do próximo através da dor e sofrimento e, inclusive, podendo extinguir sua chama da vida – a alta iniciação da Morte.
Uma das tarefas da Antroposofia é contribuir para que sejamos capazes de atingir a nossa tarefa e destino: a Décima Hierarquia – o Ser da Liberdade e do Amor.
Portanto, quaisquer apologia à essas forças deveriam ser veementemente rechaçadas como Impulso Crístico, por Amor à Humanidade.
No dia da crucificação Daquele onde “a Força do Amor Cósmico se fez Homem” e na semana onde se tenta “comemorar” uma fase da história brasileira marcada por estes impulsos de morte e tortura, deixo aqui a lembrança, através deste texto, dos verdadeiros impulsos que deveríamos preservar no âmbito da Antroposofia.
Ser favorável à morte e a tortura é um impulso completamente anti-Crístico.
Leonardo Maia
O extremo da desconexão com a realidade, o fanatismo e a alienação podem culminar na dissolução na consciência humana individual e na manifestação do Duplo – o Doppelgänger. Esta é uma tendência crescente na sociedade contemporânea…
A DESCONEXÃO DO EU
“Lúcifer não quer nos tornemos verdadeiramente conscientes, nem que adquiramos um EU independente. Na alma humana, ele inspiram orgulho, egoísmo, desinteresse pelos semelhantes, emocionalismo ardente, subjetividade, fantasia e alucinação. No intelecto humano, ele inspiram generalização, unificação, hipótese e construção de quadros imaginativos além da realidade.”
Toda a forma de fanatismo e alienação (desconexão com a realidade) está ligada à atuação de Lúcifer, removendo a consciência humana individual da esfera terrena.
Neste processo entra a atuação de Ahriman, que quer se apropriar do pensamento humano: o pensar uniforme, mecânico e coletivo.
Nesse aspecto, todos nós, em alguma proporção, somos influenciados pelas duas forças. Porém, chegando-se ao extremo, podemos ver a “possessão” do pensamento externo, quando a Vontade foi subjugada num âmbito que o indivíduo perde a conexão com o próprio pensar – gerando um autômato.
Daí podemos fazer uma relação com a potencialização Duplo:
“O Doppelgänger (Duplo) é um ser da alma ahrimânico com inteligência e vontade, mas sem individualidade, sem ego espiritual, e tende a ligar a alma humana ao corpo, cristalizando o pensamento, o sentimento e a vontade humanos. Todos os seres humanos têm um Doppelgänger (duplo) vivendo em seus nervos – eletricidade, infundindo em suas almas todo tipo de impulsos degradantes e deprimentes, além de instigar doenças internas.”
Este processo tem relação com a individualidade dissolvida e apropriação do pensamento coletivo atuando no “sub-humano”, o ser autômato – isto independe de ideologia. Quanto mais dissolvida está a individualidade, mais enfraquecida está a Vontade do indivíduo, maior a tendência para manifestação do Duplo e na conexão com o pensar coletivo externo reflexo do afastamento da consciência para outra esfera, fora da realidade – através de Lúcifer.
Ahriman empurra o espírito humano individual para fora do organismo humano e para longe da terra, de modo que apenas um organismo humano endurecido, mecanizado e fantasmagórico, desprovido de individualidade livre e vivendo como uma espécie animalesca instintiva, mas inteligente permaneça. Seus impulsos são de natureza inferior, conectados com a morte, violência, medo, satisfação dos impulsos instintivos e inferiores egoístas e etc: o ser oposto da fraternidade e do amor como força viva no EU – Vontade.
O extremo da desconexão com a realidade, o fanatismo e a alienação podem culminar na dissolução na consciência humana individual e na manifestação do Duplo – o Doppelgänger. Esta é uma tendência crescente na sociedade contemporânea…
Leonardo Maia
“Judas falhou diante do mistério do sacramento. Aquilo que poderia oferecer-lhe paz o precipita no mais alto grau da ausência da paz, na perda arimãnica do Eu, na alienação possessa. Em seu interior também reinava a noite…”
Emil Bock – Os Acontecimentos da Semana Santa (Quinta feira Santa)
JUDAS E A PERDA ARIMÂNICA DO EU, A ALIENAÇÃO POSSESSA
Um aspecto relevante é colocado por Emil Bock em suas considerações à 5ª feira santa: “a perda arimãnica do Eu, a alienação possessa” por parte de Judas.
Acredito que todos nós questionamos o que leva as pessoas a mergulharem numa alienação coletiva com aspectos anti-frater e impulsos antiCrísticos – como apoio à morte e a tortura, ódio e agressividade, indiferença a vida e na banalização do mal que podem ser observados na sociedade atual. Tal processo pode ter relação direta com o aspecto do Duplo, dessa chamada “perda arimãnica do Eu, a alienação possessa” mencionada por Emil Bock em relação a Judas.
Steiner alertou sobre a atuação dessas forças com muita intensidade no período atual, inclusive pela atuação conjunta das forças Luciféricas e Ahrimânicas (alienação por Lúcifer e possessão por Ahriman). Inclusive que este processo da perda arimãnica do Eu poderia afetar um terço da humanidade.
O reconhecimento do Mal é um passo essencial para sua redenção… e, se observarmos à nossa volta, perceberemos que a situação é bem delicada, mesmo para aqueles que são céticos quando à “Natureza Espiritual da Evolução” e da influência de certas forças invisíveis no homem.
Leonardo Maia
Fonte de Pesquisa:
Os Acontecimentos da Semana Santa – Emil Bock (especialmente a 5ª feira mencionada acima)
Lúcifer e Ahriman – ciclo de conferências da GA 191
Apocalipse Moderno – ciclo de conferências da GA 346
GA 121 – Christiania (Oslo), 10 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 4
A EVOLUÇÃO DAS RAÇAS E DA CIVILIZAÇÃO.
Se quisermos compreender a relação das raças da humanidade umas com as outras e as origens das comunidades folclóricas individuais, devemos perceber que o homem, como o conhecemos hoje, é um ser altamente complexo e que sua forma e ser interior atuais só poderiam ter surgido através da cooperação de um número incontável de seres cósmicos.
A partir do estudo do ‘Registro Akáshico’ e outras observações sobre a evolução do homem, sabemos que, em tempos pré-históricos, nossa Terra, antes de atingir sua condição atual, teve que passar por três condições, no decurso das quais os chamados três membros ou veículos do homem – o corpo físico, o corpo etérico e o corpo astral – foram pré-figurados, gradualmente realizados e desenvolvidos até atingirem seu estado atual.
Foi somente durante sua atual encarnação na Terra que o homem foi capaz de desenvolver um quarto membro, um EU. Esses quatro membros testemunham a atividade dos Seres espirituais durante as três ou quatro encarnações de nossa Terra – Antigo Saturno, Antigo Sol, Antiga Lua e o período da própria Terra até o momento presente. Se você chamar à mente todos os Seres que trabalharam juntos durante essas encarnações, os Espíritos da Vontade ou Tronos, os Espíritos da Sabedoria, do Movimento, da Forma, da Personalidade, os Arcanjos até os Anjos – e acima dos Tronos, os Querubins e Serafins – é claro que a organização atual do homem só poderia ter sido criada através de uma complexa interação de forças espirituais.
Vimos que não apenas a cooperação de muitos seres e forças da natureza no Cosmos era uma necessidade, mas que para a criação do homem também era necessário que, em certas épocas, certos seres renunciassem ao curso normal de sua evolução e permanecessem para trás para poder participar da organização do homem de uma forma que terido impossível no curso normal de sua evolução.
E assim, quando buscamos entender o homem como ele é hoje, encontramos um tecido ricamente variado e com muitos padrões. Somente quando examinamos esse tecido de perto e observamos a atividade dos vários seres é que começamos a entender como o homem veio à existência pela primeira vez por meio da cooperação desses seres. O ser principal que é importante para o homem contemporâneo é aquele que gradualmente tornou possível a consciência do EU.
A oportunidade de desenvolver a consciência do ego foi fornecida pela primeira vez pelos Espíritos da Forma, os Seres que chamamos de Potestades ou Exusiai. Se seguirmos a atividade desses seres sozinhos e nos perguntarmos como o homem se sairia se apenas os Espíritos normais fossem predominantemente ativos nele, descobriremos que eles são os doadores da organização do EU. E isso implica que seu principal interesse é promover o desenvolvimento do EU do homem, que só pode ser realizado no homem de hoje em uma certa idade.
Se você se lembrar dos ensinamentos da Ciência Espiritual sobre o tema da educação da criança, saberá que nos primeiros sete anos de vida, entre o nascimento e a troca dos dentes, o homem desenvolve principalmente o corpo físico. Os Espíritos da Forma não têm nenhum interesse particular no desenvolvimento do corpo físico, pois esta é realmente uma recapitulação do que o homem passou no Velho Saturno (o que tem sido frequentemente repetido) e que desde o último nascimento físico até os sete anos é uma recapitulação de uma maneira particular pela última vez.
O segundo período de vida de sete anos (dos sete aos catorze anos, a idade da puberdade) também é um período de pouco interesse para os Espíritos da Forma, visto que é uma recapitulação do que o homem passou no Antigo Sol. Na realidade, os Espíritos da Forma desejavam apenas embarcar em sua atividade principal, a concessão de um EU, durante a vida do homem na Terra. O terceiro período de sete anos cobre o período entre quinze e vinte e um anos.
Durante este período, o homem recapitula o desenvolvimento do corpo astral que normalmente pertence à época da Antiga Lua. E novamente os Espíritos da Forma normais não mostram interesse. Os três períodos de vida, então, que precedem o nascimento real do EU aos vinte anos aproximadamente, não têm apelo imediato. Os Espíritos da Forma só intervêm por iniciativa própria por volta dos vinte anos, aproximadamente. Refletindo, portanto, você não ficará surpreso ao saber que os Espíritos da Forma pretendiam, de fato, que o homem encarnasse apenas no estágio normal de desenvolvimento aos vinte anos mais ou menos.
Aos olhos desses Espíritos da Forma, tudo o que se desenvolveu no homem até agora é, na realidade, uma espécie de estado embrionário, uma espécie de condição germinativa. E, se posso falar um tanto figurativamente, posso dizer que os Espíritos da Forma que se desenvolveram normalmente prefeririam muito que as coisas ocorressem quase com a regularidade de um relógio, se até então ninguém invadisse sua esfera. Se esses Espíritos da Forma tivessem livre domínio até o vigésimo ano do homem, então, nos primeiros sete anos de sua vida, o homem teria a consciência pertencente ao corpo físico, ou seja, a consciência muito vaga do reino mineral.
Nos segundos sete anos, entre as idades de sete e catorze anos, ele teria uma consciência do sono. Do décimo quarto ao vigésimo ano ele seria muito ativo interiormente, mas viveria em uma espécie de consciência onírica da evolução da Antiga Lua. Somente aos 21 anos, aproximadamente, ele despertaria para a consciência do EU (consciÊncia de vigília). Se ele seguisse o curso normal de desenvolvimento, portanto, só despertaria para a consciência do ego nessa idade e perceberia o mundo externo na forma que hoje nos é familiar.
Se considerarmos apenas a atividade dos Espíritos da Forma, é claro que o homem atinge sua consciência atual muito cedo. Agora, no homem moderno, essa consciência, como você sabe, desperta até certo ponto logo após o nascimento. Ele não desenvolveria uma percepção clara e distinta do mundo externo se outros Espíritos, na realidade Espíritos do Movimento, não tivessem ficado para trás e renunciado ao desenvolvimento de certas capacidades que de outra forma poderiam ter adquirido até o tempo da evolução terrestre, para que eles pudessem intervir no desenvolvimento do homem de uma maneira particular durante a presente evolução terrestre.
Como sua evolução seguiu um caminho diferente, eles estão em posição de conceder ao homem prematuramente aquilo que ele deveria adquirir apenas em seu vigésimo ano aproximadamente. Estes são Seres espirituais que renunciaram à possibilidade de continuar sua evolução normalmente até o estágio regular de seus Seres na atual evolução terrestre: poderiam ter sido Espíritos do Movimento durante a evolução atual, mas que permaneceram no estágio dos Espíritos da Forma e agora estão ativos na evolução da Terra como Espíritos da Forma.
Assim, eles são capazes, durante a evolução da Terra, de conceder ao homem, que não é de forma alguma maduro o suficiente para recebê-lo e tem muito a redimir de uma época anterior, a consciência do EU que normalmente teria apenas por volta dos vinte anos de idade. Consequentemente, os Espíritos da Forma anormais dotam o homem de capacidades que, de outra forma, ele teria recebido por volta de seu vigésimo ano apenas.
As consequências são altamente significativas. Vamos supor por um momento que a evolução tenha seguido seu curso normal. Se esses Espíritos anormais não tivessem intervindo, o homem teria encarnado no plano físico na condição que lhe é natural por volta dos vinte anos e teria que passar por um desenvolvimento embrionário totalmente diferente. Na verdade, por meio desses Espíritos da Forma anormais, o desenvolvimento do homem, desde o nascimento até a idade de vinte anos, ou seja, por volta do primeiro terço de sua vida, está sujeito às forças do mundo externo.
O primeiro terço de nossa vida na Terra (aproximadamente), portanto, não é controlado por seres espirituais que determinam as condições da Terra, mas por outros seres espirituais anormais. E, porque esses seres anormais participam da evolução, não possuímos, portanto, a forma que deveríamos ter se tivéssemos encarnado na condição natural para nós aos vinte anos. Para compensar isso, o homem deve passar o primeiro terço de sua vida (até a idade de vinte) sob a poderosa influência desses seres anormais.
No curso de todo o seu desenvolvimento, o homem está sujeito à influência desses seres anormais. E a penalidade que ele tem de pagar por isso é que, após o terço médio da vida, que está sob a influência dos Espíritos da Forma normais, ocorre um declínio progressivo e as organizações etéricas e astrais começam a se desintegrar. A vida, portanto, é dividida em três períodos ou terços – um terço ascendente, um terço médio e um terço descendente. É apenas no terço médio que o homem é uma pessoa totalmente integrada em sua vida terrena. No último terço de sua vida, o homem deve devolver o que recebeu durante o primeiro, o terceiro ascendente; ele deve pagar a dívida em espécie.
Se o homem tivesse sido totalmente sujeito à influência dos Espíritos da Forma normais, tudo o que ele experimenta hoje até o vigésimo ano assumiria uma compleição diferente, uma forma totalmente diferente. A situação teria sido totalmente diferente, de modo que tudo o que está associado ao desenvolvimento do homem durante os três primeiros setênios de vida é fundamentalmente uma antecipação de muito que pertence às épocas posteriores. Em consequência, até o quarto setênio de vida, o homem se tornou um ser mais material do que seria de outra forma.
Ele teria experimentado até então condições puramente espirituais e teria encarnado na Terra apenas no período de seu desenvolvimento que ele experimentou em seu vigésimo ou vigésimo primeiro ano, quando ele se encontraria preso à Terra. Aprendemos com a Ciência Espiritual que, se seu desenvolvimento tivesse ocorrido dessa maneira, o homem teria encarnado apenas na condição que agora atinge em seu vigésimo ou vigésimo primeiro ano. Ele não teria sido capaz de passar pelas condições anteriores na Terra; ele teria sido obrigado a passar por eles nas esferas espirituais ao redor da Terra.
Esquema gráfico
Todo o curso do desenvolvimento humano durante a infância e a adolescência deve estar claro para você. Se a linha BC, que representa o perído de 21 a 42 anos, teria sido a intenção dos Espíritos da Forma que o homem encarnasse apenas em B (idade em torno de vinte um). Tendo descido à Terra nesta idade, ele a teria deixado novamente após seu quadragésimo segundo ano aproximadamente (em C) e teria passado o último terço de sua vida em um estado espiritualizado.
Por meio dos seres anormais, o homem foi forçado a descer sobre a Terra em A (nascimento atual) e iniciar seu ciclo de vida. Esse é o segredo da nossa existência. Assim, é apenas no terço intermediário da vida que estamos totalmente sob a influência desses seres que realmente nos controlam; os períodos de nossa maturidade e declínio estão sujeitos a seres inteiramente diferentes que garantidamente renunciaram ao seu desenvolvimento normal.
Se o homem tivesse vivido o primeiro e o último terço de sua vida na esfera espiritual ao redor da Terra e tivesse encarnado apenas durante o segundo terço, tornando-se assim um ser totalmente diferente, ele não teria se tornado tão ligado à Terra quanto está hoje. Se o desenvolvimento do homem tivesse seguido este curso, então todos aqueles que encarnassem na Terra seriam semelhantes na forma (física) e no ser interior, eles seriam padronizados. Apenas uma única humanidade uniforme existiria. Aquilo que determina os tipos raciais com suas características específicas não tem relação com o terço médio da vida.
Pelas circunstâncias dos primeiros anos, pelas influências do primeiro terço da vida, nós, com todas as nossas forças, estamos mais presos à Terra do que os Espíritos da Forma normais pretendiam. Em consequência, o homem tornou-se mais dependente da Terra do que de outra forma; ele se tornou dependente da localidade onde mora. Devido a sua encarnação prematura – em oposição às intenções dos Espíritos da Forma, por assim dizer – ele se torna dependente da localidade de seu nascimento, ele se une ao seu meio físico em uma condição que não foi inicialmente projetada para ele.
Não teria importância, caso ele houvesse encarnado no terço médio de sua vida, se tivesse nascido no norte, sul, leste ou oeste. Mas porque ele se tornou dependente de seu ambiente, porque sua juventude é vivida da maneira que descrevi, ele se torna um preso à Terra, ele se torna intimamente associado e uma parte integrante da área geográfica onde nasceu. Ele não pode escapar das condições ambientais daquela localidade – a incidência dos raios solares, a proximidade da região com o Equador ou com uma zona mais temperada, seja ele nascido na baixada ou em um planalto. A taxa de respiração nas planícies difere da das montanhas. O homem, portanto, torna-se totalmente dependente das condições ambientais de seu local de nascimento.
Ele se torna totalmente identificado com seu solo nativo através de sua estreita associação com a localidade de seu nascimento. Ele é moldado por aqueles atributos que assim recebe, porque essas forças formativas etéricas da Terra associadas com a localidade particular onde ele nasceu estão ativas nele. Todos esses fatores determinam seu caráter racial, e os Espíritos da Forma anormais, aqueles Espíritos ou Poderes que são responsáveis por nossa consciência presente – não entre as idades de vinte e um e vinte e três, mas em algum outro momento – são indiretamente a fonte das diferenças raciais na humanidade em todos os lugares, pois essas diferenças dependem da localidade particular onde o homem nasce.
Durante o primeiro terço de vida, quando, de fato, está sob o domínio dos Espíritos da Forma anormais, o homem atinge a maturidade sexual e desenvolve sua capacidade de reprodução. Sua capacidade reprodutiva é adquirida durante o período em que não está totalmente sob a direção dos Espíritos da Forma normais. É possível, portanto, que um homem não dependa apenas da localidade de seu nascimento, mas que as características assim adquiridas também sejam herdadas por seus descendentes. Assim, a homogeneidade racial se reflete não apenas na influência do habitat, mas também na herança racial.
Isso explica porque as características raciais podem ser herdadas e por que, como aprenderemos na Ciência Espiritual, foi apenas no passado que as características raciais foram determinadas pela localidade onde o homem nasceu. Na última parte da época lemuriana e no início da época atlante, por exemplo, o homem era diretamente dependente de seu ambiente físico. Em tempos posteriores, a raça não estava mais associada à localidade, mas estava ligada à hereditariedade. Na raça, portanto, vemos algo que estava originalmente associado a uma determinada região geográfica, foi mais tarde transmitido por herança, mas tornou-se cada vez mais independente de uma determinada localidade.
O período de evolução em que se pode falar justificadamente da ideia de raça ficará claro para você pelo que acabei de dizer. Não se pode falar de raça no verdadeiro sentido do termo antes da época lemuriana, pois só então o homem encarnou na Terra. Antes disso, ele vivia no ambiente espiritual da Terra.
Ele então encarnou e as características raciais eram hereditárias desde o início da época atlante até nossa época pós-atlântica. Aprenderemos mais tarde como, em nosso tempo, as características nacionais preparam a desagregação das características raciais e começam a erradicá-las.
Elas não se repetem da mesma forma que Sinnett erroneamente afirma em seu Budismo Esotérico. Devemos procurar a origem das características raciais na antiga época lemuriana; devemos seguir sua propagação até nossos dias; ao mesmo tempo, devemos compreender que, quando nossa quinta época pós-Atlântida for substituída pela sexta e sétima, a raça como tal terá deixado de existir. Mas se imaginarmos a evolução como a revolução mecânica, constante e contínua de uma roda, então carregamos a imagem de uma roda de moinho em nossa mente e não temos a menor compreensão dos processos evolutivos.
A evolução das raças começa, portanto, apenas na época lemuriana, por meio da atividade dos Espíritos da Forma anormais, que permitem que as forças etéricas do solo intervenham no local onde o homem deve passar os primeiros anos de sua vida. E essa influência é transportada até certo ponto em sua vida posterior porque o homem é dotado de uma memória, através da qual ele ainda se lembra, mesmo em sua vida posterior, do tempo passado sob a influência de Espíritos anormais antes de seu vigésimo primeiro ano na Terra.
O homem seria um ser totalmente diferente se estivesse sujeito apenas à influência dos Espíritos da Forma normais. Por meio da influência dos Espíritos da Forma anormais, ele depende da localidade particular em que vive. Já descrevi como o homem se afastou das leis dos Espíritos da Forma normais, com o resultado de que a localidade de seu nascimento durante uma encarnação particular se tornou importante para ele.
Essas relações ficarão mais claras para nós se considerarmos o seguinte fator: até certo ponto, as forças etéricas que emanam do solo permeiam o organismo humano, de modo que o homem se torna dependente do solo de uma determinada área geográfica. A este respeito, gostaria de me referir a certas regiões da Terra que estão relacionadas com o desenvolvimento histórico do ser humano. Discutiremos essas relações com mais detalhes posteriormente. Eu agora proponho descrevê-las em geral.
Diagrama: Europa – Ásia – África
Aqui está, por exemplo, um ponto ou centro de influência cósmica situado no interior da África. Neste centro estão ativas todas as forças terrestres que emanam do solo e que podem influenciar o homem, especialmente durante sua primeira infância. Mais tarde, sua influência diminui; o homem está menos sujeito a essas forças.
No entanto, suas influências formativas causam uma forte impressão sobre ele. A localidade onde um homem vive exerce sua influência mais potente na primeira infância e, assim, determina para toda a vida aqueles que são completamente dependentes dessas forças, de modo que a localidade particular imprime neles as características de sua primeira infância permanentemente. Isso é mais ou menos típico de todos aqueles que, a respeito de seu caráter racial, são determinados pelas forças formativas etéricas da Terra nas vizinhanças daquela localidade particular. A raça negra ou preta é substancialmente determinada por essas características da infância.
Se agora cruzarmos para a Ásia, encontraremos um ponto ou centro onde as forças formativas da Terra imprimem permanentemente no homem as características particulares da juventude ou adolescência posterior e determinam seu caráter racial. Essas raças são as raças amarelas e marrons de nosso tempo.
Se continuarmos em direção ao norte e depois virarmos na direção oeste em para a Europa, um terceiro ponto ou centro é alcançado que imprime permanentemente no homem as características de sua vida adulta. Desta forma, o homem é determinado pelas forças etéricas que emanam da Terra. Quando examinamos mais de perto esses pontos ou centros separados, descobrimos que eles seguem uma linha que toma uma direção incomum. Esses centros ainda existem hoje.
O centro da África corresponde às forças terrestres que imprimem no homem as características da primeira infância; o centro na Ásia corresponde àqueles que dão ao homem as características da juventude, e o centro correspondente na Europa imprime no homem as características da maturidade. Esta é simplesmente uma lei universal. Visto que todos os homens em suas diferentes encarnações passam pelas várias raças, a afirmação de que o europeu é superior às raças negra e amarela não tem validade real. Em tais casos, a verdade às vezes é velada, mas você vê que, com a ajuda da Ciência Espiritual, fazemos afinal luz sobre verdades notáveis.
Se continuarmos nesta linha (veja o diagrama) ainda mais para o oeste, chegaremos à América, onde as forças da velhice, do terço final da vida, estão ativas. Essas forças – imploro que não entendam mal o que estou prestes a dizer, só se refere ao homem na medida em que ele depende das forças que determinam seu organismo físico, as forças terrestres de seu ambiente, forças não relacionadas ao seu ser fundamental – essas forças estão associadas ao declínio do homem. Esta linha que na realidade descreve uma curva obedece a uma lei cósmica e existe de fato; é uma realidade e expressa a lei segundo a qual nossa Terra atua sobre o homem.
As forças que determinam o caráter racial do homem seguem esse padrão cósmico. Os índios americanos morreram, não por causa das perseguições europeias, mas porque estavam destinados a sucumbir a certas forças que apressaram sua extinção.
O destino das raças e as mudanças operadas pelas forças que não estão sob a influência dos Espíritos da Forma normais são determinados pelas características peculiares desses diferentes centros de influência cósmica. Ao determinar as características raciais, esses Espíritos atuam dessa forma; mas em nossa época o caráter racial está sendo gradualmente superado. Os primeiros passos nessa direção foram dados em sua maior parte no período mais antigo da história da Terra.
Se voltássemos à antiga época da Lemúria, descobriríamos que os primeiros indícios de desenvolvimento racial remontam às regiões da África e da Ásia atuais. Mais tarde, uma migração para o oeste se instala e, à medida que seguimos para o oeste, as forças que determinam a raça, notamos seu declínio entre os índios americanos. A morte das raças começa com sua migração para o oeste. De modo a buscar as forças rejuvenescedoras, as raças migram para o leste, da Atlântida pela Europa à Ásia. Em seguida, a migração para o oeste se repete, mas nesta ocasião testemunhamos, não o movimento das raças, mas, por assim dizer, um estágio superior de desenvolvimento racial das civilizações.
Assim, de certa forma, vemos que a evolução das civilizações é caracterizada por uma continuação do desenvolvimento racial em um plano superior. Por exemplo, a velha civilização indiana, a primeira civilização pós-Atlântida, à qual já demos o devido reconhecimento nesta palestra, corresponde à primeira infância, período em que a resposta do homem à natureza física ainda está adormecida, quando ele é receptivo às manifestações de um mundo espiritual.
A primeira civilização indiana é, de fato, uma revelação dos mundos espirituais e só pode se manifestar no homem porque ele foi influenciado pelas forças terrestres da Índia, às quais já estava sujeito desde os primeiros tempos. No passado primevo, os homens deviam suas características raciais às forças formativas etéricas do solo; agora, eles devem aquela disposição de alma peculiar aos antigos indianos à sua presença contínua na mesma região geográfica.
Por meio da migração do Ocidente para o Oriente, eles receberam aquelas forças novas e jovens que tornaram possível o surgimento daquela configuração espiritual peculiar, tão típica da civilização indiana original. Assim, uma civilização indiana muito antiga que ainda não foi estudada e da qual a civilização indiana agora conhecida pela ciência é apenas um desdobramento, pode ser explicada pelo fato de que a civilização atlante se repete em certa medida na civilização indiana primitiva.
Quando consideramos as sucessivas civilizações da época pós-Atlântida, podemos ver que elas representam sucessivas recapitulações de condições experimentadas anteriormente no corpo físico, mas que foram transformadas pelas forças do rejuvenescimento. Assim, a civilização persa mostra um conflito entre as forças viris da juventude, quando o homem ainda está sujeito às influências dos Espíritos da Forma anormais, e as forças que provêm dos Espíritos da Forma normais. Na civilização persa, esse dualismo se reflete na polaridade da luz e das trevas, de Ormuzd e Ahriman.
Quanto mais nos movemos para o oeste, mais vemos que a civilização carrega a marca das características de uma era mais madura. Devemos admitir que, até o momento, as criações do homem ainda dependem em grande parte das forças anormais e dos seres do universo. No entanto, podemos agora compreender que as características raciais não são mais fatores decisivos à medida que o homem se move para o oeste e também que, em certa medida, a tendência da civilização é tal que seu vigor juvenil, suas potencialidades criativas declinam cada vez mais à medida que avança em direção o Oeste.
Para o observador sem preconceitos, uma variedade de fatores serve para mostrar que nossa civilização contemporânea também é determinada dessa forma de acordo com uma lei fixa. Mas as pessoas não estão dispostas a ser objetivas. Se você tiver em mente que, na realidade, toda a civilização está em um estado de fluxo, você perceberá que quanto mais avançamos para o oeste, menos produtiva a civilização se torna. Como civilização, ela já está moribunda.
Quanto mais longe se vai para o oeste, mais a civilização se exterioriza; não é mais vitalizado pelas forças da juventude, mas entregue às forças endurecedoras da velhice. O homem ocidental ainda será capaz de beneficiar a humanidade, fazendo contribuições valiosas e importantes na física, química e astronomia e em todos os campos que são independentes das forças rejuvenescedoras da juventude. Mas aquilo que exige energia criativa requer uma configuração diferente das forças que atuam sobre o homem.
Tomemos o exemplo de um homem que cresce desde a infância até o estágio em que sua vida espiritual amadurece. Ele primeiro se desenvolve fisicamente. Deve-se permitir que as forças concentradas dentro do organismo jovem se expandam fisicamente. Mais tarde, quando o crescimento é concluído, essas forças físicas são voltadas para dentro.
A humanidade em geral passa por um processo semelhante. A curva de desenvolvimento que já descrevemos revela uma lei notável que se aplica até mesmo aos continentes. Em primeiro lugar, observamos os primeiros sinais do desenvolvimento do homem na África; então seu território nativo se expande para longe. A característica dessa expansão são os grandes espaços abertos da Ásia, onde o homem habita vastas extensões do país.
Vamos agora dar uma olhada na repetição do desenvolvimento da raça nas civilizações pós-Atlantes. Assim como em sua juventude, o homem olha com curiosidade para o seu ambiente, o homem da velha civilização indiana olha para o mundo. Isso está associado às forças frescas e juvenis que ajudam o homem a crescer até atingir sua plena estatura, quando a vida espiritual deve começar a se desenvolver e a física deve ser comprimida.
À medida que a civilização avança para o oeste na Europa, é notável que a área geográfica que a humanidade habita seja reduzida a terras cada vez menores. Observamos que a Europa é o menor continente, e quanto mais a civilização se move para o oeste, mais ela tende para a delimitação e, finalmente, em seu curso para o oeste está confinada a penínsulas e ilhas.
Tudo isso está conectado com o curso espiritual da evolução. Aqui, temos uma visão única dos mistérios da evolução espiritual. Mas com este estreitamento da área geográfica surge uma situação crítica; por conta dessa crise, um elemento mais improdutivo começa a operar. A atividade criativa se extingue até certo ponto nas penínsulas, quanto mais se avança para o oeste. Esse empobrecimento criativo é ilustrado pelo que já descrevi, ou seja, que a própria civilização, quanto mais se move para o oeste, torna-se progressivamente mais rígida e senil e lentamente declina.
Isso sempre foi conhecido nas Escolas de Mistérios. Agora você vai entender por que eu disse que o que eu precisava comunicar pode ser um tanto perigoso, porque as pessoas podem se ofender. De modo algum pode ser revelado tudo o que permitiria ao homem comandar os membros superiores de seu ser para que pudesse perceber as forças terrestres que determinam a raça, forças que mais tarde determinam o caráter da civilização e que, em uma época ainda posterior, irão perder seu significado quando o homem redescobrir sua visão espiritual.
Assim, você compreenderá que todo o processo de evolução da humanidade está conectado com a evolução espiritual que sempre foi conhecido por aqueles que foram iniciados nos segredos mais profundos da existência. A verdade do que acabo de dizer não depende de se aprovar ou desaprovar; depende da necessidade evolutiva. Negar essa necessidade é inútil; serve apenas para colocar obstáculos no caminho do entendimento.
Portanto, é natural que aqueles que migram do lesta para áreas mais a oeste busquem poder rejuvenescedor, substância espiritual; mas a Europa Central deve recordar sua própria atividade criativa tal como existia antes da formação das penínsulas e ilhas. É por isso que, precisamente na Europa, na região que abrange nossos dois países – Escandinávia e Alemanha – o homem tem que recorrer aos recursos de sua própria vida da alma e, porque, por outro lado, devemos olhar especialmente para o Ocidente para essa parte da humanidade que receberá alimento espiritual do Oriente.
Esse desejo está profundamente enraizado na natureza de toda a humanidade. Você vê isso repetido no desenvolvimento da Ciência Espiritual. Testemunhamos isso novamente na quarta civilização pós-Atlântida, entre os gregos e romanos. Os romanos, é verdade, são em certos aspectos mais avançados do que os gregos, mas tiraram sua vida espiritual do povo que conquistaram, que vivia mais para o Oriente.
Quanto avançamos para o Ocidente na observação das nações, mais se confirma a lei que nos é revelada. Agora, essas verdades importantes só podem ser indicadas; elas revelam o que está de acordo com a natureza interna da missão futura da humanidade em todos os cantos do globo. Devemos compreender, portanto, a tarefa que está diante de nós, se quisermos nos elevar ao nível do todo-humano.
Aqui está a grande responsabilidade que assumimos se quisermos participar da evolução espiritual da humanidade. Nesse domínio, nem a simpatia e nem o entusiasmo pessoal podem desempenhar um papel. Eles não têm importância; só o que é determinado pelas grandes leis da humanidade é decisivo. As próprias grandes leis devem nos informar disso; não devemos nos permitir ser preconceituosos em favor de qualquer lei em particular.
Essa é a característica fundamental do Rosacrucianismo. O Rosacrucianismo implica agir de acordo com a evolução de toda a humanidade. Se tivermos consciência da configuração da paisagem que habitamos, incluindo ilhas e penínsulas, perceberemos quais os sentimentos que devem encher o nosso coração se quisermos trabalhar em benefício da evolução da humanidade.
No passado remoto, o homem desceu à Terra sob a orientação de Espíritos da Forma anormais e foi associado à sua região geográfica particular. Assim foram lançadas as bases para o desenvolvimento das raças. Em seguida, ocorre uma mistura progressiva das raças. A evolução das raças é interrompida para dar lugar à evolução das nações; ou seja, as nações se desenvolvem a partir de raças. E o desenvolvimento das nações entra mesmo na evolução do ser humano individual.
Por trás da questão, quem foi Platão, qual foi sua origem e ancestralidade, um grande mistério se esconde. Ele era um indivíduo que cresceu na linhagem de Sólon, era um membro da tribo Jônica, da nação grega e de toda a raça caucasiana. A compreensão de que Platão era descendente de Sólon, um jônico, um grego, um caucasiano expressa um profundo mistério se entendermos a lei por trás disso.
Mostra-nos como os Espíritos da Forma normais e anormais cuja principal preocupação é preparar a encarnação do homem na Terra trabalham em conjunto sobre toda a Terra, como, por esta atividade cooperativa, a raça humana é subdividida e como então intervêm aqueles outros Seres dos quais já falamos ao descrever as características dos vários povos. Cada indivíduo está intimamente associado a esses processos por meio dos quais todos esses Seres superiores, esses Espíritos superiores, determinam a evolução do mundo por sua atividade cooperativa.
Não podemos compreender o indivíduo se não vemos como ele deve todo o seu desenvolvimento à cooperação desses Seres. Como uma raça caucasiana já foi criada na Terra por meio da interação misteriosa dos Espíritos da Forma normais e anormais, o palco foi montado para a encarnação de Platão.
E, porque estamos cientes da intervenção dos Arcanjos normais e anormais até os Anjos, percebemos os passos que foram necessários para trazer um Platão, que poderíamos reconhecer como um ser humano dotado dos atributos humanos específicos de pensamento, sentimento e disposição (Vontade). A nação ocupa uma posição intermediária entre a raça e o indivíduo.
Foi necessário, portanto, primeiro delinear as condições fundamentais para a evolução da raça. Amanhã discutiremos o surgimento de nações fora das raças, a intervenção de outros Espíritos das Hierarquias e, principalmente, sua intervenção na atividade dos Espíritos da Forma.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 10 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 121 – Christiania (Oslo), 9 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 3
A VIDA INTERIOR DOS ESPÍRITOS DOS POVOS. A FORMAÇÃO DAS RAÇAS.
No decorrer dessas palestras, empreenderemos investigações que irão facilmente ressoar em todos vocês, porque estimularão seu interesse imediato e vívido. Mas, para que o quadro não fique incompleto, devemos primeiro embarcar nas investigações necessárias de modo a assegurar uma compreensão plena e completa as quais vocês acharão muito mais difíceis de apreender do que o tema central de nossas palestras. Hoje, por exemplo, seremos obrigados a voltar nossa atenção para a vida interior dos Espíritos Populares normais, aqueles Seres Arcangélicos de quem falamos nas duas palestras anteriores.
Já os descrevemos em seu aspecto externo como seres dois estágios além do homem, seres que, atualmente, estão empenhados em transmutar seus corpos etéricos em Buddhi ou Espírito de Vida. Agora o homem também está envolvido nesta atividade. Na medida em que ele está envolvido na evolução progressiva desses Seres Arcangélicos, esse Espírito Popular se reflete na própria individualidade humana como a característica popular do ser humano individual.
Devemos agora examinar um pouco mais de perto a vida interior da Folk Soul. Se quisermos lançar luz sobre o ser interior do homem hoje, devemos imaginá-lo como composto de três membros:
– A Alma das Sensações ou Alma Senciente, que é o membro inferior.
– A Alma do intelecto ou Alma da Mente, o membro central.
– A Alma Espiritual ou Alma da Consciência, o membro mais elevado, no qual o ego humano se torna consciente.
A autoconsciência é desenvolvida primeiramente na Alma Espiritual. No entanto, o ‘EU’ do homem está ativo em todos os três membros de sua vida interior, na Alma das Sensações ou Senciente, na Alma do Intelecto ou Alma da Mente e na Alma Espiritual (Alma da Consciência).
Na Alma Senciente, o homem dificilmente tem consciência de seu EU e, em consequência, é vítima de suas paixões e desejos. O ‘eu’ se agita fracamente na Alma Senciente, luta para se libertar, emerge pela primeira vez na Alma Intelectual e só se torna totalmente consciente na Alma Espiritual. Se quisermos examinar esses três membros do ser interior do homem independentemente uns dos outros, devemos considerá-los como três modificações, como três membros do corpo astral. Essas modificações preparam a transformação do próprio corpo astral, do corpo etérico e do corpo físico.
Essas transformações, entretanto, não devem ser confundidas com o verdadeiro ser interior do homem. A vida psíquica, o ser interior do homem, consiste em três modificações do corpo astral. As três modificações podem se manifestar apenas por meio da ação dos corpos inferiores – a Alma Senciente por meio do corpo astral, a Alma Intelectual por meio do corpo etérico e a Alma Espiritual por meio do corpo físico. Podemos, assim, distinguir o ser interior do homem de seu concha ou invólucro externo. O ser interior do homem, portanto, consiste em três modificações do corpo astral.
Assim como a vida interior do homem, que é o campo da atividade do ego, se manifesta nessas três modificações do corpo astral, a verdadeira vida interior dos Espíritos Populares, ou que corresponde à vida interior do homem, se manifesta em três membros, três modificações do corpo etérico. No homem distinguimos Alma Senciente, Alma Intelectual, Alma Espiritual; nos Seres Arcangélicos, os Espíritos Populares normais, distinguimos três modificações do corpo etérico e, uma vez que essas três modificações não estão situadas no corpo astral, mas no corpo etérico, elas diferem fundamentalmente das três modificações na vida da alma do homem.
Portanto, você deve pensar na forma de consciência, em toda a vida da alma desses Espíritos Populares, como diferente daquela do homem. Vamos agora nos desviar de uma descrição externa para examinar mais de perto a vida interior desses Espíritos Populares. Isso não será muito fácil, mas devemos estar preparados para fazer o esforço. Devemos partir de alguma concepção familiar, concepção que guarda estreita relação com a vida interior dos Espíritos Populares. Na vida normal do homem, tais concepções são raras; a consciência do homem tem muito pouco em comum com a dos Espíritos Populares. Pode ajudá-lo a compreender a consciência dos Espíritos Populares se você me acompanhar na observação a seguir.
Todos vocês aprenderam na escola que a soma dos três ângulos de um triângulo é igual a dois ângulos retos. Você sabe que este axioma não poderia de forma alguma ser demonstrado por experiência externa. Imagine, por exemplo, os triângulos de madeira ou metálicos em sua caixa de instrumentos geométricos. Se você medir os três ângulos de um triângulo com a ajuda de um transferidor, nunca descobrirá apenas por experiência externa que a soma desses três ângulos é igual a 180 graus. Mas, independentemente de você construir um triângulo ou apenas imaginá-lo, você saberá imediatamente, por experiência interna, que a soma dos três ângulos é de 180 graus. Esta deve ser uma experiência interior, deve surgir do poder interior de sua própria alma. Para perceber isso, basta reconstruir mentalmente o seguinte.
(O diagrama destina-se apenas a ser uma representação simbólica do pensamento.)
* A representação é um triângulo com uma reta no topo paralela à base demonstrando a formação de três angulos que somam 180º.
Esta figura mostra conclusivamente que a soma dos três ângulos é igual a dois ângulos retos. Você só precisa visualizar esta figura e ela confirmará este axioma para todos os triângulos. Você pode manter essa figura em sua mente sem a necessidade de desenhá-la. Assim, você realiza uma operação em pensamento puro pelo poder de sua própria atividade interna; não há necessidade de sair de você. Você pode imaginar por um momento que o mundo das sensações e o mundo das impressões sensoriais não existem mais. Imagine o mundo externo como inexistente e o espaço uma criação do pensamento; então, neste espaço, a soma total dos ângulos de cada triângulo seria de 180 graus. Para chegar ao conhecimento geométrico e matemático, os dados dos sentidos são supérfluos; a experiência interior, o que ocorre na própria consciência, é suficiente.
Selecionei este exemplo porque é o mais simples e prático e confirma o que as pessoas aprenderam na escola. Eu também poderia dar o exemplo da dialética hegeliana, que também forneceria uma série de conceitos internos. Mas você encontraria muitas coisas com as quais não está familiarizado, uma vez que a lógica hegeliana é conhecida apenas por poucos. A partir disso, é evidente que o homem pode chegar ao conhecimento puramente de dentro, sem o estímulo de motivação externa.
Se você puder imaginar que aquilo só pode ser alcançado externamente através da lógica da matemática, você terá alguma ideia de como funciona a consciência dos Arcanjos. Eles não percebem o mundo externo de cores e tons, como o homem comum experimenta. Essas sensações são desconhecidas para um ser desse tipo; é impossível para ele receber impressões táteis de objetos. Essas experiências são estranhas para ele. Mas suas experiências podem ser expressas nestas palavras:
“Algo agora está fluindo para mim do mundo da inspiração e essa inspiração permeia minha consciência e toma posse total dela”.
Agora, os Arcanjos não são seres limitados apenas a conceitos matemáticos; em realidade, é a consequência das limitações do homem que ele só pode conceber a atividade dos Arcanjos em termos de abstrações, como as verdades da matemática. Essas verdades são experiências normais tanto do homem quanto dos Espíritos Populares. Disto você pode inferir que os Arcanjos não estão interessados no mundo fenomenal percebido através dos sentidos. O mundo externo experimentado pelo homem, e seu conhecimento derivado dos sentidos desse mundo, é um mundo desconhecido para os Arcanjos.
Se você excluir, portanto, de sua imagem do mundo todas as sensações e percepções do mundo físico, então você exclui precisamente aquilo que não diz respeito aos Arcanjos. A questão então é: que faceta da consciência ainda é comum ao homem e aos Arcanjos, aos Espíritos Populares? Todas as experiências da Alma Senciente, as alegrias ou tristezas normais da vida, todas as cores e sons, na verdade todas as percepções sensoriais do mundo externo – nada disso diz respeito a esses Seres. Elimine, portanto, todo o conteúdo da Alma Senciente do homem e lembre-se de que a imagem do mundo que é produto da Alma Senciente não tem importância para os Arcanjos; eles não podem participar dela.
Mesmo uma parte da Alma do Intelecto que é estimulada por sensações externas não tem significado para os Arcanjos. Aquilo que é desencadeado por motivação externa, preocupações intelectuais e experiências emocionais do homem, isso também não diz respeito aos Arcanjos. Mas na Alma Intelectual do homem existem, entretanto, certas coisas que ele experimenta em comum com os Arcanjos. Temos plena consciência disso quando vemos, por exemplo, como nossos ideais morais nascem dentro de nós.
Não haveria ideais morais se nossas respostas sensíveis, nossas alegrias e tristezas e nossa vida de pensamento dependessem de nossas percepções sensoriais do mundo externo. Nesse caso, sem dúvida, poderíamos nos deliciar com as flores do campo ou com uma bela paisagem, mas nossos corações nunca poderiam ser inflamados de entusiasmo por um ideal que pode nos iluminar de além do mundo externo, um ideal que podemos inscrever em nossos corações e aos quais somos apaixonadamente devotados. Mas não devemos apenas brilhar com entusiasmo e responder com sensibilidade na Alma Senciente; devemos também aprender a refletir.
A pessoa que só sente e não pensa pode até ser um entusiasta, mas nunca é um homem prático. Não devemos receber ideais de fora em nossa Alma Senciente; devemos permitir que eles fluam para dentro de nós do mundo espiritual e devemos trabalhar sobre eles no intelecto ou na Alma da Mente. Os ideais artísticos, arquitetônicos e assim por diante estão presentes na Alma Intelectual e na Alma Espiritual. Eles estão relacionados àquilo que o homem não pode perceber externamente, mas que permeia e ilumina seu ser interior para que se torne parte de sua vida.
À medida que acompanhamos a vida das pessoas de época em época, notamos como novas ideias surgem continuamente e como novas fontes de conhecimento oculto têm sido reveladas de tempos em tempos. De que fonte os gregos poderiam ter tirado suas concepções de Zeus e Atenas se tivessem confiado apenas na percepção externa? Tudo o que está incluído na sabedoria tradicional, nas mitologias, religiões e ciências dos povos nasceu da experiência espiritual interior. Assim, metade de nossa vida interior, a de nossa Alma Intelectual e de nossa Alma Espiritual, é alimentada de dentro.
Na verdade, na medida em que o homem está interiormente impregnado com o que acabei de descrever, os Arcanjos podem penetrar no ser interior do homem e isso define a extensão de sua participação real. Você deve, portanto, excluir da vida interior aquilo que a Alma Senciente recebe de fora e que a Alma Intelectual elabora. Então chegamos ao ‘EU’, que para nós é o membro mais elevado de nosso ser. O que introduzimos em nossa consciência moral são ideais, ideais morais e estéticos. Enquanto a percepção do mundo interior do homem é blindada, ele é capaz, por meio dos sentidos, de perceber o mundo externo de cores, sons, frio e calor.
Ao mesmo tempo, ele está ciente que por trás dessas cores, sons, calor e frio existe uma realidade fundamental, a saber, os Seres dos reinos animal, vegetal e mineral. E assim o homem pode pensar no mundo da maneira que indiquei como tendo continuidade nos reinos mais elevados. A visão desses reinos mais elevados é negada à pessoa comum e é essa perda de visão que explica o crescimento do materialismo. Se o homem pudesse ter uma visão clara sobre o reino que se estende além da Alma Intelectual e Alma Espiritual, então seria tão tolo duvidar da existência do mundo espiritual quanto seria hoje duvidar da existência dos reinos animal, vegetal e mineral.
Você vai se lembrar de como o ‘EU’ do homem, seu membro mais elevado, abraça as almas senciente, intelectual e espiritual. Agora, a vida da alma do Arcanjo começa primeiro com a existência de sua vida da alma do Intelectual ou na Alma da Mente; ele então sobe para o ‘EU’ que abrange um mundo de reinos mais elevados, um reino de realidades espirituais em que habita, como o homem habita no reino dos animais, plantas e minerais. Devemos perceber, portanto, que a vida da alma deste Ser Arcangélico pode possuir o que chamamos de ‘EU’ humano; no entanto, o ego do Arcanjo não é da mesma natureza, não é idêntico ao “EU” humano.
O ‘EU’ do Arcanjo é, na verdade, dois estágios superiores, de modo que o Arcanjo e seu ‘EU’ estão enraizados em um mundo superior. Assim como o homem vê cores e ouve sons através de sua percepção sensorial, o Arcanjo olha para o mundo que abraça o ‘EU’ como verdade objetiva; mas em torno desse “EU” ainda está reunido algo daquela parte da natureza astral que nós, seres humanos, chamamos de alma do intelecto ou mental. Pense nesses seres olhando para um mundo que não se estende a minerais, plantas e animais. Em vez disso, imagine seu olhar espiritual direcionado para sua imagem de mundo e que eles percebam centros ou pontos focais.
Esses centros são os egos humanos em torno dos quais novamente se concentra algo que aparece como uma espécie de aura. Esta imagem ilustra como o Ser Arcanjo despreza as personalidades do povo que pertence a ele e que constituem seu povo particular. Seu mundo consiste em um campo astral de percepção no qual existem certos centros; esses centros, esses pontos focais, são as personalidades humanas individuais, os egos humanos individuais. Assim como para nós cores, sons, calor e frio estão dentro de nosso campo de percepção e constituem um mundo de realidade, para os Seres Arcangélicos, para os Espíritos Populares, nós mesmos com uma parte de nossa vida interior somos o seu campo de percepção; e assim como nos propomos a conquistar a natureza e transformá-la para servir aos nossos propósitos, também nós, na medida em que pertencemos a um determinado Espírito Popular, somos a matéria-prima a ser moldada pelos Arcanjos ou Espíritos Populares.
Assim, ganhamos um insight, por mais estranho que pareça, de uma epistemologia superior dos Arcanjos. Isso é totalmente diferente da epistemologia do homem; os Arcanjos partem de uma realidade de ordem diferente. Para o homem, a realidade é tudo que pertence à extensão espacial e que conhecemos por apreensão sensorial como cor, som, calor, frio, dureza e suavidade. A realidade para os Arcanjos é o que aparece no campo da consciência humana; para eles, isso é um agregado de centros ou pontos focais em torno dos quais as experiências internas do homem são agrupadas, na medida em que essas experiências ocorrem na Alma do Intelecto ou na Alma da Mente. A atividade deles é, em comparação, de ordem superior.
Quais são as características específicas do mundo dos Arcanjos ou Espíritos Populares? O mundo do homem é caracterizado pelo fato de que ele sente um objeto quente ou frio quando o segura. O Arcanjo experimenta algo semelhante quando se encontra com as individualidades humanas. Ele se encontra com alguns que respondem mais ativamente aos poderes estimulantes da alma, homens com uma vida interior mais rica; isso causou uma impressão mais profunda nele. Outros ele considera casuais, letárgicos e psiquicamente vazios. Ele os sente como quentes ou frios, respectivamente, assim como a alma humana responde às impressões de calor e frio.
Tais são as características do mundo dos Arcanjos que, de acordo com as circunstâncias, podem valer-se dos homens individualmente e trabalhar por eles, tecendo de seu próprio ser aquilo que deve guiar todo o povo. Mas há outra maneira pela qual a vida desse arcanjo está relacionada à vida das pessoas em particular que ele está conduzindo. Assim como o gráfico da vida do homem mostra uma curva ascendente e descendente, a primavera da juventude e o inverno da velhice, o Arcanjo vivencia sua juventude e velhice na ascensão e queda da cultura de um povo.
Devemos agora olhar novamente para a vida interior de tal Arcanjo. Pelo que eu disse, você deve ter observado que o que o homem recebe de fora, o Arcanjo recebe de dentro; portanto, quando o Arcanjo experimenta os indivíduos membros de um povo como centros dentro dele, ele sente que essa experiência, de fato, se origina em sua consciência, mas, ainda assim, é estranha a ele. Assemelha-se às ideias repentinas que surgem em nossa consciência – sua influência sobre ele é em proporção inversa à influência da juventude e da idade sobre o homem. Na juventude, o homem sente que seus membros são jovens e flexíveis, em crescimento e em desenvolvimento. Na velhice, tornam-se flácidos e atrofiados. Isso é algo que o homem sente ser uma expressão de sua vida orgânica.
Agora o Arcanjo, é verdade, sente que tudo é uma expressão de sua vida interior, mas a ascensão e queda de uma nação, no entanto, parece algo estranho para ele. É algo que ele sente ser independente dele e pelo qual não é diretamente responsável, mas que lhe dá a oportunidade de encarnar em um determinado povo em um tempo determinado. Quando surge a oportunidade para a encarnação, quando um povo pode ser encontrado em todo o vigor da juventude, no período criativo de sua vida, então o Arcanjo encarna nesse povo assim como o homem encarna após passar pelo período entre a morte e o renascimento.
Da mesma forma, o Arcanjo sente sua morte iminente, sente a necessidade de se afastar das pessoas em questão ao perceber que os centros individuais começam a ser menos produtivos, menos ativos e a perder sua vitalidade interior. Então chega o momento em que ele se retira da comunidade nacional específica, entra em seu Devachan, a vida entre a morte e o renascimento, a fim de, em uma ocasião posterior, procurar outra comunidade. Assim, a primavera de um povo, seu vigor e vitalidade juvenil testificam à juventude do Espírito Popular, que ele experimenta como uma força viva e vitalizante dentro de si. Ele experimenta o declínio da vida de um povo como o enfraquecimento dos centros de seu campo interno de percepção. Isso deve dar, até certo ponto, uma visão do ser interior de uma Alma Popular em particular.
À luz dessa informação, podemos dizer que, em certos aspectos, a Alma Popular está bastante distante do ser humano individual, pois a Alma Senciente do homem e a parte inferior de sua Alma do Intelecto estão além da percepção imediata do Espírito Popular ou Arcanjo. Para o homem, entretanto, é algo muito real, algo que ele sente estar intimamente associado ao âmago de sua própria vida. Em certo aspecto, o Ser Arcanjo, o Espírito que guia uma nação, é algo que paira sobre os membros individuais. As experiências pessoais do homem que derivam de suas percepções sensoriais são totalmente estranhas ao Arcanjo que está guiando as pessoas.
Mas existem intermediários, e é importante que percebamos que tais intermediários existem. Eles são os Seres que chamamos de Anjos e eles fazem a mediação entre os Arcanjos e o homem. Você deve entender literalmente que os Espíritos Populares são Arcanjos, Espíritos que completaram a transformação de seus corpos astrais em Eu Espiritual ou Manas e agora estão em processo de transmutação de seu corpo etérico em Espírito de Vida. O intermediário entre esses seres e o homem são os Anjos. Estes são seres que estão empenhados em transmutar seu corpo astral em Eu Espiritual ou Manas, mas ainda não completaram sua tarefa. Atualmente, o homem está no estágio inicial dessa tarefa; os Anjos estão chegando ao fim dessa tarefa, mas de forma alguma terminaram com ela.
Portanto, esses Seres estão mais intimamente relacionados à vida e às atividades do homem; com toda a natureza de sua alma, eles se sentem mais atraídos para o corpo astral. Consequentemente, eles têm plena compreensão das alegrias e tristezas do homem. Mas porque eles possuem um Ego superior ao ego humano, porque são capazes de alcançar os mundos superiores, sua consciência se estende para aquelas esferas onde a consciência dos Arcanjos está ativa. Eles são, portanto, os verdadeiros intermediários entre os Arcanjos e o ser humano individual. Eles transmitem as ordens dos Espíritos Populares às almas individuais e, assim, ajudam a determinar o que o indivíduo pode fazer, não apenas por sua própria evolução, mas também por todo o seu povo.
Na vida do homem, essas duas correntes fluem lado a lado. A única corrente o leva adiante de encarnação em encarnação – diz respeito ao seu destino pessoal, que ele tem que realizar de modo a cumprir aquele dever que é para ele o mais solene e sagrado porque é peculiarmente seu. Ele não pode se dar ao luxo de ficar parado porque suas capacidades latentes ficariam inativas se ele deixasse de cultivá-las. Tal é o seu destino individual em virtude do qual ele progride de encarnação em encarnação.
Mas sua contribuição para seu próprio povo, tudo o que diz respeito aos assuntos de sua comunidade imediata, provém da inspiração do Anjo que transmite as ordens do Arcanjo ao indivíduo.
Podemos facilmente imaginar, portanto, um povo habitando um determinado território; sobre este povo estende-se a aura etérica do povo no qual atuam as forças do Espírito Popular, modificando o corpo etérico do homem de acordo com os três tipos de força. Nesta aura popular, o arcanjo está trabalhando. Devemos pensar nele como um Ser superior, dois estágios mais elevados do que o homem na evolução, pairando sobre todo o povo, emitindo diretrizes sobre o que esse povo como um todo deve cumprir. O Arcanjo sabe quais passos devem ser dados durante o período criativo de um povo, quando seu vigor e vitalidade juvenil são mais fortes. Ele sabe quais objetivos devem ser perseguidos por um povo durante o período de transição da juventude à idade, a fim de que suas diretrizes funcionem da maneira correta.
Este plano grandioso é obra dos Arcanjos. Aqui no plano físico, o ser humano individual deve assegurar que esses grandes objetivos sejam realizados. Entre o indivíduo e os Arcanjos estão os Anjos que fazem a mediação entre eles. Os Anjos o impelem para a localidade que lhe foi ordenada, para que os sentimentos do povo coincidam nas grandes ordenações dos Arcanjos. Veremos isso na perspectiva adequada se tomarmos o que venho descrevendo, não simplesmente como uma alegoria, mas como uma aproximação da realidade.
Agora, todo o padrão de eventos tecido pelos Arcanjos está sujeito à influência dos Arcanjos anormais, os Espíritos da linguagem, como descrevi ontem. Também descrevemos como os Espíritos da Personalidade anormais, os Archai ou Arqueus, exercem sua influência. Podemos agora voltar nossa atenção para o domínio no qual os Arcanjos emitem suas diretrizes, nas quais eles distribuem as várias tarefas que são então transmitidas pelos Anjos aos indivíduos separados.
Mas os Arcanjos também são capazes de trabalhar na esfera dos Espíritos anormais da Personalidade, e na cooperação mútua dos Arcanjos com os Espíritos anormais da Personalidade – visto que estes perseguem objetivos totalmente diferentes – é possível que os planos dos arcanjos fiquem frustrados em certos aspectos. Quando isso ocorre, quando esses Espíritos de Personalidade anormais frustram os desígnios dos Arcanjos, surgem grupos com tarefas especialmente designadas dentro da própria nação. Nessas circunstâncias, a atividade dos Espíritos da Personalidade é visível externamente.
Isso pode durar séculos. Na Alemanha, por exemplo, onde hoje há uma necessidade urgente de trabalho antroposófico, você viu durante séculos essa interação do Arcanjo dos alemães e os espíritos da personalidade separados, às vezes opostos. A fragmentação de uma nação alemã em muitos grupos étnicos menores ilustra a interação dos Espíritos da Personalidade anormais com o Arcanjo.
Nações como essa são pouco centralizadas; eles olham mais para o desenvolvimento da individualidade. De certa forma, isso é bom, pois uma variedade de matizes dentro do caráter nacional pode, assim, encontrar expressão.
Pode-se também tomar o outro caso em que não o Espírito da Personalidade anormal, mas o Espírito da Personalidade normal, expressando-se no Espírito da Era, assume por um certo tempo uma importância maior do que normalmente resultaria do curso normal dos eventos.
Ao estudar um povo, consideramos o Arcanjo como seu princípio orientador. Então segue a influência do Espírito da Era que dá suas diretrizes ao Arcanjo das diferentes nações e estes, por sua vez, as dão aos Anjos que as transmitem aos indivíduos separados. Porque, via de regra, vemos apenas o que é óbvio, então, nessa ação combinada, a atividade dos Arcanjos é vista como o elemento mais importante.
Podem surgir circunstâncias, no entanto, quando o Espírito da Era tem que emitir diretivas mais importantes e mais urgentes, quando ele é compelido, por assim dizer, a assumir parte da autoridade do Arcanjo, porque ele deve separar uma parte das pessoas para que a tarefa da Era, a missão do Espírito da Era, possa ser cumprida. Nesse caso, os grupos nacionais se separaram do resto; o Espírito da Era visivelmente vence a influência do Arcanjo. Um caso em questão ocorreu quando o povo holandês cortou sua ligação com o povo alemão.
A Holanda e a Alemanha compartilhavam originalmente um arcanjo em comum; a separação ocorreu porque o Espírito da Era destacou uma parte das pessoas em um determinado momento e então transferiu para essa parte o que se tornou o interesse vital do Espírito da Era moderno. A história holandesa é simplesmente um reflexo desse processo interno – na realidade, toda a história é apenas uma expressão externa, um Maya, de um processo interno. No caso presente, vemos a separação do povo holandês do local de registro teutônico comum externamente.
Mas a realidade interior é que o Espírito da Era exigia um instrumento para cumprir sua missão no exterior. Toda a missão do povo holandês estava nas mãos do Espírito da Era. O propósito da separação era permitir que o Espírito da Era alistasse essa parte do povo em seu serviço, de modo a executar tarefas importantes em um momento específico da história. O que os historiadores descrevem é apenas maya; a história é mais oculta do que revela os fatos.
Podem encontrar-se outros exemplos que ilustram de forma contundente esta situação, nomeadamente, o rompimento de Portugal com a Espanha, onde uma parte do povo teve de se separar do corpo principal do povo. Você pode procurar em vão por outras explicações; você descobrirá que, neste caso, é simplesmente uma questão de vitória do Espírito da Era sobre o Arcanjo. Se você analisar os eventos individualmente, verá que a oportunidade foi aproveitada – e tais oportunidades eram raras – para formar um povo especial. Os espanhóis formavam com os portugueses um grupo homogêneo.
A razão externa para este corte talvez seja que os rios só eram navegáveis até a fronteira portuguesa. Não há outra explicação geográfica. A razão interior, por outro lado, era que as tarefas específicas a cumprir pelos portugueses eram diferentes das do povo espanhol unido. Aqui vemos os Espíritos da Era desenvolvendo uma atividade mais intensa do que normalmente apresentam. A harmonia que prevalecia até então é substituída por um novo relacionamento. Em vez de dar suas diretrizes ao Arcanjo, o Espírito da Época intervém diretamente na história do povo, e outros Espíritos aproveitam a oportunidade para encarnar.
Quando tal povo é separado de seu grupo racial, então, naquele entusiasmo inicial que toma conta dos membros individuais, o Espírito da Era desempenha por um tempo as funções do Arcanjo tão completamente que quase nenhuma evidência de separação sobrevive à atmosfera de excitação e fermento neste povo. Esse vigor e vitalidade, esse espírito de objetividade, derivam da missão do Espírito da Idade. Então, um Arcanjo normal e anormal tem a oportunidade de encarnar naquela seção do povo que se separou.
Assim, vemos o crescimento dos povos holandeses e portugueses que agora estão sob a orientação de seus próprios Arcanjos normais e anormais. E a influência desses seres espirituais é vista na diferença de temperamento que se reflete nas personalidades individuais desses dois povos. O trabalho desses seres espirituais é bastante notável, e agora reconhecemos que os eventos externos da história são simplesmente uma expressão de sua atividade.
Gradualmente, o ditado de que o mundo externo é Maya ou ilusão passa a ter uma importância cada vez maior. Os eventos externos da história são simplesmente o reflexo externo dos Seres suprassensíveis, assim como o homem é o reflexo externo do homem interno. Por esta razão, tive que insistir, e devo enfatizar isso repetidamente, que o ditado “o mundo é Maya” é tão vitalmente importante. Não é suficiente enfatizar isso de forma abstrata; devemos estar em posição de aplicá-lo a todos os aspectos da vida.
Agora, como sabemos, outros Espíritos e Hierarquias estão ativos no mundo. Já falamos dos Arcanjos normais e anormais. Os Arcanjos anormais mostraram-se, na realidade, Espíritos da Forma ou Potestados que renunciaram apenas em parte aos atributos de sua evolução. A questão que agora se coloca é qual é a posição dos Espíritos da Forma normais? Os Espíritos da Forma normais estão quatro estágios além do homem – teremos mais a dizer sobre eles em nossa próxima aula.
Na ordem hierárquica mencionada ontem, os Espíritos da Forma não ocupam o posto mais alto. Acima deles estão os Espíritos do Movimento, Dynamis ou Potestados; além deles estão os Espíritos da Sabedoria, Kyriotetes. Eu me referi a esses diferentes seres espirituais em meus livros Ciência Oculta.
Agora você deve entender que a lei da renúncia, do desenvolvimento adiado, se aplica também aos Seres superiores, que os Espíritos do Movimento que estão cinco estágios além do homem também podem ficar para trás com certos atributos, aos quais certos Espíritos do Movimento estão hoje ligados evolução humana como se eles fossem agora apenas Espíritos da Forma ou Potestados. Em relação a certos atributos, eles são realmente Espíritos do Movimento, ao passo que em relação a outros atributos que eles sacrificaram, eles são Espíritos da Forma.
Assim, existem Espíritos da Forma normais quatro estágios além do homem e outros Seres que trabalham na mesma esfera que os Espíritos da Forma, mas que são realmente Espíritos do Movimento. Assim como existe uma esfera na qual os Arcanjos normais e anormais cooperam, também temos aqui uma esfera na qual os Espíritos da Forma normais e anormais, os Espíritos do Movimento anormais, cooperam. Por meio dessa interação são formadas as raças da humanidade. Raça não deve ser confundida com nação.
Se abordarmos o assunto sob essa luz, evitaremos confusão e nossas ideias serão mais elásticas. Uma nação não é uma raça. O conceito de nação não tem nada a ver com o de raça. Uma raça pode ser dividida em muitas nações diferentes; as raças são diferentes das comunidades folclóricas ou populares. Falamos com razão de uma nação alemã, holandesa ou norueguesa; ao mesmo tempo, falamos de uma raça germânica. Agora, o que está por trás do conceito de raça?
Aqueles Seres que descrevemos como Espíritos da Forma normais trabalham em conjunto com aqueles Seres que viemos a conhecer como Espíritos da Forma anormais, mas que são Espíritos do Movimento na realidade, encarregados da missão de Espíritos da Forma. Esta é a razão pela qual a humanidade está dividida em raças. Aquilo que confere ao homem sua estatura humana, que torna todo homem, independentemente de sua raça, um membro da espécie humana – este é o trabalho dos Espíritos da Forma normais. O que divide toda a humanidade em raças é obra dos Espíritos da Forma anormais que fizeram um ato de renúncia para que, em vez de uma única família humana, pudesse existir uma grande diversidade de tipos na Terra.
Assim, obtemos uma visão do pano de fundo espiritual do qual os povos emergem e são, portanto, capazes de acompanhar sua evolução em toda a Terra. Nós descobrimos que, em virtude dos Espíritos da Forma normais, uma Humanidade comum deveria existir na Terra; que os espíritos retrógrados do Movimento entram na esfera pertencente aos Espíritos da Forma e, como Espíritos da Forma anormais, são responsáveis por diferenciar a humanidade em todo o mundo em raças.
Quando examinamos os propósitos desses Espíritos, quando investigamos de perto os objetivos e objetos desses Espíritos da Forma normais e anormais, então devemos entender os projetos que eles têm para as raças da humanidade e como, através dessas raças, um fundamento é estabelecido para o que deve emergir deles. Se tomarmos o exemplo de um povo em particular e o estudarmos, então, à luz do que dissemos, teremos entendido e compreendido esse povo.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 9 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 121 – Christiania (Oslo), 7 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 1
ANJOS, ESPÍRITOS DOS POVOS E ESPÍRITOS DO TEMPO: SUA PARTE NA EVOLUÇÃO DA HUMANIDADE
Tenho o grande prazer de falar mais longamente, pela terceira vez, aos nossos amigos da Noruega e gostaria de dizer brevemente, em resposta às cordiais saudações do nosso amigo Sr. Eriksen, que os retribuo de uma forma igualmente cordial e sincera maneiras.
Espero que o ciclo de palestras que estou prestes a realizar venha a contribuir em algum grau para a compreensão geral da Antroposofia. No decorrer dessas palestras, gostaria de chamar sua atenção para o fato de que elas devem necessariamente incorporar muito do que se refere às verdades fundamentais da Ciência Espiritual e, ao mesmo tempo, algo que, por enquanto, está bastante distante do homem, pensando hoje.
Peço, portanto, especialmente aos nossos amigos que estão menos familiarizados com as questões mais amplas da Antroposofia, que tenham em mente que não devemos progredir em nosso campo de investigação se, ocasionalmente, não dermos repetidamente um grande salto para a frente. Aquelas regiões de conhecimento espiritual que estão realmente um tanto distantes do pensamento, sentimento e percepção do homem hoje.
Desse ponto de vista, às vezes será necessário pedir-lhes que aceitem o que terei a dizer com uma certa dose de boa vontade, uma vez que fornecer as evidências e provas necessárias para minhas declarações nas próximas palestras exigiria mais tempo do que eu tenho à minha disposição. Não deveríamos abrir novos caminhos nesta esfera se eu não apelasse a um mínimo de boa vontade de vocês e à sua compreensão espiritual simpática. Na verdade, o tema que abordaremos aqui é um que até agora tem sido evitado particularmente por ocultistas, místicos e teosofistas, e tem sido evitado pela própria razão de que maior objetividade é necessária se quisermos aceitar as informações que proponho oferecer sem, ocasionalmente, despertar certo grau de oposição.
Talvez as implicações disso sejam mais bem compreendidas se vocês lembrarem que em um determinado estágio do desenvolvimento místico ou oculto, a pessoa é chamada de “sem-pátria”. Esta é uma expressão técnica. E se quisermos caracterizar sem mais delongas – já que não estamos discutindo o caminho do conhecimento – o que entendemos pelo termo ‘homem sem-pátria’ podemos dizer resumidamente que um ‘homem sem-pátria’ é aquele cuja compreensão e domínio das grandes leis da humanidade não pode ser influenciado por qualquer coisa que uma pessoa adquira através da associação com seu país natal. Além disso, um “homem sem-pátria” é aquele que é capaz de se identificar com as grandes leis da evolução humana, sem permitir que as nuances específicas de percepção e sentimento associados ao seu país nativo influenciem sua visão.
Segue-se então que um certo grau de maturidade no desenvolvimento místico e oculto exige uma atitude sem preconceitos em relação à nossa herança que consideramos justificadamente uma dádiva inestimável e que, por outro lado, em relação à vida humana individual, descrevemos como a missão dos Espíritos dos Povos individuais que, valendo-se das raízes ocultas e do espírito de cada povo, dão suas contribuições individuais e concretas à missão coletiva da humanidade.
Propomos, portanto, descrever esta herança da qual o ‘homem sem-pátria’ deve se libertar até certo ponto. Agora, os “homens sem-pátria” de todos os tempos, desde as eras primitivas até nossos dias, sempre souberam que, se descrevessem em detalhes o estado de “sem-pátria”, teriam pouca compreensão.
Em primeiro lugar, a voz do preconceito os censuraria por cortarem sua ligação com seu solo nativo, por terem sacrificado sua herança. Porém, não é assim. Na realidade, o “sem-pátria” é, ou pode ser, um desvio, para que, uma vez alcançado esse santuário, o estado de “sem-pátria”, o ‘sem-pátria’ possa redescobrir a quintessência do povo e alcançar uma relação harmoniosa com o elemento estável na evolução da humanidade. É necessário, desde o início, chamar a atenção para isso.
Por outro lado, temos todos os motivos, especialmente no momento presente, para falar de forma bastante imparcial sobre a missão da Alma de Povo individual. Assim como era justificável manter um silêncio absoluto sobre sua missão até então, também hoje é conveniente começar a falar dessa missão.
É particularmente importante porque o destino da humanidade no futuro próximo reunirá os homens em uma medida muito maior do que tem sido o caso, a fim de cumprir uma missão comum a toda a humanidade. Mas os membros dos povos individuais só poderão oferecer suas próprias contribuições livres e positivas se tiverem, acima de tudo, uma compreensão de sua origem étnica, uma compreensão do que poderíamos chamar de “o autoconhecimento do povo”.
A injunção “Conheça a si mesmo!” desempenhou um papel importante nos mistérios apolíneos da Grécia antiga. Em um futuro não muito distante, a seguinte injunção será dirigida à Alma dos Povos: “Conheça-se como Alma de Povo.” Esta máxima terá um certo significado para a atividade da humanidade no futuro.
Agora, em nossa época, é particularmente difícil admitir a existência de seres inacessíveis à percepção sensorial. Hoje, entretanto, podemos estar mais preparados para reconhecer que certos membros do ser do homem são suprassensíveis e invisíveis.
A ideia de que seres como o homem, que pelo menos em seu aspecto externo podem ser apreendidos fisicamente, também podem ter membros invisíveis e suprassensíveis, será mais prontamente aceita pela perspectiva materialista moderna. Mas é pedir muito aos nossos tempos que acreditem na existência de seres que, do ponto de vista comum, não têm realidade.
Pois o que se entende pelo termo Alma dos Povos ou Espírito do Povo, que se ouve ocasionalmente?
Na melhor das hipóteses, é algo que se reconhece ser uma característica comum, peculiar a centenas e milhões de pessoas concentradas em uma determinada área geográfica. É difícil persuadir o homem de hoje de que, além dos milhões abundantes nesta área, existe uma realidade viva, uma realidade que ele consideraria idêntica à concepção do Espírito Popular e que está subjacente a esta concepção.
Se perguntássemos – para tomar um caso não polêmico – o que entendemos hoje por Espírito Popular Suíço, descreveríamos em termos abstratos algumas características peculiares às pessoas que habitam as regiões suíças dos Alpes e do Jura. Seria perfeitamente claro para nós que essa descrição não guarda relação com nada que possa ser conhecido por meio da cognição externa. Os primeiros passos para a compreensão desta realidade viva é a admissão franca de que é possível imaginar a existência de Seres reais que não são imediatamente perceptíveis aos sentidos; que existem entre os seres perceptíveis aos sentidos outros Seres invisíveis em ação, que se expressam por meio de seres visíveis, assim como o ser humano se expressa por meio de seus dedos e mãos.
Podemos, portanto, falar de um espírito popular suíço da mesma maneira que falamos do espírito de um homem. Podemos distinguir com a mesma clareza entre o Espírito do homem e seus dez dedos, que são órgãos desse Espírito, como podemos distinguir o Espírito Popular Suíço dos milhões de pessoas que vivem nas montanhas da Suíça. O Espírito Popular é algo bem diferente das pessoas, mas, no entanto, um Ser espiritual, assim como o próprio homem é um ser espiritual. A diferença entre o homem e o Espírito Popular é que a forma externa do homem é conhecida por meio dos sentidos.
Enquanto o ser humano é conhecido pela percepção sensorial, um espírito popular não tem manifestação externa; não é algo que pode ser conhecido por meio da experiência dos sentidos ou impressões sensoriais e, ainda assim, é inequivocamente um Ser real.
Hoje devemos nos esforçar tanto quanto possível para formar uma ideia de tal Ser. Como procedemos na Ciência Espiritual se desejamos formar uma ideia de um Ser real? Proponho-me ilustrar isso com um exemplo característico. Primeiro, estudamos o ser do homem. Do ponto de vista da Antroposofia, distinguimos o corpo físico, corpo etérico, corpo astral ou senciente e “eu” ou ego, que consideramos o membro mais elevado. Sabemos, portanto, que o homem de hoje é constituído por esses corpos. Agora você já sabe que esperamos uma evolução da humanidade no futuro e que o ego atua sobre os três membros inferiores do ser humano, espiritualiza-os e transmuta-os da forma inferior atual para a forma superior do futuro.
O ego transmutará o corpo astral em Manas ou Eu Espiritual, de modo que se torne algo diferente do que é hoje. Da mesma forma, em um nível superior, o ego irá remodelar e transmutar o corpo etérico ou vital em Espírito de Vida ou Buddhi. Finalmente, a maior conquista do homem que podemos imaginar no momento é a espiritualização do corpo físico, o membro mais intratável de seu ser. Quando nosso corpo físico atual, o membro mais denso e material, for transmitido ao Atma ou Homem Espiritual, ele será o membro mais elevado do ser do homem. Assim, estamos familiarizados com três membros do organismo humano que se desenvolveram em épocas anteriores, o organismo no qual estamos atualmente encarnados e três outros que o ego transformará em algo novo no futuro.
Assim como a Alma Senciente ou Alma das Sensações mantém uma certa relação com o corpo Senciente, o mesmo acontece com a Alma do Intelecto ou Alma da Mente com o corpo etérico, de modo que a Alma do Intelecto ou Alma da Mente é um débil prenúncio do que será o Espírito de Vida ou Buddhi – um débil prenúncio, é verdade, mas não menos um prenúncio. E na Alma Espiritual (ou Alma da Consciência), o “EU” desceu até o corpo físico até certo ponto. Portanto, a Alma Espiritual é um débil prenúncio do que um dia será o Homem Espiritual ou Atma. Assim, além da transformação limitada de seu corpo astral que ele já alcançou como um primeiro passo para o desenvolvimento do Eu Espiritual ou Manas, reconhecemos no homem hoje quatro membros diferentes. Podemos distinguir:
– o corpo físico
– o corpo etérico
– o corpo astral
– o ego que trabalha dentro deles, e ainda como um prenúncio dos membros superiores:
– a Alma Senciente ou Alma das Sensações
– a Alma do intelecto ou Alma da Mente
– a Alma Espiritual ou Alma da Consciência.
Tal é o homem como o conhecemos hoje; tal é a nossa compreensão do homem no presente estágio de sua evolução. Vemos claramente o ego moldando os membros superiores depois que as almas sencientes, intelectuais e espirituais já prepararam o terreno. Vemos o ego trabalhando com as forças das Almas Sencientes, Intelectuais e Espirituais sobre o corpo astral, sobre o embrião do Eu Espiritual. Vemos o homem participando dessa fase de seu desenvolvimento.
Aqueles de vocês – sem dúvida a maioria de vocês – que se preocuparam com pesquisas sobre o Registro Akáshico, com a evolução do homem no passado primevo e a perspectiva de um futuro distante, saberão que o homem, como eu o retratei no breve esboço que apresentei, evoluiu. Podemos olhar para um passado distante, quando o homem precisou de longos períodos de tempo para sua evolução, de modo a preparar as bases, primeiro para seu corpo físico, depois para o corpo etérico e finalmente para o corpo astral, e então para desenvolver ainda mais esses três membros. Você também saberá, sem dúvida, que o homem não completou a evolução anterior de seu ser, a evolução de seu corpo astral, por exemplo, numa época em que a Terra estava na mesma condição que está hoje, mas que ele desenvolveu seu corpo astral em um ciclo terrestre anterior, a época da Antiga Lua.
Assim como reconhecemos que nossa vida presente é consequência de encarnações anteriores, também percebemos que a própria Terra conheceu encarnações anteriores. A Alma Senciente e a Alma Intelectual foram criadas pela primeira vez durante nossa época atual na Terra, o corpo astral durante a época da Velha Lua, o corpo etérico em um estágio ainda anterior, o do Velho Sol e o corpo físico durante o antigo Saturno. Assim, olhamos para trás, para três encarnações da Terra e em cada uma dessas encarnações, vemos um dos membros que o homem carrega dentro de si hoje implantado primeiro como uma semente e depois aperfeiçoado.
Ao falar do Antigo Saturno, das condições do Antigo Sol e da Antiga Lua, outro fator deve ser considerado. Nós, seres humanos (na Terra), estamos agora passando pelo estágio de autoconsciência que outros seres passaram durante os primeiros estágios de nossa evolução terrestre, os estágios da Antiga Lua, Antigo Sol e Antigo Saturno. É irrelevante se adotamos a terminologia do Oriente ou a terminologia mais familiar do Ocidente para descrever esses Seres. Aqueles seres que passaram por seu estágio humano na Antiga Lua e que, portanto, estão um estágio acima do Homem, foram chamados na terminologia esotérica cristã de Angeloi ou Anjos. Eles estão um estágio acima do homem porque completaram seu estágio de evolução humana uma época antes. Seu modo de existência na Antiga Lua era diferente daquele do homem na Terra hoje. Eles eram seres no estágio humano, mas não encarnavam em um corpo físico. Seu estágio de evolução correspondeu ao estágio humano que o homem vive hoje.
Da mesma forma, encontramos seres de uma ordem superior que passaram por seu estágio humano no Antigo Sol. Esses seres são os Arcangeloi ou Arcanjos que estão dois estágios além do homem e que passaram por seu estágio humano duas épocas antes. Se voltarmos ainda mais para a primeira encarnação de nossa existência na Terra, o Velho Saturno, descobriremos que aqueles Seres a quem chamamos de Espíritos da Personalidade ou Archai passaram por seu estágio humano no Velho Saturno. Se tomarmos nosso ponto de partida daqueles Seres que eram homens no passado primitivo, no Velho Saturno, e seguirmos as encarnações da Terra até nossos próprios tempos, temos uma imagem dos estágios de evolução dos vários Seres até o dia de hoje. Para resumir: os Primeiros Principados, os Archai, eram homens no Velho Saturno, os Arcanjos ou Archangeloi eram homens no Velho Sol, os Anjos ou Angeloi eram homens na Velha Lua e os homens são homens em nossa Terra.
Sabendo que continuamos nossa evolução para o futuro e que desenvolvemos ainda mais nosso corpo astral presente, etérico/vital e nosso corpo físico, surge a pergunta: não é igualmente natural que os seres que já experimentaram o estágio humano já alcançaram o estágio em que estão transmutando seu corpo astral em Eu Espiritual ou Manas? Assim como durante a próxima encarnação da Terra, o estágio de Júpiter, devemos completar a transmutação de nosso corpo astral em Eu Espiritual ou Manas, os Angeloi que passaram pelo estágio humano na Antiga Lua completaram a transmutação de seus corpos astrais em Espírito Self ou Manas, ou farão isso durante a evolução da Terra, um estágio que ainda teremos que passar na próxima encarnação da Terra. Se olharmos ainda mais para trás, para os Seres que passaram pelo estágio humano no Antigo Sol, percebemos que eles já experimentaram na Antiga Lua o estágio que teremos que experimentar pela primeira vez na próxima encarnação da Terra.
Eles estão realizando o trabalho que será prerrogativa do homem quando, em seu ego, ele transmuta seu corpo etérico ou vital em Espírito de Vida ou Buddhi. Esses Arcanjos, portanto, são seres que estão dois estágios além do homem; eles alcançaram o estágio que um dia será nosso, quando de dentro de nosso ego, devemos transformar o corpo vital em Espírito de Vida ou Buddhi.
Quando contemplamos esses seres, os reconhecemos como seres que estão dois estágios além de nós mesmos, que prenunciam o que nós mesmos iremos experimentar no futuro; eles são seres que agora estão trabalhando em seu corpo etérico ou vital e o estão transmutando em Espírito de Vida ou Buddhi. Da mesma forma, conhecemos Seres ainda superiores, os Espíritos da Personalidade (Archai). Eles estão em um estágio ainda mais elevado do que os Arcanjos, um estágio que o homem alcançará em um futuro ainda mais distante, quando será capaz de transmutar seu corpo físico em Atma ou Homem Espiritual.
Tão certo quanto o homem está no presente estágio de desenvolvimento, certamente estão esses Seres superiores nos respectivos estágios de desenvolvimento que acabei de caracterizar. Duvidamos de sua realidade tanto quanto duvidamos de sua superioridade sobre nós mesmos. Agora, esta realidade não está sem relação com nossa vida na Terra; ela penetra nela e age sobre ela. A questão agora é: que forma assume a atividade desses seres superiores?
Para entender isso, devemos ter em mente que, do ponto de vista espiritual, a atividade de tais Seres será diferente da do homem hoje. Na verdade, há uma diferença considerável entre esses seres, que são superiores ao homem, e aqueles que agora estão apenas no estágio humano (nós). Por mais estranho que possa parecer, ficará perfeitamente claro para você no decorrer das próximas palestras.
A verdadeira investigação espiritual mostra que o homem, tal como o conhecemos hoje, está, até certo ponto, em um estágio intermediário de sua existência. Seu ego nem sempre trabalhou em seus veículos inferiores da mesma forma que o faz hoje. A entidade humana inteira no tempo presente é, até certo ponto, um todo inter-relacionado e forma, por assim dizer, uma unidade ininterrupta. Esta situação será consideravelmente modificada na evolução futura da humanidade. Quando, em última instância, o homem tiver se desenvolvido tanto que será capaz de trabalhar em seu corpo astral em plena consciência e, por meio de seu ego, transmutar seu corpo astral em Eu Espiritual ou Manas, então ele experimentará em plena consciência uma condição semelhante ao estado inconsciente ou subconsciente do homem durante o sono.
Considere por um momento a condição do homem durante o sono. Seu corpo astral e eu renunciam aos corpos físico e etérico, que ele deixa na cama, e flutuam fora deles. Agora imagine que nesta condição o homem desperta para a autoconsciência, que ele está tão plenamente consciente em seu corpo espiritual quanto em sua vida desperta. Quão notável seria a impressão que o homem tinha de si mesmo! Em um momento, ele sentiria:
“Aqui estou; abaixo de mim, talvez a alguma distância, estão meus corpos físico e etérico que são parte de mim, enquanto eu com meus outros membros estou flutuando fora e acima deles.”
Se, atualmente, o homem se torna consciente em seu corpo astral, ou seja, fora de seus corpos físico e etérico, então ele está limitado aos movimentos livres e aleatórios de seu corpo astral e pode ser ativo no mundo independentemente de seu corpo físico, atividades que são negadas aos seus corpos físico e etérico. Num futuro distante, porém, ele poderá direcioná-los de fora – por exemplo, de um lugar no norte da Europa para algum outro lugar; ele será capaz de comandar seus movimentos e dirigi-los externamente. Isso ainda não é possível no momento, mas será uma possibilidade quando ele tiver evoluído do estágio de evolução da Terra para o de Júpiter, o próximo estágio na evolução do homem. Sentiremos então que podemos nos dirigir de fora. Essa é a etapa essencial. E isso implica uma transformação da condição atual do homem. Aqui a consciência materialista está perdida. É incapaz de perceber que as atividades espirituais agora em ação numa certa extensão no mundo externo também estarão ativas interiormente no ser humano em algum momento futuro.
Tais fenômenos já existem e o homem poderia percebê-los se ao menos lhes desse atenção. Ele então veria que existem certas entidades, por exemplo, que se desenvolveram prematuramente. Assim como o homem, se esperar o momento apropriado, alcançará o estado de Júpiter no momento certo para que então seja capaz de dirigir seus corpos físico e etérico, também existem seres que em certo aspecto se desenvolveram prematuramente. Esses seres desenvolvidos prematuramente podem ser encontrados entre as aves, especialmente as aves migratórias. Aqui temos um exemplo da alma-grupo com a qual o corpo etérico de cada ave individual está relacionado.
Assim como a alma-grupo dirige as migrações regulares dos pássaros, o homem, depois de desenvolver o Eu Espiritual ou Manas, comandará seus corpos físico e etérico; ele irá controlá-los e dirigi-los. Ele fará isso de fora em um sentido ainda mais elevado, quando tiver se aperfeiçoado de tal forma que ainda esteja no processo de transmutação de seu corpo etérico ou vital. Os seres que já podem fazer isso hoje são os Arcanjos ou Arcangeloi. Eles são seres que já podem fazer o que o homem será capaz de fazer algum dia, seres que são capazes de compreender o que é chamado de “dirigir os corpos físico e etérico de fora”, mas que ao mesmo tempo são capazes de trabalhar nos seus próprios corpos etéricos.
Tente formar uma ideia de Seres vivendo e trabalhando como se estivessem com seu ego na atmosfera espiritual de nossa Terra, cujo EU já transformou o corpo astral e que com seu Eu Espiritual totalmente desenvolvido ou Manas continuam a trabalhar em nossa Terra e nos seres humanos, transformando nosso corpo etérico ou vital. Seres que estão eles próprios no estágio de transmutação de seu corpo etérico ou vital em Buddhi ou Espírito de Vida. Se você imaginar tais Seres que estão no estágio de Arcanjo entre as Hierarquias espirituais, você terá uma ideia do que são chamados de “Espíritos dos Povos”, os Espíritos dos Povos dirigentes da Terra. Os Espíritos dos Povos pertencem à categoria dos Arcanjos ou Archangeloi. Veremos como eles, no que lhes concerne, dirigem seu próprio corpo etérico ou vital, e como assim atuam na humanidade e assim atraem a humanidade para a esfera de sua própria atividade. Se examinarmos os diversos povos da Terra e selecionarmos exemplos individuais, veremos na vida e na atividade desses povos, nos atributos característicos desses povos, um reflexo do que consideramos missão dos Espíritos dos Povos ou Espíritos Populares ou Espíritos Folclóricos (Folk Spirits).
Quando reconhecemos a missão desses Seres – pois eles são os inspiradores das nações – podemos então dizer o que uma nação realmente é. Uma nação é um grupo homogêneo de pessoas dirigido por um dos Arcanjos. Tudo o que os membros individuais de uma nação realizam ou realizam é inspirado por eles, ou seja, pelos Arcanjos. Portanto, se podemos conceber que esses Espíritos Populares, como os seres humanos, revelam diferenças individuais, não teremos dificuldade em compreender que os povos individuais refletem a missão particular de seus Arcanjos individuais. Se tivermos uma imagem mental clara de como na história do mundo nação sucede nação, como povos trabalham lado a lado, podemos então imaginar, pelo menos teoricamente – e teremos cada vez mais evidências concretas nas próximas palestras – como todas essas circunstâncias mutáveis são inspiradas por esses seres espirituais.
Mas, além da evolução dos povos e de tudo o que está associado à sua evolução, ocorre uma evolução progressiva da humanidade. Se consideramos uma civilização em particular superior a outra, não tem importância. Expressar uma preferência pela velha cultura indiana é uma questão de opinião pessoal. Mas aquele que não é influenciado por opiniões pessoais será indiferente aos julgamentos de valor. O progresso humano segue inelutavelmente o curso necessário dos eventos, embora alguns possam mais tarde considerar isso como um declínio.
Quando comparamos os vários períodos, 5.000 aC, 3.000 aC e 1.000 dC estamos cientes da existência de algo que transcende os Espíritos dos Povos, algo em que os vários Espíritos dos Povos participam. Você pode observar isso no momento. Como é possível que tantas pessoas possam sentar-se juntas neste salão, pessoas que vieram aqui de muitos países diferentes e que se entendem ou tentam se entender quando tocam em questões vitais que os uniram aqui?
Eles vêm das esferas de atividade de Espíritos Folclóricos (Espíritos de Povos) amplamente diferentes e, ainda assim, têm algum fundamento comum de compreensão. Da mesma forma, várias pessoas foram capazes de se entender nos tempos atlantes, porque em cada época há algo que transcende a alma popular (dos povos), que pode reunir as várias almas populares, algo que é mais ou menos compreendido universalmente. Este é o Zeitgeist ou Espírito do Tempo, o Espírito da Era, para usar um termo infeliz que é de uso comum. Cada época tem seu Zeitgeist particular; o Zeitgeist da época grega difere daquele de nossa época.
Aqueles que entendem o Espírito hoje são atraídos para a Ciência Espiritual. É este Espírito que, refletindo o Espírito da Idade, transcende as Almas Folclóricas* individuais. Na época em que Cristo Jesus apareceu na Terra, Seu precursor João Batista caracterizou o Espírito, que pode ser descrito como Zeitgeist, nestas palavras: “Arrependam-se, mudem sua atitude mental, porque o reino dos céus está próximo”.
* Almas Folclóricas ou Almas Populares ou Alma de Povos
Assim, para cada época podemos descobrir o Espírito da Época, que é algo que permeia a atividade dos Espíritos Populares, uma atividade que já descrevemos como a atividade dos Arcanjos. Para o materialista de hoje, o Espírito da Época é uma abstração, destituída de realidade; ainda menos ele estaria preparado para aceitar o Espírito da Época como uma entidade autêntica. No entanto, o termo “Espírito da Era” oculta a existência de um Ser real, que está três estágios acima do homem. Ele esconde a identidade dos Seres, os Archai, que passaram por seu estágio humano no Velho Saturno e que atualmente estão trabalhando desde a aura espiritual da Terra na transformação da Terra e estão, portanto, passando pelo último estágio da transformação. de seu corpo físico em Homem Espiritual ou Atma. Estamos aqui lidando com Seres exaltados e a contemplação de seus atributos pode muito bem nos oprimir.
Eles são os Seres que podem ser descritos como os inspiradores – ou se escolhermos usar a expressão técnica do ocultismo – os “intuidores” do Espírito ou Espíritos da época. Eles trabalham de tal forma que substituem um ao outro e se apoiam mutuamente. De época em época, eles passam a missão ao sucessor. O Espírito da Época, que atuou na época grega, entregou sua missão ao seu sucessor, e assim por diante. Como já observamos, existem vários desses Espíritos do Tempo, desses Espíritos da Personalidade que atuam como Espíritos da Época. Esses espíritos de personalidade, esses inspiradores do espírito da época, são de uma ordem superior aos espíritos populares. Em cada época um desses Espíritos da Personalidade predomina e marca toda a época, atribui aos Espíritos Populares suas tarefas específicas, de modo que todo o espírito da época é determinado pelas características especiais ou individuais do Espírito Popular. Então, na época seguinte, outro Espírito de Personalidade, outro dos Archai, assume.
Após decorrido um certo número de épocas, um Espírito da Era evoluiu ainda mais. Devemos imaginar isso da seguinte maneira: quando morremos, tendo completado nosso atual estágio de evolução, nossa personalidade transmite as conquistas desta vida terrena para a próxima vida terrestre. O mesmo vale para os Espíritos da Época. Em cada Era temos um tal Espírito da Era e, no final da época, ele entrega a seu sucessor, que, por sua vez, entrega a seu sucessor, e assim por diante. Os primeiros Espíritos, entretanto, continuam seu próprio desenvolvimento. Então o Espírito original assume novamente, de modo que em uma época posterior, enquanto os outros estão procedendo com sua própria evolução, ele assume novamente e infunde intuitivamente na humanidade o que ele mesmo adquiriu para sua missão superior, para o benefício de todos: a Humanidade desenvolvida. Nós olhamos para esses Espíritos da Personalidade, para esses Seres que podem ser caracterizados pelo termo um tanto incolor “Espírito da Época”.
Agora nós, seres humanos, passamos de encarnação em encarnação; mas sabemos com certeza que, enquanto progredimos de época em época, quando olhamos para o futuro, vemos cada vez mais os diferentes Espíritos da Era determinando os eventos na Terra. Mas nosso Espírito da Era retornará também e nós o encontraremos mais uma vez. Como uma característica desses Espíritos da Personalidade é realizar revoluções cíclicas e retornar ao ponto de partida, eles são chamados de “Espíritos de Períodos Cíclicos”. (Justificaremos o uso desta expressão dando mais detalhes posteriormente.) Esses Seres Espirituais superiores que emitem seus comandos aos Espíritos Populares também são chamados de Espíritos de Períodos Cíclicos. Estamos aqui nos referindo àqueles períodos cíclicos pelos quais o próprio homem tem que passar quando, de época em época, ele retorna às condições anteriores e as repete em uma forma superior*.
* Ciclos repetidos em espiral
Agora, essa repetição das características das formas anteriores pode surpreendê-lo. Se você examinar cuidadosamente os estágios da evolução do homem na Terra à luz da Ciência Espiritual, verá que essas ocorrências se repetem em muitas formas diferentes. Assim, as sete épocas consecutivas que se seguiram à catástrofe atlante, que chamamos de épocas culturais pós-atlantes, são uma repetição. A época greco-latina marca o ponto de inflexão em nosso ciclo e, portanto, não se repetirá. Esta etapa é seguida por uma repetição da época egípcia caldeu em nossa própria época. Isso será seguido por uma repetição da época persa, mas de uma forma um pouco diferente. Então virá a sétima época, que será uma repetição das antigas civilizações indianas, a época dos Santos Rishis, de modo que nesta época vindoura certas aptidões que foram implantadas na Índia antiga reaparecerão em uma nova forma. A direção dessas ocorrências recai sobre os Espíritos das Eras.
Para que, distribuído entre os vários povos da Terra, se realize o desenvolvimento progressivo das épocas sucessivas, para que os tipos étnicos amplamente diversos sejam moldados por uma determinada área geográfica ou comunidade de língua, para que uma forma particular – a linguagem, a arquitetura, a arte ou a ciência podem florescer e suas várias metamorfoses recebem tudo o que o Espírito da Idade pode derramar na humanidade – para isso precisamos dos Espíritos Populares, que, na hierarquia dos Seres superiores, pertencem aos Arcanjos.
Agora, precisamos de mais um agente intermediário entre as missões superiores dos Espíritos Populares e aqueles seres aqui na Terra que serão inspirados por eles. Você perceberá prontamente, pelo menos teoricamente no início, que o mediador entre os dois tipos diferentes de Espíritos é a Hierarquia dos Anjos. Eles são os intermediários entre o único ser humano e o Arcanjo do povo. Para que o indivíduo receba em si aquilo que o Espírito Popular deve derramar em todo o povo, para que o único ser humano seja instrumental no cumprimento da missão do seu povo, agente intermediário entre o ser humano e o Arcanjo de seu povo é indispensável.
Assim, olhamos para os seres que atingiram seu estágio humano três estágios acima do homem e notamos como eles se colocaram conscientemente a serviço da humanidade e influenciaram nossa evolução terrestre. Na próxima aula, propomos mostrar até que ponto a atividade dos Arcanjos trabalhando de cima, do interior de seu EU, que já desenvolveu Manas ou Eu Espiritual e está aperfeiçoando o corpo etérico ou vital do homem, é expressa nas realizações, atributos e caráter de um povo.
O homem está diretamente associado ao trabalho dos Seres superiores, pois, como membro de uma nação, ele é parte integrante dela. É verdade que o homem é, em primeiro lugar, um indivíduo, uma criação de seu ser individual (EU); mas ele não é apenas um indivíduo, ele também é membro de um povo particular, algo sobre o qual, como indivíduo, ele não tem controle. Como membro de um determinado povo, o indivíduo não tem escolha a não ser falar a língua de seu povo. Ele não o adquire por esforço próprio, não decorre de sua iniciativa individual, é o legado de sua herança. O progresso humano individual é algo totalmente diferente. Enquanto observamos a vida e a atividade das Almas Folclóricas/Alma dos Povos, devemos ter em mente o que está envolvido no progresso do homem e o que é exigido dele para alcançá-lo. Veremos o que determina não apenas seu próprio desenvolvimento particular, mas também o desenvolvimento de seres totalmente diferentes.
Assim, vemos como o homem está integrado nas Hierarquias, como, de era em era, de época em época, Seres que já conhecemos por outro aspecto, cooperam em sua evolução, E vimos como as oportunidades são fornecidas para estes seres se expressarem em uma variedade de maneiras peculiares e que o que eles têm a oferecer pode ser comunicado ao homem.
Os princípios orientadores das várias épocas são determinados pelos Espíritos do Tempo (Zeitgeister). As individualidades folclóricas (Almas dos Povos) são responsáveis por disseminar o Espírito da Época por toda a Terra. Enquanto os Espíritos da Época inspiram os Espíritos Folclóricos, os Anjos atuam como mediadores entre o Espírito Folclórico e os seres humanos individuais, para que esses indivíduos possam cumprir a missão dos Espíritos Folclóricos – Espíritos dos Povos. Um dos objetivos dessas palestras será mostrar como esse maravilhoso padrão revela o funcionamento das várias individualidades populares, no passado e no presente. Na próxima palestra, começaremos a lançar luz sobre como é tecido esse padrão que indicamos apenas superficialmente hoje, aquele padrão espiritual que representa nosso destino imediato no mundo.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 7 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 121 – Christiania (Oslo), 8 de junho de 1910
A MISSÃO DAS ALMAS DOS POVOS – Leitura 2
ARCANJOS E ESPÍRITOS DO TEMPO NORMAIS E ANORMAIS. OS ESPÍRITOS DA LINGUAGEM E DOS DOS MODOS DE PENSAMENTO.
Afirmei ontem que aqueles Seres que devem ser considerados Espíritos Folclóricos ou Populares alcançaram um estágio de desenvolvimento quando trabalharam de dentro do ‘Eu’ sobre seus corpos etéricos ou vitais, quando modelaram estes corpos fora das profundezas do alma.
Agora, será dito, é claro, que o trabalho sobre o corpo etérico não é imediatamente perceptível aos sentidos ou à observação externa, mas apenas à consciência clarividente, e isso deve ser admitido. No entanto, se a atividade desses Seres, desses Espíritos Populares, invade a vida do homem, então deve haver, por outro lado, alguma indicação visível, alguma evidência tangível, algum tipo de impressão ou reflexo desta obra do Espíritos dos Povos ou Seres Arcangélicos, como prova disso. Além disso, esses seres também devem possuir, em certo sentido, um corpo físico. Eles devem ser capazes de expressar sua corporeidade de uma forma ou de outra. E esses Seres, cuja atividade se expressa nesta forma física, devem dar alguma indicação de sua presença no mundo do homem, pois, em última análise, o corpo humano deve estar associado ao trabalho desses Seres espirituais.
Comecemos com o corpo etérico desses Seres e seu trabalho na transformação deste corpo. Aqui devemos, em primeiro lugar, referir-nos às investigações da consciência clarividente. Onde a pesquisa clarividente encontra evidências da existência do corpo etérico desses Seres Arcangélicos? E como devemos entender esse trabalho? Todos vocês sabem que a superfície da Terra apresenta diferentes configurações e que as diferentes regiões da Terra proporcionam condições muito diversas para o desdobramento de atributos peculiares aos vários povos. O materialista acredita que o clima, a vegetação ou talvez a disponibilidade de água e outros fatores determinam as nuances ou características distintivas de um determinado povo. Que tal seja a perspectiva do materialista não é surpreendente, pois sua consciência está limitada ao mundo dos fenômenos.
A consciência clarividente apresenta uma imagem diferente. Quem é dotado de consciência clarividente e visita os vários países sabe que a sua familiaridade com o tipo particular de vegetação, com a configuração característica das rochas, não esgota o seu conhecimento daquele país nem dá uma imagem completa de uma determinada área geográfica. Falar de um determinado aroma e aura associada a uma determinada região é, aos olhos do materialista, lidar com irrealidades. Para a consciência clarividente, estende-se por cada região da Terra uma formação peculiar em forma de nuvem espiritual que chamamos de aura etérica dessa região específica. Essa aura etérica varia de acordo com a paisagem: na Suíça é diferente da Itália e novamente diferente na Noruega, Dinamarca ou Alemanha. Assim como todo homem tem seu próprio corpo etérico, uma espécie de aura etérica paira sobre cada região da superfície da Terra.
Essa aura etérica difere consideravelmente das outras auras etéricas, como a do homem, por exemplo. A aura etérica do ser humano faz parte dele enquanto ele viver. Está unida ao seu corpo físico e só sofre modificações na medida em que o homem se desenvolve progressivamente durante sua vida e se eleva a um plano moral e intelectual superior. Então, estamos sempre conscientes de que essa aura etérica começa a se transformar interiormente, desenvolve uma certa luz interior, uma qualidade luminosa. As auras etéricas que podem ser percebidas nos vários países são de natureza diferente.
É certo que eles preservam um tom ou qualidade fundamental que persiste por longos períodos de tempo. Mas, ao mesmo tempo, essas auras etéricas são propensas a mudanças rápidas e, nesse aspecto, diferem das auras humanas, que mudam lenta e gradualmente, e apenas por dentro. Essas auras que se estendem por vários países mudam no curso da evolução humana quando um povo migra e ocupa um novo território. A característica estranha é que a aura etérica sobre uma certa região depende, de fato, não apenas das emanações etéricas do solo, mas também das pessoas que ali residiram pela última vez.
Aqueles, portanto, que desejam acompanhar como os destinos de nossa raça humana são moldados na Terra, esforçam-se por seguir a interpenetração desse aspecto das auras etéricas que é peculiar às diferentes regiões geográficas. As várias auras etéricas da Europa sofreram mudanças consideráveis na época das migrações dos povos. Assim, a aura etérica de uma determinada região está sujeita a mudanças, a transformações repentinas que podem até ter sua origem em fatores externos em certa medida. Cada uma dessas auras etéricas é, em certo aspecto, uma fusão das emanações do solo e a herança das migrações dos povos. Quando observamos essa aura, devemos entender claramente que o dito, tudo no mundo externo apreendido pelos sentidos é apenas maya ou ilusão, que é tão livremente citado pelos teosofistas raramente é compreendido em suas implicações mais completas. Embora muitas vezes repetido, suas implicações são amplamente ignoradas e raramente leva a uma mudança de atitude em relação à vida.
Torna-se virtualmente uma frase vazia; diante das duras realidades da vida, ela é esquecida e as pessoas se apegam à sua velha visão materialista. A vegetação verde, a configuração peculiar da paisagem que vemos ao nosso redor é, na realidade, apenas maya ou ilusão; é uma precipitação, por assim dizer, do princípio ativo nas forças etéricas. Na verdade, apenas aquele aspecto do mundo externo depende dessa aura etérica, sobre a qual essa aura, ou seja, um princípio vivo e organizador, pode exercer uma influência. Os Arcanjos que incorporam as leis espirituais não podem intervir nas leis físicas. Onde, portanto, operam apenas as leis físicas, como na configuração das cordilheiras, nos contornos da paisagem e assim por diante, em todos os casos em que as condições físicas determinam as grandes mudanças em um povo, a influência dos Arcanjos não pode surtir efeito.
Eles não estão suficientemente avançados em sua evolução para serem capazes de intervir em condições puramente físicas. Por serem incapazes de fazer isso, por não serem agentes livres, são compelidos em certos momentos a vagar pela superfície da Terra. Eles encarnam um pouco à maneira de uma encarnação física, naquilo que é representado pela configuração da paisagem, naquilo que está sujeito às leis físicas. O corpo etérico das pessoas ainda não pode entrar neste domínio, não pode, ainda, penetrá-lo e organizá-lo. Portanto, um território adequado é selecionado e dessa união do corpo etérico agora permeado pelas forças espirituais da alma, e a área geográfica, nasce aquele encanto ou fascínio que um povo irradia, que é vagamente percebido por aquele que não é clarividente, mas que um clarividente que vê nos corações e mentes secretos das pessoas é capaz de discernir.
Agora, como a atividade dos Arcanjos, as Almas Folclóricas, atua na aura etérica que se estende por um país? Qual é a função do Arcanjo, como ele atua nas pessoas que habitam este país e vivem dentro desta aura do Espírito Popular? Essa influência se expressa de três maneiras. As auras etéricas das pessoas se interpenetram, permeiam o homem; afetam três aspectos de seu ser. A interação desses três aspectos cria a característica peculiar da pessoa que vive nesta aura etérica das pessoas. Essa aura etérica atua sobre os três temperamentos, o temperamento colérico, o fleumático e o sanguíneo, que estão enraizados em sua vida afetiva, mas não sobre o chamado temperamento melancólico.
Em geral, portanto, a poderosa influência da aura etérica de um povo flui para esses três temperamentos. Em um único indivíduo, esses três temperamentos podem ser misturados de várias maneiras e interagir de várias maneiras. Existem infinitas possibilidades de interação, como quando um temperamento influencia outro ou o domina, e assim por diante. Aqui está a fonte da multiplicidade de tipos que encontramos na Rússia, Noruega e Alemanha. As características nacionais de um indivíduo são determinadas por aquilo que atua nos temperamentos. A diferença entre os vários indivíduos depende inteiramente da extensão em que os três temperamentos estão misturados. Os temperamentos nacionais, portanto, variam de acordo com a extensão da interpenetração da aura popular.
Assim, os Espíritos Populares estão ativos em todos os lugares. Eles seguem, no entanto, o caminho que lhes é peculiar. O fato de trabalharem nos temperamentos não é vital para seu próprio desenvolvimento; eles só o fazem porque estão envolvidos na interação das forças cósmicas e terrestres. É um ato volitivo, uma parte necessária de sua missão. Ao mesmo tempo, seu próprio desenvolvimento de seu ego deve ser considerado. Eles próprios devem promover sua evolução, mover-se pela face da Terra e encarnar em uma determinada região. Isso é fundamental para sua missão; sua influência sobre o temperamento dos homens é de importância secundária. Naturalmente, o próprio homem também se beneficia com seu trabalho; age sobre ele. E igualmente, a atividade do homem age sobre os Espíritos Populares.
Discutiremos mais tarde o significado dos seres humanos individuais para o Espírito Popular. Isso é importante. Mas é essencial que possamos acompanhar o progresso de um desses Espíritos Populares e ver como eles encarnam na Terra, vivem novamente por um tempo no mundo espiritual e depois encarnam novamente em outro lugar. Quando observamos essas mudanças recorrentes, ainda estamos apenas observando os interesses do ego desses Seres. Imaginem para vocês de forma bastante realista o corpo etérico do ser humano embutido no corpo etérico da população; a seguir, imagine a interação do corpo etérico humano e o corpo etérico coletivo, e pense também em como este último se reflete nos temperamentos, na mistura de temperamentos nos indivíduos singulares. É aí que reside o segredo de como o espírito popular ou espírito da nação revela seu caráter dentro de um determinado povo. Dito isso, descrevemos, com efeito, o escopo completo da obra mais importante dos verdadeiros Arcanjos ou Espíritos Folclóricos.
Não deveríamos, de forma alguma, ter exaurido as características de um povo se considerássemos apenas o caráter de um membro individual desse povo. Essa é a função dos Seres Arcangélicos, que são os Espíritos reais dos grupos indígenas de uma mesma linguagem.
Agora, como você pode facilmente imaginar, isso não completa a imagem de um povo, pois se o Arcanjo, o Espírito Folclórico guia, não contatasse outros Seres no mesmo território e não trabalhasse em conjunto com eles no corpo etérico de homem, muitas das características de um povo não se originariam de forma alguma. O homem é o palco em que os Arcanjos se encontram com outros Seres que cooperam com os Arcanjos e, por assim dizer, trabalham em conjunto com eles. Deste esforço cooperativo emerge algo totalmente diferente.
Quando, com consciência clarividente, estudamos os diferentes povos, achamos estranho relacionar, além dos Seres Arcangélicos já descritos, outros Seres misteriosos que se relacionam com os Arcanjos em certos aspectos, mas que, por outro lado, são totalmente diferentes deles, e que são seres mais potentes do que os próprios arcanjos. Nesse entrelaçamento dos temperamentos, o Espírito Folclórico atua de maneira extremamente sutil e íntima na alma humana individual. Mas existem outros seres que exercem uma influência muito mais poderosa. De nosso conhecimento geral das Hierarquias, devemos ser bastante claros sobre esses Seres; seremos então capazes de nomear esses outros seres que são percebidos pela consciência clarividente. Você deve pensar na sequência das Hierarquias dos Espíritos da seguinte maneira:
1 – Ser humano
2 – Anjos
3- Arcanjos
4 – Principados, Archai ou Espíritos da Personalidade
5 – Potestados (Exusiai) ou Espíritos da Forma
Existem ainda outros Espíritos de uma ordem superior que não nos interessam hoje.
Se você se lembra do que falamos ontem – você encontrará uma descrição detalhada nas informações contidas em meus livros “A Crônica de Akasha” (Título original: Aus der Akasha Chronik) a Ciência Oculta, você saberá que foram os Arcanjos que passaram por seu estágio humano no Velho Sol. Naquela época, aqueles Seres a quem chamamos de Espíritos da Forma ou Potestados, que agora estão dois estágios superiores aos Arcanjos, estavam no estágio de Arcanjo; eles eram seres como os espíritos populares que descrevemos hoje. Esse era seu estágio normal de evolução.
Agora, há um estranho mistério ligado à evolução – a lei do desenvolvimento diferido. De acordo com esta lei, certos Seres ficam para trás em cada estágio de evolução, de modo que no estágio seguinte eles não alcançaram seu nível regular. Eles retêm as características que pertencem às fases anteriores. Ao longo da evolução da humanidade sempre houve Seres que ficaram atrasados e entre eles também estão certos Espíritos da Forma ou Potestados. Seu desenvolvimento diferido assumiu uma forma muito singular. Embora sejam Espíritos da Forma ou Potestados em termos de certos atributos, e por esses certos atributos, são capazes de exercer os poderes que pertencem atualmente apenas aos Espíritos da Forma que concederam o ego ao homem no estágio da Terra, eles não podem, ainda, perceber isso completamente porque eles não possuem os outros atributos necessários.
Eles permaneceram atrasados, com o resultado de que não passaram por seu estágio Arcangélico no Velho Sol, mas agora o estão experimentando no estágio Terrestre. Portanto, eles são seres que agora estão no estágio dos Espíritos Populares, mas dotados de atributos bem diferentes. Enquanto os Espíritos Populares atuam de maneira sutil na vida do homem porque estão dois estágios acima dele e, consequentemente, ainda estão relacionados a ele, esses Espíritos da Forma estão quatro estágios acima do humano. Eles possuem, portanto, uma vasta gama de forças potentes que não seriam adequadas para trabalhar tão intimamente no homem. Eles agiriam com mais vigor e não teriam outra esfera para sua atividade do que aquela em que os Espíritos Populares normais trabalham.
A dificuldade é que primeiro se deve aprender a discriminar no mundo espiritual. Aqueles que imaginam que algumas ideias bastam para a compreensão dos mundos superiores, estão muito enganados. Com algumas ideias superficiais, eles certamente entrariam em contato com os Arcanjos. Mas é preciso distinguir entre os Arcanjos que alcançaram o estágio de Arcanjo da maneira normal e aqueles que deveriam ter alcançado esse estágio durante a condição do Velho Sol na Terra.
Assim, outros Seres estão trabalhando no mesmo domínio que os Espíritos Populares ou Arcanjos, Seres que estão no mesmo nível que os Arcanjos, mas são dotados de atributos muito diferentes, com atributos mais robustos, como os possuídos pelos outros Espíritos da Forma e que são capazes, portanto, de penetrar profundamente na natureza humana. Em que aspectos o homem foi influenciado pelos Espíritos da Forma durante sua existência na Terra? Ele não poderia ter desenvolvido a consciência do eu se os Espíritos da Forma não tivessem dado ao cérebro sua forma atual. Seres como esses são capazes de trabalhar até mesmo na configuração da forma humana, embora estejam apenas no estágio dos Arcanjos. Eles competem com os Espíritos dos Povos no domínio onde os Espíritos Populares estão ativos.
O primeiro e maior efeito desse contato entre esses Espíritos com suas diferentes abordagens é o nascimento de uma linguagem que não poderia surgir sem a forma e a estrutura plenamente desenvolvidas do corpo humano. Na estrutura do homem, vemos a atividade desses outros Espíritos Populares que estão associados às forças da Natureza e ao homem. Não devemos atribuir o nascimento da linguagem apenas a esses seres que sutilmente atuam no temperamento popular e que, como seres dois estágios acima do homem, imprimem sua configuração formal a um povo. Os seres que são responsáveis pela linguagem são seres de grande energia criativa, pois eles são, na realidade, “potestados”, ou seja, espíritos da forma. Eles exercem uma influência efetiva sobre a Terra porque permaneceram na Terra, enquanto seus colegas, os Espíritos da Forma normais, trabalham no ‘Eu’, trabalham do Sol para os espaços cósmicos.
Antes do advento de Cristo Jesus, os homens adoravam a Javé, ou o Ser Jeová; depois disso, eles adoraram o Ser de Cristo como Aquele que derramou Seu Espírito sobre eles desde o Cosmos. Quanto aos Espíritos da linguagem, devemos dizer que o homem preza exatamente aquele aspecto da linguagem que permaneceu na Terra. Devemos aprender a nos acostumar com novos pontos de vista. O homem tem o hábito de projetar suas próprias ideias no universo. Ele estaria errado em considerar o sacrifício que esses seres superiores fizeram em sua evolução à maneira de uma colegial que não conseguiu obter uma promoção. Eles não ficam para trás porque negligenciaram seus estudos, mas por motivos de uma sabedoria superior que é onipresente no mundo.
Se certos seres não tivessem renunciado a seu estágio normal de desenvolvimento no Velho Sol e não tivessem passado por sua evolução na Terra, nunca deveríamos ter conhecido o nascimento da linguagem na Terra. Em certos aspectos, o homem deve sentir profunda afeição por sua língua nativa, porque foi por motivos de amor que os seres superiores permaneceram com ele e renunciaram a certos atributos para que o homem pudesse evoluir de acordo com os decretos da sabedoria superior. Assim como devemos considerar “apressar-se” como uma espécie de sacrifício, também devemos considerar “permanecer para trás” nos estágios anteriores da evolução como uma espécie de sacrifício e devemos compreender claramente que o homem não poderia ter adquirido certos atributos se tais sacrifícios não fossem feitos.
Assim, vemos como dois tipos de Seres de diferentes categorias trabalham alternadamente no corpo etérico do homem e no do Espírito Popular em questão, a saber, os Arcanjos que seguiram um desenvolvimento normal e os Espíritos da Forma que permaneceram atrasados no Estágio de arcanjo e sacrificaram sua própria evolução de modo a implantar no homem, durante sua vida na Terra, sua língua nativa. Eles deveriam ser dotados com o poder de transformar a laringe e os órgãos da fala de tal maneira que esses órgãos pudessem se manifestar fisicamente como fala.
Sentimentos nacionais, temperamento nacional, junto com a língua nacional devem ser vistos como o resultado da cooperação desses Seres. Linguagem, fala e características nacionais, estas podem ser compreendidas unicamente pelos Espíritos Populares em conjunção com os Espíritos da Forma, porque com sua maior energia e poderes superiores, estes últimos permaneceram no estágio de Arcanjo. Cooperação dessa natureza ocorre, portanto, nos reinos onde os Espíritos Populares estão ativos. Atividade cooperativa semelhante também pode ser encontrada em outro domínio.
Eu indiquei ontem que outras forças também estão ativas – os Principados, os Archai ou Espíritos da Personalidade, que durante a existência na Terra representam o que é chamado de Zeitgeist, o Espírito da Era. Eles funcionam de tal forma que a partir de seu próprio Eu, de sua organização psíquica, eles atuam no corpo físico e, assim, ativam as forças do corpo físico. Se, em determinado momento, algo surge como resultado da atividade do Zeitgeist, algo se manifesta no Espírito de uma Era que promove o progresso da humanidade, devemos assumir que isso corresponde à utilização de forças físicas em nossa vida terrena.
Um momento de reflexão mostrará que condições prévias definidas de ordem física são necessárias para prover certas contingências no Espírito da Era. Kepler, Copérnico e Péricles não poderiam ter vivido em nenhuma outra época ou em outras circunstâncias. As personalidades são o produto das condições específicas de seu tempo, condições que em um determinado momento do tempo são criadas e determinadas pelos seres superiores que trabalham no plano físico. Agora, essas condições físicas não devem ser consideradas fenômenos isolados, mas como configurações particulares na constituição física da nossa Terra.
Às vezes, essas configurações se destacam em alto-relevo; em outras ocasiões, quando o Espírito da Época dirige sua influência em uma determinada direção, os objetos físicos inevitavelmente assumirão um padrão bem definido. Você deve se lembrar que em uma ocasião, quando pela primeira vez foram usadas lentes especialmente polidas, algumas crianças brincando na oficina do polidor de vidro as montaram de forma a criar o efeito óptico de um telescópio, para que o inventor do telescópio, tendo descoberto a partir da observação o princípio subjacente, só precisava aplicá-lo para obter resultados práticos. Este é um fato histórico. Imagine o número de processos físicos envolvidos antes que esse resultado pudesse ser alcançado.
As lentes tiveram primeiro de ser inventadas, polidas e depois montadas da maneira apropriada. O acaso explicaria isso, você poderia dizer, mas apenas na condição de se recusar a reconhecer a lei que opera em tais circunstâncias. Essa concatenação de circunstâncias externas é obra dos Archai, as Forças Primárias. Seu trabalho é a consequência de focalizar sua atividade em um determinado lugar, uma atividade que, de outra forma, como Espírito da Era, se expressa de várias maneiras. Pense em quantas invenções permaneceriam para sempre desconhecidas se este trabalho dos Archai não tivesse ocorrido em seus corpos etéricos. É realmente o trabalho do Archai que age dessa forma e se direciona para estes fins.
Ora, se a atividade dos Archai assume esta forma e é responsável por dirigir o Espírito da Era, surge a pergunta: como esses Espíritos da Era sentem intuitivamente o progresso da humanidade? Eles criam uma situação em que o homem parece ser estimulado fortuitamente por circunstâncias externas. Não deve ser considerado pura ficção se isso às vezes ocorre. Só preciso lembrar a lâmpada oscilante na catedral de Pisa onde, ao observar as oscilações regulares da lâmpada, Galileu descobriu a lei do pêndulo e como, mais tarde, Kepler e Newton foram estimulados a fazer suas descobertas.
Eu poderia citar inúmeros casos de coincidência de eventos externos e do pensamento humano que explicariam como as ideias predominantes de uma época são intuitivamente sentidas pelos Archai, ideias que influenciam o desenvolvimento do homem, determinam seu progresso e o submetem à lei. Também neste domínio, aqueles Seres que normalmente se tornaram Espíritos da Personalidade durante nossa existência na Terra, trabalham em conjunto com outros Seres, que, por terem ficado para trás na Antiga Lua, atualmente não são Espíritos da Forma ou Potestades como deveriam ser na Terra, mas agora pela primeira vez trabalhando como Espíritos da Personalidade.
Assim, aqueles Seres que permaneceram atrasados em sua evolução, não no estágio do Velho Sol, mas apenas no estágio da Antiga Lua, são agora Espíritos da Personalidade. Eles não possuem os atributos que deveriam ter normalmente, ou seja, eles não “intuem” da maneira dos Espíritos da Forma retrógrados. Eles não estimulam o homem de fora; trabalham de maneira mais sutil, deixam ao próprio homem observar as mudanças em seu ser físico; eles estimulam interiormente, moldam a configuração interna do cérebro e encorajam uma certa tendência de pensamento. Conseqüentemente, a vida de pensamento do homem em diferentes épocas é motivada de dentro, de modo que cada época tem seu próprio modo definido de pensamento. Isso depende das delicadas configurações da vida de pensamento, de seus padrões internos.
Aqui, os Espíritos da Forma atrasados que preservam as características dos Espíritos da Personalidade atuam no homem e criam uma certa forma de pensar, um padrão de idéias bastante específico. Assim, de época em época, o homem não é apenas guiado de acordo com a vontade dos Espíritos da Personalidade intuidores que o induzem por sua própria vontade a seguir determinado curso de ação, mas é impelido como que por forças interiores, de modo que o pensamento parte de dentro e se manifesta externamente na forma física, assim como a linguagem, por outro lado, é uma manifestação dos Espíritos da Forma retrógrados. Assim, o modo de pensar é uma expressão daqueles Espíritos da Forma que em nossa época são conhecidos como Espíritos da Personalidade.
Não se trata, portanto, de Espíritos da Personalidade que atuam de maneira sutil e íntima e deixam o homem à sua própria sorte; eles tomam posse dele e o conduzem irresistivelmente. Portanto, você sempre pode encontrar naqueles homens que são estimulados pelo Espírito da Era, esses dois tipos. As pessoas que são estimuladas pelos verdadeiros Espíritos da Época em seu estágio normal de desenvolvimento são os verdadeiros representantes de seu tempo. Podemos considerá-los homens que estavam destinados a aparecer; temos certeza de que suas atividades foram predestinadas. Existem também outros, porém, nos quais atuam aqueles Espíritos da Personalidade que são, na realidade, Espíritos da Forma atrasados.
Esses são os Espíritos a quem chamamos de “Espíritos do Pensamento”, que durante o ciclo da Lua Velha avançaram para sua posição atual. O homem é o palco no qual as atividades desses Seres são coordenadas. Isso é demonstrado pela interação mútua entre linguagem e pensamento, pela relação recíproca não apenas entre os Espíritos no mesmo estágio de desenvolvimento, mas também pela relação recíproca entre os Arcanjos normais que determinam o sentimento e temperamento nacional e aqueles que acabamos de descrever – ie não apenas entre os Espíritos da Forma que estão no estágio de Arcanjo, mas também entre aqueles Espíritos da Personalidade que, na realidade, são Espíritos da Forma ‘atrasados’.
Esses são os Espíritos a quem chamamos de “Espíritos do Pensamento”, que durante o ciclo da Antiga Lua avançaram para sua posição atual. O homem é o palco no qual as atividades desses Seres são coordenadas. Isso é demonstrado pela interação mútua entre linguagem e pensamento, pela relação recíproca não apenas entre os Espíritos no mesmo estágio de desenvolvimento, mas também pela relação recíproca entre os Arcanjos normais que determinam o sentimento e temperamento nacional e aqueles que acabamos de descrever. Não apenas entre os Espíritos da Forma que estão no estágio de Arcanjo, mas também entre aqueles Espíritos da Personalidade que, na realidade, são Espíritos da Forma ‘atrasados’.
Esses dois tipos de seres se refletem na constituição e no ser do homem. É extremamente interessante observar essa relação quando, com conhecimento e discernimento ocultistas, estudamos os diferentes povos. Podemos então seguir a maneira como os Espíritos Populares normais trabalham e recebem suas orientações dos Espíritos da Época; como esses Espíritos Populares atuam no ser interior do homem em conjunto com os Espíritos da linguagem e também com os Espíritos do pensamento que atuam nos pensamentos do homem. Dentro do homem existem não apenas Arcanjos normais e anormais, mas também Arcanjos em contraste com os Espíritos de Personalidade anormais que de dentro determinam o padrão de pensamento de uma época particular.
Já mencionei que propus abordar as condições que você deve aceitar com seu entendimento espiritual e que devem ser revestidas de linguagem comum, porque ainda não foi inventada nenhuma linguagem que tornasse tudo isso claro e crível. Sou, portanto, obrigado a usar uma terminologia um tanto figurativa. Não obstante, minha descrição da situação está de acordo com um fato importante na evolução da humanidade. É muito interessante e instrutivo acompanhar a evolução da humanidade nos últimos tempos e descobrir que um acordo mútuo chegou uma vez entre um dos Espíritos Populares orientadores que é um Arcanjo normal e um Espírito de Personalidade anormal que trabalha no interior sendo do homem como Espírito das Forças do Pensamento.
As consequências de longo alcance desse acordo refletem-se em uma época particular da história. De modo a tornar este acordo totalmente efetivo, uma relação harmoniosa foi estabelecida com o correspondente Arcanjo normal, que era o Espírito guia da linguagem naquela época. Assim, houve um momento na evolução da humanidade em que os Arcanjos normais e anormais trabalharam juntos e quando; além disso, o modo de pensar que foi provocado por um Espírito de Personalidade anormal foi acrescentado. A relação harmoniosa entre esses seres espirituais se reflete nos antigos indianos da primeira época pós-atlântica.
Foi devido à concatenação de circunstâncias na época da antiga cultura indiana que esses seres puderam trabalhar em maior harmonia. Esta é a origem do papel histórico do povo indiano. Os efeitos prolongados dessa ação combinada ainda podiam ser sentidos naquelas épocas posteriores, quando os registros da antiga tradição indiana ainda existiam. Essa é a razão pela qual a sagrada língua sânscrita exerceu uma influência tão poderosa e teve efeitos tão marcantes sobre a cultura, tanto no passado quanto em épocas posteriores. Este poder foi obra dos Arcanjos responsáveis pela linguagem.
A força da língua sânscrita depende dessa relação harmoniosa de seres de que acabei de falar. É responsável pela singularidade da filosofia indiana que, como pensamento criativo expressivo da vida interior, é insuperável por qualquer outro povo, e também explica a perfeição interior do pensamento tão característico da cultura indiana. Em todos os outros continentes prevaleceram condições diferentes. O quadro que acabo de apresentar refere-se apenas à cultura indiana daquela época.
Por isso, é tão infinitamente fascinante seguir essas linhas de pensamento que assumem seu padrão característico porque resultaram, não da predominância do Arcanjo normal sobre o Arcanjo anormal, mas da interação harmoniosa desses Seres, porque todo pensamento era literalmente assimilada pelo temperamento do povo e elaborada com carinho na época em que os indianos representavam o primeiro florescimento da cultura pós-atlântica. E a linguagem preservou sua influência poderosa porque não havia conflito lá, o que de outra forma poderia ter surgido, porque os Arcanjos normais e anormais agiram em conjunto. Assim, a linguagem, o transbordamento espontâneo de um temperamento puro e não corrompido, é ela própria uma expressão desse temperamento. Esse é o segredo da primeira civilização pós-Atlântida.
E devemos também ter em mente que em todos os outros povos esses Seres ou forças cooperaram em suas diversas maneiras – o Espírito Popular normal ou Arcanjo, o Arcanjo anormal e o Espírito do Tempo anormal que trabalha através do cérebro (trabalhando não como um Espírito de Época normal, mas de dentro do corpo); e, finalmente, o verdadeiro Espírito da Época, que transmite intuitivamente o pensamento-vida às pessoas. Realmente compreenderemos um povo quando sentirmos intuitivamente a atividade desses Seres ou forças e avaliarmos a contribuição que cada um dá à constituição de um povo.
É difícil, portanto, para aqueles que não consideram as forças ocultas na evolução da humanidade, fornecer uma definição satisfatória da palavra ‘folk’ (de Folk Spirit – Espírito do Povo ou Espírito Popular, ou mesmo, Espírito Folclórico). Se você procurar a palavra ‘folk’ ou ‘povo’ em um livro sobre etnologia, encontrará a mais estranha variedade de definições. Os autores devem necessariamente dar diferentes interpretações porque um responderá mais ao que provém dos Arcanjos normais, outro ao que provém dos Arcanjos anormais e um terceiro ao que provém das várias personalidades do povo.
Cada um tem uma resposta diferente que modificará sua definição. Mas aprendemos por meio da Ciência Espiritual que essas definições não precisam necessariamente ser falsas; elas estão simplesmente sujeitas a maya ou ilusão. As declarações de um escritor revelarão até que ponto ele é vítima de Maya ou até que ponto deixou de fora as várias forças em ação. Se, do ponto de vista antroposófico, compararmos um povo como os suíços, que ocupam o mesmo território e são trilíngues, com povos que são unilíngues, teremos, inevitavelmente, concepções muito diferentes do que constitui um povo.
Discutiremos mais tarde por que em alguns povos o Espírito da Personalidade é o agente mais ativo, isto é, porque seu modo de vida é determinado pela cooperação de várias personalidades. Também encontraremos pessoas na Terra cuja vida é amplamente determinada pelo Espírito da Personalidade anormal. Esses Espíritos da Personalidade não contribuem para o desenvolvimento posterior dos povos.
Um estudo do caráter do povo norte-americano mostra um povo que, por enquanto, está sob um Espírito de Personalidade anormal. Portanto, só compreenderemos a história do mundo, na medida em que consiste na história dos povos, se observarmos os Arcanjos normais e anormais, os Espíritos da Personalidade normais e anormais em suas relações mútuas e atividade cooperativa e, ao mesmo tempo, acompanharmos sua influência sobre os sucessivos povos ao longo da história do mundo.
Rudolf Steiner – GA 121 – Christiania (Oslo), 8 de junho de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
O “ódio nacional entre as nações” se interiorizou para dentro das próprias Nações, algo como uma manifestação microcósmica da “Guerra de Todos contra Todos”. A polarização refletida hoje – principalmente política – é como uma interiorização do conflito entre as nações para dentro de si mesmas. Uma guerra entre seus próprios povos…
CADA TEMPO PEDE UMA ATUAÇÃO ESPECÍFICA
Steiner, através da Antroposofia, sempre alertou sobre o fato da “observação da realidade viva”, pois a dinâmica do cosmos e da evolução metamorfoseiam os processos no tempo, portanto, as forças que atuam com maior intensidade variam a cada momento ou época.
Dessa “integração entre o pensamento e a realidade objetiva” é que somos capazes de ter uma atuação mais consciente, com “presença de Espírito”.
Com essa perspectiva podemos observar que, na época de Steiner, ele estava profundamente preocupado com um impulso crescente do “ódio nacional entre as nações”, o qual culminou na 2ª Guerra Mundial e no Holocausto. Que metamorfoses teria sofrido tal impulso na atualidade?
Vou colocar dois aspectos que valem a pena ser analisados: um de expansão e outro de interiorização. Sabe-se que existem seres que atuam na esfera da Nação, dos Povos, os chamados por Steiner de “Folk Spirits” que são da Hierarquia dos Arcanjos.
Primeiro vamos considerar a metamorfose desse impulso do “ódio nacional entre as nações”: ele se interiorizou para dentro das próprias Nações, algo como uma manifestação microcósmica da “Guerra de Todos contra Todos”. A polarização refletida hoje -principalmente política – é como uma interiorização do conflito entre as nações para dentro de si mesmas. Uma guerra entre seus próprios povos… por enquanto ideológica, porém com eclosões que demonstram uma potencialidade para manifestação física.
No aspecto de expansão, observe que tal polarização e conflito interno está acontecendo em praticamente todas as nações, principalmente nas nações com as características políticas, sociais e econômicas contemporâneas. Algo como um conflito interno nacional globalizado, com as mesmas características em todos os lugares .
Aqui, vale mencionar que Ahriman é da Hierarquia dos Arcanjos atrasado, ou seja, possui certas potencialidades de um Arqueu, que o capacita para uma atuação mais vigorosa no ser humano na esfera da coletividade. Perceba que as características da polarização são padronizadas, apenas com fracas nuances da Alma do Povo singular, ou seja, o impulso mais elevado, de maior influência e que culmina na polarização ideológica e social é o mesmo sobrepondo até mesmo, as características da Alma do Povo individual, subjugando o Arcanjo regular (vide a globalização).
Por outro lado, temos a atuação de Lúcifer, que é da esfera dos Anjos e também atrasado, ou seja, possui algumas potencialidades da Hierarquia dos Arcanjos. A atuação da Hierarquia dos Anjos é na esfera individual, onde na característica de Lúcifer, estimularia nossa desconexão com a realidade terrena, impulsionando nossa consciência individual para fora da Terra. E sua potência Arcangélica, o torna passível de atuação coletiva, ou seja, ele atua nas consciências individuais de todos os seres humanos.
Cada tempo pede uma ação específica. Aqui eu trouxe uma observação pessoal da metamorfose do impulso do “ódio nacional entre as nações” para a polarização política e social globalizada.
Que caminho deveríamos tomar? O que poderia ser feito?
Bom, segundo a perspectiva da evolução da humanidade segundo a Antroposofia, temos que ter uma atuação consciente na atual época (Era da Consciência) conectada aos Impulsos Crísticos. Mas não se trata de um discurso intectual, mas de uma atuação e pensamentos vivos, conscientes. Os seres humanos que seguirem no caminho regular da evolução, trarão em si, na próxima encarnação terrestre (Júpiter) o sentimento de empatia superior enquanto a humanidade atrasada será egoísta, indiferente ao sofrimento alheio e animalizada.
Sempre que absorvermos um pensamento, contemplarmos a realidade e, principalmente, atuar no mundo devemos perguntar se aquilo que emerge do nosso íntimo busca a dignificação de todos os seres humanos e está permeado do amor ao próximo e à humanidade como um todo ou não, esta será a indicação do caminho que estamos tomando.
Valorizo a vida?
Respeito o próximo?
Meu conceito de liberdade está atrelado ao bem coletivo ou ao apenas ao meu ideal egoísta?
“Minhas ações e decisões são boas para mim, para o próximo e para o mundo?”
Leonardo Maia
BIBLIOGRAFIA INDICADA:
GA 121 – A Missão da Alma dos Povos (leituras 1 e 2)
GA 191 – Lúcifer e Ahriman
GA 346 – Apocalipse Moderno
RUDOLF STEINER E O CÍRCULO SECRETO DOS DOZE
Explorando o Círculo Secreto dos Doze de Steiner
e a convocação de Christian Rosenkreuz
Há uma grande história pouco conhecida que tem sido transmitida em alguns círculos antroposóficos, mas eu irei expor, pois acredito que é a ponto chave a partir da qual muitos possíveis cenários esotéricos podem ser revelados, e de onde os caminhos esotéricos atuais se degradaram. O relato a seguir não deve ser tomado como um julgamento nem para os protagonistas, nem para suas implicações. Tentei, assim, equilibrar todas as polaridades, com respeito a fatos históricos. Mas também se deve ter plena consciência que este é um ponto de vista e uma interpretação dos eventos relatados, transmitida principalmente como tradição oral, e não deve ser tomada como única.
Logo após a fundação da Mystica Aeterna, em 1906, Steiner queria compor um Círculo Interno de 12 Adeptos: eles teriam sido selecionados entre a nata dos membros europeus. Entre esses adeptos europeus estava o esoterista italiano Giovanni Colazza, que era conhecido por Marie von Sievers, ele se juntou ao Misraim Service por volta de 1909. Outros rumores de membros da Mystica Aeterna eram o alquimista Alexander von Bernus e o escritor Gustav Meyrink. Na França havia o escritor Eduard Schuré que Steiner conheceu em Paris: ele trabalhou com ele para os Mystery Dramas e até encenou o drama Schuré “Sons of Lucifer” no Primeiro Goetheanum. Na Rússia, houve o escritor Andrej Belyj, que mais tarde entrou na Ordem Martinista Russa. E finalmente houve Max Heindel. Steiner não era outro senão seu misterioso Mestre Rosacruz esperando por ele na Europa enquanto trabalhava em Nova York.
Provavelmente no momento em que Steiner quis reforçar sua presença local Rosacruz a fim de estabelecer seu Misraim Service, então ele deve ter pedido a seus representantes europeus que escrevessem um livro em sua própria linguagem com base no conteúdo de seu ciclo de conferências publicado sob o nome de “Sabedoria Rosacruz”. Contém a cosmologia essencial ensinada na Ordem. Steiner publicou em alemão, Schuré publicou em francês (sob o título “Evolução Divina”) e Heindel provavelmente teve que publicá-lo em dinamarquês, mas em vez disso ele destruiu sua primeira versão dinamarquesa e a reescreveu em inglês para publicá-la na América do Norte sem ter a aprovação de Steiner.
Então, nesse meio tempo, Max Heindel voltou para a América do Norte com pelo menos alguns dos rituais da Mystica Aeterna, publicando o que ele havia elaborado a partir das notas inéditas do ciclo “Sabedoria Rosacruz” de Steiner durante o 1907-1908 no “Conceito Rosacruz do Cosmos” que foi dedicado primeiramente a Steiner, então “não parece um plágio” nas palavras de Heindel. Algum tempo depois, chegaram notícias de Rudolf Steiner, que referenciou e criticou o fato no ciclo do Quinto Evangelho (1913). Steiner entendia cada acontecimento como um reflexo dos acontecimentos no mundo espiritual, para melhor ou para pior, e isso também é verdade na antroposofia. Steiner sentiu que a nova forma de Rosacrucianismo tinha que ser primeiro consolidada na Europa e então poderia eventualmente ser levada para a América do Norte no futuro, uma vez que a Epoca Americana seria a última antes dos tempos do Apocalipse (aproximadamente 6000-8000 dC). . Mas Heindel antecipou esse movimento ao fundar a Sociedade Rosacruz Oceanside: no começo, ele ainda esperava manter contato com Steiner para construir uma ponte entre a Europa e a América do Norte, mas ele recusou. Esta divisão entre Mystica Aeterna Rosicrucianism e a fundação da Sociedade Antroposófica está na origem da alegação de Heindel de ser o “representante escolhido do Irmão Maior Rosacruz”: o rito da Fraternidade Rosacruz não é antroposófico, já que Steiner fundou a Sociedade Antroposófica apenas em 1912 como portador externo do Rosacrucianismo da Mystica Aeterna – mas ironicamente, na verdade, é baseado no Rosacrucianismo de Steiner! Mesmo que isso perca o problema crucial da dualidade do mal como Lúcifer e Ahriman. De fato, após a mudança de Heindel para os EUA, Steiner dissolveu o Misraim Service, um movimento que Heindel interpretou como indiretamente elegendo-o como o “único” representante Rosacruz. Steiner então refundou a Sociedade Antroposófica em 1924 com base nos novos Mistérios (Rosacruzes) de Micael, mas infelizmente depois de Steiner passar o Limiar em 1925, isso não continuou devido à expulsão de Ita Wegman, a sucessora espiritual de Steiner na Escola Micael. Como podemos ver a Mystica Aeterna era uma organização de cobertura destinada a reunir todos os mistérios ocidentais à luz da renovação Rosacruz, e é por isso que outras ordens, como a Ordo Templi Orientis (através de Reuss) e a Second Order of the Stella Matutina (através de Felkin e Meakin) tiraram alguns dos seus ensinamentos fundamentais.
Mas o que foi esse Círculo dos 12? Steiner reconta uma história que foi esclarecida por Maurice Magre e mais tarde por Adriana Koulias. Uma encarnação anterior de Christian Rosenkreutz foi uma personalidade sem nome nos tempos medievais. Quando bebê ele que foi resgatado das Cruzadas Albigenses (1209-1229) como o “tesouro dos Cátaros”. O menino foi criado na comunidade mais pura possível, longe do alcance da igreja católica e removido da dureza da vida material. Era necessário que ele estivesse em um estado vazio (puro) e, por isso, era necessário que ele fosse criado entre os Cátaros, cujo gnosticismo considerava a matéria e o mundo exterior como malignos. Para Steiner, essa atmosfera espiritual não era boa por si mesma, mas apenas funcional ao processo que o menino tinha que passar. De fato, após a última incursão em Montsegur, o menino foi levado da França e depois escondido em um esconderijo dos templários, um castelo na Áustria, onde recebeu instrução de 12 homens sábios.
Estes 12 tinham em si a sabedoria oculta do místico 7 + 5: o 7 representava a antiga sabedoria oculta dos Sete Oráculos Atlantes, um para cada planeta sagrado, que após o Dilúvio se encarnou nos Sete Rishis Indianos Sagrados, novamente os pupilos dos hierofantes dos Sete Oráculos Atlantes. Os outros 5 representavam a sabedoria oculta das cinco épocas culturais subseqüentes da humanidade: indiana, persa, egípcia-caldéia, greco-romana e a última representava o conhecimento científico das ciências naturais da quinta época européia. Como 7 eles estão conectados às forças do fluxo do Tempo (7 estágios de metamorfose), mas todos juntos estão conectados às forças de detrimento do Espaço (12 membros de Adam Kadmon). Os 12 ensinaram o garoto sem nome: ele cresceu puro e cheio de sabedoria, e quando ele estava maduro, por volta de 12 anos ele se ofereceu livremente em sacrifício à sabedoria, então os 12 homens sábios realizaram um ritual peculiar sobre ele. Eles despejaram no garoto toda a sabedoria oculta da humanidade através de palavras de poder e o resultado disso foi que o garoto foi iniciado de uma maneira única: seu corpo etérico ficou translúcido e seu corpo físico transparente. O garoto acordou três dias e meio depois e ele foi completamente mudado, ele devolveu toda a sabedoria oculta de uma nova maneira, não como conhecimento aprendido, mas diretamente como pensamentos vindos do coração, pensamentos do coração. O garoto morreu pouco depois desse evento místico. Através do seu sacrifício, o pensamento (Cruz) e o sentimento (Rosa) se uniram na história da humanidade, e a subsequente encarnação foi então a personalidade conhecida pelo nome simbólico de Christian Rosenkreutz. Nesta encarnação ele teve a experiência de Damasco do Cristo Etérico, (que deveria então ser crescentemente experimentado por pessoas inclinadas espirituais por volta de 1933 e marca o advento do Cristianismo Esotérico). Deve-se notar que história com temas semelhantes foi contada por Goethe em seu conto Rosacruz, “Os Mistérios” – no qual o personagem principal é chamado Frater Markus, reminiscente de Marc que recebeu a iniciação egípcia do Ormus Egípcio juntos fundando o Osíris – Os Mistérios Cristãos dos quais os Rosacruzes também tiraram – e Steiner considerou isso uma verdadeira percepção espiritual da história oculta.
A iniciação mística dos 12 foi, por sua vez, um eco dos 12 Cavaleiros da Távola Redonda em torno do Santo Graal e de Parsifal, o Portador do Graal. Então vemos que Steiner queria compor o Círculo dos 12 a fim de convocar Christian Rosenkreutz através de um ritual teúrgico. É por isso que Steiner terminou qualquer relacionamento com Heindel: sem ele, ele foi incapaz de formar o círculo sagrado que poderia trazer para um Renascimento Rosacruz, que foi adiado por causa da estouro da Guerra dos 30 Anos. Na visão de Steiner, isso aconteceu novamente: ele acreditava que o ritual do Círculo dos 12 poderia trazer a Europa a uma nova era na qual o conhecimento científico e espiritual seriam um, impedindo o ódio nacional entre as nações (Isso se conecta à figura enigmática de Kaspar Hauser, a Criança da Europa, que teria evitado que o romantismo degenerasse em decadentismo, mas os jesuítas frustraram sua ação). A Primeira Guerra Mundial eclodiu muito depois da Revolta Boêmia, na qual a guerra entre católicos e protestantes impediu que a utopia Rosacruz se realizasse através de Rudolph II e Christina da Suécia. Como o chamado espiritual não foi cumprido pelos humanos, sua terrível contra-imagem, sua sombra, se materializou.
Este foi também um eco da guerra entre o Rei Arthur e Mordred, que acabou por não deixar o Graal se manifestar como uma “visão esplêndida” coletiva para os 12 Cavaleiros do Graal, mas apenas como uma visão individual dos três Cavaleiros do Graal. A Távola Redonda foi rompida porque Arthur não pôde cumprir seu papel com Guinevere, a coletiva utopia crística de Camelot não pôde se realizar, então o Graal só apareceu a indivíduos escolhidos: Bors que testemunhou a existência do Graal aos outros Cavaleiros que obtiveram o Graal através da esperança; Galahad obteve através da fé (ele era o filho predestinado de Guinevere e Arthur, mas que foi substituído por Mordred nascido do incesto e estupro); e finalmente Parsifal que alcançou o Graal através do Amor e depois o trouxe para a Europa continental, especificamente na Alemanha através de seu filho, o Swan Knight (Cavaleiro Cisne) Lohengrin.
Para Steiner, o Graal é a alma humana aperfeiçoada capaz de abraçar o Cristo, como a Hóstia Solar hospedou o Cálice da Lua. E Christian Rosenkreutz, através de sua encarnação anterior, foi capaz de se tornar um tal recipiente: na verdade, desde os primórdios da história, ele tem sido o guardião dos Mistérios do Sol. Ele foi o guardião dos Mistérios da Vegetação Solar: ele foi Caim, o produtor de trigo, depois Hiram Abiff, o construtor do Templo de Salomão, depois Lázaro-João, o Divino discípulo a quem Jesus Cristo amou. Então Christian Rosenkreuz alcançou o estado de Mestre da Sabedoria, um homem que antecipou a evolução humana, transformando este corpo astral no Eu Espiritual e, assim, alcançando o estado Angélico perante o resto da humanidade. A própria estrutura de graduação do Misraim Service também era um caminho para o homem recapitular as encarnações de Christian Rosenkreuz para sintonizar os membros ao fluxo de vibração Rosacruz. Assim como Cristo foi o 13º no centro do Círculo dos 12 Apóstolos e no círculo dos 12 Cavaleiros da Távola; Christian Rosenkreuz foi o 13º no centro do novo Círculo dos 12, atuando como mediador de Cristo. O próprio Steiner deveria ser iluminado por Christian Rosenkreuz, sendo o décimo terceiro no meio do círculo dos 12, enquanto os 12 detinham o grau IX de “Epopt of the Illuminati”, Steiner tinha o grau X de Rex Summus.
Outro fator importante nessa história é o local. De fato, a convocação teúrgica de Christian Rosenkreutz aconteceria em um local peculiar: o primeiro Goetheanum. Na pequena cúpula havia 12 tronos sob as 12 Colunas Cósmicas: estas representavam a sabedoria oculta do Círculo dos 12. Judith von Halle fala sobre o projeto original ter sete Dramas Misteriosos realizados: mas apenas quatro estavam prontos antes da dissolução do Misraim Service em 1914 (devido ao caso da Primeira Guerra e Heindel). Novamente vemos os sete estágios da evolução no tempo e os 12 processos de organização do espaço. Ao mesmo tempo, Steiner promoveu sua Trimembração Social ao estadista europeu a fim de realizar uma nova forma de utopia rosacruz: mas isso novamente fracassou, enquanto os planos americanistas prosseguiam em lojas anglo-americanas “caídas” da Maçonaria.
Como esta foi a segunda convocação, depois da Guerra dos 30 Anos, Steiner considerou que a chance poderia ser perdida, e assim o mundo espiritual chamado recuaria e esperaria por um tempo melhor em torno de 100-120 anos (ou seja, em torno de nosso tempo, na janela entre 2014-2024). É por isso que Steiner decidiu que o projeto Mystica Aeterna tinha sido um fracasso e não pôde ser realizado e, após a pressão de Marie Steiner, deixou de colaborar com todas as ordens esotéricas e concentrou-se apenas na Sociedade Antroposófica, querendo então fundar sua própria ordem numa base espiritual-científica, a Escola de Micael da qual só temos a Primeira Classe do planejado de Três (= 3 graus). A Primeira Classe hoje em dia contém apenas o gesto de Michael como um ritual de abertura e fechamento, mas os cadernos de Wegman contam uma história diferente, relatando uma iniciação dada pelo próprio Steiner a ela como portadora do emblema Rosa + Cruz.
Esso impedimento para que a realização dos Dramas Misteriosos fossem completados teve um eco na queima do Primeiro Goetheanum em 1922: uma vez que o edifício não resolveu sua função sagrada, ele passou para plano etérico através do fogo. Outro rumor ligado a este evento circula em alguns círculos: O próprio Rudolf Steiner, prestes a ultrapassar o Limiar em 1925, reuniu alguns dos amigos mais próximos e membros proeminentes da Mystica Aeterna, como Alexander von Bernus e Gustav Meyrink, dizendo-lhes que queria reacender o ritual. Isso pode ser novamente ligado ao papel de Ita Wegman como cabeça da recém-fundada Escola de Micael, uma escola esotérica dedicada ao desenvolvimento do ocultismo com rituais mais simples. Enquanto Marie Steiner deveria ter continuado a Mystica Aeterna com a Segunda e Terceira Classes como originalmente pretendido.
O que teria acontecido durante a apresentação final dos Sete Dramas Misteriosos? As pessoas que poderiam participar do sétimo e último drama seriam selecionadas entre os Mystica Aeterna. A convocação ritual de Christian Rosenkreutz teria sido o clímax onde os 12 canalizaram a sabedoria oculta permitindo assim que o Cristo Etérico se manifestasse através do representante da humanidade no centro. Os membros selecionados, se estivessem espiritualmente preparados, alcançariam então a visão do Cristo Etérico de um modo novo, livre e consciente. Esse teria sido o ponto culminante dos Novos Mistérios preditos no palco dos Antigos Mistérios em que o próprio teatro era sagrado. Mas isso não aconteceu e em vez de ter a visão do Cristo Etérico através da convocação teúrgica de Christian Rosenkreuz por volta de 1933, tivemos o rompimento da Segunda Guerra Mundial e o horror dos campos de concentração (nos quais, no entanto, houve relatos de visões Crísticas – ver Etty Hillesum). A sombra do chamado espiritual ignorado materializou-se novamente.
Algo profundo e elevado aconteceu naqueles tempos cheios de esperança em torno da personalidade única de Rudolf Steiner, o papel internacional do Misraim Service na Europa foi envolto em silêncio e então esquecido. Mas à luz desse evento oculto na história, podemos entender a diferença: o Primeiro Goetheanum não era uma instituição cultural, como o segundo é agora, o primeiro Goetheanum era um enorme templo ocidental de Mistério! Foi o Templo Dourado restaurado de Hiram Abiff e Salomão na Luz de Cristo. Hermann Linde foi um pintor, depois de participar das conferências de Steiner, ele se juntou à Sociedade Antroposófica e à Mystica Aeterna: Steiner encomendou-lhe as pinturas para o Primeiro Goetheanum e também uma pintura peculiar chamada Templo Dourado, que mostra a pequena cúpula no momento da Culminação dos Sete Dramas Misteriosos com os Oficiais dos Tronos se movendo em direção à experiência imagética do Cristo Etérico. A partir disso, podemos inferir claramente que ele sabia muito sobre o verdadeiro propósito do Goetheanum e dos Dramas Misteriosos. Nesta pintura você pode ver os signos zodiacais posicionados sobre as capitais das colunas zodiacais, que na realidade não foram incluídos no projeto orgânico do Goetheanum (projetado por Steiner e Edith Maryon, um membro da Stella Matutina). Linde morreu seis meses depois do incêndio do Goetheanum: Steiner afirmou que Linde, enquanto pintava a cúpula, conectou seu corpo etérico ao Etérico do Goetheanum e assim sua vida chegou ao fim depois que o corpo etérico do Goetheanum se dissolveu depois de sua “Morte” no plano físico.
O elo etérico com Christian Rosenkreutz está ausente da atual Sociedade Antroposófica. É por isso que está prestes a se transformar no Museu Steiner e não num movimento totalmente esotérico – apesar de todas as aplicações belas, geniais e úteis da antroposofia no mundo para nossa evolução futura. O retorno ao núcleo esotérico é o que Elizabeth Vreede e Ita Wegman fizeram e agora Peter Tradowsky e Judith von Halle estão fazendo. Mas eles sofreram o mesmo destino: todos foram tristemente expulsos pelos antroposofistas mais dogmáticos no comando do Goetheanum. Eles certamente tiveram grande papel e mérito para consolidar os ensinamentos de Steiner e promover suas aplicações práticas, mas suas atitudes em relação aos membros mais avançados não foi positiva, e esses foram os únicos membros propensos a continuar no caminho oculto onde Steiner partiu, avançando no caminho da ciência espiritual, ativamente versados na prática interna das verdades mais profundas da corrente Rosacruz e Antroposófica.
Isso de alguma forma mudou depois de Prokofieff, que passou o Limiar e von Halle foi reintegrada, mas a mudança ainda é provisória. É por isso que, depois do incêndio de 1922, Steiner, de coração partido, mas não desesperado, perguntou “… e agora o buscador do Ocidente iria?” – Aqui estamos nós.
Por Giorgio Tarditi Spagnoli
Tradução Livre: Leonardo Maia
Fonte: Rosicrucian Tradition
Sobre o autor:
Meu nome é Giorgio Tarditi Spagnoli, sou antroposofista italiano, e sou o autor deste post, embora não seja o autor: recebi o conteúdo deste post da tradição oral passada de meu mentor Michele Sarà. Foi uma decisão importante publicar esta história e foi escrita com todo o meu amor pela Antroposofia, Rudolf Steiner e Rosacrucianismo.
Mesmo que eu saiba bem sobre a necessidade de usar nomes reais na Era da Consciência, eu ainda queria deixar esta história conhecida primeiro sem o meu nome – então, para sublinhar o fato de que a história não é “minha”, eu não sou a fonte, mas vem quase diretamente dos primeiros círculos antroposóficos.
Desde o começo eu queria deixar essa história ser por 13 noites: agora, na 7ª terça-feira de 2017, é hora de dar o meu nome como o escritor da história. Foi-me dito esta história e depois quis transmiti-la e partilhá-la com todas as pessoas interessadas na obra Ritual de Steiner e o profundo esoterismo Rosacruz da Antroposofia.
Há mais nesta história e, eventualmente, darei mais detalhes e clarificarei mais alguns pontos que podem soar estranhos ao Movimento Antroposófico da Tradição Ocidental de Mistérios. Eles não são, mas como é difícil encontrar as palavras apropriadas para expressar idéias e conceitos tão elevados, entendo a necessidade de maior elucidação.
GA 191 – Dornach, 9 de novembro de 1919
LÚCIFER E AHRIMAN – Leitura 5
O SER HUMANO COMO SER DE VONTADE
Quero falar hoje de algo que nos ajudará a aprofundar nossa compreensão das verdades que agora devem ser dadas à humanidade pela Antroposofia. Freqüentemente falamos dos dois pólos de forças do homem: o pólo da vontade e o pólo da inteligência. Para compreender a natureza do homem, devemos estar constantemente atentos a esses dois pólos.
O homem é um ser de vontade e um ser de inteligência. Entre eles – pelo menos desde o nascimento até a morte – está o elemento sentimento, constituindo a ponte entre a inteligência e a vontade. Você sabe que essas forças se separam em certo sentido quando o homem atinge o que é chamado de Limiar do Mundo Espiritual.
Nosso estudo de hoje se preocupará mais particularmente com a relação que o homem tem com o mundo circundante, por um lado como um ser de inteligência e, por outro, como um ser de vontade. Vamos lidar com o último primeiro.
Em sua vida entre o nascimento e a morte, o homem desenvolve a força da vontade como o impulso de suas ações e atividades. Como se expressa por meio do organismo humano, essa força de vontade é um assunto muito intrincado e complicado. No entanto, em um aspecto, tudo da natureza da vontade no homem tem uma grande semelhança, chegando quase à identidade, com certas forças da natureza. Portanto, é muito correto falar de uma relação interna entre as forças da vontade do ser humano e as forças da natureza.
Você sabe de estudos anteriores que mesmo quando o homem está acordado, ele está em uma condição semelhante ao sono, onde quer que sua vontade esteja envolvida. É verdade que ele tem em sua consciência as idéias que estão por trás do que ele quer, mas como uma idéia particular se efetua na forma de vontade – disso ele nada sabe. Ele não sabe como a ideia, “Eu movo meu braço”, está conectada com o processo que leva ao movimento real do braço.
Esse processo reside inteiramente no subconsciente e pode-se dizer que o homem não está mais consciente do processo real da vontade do que ocorre durante o sono. Mas, quando surge a questão da conexão da vontade do homem com o mundo circundante, chegamos a algo que parecerá altamente paradoxal no tipo de consciência que se desenvolveu ao longo dos últimos três a cinco séculos.
Em geral, pensa-se que a evolução da Terra seria a mesma, mesmo que os seres humanos não tivessem qualquer participação nela. Um típico cientista natural descreve a evolução da Terra como uma série, digamos, de processos geológicos puramente físicos. E mesmo que não o diga expressamente, tem em mente que desde o início da Terra até o seu hipotético fim, tudo continuaria da mesma forma, mesmo que não fosse habitado por seres humanos.
Por que essa visão é mantida pelas ciências naturais hoje? A razão é que quando algo acontece, por exemplo no reino mineral, ou no reino vegetal, digamos em 9 de novembro de 1919, as pessoas acreditam que sua causa está no que aconteceu no reino mineral antes deste ponto particular de Tempo. Os homens pensam: o reino mineral segue seu curso e o que acontece em qualquer ponto é efeito do que aconteceu antes; o efeito mineral é devido a uma causa mineral.
É assim que os homens pensam e você encontrará evidências disso em qualquer livro didático de geologia. As condições existentes atualmente são consideradas efeitos da Idade do Gelo ou de alguma época anterior – mas as causas são atribuídas inteiramente ao que outrora ocorreu no reino mineral como tal; o fato de o homem habitar a terra é ignorado.
Acredita-se que mesmo que o homem não estivesse presente, tudo seguiria um curso semelhante, que a realidade externa seria a mesma – embora, de fato, o homem sempre tenha feito parte dessa realidade externa. A verdade é que a terra é um todo, o próprio homem sendo um dos fatores ativos na evolução da terra. – Vou lhe dar um exemplo.
Você sabe que nossa época atual – pensando nisso por enquanto em um sentido mais amplo, como abrangendo o período desde a grande catástrofe atlante – foi precedida pela própria época atlante, quando os continentes da Europa, África e América em sua forma atual não existiam. Naquela época, havia um continente principal na Terra – Atlântida, como é chamada – estendendo-se sobre a área que hoje é o Oceano Atlântico.
Você também sabe que, em certo período da evolução atlante, a imoralidade de um tipo particular era generalizada em todo o mundo civilizado de então. Os seres humanos tinham muito maior poder sobre as forças da natureza do que mais tarde possuíram e empregaram essas forças para propósitos malignos. Assim, podemos olhar para trás, para uma era de imoralidade generalizada. E então veio a grande catástrofe atlante.
O geólogo ortodoxo irá naturalmente rastrear essa catástrofe aos processos no reino mineral; na verdade, é um fato que uma parte da Terra diminuiu e outra surgiu. Mas não ocorrerá àqueles que baseiam seu pensamento nos princípios da ciência natural moderna dizer a si mesmos que as ações e atividades dos homens estão entre as causas que contribuem. – Ainda assim é. – Na verdade, a catástrofe atlante foi o resultado das ações dos homens na terra.
As causas externas, minerais, não são as únicas responsáveis por esses grandes eventos catastróficos que ocorrem na existência terrestre. Devemos buscar as causas que estão dentro da esfera das ações e impulsos humanos. O próprio homem pertence à cadeia de forças causais da existência terrena. Isso não se aplica apenas a eventos de tal magnitude, mas ao que está acontecendo o tempo todo.
Para começar, apenas a conexão entre o que se passa dentro do homem e os acontecimentos cósmicos que têm efeito nos acontecimentos telúricos permanece oculta. A este respeito, toda a nossa ciência natural equivale a uma grande ilusão abrangente. Pois se você deseja chegar às verdadeiras causas, não as descobrirá estudando apenas os reinos mineral, vegetal e animal.
Deixe-me dar a seguinte ilustração do que é considerado aqui. Vamos abordá-lo, por assim dizer, do lado oposto. – Aqui (X) é o centro da terra. – Quando algo acontece no reino mineral, no reino vegetal ou no reino animal, é uma questão de buscar as causas. As causas estão em certos pontos que podem ser encontrados em toda parte. Você pode imaginar o que quero dizer ao pensar no seguinte. – Na região ao redor de Nápoles, na Itália, você descobrirá que a terra sobre uma grande área emitirá vapor se você pegar um pedaço de papel e incendiá-lo.
Os vapores começam a subir do solo abaixo de você. Você dirá: a força que impulsiona os vapores está no processo físico gerado pela iluminação do papel. Nesse caso, o processo físico é que ao acender o papel você rarefaz o ar e por causa da rarefação do ar os vapores dentro da terra pressionam para cima. Eles são mantidos baixos pela pressão de ar normal e isso é diminuído ao se iluminar o papel.
Se eu apenas quisesse dar um exemplo de efeitos de natureza puramente mineral – como esses vapores que saem da terra – eu poderia dizer a título de ilustração que aqui, e aqui (pontos no diagrama), um pedaço de papel é incendiado. Isso mostra que as causas do aumento do vapor não estão abaixo do solo, mas acima dele. Agora, esses pontos no diagrama – a, b, c, d, e, f não representam pedaços de papel que foram incendiados; neste caso, eles representam algo diferente.
Imagine, para começar, que cada ponto por si só não tem significado, mas que o significado reside no sistema de pontos como um todo. – Não pense agora nos pedaços de papel iluminado, mas em outra coisa que de momento não vou especificar. Outra coisa está lá como uma causa ativa, acima da superfície da terra; e essas diferentes causas não funcionam individualmente, mas juntas. E agora imagine que não haja apenas seis pontos, mas, digamos, 1.500 milhões de pontos [Nota 1] todos trabalhando juntos, produzindo um efeito combinado.
Esses 1.500 milhões de pontos estão realmente lá. Cada um de vocês tem dentro de você o que pode ser chamado de centro de gravidade de sua própria estrutura física. Quando o homem está acordado, esse centro de gravidade fica logo abaixo do diafragma; quando ele está dormindo, fica um pouco mais baixo. Existem, portanto, cerca de 1.500 milhões desses centros de gravidade espalhados pela Terra, produzindo um efeito combinado. E o que resulta desse efeito combinado é a causa real de grande parte do que ocorre nos reinos mineral, vegetal e animal da Terra. É uma falácia científica rastrear as causas minerais das forças que se manifestam no ar e na água e no reino mineral; na realidade, as causas devem ser encontradas no homem.
Esta é uma verdade da qual dificilmente se faz idéia hoje. É sabido por muito poucos que as causas dos processos ativos nos reinos mineral, vegetal e animal residem no organismo do homem. (Isso não se aplica a todas as forças que atuam nesses reinos da natureza, mas a uma grande proporção delas.) Na humanidade estão as causas do que acontece na terra. Portanto, a mineralogia, a botânica, a zoologia não podem ser cultivadas verdadeiramente sem a antropologia – sem o estudo do homem.
A ciência nos fala de forças físicas, químicas e mecânicas. Essas forças estão intimamente conectadas com a vontade humana, com a força da vontade humana que se concentra no centro de gravidade do homem. Se falamos da Terra tendo em vista a verdade dessas questões, não devemos seguir os geólogos ao falar de uma Terra em abstrato, mas a humanidade deve ser considerada parte integrante da Terra. Estas são as verdades que se revelam do outro lado do Limiar. Tudo o que pode ser conhecido deste lado do Limiar pertence ao reino das ilusões de conhecimento, não ao reino da verdade.
Nesse ponto surge a pergunta: Que relação existe entre as forças de vontade que se concentram no centro de gravidade do homem e as forças externas, físicas e químicas? – Estamos falando, lembre-se, da humanidade atual. – Na vida normal, essa relação tem efeito nos processos metabólicos. Quando o homem toma para si as substâncias do mundo exterior, é a sua vontade que realmente digere e atua sobre essas substâncias. E se nada mais estivesse em operação, o que fosse levado de fora para o organismo seria simplesmente destruído. A vontade humana tem o poder de dissolver e destruir todas as substâncias e forças estranhas; e a relação entre o homem e os reinos mineral, vegetal e animal da natureza hoje é tal que sua vontade está conectada com as forças de dissolução e destruição inerentes a nosso planeta.
Não poderíamos viver se essa destruição não acontecesse – mas, apesar de tudo, é destruição. Isso nunca deve ser esquecido. E o que muitas vezes é descrito como práticas mágicas ilegais se baseiam essencialmente no fato de que certos seres humanos aprendem a empregar sua vontade erroneamente, de modo que não confinem as forças destrutivas às suas operações normais dentro do organismo, mas as estendam sobre outras seres humanos, aplicando deliberada e conscientemente as forças de destruição que estão ancoradas em sua vontade. Isso, obviamente, é uma prática que nunca é, em hipótese alguma, permitida.
Por meio de nossa vontade, estamos conectados com as forças do declínio da Terra. E se os seres humanos tivessem apenas as nossas forças de vontade, a terra seria condenada por nós, pela humanidade, à destruição total. A perspectiva do futuro estaria longe de ser inspiradora; seria um panorama da dissolução gradual da Terra e sua dispersão final no espaço cósmico. – Também para o pólo único na constituição do homem.
Mas o homem é um ser duplo. Um pólo está, como vimos, conectado com as forças destrutivas de nosso planeta; o outro pólo – o da inteligência – está conectado com a vontade pela ponte do sentimento. Mas em sua vida de vigília, a inteligência do homem pouco conta no que diz respeito ao planeta Terra. Durante a vida desperta, não podemos realmente estabelecer um relacionamento verdadeiro com a existência terrena por meio de nossa inteligência.
O que eu disse a respeito da vontade acontece enquanto o homem está acordado, embora ele não esteja consciente disso. Se você vir uma rocha desmoronando e perguntar onde estão as verdadeiras causas da desintegração, você deve examinar a natureza interna e orgânica do próprio homem. Por mais estranho que pareça à mente moderna, é realmente assim. Mas, como eu disse, a terra enfrentaria um futuro triste se o outro pólo da natureza do homem não estivesse lá – o pólo das forças edificantes.
Assim como as causas de toda destruição estão na vontade que está concentrada no centro de gravidade do homem, as forças edificantes estão na esfera para a qual os homens passam durante o sono. Desde a hora de adormecer até a hora de acordar, o homem está em uma condição figurativamente descrita por dizer que ele está com seu “eu” e corpo astral estão fora do corpo físico. Mas então ele é inteiramente um ser de alma e espírito, revelando as forças que estão em operação entre adormecer e acordar. Durante esse tempo, ele está conectado, por meio dessas forças, a tudo que constrói o planeta Terra, tudo que adiciona às forças de destruição as forças construtivas e edificantes.
Se você não percorresse a terra, as forças destrutivas realmente procedentes de sua vontade não estariam atuando nos reinos mineral, vegetal e animal. Se você nunca foi dormir, as forças pelas quais a Terra é continuamente reconstruída não fluiriam de sua inteligência. As forças construtivas e edificantes do planeta Terra também residem na própria humanidade: eu não digo: no ser humano individual – pois eu disse expressamente que todas essas causas únicas formam um todo coletivo.
As forças edificantes estão na humanidade como um todo, na verdade no pólo da inteligência no ser do homem, mas não em sua inteligência desperta. A inteligência desperta é realmente como uma entidade sem vida se lançando na evolução terrestre. A inteligência que atua, inconscientemente para o homem, durante seu sono – é isso que constrói o planeta Terra. Com isso, estou apenas tentando explicar que é uma falácia procurar fora do ser humano as forças destrutivas e construtivas de nossa terra; você deve procurá-los dentro do ser humano. Depois de compreender isso, o que vou dizer agora não será ininteligível.
Você olha para as estrelas, dizendo que algo está fluindo delas que pode ser percebido pelos órgãos dos sentidos do homem aqui na terra. – Mas o que você vê quando olha as estrelas não é da mesma natureza do que você percebe na terra nos reinos mineral, vegetal e animal. Na realidade, procede de seres de inteligência e vontade, cuja vida está ligada a essas estrelas. Os efeitos parecem ser físicos porque as estrelas estão distantes.
Eles não são, na realidade, físicos de forma alguma. O que você realmente vê são as atividades inter de seres de vontade e inteligência nas estrelas. Já falei sobre a engenhosa descrição do sol feita pelos astrofísicos. Mas se fosse possível viajar ao sol por algum meio de transporte inventado por um Júlio Verne, seria descoberto com espanto que nada do que se poderia esperar dessas descrições físicas existe.
As descrições são meramente uma imagem composta dos fenômenos solares. O que vemos é, na realidade, o trabalho da vontade e da inteligência que à distância aparece como luz. Se um habitante da Lua – supondo neste sentido que existisse tal ser – olhasse para a terra, ele não detectaria suas superfícies gramadas ou minerais, mas – percebendo também como um efeito de luz ou algo semelhante – ele detectaria o que ocorre em torno dos centros de gravidade dos corpos humanos e também dos efeitos das condições em que o homem vive entre ir dormir e acordar.
Isso é o que realmente seria visto do universo. Mesmo o instrumento mais perfeito não permitiria que as cadeiras, por exemplo, nas quais você está sentado agora, fossem vistas; o que seria visto é tudo o que está acontecendo na região de seus centros de gravidade e é o que aconteceria se vocês adormecessem repentinamente – é de se esperar que isso não aconteça em todos os casos! Mas onde quer que acontecesse, seria percebido no universo.
Assim, para o universo externo, o que ocorre por meio dos seres humanos é a realidade perceptível – não o que cerca o homem na existência terrena. Um ditado muito comum é que tudo que é percebido com os sentidos é maya – a grande ilusão – não é realidade, mas simplesmente aparência. Tal abstração é de pouca importância.
Só tem sentido quando se entra no concreto, como temos feito agora. Dizer levianamente que os mundos animal, vegetal e mineral são maya não significa nada. O que tem valor é a compreensão de que o que você percebe exteriormente depende fundamentalmente de você mesmo e que – não é claro a cada momento, mas no curso da evolução da humanidade – você se torna uma parte integrante da cadeia de causas e efeitos.
Mesmo quando tal verdade arrasadora é dita – e eu acho que pode muito bem ser destruidora – ela nem sempre é vista no aspecto em que se torna importante na vida. Tal verdade assume importância apenas quando percebemos suas consequências. Não somos apenas seres físicos; somos seres morais – ou talvez imorais – na existência terrena. O que fazemos é determinado por impulsos de natureza moral.
Agora pense com que dúvida amarga o pensamento moderno é atacado neste domínio. – As ciências naturais fornecem um conhecimento do terreno que se limita à conexão entre causas e efeitos puramente externos; e neste ciclo de causas e efeitos naturais, o homem físico também está envolvido. Portanto, é alegado pela ciência externa e abstrata, que leva em conta apenas um aspecto da existência terrena.
O fato de que os impulsos morais também se desenvolvem no homem é admitido, mas nada se sabe sobre a conexão entre esses impulsos morais e o que acontece no círculo da natureza externa. Na verdade, o dilema da filosofia moderna é que os filósofos ouvem, por um lado, dos cientistas que tudo está envolvido em uma cadeia de causas e efeitos naturais – e, por outro lado, têm que admitir que os impulsos morais se iluminam no homem.
É por isso que Kant escreveu duas “Críticas”: a Crítica da Razão Pura, preocupada com a relação do homem com um curso puramente natural das coisas, e a Crítica da Razão Prática, onde apresenta seus postulados morais – que na verdade – se posso falar figurativamente – pairar no ar, surge do nada e não ter nenhuma relação a priori com as causas naturais.
Enquanto o homem acreditar que o que ocorre nas manifestações externas da natureza pode ser atribuído apenas a manifestações similares, enquanto ele se apegar a essa ilusão, a intervenção dos impulsos morais é algo que permanece separado e à parte do curso da natureza. Quase tudo o que é discutido hoje está sob a sombra dessa violação.
Em seu pensamento, os homens não podem fundir o mundo terreno como tal com a vida moral da humanidade. Mas assim que você compreender algo do que tentei resumir brevemente, você será capaz de dizer: Sim, como homem, sou uma unidade, e os impulsos morais estão vivos dentro de mim. Eles vivem no que eu sou como um ser físico. Mas como um ser humano físico, sou fundamentalmente a causa – junto com toda a humanidade – de todos os acontecimentos físicos. – A conduta moral e as realizações dos seres humanos na terra são as verdadeiras causas do que acontece no curso da existência terrena.
A história natural e as ciências naturais descrevem a Terra da maneira que encontramos nos livros didáticos de geologia, botânica e assim por diante. O que é dito parece inteiramente satisfatório de acordo com as premissas formadas pela educação moderna. Mas vamos supor que um habitante de Marte descesse à terra e a observasse à luz de suas perspectivas. – Não estou dizendo que tal coisa possa acontecer, mas apenas tentando ilustrar o que quero dizer.
– Suponha que um ser de Marte, tendo vagado estupidamente pela terra, aprendesse alguma linguagem humana, lesse um pouco de geologia e, assim, descobrisse que tipo de idéias prevalecem sobre os processos e acontecimentos na terra. – Ele dizia: Mas não é tudo. De longe, o fator mais importante é ignorado. Por exemplo, notei multidões de estudantes perambulando em suas cervejarias, bebendo e entregando-se às suas paixões.
Algo está acontecendo lá: a vontade humana está trabalhando no metabolismo. Esses são processos sobre os quais nenhuma menção é feita em seus livros de física e geologia; eles não contêm nenhuma referência ao fato de que o curso da existência terrena também é afetado pelo fato de os alunos beberem ou não. – … Isso é o que um ser não totalmente imerso em ideias e preconceitos terrestres encontraria carente nas descrições que o próprio homem faz dos acontecimentos terrestres.
Para um ser de Marte, não haveria dúvida de que os impulsos morais, que permeiam os atos humanos e toda a vida humana, são parte integrante do curso da natureza. De acordo com os preconceitos modernos, há algo inexorável no jogo da natureza, na verdade agradavelmente inexorável para os pensadores materialistas. Eles imaginam que o curso da Terra seria exatamente o mesmo se nenhum ser humano existisse; que se eles se comportam decentemente ou não, não faz nenhuma diferença fundamental ou realmente altera alguma coisa. Mas esse não é o caso!
As causas essenciais do que acontece na terra não estão fora do homem; eles estão dentro da humanidade. E se a consciência terrena deve se expandir para a consciência cósmica, a humanidade deve perceber que a terra – não em um curto período, mas em longos períodos de tempo – é feita à sua própria semelhança, à semelhança da própria humanidade. Não há melhor meio de embalar o homem para dormir do que impressioná-lo com a impressão de que não participa do curso da existência terrena. Isso restringe a responsabilidade humana a um único indivíduo, a uma única personalidade.
A verdade é que a responsabilidade pelo curso da existência terrena ao longo das eras do tempo cósmico é da humanidade. Todos devem sentir-se membros da humanidade, sendo a própria terra o corpo dessa humanidade.
Um indivíduo pode dizer a si mesmo: Durante dez anos, cedi às minhas paixões, satisfiz minhas fantasias e, assim, arruinei meu corpo. – Com igual convicção, ele deveria ser capaz de dizer: Se a humanidade terrena segue impulsos morais impuros, então o corpo da terra será diferente do que seria se os impulsos morais fossem puros. – O day-fly, por viver apenas vinte e quatro horas, tem uma visão de mundo totalmente diferente da do homem.
O alcance da visão do homem não é amplo o suficiente para perceber que o que acontece externamente no curso da natureza não depende de causas puramente naturais. No que diz respeito à configuração atual da Europa, é muito mais importante perguntar que tipo de vida prevalecia entre os seres humanos no mundo civilizado há dois mil anos do que investigar a estrutura externa mineral e vegetal da terra.
O destino de nosso planeta Terra físico daqui a mais dois mil anos não dependerá da constituição atual de nosso mundo mineral, mas do que fazemos e permitimos que seja feito. Com a consciência mundial, a responsabilidade humana se amplia para a responsabilidade mundial. Com essa consciência, sentimos, ao olhar para o céu estrelado, que somos responsáveis por esta expansão cósmica, permeada e impregnada como ela é pelo espírito – que somos responsáveis perante este mundo pelo modo como conduzimos a Terra. Crescemos junto com o cosmos na realidade concreta quando por trás dos fenômenos buscamos a verdade.
Muitas vezes digo a você que devemos aprender a perceber as realidades concretas das coisas, em sua maior parte, ensinadas como abstrações hoje. Não se consegue muito com a adoção de tradições orientais como: o mundo externo dos sentidos é maya. Devemos ir muito mais fundo se quisermos chegar à verdade. Tais abstrações não nos levam muito longe, porque na forma em que foram transmitidas, nada mais são do que o sedimento de uma sabedoria primitiva que não pairava nas abstrações, mas fervilhava de realidades concretas que devem ser trazidas à luz novamente por meio da intuição espiritual e pesquisa.
Quando você lê na literatura oriental de maya e a verdade como sua antítese, não imagine que o que você leu hoje possa ser realmente inteligível para você. É apenas uma compilação muito posterior de questões que eram realidades concretas para a sabedoria antiga. Devemos voltar a essas realidades concretas. Os homens pensam hoje que têm alguma compreensão dos processos cósmicos quando afirmam que o mundo externo dos sentidos é maya.
Mas nada pode ser entendido a menos que se avance para as realidades subjacentes. No momento em que se realiza: não devemos perguntar como o mundo mineral atual se desenvolveu a partir dos processos minerais de outra era; temos de perguntar sobre o que está acontecendo na humanidade – naquele momento, o real significado do ditado, “o mundo exterior é maya”, torna-se claro. Então começamos a perceber no homem uma realidade muito maior do que normalmente é percebida. – E então começa o sentimento de responsabilidade pela existência terrena.
Se você tentar chegar ao âmago dessas coisas – e deve ser por contemplação interior, não por meio do tipo de inteligência empregada nas ciências naturais – você gradualmente encontrará seu caminho para a compreensão de que a humanidade é composta de seres humanos. A natureza não neutraliza, na verdade, nossa liberdade, pois, como seres humanos, nós mesmos moldamos a natureza que nos rodeia imediatamente.
É apenas em suas manifestações parciais que a natureza se opõe à nossa liberdade. A natureza neutraliza nossa liberdade em uma medida não maior do que se – para dar um exemplo – você estender a mão e outra pessoa a segurar e controlar o movimento. Você não negará a liberdade de vontade simplesmente porque outra pessoa impede um movimento.
Como homens de hoje, somos controlados em muitos aspectos por causa de alguma ação de nossos predecessores que só agora está tendo efeito. Mas, em todo caso, foi uma ação dos homens. – Que homem? Ninguém contra quem possamos nos opor com reprovação, pois nós mesmos fomos os homens que, em vidas terrenas anteriores, trouxeram as condições que prevalecem hoje.
Não devemos nos limitar à simples menção de repetidas vidas terrenas, mas pensar na conexão entre elas de tal forma que mesmo na natureza externa percebemos os efeitos de causas que nós mesmos estabelecemos em vidas anteriores. Naturalmente, com referência ao ser humano único e individual, devemos falar apenas de causas contributivas, pois em todas essas coisas, como eu disse, é uma questão de interação coletiva dos homens na terra. Ninguém deve, por isso, excluir-se como indivíduo, pois cada um de nós tem sua parte naquilo que é realizado pela humanidade como um todo e então se expressa no que constitui o corpo para toda a humanidade terrestre em seu transbordamento fluídico de vida.
Tenho me esforçado para lhe dar uma idéia de como um cientista espiritual deve considerar as declarações feitas em livros científicos comuns. – Suponha que eu desenhe uma série de figuras:
quadrado – triângulo retângulo – círculo
E agora suponha que alguma criatura que nunca viveu no mundo dos homens rastejasse para fora da terra e, tendo alguns rudimentos de conhecimento aritmético, olhasse para as figuras e dissesse: Primeira figura, segunda figura, terceira figura. O terceiro é o efeito do segundo e o segundo é o efeito do primeiro. Efeito da primeira figura – um triângulo; efeito do segundo – um círculo.
Essa criatura estaria combinando causa e efeito. Mas seria uma falácia, pois desenhei cada figura separadamente. Na realidade, um é independente do outro. Só parece ser dependente dessa criatura que associa o que vem primeiro com o que se segue, como se um fosse o resultado do outro. É assim, aproximadamente, como o geólogo descreve o processo da Terra: época diluviana, época terciária, época quaternária e assim por diante.
Mas isso não é mais verdadeiro do que a afirmação de que o círculo é o resultado, o efeito do triângulo, ou o triângulo é o efeito da figura retangular. As configurações da terra são realizadas de forma autônoma – por meio dos atos da humanidade terrestre, incluindo o misterioso funcionamento da inteligência durante os períodos de sono quando o homem está fora de seu corpo físico.
Isso mostra que as descrições fornecidas pela ciência externa são em grande parte ilusórias – maya. Mas simplesmente falar sobre maya não tem muita importância. À afirmação de que o mundo externo é maya, devemos ser capazes de responder afirmando onde estão as causas reais. Essas causas estão em grande parte ocultas dos poderes cognitivos do homem.
O papel desempenhado pela humanidade na formação da existência terrena não pode ser compreendido por meio da ciência externa, mas apenas por uma ciência interna. Meu livro Conhecimento dos Mundos Superiores e sua Realização fala da atividade interna do homem entre a hora de dormir e a hora de acordar. Isso pode ser revelado por um conhecimento que atinge a esfera da vontade.
O homem nada sabe sobre a conexão entre a vontade e o mundo exterior, pois os processos da vontade estão ocultos e selados. Ele não sabe o que realmente está acontecendo quando, levantando a mão, põe em funcionamento um processo de vontade; nem ele sabe que este processo continua e tem efeito em todo o curso da existência terrena.
Isso é indicado na cena de minha peça de mistério, O portal da iniciação, onde as ações de Capesius e Strader têm seu resultado em manifestações cósmicas – em trovões e relâmpagos. É claro que é uma representação pictórica, mas a imagem contém uma verdade mais profunda; não é fantasia, mas verdade real. Por um período bastante longo na evolução, verdades desse tipo foram ditas apenas por verdadeiros poetas, cuja fantasia deve sempre ser a percepção de processos supersensíveis.
Isso é muito pouco compreendido pelo homem moderno que gosta de relegar a poesia, na verdade toda a arte, a um lugar separado e à parte da realidade externa. Ele se sente aliviado por não ser solicitado a ver na poesia algo mais do que fantasia. A verdadeira poesia, a verdadeira arte, é claro, nada mais do que um reflexo da verdade supersensível – mas um reflexo que é.
Mesmo que o poeta não esteja ele mesmo consciente dos acontecimentos supersensíveis, se sua alma está ligada ao cosmos, se ele não foi arrancado do cosmos pela educação materialista, ele dá enunciados a verdades supersensíveis, apesar de tendo que expressá-los em imagens tiradas do mundo dos sentidos.
Muitos exemplos disso estão contidos na segunda parte do Fausto de Goethe, onde, como mostrei no caso de passagens particulares, as imagens têm uma relação direta com processos supersensíveis. [Nota 2] O desenvolvimento da arte nos últimos séculos oferece evidências do que venho dizendo. – Pegue qualquer quadro pintado há muito tempo e você descobrirá que, via de regra, a paisagem ganha importância secundária.
A pintura de paisagem ganhou destaque apenas nos últimos três a cinco séculos. Antes disso, você descobrirá que a paisagem fica em segundo lugar; é o mundo do homem que é colocado em primeiro plano porque a consciência ainda sobreviveu na perspectiva de que, em relação aos processos objetivos da existência terrena, o mundo do homem é muito mais importante do que a paisagem – que é apenas o efeito do mundo do homem.
No próprio nascimento da preferência pela paisagem reside, na esfera da arte, o fenômeno paralelo do nascimento da tendência materialista da mente – consistindo na crença de que a paisagem e o que ela representa tem uma existência própria, inteiramente separada de homem. Mas a verdade é exatamente o contrário.
Se algum habitante de Marte descesse à terra, certamente seria capaz de ver sentido na “Última Ceia” de Leonardo da Vinci, mas não em pinturas de paisagens. Ele veria paisagens – incluindo paisagens pintadas – e toda a configuração da terra de maneira bastante diferente e com seu órgão particular de sentido não poderia compreender seu significado. – Por favor, lembre-se de que estou dizendo essas coisas apenas para ilustrar hipoteticamente o que quero transmitir.
Então você vê, o ditado: “o mundo externo é maya” não pode ser totalmente compreendido sem entrar nas realidades concretas. Mas, para fazer isso, devemos nos relacionar intimamente com a existência terrena como um todo, saber que somos uma parte integrante dela. E então devemos compreender o pensamento de que pode haver realidades externas e aparentes que não são a verdade, não são as verdadeiras realidades.
Se você tem uma rosa em seu quarto, é apenas uma realidade aparente, pois a rosa, como está na sua frente, não pode ser a realidade. Só pode ser a verdadeira realidade enquanto está crescendo na roseira, unida às raízes que, por sua vez, estão unidas à terra. A Terra, conforme descrita pelos geólogos, é uma realidade tão pouco verdadeira quanto uma rosa arrancada é uma realidade.
A ciência espiritual se empenha em nunca se deter na falsa realidade, mas sempre em buscar o que deve ser acrescentado, a fim de ter toda a realidade verdadeira. O escasso sentido de realidade que prevalece em nossa civilização atual se expressa no próprio fato de que toda manifestação externa é considerada como realidade. Mas só existe realidade no que está diante de nós como um todo integrado. A terra por si só, sem o homem, não é uma realidade mais verdadeira do que a rosa arrancada da roseira.
Essas coisas devem ser ponderadas e trabalhadas; não devem permanecer teorias, mas passar para os nossos sentimentos. Devemos nos sentir membros de toda a terra. É importante evocar repetidamente o pensamento: este dedo em minha mão tem verdadeira realidade apenas enquanto for parte de meu organismo; se for cortado, não terá mais realidade verdadeira. – Da mesma forma, o homem não tem realidade verdadeira separada da terra, nem tem a terra sem a humanidade.
É um conceito irreal quando o investigador científico moderno pensa, de acordo com suas premissas, que a evolução da Terra seguiria o mesmo curso se a humanidade não estivesse lá. Recentemente, mostrei que não seria assim, dizendo que os corpos deixados de lado pelos seres humanos na morte tornam-se fermento na evolução terrestre e que se nenhum corpo humano – seja por sepultamento ou cremação – se tornasse parte da terra, todo o curso dos acontecimentos físicos seria diferente do que é por esses corpos terem sido recebidos na terra.
Na palestra de hoje eu queria falar com mais detalhes sobre a conexão entre os dois pólos da vontade e da inteligência no homem e seu ambiente cósmico.
Rudolf Steiner – GA 191 – Dornach, 9 de novembro de 1919
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 191 – Dornach, 15 de novembro de 1919
LÚCIFER E AHRIMAN – Leitura 4
A ORIGEM LUCIFÉRICA DA ANTIGA SABEDORIA – AHRIMANIZAÇÃO
Ouvimos dizer que a alma humana já foi dotada de uma espécie de sabedoria primordial, que essa sabedoria gradualmente se desvaneceu e agora não está mais acessível. Conseqüentemente, no que diz respeito ao seu conhecimento, os homens se sentem cada vez mais lançados para trás em relação ao que lhes é apresentado pela existência física. Por “conhecimento”, não quero dizer apenas ciência no sentido aceito, mas o conhecimento que é conscientemente aplicado pela alma nos assuntos comuns da vida.
A pergunta surgirá naturalmente: como essa sabedoria ancestral realmente surgiu? Devo abordar aqui um novo aspecto das questões que frequentemente consideramos de outros ângulos.
Olhemos para trás, para o tempo em que o homem começou, no sentido real, a ser um cidadão da terra, quando como um ser de alma e espírito ele desceu à terra, envolveu-se com suas forças e se tornou um ser terreno. Se ele simplesmente tivesse descido à terra com as qualidades inerentes à sua própria natureza, a evolução teria tomado um curso totalmente diferente nas várias épocas da cultura.
Mas, tendo feito a descida, o homem seria obrigado a estabelecer relações com o mundo circundante, a adquirir conhecimentos terrenos – não direi por clarividência no sentido próprio – mas por instintos imbuídos de uma certa medida de clarividência. A aquisição desse conhecimento terreno teria sido um processo muito lento e gradual e por muito tempo os homens teriam permanecido como seres infantis ineficazes. Em nossa própria época, eles teriam, é verdade, conseguido desenvolver uma constituição de alma e corpo compatível com a humanidade, mas nunca teriam alcançado as alturas espirituais que realmente alcançaram.
O fato de terem conseguido realizar essa evolução de uma maneira diferente da passagem por todas as etapas da infância, se deve à intervenção na evolução terrena dos seres luciféricos. Sabemos por palestras recentes que a própria individualidade de Lúcifer encarnou na Ásia em uma certa época dos tempos pré-cristãos, e que a sabedoria pagã original da qual muitos dados históricos dão testemunho, procedeu desse Ser. Mas os seres luciféricos foram, desde o início, associados de alguma forma com a evolução da humanidade.
Rogo-lhe sinceramente – embora eu saiba que tais pedidos são de pouco proveito – que não adote uma atitude simplória e pejorativa quando se faz menção a seres luciféricos. Mesmo entre os antroposofistas, ainda existe a tendência de dizer: “Isso é certamente luciférico. A todo custo, vamos evitá-lo, rejeitá-lo! ” Mas essas coisas devem ser consideradas em muitos aspectos diferentes e sempre deve ser lembrado que toda a antiga sabedoria pagã emanou de uma fonte luciférica. O assunto exige um estudo profundo e sério.
Quanto mais recuamos na evolução da humanidade, mais encontramos certos indivíduos que, por meio das qualidades alcançadas em encarnações anteriores, eram suficientemente maduros para apreender os tesouros da sabedoria possuídos pelos seres luciféricos. Pense, por exemplo, nos sete Rishis Sagrados da Índia antiga. – Quando um indiano interpretou a sabedoria dos Santos Rishis, ele sabia, se ele tivesse sido iniciado nessas coisas, que os Professores dos Rishis eram seres Luciféricos.
Pois o que os seres luciféricos trouxeram com eles para a evolução terrestre foi, acima de tudo, o mundo do pensamento, do pensamento intelectualista que permeia a cultura, o mundo da razão no mais alto sentido da palavra – o mundo da sabedoria. E voltando às origens primordiais da existência humana, descobrimos que as fontes da sabedoria pagã sempre estão nos seres luciféricos.
Pode-se perguntar: Como isso é possível? Devemos perceber que o homem teria permanecido uma criança se não tivesse recebido dos Mistérios a instrução constante que emanava dos seres luciféricos. Aqueles que possuíam o conhecimento e a sabedoria primordial herdada com os quais poderiam promover o progresso e a educação da humanidade não tinham – como um filisteu moderno – temeor de receber essa sabedoria de fontes luciféricas.
Eles assumiram a obrigação que todos a quem os seres luciféricos transmitem conhecimento dos reinos espirituais assumem. A obrigação – pois assim pode ser chamada, embora tais palavras nem sempre transmitam o significado exato – era usar essa sabedoria cósmica luciférica corretamente, para o bem da evolução terrestre. A diferença entre a “boa” sabedoria e a puramente luciférica – que no que diz respeito ao conteúdo é exatamente a mesma – é que a “boa” sabedoria está em mãos outras que não as dos seres luciféricos. Esse é o ponto essencial.
Não é uma questão de haver uma sabedoria que possa ser cuidadosamente guardada em alguma câmara da alma e tornar um homem virtuoso! A sabedoria dos mundos é uniforme, a única diferença é se está nas mãos de homens sábios que a usam para o bem, se está nas mãos de Angeloi ou Archangeloi, ou se está nas mãos de Lúcifer e seus anfitriões . Nos tempos antigos, a sabedoria necessária para o progresso da humanidade só poderia ser obtida de uma fonte luciférica; por isso os Iniciados eram obrigados a recebê-lo daquela fonte e ao mesmo tempo assumir a obrigação de não ceder às aspirações dos seres luciféricos.
A intenção de Lúcifer era transmitir a sabedoria aos homens de tal forma que os induzisse a abandonar o caminho da evolução terrestre e tomar um caminho que conduzisse a uma esfera supraterrena, uma esfera distante da terra. Os seres luciféricos inculcaram sua sabedoria no homem, mas seu desejo era que isso o fizesse se afastar da terra, sem passar pela evolução terrena. Lúcifer quer abandonar a terra ao seu destino, para ganhar a humanidade para um reino alienado ao reino de Cristo.
Os sábios da antiguidade, que receberam a sabedoria primordial das mãos de Lúcifer, deviam, como eu disse, comprometer-se a não ceder aos desejos dele, mas a usar a sabedoria para o bem da evolução terrestre. E isso, em essência, foi o que foi realizado por meio dos mistérios pré-cristãos.
Se for perguntado o que foi que a humanidade recebeu através desses mistérios, através da influência dos seres luciféricos que, nos tempos pós-atlantes, ainda inspiraram certas personalidades como os Rishis da Índia e enviaram seus mensageiros para a terra – a resposta é que o homem recebeu os rudimentos do que se desenvolveu no curso da evolução nas faculdades da fala e do pensamento. Falar e pensar são, em suas origens, luciféricos, mas foram desviados das garras de Lúcifer pelos sábios da antiguidade. – Se você realmente pretende fugir de Lúcifer, então deve decidir-se a ser burro no futuro, e não pensar!
Essas coisas fazem parte da ciência da Iniciação que deve gradualmente chegar ao alcance da humanidade, embora por conta do tipo de educação que já é corrente há séculos no mundo civilizado, os homens se esquivam de tais verdades. A figura caricatural de Lúcifer e Ahriman – o diabo medieval – está constantemente diante de suas mentes e eles foram autorizados a crescer nesta atmosfera filisteu por tanto tempo que ainda hoje estremecem ao pensar em se aproximar de tesouros de sabedoria que estão intimamente e profundamente conectados com a evolução.
É muito mais agradável dizer: “Se eu me proteger do diabo, se me entregar a Cristo com a simplicidade de uma criança, serei abençoado e minha alma encontrará a salvação”. – Mas em seus alicerces profundos, a vida humana não é de forma alguma uma questão tão simples. E é essencial para o futuro da evolução humana que essas coisas que estamos discutindo não sejam negadas à humanidade. É preciso saber que a arte de falar e a arte de pensar se tornaram parte da evolução apenas porque foram recebidas por meio da mediação de Lúcifer.
O elemento luciférico ainda pode ser observado no pensamento. A fala, que por muito tempo foi diferenciada e adaptada às necessidades terrenas, já foi atacada por Ahriman. Foi ele quem trouxe a diferenciação, quem degradou o discurso cósmico único nas diferentes línguas da terra. Enquanto a tendência luciférica é sempre para a unificação, a tendência fundamental do princípio arimânico é a diferenciação. – O que seria pensar se não fosse luciférico?
Se o pensamento não fosse luciférico, os seres humanos na terra seriam como aquele cujo pensamento fosse totalmente não luciférico, a saber, Goethe. Goethe foi um daqueles que, em certo aspecto, se propôs deliberadamente a enfrentar e desafiar os poderes luciféricos. Isso, no entanto, torna essencial manter um controle constante da realidade concreta e individual. No momento em que você generaliza ou unifica – nesse momento você está se aproximando do pensamento luciférico.
Se você fosse contemplar cada indivíduo humano, cada planta, cada animal, cada pedra em si mesma, tendo em mente o único objeto, não classificando em gêneros e espécies, não generalizando em seu pensamento – então você seria pouco propenso ao pensamento luciférico. Mas qualquer pessoa que tentasse tal coisa, mesmo quando criança, nunca iria além da classe mais baixa em qualquer escola moderna.
O fato é que o pensamento universal implícito na sabedoria pagã foi gradualmente se exaurindo. A constituição do homem é tal que este princípio luciférico de unificação não pode mais ser de muito serviço real para ele na terra. Isso foi neutralizado pelo fato de que a natureza do homem criada por Deus seguiu o rastro da evolução da Terra, tornou-se relacionada, aliada à Terra. E porque assim é, por sua própria natureza inerente o homem está menos aliado do elemento luciférico que sempre tende a afastá-lo da terra.
Mas ai se o homem simplesmente se afastasse do elemento luciférico sem colocar algo diferente em seu lugar. Isso traria nada além do mal. Pois então o homem cresceria junto com a terra, isto é, com o território particular da terra onde ele nasceu; e sua vida cultural se tornaria completamente especializada, completamente diferenciada. Já podemos ver essa tendência se desenvolvendo. Ele se enraizou de forma mais marcante desde o início do século XIX; mas a tendência de se dividir em grupos cada vez menores tornou-se evidente como resultado da catastrófica guerra mundial.
O chauvinismo (termo dado a todo tipo de opinião exacerbada, tendenciosa ou agressiva em favor de um país, grupo ou ideia) está cada vez mais prevalecendo até que finalmente levará os homens a se dividirem a tal ponto que, por fim, um grupo envolverá apenas um único ser humano! As coisas poderiam chegar ao ponto em que os homens individualmente se dividissem novamente em direita e esquerda, e ficassem em guerra consigo mesmos; a esquerda estaria em desacordo com a direita. Essas tendências são evidentes mesmo agora na evolução da humanidade. Para combater isso, um contrapeso deve ser criado; e esse contrapeso só pode ser criado se, como a velha sabedoria inerente ao paganismo, uma nova sabedoria, adquirida pela livre resolução e vontade do homem, for infundida na cultura terrena. Esta nova sabedoria deve ser novamente uma sabedoria de Iniciação.
E aqui chegamos a um capítulo que não deve ser omitido do conhecimento do homem moderno. Se, no futuro, o homem não fizesse nada para adquirir uma nova sabedoria, então, inconscientemente para ele, toda a cultura se tornaria arimânica, e seria fácil para as influências provenientes da encarnação de Ahriman permear toda a civilização no terra. Portanto, devem ser tomadas precauções em relação aos fluxos pelos quais a forma arimânica de cultura é promovida. Qual seria o resultado se os homens seguissem a forte inclinação que têm hoje de deixar as coisas à deriva como estão, sem compreender e guiar para os canais certos as correntes que conduzem a uma cultura arimânica?
– Assim que Ahriman encarnasse no tempo destinado no Ocidente, toda a cultura estaria impregnada de suas forças. O que mais viria em seu trem? Por meio de certas artes estupendas, ele traria ao homem todo o conhecimento clarividente que até então só pode ser adquirido por meio de intenso trabalho e esforço. Os homens poderiam viver como materialistas, eles poderiam comer e beber destas forças – tanto quanto sobrou depois da guerra! – sem a necessidade de quaisquer esforços espirituais. Os impulsos de Ahriman continuariam seu curso desimpedido. Quando Ahriman encarnasse no Ocidente na hora marcada, ele estabeleceria uma grande escola ocultista para a prática das artes mágicas da maior grandeza, o que de outra forma só poderia ser adquirido por meio de um grande esforço a ser derramado sobre a humanidade.
O que uma pessoa veria, uma segunda e uma terceira não veriam. A confusão prevaleceria e, apesar de serem receptivos à sabedoria clarividente, os homens inevitavelmente entrariam em conflito por causa da diversidade de suas visões. No final das contas, porém, todos eles ficariam satisfeitos com sua visão particular, pois cada um deles seria capaz de ver o mundo espiritual. Desta forma, toda a cultura da terra seria vítima de Ahriman.
Os homens sucumbiriam a Ahriman simplesmente por não terem adquirido por seus próprios esforços o que Ahriman está pronto e capaz de dar a eles. Nenhum conselho pior poderia ser dado do que dizer: “Fique como você está! Ahriman fará de todos vocês clarividentes, se assim o desejarem. E você desejará isso porque o poder de Ahriman será muito grande. ” – Mas o resultado seria o estabelecimento do reino de Ahriman na terra e a derrubada de tudo alcançado até então pela cultura humana; todas as tendências desastrosas alimentadas inconscientemente pela humanidade hoje surtirão efeito.
Nossa preocupação é que a sabedoria do futuro – uma sabedoria clarividente – seja resgatada das garras de Ahriman. Mais uma vez, deixe ser repetido que há apenas um livro de sabedoria, não dois tipos de sabedoria. A questão é se essa sabedoria está nas mãos de Ahriman ou de Cristo. Não pode ir para as mãos de Cristo, a menos que os homens lutem por ela. E eles só podem lutar por isso dizendo a si mesmos que, por seus próprios esforços, devem assimilar o conteúdo da ciência espiritual antes do aparecimento de Ahriman na terra.
Essa, você vê, é a tarefa cósmica da ciência espiritual. Consiste em impedir que o conhecimento se torne – ou permaneça – arimânico. Uma boa maneira de jogar nas mãos de Ahriman é excluir tudo da natureza do conhecimento da religião denominacional e insistir que a fé simples é suficiente. Se um homem se apega a esta fé simples, ele condena sua alma à estagnação e então a sabedoria que deve ser resgatada de Ahriman não consegue encontrar entrada.
A questão não é se os homens simplesmente recebem ou não a sabedoria do futuro, mas se eles trabalham nisso; e aqueles que o fizerem devem assumir o dever solene de salvar a cultura terrena para Cristo, assim como os antigos Rishis e Iniciados se comprometeram a não ceder à condição de Lúcifer de que a humanidade fosse atraída para longe da terra.
A raiz da questão é que também pela sabedoria do futuro é necessária uma luta, uma luta semelhante à travada contra Lúcifer pelos antigos Iniciados, por cujo intermédio as faculdades da palavra e do pensamento foram transmitidas aos homens. Assim como foi delegado aos Iniciados a sabedoria primordial arrancar de Lúcifer aquilo que se tornou a razão humana, o intelecto humano, também o discernimento que se desenvolverá no futuro nas realidades internas das coisas deve ser arrancado dos poderes Ahrimanicos. Essas são as questões – e essas questões afetam fortemente a própria vida.
Li recentemente algumas notas escritas, pouco antes de sua morte, por alguém que era amigo do Movimento Antroposófico. Ele havia sido ferido na guerra e permaneceu por um longo tempo no hospital, onde, no decorrer das operações realizadas nele, ele teve muitos vislumbres do mundo espiritual. As últimas linhas que escreveu contêm uma passagem notável, descrevendo uma visão que teve não muito antes de sua morte. Nesta última experiência, a atmosfera à sua volta tornou-se, como ele a expressa, como um denso granito, pesando sobre sua alma. Essa impressão pode ser entendida à luz do conhecimento de que temos que lutar pela sabedoria do futuro; pois os poderes arimânicos não permitem que essa sabedoria seja arrancada deles sem luta.
Não pense que a sabedoria pode ser alcançada por meio de visões bem-aventuradas. A verdadeira sabedoria deve ser adquirida “em trabalho de parto e sofrimento”. O que acabei de dizer sobre o moribundo é um quadro muito bom de tal sofrimento, pois nessa luta pela sabedoria do futuro, uma das experiências mais frequentes é que o mundo está pressionando sobre nós, como se o ar de repente congelou em granito. É possível saber por que isso acontece. Temos apenas que lembrar que é o esforço dos poderes Ahrimânicos para reduzir a terra a um estado de rigidificação completa.
A vitória deles seria ganha se eles conseguissem trazer terra, água e ar para este estado rígido. Se isso acontecesse, a Terra não poderia adquirir novamente o calor de Saturno do qual procedeu e que deve ser recuperado na época de Vulcano; e evitar isso é o objetivo dos poderes Ahrimânicos. Uma tendência que tem uma influência importante nisso é a falta de entusiasmo das almas humanas nos dias de hoje pelo conteúdo da ciência espiritual.
Se esta falta de entusiasmo persistisse, o primeiro impulso para o enrijecimento da terra emanaria das almas dos próprios homens, da sua apatia, da sua indolência e do amor ao conforto. Se você refletir que essa rigidez é o objetivo dos poderes Ahrimânicos, você não ficará surpreso que a compressão, a sensação de que a vida está se tornando granito, é uma das experiências que devem ser vividas na luta pela sabedoria do futuro.
Mas lembre-se de que os homens de hoje podem se preparar para olhar para o mundo espiritual, apreendendo com sua razão humana saudável o que a ciência espiritual tem a oferecer. O esforço despendido no estudo que se deixa guiar pela sã razão humana pode fazer parte da luta que leva eventualmente à visão do mundo espiritual. Muitas tendências terão de ser superadas, mas para os homens de hoje, a dificuldade fundamental é que, quando desejam compreender a ciência espiritual, têm de lutar contra seus próprios crânios de granito.
Se o crânio humano fosse menos duro e menos parecido com o granito, a ciência espiritual seria muito mais amplamente aceita na atualidade. Infinitamente mais eficaz do que qualquer evitação filisteu dos poderes de Ahriman seria lutar contra Ahriman por meio do estudo sincero e genuíno do conteúdo da ciência espiritual. Pois então o homem gradualmente viria a perceber espiritualmente o perigo que, de outra forma, deveria acontecer à terra fisicamente, de ser enrijecido em uma densidade semelhante ao granito.
E assim deve ser enfatizado que a sabedoria do futuro só pode ser alcançada por meio de privações, trabalho de parto e dor; deve ser alcançada suportando os sofrimentos concomitantes do corpo e da alma em prol da salvação da evolução humana. Portanto, o princípio inabalável deve ser, nunca se deixar ser dissuadido pelo sofrimento na busca dessa sabedoria.
No que diz respeito à vida externa da humanidade, o que é necessário é que no futuro o perigo da rigidez congelada – que, a princípio, se manifestaria na esfera moral – seja removido da terra. Mas isso só pode acontecer se os homens visualizarem espiritualmente, sentirem interiormente e se oporem à sua vontade, o que de outra forma se tornaria realidade física.
No fundo, é simplesmente devido à fraqueza de coração que os homens de hoje não estão dispostos a abordar a ciência espiritual. Eles não estão cientes disso, mas é assim mesmo; eles temem as dificuldades que terão de ser enfrentadas por todos os lados. Quando as pessoas vêm para a ciência espiritual, elas freqüentemente falam da necessidade de “elevação”. Com isso, geralmente significam uma sensação de conforto e bem-estar interior.
Mas isso não pode ser oferecido, pois simplesmente os embalaria até o entorpecimento e os afastaria da luz de que precisam. O essencial é que, a partir de agora, o conhecimento das forças motrizes da evolução não deve ser negado à humanidade. Deve-se perceber que na verdade o ser humano está equilibrado, por assim dizer, entre os poderes luciféricos e arimânicos, e que o Cristo se tornou um companheiro dos homens, levando-os, primeiro, para longe da batalha com Lúcifer, e depois para a batalha com Ahriman.
A evolução da humanidade deve ser entendida à luz desses fatos. Aquele que apresenta os segredos da existência cósmica da maneira que deve ser feita na ciência espiritual, muitas vezes é ridicularizado, por exemplo, sobre o uso do princípio do número sete – como você encontrará em meu livro Teosofia. Mas você notará que as pessoas não riem quando o arco-íris é descrito como sétuplo, ou a escala – tônica, segunda, terceira e assim por diante, até a oitava que é uma repetição da tônica.
No mundo físico, essas coisas são aceitas, mas não quando se trata do espiritual. O que deve ser recuperado aqui é algo que estava implícito na velha sabedoria pagã. Um último lampejo dessa sabedoria pagã em relação a um assunto como o princípio do número sete, pode ser encontrado na Escola Pitagórica – que na verdade era uma escola de mistérios. Você pode ler sobre Pitágoras hoje em qualquer livro; mas você nunca encontrará qualquer compreensão do motivo pelo qual ele baseou a Ordem Mundial no número.
A razão era porque na sabedoria antiga tudo se baseava em números. E um último vislumbre da sabedoria contida nos números ainda sobreviveu quando Pitágoras fundou sua escola. Outros ramos da sabedoria antiga sobreviveram por muito mais tempo, alguns até os séculos VI e VII da era cristã. Até então, muitas coisas verdadeiras sobre os mundos superiores eram ditas na esfera do que é chamado de filosofia natural. E então, gradualmente, essa inteligência primordial na humanidade secou – se é que posso usar essa expressão.
Vamos imaginar algum representante ortodoxo do ensino moderno sentado em um canto e dizendo: “Que bobagem esses antropósofos falam! O que eles querem dizer com afirmar que a sabedoria primordial secou? Resultados maravilhosos que marcaram época foram alcançados, sobretudo durante os últimos séculos, e ainda estão sendo alcançados. Pode ter havido uma parada temporária em 1914, mas de qualquer forma até então maravilhas foram realizadas! ”
Mas se você olhar com franqueza e sem preconceito para o que foi alcançado mais recentemente, chegará à seguinte conclusão. – Reconhecidamente, um monte de notas foram coletadas – um monte de dados científicos e históricos. Esse tipo de coleção virou moda. Inúmeros experimentos foram feitos e descritos. Mas agora pergunte-se: há alguma ideia fundamentalmente nova em tudo o que esta era moderna produziu?
Novas idéias, novas concepções foram dadas por espíritos individuais como Goethe – mas Goethe não foi compreendido. Se você estudar as descobertas recentes das ciências naturais ou da pesquisa histórica, ficará claro para você que, com relação às idéias, não há nada de novo. Certamente, Darwin fez viagens, descreveu muitas coisas que viu nessas viagens e reuniu tudo em uma ideia. Mas se você apreender a ideia de evolução em seus detalhes, como ideia, você a encontrará no filósofo grego Anaxágoras. Da mesma forma, você encontrará os princípios fundamentais da ciência natural moderna em Aristóteles – isto é, na era pré-cristã. Essas idéias são tesouros da sabedoria primordial – surgindo de uma fonte luciférica.
Mas a sabedoria primordial secou e algo novo na forma de percepção do mundo espiritual deve ser alcançado. Uma certa disposição por parte do homem é necessária para empreender o trabalho que envolve idéias realmente novas. E a humanidade hoje em dia precisa urgentemente de novas idéias, especialmente a respeito do reino e da vida da alma. Fundamentalmente, tudo o que a ciência nos diz a respeito da alma equivale a nada mais do que uma coleção de palavras. O que é ensinado nas salas de aula sobre pensar, sentir e querer é simplesmente uma questão de palavras jogadas espasmodicamente. Isso equivale a pouco mais do que o som das palavras. Quase não há o começo de uma tentativa de levar a sério algo que seja realmente novo.
Nesse sentido, pode-se ter experiências curiosas! Há algum tempo fui convidado a falar para uma “Sociedade Schopenhauer” em Dresden. Pensei comigo mesmo: Sim – uma Sociedade Schopenhauer – isso certamente deve ser algo fora do comum! Então tentei mostrar como o contraste entre dormir e acordar, entre acordar e dormir deve ser entendido no sentido psicológico, como a alma está envolvida. Falei de algo que mencionei recentemente a você, a saber, que existe um ponto zero nos momentos de adormecer e acordar, que o sono não é meramente uma cessação do estado de vigília, mas tem a mesma relação com o estado de vigília estado como as dívidas incidem sobre os ativos.
Se você pesquisasse pela psicologia moderna, não encontraria o menor vestígio de qualquer tentativa de chegar à raiz desses assuntos de longo alcance. – Depois da palestra, em uma “discussão”, como foi chamada, alguns letrados da plateia se levantaram para falar. Um desses filósofos fez uma declaração realmente esplêndida, no seguinte sentido.
Ele disse: “O que temos ouvido não poderia ser uma preocupação da ciência séria. A ciência séria tem outros assuntos muito diferentes com os quais se ocupar. O homem nada pode saber do que acaba de ser apresentado de forma tão plausível; nada disso é uma preocupação da cognição humana. Além disso, já sabemos de tudo há muito tempo. ” – Em outras palavras, portanto: o que não podemos saber é algo com o qual estamos familiarizados há muito tempo!
Agora, contradições existem, mas contradições desse tipo existem apenas nas cabeças dos estudiosos de hoje! Se alguém diz que certas coisas não podem ser conhecidas, que não são objetos da cognição humana – muito bem, essa é a opinião dele. Mas se ele disser ao mesmo tempo que já sabe tudo sobre eles há muito tempo, então há uma contradição óbvia. Os estudiosos eruditos de hoje geralmente têm o hábito de colocar duas opiniões diametralmente opostas lado a lado dessa maneira.
Esse tipo de pensamento tem muito a ver com a situação atual. Um indivíduo – graças aos poderes divinos e também, lembre-se, a Lúcifer e Ahriman – muitas vezes pode formar um julgamento bastante sólido dessas coisas; mas quando se trata de apresentá-los ao mundo – isso é uma questão completamente diferente. Muitas pessoas estão dispostas a embarcar no estudo da ciência espiritual, desde que encontrem uma sociedade de tendências sectárias na qual possam se refugiar. Mas quando eles têm que enfrentar o mundo e apresentar algo de que o próprio mundo possui evidência, tudo pode virar fumaça e eles se tornam verdadeiros filisteus. – E então o progresso de Ahriman é amplamente promovido.
Rudolf Steiner – GA 191 – Dornach, 15 de novembro de 1919
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 193 – Dornach, 4 de novembro de 1919
LÚCIFER E AHRIMAN – Leitura 3
A ENCARNAÇÃO DE LÚCIFER E AHRIMAN: PASSADO LUCIFÉRICO E FUTURO AHRIMÂNICO
A fase de evolução que se inicia em nosso tempo tem um caráter muito especial. O mesmo pode, é claro, ser dito de cada época, mas em todos os casos é uma questão de definir as características particulares. A fase atual da evolução pode ser caracterizada de maneira geral, dizendo que todas as experiências que a humanidade enfrenta no mundo físico durante a existência futura da Terra representarão um declínio, um retrocesso. O tempo em que o progresso humano foi possibilitado pelo constante refinamento das forças físicas já acabou. No futuro, também, a humanidade progredirá, mas apenas por meio do desenvolvimento espiritual, por meio do desenvolvimento em um nível mais alto do que o dos processos do plano físico. Homens que confiam inteiramente nos processos do plano físico não encontrarão neles nenhuma fonte de satisfação. Uma indicação dada na ciência espiritual há muito tempo, na Aula-Curso sobre o Apocalipse, [Nota 1], a saber, que estamos caminhando para a “Guerra de Todos contra Todos”, deve de agora em diante ser apreendida em todo o seu significado e gravidade; suas implicações não devem permanecer no domínio da teoria, mas também se manifestar nas ações, em todo o comportamento dos homens.
O fato de que – para usar um coloquialismo – as pessoas no futuro não vão se divertir muito com os desenvolvimentos no plano físico, fará com que percebam que a evolução posterior deve proceder das forças espirituais.
Isso pode ser compreendido apenas examinando um longo período de evolução e aplicando o que é descoberto a experiências que se tornarão cada vez mais genéricas no futuro. A tendência das forças que se manifestarão no início quase rítmico da guerra e da destruição – processos dos quais a presente catástrofe é apenas o começo – se tornará evidente demais. É infantil acreditar que qualquer coisa relacionada com esta guerra pode trazer uma era permanente de paz para a humanidade no plano físico. Não será assim. O que deve acontecer na terra é o desenvolvimento espiritual. Sua direção e significado serão claros para nós se, depois de examinar uma época comparativamente longa anterior ao Mistério do Gólgota, tivermos em mente algo do significado do Mistério do Gólgota e, em seguida, tentarmos imaginar o impulso desse Evento operando no futuro evolução da humanidade.
Estudamos o Mistério do Gólgota de muitos pontos de vista diferentes e o faremos novamente hoje, caracterizando, muito brevemente, a civilização que o precedeu – digamos, já no terceiro milênio a.C. – e então continuou por um tempo como cultura pagã no próprio período de desenvolvimento cristão.
Dentro desta cultura pagã, a cultura hebraico-judaica absolutamente diferente criou raízes, tendo o Cristianismo como sua prole.
A natureza da cultura pagã pode ser melhor entendida se percebermos que ela foi o resultado do conhecimento, visão e ação nascidos de forças muito mais amplas em alcance do que aquelas pertencentes à atual existência terrena. Na verdade, foi através da cultura hebraica que o elemento moral foi inculcado pela primeira vez na humanidade. No paganismo, o elemento moral não ocupava um lugar separado e à parte; esta cultura pagã era tal que o homem se sentia um membro de todo o cosmos.
Isso é algo que devemos ter especialmente em mente. – O ser humano que vivia na terra dentro do antigo mundo pagão sentia-se membro de todo o cosmos. Ele sentiu como as forças que atuam nos movimentos das estrelas se estendem às suas próprias ações, ou, melhor dizendo, às forças que atuam em suas ações. O que mais tarde passou por astrologia, e ainda o faz, é apenas um reflexo – e muito enganador – da antiga sabedoria colhida da contemplação das estrelas em seus cursos e então usada como base para os preceitos que governam a ação humana.
Essas civilizações antigas só podem ser compreendidas se a ciência espiritual lançar luz sobre a evolução humana em seu aspecto externo, cerca de quatro ou cinco mil anos antes de Cristo.
Estamos aptos a falar de uma maneira bastante prática da segunda ou da primeira época pós-atlântica, mas erramos se imaginarmos a existência do homem na Terra no quinto, sexto ou sétimo milênios a.C. como tendo sido semelhante à nossa existência presente. É perfeitamente correto que os homens que viviam na Terra naqueles tempos antigos tinham uma espécie de vida da alma instintiva, em certo aspecto mais semelhante à vida da alma dos animais do que à do homem de hoje.
Mas é uma concepção muito unilateral da vida humana dizer que naqueles tempos antigos os homens eram mais como animais. Em teor de alma, o ser humano que então se movia pela terra era, é verdade, mais semelhante ao animal; mas aqueles corpos humanos-animais eram usados por seres de alma e espírito que se sentiam membros dos mundos supra-sensíveis, sobretudo dos mundos cósmicos. E contanto que retrocedamos o suficiente, digamos, até o quinto milênio pré-cristão, pode-se dizer que os homens fizeram uso de corpos animais como instrumentos, em vez de se sentirem dentro desses corpos.
Para caracterizar esses homens com precisão, seria preciso dizer que quando eles estavam acordados, eles se moviam com uma vida de alma instintiva como a dos animais, mas nesta vida de alma instintiva brilhava algo como sonhos de seu estado de sono, sonhos acordados. E nesses sonhos acordados eles perceberam como haviam descido, para usar os corpos dos animais apenas como instrumentos. Este tenor interno fundamental da alma humana então veio a se expressar como um rito religioso, no culto de Mithras com seu principal símbolo do Deus Mithras montado em um touro, acima dele o céu estrelado ao qual ele pertence, e abaixo dele a terra ao qual o touro pertence.
Esse símbolo não era, estritamente falando, um símbolo para esses homens da antiguidade; era uma visão da realidade. Todo o teor da alma do homem o fez dizer a si mesmo: Quando estou fora do meu corpo à noite, pertenço às forças do cosmos, dos céus estrelados; quando acordo de manhã, uso os instintos animais de um corpo animal.
Então a evolução humana passou, figurativamente falando, para um período de crepúsculo. Uma certa obscuridade, uma certa letargia, espalhou-se pela vida da humanidade; os sonhos cósmicos retrocederam e o instinto prevaleceu.
A atitude da alma anteriormente prevalecente nos homens foi preservada através dos Mistérios, principalmente através dos Mistérios Asiáticos. Mas no quarto milênio a.C. e até o início do terceiro, a humanidade em geral – quando não influenciada pela sabedoria do Mistério – viveu uma existência permeada por uma consciência mais ou menos obscura, crepuscular. Na Ásia e no mundo então conhecido, pode-se dizer que durante o quarto e no início do terceiro milênio antes do Mistério do Gólgota, a vida da alma do homem era obscura e instintiva. Mas os Mistérios estavam lá, nos quais, por meio de ritos e cerimônias poderosas, os mundos espirituais foram capazes de penetrar. E foi desses centros que os homens receberam a iluminação.
No início do terceiro milênio, ocorreu um acontecimento importante. – A causa raiz desta vida turva e mais instintiva pode ser caracterizada por dizer que, como um ser de espírito e alma, o homem ainda era incapaz naquela época de fazer uso dos órgãos humanos do intelecto. Esses órgãos já estavam dentro dele, haviam tomado forma em sua constituição física, mas o ser de espírito e alma não poderia fazer uso deles.
Assim, os homens não podiam adquirir conhecimento por meio de seu próprio pensamento, por meio de seus próprios poderes de discernimento intelectual. Eles dependiam do que lhes era comunicado pelos Mistérios. Então, por volta do início do terceiro milênio, um evento importante ocorreu no leste da Ásia.
Um filho de uma distinta família asiática da época teve permissão para crescer no recinto das cerimônias de mistério. As circunstâncias eram tais que esta criança foi realmente autorizada a participar das cerimônias, sem dúvida porque os sacerdotes que conduziam os ritos nos Mistérios sentiram como uma inspiração que tal criança deveria ter permissão para participar. E quando o ser encarnado naquela criança atingiu a idade de cerca de 40 anos – aproximadamente essa idade – algo muito notável veio à tona.
Tornou-se evidente e não há dúvida de que os sacerdotes dos Mistérios previram o evento profeticamente – tornou-se evidente que este homem, que teve permissão para crescer no recinto de um dos centros de Mistérios na Ásia Oriental, começou repentinamente, com cerca de 40 anos de idade, a compreender, através da faculdade do próprio intelecto humano, o que antes havia entrado nos Mistérios por meio da revelação, e somente por meio da revelação. Ele foi como que o primeiro a fazer uso dos órgãos do intelecto humano, mas ainda em associação com os Mistérios.
Traduzindo em termos de nossa linguagem atual como os sacerdotes dos Mistérios falavam desse assunto, devemos dizer: Neste homem, o próprio Lúcifer se encarnou – nem mais nem menos do que isso! – É um fato significativo e importante que no terceiro milênio antes de Cristo uma encarnação de Lúcifer na carne realmente ocorreu no leste da Ásia.
E dessa encarnação de Lúcifer na carne – pois esse Ser se tornou um Mestre – surgiu o que é descrito como a cultura pagã pré-cristã que ainda sobreviveu na Gnose dos primeiros séculos cristãos.
Seria errado fazer um julgamento depreciativo sobre esta cultura de Lúcifer. Apesar de toda a beleza produzida pela civilização grega, até mesmo o insight que ainda está vivo na filosofia grega antiga e nas tragédias de Ésquilo (Aeschylus – dramaturgo da Grécia Antiga. É reconhecido frequentemente como o pai da tragédia, e é o mais antigo dos três trágicos gregos cujas peças ainda existem) teria sido impossível sem essa encarnação de Lúcifer.
A influência da encarnação de Lúcifer ainda era poderosa no sul da Europa, no norte da África e na Ásia Menor durante os primeiros séculos da cristandade. E quando o mistério do Gólgota ocorreu na terra, era essencialmente a sabedoria luciférica por meio da qual poderia ser compreendido. A Gnose, que se incumbiu da tarefa de compreender o significado do Mistério do Gólgota, estava totalmente impregnada de sabedoria luciférica.
Deve-se, portanto, enfatizar, em primeiro lugar, que no início do terceiro milênio a.C. houve uma encarnação chinesa de Lúcifer; no início de nossa era ocorreu a encarnação de Cristo. E para começar, o significado da encarnação de Cristo foi compreendido porque o poder da antiga encarnação de Lúcifer ainda sobreviveu. Esse poder realmente não desapareceu da faculdade de compreensão do homem até o século IV d.C.; e mesmo assim, teve suas consequências, suas ramificações.
A essas duas encarnações, a encarnação de Lúcifer nos tempos antigos e a encarnação do Cristo que dá sentido à terra, uma terceira encarnação será adicionada em um futuro não muito distante. E os acontecimentos do tempo presente já estão se movendo de forma a se preparar para isso.
Sobre a encarnação de Lúcifer no início do terceiro milênio AC, devemos dizer: por meio de Lúcifer, o homem adquiriu a faculdade de usar os órgãos de seu intelecto, de seu poder de discernimento intelectual. Foi o próprio Lúcifer, em corpo humano, o primeiro a apreender, pelo poder do intelecto, o que antes só podia ser transmitido ao homem por meio da revelação, ou seja, o conteúdo dos Mistérios.
O que agora está em preparação e com certeza acontecerá na terra em um futuro não muito distante, é uma encarnação real de Ahriman.
Como você sabe, desde meados do século XV, vivemos em uma era em que cabe à humanidade adquirir cada vez mais o poder total da consciência. É da maior importância que os homens abordem a encarnação vindoura de Ahriman com plena consciência desse evento. Já a encarnação de Lúcifer só poderia ser reconhecida pela visão profética dos sacerdotes dos Mistérios.
Os homens também não tinham consciência do que realmente significavam a encarnação de Cristo e o evento do Gólgota. Mas eles devem viver em direção à encarnação de Ahriman com plena consciência em meio aos eventos devastadores que ocorrerão no plano físico. Em meio ao estresse perpétuo da guerra e outras tribulações do futuro imediato, a mente humana se tornará muito inventiva no domínio da vida física. E por meio desse próprio crescimento da inventividade na vida física – que não pode ser evitada de nenhuma maneira ou por nenhum meio – a existência corporal de uma individualidade humana na qual Ahriman pode encarnar se tornará possível e inevitável.
Do mundo espiritual, este poder Ahrimânico está se preparando para encarnar na terra, está se esforçando de todas as maneiras concebíveis para fazer tal preparação que a encarnação de Ahriman em forma humana pode ser capaz de enganar e corromper a humanidade na terra ao máximo. Uma tarefa da humanidade durante a próxima fase da civilização será viver em direção à encarnação de Ahriman com tal consciência alerta que esta encarnação pode realmente servir para promover um desenvolvimento espiritual superior, visto que através do próprio Ahriman o homem se tornará consciente do que pode, ou, digamos, não pode ser alcançado apenas pela vida física.
Mas os homens devem avançar com plena consciência em direção a esta encarnação de Ahriman e tornar-se cada vez mais alertas em todos os domínios, a fim de reconhecer com maior e maior clareza as tendências da vida que estão levando a esta encarnação de Ahriman. Os homens devem aprender com a ciência espiritual para encontrar a chave da vida e assim ser capazes de reconhecer e aprender a controlar as correntes que conduzem à encarnação de Ahriman.
Deve-se perceber que Ahriman viverá entre os homens na terra, mas ao confrontá-lo, os próprios homens determinarão o que podem aprender com ele, o que podem receber dele. Isso, entretanto, eles não serão capazes de fazer a menos que, de agora em diante, assumam o controle de certas correntes espirituais e também não espirituais que, de outra forma, são usadas por Ahriman com o propósito de deixar a humanidade tão profundamente inconsciente quanto possível de sua vinda; então, um dia, ele poderá aparecer na terra e dominar os homens, tentando e induzindo-os a repudiar a evolução terrestre, impedindo-a de alcançar seu objetivo. Para compreender todo o processo de que falei, é essencial reconhecer o caráter de certas correntes e influências – espirituais ou ou reversas.
Você não vê o número cada vez maior de pessoas atualmente que não querem nenhuma ciência do espírito, nenhum conhecimento do espiritual? Você não vê quão numerosas são as pessoas a quem as velhas forças da religião já não dão qualquer estímulo interior? – Ir à igreja ou não é uma questão de total indiferença para um grande número de seres humanos hoje em dia. Os velhos impulsos religiosos nada significam para eles.
Mas também não se atreverão a pensar no que pode fluir para nossa civilização como uma nova vida espiritual. Eles resistem, rejeitam, consideram isso uma tolice, algo inconveniente; eles não se permitirão ter nada a ver com isso. Mas, você vê, o homem como ele vive na terra é verdadeiramente uma unidade. Sua natureza espiritual não pode ser separada de sua natureza física; ambos trabalham juntos como uma unidade entre o nascimento e a morte.
E mesmo que o homem não receba o espiritual por meio das faculdades da alma, o espiritual tem efeito, independentemente. Desde o último terço do século XIX, o espiritual está fluindo ao nosso redor; está fluindo para a evolução terrena. O espiritual está lá na verdade – somente os homens não estão dispostos a recebê-lo.
Mas mesmo que eles não aceitem o espiritual, ele existe! E o que acontece com isso? Por mais paradoxal que possa parecer – pois muito do que é verdade parece paradoxal para a mente moderna – naquelas pessoas que recusam o espiritual e gostam de comer e beber o melhor de todas as coisas na vida, os fluxos espirituais, inconscientemente para eles, entram nos processos de comer e digestão. Este é o segredo daquela marcha para o materialismo que começou por volta do ano 1884, ou melhor, estava então em preparação ativa.
Aqueles que não recebem o espiritual por meio de suas almas, não o recebem menos hoje: comendo e bebendo, comem e bebem o espírito. Eles são “comedores” da alma e do espírito. E, desta forma, o espírito que está fluindo para a evolução da Terra passa para o elemento Luciférico, é transportado para Lúcifer. Desse modo, o poder luciférico, que pode ser útil ao poder Ahrimanico em sua encarnação posterior, é constantemente fortalecido.
Isso deve chegar ao conhecimento daqueles que admitem o fato de que no futuro os homens receberão conhecimento espiritual conscientemente ou consumirão o espírito inconscientemente, entregando-o assim nas mãos dos poderes luciféricos.
Este fluxo de consumo de espírito e alma é particularmente encorajado por Ahriman porque, desta forma, ele pode acalmar a humanidade em uma sonolência cada vez maior, de modo que então, através de sua encarnação, ele será capaz de vir entre os homens e cair sobre eles sem perceber porque eles não o confrontam conscientemente.
Mas Ahriman também pode fazer uma preparação direta para sua encarnação, e ele o faz. Certamente, os homens de nossos dias também têm uma vida espiritual, mas é puramente intelectual, desligada do mundo espiritual. Essa vida puramente intelectual está se tornando cada vez mais difundida; a princípio, teve efeito principalmente nas ciências, mas agora está levando a travessuras de todo tipo na vida social também. Qual é o caráter essencial desta vida intelectual?
Esta vida intelectual tem muito pouco a ver com os verdadeiros interesses dos homens! Eu te pergunto: quantos professores você não vê hoje, entrando e saindo de instituições de ensino superior e inferior, sem trazer qualquer entusiasmo interno para sua ciência, mas perseguindo-a apenas como um meio de vida – Em tais casos, o interesse do a alma não está diretamente ligada à busca real.
A mesma coisa acontece até na escola. Pense em quanto se aprende nas várias etapas da vida sem nenhum entusiasmo ou interesse real, como a vida intelectual se torna externa para muitas pessoas que se dedicam a ela! E quantos há hoje que são forçados a produzir uma massa de material intelectual que é então preservado em bibliotecas e, como vida espiritual, não está verdadeiramente vivo!
Tudo o que está se desenvolvendo como vida intelectual sem ser inundado pelo calor da alma, sem ser estimulado pelo entusiasmo, promove diretamente a encarnação de Ahriman de uma forma que segue seu próprio coração. Ela acalma os homens para dormir da maneira que descrevi, de modo que seus resultados são vantajosos para Ahriman.
Existem inúmeras outras correntes na vida espiritual ou não espiritual que Ahriman pode usar em seu proveito. Você ouviu recentemente – e ainda está ouvindo – que os estados nacionais, os impérios nacionais devem ser fundados. Muito se fala em “liberdade dos povos”. Mas o tempo de fundar impérios baseados nas relações de sangue e raça já passou e já terminou na evolução da humanidade.
Se um apelo for feito hoje às relações nacionais, raciais e semelhantes, às relações que surgem do intelecto e não do espírito, então a desarmonia entre a humanidade será intensificada. E é essa desarmonia entre a humanidade que o poder Ahrimanico pode colocar em uso especial. Chauvinismo (termo dado a todo tipo de opinião exacerbada, tendenciosa ou agressiva em favor de um país, grupo ou ideia), patriotismo pervertido em todas as formas – este é o material com o qual Ahriman construirá exatamente o que precisa.
Mas também existem outras coisas. Hoje, em todos os lugares, vemos partidos sendo formados por um objeto ou outro. As pessoas hoje em dia não têm discernimento, nem desejam tê-lo no que diz respeito às opiniões e programas partidários. Com engenhosidade intelectual, as provas podem ser fornecidas em apoio às teorias mais radicalmente opostas. Argumentos muito inteligentes podem ser usados para provar a solidez do leninismo – mas o mesmo se aplica a princípios diretamente contrários e também ao que está entre os dois extremos.
Um excelente caso pode ser feito para cada programa partidário: mas aquele que estabelece a validade do programa oposto está igualmente certo. O intelectualismo que prevalece entre os homens hoje não é capaz de demonstrar as potencialidades e valores internos de nada. Ele pode fornecer provas; mas o que é provado intelectualmente não deve ser considerado de valor real ou eficácia na vida. Os homens se opõem nos partidos porque a solidez da opinião de cada partido – de qualquer forma, as principais opiniões do partido – pode ser provada com igual justificativa. Nosso intelecto permanece na camada superficial do entendimento e não penetra na camada mais profunda onde a verdade realmente reside. Isso também deve ser fundamental e completamente compreendido.
As pessoas hoje preferem deixar seu intelecto permanecer na superfície e não penetrar com forças mais profundas nos níveis onde a natureza essencial das coisas é revelada. Basta olhar um pouco ao redor, pois mesmo onde assume sua forma mais externa, a vida muitas vezes revela as armadilhas das predileções atuais. As pessoas amam números e figuras na ciência, mas também amam figuras na esfera social. As ciências sociais consistem quase inteiramente em estatísticas.
E das estatísticas, isto é, das cifras, chegam-se às conclusões mais importantes. Bem, com os números também, tudo pode ser provado e tudo acreditado; pois os números não são um meio pelo qual a realidade essencial das coisas pode ser provada – eles são simplesmente um meio de engano! Sempre que alguém deixa de olhar além dos números para o qualitativo, eles podem ser totalmente enganosos.
O seguinte é um exemplo óbvio. – Há, ou pelo menos costumava haver, muita discussão sobre a nacionalidade dos macedônios. Na vida política da península balcânica, muito dependia das estatísticas aí compiladas. Os números são tão valiosos quanto os contidos em outras estatísticas. Quer sejam compiladas estatísticas sobre a produção de trigo e centeio, ou sobre o número de cidadãos gregos, sérvios ou búlgaros na Macedônia – em relação ao que pode ser provado por esses meios, é a mesma coisa.
Dos números citados para os gregos, para os búlgaros, para os sérvios, conclusões muito plausíveis podem ser tiradas. Mas também se pode ter um olho para o elemento qualitativo, e então freqüentemente se encontra registrado que o pai era grego, um filho era búlgaro, outro era sérvio. – O que está por trás disso você pode decifrar por conta própria! – Essas estatísticas são consideradas confiáveis, ao passo que, neste caso, foram compiladas apenas para apoiar os objetivos do partido.
É lógico que, se o pai é realmente grego, os dois filhos também são gregos. Mas o procedimento adotado ali é apenas um exemplo de muitas outras coisas que se fazem com figuras. Ahriman pode fazer muito por meio de cifras e números usados dessa forma como prova.
Outro meio de que Ahriman pode se valer é, novamente, aquele que parecerá paradoxal. Como você sabe, temos nos preocupado em estudar os Evangelhos à luz da ciência espiritual. Mas essas interpretações mais profundas dos Evangelhos, que estão se tornando cada vez mais necessárias em nosso tempo, são rejeitadas por todos os lados, assim como a ciência espiritual como um todo é rejeitada.
As pessoas que costumam professar humildade nesses assuntos – e são insistentes nisso – são na verdade as mais arrogantes de todas. Cada vez mais se diz que as pessoas deveriam mergulhar na própria simplicidade dos Evangelhos e não tentar entender o mistério do Gólgota entrando nas complexidades da ciência espiritual.
Aqueles que fingem despretensão em seu estudo dos Evangelhos são os mais arrogantes de todos, pois desprezam a busca honesta pelo conhecimento exigida na ciência espiritual. Eles são tão arrogantes que acreditam que as mais elevadas revelações do mundo espiritual podem ser obtidas sem esforço, simplesmente folheando a simplicidade dos Evangelhos. O que afirma ser “humilde” ou “simples” hoje em dia é freqüentemente suprema arrogância. Nas seitas, nas confissões religiosas – é lá que se encontram os homens mais arrogantes.
Deve ser lembrado que os Evangelhos surgiram em uma época em que a sabedoria luciférica ainda existia. Nos primeiros séculos da cristandade, o entendimento dos homens sobre os Evangelhos era bem diferente do que veio a ser em tempos posteriores. Hoje, as pessoas que não conseguem aprofundar suas mentes por meio da ciência espiritual meramente fingem entender os Evangelhos.
Na realidade, eles não têm idéia nem mesmo do significado original das palavras; pois as traduções feitas nas diferentes línguas não são reproduções fiéis dos Evangelhos; muitas vezes, eles mal lembram o significado original das palavras com as quais os Evangelhos foram compostos.
A compreensão real da intervenção do Ser Crístico na evolução terrestre só é possível hoje por meio da ciência espiritual. Aqueles que desejam estudar, ou de fato estudam os Evangelhos “sem pretensão” – como diz o ditado – não podem chegar a nenhuma realização interior do Ser de Cristo como Ele realmente é, mas apenas a uma imagem ilusória, ou, no máximo, uma visão ou alucinação do Ser Crístico. Nenhuma conexão real com o Impulso de Cristo pode ser alcançada hoje meramente pela leitura dos Evangelhos – mas apenas uma imagem alucinatória do Cristo.
Daí a prevalência da visão teológica de que o Cristo não estava presente no homem Jesus de Nazaré, que era simplesmente uma figura histórica como Sócrates ou Platão ou outros, embora possivelmente mais exaltado. O “homem simples de Nazaré” é um ideal até para os teólogos. E muito poucos deles realmente podem fazer algo de um evento como a visão de Paulo no portão de Damasco, porque sem o conhecimento aprofundado produzido pela ciência espiritual, os Evangelhos podem dar origem apenas a uma alucinação do Cristo, não à visão do Cristo Real. E então a visão de Paulo em Damasco também é considerada uma alucinação.
Uma compreensão mais profunda dos Evangelhos à luz da ciência espiritual é essencial hoje, pois a apatia que toma conta das pessoas que se contentam em viver apenas nos braços das denominações será usada ao máximo por Ahriman a fim de alcançar seu objetivo – que é que sua encarnação deve pegar os homens desprevenidos.
E aqueles que acreditam que estão sendo verdadeiramente cristãos ao rejeitar qualquer desenvolvimento da concepção do Mistério do Cristo, são, em sua arrogância, aqueles que mais fazem para promover os objetivos de Ahriman. As denominações e seitas são positivamente esferas de encorajamento, criadouros para Ahriman. É inútil encobrir essas coisas com ilusões.
Assim como a atitude materialista, rejeitando totalmente o espiritual e alegando que o homem é um produto do que ele come e bebe, promove os objetivos de Ahriman, esses objetivos são promovidos pela rejeição obstinada de tudo que é espiritual e pela adesão à concepção literal, “simples” dos Evangelhos.
Veja, uma barreira que impede os Evangelhos individuais de circunscrever indevidamente a mente humana, foi erguida pelo fato de que o Evento do Gólgota é descrito nos Evangelhos por quatro lados – aparentemente contraditórios. Apenas uma pequena reflexão mostrará que esta é uma proteção contra uma concepção muito literal. Em seitas, entretanto, onde apenas um Evangelho é tomado como base do ensino – e tais seitas são bastante numerosas – armadilhas, estupefação e alucinação são geradas.
Em sua época, os Evangelhos foram dados como um contrapeso necessário à Gnose Luciférica; mas se nenhuma tentativa for feita para desenvolver a compreensão de seu conteúdo, os objetivos de Ahriman são promovidos, não o progresso da humanidade. Em sentido absoluto, nada é bom em si mesmo, mas sempre é bom ou mau de acordo com o uso a que se destina. O melhor pode ser o pior se usado incorretamente. Por mais sublimes que sejam, os Evangelhos também podem ter o efeito oposto se os homens forem muito preguiçosos para buscar um entendimento mais profundo baseado na ciência espiritual.
Conseqüentemente, há muito nas correntes espirituais e não espirituais do tempo presente, das quais os homens deveriam estar agudamente cientes e determinar sua atitude de alma de acordo. A capacidade e a vontade de penetrar nas raízes de tais questões dependerá do efeito que a encarnação de Ahriman pode ter sobre os homens, se esta encarnação os levará a impedir que a terra alcance seu objetivo, ou lhes trará os muito limitados significado da vida intelectual e não espiritual.
Se os homens corretamente assumirem as correntes que conduzem a Ahriman, então, simplesmente por meio de sua encarnação na vida terrena, eles reconhecerão a influência Ahrimanica de um lado, e do outro seu oposto – a influência Luciférica. E então o próprio contraste entre o Ahrimanico e o Luciférico os capacitará a perceber a terceira realidade. Os homens devem lutar conscientemente para compreender essa trindade do impulso cristão, as influências arimânicas e luciféricas; pois sem essa consciência eles não serão capazes de avançar no futuro com a perspectiva de alcançar o objetivo da existência terrena.
A ciência espiritual deve ser levada com grande seriedade, pois somente assim pode ser corretamente compreendida. Não é o resultado de qualquer capricho sectário, mas algo que procedeu das necessidades fundamentais da evolução humana. Aqueles que reconhecem essas necessidades não podem escolher entre se vão ou não se esforçar para promover a ciência espiritual. Pelo contrário, eles dirão a si mesmos: toda a vida física e espiritual dos homens deve ser iluminada e permeada pelas concepções da ciência espiritual!
Assim como uma vez no Oriente houve uma encarnação de Lúcifer, e então, no ponto médio, por assim dizer, da evolução do mundo, a encarnação de Cristo, também no Ocidente haverá uma encarnação de Ahriman.
Esta encarnação arimânica não pode ser evitada; é inevitável, pois os homens devem enfrentar Ahriman cara a cara. Ele será a individualidade por meio da qual ficará claro para os homens que inteligência indescritível pode ser desenvolvida se eles chamarem em sua ajuda tudo o que as forças terrenas podem fazer para aumentar a inteligência e a engenhosidade. Nas catástrofes que ocorrerão com a humanidade no futuro próximo, os homens se tornarão extremamente inventivos; muitas coisas descobertas nas forças e substâncias do universo serão usadas para fornecer alimento para o homem.
Mas essas mesmas descobertas tornarão ao mesmo tempo claro que a matéria está conectada com os órgãos do intelecto, não com os órgãos do espírito, mas do intelecto. As pessoas aprenderão o que comer e beber para se tornarem realmente inteligentes. Comer e beber não pode torná-los espirituais, mas inteligentes e astutos, sim. Os homens ainda não têm conhecimento dessas coisas; mas não apenas eles serão almejados, mas também o resultado inevitável de catástrofes que se avizinham no futuro próximo.
E certas sociedades secretas – onde os preparativos já estão em andamento – aplicarão essas coisas de tal forma que as condições necessárias possam ser estabelecidas para uma encarnação real de Ahriman na terra. Esta encarnação não pode ser evitada, pois os homens devem perceber, durante o tempo de existência da Terra, o quanto pode resultar de processos puramente materiais! Ele deve aprender a controlar as correntes espirituais ou não espirituais que estão levando a Ahriman.
Uma vez compreendido que os programas de partidos conflitantes podem ser provados igualmente corretos, nossa atitude de alma será a de que não nos propomos a provar coisas, mas sim a experimentá-las. Pois experimentar uma coisa é uma questão muito diferente de tentar prová-la intelectualmente.
Da mesma forma, estaremos convencidos de que uma penetração cada vez mais profunda dos Evangelhos é necessária por meio da ciência espiritual. A aceitação literal dos Evangelhos, palavra por palavra, que ainda prevalece hoje, promove a cultura arimânica. Mesmo por motivos externos, é óbvio que uma aceitação estritamente literal dos Evangelhos é injustificada. Pois, como você sabe, o que é bom e certo para um momento não é certo para qualquer outro momento.
O que é certo para uma época torna-se luciférico ou arimânico quando praticado em uma época posterior. A mera leitura dos textos do Evangelho chegou ao fim. O essencial agora é adquirir uma compreensão espiritual do mistério do Gólgota à luz das verdades consagradas nos Evangelhos. Muitas pessoas, é claro, acham essas coisas inquietantes; mas aqueles cujo interesse é atraído pela Antroposofia devem aprender a perceber que os níveis de cultura, gradualmente empilhando um sobre o outro, criaram o caos, e que a luz deve penetrar novamente neste caos.
É interessante hoje em dia ouvir alguém cujas visões se tornaram muito extremistas, ou ler sobre alguma questão candente da época, e então ouvir sermões sobre o mesmo assunto dados por um padre de alguma denominação que ainda está impregnado da forma de pensamento atual em tempos idos. Lá você enfrenta dois mundos que não pode confundir, a menos que evite todas as tentativas de chegar à raiz dessas coisas.
Ouça um socialista moderno falando sobre questões sociais e então, imediatamente depois, um pregador católico falando sobre as mesmas questões. É muito interessante encontrar dois níveis de cultura existindo lado a lado, mas usando as palavras em um sentido totalmente diferente. A mesma palavra tem um significado bastante diferente em cada caso.
Essas coisas devem ser vistas sob a luz que surgirá se forem tomadas no espírito sincero que temos tentado transmitir. Pessoas que pertencem a certas religiões também chegam, no final, a desejar em seu próprio caminho o aprofundamento espiritual. Não é sem significado que um homem tão eminentemente espiritual como o cardeal Newman, por mais fervoroso que fosse o católico, dissesse em sua investidura como cardeal em Roma que não via salvação para o cristianismo a não ser uma nova revelação.
Com efeito, o que o Cardeal Newman disse foi que ele não podia ver nenhuma salvação para o Cristianismo a não ser uma nova revelação! Mas ele não teve coragem de levar a sério uma nova revelação espiritual. E assim é com muitos outros. Você pode ler inúmeros tratados hoje sobre o que é necessário na vida social. – Outro livro apareceu recentemente: Socialism, de Robert Wilbrandt, filho do poeta. Nele, a questão social é discutida com base no conhecimento preciso e detalhado. E, finalmente, afirma-se que sem o espírito nada se consegue?
Que o próprio curso dos acontecimentos mostra que o espírito é necessário. Sim, mas o que esse homem realmente consegue? Ele chega a pronunciar a palavra “espírito”, a pronunciar a palavra abstrata “espírito”; mas ele se recusa a aceitar, na verdade ele rejeita, qualquer coisa que se esforce para fazer o espírito realmente ter efeito.
Para isso é essencial, acima de tudo, compreender que nadar em abstrações, por mais alto que seja o clamor pelo espírito, ainda não é espiritual, ainda não é espírito! A tagarelice vaga e abstrata sobre o espírito nunca deve ser confundida com a busca ativa do conteúdo do mundo espiritual perseguida na ciência antroposófica.
Hoje em dia se fala muito sobre o espírito. Mas você que aceita a ciência espiritual não deve se iludir com tal tagarelice; você deve perceber a diferença entre ele e as descrições do mundo espiritual tentadas na Antroposofia, onde o mundo espiritual é descrito tão objetivamente quanto o mundo físico.
Você deve sondar essas diferenças, lembrando-se repetidamente que a conversa abstrata do espírito é um desvio da luta sincera pelo espírito e que, pela própria conversa, as pessoas estão na verdade se afastando do espírito. A alusão puramente intelectual ao espírito não leva a lugar nenhum. – O que é então “inteligência”? Qual é o conteúdo de nossa inteligência humana? Posso explicar isso da seguinte maneira. – Imagine – e isso será melhor compreendido pelas muitas senhoras presentes! – imagine-se diante de um espelho e olhando para ele.
A imagem apresentada a você pelo espelho é você, mas não tem realidade alguma. Não é nada além de um reflexo. Toda a inteligência dentro de sua alma, todo o conteúdo intelectual, é apenas uma imagem no espelho; não tem realidade. E assim como sua imagem refletida é chamada à existência por meio do espelho, o que se espelha como inteligência é chamado à existência por meio do aparelho físico de seu corpo, por meio do cérebro.
O homem é inteligente apenas porque seu corpo está ali. E tão pouco quanto você pode tocar a si mesmo esticando sua mão em direção à sua imagem refletida, tão pouco você pode segurar o espírito se você se voltar apenas para o intelectual – pois o espírito não está lá! O que é apreendido pelo intelecto, por mais engenhoso que seja, nunca contém o próprio espírito, mas apenas uma imagem do espírito. Você não pode realmente experimentar o espírito se não for além da mera inteligência.
A razão pela qual a inteligência é tão sedutora é que ela produz uma imagem, uma imagem refletida do espírito – mas não o próprio espírito. Parece desnecessário ir ao incômodo de penetrar no espírito, porque ele está aí – ou assim, pelo menos, se imagina. Na realidade, é apenas uma imagem refletida – mas, apesar de tudo, não é difícil falar sobre o espírito.
Distinguir a mera imagem da realidade – essa é a tarefa do teor da alma, que não apenas teoriza sobre a ciência espiritual, mas tem percepção real do espírito.
Isso é o que eu queria dizer hoje para intensificar a seriedade que deve permear toda a nossa atitude em relação à vida espiritual concebida pela Antroposofia. Pois a evolução da humanidade no futuro dependerá de quão verdadeiramente essa atitude seja adotada pelos homens de hoje. Se o que caracterizei nesta palestra continuar a ser oferecido com a recepção que ainda hoje é oferecida pela vasta maioria das pessoas na terra, então Ahriman será um péssimo convidado quando vier.
Mas se os homens são capazes de despertar para tomar em sua consciência o que estamos estudando, se eles são capazes de guiá-lo de forma que a humanidade possa confrontar livremente a influência de Ahriman, então, quando Ahriman aparecer, os homens adquirirão, precisamente por meio dele, o poder de perceber que, embora a Terra deva entrar inevitavelmente em seu declínio, a humanidade é elevada acima da existência terrena por meio desse fato.
Quando um homem atinge uma certa idade na vida física, seu corpo começa a declinar, mas se ele é sensível não se queixa, sabendo que junto com sua alma se aproxima de uma vida que não é paralela a esse declínio físico. Existe na humanidade algo que não está relacionado com o declínio já predominante da Terra física, mas se torna cada vez mais espiritual apenas por causa desse declínio físico.
Aprendamos a dizer com franqueza: Sim, a terra está em declínio, e a vida humana também, no que diz respeito à sua manifestação física; mas apenas porque é assim, vamos reunir forças para atrair para nossa civilização aquele elemento que, surgindo da própria humanidade, viverá enquanto a terra estiver em declínio, como o fruto imortal da evolução terrestre.
Rudolf Steiner – GA 193 – Dornach, 4 de novembro de 1919
Tradução livre: Leonardo Maia
“É essencial nos informarmos objetivamente sobre essas coisas, a fim de que possamos tomar uma posição correta em relação ao que está acontecendo ao nosso redor no caminho de preparação para a encarnação de Ahriman. Somente se você aplicar uma reflexão profunda e madura ao que foi dito nessas palestras sobre as correntes arimânicas, você será capaz de apreender a gravidade da situação presente. A coragem de trazer esses anseios à superfície está, em grande parte, faltando.”
Rudolf Steiner, GA 191 – Lúcifer e Ahriman (01/set/1919)
LÚCIFER E AHRIMAN NA ATUALIDADE
Ao observarmos com calma interior, livres de passionalidades ou busca por autoafirmação ideológica, conseguimos reconhecer inúmeros aspectos, trazidos por Rudolf Steiner, das influências de Lúcifer e Ahriman na atualidade – 5ª Epoca Cultural Pós-Atlântica.
Muitos de nós devemos estar nos perguntando: o que está acontecendo com as pessoas? Desumanidade crescente, egoísmo, ódio, negacionismo, fanatismo, desinteresse pelo próximo e etc…
O tema é de extrema importância e de fácil percepção à luz da realidade atual. Por isso estou disponibilizando as traduções das conferências de Ahriman e Lúcifer no Núcleo de Pesquisa e aqui deixo algumas considerações para ponderação.
SOBRE A INFLUÊNCIA DE LÚCIFER TEMOS:
– Egoísmo e desinteresse pelos semelhantes que justifica qualquer ação contra as pessoas (como quebra de direitos, liberdade de ação e pensamento até mesmo culminando em violência e extermínio).
– Emocionalismo ardente gera um ódio ou uma paixão descontrolados (por exemplo: paixão pelo patriotismo nacionalista, fundamentalismo religioso ou mesmo paixão ideológica)
– Subjetividade, fantasia e alucinação – por exemplo: fake news, teorias infundadas e fantasiosas e luta contra um inimigo imaginário – os “contrários aos preceitos de Jesus” ou “os comunistas” ou “contrários aos valores morais e da família” por exemplo.
– Generalização, unificação e hipótese: qualquer questionamento às suas ideologias nos coloca dentro de categorias subjetivas hipotéticas e genéricas.
– Orgulho, insensatez e falta de abertura para diálogo e argumentação, pois tudo tende a gerar a reação emocional ardente, seja no “ódio” ou na “paixão” cegas.
SOBRE A INFLUÊNCIA DE AHRIMAN TEMOS:
– Pensamento coletivo imposto por doutrinas fundamentalistas, por uma educação que coíbe o livre pensar, por ideologias de imposição e militarização que enfraquecem o EU individual.
– Impulso nacionalista etnista: ódio a imigrantes e um racismo crescente e explícito.
– Política partidária dogmática, gerando ódio e hostilidade decorrente da recusa em ver outros pontos de vista igualmente válidos (ou inválidos).
– A subjugação da vida cultural ao poder político e econômico – por exemplo, medicina, educação, pesquisa, jurisprudência criminal e etc…
– Nas ciências sociais: aceitação cega das estatísticas e a crença de que a satisfação das necessidades econômicas por si só garantirá o bem-estar humano.
– Na economia: a subjugação de todos os interesses vivos e humanos ao mecanismo desumano e impessoal de busca de lucros, à “pessoa artificial” da corporação, à Bolsa de Valores…
– O ódio alimentado por grupos políticos no poder, tanto através de mentiras (vide Fake News) quanto por interpretações dogmáticas recusando qualquer ponto de vista diferente e pejorando-os.
– Áreas como medicina, educação, pesquisa, cultura/arte entre outros sendo subjugado pelos poderes político e econômico (vide crise do Ministério da Saúde atual – militarizada e subjugada aos interesses políticos e econômicos, desvalorização dos Centros de Ciência e Pesquisa e o cunho ideológico-partidário da atual Secretaria de Cultura – contrário ao impulso de Liberdade Cultural).
– Militarização do Estado.
– Costumes, hábitos e caráter, e modo de pensar anti-intelectual, desprezo pela a arte, pelo intelecto e pela espiritualidade gerando alienação.
– Falta de interesse pelo próximo, desumanidade e agressividade.
– Imposição de dogmas religiosos na esfera política.
– Mecanização da vida e padronização de comportamentos.
Espero que você observe a realidade à nossa volta, pondere sobre os aspectos descritos acima e também seja capaz de “apreender a gravidade da situação presente”.
por Leonardo Maia
GA 191 – Dornach, 2 de novembro de 1919
LÚCIFER E AHRIMAN – Leitura 2
A PREPARAÇÃO DE AHRIMAN PARA SUA FUTURA ENCARNAÇÃO
A palestra de ontem terá mostrado a você que, se quisermos adquirir uma visão da natureza e evolução do homem, devemos estar constantemente atentos ao poder e à influência de Lúcifer, de Cristo e de Ahriman.
Essas influências, é claro, já estavam em ação em estágios anteriores da evolução cósmica, mas em esferas onde era desnecessário para o homem ter consciência clara de seus efeitos. Por outro lado, o próprio propósito de nossa Quinta época pós-atlântica é que o homem se torne cada vez mais consciente do que tem efeito através dele na existência terrena. A revelação de muitos mais segredos da vida humana seria desejável na atualidade, se ao menos houvesse uma maior disposição para enfrentar as coisas com franqueza e objetividade. Pois sem o conhecimento de certos fatos do tipo indicado ontem, não será possível para a humanidade progredir nem na vida interior, nem na esfera da vida social.
Pense apenas em algo que esteja relacionado com os problemas sociais que estivemos estudando recentemente. Nosso objetivo foi demonstrar a necessidade de separar a vida espiritual, e também a vida política ou de direitos, da vida econômica. Nossa maior preocupação é criar condições em todo o mundo, ou pelo menos – pois não podemos fazer mais no momento – convencer os homens da necessidade de condições que forneçam a base para uma vida espiritual livre não mais dependente das outras esferas sociais vida ou de estar tão profundamente enredada como está hoje na vida econômica de um lado e na vida política do Estado de outro. A humanidade civilizada deve estabelecer a independência da vida espiritual ou enfrentar o colapso – com o resultado inevitável de uma influência asiática tendo efeito no futuro.
Aqueles que ainda não reconhecem a gravidade da situação atual no mundo também estão, de certo modo, ajudando a se preparar para a encarnação de Ahriman. Muitas coisas na vida externa hoje dão testemunho disso. A encarnação arimânica será grandemente promovida se os homens falharem em estabelecer uma vida espiritual livre e independente e permitir que ela permaneça enredada na vida econômica ou política. Pois o poder Ahrimânico tem tudo a ganhar com a vida espiritual sendo ainda mais intimamente mesclada com essas outras esferas. Para o poder arimânico, uma vida espiritual livre denotaria uma espécie de escuridão, e o interesse dos homens por ela, um fogo ardente e violento. O estabelecimento desta vida espiritual livre é essencial para que a atitude certa, o relacionamento certo, possam ser adotados para a encarnação de Ahriman no futuro.
Mas ainda hoje existe uma forte tendência para ocultar os fatos de que falamos ontem. A grande maioria das pessoas lança um véu sobre essas coisas; recusam-se a vê-los como realmente são e se deixam enganar por palavras que não têm ligação com a realidade. E muitas vezes, esforços para fugir da realidade são descritos como “honestos” e “bem intencionados”.
Tomemos, por exemplo, a carta recentemente publicada de Romain Rolland, na qual ele afirma que os homens não devem se deixar iludir por antigas proclamações das potências vitoriosas a respeito da justiça e da defesa dos direitos políticos. O tratamento que a Rússia está recebendo da Entente o levou a falar nestes termos. Ele diz: Não importa se seja por parte de monarquias ou repúblicas – o que foi dito sobre direitos e justiça é muito fraseado; a questão no fundo é de poder, e apenas de poder.
Agora, mesmo essa abordagem aparente da realidade ainda trai a disposição de se iludir, pois Romain Rolland está tão iludido como nunca; a ilusão não é nem um pouco menor. Só poderia ser assim se esses homens descartassem as frases e reconhecessem que todas essas coisas pelas quais aspiram não têm sentido, enquanto não perceberem que se o antigo Estado unificado como tal – seja uma democracia, uma república ou uma monarquia – não se torna triplo, esta é simplesmente uma maneira de ajudar a encarnação de Ahriman. Portanto, todas essas coisas, incluindo esta recente carta dirigida ao mundo por Romain Rolland, não passam de arengas retóricas. As pessoas não entendem a realidade, pois a realidade só pode ser apreendida quando a necessidade de conhecimento espiritual e profunda penetração na natureza das coisas é totalmente compreendida.
Todos vocês estão familiarizados com o versículo muito citado: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era um Deus”. Os homens realmente levam essas linhas a sério? Eles as pronunciam, mas freqüentemente como meras frases! Nenhuma ênfase particular é dada ao tempo: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era um Deus.” “Palavra” aqui deve obviamente ter o significado que tinha na Grécia antiga. Não é “palavra” como entendida hoje – palavra como mero som – mas é a realidade espiritual interior. Em ambos os casos, entretanto, é o tempo imperfeito que é empregado. A implicação, portanto, é: “No princípio era o Verbo; mas não é mais.”
Caso contrário, a frase seria: “Agora é a Palavra; e a Palavra não está com Deus; era com Deus, e um Deus era a Palavra, mas não é mais. ” Além disso, é isso que está no Evangelho de São João; caso contrário, qual seria o significado das palavras imediatamente a seguir: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Isso indica uma evolução posterior da Palavra. “Palavra” também significa qualquer coisa que o homem possa adquirir no caminho da sabedoria intelectual por meio de seus esforços e de sua inteligência. Mas deve estar bem claro para nós que o que “palavra” denota aqui não é realmente o objetivo pelo qual o homem deve se esforçar no presente ou no futuro imediato. Para expressar o que agora é a meta, deveríamos dizer: “Que o homem busque o Espírito que se revela na Palavra; porque o Espírito está com Deus e o Espírito é um Deus ”. A humanidade deve avançar da palavra ao espírito, à percepção e ao conhecimento do espírito.
Quando eu o relembrar desses primeiros versículos do Evangelho de São João, você perceberá a pequena inclinação que existe hoje para levar essas coisas a sério e superar as interpretações arbitrárias tão freqüentemente aceitas em questões do maior momento. A própria inteligência humana deve ser estimulada e iluminada pelo que é revelado na visão espiritual. – Não que a verdadeira vidência seja essencial; o que importa é que os frutos da visão espiritual sejam compreendidos.
Tenho enfatizado repetidamente que hoje não é apenas o vidente que pode apreender a verdade da experiência clarividente; essa apreensão está ao alcance de todos atualmente, porque as capacidades espirituais dos homens estão suficientemente maduras se eles decidirem exercê-las e não forem indolentes demais para fazê-lo. Mas se o nível adequado à humanidade deve ser alcançado, as coisas que foram mencionadas na palestra de ontem devem ser tomadas com grande seriedade! Usei um exemplo trivial para mostrar como é fácil ser iludido por figuras e números. Não há muita superstição quando se trata de números? O que pode de alguma forma ser contado é aceito na ciência.
A ciência natural adora pesar, computar, e a ciência social adora estatística – mais uma vez, uma questão de computação e cálculo. Na verdade, será difícil para os homens admitirem que todo conhecimento do mundo externo adquirido por meio da medida e do número é uma grande ilusão.
Para medir – o que isso significa, na realidade? Significa comparar algo com uma determinada dimensão, seja comprimento ou volume. Posso medir uma linha se comparar com uma linha duas, três, quatro vezes, etc. menor:
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Em tais medidas, sejam de comprimentos, superfícies ou pesos, o elemento qualitativo está totalmente ausente. O número 3 permanece sempre o mesmo, quer se conte ovelhas, seres humanos ou políticos! Não é uma questão de qualitativo, mas apenas de quantum, de quantitativo. O princípio essencial de volume e número é que o qualitativo é deixado de fora. Mas, por isso mesmo, todo conhecimento derivado dos princípios de volume e medida é ilusão; e o fato que deve ser levado a sério é que no momento em que entramos no mundo que pode ser pesado e medido, o mundo do espaço e do tempo, entramos em um mundo de ilusão, um mundo que nada mais é do que um Fata Morgana* tão intenso que o consideramos realidade.
* O efeito de Fata Morgana, do italiano fata Morgana, em referência à fictícia feiticeira meia-irmã do Rei Artur que, segundo a lenda, era uma fada que conseguia mudar de aparência, é um efeito óptico. Trata-se de uma miragem que se deve a uma inversão térmica.
É o ideal do pensamento atual experimentar em conexão com todas as coisas do mundo externo do espaço e do tempo, seu significado espacial e temporal; ao passo que, na verdade, o que as coisas significam no espaço e no tempo é apenas seu aspecto externo, e devemos transcender o espaço e o tempo, penetrando em níveis muito mais profundos, se quisermos alcançar a verdade mais íntima, o ser mais íntimo das coisas. E assim deve vir um futuro em que os homens serão capazes de dizer: “Sim, com minha inteligência posso apreender o mundo externo da maneira que é o ideal das ciências naturais. Mas a vista assim apresentada a mim é totalmente arimânica. ”
Isso não significa que as ciências naturais devam ser ignoradas ou postas de lado; é uma questão de perceber que essa ciência natural leva apenas à ilusão de Ahrimânica. Por que, então, o homem deve ter ciência natural, apesar do fato de que ela conduz apenas à ilusão? É porque em sua existência terrena ele já está na curva descendente da evolução. Da quarta época pós-atlântica, a época greco-latina, pode-se dizer que, no que diz respeito ao conhecimento, o homem falava relativamente no zênite (apogeu da matéria). Mas agora, na quinta época pós-atlântica, ele está no caminho do declínio, é um ser cada vez mais fraco fisicamente, e perceber o mundo da maneira como os gregos o percebiam seria demais para suas forças.
Isso não é contado na história! Imagine o que os historiadores modernos teriam a dizer sobre isso – aqueles historiadores dignos que descrevem a Grécia como se estivessem descrevendo alguma região de seu próprio tempo porque não sabem que os gregos olhavam para a natureza com olhos diferentes, ouviam com ouvidos diferentes de os dos homens modernos. Esses historiadores não nos dizem que os seres humanos modernos sofreriam de constantes dores de cabeça ou enxaqueca se vissem e ouvissem no mundo exterior tudo o que os gregos viram e ouviram. Os gregos viviam com intensidade infinitamente maior no mundo dos sentidos. Nossa própria apreensão deste mundo já se enfraqueceu.
Para poder suportar, um Fata Morgana tem que ser e é-nos apresentado. E não só o que percebemos com os sentidos, mas por conta de nossas concepções científicas “sonhamos” com o mundo externo – que, mais enfaticamente, é um Fata Morgana. Os maiores sonhadores no que diz respeito ao mundo externo são precisamente aqueles que se orgulham de serem realistas em seu pensamento. Darwin e John Stuart Mill são fundamentalmente sonhadores. Os sonhadores são os mesmos homens que afirmam ser totalmente realistas.
Mas também não devemos nos entregar inteiramente à nossa vida interior e aos nossos impulsos. Da maneira como as coisas se desenvolveram no movimento representado pela “Sociedade Teosófica”, muitos de vocês terão percebido que o cultivo da vida interior sozinho, como tentado por muitas pessoas hoje, não leva ao objetivo adequado ao homem para a era atual. Pois a tendência prevalecente é não tomar nenhuma decisão livre para transcender a vida comum e atingir uma visão mais elevada, mas sim trazer à proeminência aquilo que nele não é livre. Todos os tipos de tendências alucinatórias, todos os tipos de faculdades repletas de ilusão entram em jogo.
Deve-se perceber que, assim como a ciência externa se torna arimânica, o desenvolvimento superior da natureza interna de um homem se torna luciférico se ele se entregar às experiências místicas. A tendência luciférica desperta e se torna especialmente poderosa em todo aquele que, sem o autotreinamento descrito no livro Conhecimento dos Mundos Superiores e sua Consecução, inicia qualquer aprofundamento místico dos impulsos já inerentes à sua natureza. A tendência luciférica se mostra em todos os que começam a meditar sobre as experiências de sua vida interior e é extremamente poderosa na humanidade atual.
Ela tem efeito no egoísmo, do qual a maioria das pessoas não tem consciência. Encontramo-nos hoje em dia com tantos que ficam bastante satisfeitos quando podem dizer algo que fizeram, que não têm motivo para se auto-reprovar, que o fizeram com o melhor de seu conhecimento e de acordo com sua consciência. Essa é uma atitude inteiramente luciférica. Pois, no que fazemos na vida, a questão não é se temos ou não motivos para nos reprovar; o que realmente importa é que devemos levar as coisas objetivamente, com total liberdade de espírito/desapego e de acordo com o curso dos fatos objetivos. E a maioria das pessoas hoje não faz nenhum esforço para atingir esse entendimento objetivo ou adquirir conhecimento do que é necessário para a evolução do mundo.
Portanto, a ciência espiritual deve enfatizar o seguinte: – Que Ahriman está realmente se preparando para sua encarnação; onde podemos reconhecer como ele está se preparando para isso; e com que atitude deve ser confrontado. – Em tais questões, a questão não é dizer: fazemos isso ou aquilo para que não tenhamos motivo para autocensura – mas aprender a reconhecer os fatos objetivos. Devemos saber o que está acontecendo no mundo e agir de acordo – pelo bem do mundo.
Tudo se resume a isso, que o homem moderno só fala verdadeiramente de si mesmo quando diz que paira perpetuamente entre dois extremos: entre o Ahrimânico de um lado, onde ele é apresentado com uma ilusão externa, um Fata Morgana, e, no outro, o elemento luciférico dentro dele que induz a tendência a ilusões, alucinações e coisas semelhantes. As tendências arimânicas do homem de hoje vivem na ciência, as tendências luciféricas, na religião, enquanto na arte ele oscila entre um extremo e outro.
Nos últimos tempos, as tendências de alguns artistas têm sido mais luciféricas – eles são os expressionistas; as tendências dos outros foram mais arimânicas – eles são os impressionistas. E então, vacilando entre tudo isso, há pessoas que não querem ser nem um nem outro, que não avaliam corretamente nem o Luciférico nem o Ahrimanico, mas querem evitar ambos. – “Ahriman – não! – isso eu não devo, não farei, pois isso me levaria ao reino do Ahrimanico; que eu não devo, não farei, pois isso me levaria ao reino do Luciférico! ” Eles querem ser virtuosos, evitando tanto o arimânico quanto o luciférico.
Mas a verdade da questão é que Lúcifer e Ahriman devem ser considerados como duas escalas de uma balança e somos nós que devemos manter a trave em equilíbrio.
E como podemos nos treinar para fazer isso? – Ao permear o que assume a forma Ahrimanic dentro de nós com um elemento fortemente Luciférico. O que surge no homem moderno em uma forma arimânica? É seu conhecimento do mundo exterior. Não há nada mais arimânico do que este conhecimento do mundo material, pois é pura ilusão. No entanto, se o Fata Morgana que surge da química, da física, da astronomia e afins pode nos encher de entusiasmo e interesse ardentes, então, por meio de nosso interesse – que é ele mesmo luciférico – podemos arrancar de Ahriman o que é seu.
Isso, no entanto, é exatamente o que os seres humanos não desejam fazer; eles acham isso irritante. E muitas pessoas que fogem do conhecimento materialista externo estão interpretando mal sua tarefa e preparando a melhor encarnação possível para Ahriman na existência terrena. Novamente, o que brota no íntimo do homem hoje é fortemente luciférico. Como podemos nos treinar corretamente nessa direção? – Mergulhando nele com nossa natureza arimânica, ou seja, tentando evitar todas as ilusões sobre nossa própria vida interior e impulsos e nos observando como observamos o mundo exterior. O homem moderno deve perceber o quão urgente é educar-se dessa maneira. Qualquer pessoa que tenha um olhar atento para esses assuntos, muitas vezes se deparará com circunstâncias das quais o seguinte é um exemplo.
Um homem diz que está indignado com incontáveis seres humanos. Ele descreve minuciosamente como isso ou aquilo em a, em b, em c, e assim por diante, o irrita. Ele não tem a menor idéia de que está simplesmente falando sobre suas próprias características. Essa peculiaridade nos seres humanos nunca foi tão difundida como hoje. E aqueles que acreditam que estão livres disso, são os maiores culpados. O essencial é que o homem deva abordar sua própria natureza interior com sangue-frio arimânico e desapego. Sua natureza interior ainda é ardente o suficiente, mesmo quando resfriada dessa forma! Não há necessidade de temer que resfrie demais.
Se a posição correta deve ser adotada quanto à futura encarnação de Ahriman, os homens devem se tornar mais objetivos no que diz respeito aos seus próprios impulsos, e muito, muito mais subjetivos no que diz respeito ao mundo externo – não pela introdução de imagens de fantasia, mas por trazer interesse, alerta atenção e devoção às coisas da vida imediata.
Quando os homens acham uma coisa ou outra tediosa na vida exterior, possivelmente por causa da educação que receberam ou por causa de outras circunstâncias, o caminho que Ahriman deseja seguir em benefício de sua encarnação é bastante suavizado. O tédio está tão difundido hoje em dia! Conheço muitas pessoas que acham cansativo familiarizar-se, por exemplo, com procedimentos bancários, ou a Bolsa de Valores, ou lançamentos simples ou duplos na contabilidade.
Mas essa nunca é a atitude certa. Significa simplesmente que não foi descoberto o ponto em que algo arde com interesse. Uma vez que esse ponto é alcançado, mesmo um livro-caixa seco pode se tornar tão interessante quanto a Donzela de Orleães de Schiller, ou o Hamlet de Shakespeare, ou qualquer outra coisa – até mesmo a Madona Sistina de Rafael. É apenas uma questão de encontrar o ponto em que cada coisa na vida se torna interessante.
O que acabei de dizer pode fazer você pensar que todas essas questões são muito paradoxais. Mas na realidade não são. É o homem que é paradoxal em sua relação com a verdade. O que ele deve perceber – e esta é uma necessidade terrível hoje – é que ele, não o mundo, é o culpado. Nada faz mais para preparar o caminho para a encarnação de Ahriman do que achar isso ou aquilo tedioso, considerar-se superior a uma coisa ou outra e recusar-se a penetrar nela.
Estar interessado em algo não significa que se considere justificável. Significa simplesmente que a pessoa desenvolve uma energia interior para dominá-la e direcioná-la para o canal certo.
Como alguns de vocês devem saber – já faz muito tempo – vários amigos compraram livros sobre matemática. Uma espécie de “espírito esportivo” havia se infiltrado neles! Eles compraram as obras de Lübsen [Nota 1], mas não demorou muito para que a maioria dos volumes chegassem às prateleiras da biblioteca e o conhecimento matemático não estivesse muito em evidência! É claro que isso não é uma sugestão para abordar o assunto novamente – não estou fazendo essa sugestão.
Mas lidar com algo em que, para começar, ninguém está interessado, a fim de que uma nova compreensão da existência do mundo possa surgir – isso é de significado incalculável. Para as coisas que quero trazer para vocês nestas palestras – como Lúcifer e Ahriman intervêm na evolução da humanidade lado a lado com o Impulso de Cristo – essas coisas devem ser levadas com toda a seriedade e suas consequências avaliadas corretamente.
Se não houvesse sabedoria luciférica, nenhuma compreensão do mistério do Gólgota poderia ter sido adquirida por meio da Gnose nos primeiros séculos da cristandade. A compreensão do mistério do Gólgota diminuiu com o enfraquecimento da sabedoria luciférica. E onde está hoje qualquer evidência de tal entendimento?
O fato de que a compreensão não pode ser encontrada por meio externo, a ciência Ahrimânica é percebida por aqueles que até certo ponto reconhecem suas características. Tomemos, por exemplo, um homem como o cardeal Newman – uma figura muito significativa na esfera da religião durante a segunda metade do século XIX. Em sua investidura como Cardeal em Roma, ele declarou que não podia ver nenhuma salvação para o desenvolvimento religioso da humanidade a não ser uma nova revelação! [Nota 2] Mas lá permaneceu. Ele mesmo não mostrou nenhuma inclinação especial para receber nada da nova vida espiritual que agora pode fluir para a humanidade a partir dos mundos espirituais. O que ele disse ficou na esfera da abstração.
Na verdade, a humanidade precisa de uma nova revelação. Disto existem evidências de todos os lados. Tem havido discussões recentemente sobre a deterioração da moral e da atitude geral em relação à moralidade durante os últimos quatro ou cinco anos. A conclusão a que se chega é que a instrução religiosa denominacional (relacionados ou de acordo com os princípios de uma denominação religiosa particular) deve ser introduzida mais intensamente nas escolas. Mas não se pode enfatizar o suficiente que essa instrução já estava sendo dada e que os tempos supostamente ficaram sob sua influência.
Se a velha instrução denominacional (relacionados ou de acordo com os princípios de uma denominação religiosa particular) for introduzida novamente, estaremos simplesmente começando todo o processo novamente. Em pouco tempo estaremos de volta ao ponto em que estávamos em 1914. É do mais alto grau importante perceber que no subconsciente dos seres humanos existem anseios de caráter bastante diferente do que se expressa na superfície.
Quando fundamos a Escola Waldorf em Stuttgart no início deste ano, fomos obrigados a providenciar que a instrução religiosa fosse dividida entre os vários clérigos. Uma hora especial é dedicada à instrução religiosa, que é ministrada por um padre católico para as crianças católicas e por um pastor evangélico para os evangélicos. Não vou falar das dificuldades que surgiram do lado dos padres – isso é um capítulo à parte. O que eu quero dizer, entretanto, é que um desejo imediato foi expresso por ensino religioso separado de qualquer denominação. A princípio pensei que a frequência seria insignificante em comparação com o número de pessoas que frequentam a instrução denominacional (relacionados ou de acordo com os princípios de uma denominação religiosa particular).
Mas, apesar do fato de que em breve não haverá um único púlpito em Stuttgart do qual não sejam derramadas injúrias sobre a Antroposofia, um grande número de crianças – cinco vezes mais do que esperávamos – pediu uma espécie de instrução antroposófica em religião, e a classe teve que ser dividida em duas. Subjetivamente, isso pode não ser totalmente bem-vindo, pois pode ser uma vara para nossas próprias costas. Mas disso não quero falar. Quero apenas mostrar que existe um anseio de progresso nos seres humanos, mas eles estão adormecidos e não percebem que as forças estão mantendo esses anseios no subjetivo. E, além disso, a coragem de trazer esses anseios à superfície está em grande parte faltando.
Apenas pense qual poderia ser o efeito de um conhecimento como o da futura encarnação de Ahriman, que está se preparando para isso pelos meios que descrevi ontem e hoje. É essencial nos informarmos objetivamente sobre essas coisas, a fim de que possamos tomar uma posição correta em relação ao que está acontecendo ao nosso redor no caminho de preparação para a encarnação de Ahriman. Somente se você aplicar uma reflexão profunda e madura ao que foi dito nessas palestras sobre as correntes arimânicas, você será capaz de apreender a gravidade da situação presente.
Rudolf Steiner – GA 191 – Dornach, 2 de novembro de 1919
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 191 – Dornach, 1 de novembro de 1919
LÚCIFER E AHRIMAN – Leitura 1
A ENCARNAÇÃO DE LÚCIFER NA ÁSIA NO 3º MILÊNIO AC
Quando as questões sociais são discutidas de um ponto de vista científico espiritual, isso não é feito por qualquer motivo ou impulso subjetivo. Tudo se baseia na observação da evolução da humanidade e do que as forças subjacentes a essa evolução exigem de nós agora e no futuro imediato.
Revelar os impulsos mais profundos que operam no tempo presente não é uma tarefa agradável, pois há pouca inclinação para entrar em tais assuntos com real fervor. Mas nossa época exige esse zelo onde quer que os assuntos da humanidade estejam em causa, acima de tudo, para o afastamento de preconceitos e julgamentos. Hoje, portanto, apresentarei a vocês alguns aspectos mais profundos de questões às quais freqüentemente se faz referência.
Mais uma vez, é necessário fazer o levantamento de um período bastante longo da vida da humanidade. Como você sabe, distinguimos a época atual de outras épocas, considerando que ela começou em meados do século XV d.C. Falamos dela como a Quinta época pós-atlântica, distinguindo-a da época anterior, que começou no século VIII a.C. e é chamada de época greco-latina em homenagem aos povos responsáveis por sua cultura. Foi precedido pela época da civilização egípto-caldéia.
Quando consideramos a época egipto-caldéia, descobrimos que os registros da história comum se quebram. Mesmo com a ajuda do folclore egípcio e caldeu acessível, as evidências externas não nos levam muito longe na história da humanidade. Mas não é possível compreender o que é importante para o tempo presente, a menos que entendamos as características intrínsecas daquela terceira época de cultura pós-atlântica.
Você certamente está ciente de que na história comum daquela época antiga, toda civilização, toda cultura no mundo então conhecido, atende pelo nome de Paganismo. Como um oásis, a cultura hebraica surge em seu meio como uma preparação para o cristianismo. Mas, desconsiderando por enquanto essa cultura judaica que difere tão fundamentalmente das outras formas de vida civilizada pré-cristã, vamos voltar nossa atenção para o paganismo. Pode-se dizer que sua característica especial reside em sua sabedoria, em seu profundo discernimento das coisas e processos do mundo. O conhecimento contido no Paganismo teve sua origem nos antigos mistérios e embora de acordo com a erudição moderna tenha um caráter mítico e pictórico, deve-se enfatizar que toda ambientação, todas as imagens que ficaram para a posteridade deste antigo paganismo são os frutos de uma visão profunda.
Relembrando os muitos tesouros desta sabedoria supersensível que temos-nos esforçado para trazer à luz, será óbvio que aqui temos a ver com uma sabedoria primordial, uma sabedoria subjacente a todo o pensamento, todas as percepções e sentimentos daqueles antigos povos. Uma espécie de eco dessa sabedoria primitiva, tradição na qual estava consagrada, sobreviveu aqui e ali nas sociedades secretas, na verdade de forma saudável, até o final do século XVIII e início do XIX. No século XIX a fonte secou e os vestígios que restaram passaram para as mãos de grupos isolados pertencentes a certas nacionalidades. E o que está em posse das sociedades secretas comuns hoje não pode mais ser considerado saudável ou como uma tradição genuína da velha sabedoria pagã.
Agora, essa sabedoria antiga tem uma característica particular da qual a visão nunca deve ser perdida. Tem uma característica por causa da qual o judaísmo, o riacho menor que então se preparava para o cristianismo, teve de ser introduzido como uma espécie de oásis.
Se este antigo paganismo for corretamente compreendido, descobrir-se-á que contém uma sabedoria sublime e profundamente penetrante, mas nenhum impulso moral para a ação humana. Esses impulsos não eram realmente essenciais ao homem, pois ao contrário do que agora passa como conhecimento humano, percepção humana, essa velha sabedoria pagã deu-lhe a sensação de ser membro de todo o cosmos. Um homem se movendo pela terra não apenas se sentia composto das substâncias e forças presentes ao seu redor na vida terrena, nos reinos mineral, vegetal e animal, mas sentia que as forças atuando, por exemplo, nos movimentos das estrelas e o sol estava jogando contra ele. Esse sentimento de ser membro de todo o cosmos não era uma mera abstração, pois dos Mistérios ele recebia diretrizes baseadas nas leis das estrelas para suas ações e toda conduta de vida.
Essa antiga sabedoria das estrelas não era de forma alguma semelhante à astrologia aritmética às vezes considerada valiosa hoje, mas era uma sabedoria expressa pelos Iniciados de tal forma que os impulsos para a ação e conduta individual emanavam dos Mistérios. Não apenas o homem se sentia seguro e protegido dentro da sabedoria prevalecente do cosmos, mas aqueles a quem ele reconhecia como os Iniciados dos Mistérios transmitiam essa sabedoria em diretrizes para suas ações desde a manhã até a noite em determinados dias do ano. No entanto, nem a sabedoria da caldéia nem a egípcia continham um único impulso moral do que havia sido transmitido pelos iniciados dessa maneira. O impulso moral em seu sentido real foi preparado pelo Judaísmo e posteriormente desenvolvido no Cristianismo.
Inevitavelmente, surge a pergunta: por que essa sublime sabedoria pagã, embora não contivesse nenhum impulso moral, foi capaz, por exemplo, na Grécia antiga, de florescer em tamanha beleza da arte e grandeza da filosofia?
Se voltássemos muito mais para trás, a uma época de mais de três mil anos antes da era cristã, descobriríamos que junto com os impulsos da sabedoria veio um impulso moral, que os princípios morais, a ética necessária a esses homens antigamente estavam contidos nesta sabedoria. Mas um ethos específico (o espírito característico de uma cultura, era ou comunidade conforme manifestado em suas crenças e aspirações), um impulso moral específico como o que veio com o cristianismo não era parte integrante do paganismo. Por que foi isso? – Foi porque durante os milênios que precederam diretamente o Cristianismo, essa sabedoria pagã foi inspirada de um lugar distante na Ásia, inspirado por um Ser notável que havia encarnado no distante Leste no terceiro milênio antes de Cristo – a saber, Lúcifer.
Às muitas coisas que aprendemos sobre a evolução da humanidade, também este conhecimento deve ser adicionado: que assim como houve a encarnação que culminou no Gólgota, a encarnação de Cristo no homem Jesus de Nazaré, houve uma encarnação real de Lúcifer na longínqua Ásia, no terceiro milênio AC E a fonte de inspiração para muitas culturas antigas foi o que só pode ser descrito como uma encarnação terrena de Lúcifer em um homem de carne e osso. Até mesmo o Cristianismo, até mesmo o Mistério do Gólgota como representado entre os homens, foi compreendido a princípio pelo único meio então disponível, a saber, a velha sabedoria Luciférica. A unilateralidade da Gnose, com toda a sua incrível profundidade, origina-se da influência que se espalhou a partir dessa encarnação de Lúcifer por todo o mundo antigo. O significado do Mistério do Gólgota não pode ser totalmente compreendido sem o conhecimento de que, menos de três mil anos antes, havia ocorrido a encarnação de Lúcifer.
Para que a inspiração luciférica pudesse ser afastada de sua unilateralidade, veio a encarnação de Cristo e com ela o impulso para a educação e o desenvolvimento da civilização européia e de seus ramos americanos. Mas desde meados do século XV, desde que o impulso para o desenvolvimento da individualidade, da personalidade, está em ação, esta fase da evolução também contém em si certas forças pelas quais a preparação está sendo feita para a encarnação de outro supersensível Ser. Assim como houve uma encarnação de Lúcifer na carne e uma encarnação de Cristo na carne, então, antes que apenas uma parte do terceiro milênio da era pós-cristã tenha decorrido, haverá, no Ocidente, uma encarnação real de Ahriman: Ahriman em carne e osso. A humanidade na Terra não pode escapar desta encarnação de Ahriman. Isso virá inevitavelmente. Mas o que importa é que os homens encontrem o ponto de vista correto para enfrentá-lo.
Sempre que uma preparação está sendo feita para encarnações desse caráter, devemos estar alertas para certas tendências indicativas de evolução. Um ser como Ahriman, que vai encarnar no Ocidente no futuro, prepara-se para essa encarnação com antecedência. Com vistas à sua encarnação na terra, Ahriman guia certas forças em evolução de tal forma que podem ser da maior vantagem possível para ele. E o mal resultaria se os homens vivessem em um estado de inconsciência sonolenta, incapazes de reconhecer certos fenômenos da vida como preparativos para a encarnação de Ahriman na carne. A posição correta só pode ser tomada reconhecendo em uma ou outra série de eventos a preparação que está sendo feita por Ahriman para sua existência terrena. E agora chegou a hora de cada homem saber quais tendências e eventos ao seu redor são maquinações de Ahriman, ajudando-o a se preparar para sua encarnação que se aproxima.
Sem dúvida, seria do maior benefício para Ahriman se ele pudesse ter sucesso em impedir que a vasta maioria dos homens percebesse o que faria para seu verdadeiro bem-estar, se a grande maioria dos homens considerasse esses preparativos para a encarnação de Ahriman como progressivo e bom para a evolução. Se Ahriman fosse capaz de se esgueirar para uma humanidade sem saber de sua vinda, isso o deixaria mais feliz do que tudo. É por esta razão que as ocorrências e tendências nas quais Ahriman está trabalhando para sua futura encarnação devem ser trazidas à luz.
Um dos desenvolvimentos em que o impulso de Ahriman é claramente evidente é a disseminação da crença de que as concepções mecanicistas e matemáticas inauguradas por Galileu, Copérnico e outros explicam o que está acontecendo no cosmos. É por isso que a ciência espiritual antroposófica dá tanta ênfase ao fato de que o espírito e a alma devem ser discernidos no cosmos, não apenas as leis matemáticas e mecanicistas propostas por Galileu e Copérnico como se o cosmos fosse uma grande máquina.
Seria um presságio de sucesso para as tentações de Ahriman se os homens persistissem meramente em calcular as revoluções dos corpos celestes, no estudo da astrofísica com o único propósito de determinar a composição material dos planetas – uma conquista da qual o mundo moderno tanto se orgulha. Mas ai se esse copernicanismo não for confrontado com o conhecimento de que o cosmos é permeado por alma e espírito. É esse conhecimento que Ahriman, ao preparar sua encarnação terrena, deseja ocultar dos homens. Ele gostaria de mantê-los tão obtusos que pudessem compreender apenas o aspecto matemático da astronomia.
Portanto, ele tenta muitos homens a levarem a efeito sua repugnância ao conhecimento concernente à alma e ao espírito no cosmos. Essa é apenas uma das forças de corrupção derramadas por Ahriman nas almas dos homens. Outro meio de tentação relacionado com sua encarnação – ele também trabalha em cooperação com as forças luciféricas – outro de seus esforços é preservar a atitude já difundida de que para o bem-estar público é suficiente se as necessidades econômicas e materiais dos homens forem atendidas. Aqui chegamos a um ponto que não é enfrentado de boa vontade na vida moderna.
A ciência oficial hoje em dia nada contribui para o conhecimento real da alma e do espírito, pois os métodos adotados nas ciências ortodoxas têm valor apenas para apreender a natureza externa, incluindo a constituição externa do homem. Basta pensar com que desprezo o cidadão comum hoje em dia considera qualquer coisa que lhe pareça idealista, qualquer coisa que pareça ser um caminho que leva de alguma forma ao espiritual. No fundo, ele está sempre perguntando: Qual é a vantagem disso? Como isso vai me ajudar a adquirir bens deste mundo? Ele manda seus filhos para uma escola pública, talvez tendo ido para uma; ele os envia para uma universidade ou instituto de estudos avançados. Mas tudo isso é feito apenas para fornecer as bases para uma carreira, em outras palavras, para fornecer os meios materiais de subsistência.
E agora pense nas consequências disso. – Quantas pessoas existem hoje que não valorizam mais o espírito por causa do propósito do espírito ou a alma por causa do propósito da alma! Eles pretendem absorver da vida cultural apenas o que é considerado “útil”. Este é um fator significativo e misterioso na vida da humanidade moderna e que deve ser elevado à plena luz da consciência. O cidadão comum que trabalha assiduamente em seu escritório de manhã à noite e depois segue a rotina habitual da noite, não se deixará confundir com o que chama de “bobagem” da Antroposofia. Parece-lhe totalmente redundante, pois pensa: isso é algo que não se pode comer! Finalmente – embora as pessoas não admitam – que na vida cotidiana nada no caminho do conhecimento é considerado realmente útil a menos que ajude colocar comida na boca!
Com relação a isso, os homens hoje sucumbiram a uma estranha falácia. Eles não acreditam que o espírito pode ser comido, mas mesmo aqueles que dizem isso, comem o espírito! Embora possam recusar-se a aceitar qualquer coisa espiritual, a cada pedaço que passa pela boca para o estômago eles estão devorando o espiritual, mas o despacham por um caminho diferente do caminho que leva ao verdadeiro bem-estar da humanidade.
Creio que muitos europeus pensam que é um crédito para a sua civilização poder dizer: Não somos canibais! Mas esses europeus e suas afinidades americanas são, no entanto, devoradores de alma e espírito! A devoração sem alma de alimento material leva ao desvio do espírito. É difícil dizer essas coisas hoje, pois à luz de tal conhecimento, pense no que teria de ser dito de uma grande parte da cultura moderna! Manter os homens no estado de devoradores da alma e do espírito é um dos impulsos de Ahriman em preparação para sua encarnação. Na medida em que os homens podem ser estimulados a conduzir seus interesses e experiências não apenas para fins materiais e a considerar uma vida espiritual livre e independente, igualmente com a vida econômica, como parte integrante do organismo social – nessa mesma medida, a encarnação de Ahriman será esperada com uma atitude digna de humanidade.
Outra tendência na vida moderna que beneficia Ahriman na preparação de sua encarnação é tudo o que está tão claramente em evidência no nacionalismo. Tudo o que pode separar os homens em grupos, tudo o que pode aliená-los do entendimento mútuo em todo o mundo e criar barreiras entre eles, fortalece o impulso de Ahriman. Na realidade, devemos reconhecer a voz de Ahriman naquilo que hoje é tão frequentemente proclamado como um novo ideal: “Liberdade dos povos, mesmo os mais pequenos”, e assim por diante. – Mas a relação de sangue deixou de ser o fator decisivo e se essa noção ultrapassada persistir, estaremos jogando direto nas mãos de Ahriman.
Seus interesses são promovidos, também, pelo fato de que os homens são tomados pelas mais divergentes nuanças de opiniões partidárias, das quais uma pode ser justificada tão facilmente quanto a outra. Um programa de partido socialista e um programa anti-socialista podem ser apoiados por argumentos de igual validade. E se os homens não conseguem perceber que este tipo de “prova” está tão completamente na superfície que o Não e o Sim podem ser justificados com nossa inteligência moderna – útil como é para as ciências naturais, mas não para um tipo diferente de conhecimento – se os homens não perceberem que essa inteligência está inteiramente na superfície, apesar de servir à vida econômica de forma tão eficaz, eles continuarão a aplicá-la à vida social e espiritual, independentemente. Um grupo provará uma coisa, outro seu exato oposto e, como ambas as provas podem ser igualmente lógicas, o ódio e a amargura – dos quais há mais do que suficiente no mundo – serão intensificados. Essas tendências também são exploradas por Ahriman na preparação para sua encarnação terrena.
Novamente, o que será de particular vantagem para ele é a visão estreita e superficial do Evangelho que prevalece hoje. Você sabe como se tornou necessário em nossa época aprofundar a compreensão dos Evangelhos por meio da ciência espiritual. Mas você também sabe como é difundida a noção de que isso não é adequado, que é repreensível trazer qualquer conhecimento real do espírito ou do cosmos para apoiar os Evangelhos; diz-se que os Evangelhos devem ser considerados “em toda a sua simplicidade”, tal como estão. Não vou levantar a questão de que não possuímos mais os verdadeiros Evangelhos.
As traduções não são reproduções fiéis dos Evangelhos autênticos, mas não pretendo entrar nessa questão agora. Apenas apresentarei a vocês o fato mais profundo, a saber, que nenhum verdadeiro entendimento de Cristo pode ser alcançado pela leitura simples e fácil dos Evangelhos, amados pela maioria das denominações religiosas e seitas de hoje.
Na época do mistério do Gólgota e por alguns séculos depois, ainda era possível uma concepção do verdadeiro Cristo, porque os relatos transmitidos pela tradição podiam ser entendidos com a ajuda da sabedoria pagã, luciférica. Essa sabedoria agora desapareceu, e o que as seitas e denominações encontram nos Evangelhos não conduzem os homens ao verdadeiro Cristo que buscamos por meio da ciência espiritual, mas a uma imagem ilusória, no máximo a uma alucinação sublimada de Cristo.
Os Evangelhos não podem levar ao verdadeiro Cristo a menos que sejam iluminados pela ciência espiritual. Na falta dessa iluminação, os Evangelhos, da forma como estão, dão origem ao que não é mais do que uma alucinação do aparecimento de Cristo na história mundial. Isso se torna muito evidente na teologia de nosso tempo. Por que a teologia moderna gosta tanto de falar do “simples homem de Nazaré” e de identificar o Cristo com Jesus de Nazaré – a quem ela considera um homem apenas um pouco mais exaltado do que outras grandes figuras da história? É porque se perdeu a possibilidade de encontrar o verdadeiro Cristo e porque o que os homens extraem dos Evangelhos leva a uma alucinação, a uma espécie de ilusão.
Uma concepção ilusória de Cristo é tudo o que pode ser adquirido por meio da maneira como os Evangelhos são lidos hoje – não a realidade de Cristo. Em certo sentido, isso realmente ocorreu aos teólogos e muitos deles agora estão descrevendo a experiência de Paulo no caminho para Damasco como uma “visão”. Chegaram ao ponto de perceber que sua maneira de estudar os Evangelhos só pode levar a uma visão, a uma alucinação. Não estou dizendo que essa visão seja falsa ou inverídica, mas que é apenas uma experiência interior, sem conexão com a realidade do Ser Crístico. Não uso a palavra “ilusão” com a implicação lateral de falsidade, mas desejo apenas enfatizar que o Ser Crístico é aqui uma experiência de interior, do mesmo caráter de uma alucinação. Se os homens pudessem ser paralisados ??neste ponto, não avançaram para o verdadeiro Cristo, mas se contentando com uma alucinação de Cristo, os objetivos de Ahriman seriam incomensuravelmente promovidos.
A influência dos Evangelhos também leva a alucinações quando um único Evangelho é tomado como base da crença. Para falar a verdade, este princípio foi evitado pelo fato de que nos foram dados quatro Evangelhos, representando quatro aspectos diferentes, e não adianta considerar cada Evangelho palavra por palavra, quando externamente há contradições óbvias. Pegar um único Evangelho palavra por palavra e desconsiderar os outros três é realmente perigoso.
O que você encontra em seitas cujos adeptos juram pelo conteúdo literal do Evangelho de São Lucas ou apenas de São João, é uma concepção ilusória que surge de um certo obscurecimento da consciência. Com o obscurecimento da consciência que ocorre inevitavelmente quando o conteúdo mais profundo dos Evangelhos não é revelado, os homens cairiam totalmente no serviço de Ahriman, ajudando da maneira mais eficaz a se preparar para sua encarnação e adotando em relação a ele a própria atitude que deseja.
E agora outra verdade incômoda para a humanidade hoje! Vivendo nos braços de suas denominações, as pessoas dizem: “Não precisamos da Antroposofia nem de nada do gênero; estamos satisfeitos com os Evangelhos em toda a sua simplicidade”. Eles insistem que isso é dito por “humildade”. Na realidade, porém, é a maior arrogância! Pois isso significa que tais pessoas, fazendo uso de idéias que foram apresentadas a eles durante seu nascimento e surgindo de seu sangue, estão se dignando a descartar os tesouros mais profundos de sabedoria a serem descobertos nos Evangelhos.
Esses “mais humildes” dos homens geralmente são os mais arrogantes de todos, especialmente nas seitas e denominações. O ponto a ser lembrado, entretanto, é que as pessoas que mais fazem para se preparar para a encarnação de Ahriman são aquelas que pregam constantemente: “Tudo o que é necessário é ler os Evangelhos palavra por palavra – nada mais do que isso!”
É estranho dizer que, apesar de suas diferenças radicais, as duas partes jogam nas mãos uma da outra: aqueles que chamei de “devoradores de alma e espírito” e aqueles que exigem a leitura literal, palavra por palavra, dos Evangelhos. Cada partido faz o jogo do outro, promovendo a preparação da encarnação de Ahriman. Pois se a perspectiva dos “devoradores de alma e espírito” de um lado e a dos professos cristãos que se recusam a entrar nas verdades mais profundas dos Evangelhos em o outro, se fosse o que teríamos, então Ahriman seria capaz de tornar todos os seres humanos na terra seus. Uma boa parte do que está se espalhando no Cristianismo externo hoje é uma preparação para a encarnação de Ahriman. E em muitas coisas que alegando arrogantemente representar a crença verdadeira, devemos reconhecer a preparação para o trabalho de Ahriman.
As palavras hoje em dia não transmitem realmente a realidade mais íntima das coisas. Como já lhes disse muitas vezes, dá-se demasiada importância às palavras – pois as palavras não conduzem necessariamente a essa realidade; hoje em dia, na verdade, é mais um caso de palavras que separam os homens da natureza real das coisas no mundo. E isso eles fazem mais do que tudo quando os homens aceitam registros antigos como os Evangelhos com “entendimento simples” – como diz o ditado. Mas há uma simplicidade muito mais verdadeira em tentar penetrar no espírito residente nas coisas e compreender os próprios Evangelhos a partir da posição vantajosa do espírito.
Como eu disse a você, Ahriman e Lúcifer sempre trabalharão lado a lado. A única questão é qual dos dois predomina na consciência do homem em uma determinada época. Foi uma cultura preeminentemente Luciférica que persistiu até depois do Mistério do Gólgota – uma cultura inspirada pela encarnação de Lúcifer na China no terceiro milênio a.C. Muitas influências desta encarnação continuaram a irradiar e ainda eram poderosas nos primeiros séculos cristãos; na verdade, elas estão trabalhando até hoje.
Mas agora que estamos enfrentando uma encarnação de Ahriman no terceiro milênio depois de Cristo, os rastros de Lúcifer estão se tornando menos visíveis, e as atividades de Ahriman nas tendências que indiquei, estão ganhando destaque. Ahriman fez uma espécie de pacto com Lúcifer, cuja importância pode ser expressa da seguinte maneira. – Ahriman, falando com Lúcifer, diz: “Eu, Ahriman, acho vantajoso fazer uso de “potes de preservação”. Eu deixarei os estômagos dos homens por você, se você permitir que eu acalme os homens para dormir – isto é, acalmar suas consciências para dormir no que diz respeito aos seus estômagos.”
Você deve entender o que quero dizer com isso. – A consciência daqueles seres humanos a quem chamei de devoradores de alma e espírito está em um estado de obscuridade no que diz respeito a seus estômagos; pois, por não aceitarem o espiritual em sua natureza humana, eles conduzem direto para a corrente luciférica tudo o que introduzem em seus estômagos. O que os homens comem e bebem sem espiritualidade vai direto para Lúcifer!
E o que quero dizer com “potes de preservação”? Refiro-me a bibliotecas e instituições de tipo semelhante, onde as várias ciências desenvolvidas pelo homem sem realmente despertar seu interesse, são preservadas; essas ciências não estão realmente vivas nele, mas simplesmente são preservadas nos livros das estantes das bibliotecas. Todo esse conhecimento foi separado do próprio homem.
Em toda parte há livros, livros, livros! Cada aluno, ao fazer seu doutorado, deve escrever uma tese erudita que será colocada no maior número possível de bibliotecas. Quando o aluno deseja assumir algum cargo específico, novamente ele deve escrever uma tese! Além disso, as pessoas estão sempre escrevendo, embora apenas uma proporção muito pequena do que escrevem seja lida. Somente quando alguma preparação especial precisa ser feita, as pessoas recorrem ao que está se deteriorando nas bibliotecas. Esses “jarros de preservação” de sabedoria são um meio particularmente favorável de promover os objetivos de Ahriman.
Esse tipo de coisa acontece em todos os lugares. Só poderia ser para algum propósito se os homens se interessassem realmente por ela, mas não o fazem; sua existência é inteiramente separada e à parte. Basta pensar – se alguém estiver disposto, pode muito bem se desesperar – pense, por exemplo, em um processo em que um advogado deve ser contratado para defender o caso. Chega a hora em que é preciso discutir o assunto com ele. Documentos se acumulam! Ele tem todos eles lá em um dossiê, mas quando alguém começa a falar com ele, ele não tem noção das circunstâncias. Ele vira os papéis várias vezes sem chegar a lugar nenhum; ele não tem nenhuma conexão com seus documentos.
Aqui está um portfólio cheio deles, ali outro. O número de documentos cresce cada vez mais, mas quanto ao interesse por eles – isso é simplesmente inexistente! Esses profissionais nos deixam desesperados quando tratamos com eles; eles realmente não sabem nada sobre o assunto em questão, não têm nenhuma ligação com ele, pois tudo permanece nos documentos. Estes são os pequenos potes de conservação e as bibliotecas os grandes potes de conservação da alma e do espírito. Neles tudo se conserva, mas o ser humano não quer se ligar a ele, impregná-lo de seus interesses.
E finalmente surge a disposição que não quer que a cabeça desempenhe qualquer papel na visão professada do mundo. Mas, afinal, a cabeça, ou algum elemento da cabeça, é necessária para qualquer entendimento! O que as pessoas gostam é de basear sua fé religiosa, sua visão do mundo, apenas no coração. O coração deve desempenhar um papel, é claro; mas a maneira como os homens hoje costumam falar de sua religião me faz lembrar de um ditado muito citado no bairro onde passei minha juventude. Foi assim: “Há algo muito especial no amor. Se você comprar, você compra apenas o coração e a cabeça é jogada de graça. ”
Esta é mais ou menos a atitude que as pessoas hoje gostam de adotar em sua visão de vida; eles gostariam de receber tudo através do coração, como dizem, sem exercer a cabeça de forma alguma. O coração não pode bater sem a cabeça, mas o coração é bem capaz de absorver as coisas se por “coração” aqui se quer dizer mesmo o estômago! E então, o que deve ser alcançado através da cabeça deve ser jogado gratuitamente, especialmente no que diz respeito às coisas mais importantes da vida. Na verdade, é muito importante prestar atenção a essas questões, porque ao observá-las torna-se evidente qual seriedade deve ser aplicada à vida nesta conjuntura, quão necessário é aprender com as ilusões que até mesmo os Evangelhos podem dar a elas e o quão a humanidade hoje adora essas ilusões.
A verdade está além do alcance do tipo de conhecimento que as pessoas aspiram hoje. Sentem-se em terreno seguro quando podem calcular por meio de números, quando podem provar coisas por meio de estatísticas. Com estatísticas e números, Ahriman tem um jogo fácil; convém-lhe admiravelmente quando algum estudioso erudito assinala, por exemplo, que as condições nos Bálcãs se devem ao fato de que a população da Macedônia consiste em tantos gregos, tantos sérvios, tantos búlgaros. Nada pode resistir às figuras por causa da fé que nelas repousa; e Ahriman está muito pronto para explorar figuras para seus propósitos. Mais tarde, porém, começa-se a ver o quão “confiáveis” esses números são!
É certo que os números às vezes são um meio de prova, mas se alguém vai além deles e investiga mais de perto, frequentemente nota coisas como o seguinte. – Nas estatísticas da Macedônia, por exemplo, um pai pode ser classificado como grego, um filho como sérvio, outro filho como búlgaro; então o pai é contado com os gregos, um filho com os sérvios e o outro com os búlgaros. O que realmente ajudaria alguém a descobrir a verdade, no entanto, seria descobrir como aconteceu que na mesma família se diz que um é grego, um sérvio e um búlgaro, e como isso afeta os números – em vez de simplesmente aceitar os números que as pessoas consideram tão satisfatórios hoje. Se o pai é grego, então naturalmente os filhos também são. Números são meios pelos quais os homens são desviados em uma direção favorável a Ahriman para sua futura encarnação no terceiro milênio d.C.
Rudolf Steiner – GA 191 – Dornach, 1 de novembro de 1919
Tradução livre: Leonardo Maia
“Valorizar as qualidades da alma. O desafio era descer ao inferno para vencer Cérbero, cão de três cabeças que guardava o Mundo Inferior. O herói agarrou o animal pelo pescoço e não o soltou até que concordasse em acompanhá-lo. Esse trabalho fala da imortalidade. Ensina que o corpo pode perder o viço, mas a alma deve irradiar cada vez mais a beleza construída ao longo dos anos. É um ensinamento importante para estes tempos, onde as pessoas colocam mais a sua consciência na mente, desejos e corpo físico. Essa consciência deve ser focalizada na alma. É na consciência da alma que entramos nos dois grandes signos universais de serviço à humanidade e este crescimento na capacidade de prestar serviço é a realização da alma.”
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
12º TRABALHO DE HÉRCULES: A MORTE DE CÉRBERO
A elevação da personalidade
MITOLOGIA
O Mestre disse a Hércules: “Enfrentaste com êxito mil perigos. Hércules, e muitas consquistas foram feitas. A sabedoria e a força pertencem-te. Farás uso delas para salvar alguém em angústia, uma presa de imenso e infindável sofrimento?” e tocando gentimente a fronte de Hércules, diante de seu olho interno, surgiu uma visão.
Um homem jazia sobre uma rocha e gemia como se seu coração fosse partir-se. Suas mãos e pés estavam acorrentados; as fortes correntes que o prendiam estavam ligadas a anéis de ferro. Um abutre, feroz e audacioso, mantinha-se bicando o fígado da vítima; em consequência, uma corrente de sangue jorrava do seu flanco. O homem elevava suas mãos acorrentadas e clamava por socorro; mas suas palavras ecoavam em vão na desolação e eram engolidas pelo vento.
A visão desapareceu e o Mestre falou: “Aquele que viste acorrentado chama-se Prometeu. Ele sofre assim há muito tempo, e contudo, sendo imortal não pode morrer. Do céu ele roubou o fogo; por isso foi punido. O lugar de sua morada é conhecido por Inferno, o reino de Hades. Pede-se que seja o salvador de Prometeu, Hércules. Desce às profundezas e liberta-o do sofrimento.”
Hércules iniciou a sua viagem descendo sempre através das ligações dos mundos da forma. A atmosfera tornava-se cada vez mais pesada, e a escuridão crescia. Contudo, a sua vontade era firme. Essa descida longa demorou muito tempo e sozinho, mas não absolutamente só, ele vagueava, e quando ele procurou no seu íntimo ouviu a voz prateada da deusa da Sabedoria, Athena, e as palavras encorajadas de Hermes.
Por fim, dele chegou a um rio escuro e envenenado que as almas dos mortos tinham que cruzar. Uma moeda tinha de ser dada a Caronte, o barqueiro, para que ele as levasse para o outro lado.
O visitante da terra assustou Caronte que levou Hércules ao outro lado, sem lembrar-se de cobrar-lhe, Hércules penetrou o Hades, uma nevoenta e escura região onde as sombras, ou melhor, as conchas dos que haviam partido esvoaçavam. Quando Hércules percebeu a Medusa, com o seu cabelo encaracolado com serpentes sibilantes, ele tomou a espada e tentou atingi-la, mas não bateu senão no ar vazio.
Ele seguiu por caminhos labirínticos até chegar à corte do rei que governava o mundo subterrâneo, Hades. Este, inflexível, severo e com semblante ameaçador, sentava-se em seu negro trono quando Hércules se aproximou.
“Que procuras, um mortal vivo, em meus reinos?” Interpelou-o Hades.
Hércules disse, “Procuro libertar Prometeu”.
“O caminho está guardado pelo cão Cérbero, um cão com três grandes cabeças, cada uma com serpentes enroladas em torno”, replicou Hades.
“Se puderes derrotá-lo com tuas mãos vazias, um feito que ninguém jamais realizou, poderá libertar o sofredor Prometeu”.
Satisfeito com a resposta, Hércules prosseguiu até deparar-se com o cão de três cabeças e ouviu o seu feroz latido. Ameaçador, avançou para Hércules que agarrou a primeira cabeça e a manteve presa em seus braços enquanto o monstro se debatia. Finalmente a sua força cedeu e Hércules seguiu até encontrar Prometeu numa laje de pedra, em dores atrozes. Hércules partiu as correntes e libertou o sofredor.
SIMBOLOGIA
Este trabalho está associado ao signo de Capricórnio/Cancer, que é um dos mais difíceis para se escrever e é o mais misterioso de todos os doze. Há dois portões de importância dominante: Cancer, no que erroneamente chamamos a vida, e Capricórnio, o portão para o reino espiritual.
Capricórnio, o portão através do qual nós finalmente passamos quando não mais nos identificamos com o lado forma da existência, mas nos tornamos identificados com o espírito. É isto que significa ser iniciado.
Um iniciado é uma pessoa que não põe mais a sua consciência na sua mente, ou desejos, ou corpo físico. Ele pode usá-los, se quiser; e fá-lo para ajudar toda a humanidade, mas não é neles que focaliza a sua consciência. Ele está focalizado no que chamamos a alma, que é aquele aspecto de nós mesmos que está livre da forma. É na consciência da alma que finalmente funcionamos em Capricórnio, conhecendo-nos como iniciados e entramos nos dois grandes signos universais de serviço à humanidade.
É em Capricórnio, o adulto que existe em nós, que Hércules desce às profundezas do inferno, munido da compaixão de Cancer, para conseguir resgatar Prometeu.
O caminho da alma é exatamente o mesmo, é com profundo amor (Cancer) que necessitamos de descer às profundezas dos nossos infernos interiores, amá-los e resgatar em nós a nossa sombra, para podermos depois, escalar a montanha, que caracteriza Capricórnio, com o mesmo determinismo e firmeza com que descemos ao inferno.
Após cumprir a sua tarefa, o héroi regressa ao reino dos vivos e ali reencontra a sua alma e é-lhe mostrado que aquele foi o seu primeiro serviço em prol de um mundo melhor.
Enquanto nos pássaros de Estínfalo, Hércules ainda tinha mergulhado nos pântanos do inferno pessoal, é em Cérbero que o mergulho se dá no inferno coletivo.
Este crescimento na capacidade de prestar serviço é a realização da alma. Não se pode aprender por ‘ouvir dizer’, mas sim através da realização e vivendo as circunstâncias.
Compilação de conteúdos
“Agora como alma consciente é responsável pela sua própria sabedoria…”
Hércules teve que superar vários percalços para obter os frutos de ouro de uma árvore
maravilhosa, que representam a força fecunda e criadora dos homens, protegidos por um
dragão imortal. Assim como Hércules teve que ir aos extremos do mundo para descobrir esses
frutos, nós também precisamos fazer uma viagem a nosso mundo interior para descobrir
nossos talentos e potenciais, que são os pomos de ouro.
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
11º TRABALHO DE HÉRCULES: OS POMOS DE OURO DO JARDIM DAS HESPÉRIDES
A descoberta dos talentos e potenciais
MITOLOGIA
Num longínquo país crescia a árvore sagrada, a árvore da sabedoria, que produzia as maçãs
de ouro de Hespérides. Esse frutos eram desejados por todos os filhos dos homens que se
reconheciam igualmente como filhos de Deus. Havia duas coisas que Hércules sabia sobre a
árvore sagrada: que ela era carinhosamente cuidada por três belas donzelas e que um dragão
de cem cabeças protegia as donzelas e a árvore.
Hércules pôs-se a caminho, cheio de confiança, seguro de si, de sua sabedoria e de sua força.
Seguiu em direcção ao norte e percorreu a terra à procura da árvore sagrada, mas não a
encontrou. Perguntava a todos os homens que encontrava, mas nenhum pode guiá-lo no
caminho; nenhum conhecia o lugar.
O tempo passava e ele ainda procurava, vagando de um lado para o outro, frequentemente
retornando sobre os próprios passos. Triste e desencorajado, ainda assim procurava por toda
a parte. Não encontrando a árvore sagrada no caminho do norte, Hércules partiu para o sul e,
no lugar da escuridão, continuou na sua busca. Sonhou com um rápido sucesso, mas Anteu, a
serpente, atravessou-lhe o caminho e lutou com ele, vencendo-o a cada investida. “Ela guarda
a árvore”, disse Hércules, “isto me disseram, portanto a árvore deve estar por perto. Preciso
derrubar sua guarda e assim, destruindo-a, vencê-la e arrancar os frutos.”
Contudo, lutando com todas as forças, ele não as vencia. “Onde está o meu erro?” dizia
Hércules. “Por que Anteu pode vencer-me? Mesmo quando criança destruí uma serpente em
meu berço. Com as minhas próprias mãos a estrangulei. Porque fracasso agora?”
Lutando novamente com todo o seu poder, ele agarrou a serpente em suas mãos e levantou-a
no ar, longe do chão. E conseguiu realizar seu intento. Feliz, confiante, seguro de si e com
nova coragem, Hércules continuou em sua busca. Agora se voltou para o ocidente, e tomando
essa direcção, encontrou o fracasso. Atirou-se ao grande teste sem pensar e por muito tempo
o fracasso atrasou seus passos.
Lá ele encontrou Busiris, o grande arqui-enganador, filho das águas e parente de Poseidon.
Seu trabalho é trazer a ilusão aos filhos dos homens através de palavras de aparente
sabedoria. Ele afirma conhecer a verdade e rapidamente eles acreditam. Ele diz belas
palavras: “Eu sou o mestre. A mim é dado o conhecimento da verdade, aceita o meu modo de
vida. Só eu sei, ninguém mais. Minha verdade é correta. Qualquer outra verdade é errónea e
falsa. Fica comigo e salva-te.” E Hércules obedeceu: e a cada dia enfraquecia em seu anterior
caminho, a sua vontade estava minada. Ele amava Busiris e aceitava tudo o que ele dizia,
tornando-se cada vez mais fraco, até que chegou o dia que o seu amado mestre o amarrou a
um altar e lá o manteve um ano inteiro.
Repentinamente, um dia, quando lutava por se libertar, e lentamente começava a perceber
quem Busiris realmente era, palavras que ouvira há muito tempo vieram-lhe à mente: “A
verdade está dentro de ti mesmo. . No teu interior há um poder mais elevado, força e
sabedoria. Volta-te para o teu interior e evoca a força que existe, o poder que é a herança de
todos os homens que são filhos de Deus.”
Com a força que é a força de todos os filhos de Deus, ele rompeu as amarras, agarrou o falso
mestre e prendeu-o no altar em seu lugar.
Não disse uma palavra, apenas deixou-o lá para que aprendesse. Mais contido, embora cheio
de indagações Hércules percorreu longas distâncias sem rumo certo, prosseguindo em sua
busca.
Aprendera muito durante o ano que passara preso ao altar e agora percorria o Caminho com
maior sabedoria. Por todos os caminhos a busca prosseguiu; de norte a sul e de leste a oeste
foi procurada a árvore, mas não encontrada. Até que um dia, esgotado pelo medo e pela
longa viagem, ele ouviu, de um peregrino que passava no caminho, rumores de que, perto de
uma montanha distante a árvore seria encontrada, a primeira afirmação verdadeira que lhe
fora feita até então.
Assim, ele retrocedeu sobre seus passos em direção às altas montanhas do leste, e num certo
dia, brilhante e ensolarado, ele viu o objeto da sua busca e então apressou o passo. “Agora
tocarei a árvore sagrada”, gritou alegre, “montarei o dragão que a guarda; e verei as belas
renomadas virgens, e colherei as maçãs.”
Mas novamente foi detido por um sentimento de profunda tristeza. À sua frente estava Atlas,
cambaleante sob o peso do mundo às suas costas. Sua face estava vincada pelo sofrimento;
seus membros vergados pela dor; seus olhos cerrados em agonia; ele não pedia auxílio; ele
não viu Hércules; apenas lá estava, curvado pela dor, pelo peso do mundo. Trémulo, Hércules
observava e avaliava o quanto havia de peso e de dor. E esqueceu sua busca.
A árvore sagrada e as maçãs desapareceram de sua mente; ele só pensava em como ajudar o
gigante rapidamente. Correu para ele e animadamente retirou a carga dos ombros de seu
irmão, passou-a para suas próprias costas, aguentando ele mesmo a carga dos mundos.
Cerrou os olhos, enrijecendo os músculos sob o esforço e então eis que a carga se desprendeu
e lá estava ele livre, como Atlas.
Diante dele, as mãos estendidas num gesto de amor, o gigante ofereceu a Hércules as maçãs
de ouro. Era o fim da busca. As virgens trouxeram mais maçãs de ouro e também as
depositaram em suas mãos e Aegle, a bela virgem que é a glória do sol poente, disse-lhe:
“O Caminho que traz a nós é sempre marcado pelo serviço. Atos de amor são sinalizações do
Caminho.”
Então Eritéia, a guardiã do portão que todos devem atravessar antes de se apresentarem
diante do Criador, deu-lhe uma maçã na qual estava inscrita em luz a palavra de ouro:
SERVIÇO.
“Lembra-te disto” disse ela “jamais te esqueças.” Por ultimo veio Héspero, a maravilha da
estrela vespertina, que com clareza e amor disse: “Vai e serve, e a partir de hoje e para
sempre, palmilha o caminho de todos os servidores do mundo.”
“Então eu devolvo estas maçãs para aqueles que virão”, disse Hércules, e retomou ao lugar de
onde viera. Então ele ouviu a voz de seu Mestre, que lhe falava pela primeira vez desde que
iniciara o Caminho: “Não houve retardamento. A regra que acelera todo o sucesso na senda
escolhida é Aprender a servir”.
SIMBOLOGIA
Em Peixes/Virgem, Hércules termina um grande ciclo de realizações que marcam este
trabalho, no signo de Gêmeos e Sagitário, é relacionado com o trabalho ativo do aspirante no
plano físico à proporção que ele chega a uma compreensão de si mesmo.
Antes que este trabalho ativo se torne possível, deve haver um ciclo de pensamento interior e
anseio místico; a aspiração à visão é um processo subjetivo desenvolvido, talvez por longo
tempo, antes que o homem, no plano físico, comece o trabalho de unificação da alma e
corpo. Este é o tema deste trabalho. É neste plano físico de realização, e no trabalho de obter
as maçãs de ouro da sabedoria, que a prova real da sinceridade do aspirante tem lugar.
Um anseio de ser bom, um profundo desejo de averiguar os fatos da vida espiritual, esforços
para auto-disciplina, oração e meditação, precedem quase que inevitavelmente, este real e
tenaz esforço. O visionário (Sagitário) precisa tornar-se um homem de ação; o desejo tem que
ser trazido para o mundo da concretização, e é nisto que consiste a prova de Gêmeos.
O plano físico é o lugar onde se obtém a experiência e onde as causas, que foram iniciadas no
mundo do esforço mental, têm que se manifestar e alcançar objetividade. É também o lugar
onde o mecanismo de contato se desenvolve, onde, pouco a pouco, os cinco sentidos abrem
ao ser humano, novos campos de percepção e lhe oferecem novas esferas de conquistas e
realização. É o lugar, portanto, onde conhecimento é obtido, e onde esse conhecimento tem
que ser transmutado em sabedoria.
Conhecimento é a busca do sentido, enquanto que sabedoria é o onisciente e sintético
conhecimento da alma. Contudo, sem compreensão na aplicação do conhecimento, nós
perecemos; pois compreensão é a aplicação do conhecimento sob a luz da sabedoria aos
problemas da vida e à conquista da meta.
Neste trabalho, Hércules defronta-se com a tremenda tarefa de aproximar os dois pólos do
seu ser e de coordenar, ou unificar, alma e corpo, de modo que a dualidade de lugar à
unidade e os pares de oposto se mesclem. É através das virgens que o serviço altruísta é
cumprido, pois foi este mesmo que o conduziu até elas, pois elas representavam o seu
alinhamento na tridimensionalidade.
Agora como alma consciente é responsável pela sua própria sabedoria…
Compilação de conteúdos
“Hércules empreendeu uma grande viagem para derrotar o rei Gerião e se apoderar de seus bois. Enfrentou também o gigante Anteu, invencível porque, cada vez que tocava a terra, recobrava as forças. Para derrotá-lo, ergueu-o no ar. Essa é uma lição de desapego, sobre derrotar a cobiça e o materialismo. Gerião e os bois simbolizam as posses. A verdadeira riqueza, que é eterna, está dentro de nós. São nossos sentimentos e valores.”
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
10º TRABALHO DE HÉRCULES: O GADO VERMELHO DE GERIÃO
A transcendência da animalidade e da matéria
MITOLOGIA
O Mestre chamou Hércules e disse-lhe: Vai até aquele lugar sombrio chamado Eritéia, onde a Grande Ilusão está entronizada; onde Gerião, o monstro de três cabeças, três corpos e seis mãos, é rei e senhor. À margem da lei ele mantém um rebanho de gado vermelho escuro. De Eritéia deves trazer até a nossa Sagrada Cidade, este rebanho. Cuidado com Euritião, o pastor, e seu cão de duas cabeças Ortus.” E depois de uma pausa continuou: “Mais um aviso posso dar. Invoca a ajuda de Hélio.”
Hércules partiu e no templo, fez oferendas a Hélio, o deus do fogo e do sol. Por sete dias Hércules meditou, e depois mereceu dele um favor. Um cálice dourado caiu no chão aos seus pés. Ele sentiu no seu íntimo que esse objeto brilhante o capacitaria a cruzar os mares para alcançar o país de Eritéia. E assim foi. Sob a segura proteção do cálice dourado, ele velejou pelos mares agitados até chegar a Eritéia.
Numa praia naquele país distante, Hércules desembarcou. Não muito longe dali ele chegou a um pasto onde o gado vermelho escuro pastava. Era guardado pelo pastor Euritião e o cão de duas cabeças, Ortus.
Quando Hércules se aproximou, o cão lançou-se como uma flecha para ele, rosnando ferozmente, tentando alcançá-lo. Com um golpe decisivo Hércules derrubou o monstro. Então, Euritião amedrontado pelo bravo guerreiro que estava diante dele, suplicou que a sua vida fosse poupada. Hércules concedeu-lhe o pedido. Conduzindo o gado vermelho-sangue adiante dele, Hércules voltou a sua face para a Cidade Sagrada. Ainda não estava muito longe daquelas pastagens quando percebeu que o monstro Gerião vinha em louca perseguição. Logo Gerião e Hércules estavam face-a-face. Exalando fogo e chamas de todas as três cabeças simultaneamente, o monstro avançou sobre ele. Esticando bem o seu arco, Hércules lançou uma flecha que parecia queimar o ar e que atingiu o monstro no seu flanco. Tamanho foi o ímpeto com que fora lançada, que todos os três corpos de Gerião foram perfurados. Com um guincho desesperado, o monstro oscilou, depois caiu, para nunca mais se levantar.
Hércules conduziu, então o lustroso gado para a Cidade Sagrada. Difícil foi a tarefa. Volta e meia alguns bois se desgarravam e Hércules deixava o rebanho para procurar aquelas cabeças que se perdiam. Através dos Alpes ele conduziu o seu rebanho até Halia. Onde quer que o mal tivesse triunfado, ele golpeava as forças do mal com golpes mortais, e corrigia a balança em favor da justiça. Quando Eryx, o lutador, o desafiou, Hércules o derrubou tão vigorosamente que ele permaneceu caído.
Novamente quando o gigante Alcioneu lançou sobre Hércules, uma rocha que pesava uma tonelada, este último a deteve com a sua clava e a mandou de volta, matando o seu agressor.
Às vezes ele perdia o seu rumo, mas sempre se voltava, refazia os seus passos, e prosseguia. Embora exausto por este cansativo trabalho, Hércules por fim voltou. Quando chegou, o Mestre que o esperava, disse-lhe: “A joia da imortalidade pertence-te. Por este Trabalho tu superaste o humano e te revestiste do divino. No firmamento estrelado o teu nome será inscrito, um símbolo para os batalhadores filhos dos homens, de seu imortal destino. Os trabalhos humanos estão encerrados, tua tarefa Cósmica começa”.
SIMBOLOGIA
Em Peixes/Virgem, Hércules termina um grande ciclo de realizações que marcam a sua libertação das formas terrestres e da maioria dos apegos que prendem os homens à roda de reencarnações.
É aqui que o homem crítico e rígido do passado aprende a ter fé.
Hércules tem que conduzir o rebanho de gado vermelho-sangue (representa a quinta raça) para fora das terras da ilusão até à Cidade Sagrada. Para desempenhar a sua tarefa, é advertido de que deverá invocar Hélio – Deus do sol, senhor da luz e da consciência, que só se consegue encontrar nos planos interiores do ser.
Aqui ficamos a saber, que a união da consciência cósmica com a terrestre, e o apelo a esse deus interior que existe dentro de todos nós, é imprescindível para enfrentar tarefas que exigem um esforço maior. Hércules medita em consciência, na sua essência repleta de luz, que significa a busca de Peixes, ser que vem ao mundo para compreender a própria essência e para se revelar como fé.
Como resultado da sua meditação, recebe o Santo Graal – cálice dourado – depósito de toda a sabedoria.
É com a frieza de Virgem que Hércules consegue enfrentar Gerião, mas esta frieza levada ao extremo pode revelar-se em tirania, daí que o bom senso demonstra bem o signo de Peixes em equilíbrio. O lutador com que Hércules se debate, mostra a raiva contida de peixes e falta de firmeza na sua própria colocação e ação no mundo; e o ter que abandonar momentaneamente o rebanho para ir apanhar algum boi desgarrado, demonstra também a dificuldade que o signo de peixes sente com os imprevistos.
Quando chega à cidade sagrada e ouve “A joia da imortalidade pertence-te. Por este Trabalho tu superaste o humano e te revestiste do divino. De volta ao lar viestes, para não mais partires. No firmamento estrelado o teu nome será inscrito, um símbolo para os batalhadores filhos dos homens, de seu imortal destino. Os trabalhos humanos estão encerrados, tua tarefa Cósmica começa”, aprende finalmente que necessitava de ter coragem e fé para ver tudo o que viu, e que estes valores são o seu legado para os seus irmãos. E para o conseguir, o homem tem que tirar o seu Cristo da cruz e caminhar ao seu lado.
Compilação de conteúdos
“A missão do herói era conseguir o cinturão da rainha das amazonas, mulheres conhecidas por sua bravura. Mas não poderia obtê-lo pela força: precisaria ganhá-lo conquistando o coração da guerreira. Esse trabalho fala sobre a importância de construirmos laços afetivos duradouros. Ensina que a arte de conquistar uma pessoa não se faz pela força nem criando ilusões e falsas aparências, mas pelo respeito ao outro e pela coragem de mostrar quem verdadeiramente somos.”
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
9º TRABALHO DE HÉRCULES: O CINTURÃO DE HIPÓLITA
A coragem de ser autêntico
MITOLOGIA
Este trabalho leva Hércules até às praias onde vivia a grande rainha, que reinava sobre todas as mulheres do mundo conhecido. Elas eram suas vassalas e guerreiras ousadas. Nesse reino não havia homens, só as mulheres reunidas em torno da sua rainha, Hipólita.
A ela pertencia o cinturão que lhe fora dado por Vênus, a rainha do Amor. Aquele cinturão era um símbolo da unidade conquistada através da luta, do conflito, da aspiração, da maternidade e da sagrada Criança para quem toda a vida humana está verdadeiramente voltada.
“Ouvi dizer”, disse Hipólita às guerreiras, “que está a caminho um guerreiro cujo nome é Hércules, um filho do homem e no entanto um filho de Deus; a ele eu devo entregar este cinturão que eu uso. Deverei obedecer a ordem, oh Amazonas, ou deveremos combater a palavra de Deus?” Enquanto as Amazonas refletiam sobre o problema, foi passada uma informação, dizendo que ele se havia adiantado e estava lá, esperando para tomar o sagrado cinturão da rainha guerreira.
Hipólita dirigiu-se ao encontro de Hércules. Ele lutou com ela, combateu-a, e não ouviu as palavras sensatas que ela procurava dizer. Arrancou-lhe o cinturão, somente para deparar-se com as mãos dela estendidas e lhe oferecendo a dádiva, oferecendo o símbolo da unidade e amor, de sacrifício e fé.
Entretanto, tomando-o, ele, matou quem lhe dera o que ele exigira. E enquanto estava ao lado da rainha agonizante, consternado pelo que fizera, ele ouviu a voz do mestre que dizia: “Meu filho, por que matar aquilo que é necessário, próximo e caro? Por que matar a quem você ama, a doadora das boas dádivas, guardiã do que é possível? Por que matar a mãe da Criança sagrada?
Novamente registramos um fracasso. Novamente você não compreendeu. Ou redimirá este momento, ou não mais verá a minha face.”
Hércules partiu em silêncio deixando as mulheres lamentando a perda da liderança e do amor. Quando ele chegou às costas do grande mar, perto da praia rochosa, ele viu um monstro das profundezas trazendo presa em suas mandíbulas a pobre Hesione. Os seus gritos e suspiros elevavam-se aos céus e feriram os ouvidos de Hércules, perdido em remorsos e sem saber que caminho seguir. Dirigiu-se prontamente em sua ajuda quando ela desapareceu nas cavernosas entranhas da serpente marinha.
Esquecendo-se de si mesmo, Hércules nadou até o monstro e desceu até o fundo do seu estômago onde encontrou Hesione. Com a sua mão esquerda ele agarrou-a e segurou-a junto a si, enquanto com a sua espada se esforçou para abrir caminho para fora do ventre da serpente até a luz do dia. E assim ele salvou-a, equilibrando seu feito anterior de morte.
Pois assim é a vida: um ato de morte, um ato de vida, e assim os filhos dos homens, que são filhos de Deus, aprendem a sabedoria, o equilíbrio e o caminho para andar com Deus.
SIMBOLOGIA
Este trabalho está associado à Virgem, signo onde a consciência de Cristo é concebida e nutrida através do período de gestação até que por fim em Peixes, o signo oposto, o salvador mundial nasce.
Note-se que nos dois Trabalhos onde Hércules vence, na verdade, são os dois onde ele se saiu mal justamente com os seus opostos, femininos (as éguas bravias e a rainha das Amazonas).
Assim a guerra entre os sexos é de origem antiga, na verdade, está inerente na dualidade da humanidade. O Leão é o rei dos animais. Nele alcançamos a personalidade integrada; mas em Virgem é dado o primeiro passo para a espiritualidade, a alma é chamada de filho da mente, e Virgem é regida por Mercúrio, que leva a energia da mente.
É em virgem que, o mau uso da matéria representa o maior erro de toda a peregrinação de Hércules: atentar contra o Espírito Santo; quando ele não compreendeu que a rainha das Amazonas devia ser redimida pela unidade, e não morta, e foi aí que ele sentiu a dor do signo de Peixes, diante do sofrimento humano provocado pela violência e pela agressividade, criada muitas vezes pela falta de diálogo ou até mesmo de compreensão.
O cinto é o símbolo da união e do amor, e ele mata quem lho quisera entregar por amor a Deus. Aqui o herói é abatido pela depressão e pena que sente de si mesmo, característica de Peixes.
Ao salvar Hesione da boca do monstro, Hércules compreende que tudo o que se faz, se reflete no universo eternamente, e que para que o ser pare de sofrer, deve compreender que a dor é uma forma de redenção e aprendizagem que nos conduz ao crescimento. Que a aceitação da imperfeição do mundo é um caminho para atingir a perfeição.
Enquanto nos martirizamos com a culpa do mal feito, não assumimos a responsabilidade dos erros, mas quando aceitamos esta responsabilidade, transformamos esta dor em atitude, fazemos o bem e libertamo-nos das amarras do sofrimento. É neste momento e com esta tomada de consciência que passamos do trabalho ao serviço à humanidade.
CAMINHO DE INICIAÇÃO
Na Mitologia Esotérica, o Nono Trabalho de Hércules corresponde à conquista do Cinto de Ouro de Hipólita – a Rainha das Amazonas – viva alegoria do aspecto psíquico feminino oculto e mais delicado de nossa íntima natureza.
Durante este trabalho, o Iniciado é atacado naquilo que ele tem de mais fraco: o sexo. As Amazonas, suscitadas por Hera (um dos aspectos de nossa Mãe Divina), assediam com seus encantos femininos o caminhante que adentra seus domínios; usam de todas as artimanhas da sedução para infligir fatal derrota ao nobre e valente guerreiro que está prestes a conquistar sua rainha com seu precioso cinto, uma vez que o cinto sem a rainha não possui nenhuma beleza…
Mas infeliz do Hércules que se deixa cair ou seduzir por essas beldades dotadas de beleza enfeitiçadora. Apoderar-se do Cinto de Hipólita consiste, justamente, em não se deixar seduzir ou cair sob o hipnotismo de tais provocações sexuais femininas; significa dominar totalmente os sentidos, a mente e as sensações físicas e psíquicas. O Hércules que tem total domínio sobre si acaba conquistando a Rainha das Amazonas, não pela força, mas pelo amor, pelo respeito e pela veneração ao Feminino Cósmico.
Netuno é o Senhor da Magia. Portanto, torna-se evidente que o inferno de Netuno é habitado pelos magos negros mais terríveis e pela magas tenebrosas de beleza fatal e maligna.
Durante este Trabalho, o alegórico Castelo do tenebroso Klingsor, autêntico templo de magia negra, deve ser totalmente destruído. Quando o castelo cair em pedaços, o Iniciado, vencedor da terrível batalha contra si mesmo, ganha o direito de ingressar no Céu do Senhor Netuno, o Empíreo, a região dos Serafins, criaturas do amor e expressões diretas da Unidade Divina.
Compilação de conteúdos
“Hércules teve de enfrentar quatro éguas que se alimentavam de náufragos estrangeiros. Como no trabalho anterior, esse é mais um passo para o herói se aperfeiçoar na arte de amar. Essa é uma iniciação: aprender a entregar o coração com sinceridade, não se deixar levar pela tentação, movido apenas pela atração física.”
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
8º TRABALHO DE HÉRCULES: AS ÉGUAS ANTROPOFÁGICAS DE DIOMEDES
O controle da mente e a arte de amar
MITOLOGIA
Diomedes, filho de Marte, governava uma terra de pântanos onde criava os cavalos e as éguas para a guerra. Os cavalos eram selvagens e as éguas eram ferozes, diante dos quais os homens tremiam, pois elas matavam todos os que cruzassem seu caminho e procriavam sem cessar cavalos extremamente selvagens e perversos.
Hércules recebeu a tarefa de capturar as malignas éguas e dar um fim às suas atrocidades. Por isso, Hércules chamou seu inseparável amigo, Abderis.
Após planear seus actos cuidadosamente, os dois seguiram os cavalos soltos pelos pântanos da região e, finalmente, encurralaram as éguas bravias num campo onde não havia espaço para que se movessem. Lá ele agarrou-as e acorrentou-as e deu gritos de alegria pelo sucesso alcançado.
Tão feliz se sentia que julgou indigno de si conduzir as éguas até Diodemes e para isso chamou Abderis, deu-lhe a tarefa e seguiu adiante. Mas Abderis era fraco e teve medo. Não conseguiu conter as éguas que se voltaram contra ele e mataram-no, fugindo em seguida.
Hércules retornou à sua tarefa, mais sábio, presa da dor, humilde e abatido. Procurou os cavalos por toda a parte, deixando o amigo morto no chão. Prendeu novamente os cavalos e conduziu-os ele mesmo. Mas Abderis estava morto. Os cavalos foram conduzidos para um lugar de paz para serem domesticados e adestrados e o povo aclamava Hércules como seu libertador e salvador de sua terra. Mas seu amigo estava morto e Hércules sabia que o Trabalho estava feito, mas mal feito.
Sabia que havia uma importante lição a aprender dessa tarefa antes de prosseguir.
SIMBOLOGIA
Este Trabalho está associado ao signo de Áries. Áries governa a cabeça, portanto é um signo mental. Todos os começos se originam no plano mental e na mente do criador. Consequentemente, está claro que em Áries começam a correta direção e a correta orientação de Hércules.
O alvo simboliza a atividade intelectual: o cavalo branco representa a mente iluminada do homem espiritual e cavalos negros, representam a mente inferior com as suas ideias falsas e errôneos conceitos humanos.
O significado desta prova está agora muito mais evidente. Hércules tinha que começar no mundo do pensamento para obter o controle mental. As éguas do pensamento vinham produzindo cavalos guerreiros e, através do pensamento errado, da palavra errada e de ideias errôneas, devastavam os campos.
Uma das primeiras lições que todo o principiante tem que aprender é o tremendo poder que ele exerce mentalmente, e a extensão do mal que ele pode causar no meio que o circunda, através das “éguas reprodutoras da mente”. Por isso ele tem que aprender o correto uso da sua mente e a primeira coisa a fazer é capturar as éguas e providenciar para que não gerem mais cavalos guerreiros.
Para aquele que pretende seguir o Caminho, basta que dedique um único dia a observar o pensamento e perceberá que quase todo o tempo, a maldade, o amor, a fofoca e a crítica estão a ser fertilizadas pelo egoísmo e ilusão.
Hércules compreendeu o mal que as éguas estavam causando e correu em socorro das pessoas, determinado a capturá-las; porém ele superestimou-se quando não percebeu a potência e a força que elas possuíam, tanto que as entregou a Abderis, o símbolo do eu inferior pessoal.
Hércules, a alma, e Abderis, a personalidade, juntos eram necessários para guardar as éguas. Sozinho, Abderis não tinha força suficiente e por isso foi morto.
Abderis, incapaz de contrariar quem ama, tal como no signo da Balança, não teve coragem de enfrentar o seu amigo, mostrando o seu medo, temendo perder o seu Amor.
Com a morte de Abderis, e a necessidade de tratar do seu corpo, após o cumprimento da sua tarefa (apanhar as éguas), Hércules defronta-se com o seu orgulho e vaidade e com a aprendizagem dos limites entre o eu e o outro. Enquanto na Libra, o respeito por si próprio ao assumir que não seria capaz de tal tarefa, espelha-se no Áries, destemido, que na sua ânsia e coragem de guerreiro, nem compreende a incapacidade do outro.
Assim funciona a grande lei: pagamos em nossas próprias naturezas o preço das palavras incorretamente proferidas e pelas ações mal julgadas. Assim, uma vez mais, a alma da pessoa de Hércules teve que lidar com o problema do pensamento errôneo, e somente mais tarde ele consegue realmente atingir o controlo total dos processos de pensamento e de sua natureza.
CAMINHO DE INICIAÇÃO
Capturar as Éguas Antropófagas de Diomedes, foi o próximo Trabalho de Hércules. As Éguas de Diomedes (um rei cruel da Trácia) devem ser eliminadas dos infernos do planeta Saturno para que a Consciência, liberada desses átomos, possa subir ao Céu desse planeta, morada dos Tronos. O céu de Saturno é o Para-Nirvana.
O Trabalho nos Infernos de Saturno é penoso. Basta dizer que na Mitologia as Éguas do Rei Diomedes eram alimentadas com carne humana. Essas éguas representam novos elementos infra-humanos de natureza passional; evidentemente, são simbólicos animais que vivem junto às águas espermáticas (sexo) sempre dispostas a devorar os fracassados (os que deixam cair no sexo).
Prender as éguas (cavalos) é a tarefa principal, porém, existem muitos outros trabalhos a serem realizados nos infernos de Saturno. “Hércules limpou a terra e os mares de toda a classe de mostruosidades, que não de monstros, vencendo o mago negro Briarco, o dos cem braços, num dos célebres trabalhos de magia negra atlante que havia se apoderado de toda a Terra”, diz um texto histórico antigo.
Portanto, todo classe de tentações e guerras são travados pelo Iniciado contra as hostes tenebrosas que vivem nos infernos do planeta Saturno. São ataques de bruxaria e de magia negra; são tentações sexuais sublimes e bestiais; são seduções maravilhosas e
perigosas.
Saturno é o Senhor da Verdade e da Justiça. Nenhum Adepto poderá ingressar no Céu de Saturno sem haver sido declarado totalmente “morto” (em si mesmo) no Palácio da Verdade e da Justiça (o Tribunal do Karma, regido por Saturno ou Deus Kronos).
Quando uma pessoa, um Iniciado, morre em si mesmo, se converte em criança inocente. Os Deuses, por mais poderosos que sejam, são crianças; possuem mente infantil, inocente, porém com a experiência das Idades…
Compilação de conteúdos
“Nesse trabalho, Hércules domou o furioso touro de Creta, ao qual eram oferecidos jovens em sacrifício. Essa tarefa chama a atenção para o controle dos instintos, especialmente da sexualidade. Hércules precisava manter o animal vivo: tinha que domar e governar seu instinto, mas não matá-lo. Em um mundo com tantos apelos eróticos e sensuais, esse é um desafio para todos, em especial para os jovens.”
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
7º TRABALHO DE HÉRCULES: A CAPTURA DO TOURO DE CRETA
Domar e governar seu instinto
MITOLOGIA
No horizonte erguia-se a ilha onde vivia o touro que ele deveria capturar. O touro era guardado por um labirinto que desnorteava os homens mais audazes: o labirinto de Minos, Rei de Creta, guardião do touro.
Cruzando o oceano até à ilha ensolarada, Hércules iniciou a sua tarefa de procurar o touro e conduzi-lo ao lugar sagrado onde habitam os homens de um só olho, os Ciclopes.
De um lugar para o outro ele caçava o touro, seguindo a luz que brilhava na testa do animal. Sozinho ele perseguiu-o, encurralou, capturou e montou, e assim guiado pela luz, atravessou o oceano rumo à terra dos Ciclopes que eram três e chamavam-se Brontes, Esterope e Arges.
É importante observar que Minos, Rei de Creta, o dono do touro sagrado, possuía também o labirinto no qual o Minotauro vivia, e o labirinto tem sido sempre símbolo da grande ilusão. A palavra “labirinto e o touro é um destacado símbolo da grande ilusão. Estava separada do continente, e ilusão e confusão são características do eu-separado, mas não da alma em seu próprio plano, onde as realidades grupais e as verdades universais constituem o seu reino.
Para Hércules, o touro representava o desejo animal, e os muitos aspectos do desejo no mundo da forma, a totalidade dos quais constitui a grande ilusão.
O discípulo, tal como Hércules, é uma unidade separada; separada do continente, símbolo do grupo, pelo mundo da ilusão e pelo labirinto em que vive. O touro do desejo tem que ser capturado, domado e perseguido de um ponto a outra da vida do eu-separado, até ao momento em que o aspirante possa fazer o que Hércules conseguiu: montar o touro.
Montar um animal significa controlar. O Touro não é sacrificado, ele é montado e dirigido, sob o domínio do homem.
SIMBOLOGIA
Este trabalho está associado ao signo de Touro e a Escorpião. A consumação do trabalho é realizada em Touro, e o resultado da influência deste signo, é a glorificação da matéria
e a subsequente iluminação por seu intermédio.
Tudo o que atualmente impede a glória, que é a alma, e o esplendor que emana de Deus dentro da forma, de brilhar em sua plenitude, é a matéria ou aspecto-forma. Quando esta tiver sido consagrada, purificada e espiritualizada, então a glória e a luz poderão realmente brilhar através dela.
Neste trabalho procura-se vencer o desejo, representado pelo dono da ilha, que tem por alimento a fraqueza daqueles que se perdem, na tentativa de capturar o Touro ou o corpo e que são comandados pelo ego.
Aqui o trabalho de resgate do submundo (Escorpião), representa as pessoas que no passado ficaram ligadas ao desejo e que não trabalharam a forma mas sim a sedução, que não materializaram e se apropriaram das vontades daqueles igualmente dominados pelo ego e e pelo desejo. Ao trazer este desejo à consciência e dominá-lo é ter o poder de vencer os vícios e as forças negativas. pelo desejo. Ao trazer este desejo à consciência e dominá-lo é ter o poder de vencer os vícios e as forças negativas.
CAMINHO DE INICIAÇÃO
Capturar e domar o Touro de Creta foi o próximo Trabalho confiado à Hércules, protótipo do Homem Solar. O Touro representa os mais profundos impulsos sexuais, passionais, os quais devem ser contidos ou conduzidos de forma produtiva. Hércules pôs-se à frente do animal, segurou-o pelos chifres com muito esforço e, após dominá-lo, montou em seu dorso.
Prender o terrível animal das paixões mais arraigadas da mente humana é uma tarefa gigantesca. Em contrapartida, o Céu de Júpiter é o Nirvana Superior, a morada dos Elohim, as Dominações do esoterismo cristão.
Na Primeira Montanha, o Iniciado deve eliminar da face visível de sua Lua psicológica os elementos ateístas e materialistas. Para isso, desce ao correspondente círculo infernal atômico jupiteriano, onde Dante encontrou os blasfemos, os que odeiam a Deus, os hereges, os tiranos, os legisladores, os maus governantes, os líderes perversos, os maus servidores e todos aqueles que abusaram do poder.
Na Segunda Montanha, o Iniciado precisa descer aos infernos do planeta Júpiter e se defrontar com o terrível e descomunal Touro de Creta antes de poder subir ao correspondente Mundo Celeste, onde vivem os Elohim ou as Dominações, os Hermafroditas Divinos, o Adam-Kadmon, o Primeiro Júpiter.
Compilação de conteúdos
“Para derrotar aves antropófagas que tinham penas de bronze e as lançavam como flechas, Hércules atordoou-as com o som ensurdecedor de um címbalo. O teste de Hércules é igual ao de qualquer um de nós: conseguir reconhecer e usar a intuição. Os pássaros simbolizam a falta de lucidez e o som é nossa voz interior. O trabalho em excesso, a pressa e o estresse são pássaros que nos atordoam. O antídoto para essa situação é nos aquietarmos para ouvir o que verdadeiramente queremos fazer.”
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
6º TRABALHO DE HÉRCULES: A MORTE DAS AVES DO LAGO ESTÍNFALE
Recuperar a lucidez – Reconhecer e usar a intuição
MITOLOGIA
Era tempo de mudar o seu caminho. Desta vez Hércules teria que procurar no pântano de Estínfalo, lugar de habitação dos pássaros destruidores e descobrir a forma de os espantar desta sua morada.
O mestre disse-lhe “A chama que brilha além da mente revela a direção certa”. Após longa procura, conseguiu encontrar o fétido pantanal e os barulhentos ameaçadores pássaros.
Cada pássaro tinha um bico de ferro, afiado como uma espada. As penas pareciam dardos de aço que ao caírem poderiam cortar ao meio a cabeça de quem por ali passasse. As suas garras eram igualmente ferozes.
Ao verem-no três pássaros se lhe dirigiram ao que ele ripostou com a sua clava, fazendo cair no chão duas penas. Parado à beira do pântano pensava em como livrar-se dos terríveis pássaros. Pensou em setas, em armadilhas no pântano e lembrou-se então do conselho que recebera “A chama que brilha além da mente revela a direção certa” e refletindo longamente lembrou-se de dois pratos de bronze que possuía e que emitiam um som estridente, não terreno; um som áspero e penetrante capaz de acordar os mortos. Até para si próprio o som se torna intolerável.
Aguardando pela noite, em que os pássaros estariam todos pousados, tocou os pratos aguda e repetidamente. Assustados e perturbados por ruído tão monstruoso, os pássaros levantaram voo guinchando e, fugindo para nunca mais voltar.
SIMBOLOGIA
Este trabalho está associado a Sagitário e Gêmeos. O ruído dos pássaros é associado ao excesso de comunicação e expressão do signo de gêmeos, e que os pássaros utilizam para devastar a região. Em Sagitário, o arqueiro, bem como em Escorpião, Hércules assumiu e completou o trabalho iniciado em Áries. Em Áries, ele lidava com o pensamento, enquanto em Sagitário, ele já demonstra completo controle do pensamento e da palavra. No momento em que nos libertamos da ilusão, entramos em Sagitário e vemos o objetivo. Nós nunca o víramos antes, porque o-entre-nós-e-o-objetivo, encontram-se sempre os pensamentos-forma que nos impedem de vê-lo, ou seja, não conseguimos ver as nossas metas.
Sagitário é o signo preparatório para Capricórnio, e por vezes chamado de “o signo do silêncio”, porque esta é a lição de Sagitário: restrição da fala através do controle do pensamento porque depois de abandonar o uso das formas comuns da fala, tais como falar da vida alheia, então será preciso aprender a silenciar sobre a vida da alma. O reto uso do pensamento, o calar-se e a consequente inofensividade do plano físico, resultam na libertação; pois nós somos conservados na unidade humana não por alguma força externa que nos mantenha ali, mas pelo que nós mesmos temos dito e feito. No momento em que não mantivermos mais relações erradas com as pessoas pelas coisas que dissermos quando deveríamos ter ficado calados, no momento em que paramos de pensar sobre as pessoas, coisas que não deveríamos pensar, pouco a pouco aqueles laços que nos prendem à existência planetária são rompidos, ficamos livres e escalamos a Montanha como o bode em Capricórnio. Em Sagitário, o primeiro dos grandes signos universais, vemos a verdade como o todo quando usamos as flechas do pensamento correto. Todas as várias verdades formam uma verdade; é disso que nos damos conta em Sagitário.
CAMINHO DE INICIAÇÃO
Esta Esfera Celeste corresponde ao Mundo de Atman, o Mundo do Espírito Puro, a morada das Virtudes, Hércules foi a caça e à morte das aves que viviam no Lago de Estínfale. Essas aves possuíam poderosos bicos de aço e penas de bronze e se alimentavam dos frutos da terra. Eram tão numerosas que ao voarem juntas, encobriam o Sol.
Este Trabalho está relacionado ao Senhor da Magia Prática. Essas aves são as mesmas harpias mencionadas por Virgílio. De um modo geral, as harpias são bruxas, “jinas negros”.
Na Primeira Montanha, o Iniciado precisa descer à Esfera de Marte, onde imperam os eus da violência, do ódio, da guerra, da luta, das armas, das brigas, das iras, vinganças, rancores e etc… Nessas esferas, os brigam entre si, um querendo matar o outro e uns odiando os outros.
Na Segunda Montanha é preciso descer aos Infernos do planeta Marte para ali aniquilar os elementos psicológicos relacionados à magia negra, à feitiçaria, à bruxaria. Ainda que muitos atualmente não se lembrem de nada, ainda que muitos não dêem a menor importância aos assuntos de magia e bruxaria, ainda que muitos se julguem “santos e piedosos”, dentro de si levam muitos átomos negros ligados à bruxaria e às artes tenebrosas.
Livrar-se dessa carga é preciso quando se quer subir ao Céu de Marte, a morada de Atman, o Mundo das Virtudes, um mundo que está além da mente e dos afetos. No Mundo de Atman, a percepção das coisas é total, perfeita, íntegra e objetiva, porque ali reinam as matemáticas e os conceitos exatos.
Compilação de conteúdos
“Hércules se ofereceu para limpar em um só dia os currais imundos de um rei que possuía um rebanho numeroso – Augias, filho de Poseidom. Eles continham três mil bois e que há trinta anos não eram limpos. Estavam tão fedorentos que exalavam um gás mortal. Desviando dois rios para os estábulos, Hércules cumpriu a promessa, que parecia impossível. Nossa sujeira acumulada é composta por raiva, angústia e emoções negativas. Para fazer uma limpeza interior, devemos observar diariamente e com honestidade a qualidade de nossas reações e emoções.”
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
5º TRABALHO DE HÉRCULES: OS ESTÁBULOS DE ÁUGIAS
O serviço de limpeza e purificação
MITOLOGIA
O Mestre chamou Hércules e disse: “Por muito tempo perseguiste a luz que tremeluzia, primeiro de maneira incerta, depois aumentando até tornar-se um firme farol, e agora brilha para ti como um sol brilhante. Agora volta tuas costas para o brilho, inverte os teus passos; volta para aqueles para quem a luz é apenas um ponto de transição e ajuda-os a fazê-la crescer. Dirige teus passos para Augias, cujo reino deve ser limpo do antigo mal.”
E Hércules saiu à procura de Augias, o rei. Quando ele se aproximou do reino onde Augias governava, um terrível mau cheiro fê-lo quase desmaiar. Durante anos, ele ficou sabendo, o Rei Augias jamais fizera limpar o excremento que o seu gado deixava nos estábulos reais. Então os pastos estavam tão adubados que nenhuma colheita crescia. Em consequência, a pestilência varria o país, devastando vidas humanas.
Hércules dirigiu-se para o palácio e procurou pelo próprio Augias. Informado de que Hércules vinha limpar os fétidos estábulos, Augias confessou a sua dúvida e descrença dizendo: “Dizeis que farás esta imensa tarefa sem recompensa? Não confio naqueles que anunciam tais bazófias. Hás-de ter algum plano astucioso que arquitetaste, oh Hércules, para me roubar o trono. Jamais ouvi de homens que procuram servir ao mundo sem recompensa. Nunca ouvi.
A esta altura, contudo, eu de bom grado acolheria qualquer tolo que procurasse ajudar. Mas deve ser feito um trato, para que não zombem de mim como sendo um rei bobo. Se tu, em um único dia, fizeres o que prometeste, um décimo de todo o meu rebanho será teu; mas se fracassares, tua vida e teus bens estarão em minhas mãos. Não penso que possas cumprir tuas bazófias, mas podes tentar”
Hércules então deixou o rei. Ele vagou pela pestilenta área, e viu uma carroça passar empilhada com cadáveres, as vítimas da pestilência. Dois rios, ele observou, o Alfeu e o Peneu, fluíam mansamente pela vizinhança. Sentado à beira de um deles, a resposta a este problema veio-lhe à mente como um relâmpago. Com determinação e força ele trabalhou. Com enorme esforço ele conseguiu desviar ambas as correntes dos cursos seguidos por séculos. Ele fez com que o Alfeu e o Peneu derivassem as suas águas através dos estábulos e aceleradas limparam a imundície por tanto tempo acumulada. O reino foi limpo de toda a sua fétida treva. Num único dia foi cumprida a tarefa impossível.
Quando Hércules, bastante satisfeito com o resultado, voltou a Augias, este último franziu a testa e disse: “Conseguiste êxito com um truque”, berrou de raiva o Rei Augias. “Os rios fizeram o trabalho, não tu. Foi uma manobra para me tirar meu gado, uma conspiração contra o meu trono. Não terás uma recompensa. Vais, sai daqui ou mandarei decapitar a tua cabeça!”
O enraivecido rei assim baniu Hércules, e proibiu-o de voltar ao seu reino, sob pena de morte imediata. Hércules cumpriu a tarefa que lhe fora dada e voltou ao Mestre, que disse: “Tu tornaste-te um servidor mundial. Avançaste ao recuares; vieste à Casa da Luz por um outro caminho, gastaste a tua luz para que a luz dos outros pudesse brilhar. A jóia que o Trabalho dá é tua para sempre”.
SIMBOLOGIA
Em Augias, o trabalho é feito pelo eixo Aquário/Leão, em que com a sua lâmpada acesa (Leão) através do serviço altruísta e alinhamento com os níveis superiores de consciência (Aquario), que Hércules deve levar a luz aos outros, pois é a partir do momento em que a luz se acende na consciência que o Homem deixa de ter possibilidade de voltar às trevas do mundo.
É aqui que Hércules deixa de prestar atenção a si mesmo (Aquário), indo ao encontro dos que ainda não acenderam a sua própria luz.
Quando Hércules se dirige ao reino de Áugias, simbolizado pelo Leão e a propriedade, o domínio, o poder e a arrogância demonstrado pelo Rei, sente o cheiro, acumulado de tempos imemoriais, desse mesmo preconceito. Sem se sentir intimidado por estar a prestar um serviço à humanidade apesar do desprezo do rei e o seu descrédito naqueles que prestam serviço desinteressado, Hércules levou a cabo a sua tarefa e acaba por se retirar em silêncio após as palavras de medo de perda de poder do próprio rei.
Mas Hércules já sabe que as únicas contas a prestar são a Deus. E que usando a sua intuição e a sua própria luz (Leão em equilíbrio), trazendo luz àqueles que não a viam, são um presente de Aquário para as forças retrógradas e provisórias que representa este rei no seu reino.
Hércules sendo o iniciado, deveria fazer três coisas, que podem ser resumidas como as características principais de todos os verdadeiros iniciados. Se não estiverem presentes em alguma medida, o homem não é um iniciado.
A primeira é o serviço impessoal, que não é o serviço que prestamos porque nos dizem que o serviço é um caminho de libertação, mas o serviço prestado porque a nossa já não é mais centrada em nós mesmos. Não estamos mais interessados em nós mesmos e sim na nossa consciência, que sendo universal nada há a fazer, senão assimilar os problemas dos nossos semelhantes e ajudá-los. Para o verdadeiro iniciado, isso não representa esforço.
A segunda é o trabalho grupal que é permanecer sozinho espiritualmente na manipulação dos assuntos pessoais, esquecendo completamente de si mesmo no bem-estar do particular segmento da humanidade ao qual está associado.
A terceira é o auto-sacrifício que significa tornar o ego sagrado. Isto lida com o ego do grupo e o ego do individuo; esse é o trabalho do iniciado.
CAMINHO DE INICIAÇÃO
Todo Adepto que anela conquistar a morada das Potesdades, o Mundo Institucional, terá que limpar seus estábulos interiores, descendo aos infernos do Sol. Nesses estábulos (nosso subconsciente) vivem recolhidos os rebanhos (animais que personificam os milhares de egos de nossa mente) do Rei da Élida; dentre deles, os doze touros (karma zodiacal) que haviam acumulado ali enorme volume de sujeira.
Nos relatos mitológicos, Hércules cumpriu essa tarefa desviando o curso das águas de um rio, que fluía nas proximidades, para dentro dos estábulos (desviou o fluxo das energias sexuais), e com isso logrou cumprir tal tarefa que parecia impossível, devido ao curto tempo que lhe haviam dado para fazer tal limpeza. N alquimia sexual temos a ciência que ensina a desviar a corrente da energia sexual e também para acelerar o trabalho.
Aqueles que se esquecem de sua Divina Mãe não passam nessa prova. Todo o fluxo de amor deve ser entregue a Ela. Na prática, vemos as pessoas apaixonadas e enamoradas pelas coisas materiais, atraídas por aparências, enfeitiçadas pelos caprichos do amor mundano e das relações entre homens e mulheres. Nem remotamente as pessoas se lembram da divindade durante o diário viver. Infeliz daquele que não compreender os Mistérios do Eterno Feminino de Deus… jamais logrará alcançar a Região onde moram os Principados.
Compilação de conteúdos
Foram necessários dois anos para Hércules capturar um javali feroz que devastava tudo por
onde passava. Esse trabalho está relacionado ao aprendizado da vida em sociedade. “O javali
é um monstro sem fronteiras que não respeita limites, é o símbolo vivo de todas as baixas
paixões animais, a luxúria mais grosseira e devassa. Cada um de nós tem dentro de si essa
fera, que é preciso dominar, aprendendo a reconhecer nosso espaço e o das outras pessoas. É
um teste para vencer o egoísmo e a equilibrar os impulsos”.
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
4º TRABALHO DE HÉRCULES: O JAVALI DE ERIMANTO
Reconhecer os limites e domínio dos impulsos
MITOLOGIA
Hércules é incumbido de capturar o Javali de Erimanto, sem contudo saber que este trabalho
era na verdade uma dupla prova: a prova da amizade rara e da coragem destemida. Foi-lhe
recomendado que procurasse pelo javali e Apolo que lhe deu um arco novo para usar, porém
Hércules disse que não o levaria consigo, porque temia matar. Ele disse:
“Eu não o levarei comigo neste trabalho, pois temo matar. Deixo aqui o arco.”
E assim desarmado, a não ser por sua clava, ele escalou a montanha, procurando pelo javali e
encontrando um espetáculo de medo e terror por toda a parte. Mais e mais ele subia e em
determinada altura encontrou um amigo, Pholos, que fazia parte de um grupo de centauros,
conhecidos dos deuses.
Eles pararam e conversaram e por algum tempo Hércules esqueceu-se do objetivo da sua
busca. E Pholos convidou Hércules para furar um barril de vinho, que não era dele mas do
grupo de centauros e que viera dos deuses, juntamente com a ordem de que eles jamais
deveriam furar o barril, a não ser quando todos os centauros estivessem presentes, já que ele
pertencia ao grupo. Mas Hércules e Pholos abriram-no na ausência dos seus irmãos,
convidando Cherion, um outro sábio centauro, para se juntar a eles. Assim ele fez, e os três
beberam e festejaram e se embebedaram-se e fizeram muito ruído que foi ouvido pelos
outros centauros.
Enraivecidos eles vieram e seguiu-se uma feroz batalha e uma vez mais Hércules fez-se
mensageiro da morte e matou os seus amigos, a dupla de centauros com quem ele antes
tinha bebido.
E, enquanto os demais centauros com altos lamentos choravam as suas perdas, Hércules
escapou novamente para as altas montanhas e reiniciou a sua busca pelo javali. Até aos
limites das neves ele avançou, seguindo a pista do animal, mas não o encontrava. Depois de
muito pensar, Hércules colocou uma armadilha habilidosamente oculta e esperou nas
sombras pela chegada do javali.
Quando a aurora surgiu, o javali saiu da sua toca levado por uma fome atroz e caiu na
armadilha de Hércules que, no tempo devido, libertou a fera selvagem, tornando-a prisioneira
da sua habilidade. Ele lutou com o javali e domesticou-o, e fê-lo fazer o que lhe determinava
e seguir para onde Hércules desejava.
Do pico nevado da alta montanha Hércules desceu, regozijando-se no caminho, levando
adiante de si, montanha abaixo, o feroz, contudo domesticado javali. Pelas duas pernas
traseiras ele conduziu o javali, e todos na montanha se riam ao ver o espectáculo. E todos os
que encontrava Hércules, cantando e dançando pelo caminho, também riam ao ver a sua
caminhada. E todos na cidade riram ao ver o espectáculo: o exausto javali e o homem
cantando e rindo.
Quando reencontrou seu Mestre, este lhe disse: “O Trabalho foi completado. Medita sobre as
lições do passado, reflecte sobre as provas. Por duas vezes mataste a quem amavas. Aprende
porquê.”
SIMBOLOGIA
Este trabalho está associado ao signo de Libra e Áries, onde a aprendizagem consiste na
capacidade de manter o equilíbrio perante as adversidades (Libra), sendo capaz de manter as
necessidades básicas atendidas (Áries).
Libra é o primeiro signo que não tem um símbolo humano ou animal, mas sustentando a
balança, está a figura da Justiça – uma mulher com os olhos vendados. Ele apresenta-se com
muitos paradoxos e extremos, dependendo de se o discípulo que se voltou conscientemente
para o caminho de volta ao Criador segue o zodíaco segundo os ponteiros do relógio, ou no
caminho inverso. Diz-se que é um interlúdio, comparável com a silenciosa escuta na
meditação; um tempo de cobranças do passado.
Neste ponto percebemos como o equilíbrio dos pares de opostos deve ser atingido. A
balança pode oscilar do preconceito até à injustiça ou julgamento; da dura estupidez à
sabedoria entusiástica. Neste majestoso signo de equilíbrio e justiça nós verificamos que a
prova termina numa explosão de riso, o único trabalho em que isso acontece.
Hércules conviveu, riu e cantou com os amigos, sendo que socializar é uma característica de
Libra, e em vez de seguir a recomendação, de abrir o barril para o grupo, abriu-o para
celebrar com um único centauro, procurando aqui um espelho, uma identificação com o
outro. E embora estivesse determinado a não matar, o seu impulso, primeiro, de Áries, foi
mais forte.
No entanto, Hércules conseguiu também entregar o javali ainda com vida e já domesticado,
demonstrando que era possível domesticar o animal, devido à sua dedicação e delicadeza no
trato, atributo natural de Libra.
CAMINHO DE INICIAÇÃO
O Caminho de Iniciação considera o 3º Trabalho – A Captura da Corça Cerínia e o 4º Trabalho
– O Javali de Erimanto como um só.
O céu de Vênus é a morada dos Principados. Esses vivem no Mundo Causal. O Iniciado que
anela entrar nessa oculta morada interior, antes deve descer aos infernos de Vênus, e ali, como
Hércules, capturar a Corça de Cerínia e o Negro Javali de Erimanto. Nesses dois símbolos
vemos claramente a delicadeza e a brutalidade, o refinado e o tosco, a bela e a fera.
O Javali, perverso como poucos, é o símbolo vivo de todas as baixas paixões animais, a luxúria
mais grosseira e devassa. Portanto, temos aí o contraste entre o denso e o sutil.
Mesmo após haver eliminado os defeitos do Mundo Astral Inferior e do Mundo Mental
Inferior (as duas primeiras façanhas de Hércules), as “causas” desses defeitos continuam
existindo. Essas causas são eliminadas durante os processos do terceiro e quarto Trabalhos de
Hércules: a captura da Corça Cerínia e do Javali de Erimanto.
Se todos os defeitos têm origem sexual (não importa se os defeitos são refinados ou toscos),
as maiores provas do Terceiro e Quarto Trabalhos consistem em resistir às tentações da carne,
cujo drama foi ricamente descrito pelo patriarca gnóstico Santo Agostinho: Imenso é o
número de delitos cujos gérmens causais devem ser eliminados nos infernos de Vênus.
Findo o Trabalho nos infernos do Mundo Causal, o Mundo de Tipheret, o Cristo Cósmico
penetra no coração do Iniciado e este, cheio de êxtase, exclama: “Deixai vir a mim as
criancinhas, porque delas é o Reino dos Céus…”
Compilação de conteúdos
“A missão de Hércules era capturar viva uma corça extremamente veloz, com chifres de ouro e cascos de bronze, que pertencia a Ártemis, deusa da caça. Orientado por Atena, o herói dominou o animal sagrado segurando-o pelos chifres. “Os chifres representam a iluminação, e os cascos de bronze, o mundo material. O aprendizado nesse trabalho é substituir os impulsos por qualidades mais nobres, como sabedoria, delicadeza e paciência.”
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
3º TRABALHO DE HÉRCULES: A CAPTURA DA CORÇA CERÍNIA
A paciência e o esforço na consecução da delicadeza e da sensibilidade sublime
MITOLOGIA
Hércules foi incumbido de capturar a corsa com galhada de ouro e pés de bronze. Olhando ao redor de si, viu que ao longe, erguia-se o Templo do Deus-Sol. No alto de uma colina próxima viu o esguio cervo, objecto de seu quarto trabalho.
Foi então que Ártemis, que tem a sua morada na lua, disse a Hércules, em tom de advertência: “A corça é minha, portanto não toque nela. Por longos anos eu a alimentei e cuidei dela. O cervo é meu e meu deve permanecer.”
Então, de um salto surgiu Diana, a caçadora dos céus, a filha do sol. Pés calçados de sandálias, em passos largos movendo-se em direção ao cervo, também ela reclamou a sua posse. “Não, Ártemis, belíssima donzela, não; o cervo é meu e meu deve permanecer”, disse ela, “Até hoje ele era jovem demais, mas agora ele pode ser útil. A corça de galhada de ouro é minha, e minha permanecerá.”
Hércules observava e ouvia a disputa e perguntava-se porque as donzelas lutavam pela posse da corça. Uma outra voz atingiu-lhe os ouvidos, uma voz de comando que dizia: “A corça não pertence a nenhuma das duas donzelas, oh Hércules, mas sim ao Deus cujo santuário podes ver sobre aquele monte distante. Salva-a, e leva-a para a segurança do santuário e deixa-a lá. Coisa simples de se fazer, oh filho do homem, contudo, e reflete bem sobre as minhas palavras; sendo tu um filho de Deus, deves ir à sua procura e agarrar a corça. Vai.”
De um salto Hércules lançou-se à caçada que o esperava. À distância, as donzelas em disputa tudo observavam. Ártemis, a bela, apoiada na lua e Diana, a bela caçadora dos bosques de Deus, seguiam os movimentos da corça e, quando surgia uma oportunidade, ambas iludiam Hércules, procurando anular os seus esforços. Ele perseguiu a corça de um ponto a outro e cada uma delas subtilmente o enganava. E assim o fizeram muitas e muitas vezes.
Durante um ano inteiro, o filho do homem que é um filho de Deus, seguiu a corça por toda a parte, captando rápidos vislumbre de sua forma, apenas para descobrir que ela desaparecer na segurança dos densos bosques.
Correndo de uma colina para outra, de bosque em bosque, Hércules a perseguiu até à margem de uma tranquila lagoa, estendida sobre a relva ainda não pisada, ele viu-a a dormir, exausta pela fuga. Com passos silenciosos, mão estendida e olhar firme, ele lançou uma flecha, ferindo-a no pé.
Reunindo toda a vontade que estava possuído, aproximou-se da corça, e ainda assim, ela não se moveu. Assim, ele foi até ela, tomou-a nos braços, e enlaçou-a junto ao seu coração, enquanto Ártemis e a bela Diana o observavam. “Terminou a busca”, bradou ele, “Para a escuridão do norte fui levado e não encontrei a corça. Lutei para abrir meu caminho através de cerradas, profundas matas, mas não encontrei a corça; e por lúgubres planícies e áridas regiões e selvagens desertos eu persegui a corça, e ainda assim não a encontrei. A cada ponto alcançado, as donzelas desviavam meus passos, porém eu persisti, e agora a corça é minha! A corça é minha!”
“Não, não é, oh Hércules”, disse a voz do Senhor, “A corça não pertence a um filho do homem, mesmo embora sendo um filho de Deus. Carrega a corça para aquele distante santuário onde habitam os filhos de Deus e deixa-a lá com eles.”
“Porque tem que ser assim, oh Senhor? A corça minha; minha, porque muito peregrinei à sua procura, e mais uma vez minha, porque a carrego junto ao coração.”
“E não és tu um filho de Deus, embora um filho do homem? E não é o santuário também a tua morda? E não compartilhas tu da vida de todos aqueles que lá habitam? Leva para o santuário de Deus a corça sagrada, e deixa-a lá, oh filho de Deus.”
Então, para o santuário sagrado de Micenas, levou Hércules a corça; carregou-a para o centro do lugar santo e lá a depositou. E ao deitá-la lá diante do Senhor, notou o ferimento em seu pé, a ferida causada pela flecha do arco que ele possuíra e usara. A corça era sua por direito de caça. A corça era sua por direito de habilidade e destreza do seu braço. “Portanto, a corça é duplamente minha”, disse ele.
Porém, Ártemis, que se encontrava no pátio externo do sagrado lugar ouviu seu brado de vitória e disse: “Não, não é. A corça é minha, e sempre foi minha. Eu vi a sua forma, refletida na água; eu ouvi seus passos pelos caminhos da terra; eu sei que a corça é minha, pois todas as formas são minhas.”
Do lugar sagrado, falou o Deus-Sol. “A corça é minha, não tua, oh Ártemis, não podes entrar aqui, mas sabes que eu digo a verdade. Diana, a bela caçadora do Senhor, pode entrar por um momento e contar-te o que vê.” A caçadora do Senhor entrou por um momento no santuário e viu a forma daquilo que fora a corça, jazendo diante do altar, parecendo morta. E com tristeza ela disse: “Mas se seu espírito permanece contigo, oh grande Apolo, nobre filho de Deus, então sabes que a corça está morta. A corça está morta pelo homem que é um filho do homem, embora seja um filho de Deus. Porque pode ele passar para dentro do santuário enquanto nós esperamos pela corça lá fora?”
“Porque ele carregou a corça em seus braços, junto ao coração, e a corça encontra repouso no lugar sagrado, e também o homem. Todos os homens são meus. A corça é igualmente minha; não vossa, nem do homem mas minha.”
Hércules diz então ao Mestre: “Cumpri a tarefa indicada. Foi simples, a ser pelo longo tempo gasto e o cansaço da busca. Não dei ouvidos àqueles que faziam exigências, nem vacilei no Caminho. A corça está no lugar sagrado, junto ao coração de Deus, da mesma forma que, na hora da necessidade, está também junto ao meu coração.”
“Vai olhar de novo, oh Hércules, meu filho”. E Hércules obedeceu. Ao longe se descortinavam os belos contornos da região e no horizonte distante erguia-se o templo do Senhor, o santuário do Deus-Sol. E numa colina próxima via-se uma esguia corça.
“Realizei a prova, oh Mestre? A corça está de volta sobre a colina, onde eu a vi anteriormente.”
E o mestre respondeu: “Muitas e muitas vezes precisam todos os filhos dos homens, que são os filhos de Deus, sair em busca da corça de cornos de ouro e carregá-la para o lugar sagrado; muitas e muitas vezes. O quarto trabalho está terminado, e devido à natureza da prova e devido à natureza da corça, a busca tem que ser frequente e não te esqueças disto: medita sobre a lição aprendida.”
SIMBOLOGIA
Essa corça, era uma das cinco que Artemis encontrou no monte Liceu. Quatro a deusa atrelou em seu carro e a quinta, a poderosa Hera conduziu para o monte Cerinia, com o fito de servir a seus intentos contra Hércules.
Consagrada à irmã gêmea de Apolo, esse animal, cujos pés eram de bronze e os cornos de ouro, trazia a marca do sagrado e, portanto, não podia ser morta. Mais pesada que um touro, se bem que rapidíssima, o herói, que deveria trazê-la viva a Euristeu, perseguiu-a durante um ano.
Já exausto, o animal buscou refúgio no monte Artemísion, mas, sem lhe dar tréguas, Hércules continuou na caçada.
Hércules seguiu a corça em direção ao norte, através da Ístria, chegando ao país dos Hiperbóreos, onde, na Ilha dos Bem-Aventurados, foi acolhido por Artemis.
A interpretação é uma antecipação da única tarefa realmente importante do herói, sua liberação interior. Sua estupenda vitória, após um ano de tenaz perseguição, apossando-se da corça de cornos de ouro e pés de bronze, tendo chegado ao norte e ao céu eternamente azul dos Hiperbóreos, configura a busca da sabedoria, tão dificil de se conseguir.
O simbolismo dos pés de bronze há que ser interpretado a partir do próprio metal. Enquanto sagrado, o bronze isola o animal do mundo profano, mas, enquanto pesado, o escraviza à terra.
Têm-se aí os dois aspectos fundamentais da interpretação: o diurno e o noturno dessa corça. Seu lado puro e virginal é bem acentuado, mas o peso do metal poderá pervertê-la, fazendo-a apegar-se a desejos grosseiros, que lhe impedem qualquer vôo mais alto.
A corça, como o cordeiro, simboliza uma qualidade do espírito, que se contrapõe à agressividade dominadora. Os pés de bronze, quando aplicados à sublimidade, configuram a força da alma.
A imagem traduz a paciência e o esforço na consecução da delicadeza e da sensibilidade sublime, especificando, igualmente, que essa mesma sensibilidade representada pela corça, embora se oponha à violência, possui um vigor capaz de preservá-la de toda e qualquer fraqueza espiritual.
CAMINHO DE INICIAÇÃO
O Caminho de Iniciação considera o 3º Trabalho – A Captura da Corça Cerínia e o 4º Trabalho – O Javali de Erimanto como um só.
O céu de Vênus é a morada dos Principados. Esses vivem no Mundo Causal. O Iniciado que anela entrar nessa oculta morada interior, antes dve descer aos infernos de Vênus, e ali, como Hércules, capturar a Corça de Cerínia e o Negro Javali de Erimanto. Nesses dois símbolos vemos claramente a delicadeza e a brutalidade, o refinado e o tosco, a bela e a fera.
O Javali, perverso como poucos, é o símbolo vivo de todas as baixas paixões animais, a luxúria mais grosseira e devassa. Portanto, temos aí o contraste entre o denso e o sutil.
Mesmo após haver eliminado os defeitos do Mundo Astral Inferior e do Mundo Mental Inferior (as duas primeiras façanhas de Hércules), as “causas” desses defeitos continuam existindo. Essas causas são eliminadas durante os processos do terceiro e quarto Trabalhos de Hércules: a captura da Corça Cerínia e do Javali de Erimanto.
Se todos os defeitos têm origem sexual (não importa se os defeitos são refinados ou toscos), as maiores provas do Terceiro e Quarto Trabalhos consistem em resistir às tentações da carne, cujo drama foi ricamente descrito pelo patriarca gnóstico Santo Agostinho: Imenso é o número de delitos cujos gérmens causais devem ser eliminados nos infernos de Vênus.
Findo o Trabalho nos infernos do Mundo Causal, o Mundo de Tipheret, o Cristo Cósmico penetra no coração do Iniciado e este, cheio de êxtase, exclama: “Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o Reino dos Céus…”
Compilação de conteúdos
“Descer ao Inferno é fácil: difícil é retornar depois” – O desafio de Hércules foi vencer um leão de pele invulnerável, que devastava rebanhos e devorava todos os que tentavam matá-lo. Aconselhado por Atena, deusa da sabedoria, a não usar a força, o herói estrangula a fera em sua caverna. Nesse teste, Hércules ensina que a luta pelo aperfeiçoamento começa dentro de nós. Os leões de hoje são a violência e a agressividade e o desafio é buscar a harmonia, procurando antes de mais nada nossos recursos internos.
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
1º TRABALHO DE HÉRCULES: A MORTE DO LEÃO DE NEMÉIA
O aperfeiçoamento começa dentro de nós
MITOLOGIA
Na cidade de Neméia vivia no fundo de uma caverna um leão terrível, concebido por Selene uma temida feiticeira. Querendo vingar-se dos habitantes da cidade que a haviam expulsado, fêz surgir esta terrível criatura. Cobrindo a pele do leão com uma poção mágica, a criatura se tornou indestrutível, sendo incapaz de ser transpassada por qualquer arma criada pelos homens. Quando saía da caverna, devorava os habitantes de Neméia. Assim padecia a cidade com a fúria de Selena.
No Olimpo vários heróis eram instruídos pelo centauro Quíron e dentre eles se destacava Hércules, um dos filhos de Zeus. Percebendo sua bravura, lealdade e dignidade apesar de seu orgulho, Zeus resolveu iniciar Hércules nos mistérios do Olimpo, escrevendo com letras de fogo em uma folha de ouro, as 12 tarefas.
O primeiro trabalho iniciático seria matar o Leão de Neméia. Indo em direção a Neméia, Hércules tentou entender o motivo desta tarefa tão simples. Ao encontrar a caverna, Hércules entrou decidido a matar a criatura com inúmeras armas. Ao se aproximar do fundo da caverna, ele percebeu o leão vindo lentamente em sua direção. O Leão era enorme e fixando o olhar em Hércules, com seus olhos brilhantes e enigmáticos, Hércules foi surpreendido pelo ataque do leão travando com ele uma batalha terrível.
Hércules fugiu da caverna assustado mas resolveu retornar com suas armas, porém percebeu que elas não serviam para matar o leão. Mais uma vez ele foi surpreendido pelo ataque feroz do monstro e fugiu. Fora da caverna Hércules refletiu sobre a tarefa e decidiu enfrentar o leão sem armas, talvez fosse essa a tarefa: usar sua razão em lugar de sua força.
Aproximando-se do fundo da caverna viu novamente o leão se aproximando e fixando seu olhar em Hércules. Surpreso, Hércules viu que o brilho nos olhos do leão era um espelho que refletia sua imagem. Ferozmente o leão avançava contra Hércules. Depois de uma longa luta, Hércules estrangulou o leão que caiu morto.
Levando seu corpo para fora da caverna, Hércules viu o tamanho real do animal, que não lhe parecia tão grande assim. Resolveu olhar mais uma vez em seus olhos e viu que nada havia lá dentro. Ele havia conseguido vencer a si mesmo e ao seu orgulho. Arrancou o pelo do animal e dela fez uma túnica, que o tornou indestrutível. E com a cabeça fez um capacete, que passou a usar em todas as outras tarefas, para sempre se lembrar que a força nunca deveria superar a razão.
SIMBOLOGIA
A luta de Héracles ou Hércules com as feras representa a constante luta que temos para conter a fera que mora dentro de nós, ao mesmo tempo que preservamos nosso instinto vital e criativo. O leão está sempre associado à realeza e, mesmo em sua forma destrutiva, é o rei dos animais, egocêntrico e selvagem, o princípio infantil. Dessa forma, sempre que derrotamos e vestimos a pele do leão, as opiniões dos outros que antes nos intimidavam, já não tem mais valor pois estamos vestidos com uma poderosa couraça, nossa própria identidade.
No entanto, por mais heróica que seja, a pele do leão sempre representa o egocentrismo, a dificuldade de lidar com a frustração e com a raiva contida. Não sabemos lidar com a frustração por não conseguirmos o que queremos, pela auto-importância inflamada e o orgulho desmedido. Entretanto quando dominamos essa fera que mora em nós, podemos utilizá-la de forma construtiva. As conquistas e vitórias exigem que deixemos para trás as couraças, que carregam uma alma sem paixão.
CAMINHO DE INICIAÇÃO
O Leão de Neméia é a viva alegoria das variadas e incontáveis forças instintivas e passionais existentes nos infernos da Lua (o Astral Inferior). Morto o Leão de Neméia, deve o adepto desintegrar sucessivamente o Demônio do Desejos (Judas), o Demônio da Mente (Pilatos) e, por fim, o Adepto prossegue seus trabalhos nesses infernos libertando partes de sua Consciência aprisionadas nos átomos do Demônio de Má Vontade (Caifás), que é o mais detestável dos três.
Esses três demônios são as três Fúrias dos Mistérios Buddhistas; em seu conjunto formam o Dragão das Trevas do Apocalipse de São João. No Apocalipse, o Dragão das Trevas é representado como um monstro de sete cabeças. Essas sete cabeças são os sete pecados capitais, portanto, o Leão de Neméia é o símbolo de todas essas forças diabólicas que vivem nos infernos da Lua psicológica.
Todo o trabalho de desintegração dos demônios que vivem nesses infernos planetários é executado pela Mãe Divina Individual. “Que teria sido de mim sem o auxílio de minha Divina Mãe Kundalini”, exclama Samael Aun Weor. “Desde o fundo do abismo chamava por minha mãe, e ela surgia empunhando a Lança de Eros…”. “Afortunadamente soube aproveitar ao máximo o coitus reservatus, para fazer minhas súplicas a Devi Kundalini”, diz Samael falando de seu próprio processo na Segunda Montanha (Caminho de Iniciação).
Terminado o Primeiro Trabalho de Hércules, o Iniciado ganha direito de ingressar no Céu da Lua, a morada dos Anjos, o Astral Superior. Ao término dos trabalhos nos infernos da Lua, o iniciado une-se com sua Buddhi. Esclarecemos: na Sexta Iniciação Maior, Buddhi nasce dentro do Iniciado. Mas ainda não ocorrem as núpcias, a união entre Manas e Buddhi, o que só ocorre ao fim do Primeiro Trabalho de Hércules interno, viva alegoria de Manas.
“Descer ao Inferno é fácil: difícil é retornar depois”, adverte a Sabedoria Oculta. A última etapa do trabalho nessas regiões inferiores é acabar com as bestas secundárias, expulsar as malignas inteligências de suas moradas nucleares. Quando esses átomos ficam livres dessas inteligências diabólicas, convertem-se em veículo de inteligências luminosas. Por isso dizemos que:
“O Cristo não desce aos infernos para destruir, se não para redimir.”
Resumindo, para subir ao Céu Lunar, Morada dos Anjos, e celebrar as núpcias com nossa Noiva Imortal (Buddhi), antes é preciso descer ao correspondente inferno lunar com o intuito de dominar e eliminar todas as paixões animais, instintos bestiais, desejos, medos, processos passionais, a má vontade, a Besta de Sete Cabeças, enfim, transformar as águas pestilentas e negras em águas claras, limpas e transparentes. Trata-se de uma tarefa multifacetada porque incontáveis são os defeitos de natureza emocional, sentimental e instintiva que vivem nessa esfera inferior, especialmente nossos defeitos mais antigos; por isso, são de difícil eliminação; sempre surgem como monstros gigantescos e milenares diante da visão interna. Na Segunda Montanha (Caminho de Iniciação), a paciência e a serenidade precisam ser elevadas a infinitos graus porque o trabalho se torna extremamente delicado e sutil.
Compilação de conteúdos
“Hércules teve de destruir um monstro de nove cabeças que soltavam fogo: oito renasciam quando cortadas e a nona era imortal. O herói decepou as oito cabeças enquanto um amigo as cauterizava com fogo. A nona foi enterrada, mas vigiada eternamente por Hércules. “As cabeças simbolizam os vícios. Lutamos contra eles, mas, como são imortais, se não estivermos atentos, renascem. Além dos vícios físicos, como drogas e álcool, temos de combater os vícios éticos, como a ganância.”
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
2º TRABALHO DE HÉRCULES: A HIDRA DE LERNA
O controle e superação dos desejos
MITOLOGIA
Conta a lenda que na antiga terra de Argos ocorreu uma seca. Amímona que reinava nessas terras, procurou a ajuda de Netuno. Este recomendou que se batesse numa rocha, e quando isto foi feito, começaram a correr três correntes cristalinas; mas logo uma hidra fez ali a sua morada.
O mestre disse a Hércules: “Para além do Rio Amímona, fica o fétido pântano de Lerna, onde está a hidra, uma praga para as redondezas. Nove cabeças tem esta criatura, e uma delas é imortal. Prepara-te para lutar com essa asquerosa fera e não penses que os meios comuns serão de valia; se uma cabeça for destruída, duas aparecerão em seu lugar.”
Hércules estava ansioso e antes de partir, seu Mestre ainda lhe disse: “Uma palavra de aconselhamentos só posso dar. Nós nos elevamos, nos ajoelhando; conquistamos, nos rendendo; ganhamos, dando. Vai, oh filho de Deus e filho do homem, e conquista.”
Chegando ao estagnado pântano de Lerna, que era um charco que desanimava quem dele se aproximasse e cujo mau cheiro poluía toda a atmosfera em um raio de sete milhas; Hércules teve que fazer uma pausa pois o simples odor por pouco o derrotava. As areias movediças eram uma ameaça e mais uma vez Hércules rapidamente retirou seu pé para não ser sugado para dentro da terra que cedia. Finalmente ele descobriu onde se ocultava a hidra.
Numa caverna de noite perpétua vivia a fera, porém não se mostrava e Hércules inutilmente vigiava. Recorrendo a um estratagema, ele embebeu suas setas em piche ardente e as despejou directamente para o interior da caverna onde habitava a horrenda fera. Uma enorme agitação se seguiu e a hidra com as suas nove e zangadas cabeças emergiu, chicoteando a água e a lama furiosamente. Com três braças de altura, algo tão feio como se tivesse sido feito de todos os piores pensamentos concebidos desde o começo dos tempos. A hidra atacou, procurando envolver os pés de Hércules que saltou e lhe deu um golpe tão severo que logo decepou uma das cabeças, mas mal a horrorosa cabeça tocou o solo, duas cresceram em seu lugar. Repetidamente Hércules atacou o monstro, mas ele ficava cada vez mais forte. Então Hércules lembrou-se das palavras do Mestre: “nós nos levantamos ajoelhando”.
Pondo de lado a sua clava, Hércules se ajoelhou, agarrou a hidra com suas mãos nuas e ergueu-a. Suspensa no ar, a sua força diminuiu. De joelhos, então, ela sustentou a hidra no alto, acima dele, para que o ar purificado e a luz pudessem surtir o seu efeito. O monstro, forte na escuridão e no lodo, logo perdeu a sua força quando os raios do sol e o toque do vento o atingiram. As nove cabeças caíram, mas somente quando elas jaziam sem vida Hércules percebeu a cabeça mística que era imortal. Ele decepou essa cabeça e a enterrou, ainda sibilante, sob uma rocha.
SIMBOLOGIA
Hércules foi incumbido de doze trabalhos, dentre eles, matar Hidra, o monstro de nove cabeças que trazia pânico à cidade de Lerna. Mas antes de enfrentar o monstro, Hércules recebe uma mensagem de seu mentor: – ” É ajoelhando que nos levantamos; é nos rendendo que conquistamos; é desistindo de algo que o ganhamos”.
Hércules parte em busca do monstro que se esconde numa caverna escura, de noite perpétua, à margem de um pântano de águas estagnadas; e simboliza uma parte de nós que permanece oculta e resiste à iluminação.
Representa o nosso interior ruim, nossas paixões e defeitos, ambições e vícios, o que existe de ruim dentro do nosso mundo interior. Enquanto a hidra, que representa esse monstro interior, não for dominada, enquanto nossas vaidades, futilidades e ostentações não forem dominadas, as cabeças continuam crescendo cada vez mais.
Hércules chega ao covil da Hidra e atira flechas flamejantes ao esconderijo do monstro. Indignada, Hidra emerge do seu covil com ímpeto vingativo – da mesma forma, também nos sentimos assim quando situações nos obrigam a confrontar a besta que existe em nós ou a besta que existe nas pessoas à nossa volta.
Hércules tenta esmagar as cabeças de Hidra mas cada vez que corta uma cabeça outras surgem – da mesma forma quando tentamos destruir nossas emoções bestiais, elas continuam aparecendo. Finalmente Hércules se lembra da mensagem de seu mentor: “é se ajoelhando que nos levantamos”.
Hércules se ajoelha no pântano e levanta o monstro á luz do dia e ela perde seu poder. Então ele corta-lhe as cabeças que não renascem mais. Porém nada disso acontece, senão enfrentarmos o lado bestial que vive em todos nós.
CAMINHO DE INICIAÇÃO
A segunda tarefa encomendada à Hércules foi matar a Hidra de Lerna, o monstro simbólico de origem imortal dotado de nove cabeças ameaçadoras que voltavam a nascer logo após serem decepadas. A Hidra polifacética representa a mente e seus defeitos psicológicos. Quando o Iniciado que subir à Morada dos Arcanjos – o Plano Mental Superior – primeiro deve descer aos infernos de Mercúrio.
Como diz o mito, sempre que Hércules cortava uma das cabeças da Hidra, ela voltava a brotar, tornando a tarefa impossível. Assim como Arjuna é auxiliado por Krishna, também Hércules é auxiliado por Iolau (IAO, IEÚ ou JEÚ) – o qual aconselha Hércules a queimar as cabeças após cortá-las para não renascerem. Isso quer dizer que não basta compreender um defeito; é preciso ir além e capturar o profundo significado do mesmo; do contrário, eles voltam a renascer.
Os defeitos psicológicos eliminados nos infernos da Lua, o Astral Inferior, certamente possuem ramificações nos mais diversos níveis mentais. Eliminar as cabeças da Hidra da Mente é possível quando, após decepá-las forem cauterizadas com o fogo da alquimia sexual. Portanto, compreendido um defeito, deve-se durante o ato alquímico suplicar à Divina Mãe para Ela elimina-lo até suas raízes mais profundas. Goethe, nesses momentos exclamava:
“Virgem pura no mais belo sentido
Mãe digna de veneração
Rainha eleita por nós
de condição igual aos Deuses”.
Anelando morrer em si mesmo, durantes as Bodas Alquímicas, o iniciado alemão exclamava:
“Flechas transpassai-me;
lanças, submetei-me;
maçãs, feri-me.
Tudo desapareça,
desvaneça-se tudo.
Brilhe a estrela perene,
foco do eterno amor.”
Compilação de conteúdos
Os 12 Trabalhos de Hércules x O Caminho da Iniciação
HÉRCULES: O HERÓI DENTRO DE CADA UM
Ao estudarmos as narrativas de Hércules e seus Doze Trabalhos, inclusive correlacionando-os com a passagem através dos Doze Signos do Zodíaco, podemos abordar a questão do ponto de vista do aspirante espiritual ou iniciado, individualmente, ou do plano da humanidade como um todo.
As provas a que Hércules se submeteu podem ser enfrentadas por milhares de indivíduos que trilham o caminho do desenvolvimento espiritual consciente e da iniciação.
Cada um de nós é um Hércules em embrião; os trabalhos, que ontem foram de Hércules, são de toda a humanidade, ou pelo menos de todos aqueles que mantêm as rédeas de sua evolução em mãos, tendo em vista a iluminação espiritual.
Os trabalhos de Hércules demonstram o caminho que aguarda o aspirante espiritual sincero, aquele estágio do buscador espiritual inteligente, onde, tendo desenvolvido a mente e coordenado suas habilidades mentais, emocionais e físicas, esgotou os interesses no mundo fenomênico e procura expandir sua consciência. Esse estágio sempre foi expresso pelos indivíduos mais evoluídos de todos os tempos.
Enquanto escalamos a montanha da verdadeira Iniciação, vamos eliminando todo medo e aprendendo a controlar as forças inerentes à natureza humana, até que possamos nos tornar um servidor da humanidade, eliminando a competição e os objetivos egoístas.
Ao se aprofundar nos Doze Trabalhos de Hércules, torna-se claro qual deve ser a conduta de cada aspirante e iniciado no Caminho do Discipulado e da Iniciação Real. Um grande desafio é trazer, para nosso dia a dia hoje, novas maneiras de expressar e vivenciar as velhas verdades contidas nestes mitos, de forma a ajudar as velhas fórmulas para o desenvolvimento espiritual a adquirirem nova e pulsante vida para nós.
Este é o desafio de sempre atualizar a luta humana para se superar a natureza animal, fazer desabrochar a natureza humana e revelar a natureza divina oculta em cada um de nós, o que está tão bem configurado nos Trabalhos de Héracles.
Os Doze Trabalhos de Hércules oferecem um quadro sintético do progresso da alma, indo da ignorância à sabedoria, do desejo material à conquista espiritual, de tal modo que o fim possa ser visualizado a partir do início, e a cooperação inteligente com o propósito da alma substitua o esforço feito às cegas.
Verifica-se que a história das dramáticas experiências desse grande e venerável Filho de Deus, Hércules ou Héracles, serviria justamente para focalizar qualquer uma das faces da vida o aspirante espiritual em seu esforço para expansão da consciência e realização espiritual.
Este tema é tão rico e profundo, que todos nós, lutando em nossa atual vida moderna, podemos aplicar a nós mesmos os testes e provas, os fracassos e as conquistas desta figura heróica que lutou valorosamente para atingir a mesma meta que nós almejamos.
Através da cuidadosa e reflexiva leitura deste mito, talvez possam ser despertados na mente do buscador espiritual um novo interesse e um impulso renovado, pois diante de um tal quadro do desenvolvimento e do destino especial do homem, ele pode querer prosseguir com redobrada coragem e determinação na Senda.
Em sua narrativa mítica, podemos acompanhar como Hércules se esforçou e desempenhou o papel de buscador espiritual. Neste Caminho, ele desembaraçou-se de certas tarefas, de natureza simbólica, e viveu certos episódios e acontecimentos que retratam, em qualquer época, a natureza do treinamento e das realizações que caracterizam o homem que se aproxima da libertação pela senda iniciática.
Ele representa um filho de Deus encarnado, mas ainda imperfeito, que definitivamente toma em suas mãos a natureza inferior e, voluntariamente, submete-a a disciplina que finalmente fará emergir o divino. É a partir do ser humano falível, mas que é sinceramente dedicado, inteligentemente consciente do trabalho a ser realizado, que se forma um iniciado ou um Adepto.
Duas grandes e dramáticas histórias têm sido conservadas diante dos olhos dos homens ao longo do tempo. Nos Doze Trabalhos de Hércules, o Caminho da Iniciação é retratado e suas experiências, preparatórias e que conduzem ao grande ciclo de iniciações, podem ser reconhecidas pelo homem que sinceramente aspira a este Caminho. Na vida e obra de Jesus Cristo, radiante e perfeito Filho de Deus, o Reparador, que penetrou o véu por nós, deixando-nos o exemplo para que seguíssemos seus passos, temos retratadas as etapas do Caminho Iniciático de Libertação ou Regeneração e Reintegração, que são os episódios culminantes para os quais os Doze Trabalhos preparam o discípulo.
O oráculo falou e suas palavras ressoam através das eras:
“Homem, conhece-te a ti mesmo.”
Este conhecimento é a mais importante realização no caminho do discipulado e a recompensa de todo o trabalho de Hércules. Sem este conhecimento, não se pode avançar seguramente na senda da Iniciação. Somente assim, o homem pode-se encaminhar firmemente para tornar-se definitivamente auto-consciente e intencionalmente se impõe a vontade da alma – que é essencialmente a vontade de Deus – sobre sua natureza inferior.
Neste caminho, o indivíduo submete-se a um trabalho sobre si mesmo que demanda esforço e dedicação, pureza de coração e caridade, para que a flor da alma possa desabrochar mais rapidamente.
Simbolicamente, é uma obra onde um solvente psíquico (psique = alma) consome toda escória e deixa apenas o ouro puro. É um processo de refinamento, sublimação e de transmutação, continuamente levado adiante até finalmente se alcançar o Monte da Transfiguração e da Iluminação.
Em suma, trata-se de alquimia superior. Os Doze Trabalhos demonstram exatamente este caminho acima, onde os mistérios ocultos e as forças latentes nos seres humanos são descobertos e têm de ser utilizados de maneira divina e de acordo com o divino propósito sabiamente entendido. Quando são utilizados desta maneira, o iniciado vê-se em sintonia com energias e poderes divinos similares, que sustentam as operações do mundo natural.
Torna-se, assim, um trabalhador sob o plano de evolução e um cooperador com aquela “nuvem de testemunhas”, a Igreja Invisível do Cristo, que através do poder de sua supervisão, e do resultado de sua realização, engloba hierarquias espirituais por meio das quais a Vida Una guia a humanidade para sua gloriosa consumação.
Essa é a meta da série de trabalhos de Hércules, e com essa meta, a humanidade como um todo alcançará sua conquista espiritual grupal através das múltiplas perfeições individuais. Outra grande e sábia maneira de se enxergar este mito é apresentá-lo como um aspecto especial da Astrologia.
Acompanhamos a história de Hércules à proporção que ele percorre os doze signos do Zodíaco. Ele expressou, uma a uma, as características de cada signo, e em cada um, ele conquistou um novo conhecimento de si mesmo, e através desse conhecimento, demonstrou o poder do signo e adquiriu os dons que o signo confere.
Em cada signo, vamos encontrá-lo superando suas próprias tendências naturais, controlando e governando seu próprio destino, e demonstrando o fato de que astros predispõem, mas não controlam. Esta visão astrológica do mito é uma apresentação sintética dos acontecimentos cósmicos que se refletem em nossa vida planetária, na vida da humanidade como um todo, e na vida do indivíduo, o qual é sempre o microcosmo do macrocosmo.
Este estudo fornece indicações claras para a compreensão dos propósitos de Deus para a evolução do mundo e do homem. Somente a consciência de que somos partes integrantes de um Todo maior e o conhecimento da divina totalidade, pode revelar o propósito mais vasto.
Hércules representou astrologicamente a história de vida de cada aspirante espiritual e iniciado, e demonstrou o papel que a unidade deve desempenhar na Obra eterna. A analogia astrológica dos Doze Trabalhos de Hércules diz respeito aos doze tipos de energias por meio dos quais a consciência da Realidade divina é obtida.
Através da superação da forma e da subjugação do homem inferior, é-nos mostrado um quadro do desenrolar da auto-realização divina. Hércules, em seu corpo físico, embaraçado e limitado pelas tendências a ele conferidas pelo signo no qual ele cumpria sua tarefa, alcançou a compreensão da sua própria divindade essencial.
As provas a que Hércules voluntariamente se submeteu, e os trabalhos a que, às vezes impensadamente, atirou-se, são aqueles possíveis para muitos de nós ainda hoje. É evidente que, curiosamente, vários detalhes da sua dramática, e às vezes divertida, história dos seus esforços de ascensão podem ser aplicáveis em nossas vidas modernas.
Cada um de nós é mesmo um Hércules em embrião, deparando-nos com idênticos trabalhos; cada um de nós tem a mesma meta a conquistar e o mesmo círculo do Zodíaco a abranger. Hércules aprende a lição de que agarrar-se a qualquer coisa do eu separado não faz parte da missão de um filho de Deus.
Ele descobre que é um indivíduo, apenas para descobrir que o individualismo deve ser sabiamente sacrificado pelo bem do grupo. Ele descobre também que a ambição egoísta não tem lugar na vida do aspirante espiritual que está em busca de libertação dos ciclos recorrentes de existência e da constante crucificação na cruz da matéria.
As características do homem imerso na vida da forma e sob o domínio da matéria são o medo, o individualismo, a competição e a cobiça. Estes têm de ceder lugar à confiança espiritual, à cooperação, à consciência grupal e ao altruísmo.
Esta é a lição que Hércules traz; esta é a demonstração da vida de Deus que está sendo trazida à operação no processo criativo, e que floresce, de maneira sempre mais bela, a cada volta que a vida de Deus faz em torno do Zodíaco.
Esta é a história do Cristo cósmico, crucificado na Cruz Fixa dos céus; esta é a história do Cristo histórico, apresentada nos Evangelhos e representada, na Palestina, há dois mil anos; esta é a história do Cristo individual, crucificado na cruz da matéria e encarnado em cada ser humano.
Este é a história de nosso sistema solar, a história de nosso planeta, a história do ser humano. Assim, ao admirarmos os estrelados céus acima de nós, temos eternamente representado para nós este drama magnífico, o qual é detalhadamente explicado ao homem pelos Doze Trabalhos de Hércules.
Compilação de conteúdos
Uma cidade puramente industrial é uma morada adequada para os seres demoníacos que gostariam de fazer o homem esquecer sua existência pré-terrena no reino do espírito.
A CONEXÃO COM A EXISTÊNCIA PRÉ-TERRENA
“Um sentimento genuíno pela beleza cria um elo que nos liga aqui, na própria vida terrena, mais uma vez com a existência pré-terrena. Nunca devemos subestimar a importância da beleza na educação e na cultura exterior.
Uma civilização que se enche de máquinas feias, com chaminés e fumaça, e dispensa a beleza, é um mundo que não se esforça para forjar um elo entre o homem e a existência pré-terrena; na verdade, isso o separa. Não por analogia, mas puramente na verdade podemos dizer:
Uma cidade puramente industrial é uma morada adequada para os seres demoníacos que gostariam de fazer o homem esquecer sua existência pré-terrena no reino do espírito.”
Rudolf Steiner – GA 220, 19 de janeiro de 1923
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 171 – Dornach, 24 de setembro de 1916
OS IMPULSOS OCULTOS DA EVOLUÇÃO – Quinta Conferência:
IMPULSOS ATLANTES NOS MISTÉRIOS MEXICANOS
O problema das urgências e impulsos naturais, o problema da morte
É necessário, com relação ao que aludimos ontem, que se diga agora entre nós algumas coisas que de certa maneira também têm, na verdade, relação com algumas exposições que eu fiz aqui alguns dias atrás, precisamente, há uma semana. E, uma vez que numerosos amigos, vindos para a assembléia da Associação Joanina para Construções, não estavam presentes naquela ocasião, vou repetir, no decurso das considerações que estão para suceder, o que foi falado nestas semanas. Pois, isto também não deixará de ser importante na medida em que, do ponto de vista de que, exatamente destas coisas importantes e significativas, muita coisa foi mal compreendida, como me foi dado ver por esta ou aquela observação.
Antes de mais nada, vamos começar por deixar claro que o curso da evolução, do modo como passamos a conhecê-lo para os grandes fenômenos dos acontecimentos mundiais, se mostra atuante em toda parte, se mostra atuante tanto quando examinamos os grandes fenômenos do Cosmos, como também quando examinamos os fenômenos do futuro histórico humano, do desenvolvimento histórico humano. Para o nosso tempo deve interessar-nos muito particularmente a assim chamada quarta época pós-atlântica, descrita como a época na qual se aprimorou e se tornou grande a cultura greco-latina, ou melhor, a greco-romana.
Os Senhores sabem que devemos situar essa época, do ponto de vista científico-espiritual, até o início do século XV, a quarta época pós-atlântica, esse ser greco-romano, ele nos aparece de certa maneira como um reviver daquilo que durante o tempo da Atlântida se passava sobre a Terra como cultura da humanidade. Nós explicamos em diversos lugares como os pensamentos, os sentimentos e também a vida social dos gregos podem ser esclarecidos quando nos damos conta, justamente, de que essa quarta época pós-atlântica é, num certo sentido, uma repetição da cultura atlântica. Só que a cultura atlântica era mais elementar, e muito mais instintiva, enquanto a cultura grega e romana representa a repetição mais espiritualizada. O que na Atlântida havia sido uma vivência direta foi transformado numa realidade dentro da Grécia por intermédio da fantasia, das imaginações repletas de fantasia, também do pensamento e da vontade, esta, por sua vez, inspirada pela fantasia.
Todavia, devemos levar em conta que essa cultura greco-romana foi uma desilusão para aqueles poderes que designamos com as expressões de poderes luciféricos e arimânicos, foi uma profunda desilusão. Pois esses poderes luciféricos e arimânicos, dessa hierarquia que de certo modo está mais próxima da hierarquia humana, queriam que o atlantismo, na sua forma atlantista, simplesmente deveria reviver novamente na quarta época pós-atlântica. A saber, tudo que compõe a época atlântica, na sua essência, deveria, — pois os Senhores podem procurá-lo na “Ciência Oculta” ou no livrinho “Nossos antepassados atlânticos” — tudo que compõe o essencial da época atlântica, tudo isto deveria, segundo a intenção dos poderes luciféricos e arimânicos, ser re-petido durante os períodos grego e romano.
Este propósito foi contrariado porque a humanidade fora justamente trazida para um degrau mais alto, correspondente à era pós-atlântica. Aquilo que perante a Atlântida é grande e significativamente novo no helenismo e no romanismo, representou uma desilusão espiritual para os poderes luciféricos e arimânicos.
Os poderes luciféricos e arimânicos queriam criar no povo grego, através das suas diversas influências, queriam criar um povo inclinado a aprimorar na alma as forças da fantasia, a fim de que as almas ficassem aos poucos cansadas da Terra, para que as almas não tivessem nenhuma tendência a continuar encarnando-se na Terra, porém, de certa maneira, a abandonar a Terra como almas, e a fundar um reino, um planeta próprio. Isto foi aniquilado porque, conduzida por aqueles poderes que chamamos de hierarquias regulares, a fantasia dos gregos — e a influência da fantasia sobre a vida social — foi transformada em alegria pelo terrestre, porque foi adotada a alegria pelo sensorial-terrestre, pois o grego não queria viver apenas no mundo da imaginação repleto de fantasia para aos poucos alienar a alma da existência terrena, porém atingiu a disposição expressa na famosa frase, já citada por mim com freqüência:
“É melhor ser mendigo na Terra que rei no reino das sombras”.
Através desta vivência do mundo, plena de alegria, entre o nascimento e a morte, o helenismo deveria ser arrebatado pelos poderes regulares ao perigo pretendido pelos poderes luciféricos: o de levar para longe as almas, a fim de que os corpos sobre a Terra, que ainda nascessem, passassem a andar sobre a Terra sem Eus, e as almas ficassem distantes, num planeta especial para si.
Em contrapartida, Âhrimã pretendeu, de certa maneira, dar a Lúcifer uma ajuda no romanismo, ao querer dar um feitio ao Império Romano e a seus sucessores a fim de que se formasse um grande mecanismo terrestre, exclusivamente para seres humanos privados de Eus. Assim ele teria, de certo modo, se tornado uma ajuda para Lúcifer. Enquanto Lúcifer queria retirar para si, digamos, o suco do limão, Âhrimã se ocupava, no Império Romano, de espremê-lo e de ali transformá-lo num mecanismo estatal mecanístico. É desta forma que Âhrimã e Lúcifer colaboram entre si. Isto foi contrariado pelo seguinte, uma vez que o povo do Império Romano desenvolveu o conceito de “Cives”, desenvolveu à excelência egoísta o conceito de cidadão romano, e o egoísmo humano só pode ser desenvolvido no interior da existência terrena física. Por isso, foi contrariado o intuito de Âhrimã, de dar feitio isento de Eus aos seres humanos. Exatamente a parte grosseira, desfantasiada, da cultura romana, foi a que contrariou os intuitos de Âhrimã, pelo egoísmo da política romana e pelo direito romano.
Desta maneira, a era grega e a era romana foram uma grande desilusão para Lúcifer e para Âhrimã. Mais uma vez eles não haviam novamente alcançado os seus propósitos. Além disso, esse é o destino de Lúcifer e de Âhrimã, o de atuarem com as suas forças na evolução da Terra e de sempre envidarem novamente os maiores esforços para conter o mais amplo progresso da evolução e fundar um reino para si, e sempre deverem experimentar novamente uma desilusão a este respeito.
Eu tenho dito que aquele, que se questiona porque Lúcifer e Âhrimã ainda não chegaram ao ponto de finalmente reconhecer que os seus empenhos não têm valor, julga o espiritual segundo o humano. Lúcifer e Âhrimã têm realmente um juízo diverso do dos homens, e não podemos julgar o que se observa no mundo espiritual do ponto de vista humano, pois senão nos consideraríamos, em breve, mais sensatos que um deus, ou até mais sensatos que um ser pertencente a uma classe hierárquica mais alta. E Lúcifer e Âhrimã, como sabemos, também pertencem, embora sejam espíritos retardatários, a uma classe hierárquica mais alta que a do homem. Explica-se, dessa maneira, como eles sempre se desiludem novamente, porém sempre retomem novamente seus esforços.
A seguir chegou-se à quinta era pós-atlântica. Esta tem tarefas bastante definidas no sentido da progressiva evolução espiritual regular. Enquanto a quarta era pós-atlântica devia aprimorar a vida fantasiosa grega e o egoísmo romano, nessa quinta época pós-atlântica trata-se de aprimorar o dom da contemplação sensorial. Isto eu caracterizei ao designar o ideal da contemplação sensorial da maneira como Goethe o pensou no seu fenômeno primordial, — os Senhores podem relê-lo em meus escritos sobre Goethe –, na pura contemplação da realidade sensorial exterior, que não conseguia apresentar-se anteriormente desta maneira porque em toda parte se imiscuía na contemplação da realidade sensorial o que sobrevinha da clarividência atávica. De forma que não se via o fenômeno puro na existência sensorial exterior pura, porém via-se sempre o que se estendia para além sobre a existência sensorial de maneira visionária e clarividente.
Se as pessoas atentassem com um pouco mais de precisão para isso, reparariam que isto é assim, até mesmo pela História exterior, pelas tradições históricas. Platão ainda não considera a vista como uma propriedade tão passiva quanto a consideramos agora na quinta era pós-atlântica, porém o grego Platão ainda diz expressamente: “a vista consiste em uma espécie de fogo que, partindo do olho, se afasta rumo às coisas”. Portanto, o grego Platão ainda sabe algo a respeito da atividade do olhar. Esta atividade precisava ser desfeita, esquecida, perdida, para que pudesse originar-se outra capacidade da quinta época pós-atlântica. E esta é a de aprimorar-se paulatinamente na evolução humana, na quinta época pós-atlântica, portanto no começo do século XV até dentro do quarto milênio mais ou menos, o dom da imaginação livre, da imaginação que seja entendida em plena liberdade interior. De um lado, o fenômeno primordial, do outro lado, a imaginação livre.
Goethe aludiu ao fenômeno primordial: ele também aludiu à imaginação livre. Em várias ocasiões apresentamos diversas coisas dele, precisamente no seu “Fausto”. Estes são os primeiros passos para o que deve pretender a evolução regular inteira da quinta época pós-atlântica. Através disso a quinta época pós-atlântica, de certa maneira, conservará o seu cunho. Mas justamente esta quinta época pós-atlântica deverá enxergar os seus seres humanos como combatentes contra assaltos ainda mais fortes dos poderes luciféricos e arimânicos, pois agora, nesta quinta época pós-atlântica, trata-se novamente de conseguir, por um lado, que as almas não se alienem da vida terrena e, por outro lado, que mecanizem elas próprias a vida terrena e lhe dêem um feitio exterior tão puramente mecânico, que se torne impossível ao Eu dos seres humanos viver na ordem social terrena, e se despeça conseqüentemente da ordem social terrestre consagrando-se a uma vida afastada da Terra sobre um planeta especial.
Tais coisas, que podemos chamar de assaltos dos poderes luciféricos e arimânicos, são manipuladas com muita antecipação. E enquanto eles, durante os quatro a cinco séculos da quinta época pós-atlântica, entraram a atuar desde os seus primórdios, já havia sido feita atrás dos bastidores da História Mundial, antes de começar esta quinta época pós-atlântica, a plena e intensa preparação dos poderes luciféricos e arimânicos, para, onde fosse possível, entregar tudo que a quinta época pós-atlântica produz como capacidades humanas e como forças volitivas humanas, ao serviço de um anseio humano tal, que se afasta da Terra, que quer partir da Terra e quer formar um corpo planetário próprio, enquanto a Terra deve ser desertada segundo o empenho de Lúcifer e de Âhrimã. Afirmo que foram empreendidos os mais intensos assaltos.
E lembrem-se os Senhores do que deu o tom básico à cultura durante a era atlântica. Porque Lúcifer e Âhrimã querem agora, durante a época pós-atlântica, inserir realmente em cada uma das suas partes, a antiga cultura atlântica para que nesta cultura pós-atlântica sejam dadas justamente as capacidades, pelos poderes regulares, as capacidades tornadas elementares a fim de que os homens queiram partir. Portanto, o que for desenvolvido deve ser colocado a serviço do extra-terrestre, conforme indiquei. A partir de dois lados, de Lúcifer e de Âhrimã, o espírito da antiga vida atlântica deveria, portanto, ser outra vez renovado para que os respectivos impulsos ingressassem na evolução da quinta era pós-atlântica.
Agora, lembrem-se os Senhores de que na era atlântica os impulsos da almas humanas foram reconduzidos ao que se chamou de Grande Espírito, que foi descrito mais ou menos com um som que ainda ressoa no Tao chinês. Este Tao era a designação do grande espírito no tempo da Atlântida. E o essencial dos esforços luciférico-arimânicos consiste em colocar o posterior, o que já veio ou ainda virá, a serviço do Tao, a serviço do grande espírito.
Naturalmente não do Grande Espírito, na maneira como este viveu naquele tempo durante a era atlântica, porém na maneira como encontrou um descendente, digamos, uma espécie de filhote, um sucessor. Tentar uma restauração dos impulsos atlânticos constitui esforço luciférico e arimânico, por não se contar com os poderes regulares da quinta época pós-atlântica, mas por contar-se com o que ficou para trás, a serviço do grande espírito Tao. Isto só se tornou possível porque os impulsos da cultura atlântica, que em verdade precederam a Atlântida decaída, foram deslocados para a região que se havia reconstituído após o dilúvio atlântico. E assim, num certo sentido, um membro da descendência do grande espírito havia sido atropelado para o Leste, e aos poucos preparara, nos séculos 10, 11 e 12, lá longe na Ásia, determinados serviços de mistérios.
Estes serviços de mistérios haviam adotado certo caráter que consistia essencialmente em renovar o antigo culto ao Tao — não na forma em que os chineses degenerados o mantêm, que em realidade o mantêm intelectualizado, porém na forma em que consistia originariamente –, em renovar, portanto, aquela espécie de iniciação que induzia a ver o espiritual elementar que palpita imediatamente abaixo do nosso mundo sensorial, isto é, induzia a perceber efetivamente o grande espírito unitário. E certos sacerdotes desses mistérios atlânticos restaurados, asiáticos foram iniciados nesse antigo serviço atlântico, que naturalmente trouxe ilusões porquanto estava em realidade deslocado para esse tempo.
Lá longe na Ásia, um daqueles sacerdotes chegara ao ponto de realmente conseguir penetrar toda a essência dos impulsos atlânticos. E foi ele quem chegou até ao diálogo com o sucessor, com o sucessor ilegítimo do grande espírito do Tao. Naquela ocasião, foi ele quem transmitiu, lá na Ásia, o que havia recebido pelo grande espírito como inspiração, a um poder leigo exterior, àquele adolescente que depois se tornou conhecido na História como Gengis-kan.
Gengis-kan foi, portanto, aluno de um desses sacerdotes que fora iniciado nos mistérios asiáticos. E esse sacerdote ensinou a esse Gengis-kan o que tentarei encaixar nas seguintes palavras. Ele ensinou-lhe então que acabara de chegar o tempo em que o juízo divino deveria varrer a face da Terra: “A Você foi transmitido tal juízo divino e Você marchará agora à frente de todos aqueles homens que consumarão, a partir da Ásia, o juízo divino sobre toda a Terra”.
Na verdade, esforços semelhantes já haviam sido baseados anteriormente nas campanhas dos hunos, e assim por diante. Mas neste caso instaurou-se essencialmente o furacão mongólico por intermédio deste impulso do clero asiático, que deveria levar então para cima da cultura européia o que induziria as almas a acreditarem realmente no juízo divino, a sucumbirem ao juízo divino e aos poucos despedirem-se da Terra, a não terem a inclinação de reaparecer sobre a Terra, de tal maneira que a cultura da Terra fosse aniquilada.
Este era o sentido interior das campanhas mongólicas que se estendiam para além da Ásia, e que na verdade como os senhores sabem, na Europa não se interromperam por ações físicas externas, porém se deu o extraordinário fato de que, no século 13, na batalha de Liegnitz, os mongóis não foram vencidos, mas os mongóis tornaram-se vencedores. Entretanto, de uma maneira inteiramente inexplicável, não continuaram a marchar contra a Europa, porém marcharam novamente sobre a Ásia. De modo que até de forma externa se pode ver então integralmente como existe um contrapeso, o qual é anunciado posteriormente com naturalidade como sendo de natureza espiritual.
Ora, os mencionados europeus realmente não venceram os mongóis na Silésia. Eles foram vencidos. Mas os mongóis, apesar de não serem vencidos, retiraram-se e se voltaram para a Ásia. Entretanto, os impulsos, por ter-se exatamente até certo ponto frustrado externamente o furacão, ou por não ter ele prosseguido, pode-se dizer que estes traços permaneceram na Europa como destilados nos quais sobreviveriam na quinta época pós-atlântica. De maneira que também é claramente perceptível, dentro dos impulsos culturais trazidos do Leste, e também será perceptível posteriormente, aquilo que exatamente naquele tempo devia ser trazido para a Europa como conseqüência dos mistérios do Grande Espírito.
Outra parte da misteriosidade da antiga Atlântida não foi empurrada lá para o Leste, porém para o Oeste, sobre o solo onde os europeus encontraram posteriormente a América. E lá se esgotou a parte mais arimânica da ilegítima cultura pós-atlântica. Enquanto na Ásia se consumava mais a parte luciférica, na América se consumou mais a parte arimânica. Naquela ocasião também deveria ser criado dentro da América o que mais tarde atuaria de forma infecciosa como impulsos vindos do Oeste, do mesmo modo como a outra parte vinda do Leste, e que pudesse atuar de forma infecciosa a partir do Oeste para inserir o ousado ataque arimânico na quinta época pós-atlântica.
Daí ter sido, no Oeste, mais estimulado o lado arimânico do conjunto dos mistérios atlânticos seguidos. E lá então se chegou, como eu já indicara naquela ocasião àqueles que estavam presentes, a mistérios que farão a mais repulsiva impressão naqueles que houverem crescido dentro da delicada cultura contemporânea, e que não gostarem de ouvir a verdade, porém de aceitar apenas o que alegra a alma, como isto é freqüentemente descrito. Lá se estabeleceram mistérios, que, além disso, percorriam grande parte da América, daquela América que os europeus ainda não haviam encontrado, lá cultivaram-se mistérios que, se fossem vitoriosos, se os seus impulsos e as suas atuações se tivessem tornado vitoriosos sobre a Terra, teriam expulso as almas da Terra. Portanto, o serviço arimânico, o espremer do limão, teria sido atendido dessa maneira. Ter-se-ia cuidado para que a Terra fosse aos poucos desertada, para que a Terra paulatinamente tivesse apenas as forças da morte sobre si, enquanto aquilo, que se apresentava justamente como almas vivas se despedisse dela e fundasse então, sob o comando de Lúcifer e Âhrimã, um outro planeta.
Para providenciar a parte arimânica dessa tarefa foi necessário que os sacerdotes dos mistérios arimânicos atlânticos se apropriassem de capacidades que na mais alta medida dominassem todas as forças da morte na atuação terrestre, dominassem tudo que teria transformado a Terra, de certo modo junto com a humanidade, a humanidade física — porquanto as almas deveriam ir embora –, num reino meramente mecânico, num grande reino totalmente morto, no qual nenhum Eu tivesse lugar.
Essas capacidades também deveriam ter sido ligadas ao predomínio do mecânico sobre todo o vivente, das inclusões mecânicas sobre toda a vida. Para tal, esses mistérios precisavam ser estabelecidos de uma maneira realmente diabólica. Pois tais forças, da forma como as teriam usado para os poderosos desígnios de Âhrimã, tais forças só se produzem quando se obtém iniciações de uma espécie bem definida. E essas iniciações arimânicas da era pós-atlântica também eram dessa espécie. A cada qual que quisesse adquirir um determinado grau de saber impunha-se que adquirisse este saber mediante capacidades sensoriais bem definidas, que só são adquiridas quando se é assassino. E, desta maneira, ninguém era admitido a um determinado grau dessa iniciação sem que tivesse perpetrado um assassinato. Este assassinato era executado em condições muito peculiares.
Existia certa instalação: passando por degraus ela levava para cima a uma espécie de cadafalso, de construção cadafálsica. Lá era amarrado então respectivamente aquele que seria assassinado e, em realidade, de modo a que seu corpo fosse atado para, pela torcedura na qual era colocado, se poder extirpar o estômago com um corte. Esta operação, a extirpação do estômago, devia ser realizada com uma presteza muito especial. E o que se adquire como percepções perante a vida, por fazer incisões na vida, e por fazer incisões mediante uma arte muito peculiar e sob condições muito especiais, era isto que se teria de alcançar. Portanto, conseguiam apropriar-se de um determinado grau de saber sobre a mecanização da Terra. E cada vez que se progredia nos graus se devia consumar tais assassinatos adicionalmente.
Esse serviço era dedicado ao sucessor, ao filho do grande espírito, uma vez que este vivia lá longe na América, e ao qual se designava com um som que soa mais ou menos como Taotl. É uma variação arimânica da descendência de Tao: Taotl. Este ser Taotl não apareceu num corpo físico, porém apenas em feitio elementar. Apropriavam-se das suas artes, que em essência consistiam em impulsos para a mecanização da cultura terrena e de toda a vida terrestre, mediante essas iniciações, como lhes descrevi.
Essas iniciações tinham, pois um sentido bem definido. Como eu disse, aquele que era iniciado, apropriava-se de determinadas forças mágicas negras cujo emprego teria levado a mecanizar a cultura da Terra, a expulsar todo Eu, de maneira que não nascessem mais corpos que ainda pudessem ser dotados de Eu. Mas, neste caso, aquele que possuía tais forças — pois as coisas estão sempre interagindo no mundo –, também se teria com isto atado à Terra. O próprio iniciado tinha de permanecer junto às forças da Terra. Desta maneira, ele apenas se juntava, até certo ponto, àquelas forças que os Senhores aprenderão a conhecer amanhã na apresentação da cena de Fausto, se acompanharem atentamente o que os lemurianos representam: com as forças terrestres, com a parte anímica da Terra, com tudo que a morte efetua sobre a Terra.
Mas, com isto, ele próprio teria perdido a sua alma. E ele se salvava com relação à alma por conseguir, por um lado, pelo procedimento da extirpação do estômago, que a alma por ele assassinada não mais tivesse prazer em vir para a Terra, e, por outro lado, a esta alma era dado simultaneamente — e isto era sua intenção –, puxar a sua própria alma para dentro do reino que em seguida seria fundado fora da Terra. Portanto, com isso a alma do iniciado assassinante também devia ser puxada juntamente para dentro do reino de Lúcifer e de Âhrimã, a ser fundado.
Diversas anti-seitas foram fundadas para combater esse serviço diabólico. Uma destas anti-seitas era a de Tetscatlipoca. Este também era um ser que não aparecia no corpo físico, mas era conhecido por um grande número desses iniciados mexicanos, e só vivia no corpo elementar. Tetscatlipoca, era uma espécie de ser assemelhado a Jahvé, ou a Jeová, e na realidade deveria estabelecer um serviço que se oporia a tudo isso, no sentido, portanto, de uma religião jeovista exatamente adaptada, lá no México, a tais condições culturais horrorosas. Portanto, era um espírito assemelhado a Jahvé, esse Tetscatlipoca.
Além disso, existia ali outra seita que venerava Quetsalcoatl, igualmente um ser que não aparecia no corpo físico, mas possuía um corpo elementar. Quetsalcoatl era um ser do qual se poderia dizer que se assemelhava às forças de Mercúrio. Devia atuar de modo sanante. Lá, a arte da medicina deveria realizar-se principalmente sob a influência daquele Quetsalcoatl. Tais seres são sempre descritos por aqueles que os percebem pela clarividência de tal maneira que se pode ter uma impressão da realidade pela descrição.
Quando Quetsalcoatl é descrito exatamente como uma aparição com um corpo em forma de serpente, como uma serpente verde, emplumada de verde, isto comprova, sobretudo para aquele que compreende tais coisas, que se tratava de um ser real, mas que aparece somente no corpo elementar. Ora, este serviço, que não foi encaminhado publicamente, que foi muitas vezes incentivado dentro de certos mistérios do México, desenvolveu-se ao longo de muitos milênios para elaborar secretamente os necessários impulsos culturais pós-atlânticos dentro de um feitio arimânico. Todavia, lá longe também se desenvolveu um terceiro movimento.
Era necessário que se desenvolvesse um movimento contrário. Pois se não se houvesse desenvolvido esse movimento contrário, a influência dessas forças, ali formadas, sobre a cultura greco-romana e posteriormente sobre a quinta cultura pós-atlântica, ter-se-ia aos poucos tornado tão grande que as forças seriam invencíveis perante as forças favoráveis ao progresso.
Então se desenvolveu um movimento contrário, por ter nascido um ser que apareceu em corpo físico, em oposição àquelas entidades que nunca apareceram no corpo físico, mas só em corpo elementar. E lá esse ser é designado de um modo que eventualmente pode ser descrito em palavras que imitam a seqüência de sons: Vitsliputsli.
Vitsliputsli é, portanto um ser humano, um ser surgido num corpo humano. Vitsliputsli contém aquela individualidade espiritual que acolheu no corpo humano aquela luta contra os mistérios descritos por mim. De Vitsliputsli narrou-se entre os mexicanos que nascera de uma virgem que fora fecundada sob influência celestial, quando dela se aproximara um pássaro.
Ora, quando se tenta investigar por meios ocultos, tão bem quanto possível, como viveu naquele tempo esse Vitsliputsli, lá no Hemisfério Ocidental, descobre-se que, notavelmente, ele viveu no mesmo tempo em que se deu o mistério do Gólgota no Hemisfério Oriental, isto é, entre o ano 1 e o 33. Isto é extraordinário.
Esse Vitsliputsli foi, portanto bem sucedido ao proceder contra o mais importante iniciado dos mistérios mexicanos. Ele se voltou em renhida luta contra aquele iniciado dos mistérios mexicanos. Era, pois um ser humano, um iniciado — nenhum dos três espíritos, porém um iniciado — contra o qual Vitsliputsli se voltara. Portanto, Vitsliputsli, um ser supra-sensorial, mas de feitio humano, voltou-se com todos os meios de luta que lá se encontravam a sua disposição, contra aquele iniciado que tinha a sua retaguarda o maior número de assassinatos, que se tornara o mais poderoso, e do qual se pode dizer que se o seu intento fosse satisfeito, realizar-se-ia justamente uma vitória dessa tardia cultura pós-atlântica arimânica. Contra esse iniciado voltou-se Vitsliputsli, e lhe resultou, — como já disse, só se pode descobri-lo com meios científico-espirituais –, no ano 33, levar à crucificação o mais forte mago negro, de tal maneira que isto progredisse paralelamente ao mistério do Gólgota, lá no outro hemisfério da Terra, e que o maior mago negro fosse crucificado por mérito de Vitsliputsli, o qual aparecera sobre a Terra para esse fim.
Destarte, despedaçou-se para a quarta época pós-atlântica, primeiramente, a força desses mistérios. Mas eles voltaram a viver. E os senhores podem verificar na própria História o que aconteceu com muitos europeus que foram para o outro lado, para a América: numerosos europeus ainda padeceram a morte por terem sido tratados pelos sacerdotes iniciados mexicanos de forma a serem afivelados sobre os respectivos dispositivos, e com perícia lhes extirparem o estômago. Isto também é conhecido historicamente e é um efeito retardado daquilo que lhes descrevi.
Por meio disto foi incorporado ao mundo ocidental, na medida em que se considere por sua vez o elementar, o impulso que deveria sair exatamente deste lado: o impulso arimânico.
Ora, como foi falado, para a quarta era pós-atlântica este impulso foi quebrado por Vitsliputsli mediante a crucificação do grande mago iniciado negro. Mas posteriormente ainda sobrou tanta força que um assalto ulterior poderia ocorrer na quinta época pós-atlântica, o qual então acabaria realmente por revestir a Terra com mecanização, não só para fundar uma cultura que teria culminado exclusivamente em ferramentas mecânicas, mas que também teria transformado os próprios homens em meros homúnculos, de maneira que os Eus teriam ido embora.
Os europeus precisariam conhecer este mundo. E, na verdade, a era moderna começa exatamente com os europeus tendo sido passados para além-mar, para esse mundo. Portanto, enquanto de um lado, do Leste para cá, os assaltos de Gengis-kan e seus sucessores deviam, por assim dizer, executar um juízo divino, no Oeste seria preparada uma atmosfera das mais selvagens forças elementares arimânicas, nas quais os europeus ingressariam. Tais coisas dão-se realmente dessa forma, em que Âhrimã e Lúcifer colaboram plenamente entre si. Por exemplo, os europeus não deviam absolutamente dirigir-se para o outro lado do mundo com sentimentos desinteressados, porém deviam ir para lá com sentimentos cobiçosos, desejosos, mas, de certa forma, com sentimentos de cobiça por algo a respeito de que se entregariam a toda sorte de ilusões.
Posteriormente, poder-se-ia então engrossar o que inicialmente fora envolto apenas em uma fantasia maravilhosa. Pois se engrossou, uma vez que os europeus aprenderam a conhecer na América as riquezas exteriores de uma maneira que chegou a excitar enormemente a sua cobiça. Mas, no início isso adotara formas mais ideais. Neste caso vemos novamente a colaboração das forças luciféricas e arimânicas, que sempre trabalham emparelhadas.
De tal maneira, um sucessor de Gengis-kan, que se havia estabelecido na China e a dominava depois que as invasões mongólicas haviam se retirado de sobre a Europa, Cublai-kan, pode regozijar-se na China com a presença de um europeu, de um vêneto: Marco Polo. E aquele Marco Polo foi profundamente influenciado na corte de Cublai-kan — o próprio Cublai-kan ainda estava sob a influência daquela iniciação que descrevi anteriormente. E MarcoPolo escreveu um livro apropriado a excitar intensamente a fantasia dos europeus em direção ao hemisfério do Leste: “Mirabilia Mundi”. Nele se falava de uma terra encantada no Hemisfério Ocidental, de uma terra encantada que incitava os anseios a descobri-la. E por esta obra, “Mirabilia Mundi”, Cristovão Colombo foi estimulado a empreender a sua viagem para a América. Neste caso, portanto, a cobiça foi corretamente estimulada para dentro da total fantasia.
As coisas realmente coagem de uma maneira extraordinariamente refinada. Pois os Senhores precisam apenas se familiarizar com o fato de que existe um plano na História Mundial, e de que também existe um plano lá onde os maus poderes são levados em consideração, e de que com os meios com os quais se examina hoje a História, não se chega realmente a bom ter-mo, porém se observa toda vida histórica apenas pelo seu lado exterior. Somente chegamos a bom termo quando confrontamos os fatos corretos mediante meios científico-espirituais, a saber, o descobrimento da América, numa época bem determinada, e a incitação à cobiça por uma terra da fantasia, cuja cobiça era apropriadas, por sua vez, a retirar as almas da Terra. Por intermédio desse encontro, da descrição de tal terra da fantasia e da incitação à cobiça para descobrir a América num determinado momento, por intermédio disto foi dada a disposição correta, foi dada uma disposição que atuava particularmente sobre as forças anímicas humanas subconscientes, e que podia prosseguir atuando na cultura. Deve-se imaginar Marco Polo e a sua obra “Mirabilia Mundi” em absoluta correlação com o que estimulou Colombo a navegar para o outro lado, a Oeste. Em realidade, isso está descrito na História exterior.
Desta maneira, descrevi para os Senhores o modo pelo qual os impulsos arimânicos e luciféricos exercem influência para realizar os seus ataques contra a quinta época pós-atlântica. Por outro lado, essa quinta época pós-atlântica está precisamente formada de tal modo que o homem vive, por assim dizer, numa esfera intermediária da vida anímica. A vida anímica da quinta época pós-atlântica deve ser protegida da contemplação direta das forças arimânicas.
Deve-se aprender a entrar no seu domínio pela ciência espiritual. Mas a vida exterior deve ser protegida para que se possam desenvolver as forças para as quais já chamamos a atenção, ontem e hoje. Mas, sob a consciência, sob a consciência normal comum, lá em baixo atuam essas forças que foram trazidas para a Terra daquela maneira concretamente descrita. Não se aprende a conhecer a vida da alma humana descrevendo da seguinte maneira generalizada: há um consciente e um subconsciente, e a partir do subconsciente agem para cima os instintos, e assim por diante. Deve-se conhecer o modo como estes instintos são ocasionados sobre a terra. Precisa-se conhecer o concreto.
Por outro lado, em diversas coisas pode-se ver, até certo ponto, como muita coisa continua a atuar abaixo do consciente que a alma do ser humano descerra na quinta era pós-atlântica. Pode-se representá-lo como o arimânico, que fora iniciado da maneira como descrevemos, e está atuante, por assim dizer, sob o limiar do consciente, como a lava, como as forças vulcânicas sob um solo vulcânico, de uma solfatara (vulcão em estágio senil): quando se acende um papel em cima dele, desprende-se fumaça. Isto prova que o solo sobre o qual nos encontramos, contém por baixo forças absolutamente terríveis, que neste caso saem para fora por todos os buracos. O mesmo se passa também com as forças da alma. Por baixo do que a consciência sabe, existem as coisas que são influenciadas pelo que lhes descrevi. E estas pressionam depois para cima. Até se revelam um pouco às vezes, mas normalmente pressionam para cima. E no supra-consciente também se encontram, por sua vez, as forças luciféricas, que são descarregadas para dentro da alma, como às vezes são descarregados o raio e o trovão, quando o ar deve ser purificado, as quais também estão, todavia, pouco presentes na consciência, exatamente na quinta época pós-atlântica. Um estado intermediário é o que a consciência contém nessa quinta época pós-atlântica.
Quando se investiga por sua vez o que vive no subconsciente, passa-se a ver como os ataques arimânicos e luciféricos provêm de duas direções, e como a cultura é verdadeiramente gerada por uma atuação conjunta entre as hierarquias regularmente evolventes e as forças luciféricas e arimânicas. Ora, exatamente por isso, por esse modo de especificação da cultura, o ser humano é guiado de diversas maneiras e em diversos campos da Terra, para os grandes problemas. Pretendo considerar mais o ponto de vista do reconhecimento, assim como o que, do ponto de vista do reconhecimento, interfere na vida social. Neste caso pode-se, portanto pressupor que certas forças arimânicas fluem para dentro da cultura européia — segundo os impulsos que conhecemos –, a partir do subconsciente. Essas forças arimânicas guiam para uma direção bem definida, os impulsos que, por sua vez, saem das boas forças evolventes regulares.
Pode-se dizer que duas espécies de problemas se apresentaram, duas qualidades de esforços de reconhecimento. Mas não se pode, nesse caso, dizer que das forças arimânicas, porém da atuação conjunta das forças arimânicas e das forças evolventes regulares, a vida humana recebeu uma determinada coloração. Uma vez que, em razão disso, esta vida foi levada a dois problemas. Poder-se-ia descrever estes dois problemas como o problema do ímpeto, — o refletir dirigiu-se paulatinamente para este problema do ímpeto –, e o problema do nascimento. Naturalmente tais expressões são obtidas dos fatos mais proeminentes. O que descrevo aqui como problema do ímpeto e como problema do nascimento tem uma extraordinária envergadura. Quero apenas caracterizar algumas coisas.
O problema do ímpeto: sob a influência das forças por mim caracterizadas, o refletir humano e o diligenciar humano são guiados para pressentir, para perceber os ímpetos dos seres humanos. O sentido é conduzido para os ímpetos. E disto evolve paulatinamente certa disposição de vida sob a influência do problema do ímpeto. Pode-se dizer que o problema do ímpeto se converte no problema da felicidade, e que o problema da felicidade adquire um matiz muito específico. Por isso os Senhores vêem, precisamente na quinta época pós-atlântica e em diversos lugares, especialmente na cultura ocidental, reflexões e diligências orientadas para o problema da felicidade, para a felicidade, para a geração da felicidade na vida. Isto está sob essas influências que eu descrevi. Nisto vemos, por exemplo, como se pesquisa o que pode ser feito a fim de que os homens levem a vida mais feliz possível sobre a Terra.
Este estabelecimento da felicidade sobre a Terra torna-se um ideal. Eu não afirmo que apenas sob forças arimânicas. Isto também contém forças evolventes regulares. Portanto, deve-se naturalmente cogitar acerca da felicidade. Mas ela adquiriu um determinado matiz sob o influxo de Âhrimã, mediante uma sentença puramente diabólica: “O bem é o felicidade do maior número possível de seres humanos sobre a Terra.” Esta é uma frase puramente diabólica, pois define o bem de forma a expressá-lo pela felicidade, e ainda mais pela felicidade do maior número possível, ao qual estaria atrelada a infelicidade da minoria; assim mais ou menos como se se quisesse retratar um organismo através do seu aprimoramento apenas até os joelhos, e depois, dos joelhos para baixo, se o deixasse perecer.
Entretanto, sobretudo a justaposição de felicidade e bem, de felicidade e virtude, é algo que tem um caráter arimânico. Felicidade e virtude, felicidade e bem: os gregos, nas suas melhores personalidades, eram inteiramente inacessíveis à justaposição dos conceitos felicidade e bem.
Mas, exatamente pelas influências arimânicas deveria originar-se na quinta humanidade pós-atlântica uma disposição que procurasse o bem na felicidade. Os Senhores devem considerar tudo que conhecem como Saint-Simonismo, os diversos esforços para encontrar colocações na economia política, a saber, no Oeste da Europa, devem considerá-los sob este ponto de vista, pois só desta maneira os Senhores os entenderão. O próprio Rousseauismo não está isento deste impulso. Estas coisas devem ser estudadas num contexto totalmente objetivo.
Aqui, a segunda coisa, ao lado do problema do ímpeto, é o estado do sentido, o estado dos sentidos. Pois, na quinta época pós-atlântica, a cultura do sentido deve ser aperfeiçoada. Entretanto, os poderes arimânicos querem reivindicar para si esta cultura do sentido, e por este motivo querem criar a opinião de que a verdade se encontra única e exclusivamente no estado dos sentidos. Em tudo vive o arimânico, na mesma medida em que vive no problema do estado dos sentidos. O problema dos sentidos está intimamente relacionado ao problema do nascimento, da mesma maneira como o problema da felicidade está relacionado ao problema do ímpeto.
Para justificar o estado dos sentidos e instintivamente considerar toda a evolução de uma forma puramente sensorial, o tornar-se humano foi, no nascimento, diretamente articulado à evolução dos animais. Nisto os Senhores vêem o caminho pelo lado do problema do nascimento. A ponderação a respeito do nascimento dos homens, em realidade ocupa muito intensamente aqueles que refletem e diligenciam na quinta época pós-atlântica, a saber, desde o século 15. E aquele que conhece as circunstâncias sabe o que significou este problema: — De como o homem entra na Terra? — de como se cogitou sobre o mesmo, se a alma do pai e da mãe se transferem como alma para as crianças, ou se a alma é dada naturalmente pelos poderes supra-terrenos. O problema do nascimento, no sentido mais amplo, é tarefa da era pós-atlântica. É um problema proposto inteiramente no sentido do tempo regularmente evolvente. Mas tornou-se arimânico por ter sido transformado em puramente material, por ter sido o homem colocado apenas na extremidade do mundo animal, por seu estado de alma perante o estado dos sentidos dever ser deixado inteiramente fora de cogitação.
Desta maneira, verificamos que, provenientes de um lado, fluem para dentro impulsos que querem transformar o problema do ímpeto em problema da felicidade, não no sentido do bem moral. Inteiramente no sentido dos poderes regulares o problema do ímpeto seria transformável em problema do bem moral. Pois desenvolver o bemmoral bem de dentro do problema do ímpeto significa encontrar a espiritualização do problema do ímpeto. Esta é a tarefa regular da quinta época pós-atlântica. Isto deverá ser desenvolvido em poderosas imaginações, para as quais o começo reside em imaginações como as que se encontram no “Fausto”. Mas, pela influência arimânica, o problema do nascimento levou à evolução na condição dos sentidos. Portanto, problema de ímpeto para o problema de felicidade e problema de nascimento para o problema da evolução no ser de sentidos.
Ao constatarmos tudo isso proveniente desse lado, vemos os poderes arimânicos como que fluírem para dentro do quinto período cultural pós-atlântico. Eu já disse que com isto, por in-fluírem, de um lado, poderes arimânicos, e de outro lado, luciféricos, a procura torna-se especializada. Senão, na quinta cultura pós-atlântica surgiriam quatro grandes coisas as quais impregnariam as percepções de todo o trabalhar, de todo o trabalho, de todo o gerar até ao cultivo do solo do lavrador. Seriam quatro problemas. O primeiro é justamente o problema do ímpeto, o segundo é o problema do nascimento, o terceiro, que foi encomendado à quinta época pós-atlântica, é o problema da morte. O problema da morte, a saber, não só o de descobrir como o homem está inserido na Terra pelo nascimento, porém também o de como passa novamente para fora pelo portal da morte. E o quarto problema é o problema do mal.
Deu-se que estes quatro problemas não atuaram na humanidade cultural distribuídos uniformemente pela quinta época pós-atlântica, exatamente porque, por um lado, Âhrimã mudou o feitio do problema do ímpeto para o do problema da felicidade e o do problema do nascimento para o do problema do estado dos sentidos, e assim excluiu a solução correta dos problemas e, por outro lado, em contrapartida, porque Lúcifer dirigiu o sentido da cultura, mais tracejada para o Leste, em direção ao problema da morte e ao problema do mal.
E assim os Senhores podem acompanhar com precisão como toda a vida espiritual russa está essencialmente dominada pelo problema da morte e pelo problema do mal, e a vida espiritual do Ocidente pelo problema do ímpeto e pelo problema do nascimento. Justamente no mais poderoso pensador russo do nosso tempo, em Solowjow, os Senhores descobrirão por toda parte como o nervo dos seus pensar e refletir reside, de um lado, no problema da morte, e, de outro lado, no problema do mal.
Neste caso o problema do mal traz, da mesma maneira como o problema do ímpeto leva ao problema da fe-licidade, igualmente o feitio especial da consideração da vida pecaminosa, a consideração do pecado, o problema dos pecados. Por esta razão, em nenhum lugar o problema do pecado e do perdão do pecado, da purificação do pecado, foi atacado de uma maneira tão profunda como a partir do Leste. Mas ao mesmo tempo é irregular o que foi atacado com esse problema.
Esse problema do mal e o problema do pecado foram utilizados simultaneamente por poderes luciféricos para alienar as almas da vida terrestre mediante o redirecionamento da opinião para o pecado e para a vida do pecado carnal e corpóreo-terrestre. Enquanto no Oeste Arimã assesta todos os esforços para emaranhar o homem sobre a Terra no estado dos sentidos, e para fundar um reino do bem e da felicidade, que vem ao encontro dos ímpetos, provém do Leste a abominação perante o pecado, através da qual as almas devem ser guiadas para longe da Terra, uma vez que a alienação luciférica do ir-se-embora-da-Terra deve ser inoculado pela consideração do problema do pecado e do problema da morte.
Por isso uma grande parte da reflexão no Leste se dedica a como a morte será superada por aquilo que acontece com o próprio Cristo, de maneira que se quer encontrar impulsos para a vida na ressurreição. Justamente o que concluí a uma semana, que o Leste se inclina mais para Cristo, e o Oeste mais para Jesus, fica fundamentado em que o Leste usa o ressuscitado, o espírito, que não é consumido na materialidade, que vence a materialidade. É o problema da morte. Numa das mais belas passagens que Solowjow eventualmente tenha escrito, ele fala exatamente de que se a morte como fenômeno físico, como fato físico, significasse uma conclusão da vida humana, o ser humano se igualaria a todos os restantes animais, e ele não seria propriamente nenhum homem, seria um animal. Pela morte o homem se iguala ao animal.
Neste caso, Solowjow alude diretamente a como o seu pensamento foi influenciado pelo problema da morte e pelo problema do pecado, pelo problema do mal. Mas, em toda parte encontra-se a reflexão sobre tais reconhecimentos anímicos, pelos quais a alma não parece ser tocada pela morte, e a vida exterior é disposta de tal forma a efetivamente adotar mais uma vez, de certa maneira, sob os fenômenos justificados da vida, uma tendência a ir-para-longe-da-Terra. Por isso existem, precisamente no Leste, tantas seitas que amortecem a corporalidade, e de certa maneira já derramam a morte por cima da corporalidade, e querem levar a vida do ímpeto e a vida do nascimento ad absurdum por certa inclinação à oferenda e coisas semelhantes.
Já no Oeste reside o perigo perante o emaranhar-se na vida dos sentidos, mediante o qual a vida dos sentidos ficaria isenta de Eu. Porquanto, se na Terra só a felicidade tivesse de ser estabelecida, o Eu nunca poderia viver na Terra. Se apenas o bem tivesse de ser motivado porque a felicidade teria de ser espalhada sobre a Terra, aconteceria em realidade o seguinte, anteriormente demonstrado pela experiência da antiga Atlântida: também no meio da cultura atlântica foram dados grandes impulsos que depois teriam levado a uma felicidade.
Os homens haviam visto como sendo certa felicidade, em seus efeitos e em sua forma, aquilo que haviam percebido inicialmente como incitamento ao bem. Lá o homem se entregou à felicidade, o homem foi consumido pela felicidade. E a Terra precisou, com relação à cultura atlântica, ser varrida para longe, por assim dizer, porque os homens só tinham conservado a felicidade do bem. Na era pós-atlântica Âhrimã quer então fundar diretamente uma cultura da felicidade. Isto se chamaria: espremer o limão, ir embora com ela! — Os Eus não poderiam mais viver se apenas uma cultura da felicidade tivesse de ser fundada. A felicidade e o bem, a felicidade e a virtude não são conceitos que possam ser trocados um pelo outro.
Aqui mergulhamos o olhar nos segredos da vida. É legítimo fundar uma cultura que, em seus efeitos, conduza evidentemente a certa felicidade humana. Esta cultura se torna errada quando se coloca a própria felicidade como desejável. E uma cultura que evidentemente deve levar a que a alma humana reconheça na sua vida, acima de tudo, a morte e o mal, também se torna errada quando, por assim dizer, é evitado antecipadamente o seu contato, por ser temida a corporalidade com o que pode provocar a morte, e com o que pode provocar o mal. E destarte deve-se transigir com Lúcifer.
Vejam. Dessa forma deve-se procurar compreender como as forças concretas atuam na existência humana, o que está por baixo e o que está por cima da vida anímica consciente na quinta cultura pós-atlântica. E quando os senhores conhecem esses motivos condutores descobrem como poderão entender muito, muito mesmo, do que é apresentado. Apenas lhes peço que não sucumbam à ilusão, portanto, de que se deve evitar todo o luciférico e todo o arimânico. — Ora, este é justamente o melhor caminho para sucumbir ao luciférico e ao arimânico! Porque aquele que vive com a humanidade deve exatamente saber que Lúcifer e Âhrimã foram tolerados, até certo ponto. Se não pudessem acontecer extravios, o homem jamais chegaria à liberdade.
Se ele não pudesse viver na ilusão de que a felicidade e o bem poderiam ser a mesma coisa, e se não pudesse soerguer-se novamente acima desta ilusão, ele jamais chegaria à liberdade. Se ele não pudesse viver na ilusão de que, mediante o amortecimento da vida terrena exterior se pode arrebatar a vitória sobre a morte e sobre o mal, se ele não pudesse entregar-se a esta ilusão, ele não chegaria realmente ao triunfo sobre a morte e sobre o pecado. É necessário que estas coisas ingressem na vida humana. Apenas devemos esclarecer-nos a respeito da fala queixosa: — “Ai, isto é luciférico, e deve ser evitado, aquilo é arimânico, e deve ser evitado.” —
Não tomar conta de nós, porém saber colocar-nos de forma correta diante dos poderes reais, e que não temos de evitar Lúcifer simplesmente, porém que temos de subjugar as forças de Lúcifer em benefício da cultura evolvente da Humanidade; que não temos de evitar Âhrimã simplesmente, porém que temos de subjugar as forças de Âhrimã em benefício da evolvente cultura da humanidade. Que temos de recolhê-las. A luta consiste em Âhrimã querer expulsar as almas. A humanidade tem a tarefa de recolher Âhrimã com as suas vigorosas forças. Isto inclui, por exemplo, todas aquelas forças do entendimento — trata-se preferencialmente das forças do entendimento, mas elas podem também adotar uma forma animada — que foram aplicadas no problema: “Como se funda um estado?” Pensem em todas as pessoas que tomaram a seu cargo, mais ou menos teoricamente, mais ou menos praticamente, esse problema. Tomaram-no a seu cargo eventualmente porque fizeram os mais intensos esforços para solucionar o problema.
Essas forças que foram aplicadas ao problema devem ser destinadas ao bem dos serviços da humanidade. Elas não podem ser arimanizadas ao dizermos que não queremos saber nada de Âhrimã, que não nos ocupamos com o que, por exemplo, se alega como tendo partido de Âhrimã nos problemas sociais. Isto não levaria a nada. E exatamente o mesmo se refere a Lúcifer.
O impulso, o impulso da sensibilidade, o impulso do sentimento, que a ciência espiritual nos dá, deve consistir certamente em nos postarmos de maneira correta perante as forças ora existentes no mundo. Aquele que não quiser fazê-lo é exatamente igual àquele que diz: — Os maus elementos? — Não, não os aprecio, não os aprecio nem um pouco. — Certamente ambas estas coisas são unilateralidades. Mas na atuação conjugada do mal e do bem, na sua reunião, esses elementos tornam-se precisamente fecundos na condição de equilíbrio que devemos ocasionar na vida quando aprendemos, por assim dizer, a dominar o arimânico e o luciférico. Neste estado de equilíbrio reside o impulso a ser inserido na vida. E a ciência do espírito deve intermediar tal impulso. Na medida do possível queremos falar mais a respeito disto amanhã.
Rudolf Steiner – GA 171 – Dornach, 24 de setembro de 1916
Tradução: Gerard Bannwart
“Que nossas crianças caminhem ao sol livres e seguras de si ao se posicionarem no mundo.” – Leonardo Maia
PEDAGOGIA WALDORF: 10 PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DE RUDOLF STEINER
1. ANTROPOLOGIA EVOLUTIVA
De acordo com Steiner, a educação deve ser totalmente dedicada às necessidades do desenvolvimento da criança. Fala-se, neste caso, da antropologia evolutiva, que não busca a qualificação profissional e a produtividade econômica, como a educação vem sendo exigida e colocada desde a sociedade industrial. A criança, crescendo, vai aprender a compreender qual será o seu papel no mundo sem qualquer imposição dos pais, das escolas e da sociedade em geral.
2. A IMPORTÂNCIA DAS ARTES
Steiner acreditava que o aprendizado congitivo-intelectual não deveria ser predominante em relação às matérias artísticas, criativas e artesanais. Sendo assim, a pedagogia Waldorf dá bastante espaço para as artes em vez de se basear apenas no clássico estudo sobre os diferentes temas. Elementos artísticos e expressivos devem estar presente em cada aula. Fala-se de “educação artística”.
3. O AMOR PELA NATUREZA
A educação Waldorf ensina às crianças o amor à natureza e ao meio ambiente. Assim, o local ideal para a educação das crianças seria o ambiente rural, quase bucólico. A pedagogia Waldorf dá grande importância à agricultura e à origem dos alimentos, sendo muito valorizadas as agriculturas orgânica e biodinâmica.
4. INTELIGÊNCIA MANUAL
Os ensinamentos práticos da educação Waldorf estão ligados principalmente ao desempenho das tarefas manuais. As crianças, por exemplo, são incentivadas a participarem de oficinas criativas onde a importância da educação artística é dada através do ensino de atividades práticas, tais como o tricô. O trabalho manual tem um valor educativo elevado porque a coordenação mãos-olhos mantém o cérebro em grande atividade.
5. AS CRIANÇAS APRENDEM ATRAVÉS DE IMAGENS
Crianças em idade pré-escolar ainda não têm conceitos abstratos às suas questões filosóficas, por isso as imagens são muito importantes. A imaginação da criança é cultivada através das imagens que também estimulam a sua capacidade de representação. Os contos de fadas contados para as crianças são acompanhados por imagens ligadas ao mundo da fantasia. Imagens são usadas também para ensinar as crianças a escreverem e fazem parte do modo de falar do professor que usa, por exemplo, “um cadeado sobre a boca” em vez de dizerem ”façam silêncio”.
6. O PAPEL DOS CONTOS DE FADAS
Steiner argumentava que as crianças precisam dos contos de fadas. Ele ressaltava a importância de contar às crianças os contos populares, locais e do resto do mundo, porque os contos não apenas representam um patrimônio cultural inestimável, mas também porque representam um instrumento essencial para o crescimento das crianças, com suas histórias de obstáculos e provações que desenham as etapas da viagem que a criança terá de enfrentar na vida. Os contos de fadas dão conforto às crianças e contribuem para o desenvolvimento da imaginação e da compreensão das suas emoções.
7. AS BONECAS WALDORF
As bonecas Waldorf são feitas à mão, são macias e ajudam a criança a desenvolver a imaginação. A sua principal característica é a má definição de seus detalhes faciais pois a boneca precisa deixar espaço para a imaginação da criança. Desta forma, as crianças podem associar às bonecas, as emoções e expressões que elas preferirem. Para Waldorf as bonecas também são consideradas uma ferramenta importante para facilitar a criança no diálogo consigo mesma.
8. PEDAGOGIA CURATIVA
Steiner criou uma abordagem educativa original, a pedagogia curativa, que visa acompanhar o processo de evolução da criança e do adolescente, considerando as necessidades específicas de cada etapa do desenvolvimento e, principalmente, nos momentos em que estes se deparam com os obstáculos e as dificuldades da vida. Também chamada de educação terapêutica e terapia social, o método também considera as imperfeições físicas, psíquicas e espirituais dos indivíduos.
9. EMULAÇÃO E EXPERIMENTAÇÃO
As crianças aprendem por imitação, como quando imitam as atividades de seus pais, e através da experimentação, isto é, se passando em primeira pessoa pelas experiências, o tanto quanto possível.
10. PROFESSORES SÃO EDUCADORES
Nas escolas Waldorf, os professores são verdadeiros educadores, particularmente nos primeiros oito anos de escola, durante os quais permanecem responsáveis pela mesma classe. Também é dada muita importância ao ensino de língua estrangeira a partir do primeiro ano da escola. O ensino das línguas é feito através de jogos, conversas e performances.
A pedagogia Waldorf é a abordagem educativa desenvolvida pelo filósofo alemão Rudolf Steiner a partir de 1919. As escolas Waldorf, também chamadas de escolas steinerianas, estão presentes em mais de 60 países e são consideradas um dos maiores movimentos educacionais independentes do mundo.
A abordagem educacional da escola Waldorf abrange o intervalo de idades entre a pré-escola e os dezoito anos. Rudolf Steiner, educador e filósofo, é o fundador da antroposofia, da medicina antroposófica e da pedagogia Wardolf.
As primeiras escolas de Steiner nasceram na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial e a escola de Stuttgart serviu de modelo para as escolas Waldorf subsequentes.
por Redação GreenMe
GA 171 – Dornach, 18 de setembro de 1916
OS IMPULSOS OCULTOS DA EVOLUÇÃO – Terceira Conferência:
OS EFEITOS POSTERIORES DOS MISTÉRIOS ATLANTES NA AMÉRICA E NA ÁSIA
É extraordinariamente difícil falar a respeito das condições que foram indicadas na conferência anterior, porque nos tempos modernos, na nossa época do pensar materialista, faltam freqüentemente as representações e os conceitos para isto. É necessário primeiramente apropriar-se deles mediante a ciência espiritual. Portanto, o que se comunicará também será, de certa forma, apenas indicativo. Além disso, existe outro motivo condicionado por toda a evolução da nossa cultura moderna: o motivo que, diante das condições dissimuladas atrás do portal do conhecimento para o homem moderno, o deixou inteiramente um tanto desanimado.
Não há outra maneira de dizê-lo, se quisermos evitar a palavra “covarde”: o homem se tornou desanimado. O homem moderno preferiria obter sentimentos bastante cômodos, mediante o conhecimento. Entretanto, isto não é sempre possível. O conhecimento também pode saciar-nos com a mais íntima das satisfações, embora não nos diga nem nos mostre coisas exatamente agradáveis. Pois essas coisas não agradáveis fazem parte da verdade. E a respeito da verdade deve-se, em todo caso, sentir satisfação. De certa forma até mesmo a respeito das piores verdades pode-se ter um sentimento elevado. Todavia, como eu disse, talvez o homem moderno esteja excessivamente desanimado para isso: ele quer elevação a seu modo. Esta, por sua vez, está relacionada exatamente com os segredos da existência moderna, aos quais aludiremos mediante as considerações ora preparadas.
O homem moderno só consegue apropriar-se das aptidões especiais das quais falamos ontem, das imaginações livres no pensar e no agir, e da postura básica perante o mundo no pensar e no agir, se um véu for estendido sobre certos fenômenos que acontecem, mesmo quando não se expressam assim sem mais nem menos. E, desta maneira, refere-se também à necessidade da evolução da quinta era pós-atlântica, o fato do homem não compreender certas coisas que se passam, que de certa forma irrompem, a partir dos mundos sub-sensoriais e supra-sensoriais, em nosso mundo sensorial.
Na verdade, o homem moderno não entende nada dos acontecimentos mais importantes que se passam à nossa volta, diante dos nossos olhos. De certa maneira ele está protegido de compreender estes acontecimentos, porque somente sob esta proteção ele consegue desenvolver adequadamente aquelas duas aptidões indicadas. Só que os fundamentos estão dispostos até a nossa época de tal forma que não se continuará a progredir na evolução, sem aludir a essas coisas de certas formas e maneiras cuidadosas. O homem moderno, pelo modo como vivencia com sua alma não apenas o que se passa à sua volta, porém o que ele próprio faz, o que ele próprio executa, o homem moderno apenas tem em sua alma, de certa maneira, os reflexos fracos do que move e brota na natureza sub-sensorial, reflexos que, quando muito, emergem esporadicamente para o homem moderno como imagens assustadoras de sonhos, mas mesmo neste caso apenas de forma muito fraca.
O homem moderno não se dá conta do que se passa neste caso. Mesmo no estado normal sabe muito pouco a respeito do supra-sensorial. Por baixo daquilo que experimentamos na alma, como homens modernos, situa-se de certa forma algo que não se pode descrever senão como forças eruptivas. É como se, o que o homem moderno vivencia na sua alma, pudesse ser comparado com o mundo vivenciado quando se está em cima de um solo totalmente vulcânico. Em princípio, isto pode parecer muito tranqüilizador, mas basta tomar na mão um papel e acendê-lo para aparecer fumaça em toda parte! E se ainda víssemos o que revolve e borbulha lá por baixo, saberíamos em cima de que solo nos encontramos verdadeiramente. O mesmo se dá com a vida moderna.
Então reparamos, na vida moderna, que Ernest Renan escreveu sua “Vida de Jesus”. Reparamos isto da mesma maneira como reparamos a paisagem em cima de uma cratera senil de um vulcão. Vemos também o que David Friedrich Strauss escreve, e descrevemo-lo do mesmo modo como o descrevemos ontem, isto é, brandamente. Vemos o que Solowjow escreve; descrevemo-lo como o descrevemos ontem: brandamente. Todas estas coisas são descritas brandamente. Tudo isto é descrito deste modo porque ainda não começamos a acender uma tirinha de papel, nem a ver tudo o que vive por baixo do solo e age como impulsos eruptivos da humanidade.
Muita coisa está expressa no que acabo de indicar. Basta refletir de maneira ordenada para que os Senhores vejam quanta coisa foi expressa nisto. Portanto, examinemos o que foi descrito ontem, no final das nossas explicações, do mesmo modo como examinamos a vida em cima de um vulcão. E, por outro lado, o fato de mirarmos as coisas tão brandamente, tão ingenuamente, prende-se inteiramente ao significado da evolução. Isto é bom, pois sob esta brandura, sob esta ingenuidade, desenvolvem-se as aptidões das quais necessitamos na quinta era pós-atlântica. Só que, na maioria das pessoas, estas não se desenvolvem conscientemente.
Portanto, será preciso, mais tarde, tratar das aptidões desenvolverem-se também conscientemente, através da ciência espiritual. Por esta razão é necessário aludir algumas vezes a essas coisas de uma maneira cautelosa, pois então as descobrimos quando justamente se acende aquela tirinha de papel. — Porque tudo isto é assim? Vejam. Tudo isto é assim porque, para começar, as forças arimânicas têm, na verdade, pretensões completamente diferentes para a nossa quinta cultura pós-atlântica. Na quarta cultura pós-atlântica essas forças ficaram muito decepcionadas com a evolução romana, conforme descrevemos ontem e anteontem. Elas não alcançaram a sua meta. Portanto, indignadas, prepararam tempestades para a nossa quinta era pós-atlântica, pois mais uma vez querem alcançar a sua meta.
Por outro lado, já indiquei que também será expresso por dois lados, e localizadamente, o que penetrará como tempestades na nossa evolução, de certa maneira branda e pacífica, ou destinada à brandura e ao apaziguamento, na quinta era pós-atlântica. Aludi a um dos lados quando disse como Gengis-kan foi inspirado por aquele sacerdote contemplado por um descendente do grande espírito da antiga Atlântida. Também indiquei, por sua vez, como certa força arimânica tempestuosa partiu do oeste e num certo sentido foi vencida por tudo que se ligou ao descobrimento da América, respectivamente em tudo que vive numa força de oposição. Não se acredite que as coisas não vistas não existam! Por não haver chegado à realidade terrena física exterior o que realmente foi atacado pelos poderes arimânicos no Hemisfério Ocidental, por essa razão salvou-se dos primeiros ataques a nossa quinta cultura pós-atlântica. Mas aquilo continua vivo, continua vivo como um fantasma, de certa maneira. Está presente e se insinua nos impulsos dos seres humanos. Mas estes não sabem nada disso, do que se habitua aos impulsos, que os penetra.
Todavia, em realidade, só posso dar-lhes uma base para representações mediante certa sucessão de imagens, representações que os Senhores mesmos devem conseguir mediante seguidas meditações, porquanto não seria fácil encontrar conceitos no atual material conceitual, para indicar o que realmente vive nos impulsos humanos, que são subliminares, e que, embora empurrem e impulsionem a vida anímica comum, estão encobertos, não são contemplados, e não são vistos na vida moderna normal.
No solo que foi pisado pelo descobrimento da América já se haviam paulatinamente formado, no curso dos séculos anteriores, condições muito especiais, sobre o Hemisfério Ocidental. Ali existia uma população geral que estava muito distante de aperfeiçoar aquelas propriedades que entrementes haviam sido desenvolvidas no Hemisfério Oriental, na Ásia e na Europa. Lá existia uma população distanciada das aptidões comuns do pensar, desenvolvidas no Hemisfério Oriental. Entretanto, no meio daquela população havia um grande número de homens iniciados em determinados mistérios.
Antes do descobrimento da América havia mistérios das mais diversas espécies naquele Hemisfério Ocidental, mistérios que tinham numerosos partidários para certos ensinamentos originados desses mistérios. E, de certa forma, como um poder unitário ao qual tudo obedecia, e ao qual todos seguiam, venerava-se um espírito fantástico, um espírito descendente do grande espírito da Atlântida, um espírito que adotara aos poucos um caráter arimânico, posto que queria atuar com todas aquelas forças que haviam sido corretas na Atlântica, ou até eram arimânicas na Atlântida. Assim queria atuar.
Quando o atlântida falava do seu grande espírito expressava-o, conforme já foi indicado em nossas considerações, na palavra que soava de uma forma semelhante à palavra Tao, que ainda se conserva na China. E uma caricatura arimânica, a saber, um antagonista arimânico e opositor deste grande espírito Tao, que era, todavia semelhante a ele, atuava de tal modo que só conseguia tornar-se visível perante a contemplação atavístico-visionária. Mas, para as pessoas que estavam então relacionadas com os mistérios amplamente difundidos desse espírito, e toda vez que o queriam ter, aparecia de forma que pudessem receber as suas ordens e os seus preceitos. Designava-se esse espírito com uma palavra que soava quase igual: Taotl. Esta era, portanto uma variação arimânica do grande espírito, Taotl, uma entidade poderosa, que não chegava até à encarnação física.
Muitos eram iniciados nos mistérios de Taotl. Mas a iniciação inteira se realizava de tal forma que levava um caráter arimânico, pois tinha um propósito bem determinado, um alvo bem determinado. Ela tinha como alvo entorpecer a tal ponto toda a vida terrestre, também a vida terrena dos seres humanos, e mecanizá-la, para que por cima dessa vida terrena pudesse estabelecer-se o planeta luciférico peculiar já referido de diversas formas nestas considerações, a fim de que as almas humanas fossem expulsas. Elas deviam ser apertadas para fora da Terra. O que havia sido tentado na cultura romana pelos poderes arimânicos na forma ontem aludida, era apenas uma reminiscência pós-atlântica daquilo que mediante horríveis artes mágicas devia ser conseguido em uma medida muito mais abrangente daqueles que estavam sob a direção de Taotl. Um reino terrestre comum da morte, digamos, devia ser veementemente procurado, e inteiramente dirigido, de dentro para fora, ao extermínio de qualquer autonomia, de qualquer sensação anímica.
E nos mistérios de Taotl deviam ser alcançadas aquelas forças que capacitassem os homens a erigir tal reino terrestre completamente mecanizado. Para isto seria necessário conhecer, acima de tudo, todos os grandes segredos cósmicos que se referem àquilo que age e vive no Universo, e expressa seus efeitos na existência terrestre. No fundo, ao pé da letra, esta sabedoria do Cosmos é sempre a mesma em todos os mistérios, nos bons e nos maus, porque a verdade é sempre a mesma. Trata-se apenas de recebê-los de tal forma que sejam empregados no bom ou no mau sentido.
Portanto, esta sabedoria do Cosmos, que em si não era má, que continha até mesmo santos segredos, esta sabedoria foi cuidadosamente dissimulada pelos iniciados de Taotl. Ela não era comunicada a ninguém, a menos que alguém fosse iniciado por eles justamente no sentido correto, isto é, à maneira de Taotl. Portanto, tratava-se de alguém ser iniciado de maneira correta. Então lhe era comunicado, no início como ensinamento, o que são os segredos do Cosmos. Pois se tratava de manter estes segredos, mediante a iniciação, em uma disposição de alma bem determinada, em uma disposição de alma tal que se sentisse a inclinação, a simpatia por empregar estes segredos sobre a Terra de forma tal que erigissem sobre a mesma aquele reino mecânico e entorpecido da morte.
Dever-se-ia receber os segredos deste modo. E recebiam-nos, acolhiam-nos de uma forma peculiar. A ninguém era comunicada a sabedoria se não houvesse cometido anteriormente um assassinato de alguma forma. Na verdade, com o primeiro assassinato somente lhe eram comunicados certos segredos. Apenas depois de assassinatos sucessivos lhe eram comunicados segredos adicionais e mais elevados. Mas os assassinatos também deviam ser cometidos em condições muito bem determinadas. Aquele que seria assassinado era colocado sobre uma construção instalada de tal forma que se chegava a ela, por um ou dois degraus à volta toda, a uma espécie de dispositivo patibular arredondado para cima, de tal maneira que quando se colocasse ali em cima o indivíduo a ser assassinado, este ficava fortemente curvado pelas costas, e com o modo peculiar de amarrá-lo nesse dispositivo lhe era extraído o estômago. O estômago era extraído de tal maneira que, com um corte, para o qual o respectivo iniciando havia sido preparado, o estômago podia ser cortado fora.
Essa espécie de assassinatos produzia sentimentos muito bem definidos, e tais sentimentos provocavam sensações que habilitavam a empregar a sabedoria, que mais tarde seria comunicada ao respectivo assassino, da maneira aludida. Quando em seguida o estômago havia sido extirpado, era por sua vez oferecido, com cerimônias muito especiais, ao deus Taotl. Isto tinha como conseqüência que os iniciados desses mistérios vivessem com uma intenção bem determinada, exatamente com a intenção que lhes indiquei. Isto provocava orientações bem específicas dos sentidos. Quando aqueles que seriam iniciados estavam maduros nesse caminho de iniciação, eles também experimentavam aquilo de que se tratava. Então experimentavam qual era o efeito recíproco entre o que fora assassinado dessa forma, e aquele que fora iniciado. Através disso, o que fora assim assassinado deveria ser preparado em sua alma para esforçar-se a subir ao reino luciférico, e aquele que seria iniciado, deveria receber a sabedoria de dar tal feitio ao mundo terrestre que as almas dele fossem expulsas. E por haver sido estabelecida uma ligação entre o assassinado e o iniciado, — não digamos assassino, mas iniciado — por isso estava criada a possibilidade do iniciado ser levado com a outra alma, portanto ele próprio deixar a terra no momento oportuno.
Realmente, estes são mistérios, como os Senhores podem admitir sem mais nem menos, da mais revoltante espécie, e tais que apenas correspondem a um aspecto que se pode chamar, no sentido mais pleno, de arimânico. Certas sensações tinham de ser criadas na Terra desta forma. Ora, naturalmente a evolução da Terra não seguiria adiante se, em uma parte considerável dela, a bondade, o sentido pela bondade se extinguisse totalmente. Por esta razão também não se extinguiu completamente neste caso o sentido pela bondade, e foram fundados alguns outros mistérios que eram destinados a trabalhar contra os excessos desses mistérios. Estes eram mistérios nos quais vivia um ser que não chegou à encarnação carnal, mas que podia ser contemplado, por sua vez, com certa clarividência atávica, pelos homens capacitados, quando estes eram corretamente preparados pelos mistérios desse ser. E este ser era Tetscatlipoca. Assim o chamavam. Era um ser que por sua singularidade se assemelhava um pouco — embora pertencesse a uma hierarquia muito inferior — ao Deus Jahvé, e que, lá na outra metade da Terra atuava contrariamente àqueles horríveis mistérios dos quais falamos.
Em pouco tempo os ensinamentos de Tetscatlipoca vasaram do âmbito dos mistérios e se espalharam exotericamente, da tal forma que, naquele mundo, os ensinamentos de Tetscatlipoca foram, em realidade, os exotéricos, e os de Taotl, ao contrário, os esotéricos. Pois só se ingressava nestes justamente da maneira descrita. Entretanto, os poderes arimânicos tentavam de certa forma salvar a humanidade — estou me expressando conforme ´]
Áhrimã pensa — do deus Tetscatlipoca. E por isso outro espírito foi oposto a Tetscatlipoca, o qual, para o Hemisfério Ocidental, é muito semelhante ao espírito que Goethe descreveu como Mefistófeles. É um parente dele. Lá foi designado com um nome que soa mais ou menos como Quetsacoatl. Quatsacoatl era pois um espírito — devemos imaginá-lo inserido no outro meio — que para aquele outro meio era justamente semelhante ao Mefistófeles, que se apresentava muito mais animicamente. Esse espírito Quetsacoatl, que nunca apareceu diretamente encarnado, tinha como símbolo algo semelhante ao que no Hemisfério Oriental era o bastão de Mercúrio. Era ao mesmo tempo naquele Hemisfério Ocidental o espírito que, mediante certas forças mágicas, conseguia distribuir algumas doenças malignas, doenças malignas que ele conseguia impor àqueles que desejava arruinar, porque desejava soltá-los do deus Tetscatlipoca relativamente bom. Mediante tais coisas eram preparados os penetrantes golpes que, pelo lado arimânico, deveriam ser paulatinamente verrumados para dentro do mundo dos instintos humanos.
Todavia, num certo momento aconteceu de nascer um ser que se teria imposto uma determinada tarefa nessa cultura, um ser nascido na atual América Central. Os mexicanos, os antigos habitantes originais do México, ataram uma certa contemplação à existência desse ser. Diziam que esse ser havia vindo ao mundo porque uma virgem o havia tido como filho, uma virgem que o tinha concebido em virgindade mediante poderes supra-terrenos, porque um ser emplumado fecundara essa virgem, um ser emplumado proveniente do céu. Quando se pesquisa as coisas com os recursos ocultos que estão a nossa disposição, vê-se que este ser, ao qual os antigos mexicanos atribuíam nascimento da virgem, atingiu a idade aproximada de trinta e três anos, e nasceu por volta do ano 1 da nossa era. Isto se obtém, digamos, quando se pesquisa as coisas com meios ocultos. E então se apresenta uma tarefa bem definida.
Ora, por aquele tempo já nascera na América Central um ser humano destinado por seu nascimento a ser um alto iniciado de Taotl. Esse ser humano destinado a ser um alto iniciado, já teria justamente em suas encarnações terrestres anteriores, atingido iniciações na forma acima descrita, e mediante elas, por ter repetido e repetido muitas vezes o procedimento apresentado aos Senhores, isto é, o procedimento da extração do estômago, que não seria mais repetido, por essa razão ele foi aos poucos sendo dotado de um elevado saber terreno e supra terreno. Este foi um dos maiores, senão o maior mago negro que a Terra jamais viu pisar sobre si mesma, aquele mago negro que por isso mesmo se apropriou dos maiores segredos que existem para apropriar por esta via.
Ao aproximar-se o ano 30 este se encontrou diretamente diante de uma grande decisão, diante da grande decisão de, mediante contínua iniciação, tornar-se realmente tão poderoso, como única individualidade humana a conhecer o segredo básico pelo qual poderia dar tal golpe na subseqüente evolução terrestre humana, que realmente a humanidade se tornaria tão obscurecida na quarta e na quinta era pós-atlântica, que ficaria efetuado o que os poderes arimânicos buscavam com empenho para essa era. Então começou entre ele e aquele ser, a quem fora atribuído o nascimento de uma virgem, uma batalha a respeito da qual se descobre pela pesquisa, ter durado três anos, uma batalha entre aquele ser ao qual se atribui nascimento de virgem e esse mago extremamente poderoso. Esse ser ao qual se atribui o nascimento da virgem leva mais ou menos o nome, quando se tenta copiá-lo na nossa língua, de Vitsliputsli.
Vitsliputsli é, portanto um ser humano. Dentre todos esses seres que de outra forma só errariam por aí como fantasmas, de maneira que só poderiam ser contemplados através da clarividência atávica, este ser Vitsliputsli se torna efetivamente homem pelo nascimento da virgem, que se lhe atribuíra. A batalha de três anos terminou de tal modo que Vitsliputsli conseguiu fazer crucificar o grande mago. E pela crucificação não só conseguiu exterminar o seu corpo, porém também desterrar a sua alma, de maneira que ela se tornou impotente em sua ação, de maneira que o saber se tornou impotente, o saber do qual este poderoso mago de Taotl se havia apropriado foi morto.
Desta maneira, Vitsliputsli adquiriu a capacidade de conquistar todas aquelas almas que, na forma indicada, já haviam descoberto a ânsia de seguir Lúcifer e deixar a Terra, e de conquistá-las, por sua vez, para a vida terrena, inoculando-as com o impulso da vida terrena, assim como para a encarnação seguinte, pela extraordinária vitória que havia arrebatado ao grande mago negro.
Destarte, deixa de viver o que teria sobrevivido a partir daquelas regiões se os mistérios de Taotl tivessem frutificado. Mas continua a viver apenas, por assim dizer, no mundo etéreo, o que restou como forças, como forças posteriores, do impulso que existia naqueles mistérios.
Todas aquelas forças estão presentes. Elas estão sub-sensorialmente presentes, e pertencem àquilo de que lhes disse que as poderíamos contemplar se pudéssemos fazer na vida espiritual o mesmo que acender um papel acima de um vulcão senil extinto. Elas estão aí. Estão de certo modo por baixo da capa vulcânica da vida comum, de tal maneira que passam a insinuar-se em tudo que forma a quinta era pós-atlântica, por um lado, com relação ao desenvolvimento da alma do ser humano aquilo que proveio do inspirador de Gengis-kan, e, por outro lado, aquilo que se faz sentir como fantasma dos processos completados no Hemisfério Ocidental, os quais ainda se apresentavam apenas como fracos ecos quando os europeus descobriram a América.
Todavia, até mesmo a história sabe, na verdade, que muitos europeus ao pisarem o solo da América, o solo do México, foram assassinados, e tiveram extirpado o estômago da forma descrita, por parte do clero local já decadente, e já não tão malvado quanto o antigo. Para muitos europeus que pisaram o solo do México após a descoberta da América, isto aconteceu dessa maneira. Até a História sabe disso.
Aquela gente, portanto, venerava em Vitsliputsli um ser solar que nasceu de uma virgem da maneira como descrevi, e de quem se acha, ao pesquisar as coisas com recursos ocultos, ter sido o contemporâneo desconhecido do mistério do Gólgota no Hemisfério Ocidental.
Em realidade também se pode descrever estas coisas abstratamente, como fazem as pessoas superficiais da atualidade, de maneira a, de certo modo, não magoarem. Mas se quisermos um verdadeiro reconhecer devemos roçar o concreto, ou seja, o que se passou, pelo menos com uma olhadela como fizemos hoje. Pois, ao observamos esta alma moderna, vemos como está exposta para baixo, em direção ao sub-sensorial, e também para cima, rumo ao supra-sensorial, como está exposta a fortes e grandes perigos, e como as forças, que permanecem só inconscientes, nela se insinuam.
E é bom que permaneçam inconscientes, porque só assim pode se desenvolver a quinta era pós-atlântica. O véu deve apenas ser levantado para que, uma vez decorrido suficiente tempo após a descoberta da América, possa sobrevir à inconscientização a conscientização. Pois senão, se não sobrevier cada vez mais a conscientização, estas forças serão predominadas, e alterar-se-iam as condições que surgiram para benefício relativo da humanidade na época da inconscientização, e elas se tornariam maldição da humanidade. Pois muitas coisas estão realmente predispostas a se transformarem em maldição da humanidade, coisas que, do modo como surgiram deste ou daquele lado, se transformaram, entretanto, em benefício dela.
Eu quisera indicar-lhes, mediante o que foi descrito hoje, o que borbulha e brota ali por baixo sob a superfície. E agora deixemos esta região subterrânea e dirijamo-nos, portanto, para o supra terrestre, sem desejar, todavia provocar imediatamente qualquer ligação de pensamentos — podemos provocá-la mais tarde — entre ambos aqueles reinos.
Por sua vez, examinemos agora a questão: Como foi escrita por Ernest Renan essa extraordinária e genial “Vida de Jesus”? Ela foi escrita para termos diante de nós um Jesus que anda como um ser humano sobre a Terra, da maneira como descrevi ontem. Uma personalidade tão genial como Ernest Renan não está consciente dos motivos a partir dos quais escreveu exatamente essa “Vida de Jesus”. Ela foi escrita a partir de impulsos bem determinados. Mas os impulsos ficaram no inconsciente. Tais impulsos, pelos quais foi escrita a “Vida de Jesus” de Ernest Renan, se pode resumi-los como um impulso básico que até agora só provocou algo de bom, de relativamente bom dentro de certos limites. Pois a “Vida de Jesus” de Ernest Renan é, por exemplo, a seu modo, uma obra extraordinária.
Mas muita coisa foi feita a partir do mesmo impulso básico. Eu apenas escolhi um exemplo para ser entendido. Também poder-se-ia escolher exemplos da vida, só que neste caso chegaríamos a campos que muito irritariam as pessoas. Uma obra desse jaez foi escrita a partir do impulso básico que quer desenvolver-se em algo bem determinado, a partir do impulso que, o que quer que se manifeste como ser humano seja visto apenas exteriormente, seja visto apenas da maneira como se insere no mundo externamente. Escolhi este exemplo da “Vida de Jesus” porque Ernest Renan, a partir deste impulso básico, se aproxima da personalidade mais santificada da humanidade, e a descreve, a partir deste impulso básico, de maneira a que ela se eleve diante de nós apenas como personalidade exterior.
Para onde conduziria a final este impulso básico, se ele crescesse cada vez mais? Ele levaria a que os homens, ao observarem o mundo, não se inclinassem mais a olhar em suas próprias almas. Pois Ernest Renan já chegou ao extremo de não mais ousar olhar no seu próprio interior ao falar do Cristo Jesus. Ele só fala da figura histórica e procura contemplá-la exteriormente. Isto é proveniente do impulso básico de nos perdermos pouco a pouco como humanidade, de modo a contemplarmos cada ser humano do mundo apenas externamente, de não mais vivenciarmos com ele o que dele se reflete na nossa própria alma. O impulso básico da contemplação primordial dos fenômenos é levada ao extremo. O seguinte impulso básico é levado ao extremo: o mundo externo deve ser visto sem que o interno seja excitado de nenhuma maneira.
A formação unilateral deste impulso tende a uma relação humana que enxerga os outros seres humanos de forma a ver tudo apenas externamente. Em muitos aspectos, justamente, a nossa época nos mostra diretamente a que ponto se chegou com estes impulsos, isto é, como os homens só devem ser entendidos cada vez mais, não segundo o seu anímico, porém segundo o aspecto externo. E justamente a formação errada das idéias nacionais que imprime no homem a nacionalidade, a qual é algo externo frente ao que faz parte do anímico, só o julga segundo, e de certo modo quer configurá-lo na vida para ser entendido como pertencente apenas à nacionalidade, e não segundo o seu interior, esta formação é uma das forças que serve muito especialmente a tal impulso básico. Mas assim a humanidade terrestre se fecharia cada vez mais dentro de limites nacionais, e no futuro nunca mais seria possível atravessar esta fronteira nacional.
Portanto, partindo destes impulsos básicos só resulta a imagem de cada ser humano, de como ele se coloca externamente no mundo, quando este impulso básico se esgota no reconhecimento. Observemos agora o outro impulso básico. O outro impulso básico, o impulso básico oposto consistiria em expressar somente as vivências internas, e absolutamente não dirigir o olhar para o homem exterior, porém somente para as vivências internas, em contemplar apenas o que se pode experimentar interiormente, o que se vivencia diretamente na alma.
Quando se realiza este impulso em direção à questão do reconhecimento com relação à figura do Cristo Jesus, então o interesse pelo feitio de Jesus deveria naturalmente cessar, pois o feitio de Jesus só pode, à maneira de Renan, ser pesquisado externamente, e o interesse não se prenderia ao feitio de Jesus, porém somente à entidade de Cristo. Neste caso não se terá interesse pelo feitio de Jesus como figura histórica, porém somente pela entidade de Cristo. Se este impulso, que é o oposto ao anteriormente descrito, que agora também procura generalizar-se na humanidade terrena, se este se difundisse, os homens, em compensação, passariam ao largo uns dos outros, cada qual tendo a borbulhar em seu interior uma rica vida anímica. Mas passariam ao largo uns dos outros sem ao menos necessitarem, de algum modo, perceber os seres humanos existentes ao seu redor, em sua singularidade. Cada qual desejaria, digamos, viver apenas na sua própria morada anímica. No campo do reconhecimento da mais santa entidade perante a humanidade, se esgota mais uma vez este impulso com Solowjow, que só se interessa pela entidade de Cristo, e não pela figura do Jesus histórico.
Os Senhores vêem para quais dois extremos tende a humanidade moderna. Ela tende para dois extremos. Um é o impulso de contemplar o mundo apenas de fora, de impelir o fenomenal primordial ao extremo. O outro é de compreender internamente o mundo apenas em imaginações livres. Tudo isto está no começo e até agora se desenvolveu de uma maneira benéfica e bela. Mas tudo isto procura tornar-se errado. Precisamente a maneira pela qual, com relação à descrição exterior, a “vida de Jesus” é uma obra prima, as representações de Solowjow sobre a entidade de Cristo são a coisa mais elevada que neste assunto poderia ter sido criada na atualidade. Estes impulsos são benéficos, mas brotam do impulso que, por sua formação unilateral, impeliria cada ser humano de volta para a sua própria casa.
Em contrapartida, deve-se estabelecer justamente um reconhecimento pela ciência do espírito, um reconhecimento que pode ser resumido em duas propostas, e que eu desejaria inscrever hoje com muito desvelo em suas almas. Uma proposta é que o ser humano jamais pode chegar a uma verdadeira vida interior pessoal, que seja boa, correta, e forte, sem que tenha o mais cálido interesse por outros seres humanos. Toda vida interior procurada por nós permanecerá falsa, continuará sendo uma tentativa, se não caminhar junto com um interesse amoroso pelas singularidades dos outros seres humanos.
Nós devemos pressupor com sinceridade, que nos encontramos interiormente como seres humanos quando nos interessamos pelas peculiaridades dos outros seres humanos. O consentimento amoroso a individualidades de outros seres humanos, — que na vida pode estar ligado a uma dura tragédia vivencial — só isto é que nos pode levar ao auto-reconhecimento.
Mas, o auto-reconhecimento que procurarmos mediante auto-devaneios jamais será um auto-reconhecimento correto. Portanto, aprofundamos o nosso interior pela comunicação, repleta de interesse, com outros seres humanos. Mas esta proposta, do modo como está expressa, alude a algo que não pode ser realizado diretamente, porque precisa interagir diretamente com uma outra coisa. Pois jamais alcançaremos um reconhecimento correto do mundo exterior, enquanto não nos decidirmos a pesquisar em nós mesmos, a aprender em nós mesmos, o humano, o humano comum. É por esta razão que todo o reconhecimento da natureza na época moderna, será apenas mecânico, não verdadeiro, porém errado, falso, quando não se apóia num reconhecimento do homem, conforme a ciência por mim descrita como ciência do oculto no livro “Ciência Oculta”, onde junto com o reconhecimento do ser humano é procurado o reconhecimento do mundo exterior. Encontramos o interno no externo, encontramos o externo no interno.
O que neste caso ainda deve ser falado com relação a certos fenômenos temporais sobre outras obras acima mencionadas, como, por exemplo, a assim chamada “Vida de Jesus” de David Friedrich Strauss, a respeito disto quero falar numa outra ocasião. Hoje eu gostaria apenas de dizer que, quando há duas vezes sete anos se começou com o nosso impulso de um movimento teosófico, depois tornado antroposófico, pensou-se que, através de tudo que flui neste movimento, se atua muito especialmente no sentido destas duas propostas: todo o externo deve inflamar o auto-reconhecimento, e o interno deve ensinar reconhecimento mundial. Nestas propostas, respectivamente na sua realização no mundo, reside a verdadeira penetração na existência, e se encontram os impulsos para o verdadeiro amor humano, para o amor humano vidente. E uma realização daquilo que reside nestas propostas deveria ser procurado pela nossa Sociedade. Se nos duas vezes sete anos houvesse acontecido tudo aquilo que foi pretendido, as forças contrárias do nosso tempo não seriam suficientemente fortes para impedir muitas coisas, e então eu ainda poderia falar de forma muito diferente da qual se pode falar, sobre certos segredos da existência.
Neste caso, esta Sociedade teria amadurecido para que em seu seio pudessem hoje ser expressas coisas que de resto não poderiam ser expressas em nenhum outro lugar. Mas, então também se apresentaria uma garantia para que estes segredos da existência fossem guardados da maneira correta. Entretanto, os acontecimentos na nossa Sociedade mostraram, exatamente com relação à guarda, que as coisas não marcham, e não marcham por causa dos mais diversos contrapesos que se penduraram no movimento. Pois como hoje em dia não existe realmente nenhuma proteção, pelo menos nenhuma proteção decisiva, para que, o que for falado entre nós, seja empregado lá fora no mundo de forma aleatória, da forma até conhecida pelos Senhores como é empregada por algumas pessoas, e que ainda é embrulhada em tais sentimentos, conforme acontece por parte de algumas pessoas, então se evidencia nisto, consideradas as duas vezes sete anos, que, de certo modo, a Sociedade ficou para trás no que devia ser pretendido, e em certos aspectos ficou atrasada. Tal modo de ver não deve levar-nos ao desencorajamento, mas deve levar-nos, não só a nos querermos regalar em certos reconhecimentos, senão a querermos desenvolver suficiente seriedade de vida para absorver a verdade no feitio no qual ela, justamente em nosso tempo, deveria realmente ser comunicada.
Quando eminentes escritores, membros do nosso movimento, podem estar pensando da maneira como ficou demonstrado ultimamente, então fica claro, por sua vez, que ainda devem antes disso ser despertados outros e mais profundos impulsos nas almas daquelas pessoas que se encontram na nossa Sociedade, que os até este momento despertados. Não devemos unir-nos só para ter reconhecimentos agradáveis, senão para prestar um santo serviço da verdade no interesse da evolução da humanidade. Neste caso certamente chegarão até nós os reconhecimentos corretos. E estes reconhecimentos não serão represados por toda sorte de preconceitos.
Vamos, portanto, pelo menos acolher em nossos corações o ideal de que tal Sociedade poderá talvez também nascer, a Sociedade necessária no mundo geral dos preconceitos que atravessa e embebe o nosso tempo. O que acabo de dizer naturalmente não se dirige nem um pouco em particular a nenhuma alma entre nós. Embora não se volte nem minimamente dirigida a nenhuma alma em particular, dirige-se unicamente a acentuar o ideal do reconhecimento do nosso tempo, o ideal daquele serviço à humanidade que deveríamos reconhecer como necessário. E da mesma forma calorosa com a qual falei aqui há oito dias, eu também desejaria hoje acentuar, mais uma vez, que não se deve esquecer em nosso círculo, que para a humanidade atualmente é necessário um círculo de seres humanos, ao qual, de uma maneira inteiramente despreocupada, se possa falar sobre o conteúdo total da verdade a ser revelada hoje em dia, sem que se ergam contra isto emoções repletas de preconceitos.
Devemos aceitar como nosso carma o fato de ter-se alçado a inimizade em nosso círculo, levantou-se inimizade, inimizade a partir do imprudente senso desta época, e das imprudentes idéias desta época, e das emoções desta época. Mas nós também não deveríamos entregar-nos por nenhum instante a uma ilusão a respeito de que este carma seja exatamente o nosso. E então desabrochará em nós, a partir deste reconhecimento, o impulso para o certo. Na realidade, não devemos esquecer tanta coisa absorvida, com a mesma rapidez com a qual acontece, não devemos esquecer tamanha porção daquilo onde se concatenam, em superiores propostas isoladas, as verdades de ordinário dispersas. Não devemos meramente deixar passar por nós as propostas, porém devemos guardá-las em nossos corações. Em nosso círculo está tão difundido o anseio de esquecer, e justamente com frequência o de esquecer o mais importante. Por esta razão ainda não nos tornamos o organismo societário vivo do qual necessitamos, respectivamente necessita a humanidade. Para isto é necessário, acima de todas as coisas, que nos apropriemos de uma memória para com o que podemos aprender ao longo da vida, pela Sociedade.
Rudolf Steiner – GA 171 – Dornach, 18 de setembro de 1916
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 22 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – décima oitava conferência
Meus caros amigos! Nós discorremos sobre o Apocalipse em seu aspecto espiritual mais interior e nós o tratamos com relação à atuação sacerdotal dos senhores; e é inteiramente evidente que em conexão com o Apocalipse ainda se poderia dizer tudo quanto é possível que, particularmente, toda a composição do Apocalipse poderia ser desenvolvida. Entretanto, me parece que este arranjo aqui em Dornach pode obter o seu melhor conteúdo por intermédio de, em primeiro lugar, ser trazido adicionalmente à luz do dia de modo realmente prático na atuação sacerdotal, aquilo que aqui foi falado em conexão com o Apocalipse.
Hoje ainda devemos fazer uma conexão a algo mais. Devemos ponderar que, na verdade, vivemos na época da alma da consciência, naquela época da evolução da totalidade do ser humano, na qual este deve, digamos, tomar em suas mãos a intelectualidade, deve articular a sua própria individualidade para dentro desta alma. Naturalmente, essa época é agora a primeira, digamos, que ainda limitava ao espírito do ser humano, no qual as coisas que dizem respeito à apropriação da intelectualidade que fluem dentro do refletir e pensar humanos. Virá uma época na qual também as forças mais profundas da alma humana serão tomadas por aquilo que agora se passa mais dentro do refletir e do pretender e do pensar.
Atualmente o ser humano ainda está em condição de fazer para si representações a respeito de como ele deve servir-se, em sua própria individualidade, da intelectualidade invasora. No entanto, esta época do desenvolvimento da alma da consciência não acabará sem que também as próprias almas, em suas mais profundas emoções, em seus sentimentos, em suas paixões sejam agarradas pela intelectualidade e então justamente habitará ainda mais profunda e fundamentalmente no ser humano, o que na Idade Média ainda era procurado nos astros, quando se falava a respeito de inteligências angelicais contidas nos astros. Porquanto tudo isso, na verdade, é descarregado dentro do ser humano.
E quando então mais tarde chegar a era de Júpiter, a corporalidade humana também será tomada pela intelectualidade. Por isso, justamente na atualidade ainda é possível – porque as coisas ainda se situam de tal modo que o ser humano consegue entender em pensamentos e palavras de que se trata, porque a alma ainda não foi agarrada em sua estrutura mais interior pela intelectualidade – exatamente na atualidade ainda é possível, por isso, especialmente na atuação sacerdotal, orientar esta atuação de tal modo que os desígnios universais, os alvos universais efetivamente podem ser atingidos.
Pois, vejam os senhores, o assunto está colocado de tal modo que o se humano, ao arrastar para si a intelectualidade a partir do universo – e isto afinal está situado na sabedoria universal, este fato de ele arrastá-la – de que o ser humano dá a possibilidade, em momentos descontraídos que, na verdade, sempre existem, de deixar esta intelectualidade ser agarrada por aquela potência arimânica que na tradição cristã é chamada de Satanás e que não pode ser confundida com o demônio comum, o qual, na verdade, não tem as propriedades de Satanás, porém é uma potência mais baixa.
Satanás tem o grau das forças primordiais dos Arqueus e ele é aquele que no decurso da evolução do mundo se apoderou dessa intelectualidade muito tempo antes de ela ter se aproximado do ser humano do modo como isto foi descrito. No presente ele é, por assim dizer, o mais abrangente possuidor da intelectualidade e ele pretende atar a intelectualidade humana tão fortemente à sua, a ponto de o ser humano poder, por esse caminho, cair para fora da sua evolução. Portanto, desativar a Mistério do Gólgota, é isto que pretende essa potência arimânica.
Ora, essa potência arimânica que é chamada de Satanás na tradição cristã, não tem força para atuar para cima, nos diversos níveis do universo, senão até o ser humano. Não se pode imaginar, portanto, que, por exemplo, a inteligência de um anjo pudesse ser diretamente agarrada por essa potência arimânica. Isso só pode acontecer em certos casos excepcionais. E o saber a respeito dessa possibilidade, de que no futuro podem ocorrer momentos nos quais também poderia ser possível para a potência satânica, não apenas atar a si os seres humanos, indiretamente, pela intelectualidade, porém onde a potência satânica também poderia atar a si seres da região dos Anjos, especialmente dos Arcanjos, isso ainda pertence atualmente aos mais elevados enigmas do ocultismo, a respeito dos quais, por enquanto, não se poderá falar e que só podem ser desvendados sob determinadas condições.
De modo que nós apenas podemos indicar que, a rigor, alguma vez no futuro a própria sedução e tentação de seres da hierarquia dos Anjos e especialmente dos Arcanjos poderia ser possível. Hoje nós devemos contar em primeiro lugar com o fato de que a potência chamada de Satanás na tradição cristã tem o dom de, por assim dizer, se dependurar naquilo que no íntimo do ser humano se mostra com uma independência como a intelectualidade; e depois, quando em certa medida a intelectualidade contida no ser humano é agarrada pela potência arimânica, então o ser humano pode ser arrancado da sua evolução para um curso totalmente diferente, simplesmente por ser seu ser arrastado para fora do seu intelecto ao qual Satanás está em condição de se ligar. Isso não seria possível em nenhuma outra força anímica ou espiritual, em nenhuma outra força corpórea no ser humano, senão exclusivamente no intelecto, pois o intelecto está disposto de tal modo no ser humano, a ponto de, no ser humano, representar a coisa mais estável; todo o restante está apegado a determinados poderes divinos.
Por isso, Satanás, se ele, por exemplo, se aproximasse do sentir, do perceber, do cobiçar e desejar dos seres humanos, ainda teria sempre de se haver com as forças sobre-humanas inseridas nestas capacidades anímicas. A intelectualidade é a primeira coisa com a qual o ser humano pode soltar-se das entidades que causam a sua evolução pessoal, é a primeira coisa onde o ser humano, mediante toda a sua força livre, sua própria, dele, desde os primórdios, deve ligar-se àqueles poderes que desde o início se postaram junto ao seu desenvolvimento.
Assim o ser humano deve aprender que é preciso identificar-se espontaneamente com as derradeiras metas do Apocalipse onde é claramente indicado pelo apocaliptista que aí surgirá aquele poder que constitui o Alfa e o Ômega das forças criativas correntes, o ser criativo corrente da evolução, e que o ser humano por decisão própria tem de aderir àquele ser que o conduziu enquanto ele ainda não estava emancipado cosmicamente.
Entretanto, Satanás pode empregar esse grande momento na evolução da humanidade para dessa maneira com o intelecto puxar os seres humanos para ao lado de lá em seu próprio âmbito. Agora já podemos ver como a potência satânica se empenha em trazer o ser humano dessa maneira para dentro da sua, dele, evolução. O acesso para isso é o de que se encerra os seres humanos em associações como vemos hoje surgirem como germes em toda parte, onde cessam as antigas almas grupais, podendo começar uma nova forma de alma grupal. Por isso, o que acontece atualmente, por exemplo, no Leste Europeu é tão terrivelmente satânico, porque tudo leva a ali encerrar seres humanos com toda força, de tal forma que almas grupais se tornem necessárias.
Quando então os mais inteligentes são levados para o lado de lá na baixa região do arimânico, então os grupos que são formados ali, só podem ser atribuídos como grupos a potências arimânicas; e então este seria o caminho, para as potências arimânicas, para arrancar a humanidade para fora da evolução terrestre e introduzi-la em outra evolução planetária. A animicidade grupal só pode então ser bem sucedida quando o elemento intelectual for totalmente emancipado, de certa maneira. Para isso são feitos hoje no Leste os mais requintados ataques. E, precisamente para a ação sacerdotal os senhores deveriam por isso entendê-lo, porque aqueles ataques ali no Leste se sobressaem de maneira mais forte; mas isso também acontece em geral em todo lugar na Europa Central e Ocidental.
Assim é preciso, por exemplo, que algo seja debatido, algo que aparece como sendo mais ou menos ingênuo, mas que, todavia, deve ser isto com extrema seriedade na vida exotérica, e isto é o de permitir a entrada da psicologia, da doutrina da alma em uma observação experimental. Esse é um dos caminhos que leva a que o anímico não atue de ser humano para ser humano no sentido dos antigos poderes divinos, porém que ele seja determinado pela medida numérica exterior ou de qualquer outra maneira exterior. Essas coisas ainda são inofensivas na Europa Central.
Mas os senhores deveriam ponderar que no Ocidente – especialmente com William James, mas também com outros – chegou uma maneira estatística de avaliar, portanto, uma maneira intelectualista de empregar um modo de ver emancipado da vida anímica até para a regressão interior do ser humano para aquilo que se poderia chamar de encontro religioso interior de si mesmo que em muitos seres humanos hoje acontece em certo momento, lá pelo vigésimo ano de vida. Pelo vigésimo ano de vida apresenta-se hoje, na verdade, em muitos seres humanos o momento de uma conversão interior, de uma conversão penetrando puramente de dentro do interior; ali os seres humanos são tomados por algo que é como um levantamento em turbilhões da divindade, de dentro da própria alma.
Na América se anota estatisticamente qual percentagem da população experimenta tais conversões interiores. O assunto é tratado de forma estatística. Satânico nisso é justamente o tratamento estatístico, a composição dessas coisas através do intelecto emancipado. Essas conversões, todas elas, não são mais do que senão exaustões cósmicas e por isso deve-se considerá-las caso a caso, isoladamente.
Vejam! Hoje, no campo das ciências naturais, se louva em toda parte, extraordinariamente, o método estatístico. Aquele que persegue a marcha da atual ciência natural, encontra uma enorme louvação sendo contada, em toda parte, sobre o método estatístico. Os seres humanos absolutamente não conseguem mais chegar ao âmago e procuram em toda parte obter leis a partir das estatísticas.
No campo da medicina isso é o mais difícil de ser combatido, onde isso invadiu da maneira mais horripilante, de onde partem para isso todos os métodos clínicos para registrar simplesmente em estatísticas, se medicamentos atuaram positiva ou negativamente e assim por diante. Ali se aninha esse elemento estatístico e precisamente ali ele é inteiramente inútil, pois, no fundo, ele não prova absolutamente nada, ao sabermos quantos casos acabam assim ou assado. Porém, sempre deve tratar-se de entender a fundo cada caso de per si, não importando como acabe.
Somente quando todos os métodos do conhecimento chegarem novamente ao ponto de estudar cada caso, se pode dar valor a toda a estatística – a qual, como os senhores sabem, particularmente em considerações sociais na social-democracia desempenhou um enorme papel – apenas até o ponto, digamos, em que ela pode ser estabelecida quando se levou todo o restante em consideração, individualmente; então se pode dizer que em tantos e tantos casos o assunto se encaminhou de modo favorável ou desfavorável.
Do mesmo modo, a maneira estatística de examinar as coisas suscitou uma enorme tolice como estatística de suicídios ou de loucuras. Constata-se qual a porcentagem dos seres humanos em determinadas profissões que terminarão em suicídio ou loucura. Não tem absolutamente nenhum valor para o verdadeiro conhecimento sabermos isso. Pois o essencial é como cada qual chega ao suicídio, como cada qual chega à loucura.
E isso é assim com esse modo de ver estatístico que desempenha um grande papel em toda parte onde cientistas escrevem a respeito da teoria do conhecimento; esse modo de ver estatístico é realmente como se Satanás estivesse à solta. Isso é mesmo muito assustador. Vejam! Esse modo de ver que mostrou a atuação da potência satânica justamente na Europa Central e no Leste se tornou filosofia com Avenarius e com Mach, junto aos quais os filósofos dirigentes bolchevistas fizeram seus estudos, os quais praticamente levaram o assunto para a Rússia.
Também do lado daqueles que de boa vontade querem ver a progressiva evolução da humanidade, se costuma ver hoje as coisas de tal forma – ora, eles procedem assim, mas não nos preocupamos a respeito – pois na Europa Central os germes para o bolchevismo foram colocados há décadas e só foram transferidos para a Rússia. É como se tomássemos um germe e o levássemos embora, o qual então deve desabrochar em algum lugar.
Dessa forma a potência satânica já trabalha hoje plenamente em toda parte e se dirige a todas as direções para apelar para a emancipação do intelecto o qual mira as coisas de alguma forma sem conexão interior com o assunto, tanto em relação ao anímico, ao espiritual, à conversão interior e assim por diante. Se desse um bom resultado a Satanás, ter levado o assunto até certo ponto, como ele quer, então a evolução da humanidade se encaminharia exatamente de uma maneira prejudicial àquilo que então, na verdade, deve aproximar-se. Pois vejam, os acontecimentos dos quais fala o apocaliptista, estes virão. Trata-se apenas do modo como se encaminham. E nos acontecimentos do futuro ainda há propriamente em toda parte duas eventualidades: uma é o possível encaminhamento no sentido da evolução da humanidade pensado pelos deuses, a outra eventualidade é o contrário.
Agora, a intelectualidade irrompe, os seres humanos se tornam cada vez mais inteligentes, não apenas pela inspiração, porém por força própria. Isso irrompe. Mas pelo outro lado a humanidade foi mesmo mantida frágil pelas influências que por sua vez procedem do lado de Lúcifer. E assim haverá formações de grupos, apesar de na época da individualidade, na própria época cristã, a individualidade ser salutar para a humanidade. Haverá formações de grupos, mas estas formações de grupos devem ser retiradas do perigo no qual estão.
E assim sobrevirá o momento em que de fato a potência satânica se aproximará através do que ela desenvolveu como esforços para conquistar as forças da inteligência da humanidade, em que esta potência satânica será tão grande que se aproximará de todos os grupos que se tiverem formado; de modo que realmente acontecerá de a potência de Satanás atuar na direção dos quatro cantos do mundo. E esses grupos menores, Gog, ou os grupos maiores, Magog, estarão expostos à tentação, à sedução da potência satânica.
E se então aqueles que entrementes tomaram em suas mãos desenvolver uma intensidade tal a ponto da intelectualidade humana poder ser levada, com a ajuda da força de Micael até onde ela deve chegar – aos poderes originários que existiam ali no ponto de partida do desenvolvimento humano e que desejam levar adiante com a liberdade humana, aquilo que até agora os seres humanos se tornaram – isto é o que então decidirá. Muitíssimo dependerá disso, se os seres humanos também chegarão a entender profundamente a verdadeira espiritualidade com um ordenamento interior.
Para todo esse assunto da humanidade já deve, justamente hoje, ser olhado, para a atuação sacerdotal, porque somente se formos bem sucedidos em conduzir tudo nos trilhos que seguem nessa linha, apagar-se-á a grande cena da sedução que Satanás intencionou com Gog e Magog, apagar-se-á de tal maneira que isto se torne salutar para o desenvolvimento humano.
Ao contrário, no entanto, não pode acontecer nada senão que algum dia no futuro, será arrancado para fora da humanidade tudo aquilo que os seres humanos porventura vivenciaram desde o século 7 do desenvolvimento pós-cristão, desde o ano de 666, tudo que eles vivenciaram já sob a influência da individualidade desenvolvida. A escuridão se derramaria sobre todas as encarnações anteriores da humanidade e uma nova evolução mundial seria determinada, em lugar da terrestre.
Hoje já podemos ver claramente os primórdios disso e também podemos ver o grande perigo que já existe hoje de todo modo para a humanidade. Todas as fraquezas dos seres humanos são empregadas para isso – precisamente porque a maior intelectualidade imaginável está nas potências arimânicas – todas as fraquezas dos seres humanos são empregadas para isto, particularmente sua vaidade e sua falta de veracidade, para conseguir os seres humanos para o lado de lá. Tudo que operou ali no ponto de partida da Primeira Guerra Mundial é efetivamente algo terrível. É horrível como vaidades dos seres humanos foram empregadas pelas potências satânicas para, após existir um enorme estado de sono, em poucos dias (em 1914), para levantar um turbilhão que deslocou os seres humanos para uma horrível vertigem de tal forma que eles ainda não se esclareceram até hoje quanto ao que então aconteceu efetivamente.
Mas essa é apenas uma fase. Fases muito piores se passam hoje, por enquanto, dentro de uma pura, assim chamada, luta espiritual da atualidade.
Pois, onde existe ainda, propriamente, a verdade? Vemos em toda parte como as coisas são instauradas para que a verdade da atuação seja levada cada vez menos em consideração para os seres humanos. Basta os senhores pensarem como se fazem cada vez mais esforços para introduzir a vida espiritual nas órbitas do estado. Quando da vida espiritual se encontra nas órbitas do estado! Todas essas coisas expõem a humanidade a um grande perigo, mas os seres humanos não estão inclinados a desenvolver uma verdadeira compreensão nesta direção.
Os senhores puderam ver isso quando, digamos, o primeiro avanço deveria ser feito com o movimento da trimembração contra a sedução de Gog e Magog para fazer introduzir em tais órbitas o que no futuro, algum dia, deve ser introduzido, para que então o desenvolvimento subsequente pudesse decorrer em um sentido favorável à humanidade. Mas o modo e a maneira como essa idéia da trimembração foi acolhida, a qual deveria efetivamente ter conduzido a humanidade para o outro lado, além desse limiar do desenvolvimento, isto mostra justamente em qual terrível perigo a humanidade se encontra com relação a estas coisas. Por isso é necessário acima de todas as coisas que no clero também se leve essas coisas com plena seriedade.
Vejam! Houve uma vez uma individualidade tal que – isto foi nos primeiros séculos da evolução cristã, de modo que ela participou do ano de 666 – que viu com certa força clarividente o que se passara ali, com efeito, e que significava que a potência satânica já se preparava naquele tempo para uma dessas missões. Essa individualidade que naquele tempo viveu no local onde, a rigor, o combate eclesiástico se desenrolava em Roma e, em seguida, preparou a cristandade na Europa, ela reconheceu isto com muita clareza naquele tempo.
Mais tarde ela apenas confundiu, do mesmo modo como isto aconteceu para muitos, essa potência satânica – da qual eu lhes disse que o próprio Micael a reconhece em sua posição superior – com o diabo da Idade Média e falou do diabo, mas ela falou do diabo de tal forma que se vê realmente que se trata da potência satânica. Em Berlim essa individualidade se incorporou na primeira metade do século 19, ele se chamava Trahndorff, um professor ginasial comum. Sim, ele foi a favor da existência do diabo, isto é, de Satanás, propriamente, e ele escreveu uma obra: “Será o diabo uma quimera?”, mas não só isso, ele também escreveu uma estética. Ocupem-se os senhores com essa estética. Não se tem a possibilidade de recomendar Trahndorff junto aos teólogos porque ele continuou desconsiderado por eles; os Conselhos Consistoriais e os superiores do Conselho Consistorial de Berlim eram seus inimigos.
Todas essas coisas deságuam na questão: Estará o clero em condição de representar o mundo espiritual em sua plena realidade, não apenas de modo sentimental, do modo como isso se tornou em toda parte nos últimos séculos, de que, tão logo se trate do espírito não se queira mais absolutamente incluir o poder maligno? Portanto, é disso que se trata, de haver a energia para efetivamente representar a espiritualidade. Afinal, entre nós, meus caros amigos, esta é realmente a coisa mais importante.
É o assunto mais importante que tais coisas como o conhecimento carmático, isto é, o honesto olhar para vidas terrenas anteriores pressuponha a mesma constituição anímica como contemplar a celebração da transubstanciação durante a consagração do homem. Essas representações devem novamente se tornar reais dentro da humanidade. Somente quando se tornam reais haverá uma possibilidade, meus caros amigos, de estabelecer tudo que, justamente para o apocaliptista, era tão caro ao coração, estabelecê-lo como uma perspectiva para a humanidade e trazer tudo isto para dentro dos trilhos corretos. Até se desejaria dizer que as coisas que foram debatidas aqui como adição ao Apocalipse são verdades tais que não deveriam ser acolhidas sem ligar todas elas ao ser humano, que não se deveria acolhê-las sem contemplá-las, as próprias, como uma espécie de comunhão.
De maneira que se desejaria realmente dizer: uma verdadeira Ecclesia abrange os fiéis em sua realidade exterior e o clero deve ver-se como aquela essencialidade dentro da Ecclesia, a respeito de cuja atuação o espiritual flui para dentro da humanidade. Por isso faz-se necessária mesmo, com correta compreensão, também a pequena capela dos sacramentos com o Santíssimo, com o Santíssimo onde está contido o enigma da transubstanciação. Imaginemos que temos o cálice dentro do qual se realiza a transubstanciação.
Os seres humanos procuram mediante a transubstanciação o acesso ao Pai, àquele poder criativo do mundo primordial que está em toda a realidade e por isso não pode ser encontrada quando nos dirigimos unilateralmente apenas ao espiritual, ou unilateralmente apenas ao material, porém que é encontrada quando se descobre a unidade imediata do espiritual com o material. Hoje em dia há apenas uma compreensão efetiva para o mundo quando a transubstanciação é realizada sobre o altar. De fato, ali se realiza a santidade de que o Pai é procurado e o Filho indica aos seres humanos o acesso para o Pai, o Filho que então facilita justamente o acesso ao Espírito.
E, dessa maneira, o ser humano, ao lançar o olhar sobre aquilo que se constitui em físico, encontra na transubstanciação o espiritual totalmente oculto no físico, o reinar dos Serafins, dos Querubins, dos Tronos, cujo reinar oculto aparece como substância física. Se quisermos tê-lo como Espírito precisamos ir pelo acesso ao Pai. O acesso ao Pai é indicado pelo Filho, o qual leva então o Espírito a aparecer a partir do físico.
O pão – se partirmos apenas dele, mas isso também pode ser demonstrado para o vinho – o pão é o pão, mas o Pai pode ser procurado nele. Cristo indica o acesso, o pão se envolve com a aura pela transubstanciação, o ser humano vivencia o Espírito na aura. É que o vinho constitui apenas o reforço daquilo que está situado no pão.
E assim pode-se dizer: o anseio pelo Pai vive no aspecto sensorial onde estão ocultos os Serafins, Querubins, Tronos. Cristo conduz o ser humano no caminho de tal modo que, diante dele, da maneira como foi indicado ontem, se tornam atuantes os Quiriótetes, Dínamis, Exúsiai, e ele ascende àquela região onde ele apenas pode contemplar o mundo espiritual em sua espiritualidade, mas onde o Espírito Santo está bem no meio: Anjos, Arcanjos, Arqueus.
E isso, meus caros irmãos, consta no Apocalipse. Para entender isso e tirar disso a conclusão a fim de que isto seja entendido hoje – o que significa isso? Isso significa que aquele que o entende encontra sua própria compreensão pré-indicada no Apocalipse. Por isso pode-se dizer: depende apenas dos senhores, meus caros amigos, se os senhores querem que se tenha falado no Apocalipse a respeito dos senhores, ou não. Pois se os senhores acolherem no verdadeiro sentido espiritual em sua atuação sacerdotal, os impulsos do Apocalipse, então os senhores são aqueles a respeito dos quais foi falado no Apocalipse que virão e repelirão o poder do animal, do falso profeta, de Satanás. E então os senhores, pelo menos em espírito e onde ele estiver o cálice da transubstanciação, sempre imaginam para si o livro apocalíptico sob o cálice. E ao pensarem para si: o cálice está colocado sob o livro apocalíptico – os senhores estarão em condição de dizer: ali dentro está colocada a minha vocação e o que fazemos a respeito disso é a realização da minha vocação.
E assim, meus caros amigos, com essa sessão eu não quis dar uma explicação teórica, porém eu quis lhes dar – após ter surgido nos senhores o desejo justificado de ouvir algo a respeito do Apocalipse – dar-lhes o que eu lhes dei e com isto depositar o Apocalipse no espírito sob o cálice. Foi nessa direção que eu quis levar essa reflexão. Sob todas as circunstâncias lhes dará resultado alquilo que se encontra entre as possibilidades, meus caros amigos, se os senhores estenderem tão fortemente os ideais da sua atuação, tanto quanto lhes seja possível estendê-los, justamente quando fizerem das sérias considerações do Apocalipse o mais íntimo impulso das suas próprias atuações.
Isso é o que eu quis colocar diante dos senhores como conclusão dessas reflexões, meus caros amigos. Os senhores podem imaginar que os mais intensos pensamentos acompanharão em uma honrosa atuação a intensa, penetrante e grande tarefa em tudo que os senhores farão novamente a seguir como adição a esta reflexão.
Friedrich Rittelmeyer pronuncia palavras de agradecimento. (essas suas palavras não foram anotadas)
Rudolf Steiner: Ao compreendermos o que foi expresso nessas palavras, que não são realmente um voto cordial exterior, porém interior, e ao compreendermos o modo de colocá-lo no brilho da luz da graça entendida corretamente, então acontecerá aquilo que deve acontecer. Pois, aquilo de que se trata é que os caminhos dos deuses e dos seres humanos se encontram na atualidade. Micael será o maior mediador entre os caminhos dos deuses e os caminhos dos seres humanos. Alcemos o olhar para a sua atuação! Passemos a aprender a partir da sua atuação inicial do passado, o que deve acontecer ao longo do futuro! Então nós não podemos olhar apenas com um entusiasmo benevolente, porém com um olhar corajoso para o futuro e nos veremos cada vez mais reunidos com a vontade divina, a qual conduz os seres humanos desde o início, então sentiremos a nossa liberdade ligada à liberdade dos deuses. É isso que devemos sentir. E então também poderemos dizer, cada dia, após termos concluído o nosso trabalho diário, quando não quisermos nada menor, porém maior para o dia seguinte: talvez o olhar dos deuses nos contemple aqui em baixo e diga: Sim, assim seja.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 22 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
“O perdão deve surgir da conscientização da capacidade inerente do ser humano de corrigir suas deficiências e se tornar uma pessoa melhor, de se arrepender de seus erros, ponderando o impacto de suas ações sobre si e sobre os outros. Não significa esquecer, mas transcender. Lembre-se, os atos podem ser imperdoáveis, mas o ser humano não.” – Leonardo Maia
O PERDÃO E OS NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA
Todos nós, na longa jornada de autodesenvolvimento, cometemos erros, pecados, atrocidades e injustiças de inúmeras naturezas… mas a própria vida, no decorrer do caminho, nos levará ao encontro do arrependimento, com a lei eficaz de carma, ampliando nossa consciência para nos tornar melhores seres humanos.
Qualquer um que tenha uma busca consistente de autodesenvolvimento, ao olhar para si mesmo dentro do próprio caminho, poderá perceber com clareza este processo individual rumo à maturidade espiritual…
Aos que estão com a consciência mais elevada, perdoar a si mesmo é o grande desafio, pois estas pessoas acabam carregando a culpa de seus erros com um peso muito grande, pois sua visão parte da sua ação para o todo, e não do todo para mim, como nas pessoas ainda imaturas espiritualmente, que se identificam mais como vítimas, onde sua visão tende a culminar em si próprio. Para estas pessoas, seu desafio acaba sendo perdoar o outro, pois têm uma grande tendência à autocompassividade para com suas falhas e um julgamento voraz perante a falha alheia.
Lembre-se: todos erramos…
Muitas vezes, as pessoas têm dificuldade de perdoar quem não segue sua filosofia ou doutrina, mesmo que ela dite algo contrário, como a necessidade de perdoar o próximo… por estarem muito identificadas com uma consciência coletiva, não discernem muito bem o correto do errado, muitos agem instintivamente e conectados ao corpo de desejos, sua concepção de moralidade está vinculada às regras doutrinárias, legislações ou senso comum do grupo com o qual se identifica e etc… Se o grupo ou doutrina diz que é certo, é certo. Se diz que é errado, é errado.
Podemos perceber em que etapa de maturidade está a humanidade olhando para a consciência das pessoas como um todo:
Alguns na animalidade, estado mais primitivo da alma, mais identificados com os desejos e instintos, com consciências coletivas.
Existe um grupo mais humanizado, mas ainda muito identificado com o ego. Sua percepção tendem a partir do todo para o Eu, tende a culminar em si próprio.
Existe ainda os que os mais espiritualizados, mais conectados com o Espírito, que têm ciência que os impactos que a vida têm são reflexos de suas próprias ações e tendem a ponderar sua ação perante o todo.
O perdão deve surgir da conscientização da capacidade do ser humano de corrigir suas deficiências e se tornar uma pessoa melhor, de se arrepender de seus erros, ponderando o impacto de suas ações sobre si e sobre os outros. Não significa esquecer, mas transcender. Honrar o caminho de aprendizado que cada ser humano possui, inclusive nós mesmos, para aqueles que têm dificuldade de perdoar a si próprios de seus erros. Lembre-se, os atos podem ser imperdoáveis, mas o ser humano não.
Não conseguir perdoar é uma carga que nós acabamos carregando, da mágoa, do ódio, da culpa ou seja qual for o sentimento que os atos em si tenham causado em nós, sejam dos outros em relação a mim (perdoar o próximo) ou meus em relações aos outros (perdoar a si mesmo).
Os atos podem ser imperdoáveis, mas os seres humanos não.
Leonardo Maia
GA 346 – Dornach, 21 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – décima sétima conferência
Meus caros amigos! Além daquilo que debatemos como conteúdo do Apocalipse, o Apocalipse, na verdade, do modo como ele se nos apresenta, é também como livro de consagração e, deveras, pelo modo como ele descreve a evolução no tempo, os estágios sequenciais que justamente podem ser vivenciados por aqueles que têm ouvidos para ouvir e olhos para ver, enquanto passarão por cima, naturalmente, nas pessoas que não veem nem ouvem. Esses diversos estágios nos serão apresentados pela essência interior do assunto de tal maneira que possamos ver o Apocalipse totalmente como livro de consagração.
Pois deve ficar claro para nós que pela conhecente penetração no mundo – que se tornará cada vez mais uma contemplação – desaparecerá aquilo que em primeiro lugar temos como conteúdo da vida anímica e o que é em essência um espelhamento da Natureza exterior. Portanto, o mundo físico-sensorial desaparece com o progresso conhecente e aos poucos se ressalta como que de um fundo, do outro lado do mundo espiritual. Colocando-se em relação diante do mundo espiritual dessa maneira, o apocaliptista tem, como ele mostra claramente, uma representação correta muito intensa e isto lhe possibilitou encontrar tão objetivamente as coisas em suas visões imaginativas como ele as encontrou.
Porquanto, meus caros amigos, é simplesmente correto que se pode chegar à contemplação do mundo por dois caminhos. Um deles é aquele caminho quando, ao passear simplesmente no físico-sensorial, aprende a conhecê-lo em todos os lados, com certa entrega amorosa ao físico-sensorial. Então se aprende cada vez a conhecer como obra dos deuses. Temos diante de nós o que chamamos de Natureza na mais ampla abrangência, quando não encaramos a Natureza meramente como de modo mecânico-exterior, porém também de modo espiritual-interior. No entanto, poderíamos imaginar – e trata-se de uma imaginação totalmente correta – quando também obtemos o mesmo conteúdo do mundo de uma maneira puramente espiritual, de dentro para fora, mediante a própria alma.
De modo que podemos de toda maneira chegar ao extremo de falar disto, de que aquele que possui suficiente força interior, pode ver – mesmo que não tenha nada de notícias históricas – que em um determinado lugar do transcurso da história, aconteceu alguma coisa qualquer que, ela própria, consiste de um fenômeno da Natureza. Pode-se, de toda maneira, falar que se pode chegar de dentro para fora a esse conhecimento: Em qualquer ano, no qual se passou algo para a humanidade, aconteceram terremotos e assim por diante. Essa percepção – que muitos seres humanos têm de modo moderado ou acentuado – de que o ser humano pode aprender a conhecer realmente o mundo de dentro para fora, em suas particularidades concretas, é uma percepção totalmente correta. Agora se trata, quanto ao que se apresenta propriamente, de quando o ser humano penetra por essa via da imaginação no mundo espiritual.
Dessa maneira podemos expressar aquilo de que se trata aqui, com o Apocalipse, pois no Apocalipse vêm ao nosso encontro as diversas etapas sequenciais nas quais o apocaliptista vê algo que sempre e cada vez mais conduz para dentro do mundo espiritual. Assim, em primeiro lugar, ele apresenta as cartas, depois os selos e, em seguida, passa para aquilo que só se deixa expressar na linguagem humana por algo audível, portanto, as trombetas e depois passa para o que eu lhes caracterizei ontem como amor divino, cuja contrapartida é a ira divina.
Quando compreendemos corretamente o apocaliptista ele quer dizer: quanto ele dá aquilo que é conteúdo do Apocalipse mediante cartas que lhe são inspiradas, esse conteúdo se refere ao mundo físico; no momento em que ele passa para os selos e os abre, aquilo que ele tem a dizer com estes selos se refere ao mundo astral, imaginativo, àquilo que se pode chamar de mundo anímico; lá onde ele passa para o som das trombetas penetramos na pátria dos espíritos e quando vivenciamos amor divino e ira divina segundo o conteúdo do Apocalipse, penetramos no verdadeiro âmago da pátria dos espíritos.
Basta refletir apenas como, enquanto o ser humano atravessa essa senda imaginativa, ele, na verdade, está no fundo postado dentro do mundo com sua vivência, de tal modo que esta seja vivência mundial. Ele só não percebe isso nos estágios iniciais. No decorrer do tornar-se iniciado ele o experimenta cada vez mais, de que tudo para ele, através dele, com ele e nele acontece, é simultaneamente um acontecimento mundial. Ele se sente cada vez mais vertido para fora no conteúdo objetivo do mundo. O apocaliptista faz isso ser perpassado cada vez mais, com muita evidência, com o olhar. De tal maneira que nós, portanto, até podemos dizer: o conteúdo das cartas se refere ao mundo físico.
Tomemos o mundo físico do modo como ele vem, primeiramente, ao nosso encontro. Esse mundo físico, na verdade, só é aparente aquilo, como o que vem ao nosso encontro. Pois esse mundo físico não ofereceria a diversidade das tonalidades das suas cores, das tonalidades do seu calor e de tudo aquilo que, de todos os lados, flui dessa maneira dos arredores do mundo para dentro do ser humano, se nós, em tudo que, do modo como aparece para nós agora nesta época presente, só pensássemos no conteúdo físico e com isto deixássemos de ver aquilo que nos aparece como físico, na verdade, é espiritual. Quando nos transferimos para a alma de tal entidade humana como é o apocaliptista, nós devemos, digamos, apropriar-nos da linguagem anímica de tal entidade humana e esta linguagem anímica deve tornar-se própria de nós para nosso próprio uso espiritual pessoal de tal maneira que possamos dizer com uma expressão trivial: ela deve passar para a nossa carne e o nosso sangue.
É dessa maneira que eu desejaria lhes dar tais porções da linguagem anímica interior de um iniciado, que ele não emprega sempre exotericamente para fora, mas que é realmente seu recurso para formar interiormente suas representações, sua convivência especial com o mundo espiritual. Aí existe, por exemplo, o seguinte: Abafe o relâmpago e você compreenderá a cor. – Isto é linguagem iniciática. O que significa isso? O iniciado vê o relâmpago em sua aparição interior, ele o vê inflamar proveniente do universo, ele o trata como o rebrilhar do espírito no interior do espaço universal e pensa este relâmpago abafado e cada vez mais abafado, portanto, cada vez mais brando e obtém o abafamento, a branda configuração do colorido; de certo modo o relâmpago se alarga tornando-se um plano colorido.
Essa é a representação de um iniciado. Ou o iniciado diz: deixe o trovão tornar-se mais brando, cada vez mais brando e ouça a sua modulação e ressurgir a musicalidade. – E assim o iniciado vê aquilo que se espalha de certa forma como um tapete dos sentidos, como a revelação para um lado e para ele é uma representação inteiramente real, quando se pensa deste modo: temos o conteúdo do mundo em sua diversidade colorida – o que eu desenho (figura 12, à esquerda), do mesmo modo como é cor, também poderia ser sonoro – e, do modo como o conteúdo do mundo se aproxima dos nossos sentidos, é como o véu físico-sensorial que se espalha, como nosso mundo da percepção no qual nós, primeiramente entretecemos nossos pensamentos abstratos, aparentes.
Atrás de tudo isso o iniciado vê – portanto, se os senhores imaginarem a figura (figura 12, à esquerda) como um tapete que está estendido em toda parte, é aquilo que no mundo é o sonante, colorido, aquecedor – atrás deste tapete o iniciado vê os relâmpagos acontecendo. Eles estão atrás e aquilo que se vê ocasionalmente como verdadeiros relâmpagos, irrompe simplesmente através desse tapete dos sentidos, de trás, a partir do mundo espiritual. Em cada aparição do relâmpago há um raiar para dentro do mundo espiritual. E contemplemos esse relâmpago como ele é suavizado e abafado para um colorido regular sobre a Terra, e assim temos justamente diante de nós a Terra em sua coloração de cores.
Contemplemos o céu e os astros que assim obtemos pontos nos astros que nos parecem do mesmo modo como se provenientes do espiritual, apenas na revelação viva duradoura do relampejante. Mas em tudo isso o iniciado vê, na verdade, a revelação exterior daquilo que lhe está por trás e diz: Você deve ver propriamente – e ele também o vê, na medida em que a sua alma se torna cada vez mais ativa – a rosa vermelha. Ela inicia seu vermelho para cima e para baixo como se borrifando em brandos relâmpagos e, enquanto a parte da frente se embota, o vermelho se mete para trás na esfera dos Serafins, do mesmo modo como toda a sonoridade se mete na esfera dos Querubins e como tudo que tateamos se mete na esfera dos Tronos. E quando vemos a Natureza ao nosso redor, obtemos realmente tudo como ilusão diante de nós no mundo físico, pois, na verdade, essas são as obras abafadas dos Serafins, Querubins e Tronos.
Meus caros amigos! Contemplemos o mundo colorido do modo como ele aparece; então ele é apenas o efeito do relâmpago realmente destoado dos Serafins. Isso é o aquilo, propriamente, que em épocas primordiais era chamado de caráter Maia do mundo físico-sensorial, onde não se sabia que ali existem, em realidade, em toda parte, Serafins, Querubins, Tronos.
Agora vamos seguir adiante com a iniciação. Passemos para lá onde o apocaliptista deposita o maior valor sobre a abertura dos selos. Sim, o que acontece então ali? Ali se desprende o colorido do mundo, desprende-se o caloroso e surgem cada vez mais atuações que são espirituais e que já se tornaram semelhantes às verdadeiras configurações do modo relampejante que se formam. Em vez de ver a ruptura em ziguezague dos relâmpagos, vemos na ruptura através do tapete dos sentidos, aquilo que está atrás dele como mundo espiritual; vemos atrás disto relâmpagos ocorrendo suavemente. Sabemos que ali dentro, em primeiro lugar, vivem aqueles seres que são os servidores dos Serafins, dos Querubins e dos Tronos.
Semelhante é o que se passa com a sonoridade, semelhante é o que se passa com o calórico, semelhante é o que se passa com o compreensível, com o tateável. E do mesmo modo como se extingue aquilo que nos aparece em primeiro lugar como o tapete terrestre dos sentidos e atrás disto esse mundo de tais configurações a modo relampejante e tais formações fechadas em si mesmas, e forma tais figuras fechadas em si mesmas a partir do fogo astral, alargando-se cada vez mais, na mesma medida as estrelas começam a irradiar para baixo; de tal modo que seguimos como fios de luz aquilo que eles são e se misturam nas coisas que atuam de modo elementar para dentro de fios de estrelas, de irradiações de estrelas, de luzes.
O terrestre se liga ao celestial e nós sabemos que estamos adentrando a primeira situação do segundo mundo, onde tudo ainda está luzindo de modo natural, onde nós apenas pressentimos que atrás dele existem entidades. Quando muito avistamos algo como essencialidades elementares, mas vemos nestas como que essencialidades elementares, os órgãos de atuação de entidades fortes, importantes e elevadas. Chegamos, por assim dizer, ao primeiro território dos Quiriótetes, Dínamis, Exúsiai. Eles ainda estão o tempo todo para trás, mas eles ingressam nessas entidades e nós chegamos aos poucos, ao avançarmos no caminho da iniciação, a ponto de essas entidades, Quiriótetes, Dínamis, Exúsiai, se desvendarem cada vez mais em sua própria essência. Isso está fortemente ligado ao fato de que o ingresso das harmonias das esferas ressoando no universo, que agora retumbam e que propriamente se compõem apenas em grandes espaços de tempo como harmonias e melodias e que também formam apenas harmonias com o tempo em que o tempo se torna uma unidade, é isto que o apocaliptista traz como toques de trombetas, de modo que obtemos nos sons das trombetas a pura vida da segunda hierarquia, enquanto a primeira hierarquia se situa na base da própria vida dos sentidos com enorme poderio.
E, além disso, chegamos, a partir desse mundo no qual, diria eu, que todas as atuações dos sentidos se tornaram enchentes e grandiosas e majestosas e com isto não se depositam sobre as coisas e os processos do mundo físico, porém são a própria expressão de modo essencial que atua na segunda hierarquia nos seres elementares – chegamos cada vez mais a ingressar na terceira região, a partir deste mundo onde não percebemos nada mais da naturalidade, nem mesmo da naturalidade dissolvida em algo elementar, porém onde tudo que quisermos perceber, precisamos percebê-lo espiritualmente.
Adentramos um território do mundo espiritual do qual devemos dizer da seguinte maneira; devemos dizer: após termos experimentado aquilo que é como as percepções sensoriais da Terra dissolvendo-se, mas ao mesmo tempo configurando-se em formas, as quais são colhidas pela percepção sensorial, ampliando-se das estrelas, nós temos chegado a conhecer como os últimos resíduos da percepção sensorial, tudo que atua nos Quiriótetes, Exúsiai, Dínamis no universo, temos chegado a conhecer que estas entidades estão como que atadas interiormente à verdadeira substancialidade das estrelas.
O mundo das estrelas se converteu para nós nas entidades das hierarquias. Nós vivemos, em lugar de olhar para o alto, na aparência das estrelas, vivemos no mundo das hierarquias. Ali as hierarquias ainda estão impregnadas com aquilo que eu gostaria de chamar de conhecimento sensorial borrifado e dissolvido. Agora atingimos, no terceiro território, onde não mais percebemos sensorialmente todo o terrestre, onde devemos perceber o supra-sensorial anímico sem o envolvimento do sensorial; chegamos ao território do próprio mundo espiritual e aprendemos em primeiro lugar a conhecê-lo nos Anjos, Arcanjos e Arqueus. Estas entidades podem ser conhecidas por nós em sua espiritualidade e deve-se saber, quando se lhes dá uma configuração como pintor e algo parecido, que elas apenas têm esta configuração espiritual por estarem entretecidas nos elementos anímico-espirituais, na essência das hierarquias superiores.
Devemos saber quando, por exemplo, lhes pintamos asas, que estas asas pertencem às entidades da segunda hierarquia, que lhes emprestam sua substancialidade, mas que elas obtêm uma cabeça da primeira hierarquia, a qual lhes empresta esta configuração e seu conteúdo. Devemos apenas estar plenamente conscientes de que nós somente conseguimos enxergar no espírito aquilo que está dentro da terceira hierarquia – nos Anjos, Arcanjos, Arqueus.
Aquilo que eu exponho agora, meus caros amigos, tem uma enorme importância histórica, porque os senhores, ao receberem escrituras provenientes de tempos antigos que tratam, por assim dizer, intimamente, desses mundos espirituais, não conseguem absolutamente lê-los sem estarem conscientes da circunstância de que, mediante a penetração com a vida no mundo espiritual, nós percebemos em primeiro lugar, de certo modo, a hierarquia inferior, de maneira espiritual, enquanto ainda percebemos as hierarquias mais elevadas com ingredientes do mundo sensorial. E os senhores devem estar conscientes de que a antiga sabedoria iniciática que descreveu isso de um modo inteiramente correto, como eu o descrevo agora, adentrou aos poucos as épocas da decadência do espiritual em toda sorte de incompreensões.
Assim sempre encontramos junto aos iniciados de uma espécie mais mundana da Idade Média, o assunto descrito de maneira que se situam perto da Terra como as hierarquias inferiores, os Serafins, Querubins, Tronos e que em seguida se ascende pelos Dínamis, Quiriótetes, Exúsiai para os Anjos, Arcanjos e Forças Primordiais. Basta os senhores examinarem os livros medievais ilustrados, para conhecerem bem e passarem a perguntar por que os Anjos se situam acima dos Serafins. Isso acontece porque tais processos não eram mais conhecidos muito intimamente e não mais os imaginavam organicamente. O erro surgiu especialmente quando a doutrina, originariamente muito pura, já durante o tempo do cativeiro judaico-babilônico, na época pré-cristã, foi contaminada pelo contato dos judeus com os babilônios pelos símbolos dos babilônios e, pela Cabala, pela mística judaica medieval se divulgou ainda mais este erro, esta sequência das hierarquias espirituais. Se quisermos entender em geral o desenvolvimento das representações a respeito da espiritualidade no andamento do desenvolvimento humano, devemos nos familiarizar com tais assuntos e aqui é o local correto para, com relação a tornar compreensível o Apocalipse, debater estas coisas.
Assim, saímos fora, para o mundo espiritual. As primeiras entidades que vêm ao nosso encontro na verdadeira espiritualidade são efetivamente as da terceira hierarquia. O apocaliptista mostra como ele está intimamente familiarizado com tudo isso, pois cada vez mais ele se esforça de tal modo que, para tudo que ele então descreve, ele faz surgirem anjos que carregam as aparições. É totalmente fenomenal que regiões da Terra possam espelhar o que os anjos, como mensageiros das hierarquias superiores, introduzem e, particularmente, ingressamos com esta aparição dos anjos na região na qual realmente avistamos como o amor divino recua inteiramente como o próprio ingrediente do mundo ao qual nós, seres humanos, pertencemos.
Porquanto, em primeiro lugar, nós descobrimos como de certa forma os normais, Anjos, Arcanjos e Arqueus são algo como a corporificação das hierarquias superiores. Do mesmo modo como nós, ao olharmos para as mãos, os braços, pés, pernas e o restante do corpo humano, temos a sensação: este é o corpo do anímico-espiritual – assim se obtém, ao ascender ao mundo da terceira hierarquia, a impressão: estes são anjos, mas eles são como membros, com efeito, como a corporalidade dos espíritos divinos superiores; eles são corporalidade anímico-espiritual. De modo que se tem a sensação, meus caros amigos, de que se está na pura espiritualidade, mas com esta espiritualidade na corporalidade de Deus. É a isso que se ascende.
Agora devemos nos ocupar com tal representação. Isso é algo que todo aquele que quiser realmente aprender a conhecer o ocultismo deve fazer, do modo como ele se encontra na base da vida espiritual. Observem um ser humano sobre a Terra quanto a sua corporalidade física, meus caros amigos, e será impossível para os senhores poderem pensar a organização como mera construção, portanto, meramente como o que se passa no ser humano brotando e crescendo na construção. Os senhores devem penetrar com o pensar, cada vez mais, em processos de desconstrução no organismo, os quais levem a exceções.
Essa desconstrução que mostra a corporalidade em um contínuo processo de destruição se destina, todavia, – por ser desconstrução no físico – a acolher o espiritual, de tal maneira que depois o espírito possa viver nos processos físicos de desconstrução. Pois o espiritual, na verdade, não vive no organismo humano nos processos de desconstrução. Quando o ser humano cresce, quando os avanços físicos, os processos físicos, estão em ascensão, o espiritual é reprimido e não estimulado. É uma representação inteiramente tola do materialismo, pensar que o ser humano deva aclarar em seu cérebro apenas a vida em brotação, crescente e que assim se refine ou se transforme a continuidade dos processos vitais e que isto signifique pensar. O cérebro, lá onde constituísse uma mera continuidade dos processos digestivos, teria apenas uma experiência interna abafada, de caráter vegetal.
Somente ao ser desconstruído, quando o cérebro cai em pedaços (se esfacela) e, por assim dizer, é perfurado pelos processos físicos, o espiritual penetra no cérebro. O espiritual entra justamente nos trilhos na senda da desconstrução, a fim de intervir criativamente no físico. E então os processos de desconstrução são acolhidos pelo físico. Nós vemos como dentro do crescimento é construída uma retenção, uma inibição do crescimento.
Eu diria que, ao observar isso em detalhe, se trata de um fenômeno incrivelmente interessante. Por exemplo, quando se direciona o olhar espiritual para um desses fenômenos, pode-se ver como aí desce para um lugar miserável a individualidade de Fichte no corpo terrestre, como ela se incorpora no corpo físico, como se vê aí como o jovem vai crescendo, se vê como aos poucos se imiscuem em seu crescimento impedimentos do crescimento um pouco fortes demais diante do normal; não é muito, é extraordinariamente pouco, mas é assim. Então esse jovem cresce, o Fichte vai ficando cada vez maior, mas ele poderia crescer mais depressa se não houvesse algo minúsculo continuamente reprimindo este crescimento.
Nessa representação do crescimento de Fichte – com ele se deu que durante toda a vida permaneceu pequeno – se desenvolveu justamente esta espécie peculiar de sua disposição filosófica. Ali o espiritual efetivamente penetrou no físico. De tal maneira que se deve ver na desconstrução algo que não apenas nos toca de forma antipática, porém algo que nos toca de forma simpática, a respeito de que nos consola algo que pode ser inteiramente levado em consideração com amor, porque, além da vida em vias de brotar e crescer também deve ser o que constitui impedimentos.
Ora, quando ficamos conhecendo o mundo como o mundo dos Anjos, Arcanjos, Arqueus é realmente a corporalidade do espírito divino e contempla esse urdir e viver e cultivar e fazer trabalhar de Anjos, Arcanjos e Arqueus, como ali o mundo é urdido, como cada ser humano de per si é mantido, em sua porção anímica por seu anjo, como diversos grupos de seres humanos são impelidos para diante pelos Arcanjos e fluxos universais do acontecer são impelidos para frente, de tempos em tempos, pelos Arqueus, quando se toma todo este urdir deste tecido que aí é urdido – que é expresso tão maravilhosamente no mito de Proserpina, no mito da Proserpina da Grécia – quando se toma todo este tecido do mundo, então aí dentro sobe nisto a maré do amor de Deus, como sangue no corpo.
No entanto, configura-se como acréscimo necessário o fluxo da ira divina que sempre se forma de tudo que são impedimentos no acontecer mundial, realmente realizado por entidades moralmente sensíveis que necessitam, em primeiro lugar, entrar em sintonia com a marcha do universo quanto a sua moralidade, e nós vemos em certa medida, no amor divino, a amorosidade divina em seu brotar e crescer, nos vemos na conexão com as criaturas fracas, as quais, todavia, assinalam os caminhos pelos quais os deuses querem conduzir o mundo, nós vemos naquilo que sai das criaturas fracas: Este corpo-espírito do espírito divino permeia algo como os produtos da eliminação do corpo físico humano; aquilo que se elimina nas glândulas no ser humano, elimina-se ali. Os centros de eliminação aparecem como as taças divinas que estão entretecidas na marcha do universo.
Nós conhecemos a conexão exatamente dentro desses três mundos entre o amor divino e a ira divina e nós recebemos interiormente a representação exigindo veneração: Sim, o que acontece então, quando as taças da ira transbordam? Então as entidades divino-espirituais pensam como prosseguirem sob as maldades estimuladas das criaturas fracas, como dar prosseguimento à contínua marcha contra os impedimentos e como transformar estes impedimentos em veículos do acontecer que pressiona para frente preenchido de espírito, para que o ser humano lance mão da possibilidade, em seu ser desconstrutor, não apenas vegetando fisicamente, porém para progredir espiritual-animicamente no corpo. Tudo isso o apocaliptista apresenta inteiramente na medida das sendas da iniciação. É um grandioso habituar-se à marcha do universo mediante o Apocalipse, até para dentro dos acontecimentos físicos concretos, do modo como já vimos antes, ontem. Ao mesmo tempo é um grandioso habituar-se aos caminhos da consagração, da iniciação.
Quando se trata do Apocalipse dessa maneira, o que em certo sentido nos torna videntes para a marcha do universo, de tal modo que penetremos com a contemplação naquilo de que necessitamos do futuro e possamos acolher em nossas representações. Além disso, ele também se torna um livro de meditação, ele pode ser empregado como livro de meditação de uma maneira maravilhosa; quanto a isto ele é mesmo grandioso. Quando, no Apocalipse, os senhores chegarem a um trecho que, de início, lhes ofereça algo paradoxal para a representação, para a compreensão, então os senhores deixem de pensar e comecem a meditar, pois este também é sempre um trecho onde os senhores podem espiritualizar-se ao acolher e elaborar interiormente aquilo que os senhores não conseguem mais alcançar intelectualmente.
Portanto, quando, por exemplo, aparece uma sentença na qual se trata do aparecimento de uma glândula malévola (Ap 16,2), então o intelectual diz naturalmente: só pode haver glândulas nos seres humanos e nos animais. O que é isso? Isto é uma daquelas imagens poéticas. – Passa-se rapidamente por elas desapercebidamente. Mas isso não é assim. O apocaliptista emprega a palavra glândula porque ele sabe que o real no microcosmo também tem a justificativa de ser apresentado no macrocosmo. Os senhores até mesmo se lembrarão de como o modo glandular que tem a ver com as eliminações leva às funções da ira divina.
Do mesmo modo, os aparentes paradoxos do Apocalipse levam justamente ao que o ser humano da atualidade está habituado, de deixar transferir apenas o decurso intelectual da sua vida anímica para o decurso espiritual.
E aqui chegamos ao ponto onde é tão necessário, justamente na atuação sacerdotal, ver as coisas clara e corretamente acertadas. Os seres humanos sentem que a época atual intelectualiza totalmente a alma, por isso se formam essas reações: eles também desejariam ter afeto e sentimento, eles anseiam por isso em todos os campos. Basta os senhores verem como as confissões religiosas se rebelam contra o intelectualismo em geral. Elas não querem mais as verdades da salvação pregadas em formas intelectuais, elas as querem a partir do sentimento, elas querem tê-las configuradas a partir do irracional. Na base disso encontra-se certamente um anseio justificado, mas quando isto se limita a percorrer estes trilhos, então isto leva mesmo com o mero querer sentir do conteúdo religioso à perda total da religiosidade.
O mesmo se dá com a pedagogia, a qual, na verdade, passou por um processo muito estranho, ao qual o clero faria bem em levar consideração. Pois a pedagogia teve origem na vida instintiva, ela atuou melhor lá onde absolutamente não se pensou de modo pedagógico, porém se fez aquilo que o instinto sugeriu. Antigamente não se praticava a pedagogia, porém se fazia o que o instinto sugeria. Somente desde quando a educação instintiva foi desaprendida fala-se muito da pedagogia e o nosso abundante palavrório a respeito disto é a prova de que nós somos os piores pedagogos de toda a evolução. As pessoas começam então a falar em geral a respeito de um assunto quando não o possuem mais.
Da mesma forma se começou a falar a respeito da transubstanciação quando esta não foi mais compreendida, nem o seu enigma. Quando queremos fixar o olhar nos conteúdos intelectuais, muitas vezes excelentes, da discussão de uma sucessão temporal, deve-se perguntar nisso o que se expressa aí: O que falta realmente para estas pessoas? No tempo em que a questão trabalhista foi discutida com particular intensidade, esta discussão significava que em realidade se compreendia o menos possível a respeito desta questão. Naturalmente isso recua muito mais para o tempo em que a humanidade obteve a escrita e cada vez mais se transformou o seu uso em impressão. Foi a época em que os seres humanos compreendia cada vez menos a escrita divina que fala a partir dos astros, do Sol e do vento.
Quando os participantes da antiga roda de Artur ainda conseguiam ler no mar borbulhante, no burburinho das ondas borrifando os penedos do país, na mescla daquilo que nas vagas borbulhantes se agrega às ondas aéreas saturadas de luz, na época em que tudo isto ainda podia ser recolhido como uma escrita evidente, não existia a menor necessidade de recorrer a qualquer escrita fixável. No fundo se trata, em toda parte, de devermos concluir a partir do brilho do visível, do apagar-se pouco a pouco, do invisível, do espiritual, para depois, quando, na época em que o espiritual emerge especialmente para a sua superfície, perceber como retrocede o simbolismo exterior físico-sensorial.
É isso que nos faz atentar, justamente, para não reagirmos com um repúdio do intelectualismo, com uma vida afetiva obscura, nebulosa, porém para elevarmos esta vida afetiva deixando o intelectualismo chegar cada vez mais dentro da metamorfose do espiritual. Então descobriremos que se pode realmente enobrecer a nossa vida afetiva com o conteúdo espiritual das revelações, as quais são objetivas e não mais subjetivas.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 21 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 20 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – décima sexta conferência
Meus caros amigos! Agora eu gostaria de retroceder, em primeiro lugar, para algo a fim de dar início então a partir disso às nossas considerações. Eu fiz os senhores atentarem para o modo como, de fato, quando se encara a coisa corretamente, se expressa a importância de que hoje vive nos anseios subconscientes da alma humana uma intensa necessidade para com o espiritual e que aquilo que se passa na superfície, o que é experimentado externamente sobre o plano físico, no fundo é algo totalmente diferente do que na verdade se passa nas almas dos seres humanos da atualidade. Ora, por isso há, digamos, um fato assustador, exatamente nos dias de hoje.
Eu mencionei há alguns dias a forma extraordinária de como, cada vez mais, o conteúdo das minhas conferências aos trabalhadores, configurado pelas perguntas que são feitas pelos trabalhadores e como ali de fato pode ser visto algo quanto os anseios que se desenvolvem. E eu chamei a atenção para o fato de que hoje se pode falar a partir de dentro do espírito do Apocalipse, bastando apenas que se encontre o tom correspondente. Quando não se vem imediatamente com o próprio Apocalipse pode-se falar a partir do Apocalipse do mesmo modo como entre nós.
Assim aconteceu hoje o assunto muito surpreendente de eu ter chegado a algo, para as considerações de hoje, que eu devo dizer aos senhores e que resulta de todo o contexto. E hoje de manhã, ao dar a minha conferência aos trabalhadores, onde, na verdade, já estava inteiramente estabelecido o que nós devemos considerar agora, foi feita uma pergunta pelos trabalhadores para a qual se tornou necessário apresentar coisas da ciência natural que eu pretendia apresentar aqui hoje aos senhores. Nisso os senhores veem como existem atuações subterrâneas, os senhores veem como aquilo que acontece real e espiritualmente ao terem lugar estas conferências, lá provoca anseios que de outra maneira não existiriam.
Nunca se chegaria a isso de fazer ali a conferência de hoje se não se falasse aqui a respeito do Apocalipse. E, contudo a conferência dali só foi feita graças a uma pergunta que foi colocada, mas que eu não conhecia externamente. Quanto a isso eu desejaria mostrar como de fato a nossa época é capturada por uma vida espiritual que muitas vezes apenas está presente nos subconscientes e que acima de todas as coisas importa ao sacerdote que deve procurar até que ponto a espiritualidade emana das almas para entrar no espiritual.
A seguir deveremos organizar aqui as considerações de tal modo que isto aconteça sob o espírito do Apocalipse. Hoje elas são dadas aqui sob condições, mas hoje de manhã eu precisei indicar alguma coisa a respeito do mesmo assunto a partir de pontos de vista totalmente diferentes e a partir de uma pergunta. Tais coisas devem ser aceitas com muita seriedade, pois elas são importantes. Vejam! Nós devemos indagar, meus caros amigos, quão mais íntima, digamos, é a terminologia do apocaliptista. Com base naquilo que eu já disse e ao acrescentar tudo que já foi falado, os senhores compreenderão como o apocaliptista, ao falar disso, do modo como o ser humano está situado lá dentro, no fundo tem uma unidade diante de si do mudo dos astros e do mundo terrestre, que ele liga do mesmo modo o essencial humano ao mundo dos astros como ao mundo terrestre.
Ora, vejam, trata-se de também devermos apontar para o todo real que o apocaliptista quer dizer quando fala de animais, do animal de sete cabeças e do animal de vinte chifres. Até agora nós apontamos, por assim dizer, puramente para aquilo que é vivenciável humana e internamente. Mas os senhores encontrarão em toda parte: lá onde o apocaliptista fala dessa maneira ao falar dos astros em repouso, ao falar dos astros fixos, aí fala do espírito divino do mesmo modo como ainda se falava durante toda a Idade Média. Lá onde ele fala dos astros andantes, fala dos planetas, ele fala de inteligências angelicais, de inteligências que levam um caráter hierárquico.
No entanto, quando ele fala de animais, ele também se refere a algo tão concreto. Ele deixa o ser humano participar, com referência a sua identidade, tanto do céu cristalino quanto do céu das estrelas e dos planetas, mas também daquilo que está na base da animalidade em todo o seu desenvolvimento, desses animais que continuamente desempenham um determinado papel no Apocalipse. O que são esses então na realidade física exterior do mundo?
Em toda parte onde o apocaliptista fala de animais, ele efetivamente fala a respeito da força e da atuação de cometas. E apenas, embora os senhores então não conheçam ainda a terminologia, se lhes acenderá alguma luz a respeito do que o apocaliptista já sabia a respeito da natureza da cometaridade, que depois, todavia, foi completamente soterrado. Por isso nós queremos uma vez, em conexão com o Apocalipse, lançar o olhar sobre algo como a natureza da cometaridade. Eu desejaria lhes descrever isso da seguinte maneira: Vejam! Quando se toma simplesmente o sistema cósmico kopernicano do modo como ele é tratado hoje na escola (isto é desenhado no quadro): Sol, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, depois Júpiter, Saturno, e, além disso, se pode ainda desenhar Urano e Netuno, então se encontra uma até aí calculável regularidade, a ponto de – quando não se comete graves erros no cálculo, embora também se leve em consideração as coisas que sempre foram inseridas como correção – a ponto de se precisar apenas dirigir o telescópio para lá onde resulta o ponto a partir do cálculo, e lá se encontrará o astro no telescópio. Ora, dentro desse sistema planetário, contudo, estão, na verdade, as mais diversas órbitas cometárias. Essas órbitas também podem ser calculadas para muitos cometas e estes cálculos mostram, na verdade, resultados muito extraordinários, tais como eu diria que poderiam efetivamente nos fazer saltar dos trilhos se forem tomados simplesmente do modo como resultam do atual cálculo astronômico. Quero apenas tratar de um deles.
Foi no ano de 1773 quando se tornou conhecido em Paris que Lalande, o famoso astrônomo, pronunciaria na Academia uma conferência a respeito de cometas. Espalhou-se o boato de que ele provaria que ainda no ano de 1773 aconteceria um choque entre um cometa e a Terra; ao ser calculada a órbita do cometa esta órbita cruzaria com a órbita da Terra e disto resultaria um choque. – Basta os senhores imaginarem uma vez a disposição das pessoas naquela época. Através do boato irrompeu em Paris um terrível pânico, principalmente a respeito da notícia, a ponto de a polícia que sempre está mesmo a postos, não poder fazer nada senão proibir essa conferência por ser ela uma conferência perigosa.
Sob a impressão desse boato houve uma grande quantidade de abortos e de partos precoces, casos de morte de doentes graves e os sacerdotes católicos obtinham enormes rendimentos pela distribuição de absolvições, porque todas as pessoas iam confessar e queriam receber os sacramentos antes que o mundo sucumbisse. Por não haver acontecido a conferência não se revelou imediatamente o que Lalande queria efetivamente dizer na conferência. Ora, até aí o cálculo de Lalande estava correto. O cálculo absolutamente não poderia resultar em nada senão que um determinado cometa cruzaria a órbita terrestre e quando ele se chocasse com a Terra, pelo choque, com toda certeza, as massas oceânicas a partir do Equador deveriam fluir com gigantescas inundações em direção dos países situados entre o Pólo Norte e o Pólo Sul. Todavia, esse horror não aconteceu, embora o cálculo estivesse correto.
Com efeito, o que se encontra na base disso, meus caros amigos, pode esclarecer-se quando consideramos o assunto com outro cometa, a saber, com o famoso cometa de Biela. Com razão observou-se em 1832 com grande atenção a órbita do cometa de Biela e tudo que se deixou profetizar matematicamente a partir desta órbita. E a aparição, naquele tempo, desse cometa também confirmou todos os cálculos. O cometa se aproximou tanto da Terra a ponto de se dizer: ele se aproxima cada vez mais da Terra para se tornar perigoso algum dia. – E, por aparecer o cometa de Biela por volta de cada seis a sete anos, de tal forma a que chegue perto da órbita da Terra, em especial a aparição dos anos quarenta do século 19 foi acompanhada com grande atenção, porque então, segundo o cálculo, o cometa já estava tão próximo da órbita terrestre, a ponto de estar treze vezes menos distante da órbita terrestre do que a Lua. Portanto, esse já era um assunto muito ruim.
Assim, quando o cometa continuava então a se aproximar cada vez mais da órbita terrestre, surpreendeu os observadores astronômicos o fato de sua luz se tornar cada vez mais fraca quanto mais ele se aproximava. Quando foi possível observá-lo novamente em 1846 evidenciou-se que o cometa, ao chegar perigosamente perto da Terra, a sua luz não apenas se tornara mais fraca, porém existiam dois deles; ele se havia partido, ele havia se separado. Os anos sessenta foram desfavoráveis para a observação e depois se ficou mesmo muito curioso a respeito da próxima aparição do cometa que deveria dar-se em 1872. Pois, se o cálculo estivesse correto, da mesma forma como esteve correto para Lalande para o cometa em 1773, então realmente deveria acontecer para a Terra a coisa mais terrível.
Naquele tempo eu ainda era um menino, em 1872, mas ainda me recordo muito precisamente de como em toda parte, na região onde eu me encontrava, mas evidentemente também em outras regiões, como eram distribuídos folhetos: O mundo vai sucumbir. – Falou-se e escreveu-se até mesmo muita coisa a respeito da destruição do mundo. Já se esperava por esse acontecimento com certa ansiedade sem que eu pudesse indicar agora uma estatística sobre os abortos, os casos de morte e as absolvições. Mas esse dia chegou – não me lembro muito bem como então todos esperavam excitadamente – e vejam, o cometa absolutamente não voltou mais. Em compensação surgiu a mais bela e deliciosa chuva de meteoros. Uma maravilhosa chuva de meteoros como se um fogo noturno caísse do céu sobre a Terra em pequenas faíscas chamejantes. Em primeiro lugar o cometa havia se partido em dois pedaços e depois se partiu em um grande número de pequenos estilhaços que podiam ser acolhidos pela atmosfera da Terra, que se ligavam ao ser da Terra. Ele enveredou pelo caminho de ser absorvido pela Terra.
Agora vejam! Naquele tempo, em 1832, apareceu uma dissertação do importante astrônomo Littrow, que era muito interessante. Hoje eu ainda posso apenas aconselhá-los a se ocuparem com isso, pois isso foi extremamente interessante com os apurados cálculos que conferiam com exatidão. Ali um homem esclarecido escreveu a respeito do assunto. Ele montou um cálculo e neste ponderou sobre todas as coisas. Ele calculou que uma grande infelicidade ainda não poderia ter acontecido, por um entrechoque em 1832, mas o assunto seria mesmo tal que se todas as relações permanecessem como antes, quando se calculou a órbita do planeta enquanto o cometa ainda era uma unidade e não se havia cindido, que deveria acontecer necessariamente uma catástrofe em 1933.
Isso quer dizer que se o cometa tivesse permanecido como era antes, necessariamente aconteceria uma catástrofe em 1933, na qual todos os oceanos se distribuiriam assim em gigantescas enchentes sobre a Terra, a ponte de dever morrer toda a vida sobre a Terra. Mas o cometa se dissolveu antes disso e foi absorvido pela Terra em partículas, nutrindo-se a Terra com esta substância cósmica. E em lugar de acontecer o entrechoque – em 1924 não se estava longe disso – aquilo que a Terra já acolheu por outras substâncias é espiritualizado, e o espiritual ascende. A Terra digere o cometa, o espiritual se eleva. Meus caros amigos! É dessa maneira que o espiritual se eleva, de tempos em tempos na Terra, o espiritual cometário.
Agora eu quero lhes dizer qual é a significação disso. Isso tem uma profunda significação no contexto do Universo. Eu já ressaltei com frequência os fatos mais grotescos que sucederam na inauguração da estrada de ferro. Ali não se passou não apenas o fato de que o ministro dos Correios de Berlim, ao lhe ser feita a proposta de mandar construir uma ferrovia, ter dito que enviava toda semana duas carruagens dos Correios e que ninguém tomava assento nelas, qual seria então o sentido da construção de uma ferrovia, porém também, ao ser solicitado um parecer do colegiado médico de Nurembergue, Alemanha, sobre se deveria ser construída uma ferrovia de Nurembergue até Furth, então o colegiado médico emitiu a seguinte sentença: Não, não se deveria construir nenhuma ferrovia, pois os nervos das pessoas sofreriam horrivelmente com isto; as pessoas não podiam ser expostas a isto sem que sofressem danos no corpo e na alma. Mas, se assim mesmo se sentissem obrigados, dizia o colegiado, a ceder à disparatada pressão das pessoas, ele daria pelo menos o conselho de erguer compridas tábuas dos dois lados da ferrovia para que os agricultores não sofressem abalos cerebrais.
Foi esse o voto entregue naquele tempo pelo erudito colegiado de Nurembergue. Hoje se ri disso por pensar: Como eram medíocres as pessoas daquele tempo! Entretanto, eu também já mencionei isso frequentemente – eu não posso explodir de rir no mesmo sentido porque, segundo o estado da ciência de então, o erudito colegiado tinha razão. Com efeito, quando se toma a arte científica de então, não se podia dizer senão: se as pessoas viajarem pela estrada de ferro, elas arruinarão os seus nervos. – Até certo grau esse também é o caso. Se os senhores compararem os nervos atuais dos seres humanos com os dos seres humanos de então, os senhores obterão um pequeno ponto de apoio para não deixar de dar alguma razão aos médicos de Nurembergue.
Pois, eu sempre ouvi dizer que os cidadãos de Nurembergue não enforcam ninguém antes de prendê-lo! E por isso eu imagino que eles também não empregam outra ciência senão a que possuem hoje em dia. – O Sr. Dr. Rittelmeyer me dará razão. Assim, em realidade, a ciência não disse nada senão – e com isto ela tinha razão -: Se não existissem quaisquer cometas, os seres humanos efetivamente não poderiam suportar os desafios que são colocados diante do corpo físico humano, pelo desvio do corpo astral, se este corpo astral que representa o animalesco no ser humano, não experimentasse continuamente a sua correção, a sua correta terapia mediante as substâncias cometárias absorvidas, que são novamente irradiadas de volta para a superfície da Terra e atuam sobre as capacidades humanas, equalizando-as.
Vejam! Aqui os senhores têm o ser humano inserido de uma maneira notável no Universo. Agora os senhores descrevem algo como o cometa de Biela de 1872; o fogo cai do céu, a Terra o acolhe de tal modo que aquele que sabe contemplar espiritualmente, vejam como algo volta novamente e influencia o corpo astral do ser humano em um sentido favorável ou desfavorável. Existem cometas que influenciam o ser humano do modo como eu acabo de descrever, a ponto de equalizarem terapeuticamente o seu nervosismo e aqueles que desencadeiam ali forças selvagens do astral, quando eles, após a Terra havê-los absorvido, as forçam para cima novamente.
É desse modo que o apocaliptista olha para as aparições cometárias e descreve com os animais simultaneamente as aparições cometárias, ele as paraleliza, porque elas se deixam paralelizar segundo os seus fenômenos, ele as paraleliza com o animal de sete cabeças, porque naquele tempo eles ainda se relacionavam muito mais com a totalidade física e porque de fato em um cometa que se havia cindido em sete partes, expresso justamente de modo celestial o que acontecia sobre a Terra. E da mesma maneira também será relacionada a configuração do cometa com o animal de dois chifres, o que eu lhes explanei.
Sim, meus caros amigos, uma indecente superstição aderiu aos cometas e a indecente superstição que aderiu aos cometas impediu que se levasse em consideração os cometas em geral em sua correta significação, abstraindo disso o fato de que se calculou as suas órbitas, mas se foi importunado pelo capricho do seu aparecimento. Quando muito apareceu alguma vez um bom cérebro como Hegel que se concedeu chamar a atenção para outras conexões da entidade cometária com a entidade terrestre. Hegel, que não excluía justamente ter a sua alegria às vezes com um copinho de vinho muito claro, fez a observação muito correta de que os bons e os maus anos vinícolas estão relacionados com os cometas.
Agora pensem os senhores uma vez a respeito do assunto em grandes relacionamentos cósmicos, meus caros amigos. A Terra digere a substância cometária e a restitui de si espiritualizada e isto se une aos corpos astrais dos seres humanos no bom e no mau sentido. Aquilo que vemos em cima no céu, em uma determinada época, como cometas, onde está aquilo após esta época? Em 1906, em Paris, chamei a atenção em uma conferência – enquanto na ciência exterior ainda se falava não distanciado do assunto, mais tarde isto também foi encontrado pela análise espectral – que o ácido cianídrico está contido na substância cometária, em associações com o carbono e o nitrogênio. Isso tem um grande significado, porque o ácido cianídrico está distribuído naquelas pequenas quantidades sobre a Terra, empregado para a purificação dos corpos astrais.
Um médico cósmico, prodigiosamente importante, age no cosmo, o qual exerce tais terapias de uma forma mais ou menos contínua. Ponderem os senhores: aquilo que em uma determinada época é visto no alto do céu como cometa, se atomiza do modo como eu descrevi, vem do céu como chuva ígnea, mais tarde está no solo da Terra, mais tarde ainda isto passa do solo da Terra para as plantas, dentro das raízes, caules, folhas, flores. Nós comemos os ingressos cometários, o fermento cometário que é dado à Terra pelo cometa, nós o comemos juntamente com o nosso pão. Aí o apocaliptista contempla essa aparição: atuações favoráveis de um cometa, atuações desfavoráveis de outro, se elevam em sua, dos senhores, espiritualidade. Do aprisionamento da Terra se soltará o animal; isto é o cometa no sentido cósmico. O animal estará solto, isto significa algo para o desenvolvimento do ser humano. Dessa maneira se aponta para realidades muito fortes, para grandes pontos importantes no desenvolvimento da humanidade e da Terra.
Em 1933, meus caros amigos, existiria a possibilidade de que a Terra sucumbisse com tudo que vive sobre ela, se não existisse a outra sábia disposição que não se deixa calcular. É que os cálculos não podem mais conferir quando os cometas tiverem adotado outras formas. No sentido do apocaliptista dever-se-ia dizer: antes de o Cristo etéreo poder ser compreendido pelos seres humanos de maneira correta, a humanidade precisa primeiramente dar conta do encontro do animal que se leva em 1933. – Isto é falado de modo apocalíptico. Aí se liga a consideração espiritual com a consideração da Natureza. Aí, aquilo que está no Universo se esclarece em seu caráter espiritual fundamental. Tomem a descrição dos agricultores de 1872 que se postavam lá fora e observavam essa chuva de luz e acrescentem a isto o que se pode saber espiritualmente do modo como eu o esbocei e comparem-no com algumas descrições no Apocalipse; e os senhores verão como existe uma coincidência literal, os senhores verão como se pensa efetivamente em acontecimentos naturais no Apocalipse.
Isto é o que também se pode dizer com razão: o Apocalipse é um livro com sete selos. Deve-se desvelá-los para chegar ao que é pensado propriamente. E quando as pessoas perguntam porque o apocaliptista dá um livro com selos, então esta pergunta, com efeito, não me parece, mais sábia do que a seguinte: – porque selamos as nossas próprias cartas ao enviá-las fechadas? – Para não as lerem aqueles para os quais elas não foram escritas. – Esse também é o caso do apocaliptista. Ele queria justamente que o Apocalipse só fosse lido por aqueles que são chamados para isso. Ninguém saberá abrir o selo se não obtiver antes, para isso, digamos, a faca dos poderes espirituais.
Agora, meus caros amigos, nos anos setenta o século 19, em 1872, no qual o cometa deveria vir novamente, houve aquela chuva de luzes, isto é, tudo já estava muito mais espiritualizado do que na aproximação anterior deste cometa. Agora esse cometa sempre surgirá apenas como se derramando em uma chuva de irradiações luminosas sobre a Terra. Mas no final dos anos setenta do século 19 ele era como se nessa chuva dourada de luz, o domínio de Micael estivesse chegando à Terra*.
*Em 1879, tem início a era de 350 anos do domínio de Micael. (N.T.)
Dessa maneira, os senhores têm acontecimentos da Natureza que são propriamente acontecimentos – Espírito e acontecimentos – Espírito que tem o poder de ser acontecimentos da Natureza. E somente quando os senhores penetrarem o mundo dessa maneira, para que todos os acontecimentos da Natureza se tornem acontecimentos-Espírito e para que todos os acontecimentos-Espírito tenham a intensidade de acontecimentos da Natureza, só então os senhores chegarão a uma real penetração nas configurações mundiais. Então se encaixarão para os senhores a moralidade e a Natureza em uma evolução e surgirá a inclinação para acolher conhecimentos como conteúdos da vida religiosa. Então não será mais necessário recorrer ao subterfúgio de que o conhecimento não poderia ser o conteúdo da vida religiosa, porém apenas a fé.
Isso é o que os senhores podem ganhar mediante uma reflexão mais profunda sobre o Apocalipse. Eu espero que amanhã ou depois de amanhã nós terminemos com essas reflexões.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 20 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 19 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – décima quinta conferência
Imaginemos agora, meus queridos amigos, como em nosso tempo – apontando naturalmente em certo nível para vivências terrenas anteriores -, são indicadas anteriormente, de forma germinativa, poderosas revoluções posteriores. Podemos imaginar como aquilo que consta no Apocalipse como dores do parto e assim por diante, se introduz com tanta frequência, exatamente em nosso tempo, e como a alma da consciência pode ser abalada com isso. (Ap 8,13 / 9,12 / 11,14)
Ora, é preciso ficar claro para nós que aquilo que tentei descrever ontem de forma interpretativa, exerce uma importante influência sobre a configuração geral da evolução humana. Basta que ponderemos que as coisas que se passam, por assim dizer, no campo espiritual, são menos levadas em consideração pelos contemporâneos e acima de tudo menos ainda em nossa época, mas que elas, ao serem vistas também como tais puros acontecimentos espirituais, têm, todavia, sua atuação incomensuravelmente forte muito além e acima da consciência humana. Ao dizer ontem, por exemplo, que certas personalidades dirigentes do Leste Europeu da atualidade alimentam pensamentos que representam propriamente a força que deveria desempenhar um papel nas formações nebulosas, trata-se, todavia, de hoje, o que passar pelas cabeças dos dirigentes russos algum dia representará aquilo que surgirá então como acontecimentos nebulosos quando isto passar a transferir-se cada vez mais para condições posteriores de crescimento. De modo que se pode dizer, por exemplo, que as atuais revoluções da Rússia representarão mais tarde, alguma vez, poderosas revoluções tempestuosas que se darão por sobre as cabeças dos seres humanos.
Aqui chegamos então a algo que também pertence aos enigmas da contemplação apocalíptica e que, por sua vez, deve esclarecer um trecho do Apocalipse. Com isso chegamos cada vez mais a uma interpretação apropriada das posteriores visões do Apocalipse, chegamos àquilo que nós com nossa atual experiência humana devemos esclarecer totalmente.
Quando contemplamos o curto período ao qual estamos hoje habituados a contemplar a vida, sem com isso ir à condição inicial ou final da Terra mediante hipóteses temerárias e em geral disparatadas, quando se passa os olhos sobre este período sem socorrer-se da observação espiritual, então pode-se dizer: lá fora a natureza segue a sua marcha. Vemos como os acontecimentos menores da natureza se desenvolvem ao longo dos anos, como os acontecimentos maiores da natureza se passam em terremotos, inundações, irrupções vulcânicas e assim por diante. Mas, ao lado disso se passam – sem que hoje sejamos forçados por causa do curto período que abrangemos com o olhar, a construir uma conexão -, ao lado disso segue o que descrevemos como história, os acontecimentos da Guerra dos Trinta Anos, Luis XIV e assim por diante. Eles são sequenciais ou são simultâneos e ninguém se sente forçado a construir uma conexão entre as duas séries, os acontecimentos naturais e os acontecimentos históricos, pois são vistos como seguindo em paralelo.
Basta abranger com o olhar um período maior e se verá imediatamente como esta mera representação paralela induz ao erro. Portanto, quando se olha realmente em retrospectiva da vida terrena presente para uma vida terrena anterior – o que hoje ainda deve ser concebido como teoria enquanto não for compreendido em imaginações dadas pelo pesquisador do espiritual –, quando se introduz aquilo que são vidas repetidas na realidade, na verdadeira experiência, então se obtém imediatamente a impressão: contempla-se o prado lá fora, a floresta, e nota-se como estas coisas são mesmo diferenciadas do que eram quando se esteve na Terra na encarnação anterior.
Percebe-se isso mesmo quando se está em uma região totalmente diferente. Porquanto, tudo muda continuamente sobre a Terra e onde quer que se tenha estado, a saber, o mundo vegetal e o mundo animal adotaram um caráter totalmente diferente. Vivencia-se que, em primeiro lugar, no momento em que se descobre algo sobre a encarnação anterior e depois se olha francamente para a natureza, vivencia-se isto como algo extraordinariamente perturbador, atemorizador. Obtém-se algo como que por um sentimento interior: aquilo que se vê nos arredores, absolutamente não se destacou daquilo que existiu no tempo da encarnação anterior, porém o essencial proveio de outro lugar.
Isso é assim: com a cosmovisão científica comum se enxerga aquilo que segue adiante como natureza em uma dessas linhas retas (isto é desenhado no quadro). Este seria o ano de 1924.
figura 10
Então se imagina aquilo que hoje cresce no prado que teria surgido da semente do que nasceu anteriormente; e retrocedendo até 1260, 895 e seguindo-se assim por diante, sempre, então, sementes procedendo de sementes, seguidamente, e se imagina isto em linha reta. No entanto, isso não era assim. Frequentemente fiz atentar para o seguinte: os corpos que os senhores carregam consigo hoje, com exceção de umas poucas inclusões, os senhores não carregavam há sete, oito anos atrás. Alguma coisa é enrijecida ao longo da vida – descrevi isto em outro curso -, mas, em todo caso os senhores não possuíam nada do que carregam hoje como crianças de três anos de idade. Toda a matéria física foi substituída. E o mesmo se dá no prado com todas as flores, nada daquilo existia em espaços de tempo anteriores, porém é preciso imaginar: aquilo que hoje compõe o prado desceu do universo espiritual; o que era prado naquele tempo, por sua vez, também desceu do universo espiritual, e assim por diante, e aquilo que era prado há séculos, desapareceu totalmente. Não são apenas os germes físicos que são herdados, porém germes espirituais surgem continuamente das regiões superiores em lugar do que existiu anteriormente.
Mas quando então se diz que aquilo que hoje é um prado, isto não era um prado, digamos, no século 13, porém ali havia outro prado, o qual morreu entrementes, pois, quando se tiver compreendido isto, obtém-se uma representação daquilo que é o portador do contínuo amortecimento. A neve é renovada todo ano, também o gelo e, enquanto em toda esta configuração bem elementar contida nisso, na dinâmica da formação da neve e do gelo, morre continuamente dentro da natureza; é continuamente renovado do alto*.
*Onde não neva, a geada e a chuva desempenham esse papel. (N.T.)
Isso é bem assim no nosso tempo. Mas, essa também é uma condição que não é inteiramente permanente. Em seguida falaremos disso. Antes, porém, eu ainda desejaria dizer o seguinte: quando se descobre isso ao olhar lá para fora, para o prado – não há qualquer influência nisto, no caso de havermos sido encarnados anteriormente em uma região -, e desse modo percebe-se a sua procedência a respeito da neve e do gelo a partir de regiões supra-terrestres, sabe-se: você ajudou a construir o prado no período entre sua última encarnação e hoje.
Aquilo que você tem aí agora ao seu redor na última encarnação, também na natureza, dessa construção você participou. – Primeiro se começa a perceber isto; e depois se percebe como isto também é apenas uma condição transitória. Os doutos da natureza sempre imaginam, quando descobrem algo assim, como o que se passa ali fora, que tudo isto sejam condições permanentes. No entanto, no fundo, isso é uma tolice. Realmente nada permanece. Em realidade isso é assim: as coisas se modificam até mesmo nas leis da natureza. Por isso os eruditos da natureza da nossa época também chegaram a considerar como permanentes apenas as mais abstratas leis da natureza. “Todo efeito tem uma causa”, “a matéria é constante”, tais generalidades, que realmente não dizem nada são vistas então como as eternas leis da natureza.
E assim também é esta condição que nos mostra a Terra em andamento – no verdejante do verão dissolvendo a umidade em calor, no murchamento do inverno solidificando a umidade em gelo e neve -, ela é algo que nem sempre existiu e nem sempre existirá. Surgirá muito mais uma condição na qual existirá algo que absolutamente não existe agora. Vejam! Hoje nós temos a condição cambiante – eu desejaria estabelecer isto muito solidamente e apreciaria que os senhores também o entendessem solidamente -, hoje nós temos a condição cambiante (isto é escrito no quadro negro):
figura 10
1. Verão dissolvendo o aquoso pelo calor,
2. Inverno solidificando o aquoso pelo frio em gelo e neve.
Entre essas duas temos então uma condição pendulando de lá para cá, o outono e a primavera. Esta se igualará aos poucos. Não haverá mais um verão definido onde o aquoso se dissolve totalmente e não haverá mais um inverno tão definido onde o aquoso se solidifique em gelo e neve, porém haverá uma condição intermediária onde o aquoso terá outra consistência, uma consistência muito mais espessa do que a do inverno, que não se transfere simplesmente para outra, porém que permanecerá. Então o gelo e a neve não terão o aspecto atual, poderão ter o aspecto de uma massa espelhante e transparente que permanece no verão e no inverno*. Aí temos o mar de vidro cujo surgimento é descrito pelo apocaliptista no Apocalipse. (Ap 15,2)
*A faixa equatorial se assemelha às condições descritas e se observa uma forte migração dos povos dos climas frios na sua direção. (N.T.)
Nós indicamos um fenômeno da natureza que compreendemos a partir da contemplação dos acontecimentos da natureza e os situamos no tempo, e vejam: por sabermos também que aquilo que é feito ao redor de nós, em realidade procede de nós, por colaborarmos com isso do modo como colaboramos com o que o nosso carma nos coloca na encarnação, também devemos poder dispersá-lo pela grande transformação da Terra afora. Isto é correto, que o ser humano há de contribuir cada vez mais, mediante aquilo que como intelectualidade ele vivencia na era da alma da consciência, exatamente mediante a sua dinâmica interior para produzir o mar vítreo, de modo que a humanidade possa participar, em sua atuação conjunta, dos grandes acontecimentos do futuro. Aí os senhores não têm apenas um mero paralelismo, aí os senhores têm uma atuação unitária daquilo que se passa no ser humano e daquilo que se passa lá fora na natureza.
Sim, agora os senhores também conseguirão entender ainda outra coisa que é a seguinte, a respeito da qual devemos esclarecer-nos: Quando penetramos naquela divindade que, no estado de equilíbrio, sempre em repetitivo estado de equilíbrio entre o luciférico e o arimânico, e quando entendemos isto em sua mais profunda essência, então concluímos que em toda parte – ao contemplarmos de maneira correta -, onde não houve influência de Lúcifer e onde não houver influência de Árimã, se encontra justamente o que procede desta espiritualidade divina progressiva ligada à evolução da humanidade.
Quando olhamos para dentro dos reinos dos quais flui continuamente o luciférico e para dentro dos quais flui continuamente o arimânico, em que vemos a divindade mantida em estado de equilíbrio, então encontramos, como força fundamental de tudo que ali segue fluindo, o ser humano formando, tanto exteriormente como animando e espiritualizando espiritualmente: o puro amor. Esta força fundamental é puro amor. O universo consiste, segundo as suas substância e essência, na medida em que consiste da totalidade do ser humano, de puro amor, não é nada senão puro amor. Dentro da divindade atribuída ao ser humano não encontramos nada senão puro amor. Mas esse amor é justamente algo interior, ele pode ser experimentado interiormente pelas almas. Ele jamais chegaria a aparecer exteriormente se não formasse para si primeiramente o seu corpo a partir do elemento etéreo da luz. E quando contemplamos o mundo corretamente do ponto de vista oculto, chegamos a dizer simplesmente: o ser fundamental do mundo é a entidade interior do amor aparecendo exteriormente como luz.
Isso não é uma convicção da fé que penetra com o olhar nessas coisas, porém é um conhecimento conquistado muito objetivamente: o universo, na medida em que o ser humano está radicado nele, é, exteriormente, pela luz, o amor essencial interior revelado. Essencial, porque nós temos de tratar com todas as entidades das hierarquias superiores que são suportadas por esse amor e que experimentam interiormente esse amor, o que, todavia, se quisermos adotar uma idéia abstrata, aparece como luz. A aparência exterior dos seres é o amor e a aparência exterior do amor é a luz. Isto é o que sempre foi frisado em todos os mistérios, o que não é uma mera convicção da fé, porém é o verdadeiro conhecimento obtido de cada ocultista*.
*Saber > Luz > Amor, ou melhor: Amor> Luz > Saber > Universo. (N.T.)
Ora, contudo, trata-se do seguinte: essa é uma corrente no universo, uma corrente que, todavia, diz respeito, em essência, a nós como seres humanos, mas, justamente, uma corrente. Bem podemos imaginar a época do materialismo desde o século 15, 16, 17 e também a culminância do materialismo durante os anos 40 do século 19 – bem podemos imaginar a configuração final do materialismo subsequente, com tudo que os seres humanos pensam e fazem, com todas as forças terrivelmente destruidoras que assolam a humanidade desde meados do século 19, embora isto ainda não seja absolutamente percebido corretamente por muitas pessoas. E por cima de tudo isso paira, desenvolvendo-se na luz, o amor divino.
No entanto, meus caros amigos, apanhem por sua vez uma água totalmente pura, uma água absoluta e cristalinamente pura e tomem de uma esponja suja, uma esponja que contenha sujeita. Introduzam a esponja nessa água cristalinamente clara e pura, mergulhem-na nela, espremam-na e façam a água fluir novamente para fora dela – a água estará suja e turva. Ao fazerem sugar a água cristalina pela esponja e espremê-la novamente, os senhores fizeram com que ela se tornasse uma água suja.
O que deve o amor divino, brotado em pura luz, por ter sido absorvido na época do materialismo, como a água clara pela esponja impregnada por sujidades, e por isso ter-se tornado algo totalmente diferente na subsequente aparição? – Assim podemos ver a imagem: água cristalina sugada por uma esponja suja se converte em água suja, não potável. O amor divino, aparecendo e brilhando na luz, sugado na época do desenvolvimento da alma da consciência por todos os ingredientes do mal que assolam a humanidade na época do desenvolvimento da alma da consciência, de modo latente ou manifesto, se torna ira divina.
Esse é o enigma da época subsequente em que, mediante o que acontece na humanidade, surgirá o amor divino na forma de ira divina – de ira divina que há de proteger diante de todas as configurações materiais que surgem como consequência da época da alma da consciência materialista, que há de proteger, fazendo perecerem estas configurações, da atuação prejudicial adicional. A partir daquilo que aparece para o apocaliptista, ele fala do derramamento das taças do furor na próxima época (Ap 16, 1 e ss). Isso é o que foi expresso nos mistérios em uma sentença que agiu recentemente de um modo terrivelmente abalador nos iniciados: na esfera da ilusão humana o amor divino aparece em forma de ira divina.
Uma sentença que circula pelos mistérios com a idade de muitos milênios, que vive de maneira profética nas visões de João, na qual é descrito no Apocalipse o que precede aquilo por onde o amor divino é turvado e que depois deve acontecer como o necessário cumprimento do acima descrito: o derramamento da ira divina na época na qual, em um grau muito mais intenso que o nosso (em 1924), o que os seres humanos fazem, exercem influência sobre o acontecer da natureza. Pois o paralelismo que leva os seres humanos à ilusão, como se a natureza e o espírito humano e a alma humana andassem um a par do outro, este paralelismo predomina apenas nos períodos medianos da evolução e provoca assim esta ilusão.
Até mesmo nas condições iniciais e terminais das evoluções menores, por exemplo, da evolução da catástrofe atlântica até a guerra de todos contra todos, sempre predominou uma grande influência sobre os acontecimentos da natureza, através do que se passa no ser humano. Por isso não é nenhuma fábula nem ficção o fato de que uma grande parte da humanidade, nas últimas fases do desenvolvimento atlântico se ocupava em grande medida com a magia negra, com aquilo que os seres humanos passavam ali em sua ocupação com magia negra, se cumpriu na catástrofe atlântica em fenômenos da natureza.
E, da mesma maneira, muitas coisas que estão acontecendo agora se cumprirão como fenômenos da natureza. Haverá apenas uma coisa dessas, de que a revolução russa, a qual também teve muitas coisas ocultas, descendo do céu como temporais de trovões e relâmpagos, hão de perdurar ao longo de verões inteiros, derramando-se sobre as cabeças dos seres humanos e sobre outras coisas que são reunidas em nossa época como elementos do mundo, turvando o amor divino, surgindo naqueles fenômenos da natureza que absolutamente não haveremos de conseguir caracterizar de outra forma senão como mudança do amor divino em ira divina através das ilusões dos seres humanos*.
*Sem falar dos horrores do nazismo, da Segunda Guerra Mundial, da bomba atômica e das convulsões do Oriente Médio, nem das imoralidades cometidas atualmente no Brasil. (N.T.)
A sentença já foi pronunciada do modo com eu a pronunciei anteriormente. Mas aquilo que a ira divina derrama aqui sobre os seres humanos, isto, em verdade, ainda continua sendo uma revelação de amor divino. Porquanto, se nesta época o amor divino se compadecesse aparentemente com a fraqueza dos seres humanos, então isto não seria um verdadeiro compadecimento. Estar-se-ia desviando o olhar por cima de tudo que, como consequência necessária, terá acontecido com os pensamentos e atos humanos; isto constituiria a maior falta de amor, pois neste caso a humanidade seria arruinada. Só e unicamente pelo derramamento da ira divina, a qual, todavia, é apenas a metamorfose do amor divino, pode ser afastado o que a humanidade realizou como coisas prejudiciais, o que, de outra forma, atuaria prejudicialmente de um modo inominável sobre a continuidade do desenvolvimento da humanidade. A sentença inscrita nas escrituras é tão velha a ponto de ainda ser frequentemente pronunciada na Europa na forma oriental, quando se diz: na região de Maia o amor se apresenta como ira divina.
Vejam! Aqui os senhores têm novamente um exemplo onde se vê no Apocalipse o modo fundamental como ele é extraído dos ingredientes essenciais que pairam sobre o mundo. Quanto mais nos aprofundamos neles, tanto mais se encontra nesse Apocalipse tudo que mostra realmente, no sentido mais eminente, que podemos confiar no Apocalipse – expresso isto de um modo trivial. No fundo ele é o que confere ao sacerdote o conhecimento daquilo que acontece no curso universal humano. Originariamente ele era dado ao clero como a porção verdadeiramente esotérica da cristandade, ao lado da outra porção que era exotérica.
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Agora são debatidas as perguntas entregues por escrito na conferência
Rudolf Steiner: Ora, a ninguém eu dei pessoalmente o breviário, senão apenas no curso. Devemos fazer distinção entre aquelas reuniões que mantivemos ainda no Goetheanum e as posteriores. Uma delas aconteceu no outono de 1921 na grande sala do Goetheanum na qual havia um grande número de personalidades sobre as quais se podia pensar que se interessavam pelo movimento para renovação cristã. A seguir tivemos em setembro de 1922, as reuniões mais restritas para as quais os senhores diziam que vinham com um preparo fundamental e que levaram a ter sido verdadeiramente inaugurado o movimento e se realizou a primeira consagração. Estas são duas etapas. Na segunda reunião não há personalidades que depois tivessem desistido, ali todos foram realmente investidos e declarados sacerdotes autorizados. Nessa reunião formativa da atuação sacerdotal, como ponto de partida no mais severo sentido, ali não há mais desistências. Mas na primeira reunião havia personalidades que não só não se tornaram sacerdotes, porém a respeito das quais os senhores disseram que até tiveram uma atitude hostil, bem hostil.
Friedrich Rittelmeyer: Por exemplo, o pastor para a juventude, Bruno Meyer.
Werner Klein fala da distribuição do breviário. Falta aí o controle exato de onde quer que isso foi parar.
Rudolf Steiner: E não haverá a possibilidade de obter uma visão a respeito das personalidades que estavam presentes naquele outono de 1921?
Um participante: Sim, essa possibilidade existe.
Rudolf Steiner: Então outras personalidades não receberam o breviário?
Friedrich Doldinger: Mas os deram a outros.
Os participantes solicitam que seja feita uma pré-meditação.
Rudolf Steiner: Dever-se-ia pensar em uma pré-meditação no final. Eu desejaria, antes de falar a respeito desse assunto, de tratar dos outros assuntos colocados pelos senhores, dos quais, neste contexto, me parece importante a questão de (lendo no bilhete: a pergunta de Johannes Werner Klein): se fazemos bem em continuar colocando o centro de gravidade no elemento extensivo, ou se é do interesse da melhor preparação para as tarefas futuras, colocar o centro de gravidade no intenso aprofundamento da própria personalidade. Talvez não se possa ver, sem mais nem menos, a conexão entre as duas questões, mas ela existe.
Em quaisquer circunstâncias, dever-se-ia procurar a possibilidade, no atual estágio da atuação do clero, de ainda não reprimir o intenso trabalho, como os senhores o denominam. Pode-se compreender quão urgente é a necessidade de um aprofundamento interior e também se pode compreender quantas preocupações encerra aqui a sentença “Desconstrução das forças físicas e anímicas” que proporcionou a muitos do Círculo desde o outono de 1922. Tudo isso pode ser compreendido. No entanto, os senhores não podem esquecer, meus caros amigos, que aquelas coisas que podem ser feitas com toda a seriedade a partir do mundo espiritual, até certo ponto também devem ser feitas com referência ao extensivo. Antes disso não temos qualquer justificativa para nos recolhermos em nós mesmos antes de não termos atingido esse ponto.
Com muitos dos nossos movimentos se suportam aqui terríveis golpes, como os senhores sabem: pois eu suportei muito disso, neste sentido, nos anos passados. Quando o movimento da Escola Superior foi fundado, eu disse àqueles que a fundaram e que lhe proporcionaram o ponto de partida: Muito bem! Quando os senhores fazem uma coisa dessas, os senhores devem saber, contudo, que só se pode fazer algo assim, quando se suporta isto com suas forças, não importando se somos bem ou mal sucedidos, é necessário que se suporte até um determinado ponto na persecução do reto caminho. Então isso não aconteceu e por isso o forte revés que chega até nós precisamente a partir do movimento da Escola Superior, pois, na verdade, pouco nos prejudicou tanto como ela em si, isto é, o movimento da Escola Superior despedaçado nas almas, o qual se exauriu totalmente na areia. Apareceu no lugar dele uma interiorização de almas juvenis, a qual está aí hoje. Mas o movimento da Escola Superior está realmente inteiramente despedaçado.
Naturalmente isso não é algo que se deixa comparar com o movimento dos senhores, mas aquilo também prevalece aqui: nós devemos, quando inauguramos um movimento, o qual obtém o seu impulso diretamente do mundo espiritual, abstrair inteiramente do sucesso ou do insucesso, abstrair inteiramente daquilo em que se tornará, e não decidir em nós mesmos: Nós alteramos o seu curso.
Com efeito, algumas coisas se tornarão bastante difíceis. Com referência à desconstrução das forças físicas, trata-se naturalmente de se dever procurar nisso os meios e caminhos de, por sua vez, auxiliar estas forças físicas, mas para aqueles que dentre os senhores que falam da desconstrução das forças anímicas, que começassem uma vez por se aconselharem intensamente nesta direção, começando por responder em si mesmos à questão: até que ponto pode, aquilo que emana vivamente deste movimento religioso permeado pelo impulso de Cristo, até que ponto podem, a qualquer tempo, as forças anímicas manter isto à altura?
As forças anímicas, meus caros amigos, devem poder ser mantidas à altura por intermédio do que flui pelo culto e pela doutrina. Para as forças físicas deve-se procurar a cura física. Mas as forças anímicas – pode-se até mesmo dizer que isto seria uma espécie de prova deste movimento sacerdotal, se estamos em condição de extrair da situação deste movimento sacerdotal aquilo que então as forças anímicas mantêm à altura, por mais que as forças físicas sejam desconstruídas.
Coragem, intensidade interior para o trabalho concreto, clara buscas das metas sacerdotais, ligada a isto uma postura segura sobre o solo humano-divino que suporta a alma solidamente no universo, é isto que não podemos perder. Pois, senão isso seria uma comprovação justamente para que aquilo que deveria ser o mais forte, não seja suficientemente forte. Isso também é algo que não está certo. Isto é suficientemente forte. Por isso a desconstrução das forças anímicas é algo que está ligado com alguma espécie de ilusão, geralmente com causas de depressão que vêm de lados totalmente diferentes e que obscurecem aí os raios claros que partem desse próprio movimento religioso e impedem cada desconstrução das forças anímicas. Basta os senhores verificarem para encontrar em toda parte as forças anímicas, embora se pudesse imaginar que elas estivessem desconstruídas; elas são desconstruídas por algo que desempenha de fora para dentro aquilo que se faz valer muito fortemente com referência a estas forças anímicas e diante disto apela insuficientemente pela fonte espiritual. No entanto isso pode ser modificado quando nos tornamos conscientes da elevada missão deste sacerdócio na mais plena abrangência.
Ora, vejam! Quando digo isso eu imagino, todavia, que isto já seja a pressuposição para que nós, acima de tudo, possamos pensar em fazer algo para trazer o breviário, ameaçado, para a sua atuação originária. Em todo caso, meus caros amigos, as duas coisas devem se juntar quando se mostra – e isto pode até acontecer amanhã –, que os senhores se esclareçam, quanto à questão – e na verdade apenas com referência a essas forças anímicas , pois para as forças físicas temos mesmo procedimentos terapêuticos – clínicos – do modo os senhores libertam de todas as ilusões a partir de suas próprias ponderações, o que vale com referências às forças anímicas, de tal modo que permaneça com o movimento a força enfática com a qual ela existia no início. Depois ainda se pode dizer, mesmo que não puder ser possível receber de volta todos os breviários, podermos empreender o restabelecimento do bem naquilo que foi prejudicado no breviário. A respeito disso ainda poderemos continuar a falar amanhã.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 19 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 18 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – décima quarta conferência
Meus caros amigos! Eu também tentarei responder as perguntas que me foram colocadas, além das outras coisas. Mas entre elas há algumas perguntas que, embora tenham sido feitas por outros, eu gostaria de responder no círculo mais estreito dos dirigentes. Isto ainda pode acontecer nos próximos dias e estas respostas podem ser retransmitidas.
Acima de tudo eu desejaria indicar-lhes hoje uma imagem do Apocalipse que descreve uma imaginação do apocaliptista do modo como elas passaram frequentemente para aquelas descrições imaginativas que surgiram inclusas no Apocalipse, por mais felizes que sejam, mas, nesta imagem da qual se trata – e que cabe, segundo as explicações de ontem, em nossos tempos, em sua realização -, mal se poderia desconhecer as partes isoladamente porque elas nos vêm ao encontro, inteiramente, de um modo característico no Apocalipse. No entanto, para entender essa imagem é necessário que tratemos, precisamente aqui, de certo assunto paralelo que é importante para o nosso tempo e que também já foi abordado em conexão com a Antroposofia, mas que pode encontrar aqui neste ponto da nossa palestra sobre o Apocalipse um esclarecimento especial.
Quando examinamos o desenvolvimento do ser humano e assim atentamos para o modo como o ser humano, na transição do seu consciente a partir do mundo físico-sensorial rumo à contemplação do mundo espiritual, se torna em primeiro lugar, propriamente, um ser tripartite – do modo como eu descrevi nos capítulos referentes ao Guardião do Limiar no meu livro “O Conhecimento dos Mundos Superiores”* – poderemos dizer: No ser humano a forma do ser é exatamente uma trindade e uma unidade inclusas, e a inclusão, no fundo, é muito evidente. Isto se torna evidente quando se acompanha a descrição expressa na articulação do ser humano dentro da Antroposofia. Tomemos aí o ser humano segundo o espírito, a alma e o corpo. O modo como se comporta diante de outras, essa articulação que é dada na Antroposofia se tornará clara sem mais.
*”O Conhecimento dos Mundos Superiores”, tradução de Erika Reimann, Editora Antroposófica, 2011, 7ª. edição, GA-10. (N.T.)
Assim, no espírito, do modo como o ser humano o possui atualmente, vivem efetivamente os pensamentos; os pensamentos vivem do modo como eu os descrevo, por exemplo, em minha “A Filosofia da Liberdade”*, onde justamente não estão impregnados com aspectos sensoriais, porém com pensamentos livremente criados e puros no consciente humano. Aí, os pensamentos, de acordo com a sua qualidade são, em primeiro lugar, apenas uma aparência, menos ainda eles são uma realidade plena por não terem uma força interior. Por não termos a imagem reflexa, não podemos compará-los exatamente, mas apenas em certo sentido, com imagens reflexas.
*”A Filosofia da Liberdade”, tradução de Marcelo da Veiga, Editora Antroposófica, 2011, 3ª. edição, GA-4. (N.T.)
A imagem que aparece no espelho, não desfralda a força na direção das suas linhas, pois ela é totalmente passiva. Os pensamentos humanos contêm força no seu desfraldamento, de tal maneira que também podemos adotar esta força e impregná-la com a vontade, do modo como eu disse ontem na aula esotérica. Mas, para com o universo, em seu ser repleto de conteúdo, esses pensamentos que o ser humano tem na sua vida, propriamente como imagens espelhadas, de tal maneira que nós já carregamos o espírito no ser humano, porém o espírito como imagem espelhada.
Então, meus caros amigos, aquilo que levamos dentro de nós deriva do mundo que eu descrevi em minha “Teosofia”** como pátria dos espíritos e levamos, propriamente, ao pensarmos a respeito da Terra, os ingredientes da pátria dos espíritos para o brilho, o reflexo para baixo, sobre a Terra. Ao pensarmos levamos o que a Teosofia chama de Devachan, para baixo para dentro do âmbito da Terra, embora isto também seja um reflexo fraco. Levamos dentro de nós esses conteúdos sobre a Terra, como um fraco reflexo levamos o brilho do céu.
**”Teosofia”, tradução de Daniel Brilhante de Brito e Jacira Cardoso, Editora Antroposófica, 2010, 7ª. edição, GA-9. (N.T.)
Ao passarmos para o anímico vive aqui, de preferência, o sentimento. Como sentimento ele vive no estado de vigília, ele vive em estado dormente na imaginabilidade dos sonhos. Sonhos e sentimentos se diferenciam apenas por serem os sentimentos conteúdos anímicos do estado de vigília, os sonhos são conteúdo anímico do estado dormente. Aquilo que experimentamos como seres humanos terrestres, entre o nascimento e a morte, em nossos sentimentos, deriva por sua vez de outro mundo – como descrevi na minha “Teosofia” -, deriva do mundo anímico pelo qual vivenciamos após a morte em sua verdadeira configuração. E a essa verdadeira configuração do mundo anímico que se coloca então diante de nós – descrevi isto segundo e até certo ponto na “Teosofia” -, o nosso mundo sensorial se comporta – o qual é apenas sonhado por nós, pois não sonhamos apenas este mundo anímico em nossos sentimentos -, justamente não como uma imagem reflexa, mas como uma imagem mantida na alma pelos poderes elementares criativos. A realidade ainda não está contida aí dentro.
O que o nosso corpo desenvolve então do modo como somos na qualidade de seres humanos terrestres, não é um consciente primordial, mas carrega em si as mais fortes realidades do ser. Em realidade agimos em nosso corpo, porém apenas no mundo terrestre físico. Desta maneira os três membros da nossa entidade humana pertencem a diferentes mundos. E os senhores, meus caros amigos, ao quererem efetivamente atuar sobre a essência do ser humano, hão de ter, por isso, em seu sentimento, uma alusão àquilo que está situado na essência do ser humano. Os senhores devem desenvolver uma contemplação correta para com essas coisas.
Equívocos e mais equívocos foram trazidos para mim por filósofos muito bons, exatamente com relação a essa articulação, equívocos e mais equívocos que mostram como é difícil, mesmo para seres humanos da atualidade que sabem pensar muito bem, penetrar corretamente na antroposofia. Assim, um filósofo, ao tratar da articulação do ser humano, entendeu-o como se isto fosse uma divisão arbitrária que teria sido feita com a razão e significasse um mero formalismo.
Naturalmente também se pode dividir uma mesa em tampa, pés e assim por diante, mas toda a mesa é feita de madeira, ou também se poderia segmentá-la da esquerda para a direita. Entretanto, na articulação do ser humano não se trata de tal segmentação arbitrária, porém, digamo-lo assim: realmente temos o hidrogênio, realmente temos o oxigênio, os quais, juntos, compõem a água; eles são realidades, não apenas esquemas artificiais. Da mesma maneira, os membros da entidade humana não são articulados arbitrariamente, porém cresceram realmente da natureza humana de modo que se pode dizer: o espírito procede do reino dos espíritos, a alma do mundo anímico, o corpo físico do mundo físico; estes membros do ser humano procedem de três diferentes mundos e estão ligados entre si no ser humano. E, quando o ser humano sai com a consciência do mundo físico, o seu interior se segmenta, ele se torna três em um.
Aquilo que acontece dessa maneira com o ser humano sem que este, individualmente, precisasse tomar parte nisso, como indivíduo, também acontece com toda a humanidade através dos seus diversos desenvolvimentos raciais e populacionais. Podemos dizer: Na verdade a humanidade vive, em seu desenvolvimento, no subconsciente de cada ser humano, individualmente, mas isto não sobe justamente até a consciência comum, em nossa época, pois esta passa por etapas do seu desenvolvimento semelhantes às do ser humano individual. E, exatamente agora, em nossa época, na marcha rumo ao desenvolvimento da humanidade, se passa por algo como a passagem pelo limiar e pela divisão em três.
Nesta época da alma da consciência o ser humano deve apropriar-se daquilo que para o ser humano individual é a ultrapassagem pelo Guardião do Limiar, se ele quiser obtê-la. Entretanto, é a humanidade que passa pelo Guardião do Limiar, embora o indivíduo, para a sua época, passe inconscientemente por ela. A humanidade inteira experimenta essa passagem pelo limiar.
Enquanto a corporalidade física sempre continuou a dar algo ao ser humano sobre a Terra – ainda até o término do século 18 –, através dos seres humanos que nela habitavam, este ser humano deverá, futuramente, extrair do mundo espiritual tudo aquilo que ele encontrará produtivamente, extrair do seu íntimo, até mesmo as suas virtudes, não como ser humano individual, porém como humanidade. De modo que uma passagem pelo limiar se apresenta diante do nosso olhar no desenvolvimento de toda a humanidade, a qual, por também apresentar-se diante do olhar segundo a época, aparece diante do apocaliptista, colocando diante de seus olhos, a visão da mulher vestida com o Sol, a qual tem o dragão aos seus pés. Então ele tem a outra visão, aquela visão que evidentemente reproduz o que o apocaliptista quer dizer: virá o tempo em que toda a humanidade, em sua parte civilizada*, deverá ultrapassar o limiar, na qual aparece uma trindade como a imaginação cósmica daquilo que é experimentado pela humanidade.
*No Brasil, as recentes manifestações prevaleceram em São Paulo, que também é a porção mais civilizada do país. (N.T.)
Haverá cada vez mais um número maior de seres humanos, os quais, ao lado do sentimento que o ser humano pode desenvolver quando o saudável se avizinha do patológico, terão a outra sensação: meus pensamentos querem fugir, meus pés são puxados para baixo pela gravidade da Terra. – Atualmente, existem muitos seres humanos que realmente sentem intensamente, mas seus pensamentos voam para longe deles e seus pés são exageradamente atraídos para a Terra. Por outro lado, ao mesmo tempo, foge assim do assunto o ser humano pela atual civilização, do mesmo modo como se foge do assunto com as crianças quando elas expressam uma visão que se apóia em bases reais*.
*Jovens, que são as crianças da humanidade, se manifestam o Brasil. (N.T.)
No entanto, o que vive muito intensamente em nossa época aparece para o olho clarividente do apocaliptista como aquela figura que se forma a partir das nuvens, uma figura que tem um semblante semelhante ao do Sol, que muda para um arco-íris e que tem pés ígneos, dos quais um se apóia no mar e o outro na terra (Ap 10, 1 e 2)**. Dir-se-ia que de fato esta é a mais importante aparição que a alma humana deve colocar diante dos olhos. Pois, primeiro, naquilo que é semblante nascido nas nuvens, depositam-se os pensamentos, os quais pertencem à pátria dos espíritos; segundo, naquilo que é arco-íris deposita-se o mundo dos sentimentos da alma humana que pertence ao mundo anímico; terceiro, nos pés ígneos que obtiveram sua força a partir da Terra coberta pelo mar, deposita-se o que está contido no corpo do ser humano o qual faz parte, justamente do corpo físico.
**Ap 10, 1 e 2: “Vi depois outro anjo, forte, descendo do céu: trajava-se com uma nuvem e sobre a cabeça estava o arco-íris; seu rosto era como o Sol, as pernas pareciam colunas de fogo e na mão segurava um livrinho aberto. Pousou o pé direito sobre o mar e o esquerdo sobre a Terra.(N.T.)
Aqui nós somos dirigidos, digamos, em direção ao próprio enigma cultural da atualidade que se expressa em primeiro lugar de tal modo que os seres humanos não apareçam logo divididos em três, porém que apareçam – o que, em verdade, na nossa época é mais do que evidente -, de tal modo que tenhamos seres humanos obnubilados que só conseguem pensar enquanto as duas outras partes estão reprimidas, a saber: o arco-íris e os pés ígneos, pois temos seres humanos arco-irísios nos quais o sentimento está eminentemente desenvolvido*, os quais só podem, por exemplo, entender antroposofia com sentimento, não com razão. Mas eles não são encontrados apenas na Sociedade Antroposófica, porém também lá fora. Tais seres humanos só podem entender o mundo com o sentimento; neles o pensar e o querer estão reprimidos, mas o sentimento está particularmente desenvolvido. Além disso, hoje em dia ainda existem seres humanos que realmente agem como se tivessem apenas a vontade desenvolvida de um modo hiper-atrofiado. Reprimido está o seu pensar: são seres humanos que agem taurinamente, entregando-se apenas aos impulsos exteriores imediatos – os seres humanos ígneos.
*Como o brasileiro , que é eminentemente emocional. (N.T.)
E a visão de João apocaliptista já descreve também essas três espécies de seres humanos, com as quais nos deparamos na vida. Nós devemos até mesmo nos familiarizar com esse enigma, exatamente nesta época da atual civilização, para avaliarmos os seres humanos de maneira correta. Na verdade, isso também resulta, de resto, de uma contemplação correta dos grandes acontecimentos mundiais.
Olhem os senhores uma vez para tudo que acontece agora na Rússia. Nós temos a influência do ser humano das nuvens, dos seres humanos que principalmente pensam, nos quais sentimento e vontade não se desenvolvem. Eles desejariam entregar a vontade ao mecanismo social, o sentimento é exigido pelos poderes arimânicos porque os próprios seres humanos não o mantém. São pensadores, mas por ser o ser humano terrestre configurado arimânica e lucifericamente, o seu pensar é tal que se pode dizer – vou empregar uma imagem que para todos os que conhecem a ciência espiritual, aparece como uma imagem totalmente evidente; ela só intimidará aquele que ainda deve antes adquirir a vivência de tais coisas -: Ao tomarem os pensamentos de Lenin e dos outros e considerarem estes pensamentos como uma imagem, qual será o aspecto daquilo que é a confluência dos pensamentos de Lenin, Trotski, Lunatscharski e assim por diante?
Ao representarmo-nos um mundo a partir desses pensamentos, obtém-se aquilo que na física se denomina um sistema dinâmico, um sistema de forças. Sim, meus caros amigos, com essas forças poder-se-ia, se fôssemos um gigantesco espírito elementar, formar nuvens sobre uma vasta região, provocar trovões e relâmpagos, quando se considera justamente as forças em regiões nebulosas. Mas elas não pertencem à Terra. É uma imagem que talvez os surpreenda, mas aquele que penetra com os olhos os fundos ocultos da existência deve dizer isso. Nas cabeças dos dirigentes russos pairam e vivem as mesmas forças que se encontram no raio, que são formadas nas nuvens acima das nossas cabeças e que irradiam os raios para baixo, para a Terra, que provocam os trovões. É a isso que pertencem essas forças, elas atuam deslocadas nos dirigentes do bolchevismo.
Vejam! Aí os senhores têm aquilo que, com relação a muitas coisas que existem em nossa época, está muito claro para o apocaliptista pré-contemplante. E ele sabia que aquele trecho de uma época – pois isso sempre abrange um período de tempo -, também podia ser indicado segundo o número. Eu mesmo, meus caros amigos, indiquei aproximadamente um determinado número de anos para aquele período que abrange algo como o desenvolvimento da alma da consciência, o desenvolvimento da alma da índole ou da razão. Eu o indiquei como o duodécimo de 25.920 anos que corresponde a um desses trechos.
Ora, realmente foi para mim durante muito tempo uma extraordinária e pesada carga dar conta exatamente do trecho do Apocalipse do qual falo neste momento. Pois aí o apocaliptista declara que está profetizando 1.260 dias. Muitas vezes se fala em dias quando se pensa em anos. Mas como chegamos ao número 1.260 no Apocalipse? Exigiu-se mesmo uma penetrante pesquisa para descobrir que esses 1.260 dias (Ap 11,3 e 12,6) – permitam-me a expressão trivial -, são um erro de impressão na tradição do Apocalipse. Nesse trecho deve constar “2.160 dias”, então isso também coincide com o que se pode ver hoje em dia. É bem possível que alguma vez, em alguma escola onde se cuidava da tradição, justamente por vermos, na contemplação, muitos números em imagem espelhada, tenha surgido uma confusão. No entanto, isso é algo que, dentro da vivência mais profunda do Apocalipse, é menos importante.
Então, aqueles seres humanos que se colocam dentro da raça, por serem, propriamente, seres humanos das nuvens, em oposição a eles se colocam, por sua vez, os outros que são seres humanos arco-irísios. Neles o pensar não é desenvolvido, eles preferem viver em pensamentos tradicionais, eles têm certa timidez para se aproximarem do mundo espiritual. Numerosos seres humanos, justamente em regiões da Europa Central, nos aparecem como tais seres humanos arco-irísios.
Quanto mais nos dirigimos para o Oeste tanto menos desenvolvidos são o pensar e o sentir, até chegarmos a formações doentias dos seres humanos com pés ígneos. Tais seres humanos são precisamente encontradiços em regiões ocidentais da Europa e presumivelmente na América, de modo que também podemos articular a Terra neste sentido: no Leste existem muitos seres humanos das nuvens, no centro muitos seres humanos arco-irísios, no Oeste muitos seres humanos com pés ígneos. E poder-se-ia dizer: Ao olharmos espiritualmente de fora para a Terra, está espalhada sobre ela uma como que imagem exata da configuração que vem ao nosso encontro no apocaliptista quando levamos em consideração o desenvolvimento das raças. Se nos elevássemos um pouco da Terra – espiritualmente, pois não se pode fazer isto no balão -, se nos elevássemos, talvez, a partir de um certo ponto situado na Westfália, Alemanha, até o alto e olhássemos de volta para a Terra, então a Ásia teria uma espécie de aspecto semelhante às nuvens, adotando formas solares e mais adiante em direção ao Oeste, pés ígneos, dos quais um fincado no Oceano Pacífico e o outro nos Andes sul-americanos. E se obteria a própria Terra sob essa imagem.
Vejam! Essas profecias do apocaliptista, profundamente incisivas para o nosso tempo, são algo sumamente importante para a atuação dos sacerdotes, pois nisto consiste justamente esse grande enigma do nosso tempo, o qual se formou desde Napoleão. Sob a influência do napoleãonismo, do primeiro Napoleão, surgiu, na verdade, primeiramente, com plena evidência, essa procura dos seres humanos pela raça, para dentro da nação, a qual se expressa hoje de uma maneira incompreensível pelo wilsonianismo. Isso é algo completamente terrível, esse modo como os seres humanos buscam, hoje em dia, raças e povos e como todos querem soterrar, no fundo, o cosmopolitismo.
Mas isso procede do fato dessa passagem estar situada justamente diante e atravessada ao local do limiar. E o ser humano, ao cindir-se, em seu desenvolvimento no mundo espiritual, assim se cindem, separadamente, em áreas que permanecem inconscientes no ser humano, os seres humanos terrestres segundo seres humanos das nuvens, seres humanos arco-irísios, seres humanos ígneos. Essa cisão trina do ser humano, conforme eu a descrevi para o ser humano individualizado no “O Conhecimento dos Mundos Superiores”*, ela ingressou então na humanidade terrestre e agora está aqui. A portentosa imagem que o apocaliptista descreve existe na Ásia, na Europa e na América. E, inicialmente, os seres humanos não conseguem encontrar a consonância das três partes; em vez de procurar a consonância na reunião, eles procuram a ruptura e isto aparece, em especial, de um modo totalmente extraordinário.
*”O Conhecimento dos Mundos Superiores”, tradução de Erika Reimann, Editora Antroposófica, 7ª. edição, 2011, GA-10. (N.T.)
Nesse pensar inteiramente exteriorizado que se apodera dos seres humanos pode-se ver, por exemplo, como os seres humanos não se encontram na sua compreensão, porém, com frequência, estreitam fileiras segundo superficialidades. Podemos ver, por exemplo, como entre um bosque da Boêmia, Alemanha, e montanhas com pinheirais das montanhas das minas na serra de arenito Politz-Aderbacher descendo até o March, até o antigo Pressburg-Pozsony, conforme se chamava na Hungria – não sei como se chama hoje -, se tomarmos os montes Mannhartz como limites ao Sul, que ali se encontra entre os tchecos, no sentido mais excelente, o povo de seres humanos das nuvens que apenas desenvolveu o pensar e que isto não se encontrou com compreensão interior, pois foi soldado aos eslovacos de uma espécie totalmente diferente*, entre os quais absolutamente não se apresenta o pensar, porém são seres humanos arco-irísios no mais evidente sentido da palavra.
*Atualmente, esses dois povos se separaram novamente. (N.T.)
Por outro lado, vemos como se resolve, em compensação, de um modo bem exterior, outra relação que se formou um pouco antes. Em tudo isso não paira nenhum espírito, porém a atividade dos seres humanos terrestres que quer excluir o espírito. Nós vemos a Eslováquia como se soltou, pouco tempo antes, da Boêmia, da Morávia, da Silésia, que é a região indicada por mim anteriormente. Vemos toda essa Eslováquia, anteriormente unida com o país dos magiares (húngaros) e com os autênticos magiares. Basta os senhores diferenciarem os autênticos magiares dos magiares imigrados, os quais podem até mesmo ser identificados pelo nome.
O autêntico magiar tem um nome que sequer conseguimos pronunciar no Oeste, especialmente quando ele é mais velho; mas seu nome será Hirschfeld se for um dos atuais magiares particularmente vociferantes e ativistas. Deve-se mesmo voltar aos autênticos magiares. Com estes trata-se de claros seres humanos com pés ígneos que por pouco tempo ficaram soldados com os seres humanos arco-irísios da Eslováquia. Assim se lança a sorte dos dados através do atual Espírito do mundo de modo que anteriormente os eslovacos foram jogados juntos aos magiares e agora são jogados
junto aos tchecos. É assim que se lança a sorte dos dados hoje em dia. Isso também se expressa nos sintomas mais aprofundados, por exemplo, no fato de que um homem verdadeiramente importante como Masaryk que se encontra no ponto alto da República Tchecoslovaca é realmente um eslovaco e não um tcheco. Mas quem conhece Masaryk sabe que ele é precisamente um homem arco-irísio que absolutamente não consegue pensar. Leia-se os seus livros e se verá: em seus livros pensa o tempo. Ele é um ser humano arco-irísio, um autêntico eslovaco.
É necessário que se consiga contemplar seres humanos da atualidade de acordo com essas categorias, a fim de ver qual é realmente o jogo de dados do acaso levado adiante, o qual, naturalmente, está mesmo baseado no carma do universo. Aí devemos mirar aquela época – que é a nossa propriamente -, que pode dizer de si que penetra cada vez mais na consciência dos seres humanos, na alma da consciência. Anteriormente os seres humanos viam, inscrita lá fora, a escrita das estrelas, eles viam inscrito lá fora tudo que era conteúdo da antiga tradição, da antiga sabedoria. O que consta em livros antigos, esse ser humano tripartite carrega em si como recordação.
Quando se olha para certos locais vê-se essa configuração que se estende sobre a Ásia, a Europa, a América. O que foi anunciado em locais ricos em mistérios da Macedônia, da Grécia, da Ásia Menor, tudo que foi anunciado em Éfeso, na Samotrácia, em Delfos e em outros lugares a respeito do mundo, é o livro dos antigos tempos que foi preservado; está na mão daquele anjo que forma seu semblante a partir das nuvens, seu peito a partir do arco-íris, seus pés a partir do fogo, apresentando um portentoso valor.
Mas tudo isso, para o ser humano consciente da atualidade é assim que nós apenas podemos mantê-lo de modo ativo e aviventador quando procuramos de dentro de nosso íntimo a fonte pela qual aprendemos a contemplação espiritual. Devemos “engolir” o livro que anteriormente podia ser buscado por fora, engoli-lo e introduzi-lo em nós. Em primeiro lugar, esse livro que contém os enigmas do mundo começa por ser doce para muitos na boca. As pessoas já se aproximam, com uma grande predileção, daquilo que quer dar uma contemplação espiritual, isto lhes apetece como o mel. No entanto, quando sobrevêm as autênticas exigências da vida, as quais estão relacionadas com uma compreensão espiritual do mundo, então, justamente, quando isto se aproxima do ser humano tornado materialista, aquilo que é doce como o mel segundo as palavras do apocaliptista, se converte em uma cólica na barriga que é dolorosa quando deve ser digerido aquilo que como nutrição espiritual tão necessário para o ser humano.
Ao contemplarmos tudo isso, devemos admitir: com esse jogo de dados, com esse embaralhar, torna-se necessário que, justamente a partir daquele poder espiritual que nos é mostrado pelo ser humano trimembrado, proceda aquela força que consegue renovar a medida de tudo. Um tubo é instalado, descendo do céu, em realidade é uma régua com a qual tudo deve ser renovadamente medido (Ap 11, 1 e ss.). Agora olhem para o nosso tempo, meus caros amigos. Não é mesmo necessário que tudo deve ser medido novamente? Não devemos acrescentar àquela formação abstrata do mapa dos países, algo como a Ásia como formação nebulosa, a Europa como sendo colorida com as cores do arco-íris, a América como tendo pés ígneos? Não devemos renovar a medida de tudo a partir do ponto de vista da vida espiritual? Não estamos situados no meio da realização daquilo que o Apocalipse nos apresenta?
Atentemos para aquilo dentro de que devemos situar-nos, tomemo-lo com plena consciência e assim saímos do laicismo que hoje em dia deve fazer tanta coisa no mais profundo subconsciente, de dentro da compreensão, de nenhum modo racional, das proposições desta época, mediante o que deve ser o nosso sacerdócio. Vejam! É justamente isto que deve ser falado em apoio aos capítulos do Apocalipse ora apresentados. As coisas coincidem até mesmo em seus mínimos detalhes. Então poderemos expressar muito bem aquilo que deveremos expressar a respeito de raças e do desenvolvimento individual quando abordarmos, já amanhã, esses assuntos.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 18 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 17 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – décima terceira conferência
Meus caros amigos! A partir de um determinado ponto de vista eu já mostrei como o Apocalipse está construído sobre o princípio do número, um dos princípios ocultos. Em seguida talvez os senhores tenham visto, por sua vez, a rigor, na atual explicação a respeito dos números rítmicos fundamentais do universo e do ser humano, quão profundamente ela está baseada no universo, na medida em que ela pode levar o rítmico a se revelar.
Atualmente, com as revelações ocultas que se mantêm conformes ao Apocalipse de João é assim que fica bem evidente a construção segundo o número. Vejam! Essa contemplação da qual fala o apocaliptista resulta, segundo o moderno princípio da iniciação, quando, na imaginação que se tem diante de si, interfere a inspiração. Então se obtém a contemplação de tal modo que se amplia o aspecto peculiar da imaginação e a inspiração fala através da imaginação. Mas então, quando isso acontece, acontece segundo o princípio do número – onde sempre, para todos os ocultistas, o sete é o número mais perfeito; existe até mesmo uma sentença do ocultismo: o sete é o número mais perfeito -, e temos a possibilidade de acompanhar as coisas segundo o princípio do número.
Com isso os senhores não devem imaginar que esse número sete tenha um grande significado para o conteúdo que se recebe. No entanto ele tem um significado incomensuravelmente grande para se ouvir as inspirações. Mas quando nós próprios vivemos no número sete, se pode compreender as inspirações das maneiras mais diversas. Eu quero dar-lhes um exemplo.
Admitamos que alguém perceba importantes fundamentos para a sua própria época. Naturalmente isso se relaciona com toda a imagem mundial de um modo mais ou menos aleatório, quando se percebe precisamente para sua própria época os fundamentos espirituais; na verdade isto é natural, porém, é mais ou menos aleatório. Admitamos, portanto, que eu seja um observador no ano de 1924, então o ano a ser observado é apenas o de 1924; outra pessoa é observadora do ano de 1903, então o ano observado é apenas o de 1903. Mas quando eu, como observador, não dependo de quando acontece a minha observação e reconheço corretamente o que eu tomo ali na observação e tenho a capacidade de retroceder para sete impressões, indiferentemente a partir de onde, sempre é novamente esclarecedora para a primeira, segundo as leis do mundo espiritual, a impressão dada pela sétima; a décima quarta, por sua vez, sendo esclarecedora para ambas.
Portanto, trata-se mais de um princípio metódico, o de se encontrar naquilo que nos pode dizer algo. Em verdade, do mesmo modo como quando se compreende uma língua, quando se pode compreender o outro ser humano que fala nesta língua, deste mesmo modo aqui, propriamente, a coisa mais importante é que se possa viver no número sete. É assim que também devem ser interpretadas as coisas. Pois essa revelação do número sete é extraordinariamente complicada. No universo tudo está arranjado, por assim dizer, segundo o número sete e, em menor medida, segundo o número doze, assim como, por sua vez, segundo outros números e, é possível, a partir de qualquer ponto, acompanhar os acontecimentos de modo esclarecedor, no múltiplo de sete.
Quando, no ano de 1908, em Nurembergue, Alemanha, eu tentei interpretar o Apocalipse de João, aquela era outra época para o movimento antroposófico. Então se tratava, acima de todas as coisas, de interpretar até certo ponto, a própria antroposofia à mão do Apocalipse. É possível interpretar muitas coisas a partir do Apocalipse, pois também os acontecimentos da história geral, cuja menção foi importante ser feita em primeiro lugar naquela época, até podem ser derivados do Apocalipse.
No entanto, para os senhores, conforme eu já indiquei repetidas vezes, é necessário hoje identificar-se, a si mesmo em seu Eu, com o Apocalipse e contemplar muito concretamente a realidade de que o Apocalipse mostra toda uma plenitude, uma multiplicidade de acontecimentos onde se destaca o número sete. Quando, do ponto de vista da vivência da alma da consciência, eu chamei a atenção para aqueles acontecimentos que ali se relacionam com “a mulher vestida com o Sol, com o dragão sob os seus pés”, os senhores mesmos verão em qual momento da contagem apocalíptica nós vivemos presentemente.
Agora nós vivemos, com relação à alma da consciência, na época dos toques das trombetas – não com relação ao desenvolvimento do corpo astral, nem com relação ao desenvolvimento da humanidade em geral; isto está mais contido em minhas conferências de 1908 -, mas com respeito ao próprio desenvolvimento da alma da consciência que não anda em paralelo com os outros processos de desenvolvimento, porém que, como que se imiscuindo neles, vivemos agora na época dos toques de trombeta.
Atualmente é assim: vivemos no início do desenvolvimento da alma da consciência – pois ainda nos encontramos no início do desenvolvimento da alma da consciência -, de modo que, inicialmente, só percebemos os toques das trombetas quando a alma da consciência se eleva para contemplações supra-sensoriais porque, dos seres humanos da atualidade, justamente não é destacado no sentido supra-sensorial aquilo que se passa no terrestre. Isso é o mais importante, das coisas não serem hoje em dia destacadas no sentido supra-sensório, porém justamente de serem tomadas totalmente em um sentido indiferente. Com frequência, em considerações antroposóficas, eu apontei para certo momento no século 19, para o início dos anos quarenta. Eu dizia que esse início dos anos quarenta representa, do ponto de vista espiritual, uma incisão importante, um significativo corte no desenvolvimento do mundo civilizado. Ele é, por assim dizer, a culminação do materialismo.
Tudo que se relaciona com o materialismo já estava efetivamente resolvido em 1843/1844. O mais, no fundo, foi uma consequência e ainda continuará a sê-lo. Mas para aquilo que sobreveio à humanidade civilizada da Europa e ao seu apêndice americano, já o momento do início dos anos quarenta tem um significado infinitamente grande, uma vez que então a penetração dos poderes arimânicos nos assuntos da humanidade foi de uma enorme intensidade. Os senhores podem dizer: Sim, após os anos de 1843/1844 ainda sobrevieram, na verdade, acontecimentos muito piores. – Entretanto, vejam, isso é apenas aparente. Basta os senhores pensarem que Arimã é mais inteligente do que os seres humanos. No ano de 1843/1844 era Arimã quem atuava, em essência.
Ele dispôs as coisas da maneira como ele faz de acordo com a sua inteligência. Este é o ponto mais baixo, ou seja, o ponto culminante da trajetória materialista. Então os seres humanos continuaram a labutar e, aquilo em que os seres humanos continuaram a labutar, embora aparentemente por fora, algumas vezes não tenha uma aparência tão feia, para o conjunto da evolução humana, todavia, não tem uma aparência horrível; e ao considerá-lo do ponto de vista espiritual trata-se da expressão do que foi projetado por Arimã no início dos anos quarenta do século 19.
Com esse início dos anos quarenta o sexto anjo das trombetas começa a soprar e ele há de soprar até que no fim do século 20 se realizem aqueles acontecimentos dos quais eu falei ontem, quando a sétima trombeta começa a soprar (no século 21). Portanto, nós já estamos inteiramente situados dentro da esfera das dores do parto. É a segunda dor do parto que temos na esfera da alma da consciência como humanidade civilizada e a qual já precedeu, há mais ou menos um século e meio, aquilo que era a quinta trombeta. E se seguirmos retrocedendo às trombetas com referência ao número sete, na época da alma da consciência, então chegaremos a um momento um pouco anterior.
Aqui em baixo, sobre a Terra, a época da alma da consciência começa em 1413. Mas as coisas se deslocam, tempos anteriores atuam ali dentro; nós retrocedemos com os toques das trombetas mais ou menos até a época das cruzadas. Sim, em locais realmente ocultos também sempre se considerou esse tempo como a época das cruzadas até adentrar o nosso tempo, como a época dos toques das trombetas. E os senhores também encontrarão nisso as etapas daquilo que é descrito no Apocalipse. Os senhores poderão encontrar como, sob a irrupção do materialismo, digamos, por exemplo, quando o copernicanismo se aproximava, um terço dos seres humanos foi verdadeiramente morto espiritualmente, isto é, deixou de desenvolver a plena espiritualidade. E, realmente, a praga dos gafanhotos descrita no Apocalipse é horrivelmente perturbadora.
Aqui chegamos, todavia, a um assunto, diria eu, do qual não se aprecia falar, mas o qual faz parte, naturalmente, das coisas que emergem justamente na atuação sacerdotal. Pois essa praga dos gafanhotos observada, na verdade, do puro ponto de vista da consciência, já aconteceu no mais elevado sentido, se efetivamente falarmos de modo teórico. Quando nos dirigimos aos seres humanos onde, com efeito, sempre podem ocorrer restabelecimentos em condições doentias, então tais coisas não podem ser expressas; no entanto, quando se trata da atuação sacerdotal, então se deve, por certo, saber com quem se tem a ver com os seres humanos em geral.
Pois é assim que se manifesta em geral uma enorme alegria junto àqueles que hoje são descritos como seres humanos liberais ou democratas quando podem alegar repetidamente que a humanidade se multiplica de um modo tão excessivo em uma determinada região da Terra. O aumento da população é aquilo pelo que anseiam tão fortemente especialmente os seres humanos liberal-democratas, a saber, no sentido político, também por todos os que se imaginam ser livre-pensadores.
Agora, vejam! Em primeiro lugar isto não é totalmente correto, porque as estatísticas se baseiam em equívocos; nos cálculos estatísticos comparativos não se toma a Terra inteira, sempre se toma apenas uma parte da Terra e não se pensa que as outras partes da Terra, em outras épocas, estivessem mais densamente povoadas do que hoje em dia. Portanto, em detalhes, isto não é sempre totalmente correto, mas no conjunto é até mesmo correto que em nossa época aparece uma espécie de inúmeros seres humanos que estão desprovidos de Eu’s, os quais, em realidade, não são seres humanos. Isto é uma terrível verdade. Eles andam por aí, não são encarnações de um Eu, são colocados dentro da hereditariedade física, recebem um corpo etéreo e um corpo astral, são guarnecidos, interiormente, em certo sentido, com uma consciência arimânica; eles dão a impressão de seres humanos, quando não se olha com precisão, mas não são seres humanos no pleno sentido da palavra.
Essa é uma horrível verdade, isso existe, isso é uma verdade. E o apocaliptista aponta diretamente para os próprios seres humanos quando fala da praga dos gafanhotos na quinta época das trombetas. E se pode reconhecer novamente o apocaliptista em sua contemplação. Pois tais seres humanos aparecem em seu corpo astral inteiramente do modo como o apocaliptista os descreve; como gafanhotos etéreos com faces humanas. É assim que se deve pensar totalmente sobre tais coisas supra-sensoriais, de tal forma que o sacerdote precisa conhecê-las. Porquanto ele é o padre-cura.
Portanto, ele também deve poder encontrar as palavras para tudo que se passa em uma dessas almas. Não são sempre, necessariamente, almas malévolas, pois podem ser almas que chegam até o anímico, porém lhes falta o Eu. Até a isso se chegará quando se topa com essas pessoas. O sacerdote precisa saber disso, pois isso exerce uma influência sobre a comunidade dos seres humanos. E, acima de tudo, aqueles seres humanos que têm almas autênticas sofrem com aquelas pessoas que efetivamente andam pelo mundo como gafanhotos humanos. E, dessa maneira, pode e deve surgir a questão: Como devemos nos comportar ante tais seres humanos?
Ante esses seres humanos tem-se, frequentemente, uma tarefa realmente difícil porque eles sentem profundamente; eles podem ter sentimentos extremamente profundos, no entanto percebe-se que eles não estão imbuídos de uma verdadeira individualidade. Contudo, é necessário, naturalmente, que se esconda isso cuidadosamente deles, esse fato de que não há uma individualidade neles, pois senão a consequência necessária disto seria a loucura.
Entretanto embora se deva esconder isso deles, trata-se, para tais almas, de – pois eles são efetivamente almas, embora não sejam espíritos -, trata-se de organizar tudo para que esses seres humanos encontrem a conexão com outros seres humanos cujo acompanhamento eles possam desenvolver, para que, portanto, se tornem, de certa maneira, seguidores destes outros. Na verdade, esses seres humanos exibem com grande exatidão a natureza e a essência do se humano até o vigésimo ano de vida. Porquanto, na verdade, somente no vigésimo ano de vida nasce a alma da índole e do intelecto e com isso é dada a possibilidade do usufruto terrestre do Eu.
Aquele que quisesse afirmar que não deveríamos portar-nos de modo participativo ante tais seres humanos privados de Eu, de individualidade, por não terem uma futura encarnação, pois não existe uma individualidade, estes estão muito enganados. Porquanto estes também deveriam afirmar que não deveríamos nos comportar de modo participativo ante as crianças. É de se decidir, em cada caso isoladamente, a respeito do que está inserido em tais seres humanos.
Às vezes se trata, em tais seres humanos, de almas póstumas, póstumas ante as almas humanas que surgiram em uma determinada época do desenvolvimento e sempre se reincorporaram como seres humanos. Mas também pode tratar-se de almas retrógradas daquelas que mais tarde retornaram de outro planeta, de lá para onde, em certa época, toda a humanidade havia ido. Tais almas também podem estar inseridas nesses corpos humanos. Devemos, portanto, educar com plena consciência esses seres humanos como permanentes crianças.
Vejam! Tudo isso já está acolhido dentro do Apocalipse. E quando se adota desse modo essas representações, as quais, na verdade, se revelam como imaginações – no Apocalipse, às vezes, elas estão de modo a cortar horrivelmente o coração; é assustador o modo como ali se fala de tudo quanto é sofrimento que sobrevém à humanidade -, a ponto de devermos dizer: em nossa época, muito daquilo realmente já se apresenta, embora em aspectos espirituais.
Atualmente, contudo, também existem naturalmente, diria eu, representações suavemente grandiosas no Apocalipse, como, por exemplo, os anjos que descem com o incenso, com o turíbulo (Ap 8,3). Aqui se mostra o incenso. E então o nosso olhar se dirige a muita coisa que aconteceu no tempo das cruzadas. Com as primeiras trombetas somos transportados de volta para as primeiras cruzadas; até mesmo entramos na época das cruzadas quando abrangemos com o olhar o desenvolvimento da alma da consciência da humanidade. Então vemos como ali se apresentam algumas personalidades na época das cruzadas e no tempo a elas relacionado que obtinham efetivamente impressões imensamente fortes do seu convívio com o mundo espiritual. Ali nos encontramos efetivamente, diria eu, com os talentos da piedade. É extremamente importante que nos esclareçamos quanto a isso. Ali nos deparamos com os talentos da piedade.
Ao retrocedermos ainda mais, encontramos, contemplando de forma retrospectiva, ante o nosso campo do consciente, o tempo do Mistério do Gólgota até a época das cruzadas e tudo que lhe está relacionado, e podemos ver esse período como uma época menor de abertura dos sete selos. Entretanto, só se entende isso completamente quando nos esclarecemos a respeito do seguinte. Basta imaginarem quantas personalidades se apresentam, exatamente na época das cruzadas que, quase todas, dirigem sua religiosidade para o interior, para a profundidade, na intensidade do sentimento, na vivência mística interior. Pois isso começa, na verdade, enquanto anteriormente ainda se contemplava, no fundo, para o alto todo o universo quando se queria observar o mundo do divino – em todo caso de parte dos seres humanos influentes, embora sob a contínua luta contra o fluxo que partia de Roma.
Existia a compreensão para com o Deus que, na aparição sensorial para a qual se dirigia o olhar, vive, tece e atua. Mas então tudo era conduzido mais ou menos para o interior. Aparecem os grandes talentos, ou gênios, da mística. Antes disso temos um modo de contemplar o universo como uma revelação do divino; em seguida temos uma sensação do que o coração humano pode sentir como um inflamar de luz interior, de tal modo que a partir do interior do ser humano o divino pode ser iluminado.
E essas etapas descritas pelo Apocalipse também estão efetivamente presentes na expansão da cristandade. Aí temos o primeiro avanço silenciosamente vitorioso da cristandade, onde, propriamente, a expansão da cristandade está colocada na força do espírito vitorioso, da palavra vitoriosa. A cristandade se expande, digamos, nos subterrâneos da vida social daquela época. A seguir temos uma segunda época na qual a expansão da cristandade arrebata da Terra muito do que chamamos de paz.
A cristandade participa muito efetivamente da luta na segunda época. Então também vemos a época na qual começa cada vez mais uma busca do impulso interior da cristandade onde a cristandade se torna religião do estado, o que, naturalmente, é uma busca do verdadeiro impulso cristão original. Mas então temos a época que deve ser considerada como aquela do quarto selo onde, da maneira como a descrevi, irrompe o maometanismo. E assim continuam a ser abertos, selo após selo e aquilo que então acontece sob a influência das cruzadas, acontece, na verdade, sob a influência de importantes talentos religiosos, o que se pode até observar quando se acompanha com maior precisão aquilo que realmente aconteceu. Com referência a isso, toda a escrita histórica, de fora a fora, é realmente uma falsificação da história.
Pois os senhores veem como, realmente, antes das cruzadas toda a expansão da cristandade, diria eu, aconteceu no bem. E o que aí, pelos inúmeros membros do monacato, aconteceu amiúde, também quanto à maldade no sentido exterior, quando a cristandade se expandiu até as cruzadas, na verdade, aconteceu, no fundo, na Europa, mais ou menos, um apoio direto às narrativas da Palestina.
Os Evangelhos não eram, todavia, uma leitura dos leigos, eles eram uma ocupação dos sacerdotes. Mas o que aconteceu naquele tempo se situava inteiramente sob a influência daquilo que os sacerdotes conseguiam enxergar nos Evangelhos. O clero tinha o Evangelho como culto. O culto era aquilo em que se espelhava o mundo supra-sensorial de uma maneira sensorial. A missa, o próprio sacrifício da missa, era, para o sacerdote, aquilo em que eles viam os portais diretos para o supra-sensorial. Por isso eles sempre prescindiam, aos poucos, cada vez mais, do olhar para o alto, para a revelação do divino-espiritual, mediante o céu estrelado assim com o de todas as outras maravilhosas profecias que ainda haviam permanecido com relação ao que, hoje de manhã – em oposição à atual astronomia e astrologia -, eu chamei de antroposofia, todas essas antigas predições foram, aos poucos, quase inteiramente ocultas até a época das cruzadas.
Na época das cruzadas vemos aparecerem, em toda parte, subitamente, seres humanos que em seguida também andam do Leste para o Oeste, ou os que voltavam diretamente das cruzadas, ou os que vinham um pouco mais tarde, e nos quais se haviam enraizado coisas que eram enigmas do Oriente. Então foi trazida do Leste para a Europa uma plenitude de escritos que mais tarde desapareceram; isto deve ser atribuído à circunstância de que naquele tempo não se vigiava com aqueles olhos de Argus aquilo que se tinha como material escrito, do mesmo modo como se vigia hoje em dia*. Por isso, mal permaneceu muita coisa do que era escrito. Muito mais coisas foram novamente divulgadas pela tradição oral a respeito do seu sentido de uma cristandade cósmica, e isto se enraizou justamente no tempo das cruzadas.
*Lamentavelmente, no Brasil, até hoje, se vigia muitíssimo mal os materiais gravados provenientes do passado. (N.T.)
Então se revela uma espécie de sétimo selo. E poder-se-ia dizer, no que tange ao respeito aos escritos, não se deve apenas imaginar uma vez: se for verdade que um professor italiano descobriu os manuscritos de Lívio, como é feita uma tempestade pelo atual estado italiano – apesar de tudo ser incerto -, para por a mão nesses manuscritos de Lívio. Não é preciso retroceder nem um pouco no tempo e o estado teria sido altamente indiferente quanto a isto ou aquilo ter sido encontrado. O interesse por guardar escritos é algo que só surgiu mais tarde.
Quanto a isso eu mesmo vi um pedacinho bem sucedido, quando estive no arquivo Goethe-Schiller. Ali recebemos uma carta de Goethe que tinha um aspecto estranho: suja, horrivelmente rasgada. No período em que eu estive no arquivo Goethe-Schiller isso já era um pecado. Não é assim que se deve tratar as cartas de Goethe. Nós pesquisamos o que havia atrás disso. Ora, outrora a carta foi propriedade de Kuno Fischer e este simplesmente havia entregue a carta de Goethe à tipografia sem tê-la copiado, porém enviara ao tipógrafo a carta original com suas anotações e observações marginais. Foi só por milagre que, apesar disso, a carta foi conservada, pois naquele tempo não se guardavam os manuscritos.
Assim não devemos admirar-nos a respeito do fato de que naquele tempo em que a cristandade entrava em contato com o orientalismo através das cruzadas, verdades fossem divulgadas na cristandade as quais nós chamaríamos hoje de verdades cabalísticas. E alguns viveram naquele tempo os quais sabiam mais do que Jakob Böhme, sem que isso chamasse a atenção, enquanto, no tempo de Jakob Böhme isso já chamasse a atenção, este fato de que existia um ser humano como Jakob Böhme.
É o tempo das cruzadas – quando não queremos apontar tanto para os acontecimentos exteriores que são descritos nos livros históricos, quanto para o que se passa na consciência dos seres humanos -, o tempo das cruzadas é a época em que o tempo dos selos se altera para o tempo das trombetas. Naturezas que sentiam mais profundamente, sempre sentiram até hoje o tempo das cruzadas de modo a dizerem: Ah! É horrível o que se passa aí no signo dos toques das trombetas – se eu o considerar do ponto de vista supra-sensorial -, nas almas dos seres humanos. Mas os seres humanos sobre a Terra não ouvem os sons das trombetas.
Com efeito, muitos seres humanos, exatamente desse tempo, deveriam ter essa consciência que vivenciamos justamente agora como a época da sexta trombeta, da qual os senhores sabem quais são as suas propriedades mais essenciais e seus efeitos mais essenciais. Um terço dos seres humanos, assim isto é citado (Ap 9,15), será morto. Naturalmente isso só acontece no decorrer do tempo. Com “matar” aqui se trata dessa ausência do Eu naqueles seres humanos que anteriormente já haviam sido preparados pela configuração dos gafanhotos.
Tais são as coisas que justamente obrigam o sacerdote a contemplar mais profundamente a estrutura daquilo que realmente acontece. O sacerdote deve tratar, na verdade, do supra-sensorial. Porquanto nós estamos envoltos por todos os lados pelo supra-sensorial. Aquilo que pode ser observado no ser humano, na medida em que tem um corpo físico, é apenas um segmento da vida humana. Tão logo começamos a penetrar no supra-sensorial, vemos as verdadeiras ações dos seres humanos e vemos como amiúde eles absolutamente não têm consciência das suas conseqüências.
Às vezes não se consegue saber o que um ser humano apronta na vida de outro ao passar por ele sem se preocupar com ele, embora, em realidade, se encontrasse em seu carma comportar-se diante dele nesta vida terrestre, de certa maneira. Mais tarde, todavia, esse carma exercerá alguma vez uma coerção maior; mas isso será mesmo equalizado, embora, em realidade, devesse ter sido equalizado nesta vida. Não se notará isso, necessariamente, nesta vida exterior. Com efeito, não há nada a imputar contra o respectivo ser humano, ele cumpriu todas as suas obrigações do ponto de vista exterior, civil, mas talvez ele tenha feito algo que, no sentido da conexão com a evolução do mundo, tenha causado ferimentos terrivelmente profundos. Não se pode dizer que aqui se trate de coisas supra-terrestres, porém se trata de coisas supra-sensoriais, pois dentro do terrestre o supra-sensorial acontece continuamente.
Vejam! Compreender o Apocalipse com essa seriedade será uma necessidade na medida em que o que chamei de Cristo etéreo, se tornará visível na humanidade. Daí já corresponder a uma sensação bem sadia, a qual tenha emergido do mais profundo subconsciente, que os senhores, meus caros amigos, quisessem fazer exatamente do Apocalipse o objeto dessas considerações.
Talvez os senhores tenham imaginado algo diferente daquilo que eu, exatamente no tempo atual, posso oferecer a respeito do Apocalipse, mas que os senhores quisessem ouvir de mim considerações a respeito do Apocalipse, isto, certamente, foi a disposição temporal dos seus corações. E se poderia até mesmo dizer que nos senhores surgiu a necessidade de entenderem o Apocalipse a ponto de, também como clero que dela faz parte, se unam em tais tendências, o que mostra que os senhores, em certo sentido, já se familiarizaram com o apocaliptista, com João. E desse modo, o que acima de todas as coisas é necessário para os senhores, esse permear-se com o espírito do Apocalipse, não há de contradizer o fato de que se pode diferenciar determinadas épocas segundo o princípio do número sete, de que, no fundo, com isso se pode começar em toda parte e de que então se descobre como as coisas andam.
Absolutamente não se encontrará as relações na evolução do universo quando não se emprega o princípio do número como método da consideração. Vejam! Com isso abordamos o lado do Apocalipse que, justamente em nosso tempo é essencial e frutífero.
Em seguida encontramos, disperso no Apocalipse, em geral nos locais em que o número sete também passa para outros acontecimentos. Aí vem ao nosso encontro, novamente, algo que carece muito de um esclarecimento. Basta os senhores imaginarem que um número venha ao nosso encontro: em uma determinada época existem tantos seres humanos que carregam o selo de Deus em suas frontes, os quais pertencem, portanto, aos felizardos que de certa maneira serão salvos ou redimidos, ou de qualquer modo que queiramos denominá-lo (Ap 7, 4-8); mas os outros absolutamente não chegam a ser redimidos. Quando se lê o Apocalipse desse modo exterior, ele é uma coisa que, na leitura, pode conter algo de opressivo em primeiro lugar.
Ora, é preciso que fique claro para nós que em toda parte nas antigas escrituras é feita uma distinção entre o desenvolvimento das raças e o desenvolvimento individual dos seres humanos. É preciso ficar claro que nenhum indivíduo isoladamente se sentia oprimido em tempos antigos quando se dizia que, de uma raça, se salvariam uma vez tantas porções enquanto outras sucumbiriam. Pois ninguém calculava incluir-se porque se pensava realisticamente, exatamente do mesmo modo como hoje, quando um ser humano se apressa para que a sua vida lhe seja assegurada.
Com isso se calcula por quanto tempo ainda se tem a probabilidade de viver. As instâncias seguradoras, em verdade, não aceitam pessoas que provavelmente venham a morrer dentro em breve; pois se assegurassem um grande número de pessoas que morressem dentro em breve, eles logo veriam esvaziados os seus cofres. Eles querem ter pessoas que vivam durante muito tempo e paguem durante muito tempo; por isso eles precisam de um cálculo de probabilidade que, na verdade, é um método de cálculo muito interessante, no qual deve ser assegurado aquele que, a partir dos mais diversos antecedentes, calculam será provável a duração da sua vida. Eu ainda nunca achei alguém que se sentisse obrigado a morrer no momento no qual a companhia de seguros tivesse calculado como o da sua provável morte segundo seu método certamente correto. Isto não existe; ninguém se sente obrigado a morrer exatamente naquele momento. E aqui também se encontra em sua base uma realidade. Tão logo se adentra o número não se alcança aquele estágio da espiritualidade na qual se situa a individualidade humana.
Vejam! Quando se diz essas coisas, menciona-se justamente certo mistério, um enigma oculto. Ele se apóia no fato de que se acredita que quando se enumera um, dois, três, quatro, cinco individualidades e então se aplica este número no espiritual, que esta contagem também deveria ter um significado para o mundo espiritual. No entanto, ela não o tem da mesma maneira. O princípio do número se apresenta no momento em que o mundo espiritual irrompe e se revela; se revela, seja no ano platônico universal, seja no número das respirações e assim por diante; em suma, onde irrompe o mundo espiritual. De tal modo que, quando nos elevamos até a consciência espiritual, no limite, no limiar para dentro do mundo espiritual, necessita-se do número.
Aí não se progride quando não se tem o número ou algo semelhante ao número. Entretanto, quando se está além, no espiritual, e se quer começar algo com os números então tudo não serve mais. Por isso, algum escritor do oculto como o apocaliptista pode muito bem, ao falar do desenvolvimento racial que se desenrola sobre a Terra: existem tantos e tantos que serão salvos e tantos outros que sucumbirão – no próximo encontro veremos qual o significado desses números -, mas, por isso, a individualidade humana isoladamente não pode sentir-se atingida, pois esses números devem mesmo ser relacionados ao desenvolvimento das raças, porém não à individualidade do ser humano.
No próximo encontro eu explanarei mais detalhadamente a maneira de se entender isso.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 17 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 16 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – décima segunda conferência
Meus caros amigos! Na verdade, nós podemos comemorar hoje, naturalmente, um caso cármico favorável, o de que estamos reunidos durante um período no qual, há dois anos, pôde ser completada aqui a primeira consagração do homem. Aqui nós temos algo extraordinário no ordenamento dos principais pontos do desenvolvimento da nossa vida espiritual: a consagração do homem daquele tempo, há dois anos, o incêndio do Goetheanum e, um ano depois, a colocação da Pedra Fundamental da Sociedade Antroposófica e agora, após o segundo ano, estarmos reunidos aqui para, como sendo seu mister, discorrer sobre o Apocalipse.
A reflexão a respeito do Apocalipse está intimamente ligada, como eu venho mencionando desde o início, com aquilo que a consagração do homem contém e, por isso, cada dia que agora dedicamos realmente à consideração do Apocalipse, já é uma festa comemorativa do que naquele tempo, há dois anos, fizemos viver entre nós, a fim de introduzir nesta vida aquilo que quis se revelar a partir do mundo espiritual como o culto moderno atual.
Em seguida talvez seja uma coisa correta, justamente com relação à coincidência dos acontecimentos, termos diante de nós esse ponto do Apocalipse que oferece as maiores dificuldades para a compreensão, o qual, contudo, leva inteiramente e de modo apropriado, para dentro do coração do Apocalipse e se relaciona da maneira mais íntima, justamente com o mistério da consagração do homem por estar objetivamente relacionado com a entidade do Cristo. Com efeito, somente é possível falar a respeito desse ponto com relação ao Apocalipse. Pois o Apocalipse tanto exibe em sua fronte o caráter crístico fundamental, a ponto de ser inteiramente indubitável não podermos com isto extrair nada da observação crística que de alguma forma seja extraviado, quando consideramos o que está relacionado com este Apocalipse de modo natural. E se pode assegurar-lhes que aquilo que terei a dizer com relação a este ponto que queremos debater hoje, que isto resultará de um modo muito deslumbrante dos modos de ver do apocaliptista.
Meus caros amigos! Vejam como desde o início do século 15 nos encontramos no quinto período pós-atlântico e, dentro deste, no início da luta renovada que Micael terá de conduzir dentro de tudo aquilo que há de acontecer nos próximos tempos e daqui olhamos retrospectivamente para o quarto período pós-atlântico, o qual precedeu imediatamente o nosso.
Ora, nós sabemos que esse quarto período pós-atlântico começou, aproximadamente no ano de 747, anterior ao do Mistério do Gólgota, que neste quarto período pós-atlântico incidiu o Mistério do Gólgota, o qual – embora não precisamente, pois teve lugar, mais ou menos, na primeira metade do quarto período pós-atlântico, isto é, não muito exatamente -, mas que, quando se leva em consideração, todavia, aqueles deferimentos que sempre têm lugar na evolução mundial dos acontecimentos, mas que, repito, pode ser situado no meio desse período. Nós podemos, portanto, talvez, desenhar esquematicamente (figura 9) o que está relacionado com o nosso desenvolvimento espiritual de tal modo que digamos: o quinto período pós-atlântico está aqui. Precederam-no o quarto, o terceiro, o segundo, o primeiro períodos e assim por diante e depois, retrocedendo cada vez mais até a catástrofe atlântica, a qual, conforme sabemos, reconfigurou essencial e definitivamente o feitio da nossa superfície terrestre, isto é, acrescentou, por assim dizer, um novo semblante a nossa Terra.
Agora, contemplemos uma vez esse quarto período, o atlântico, o que ele representa. Ele foi precedido por aquilo que frequentemente chamei de período lemúrico no desenvolvimento da Terra, depois aquilo que podemos assinalar como o segundo e o primeiro do desenvolvimento da Terra. Apenas estes três primeiros períodos do desenvolvimento da Terra até chegar ao período atlântico são, na verdade, repetições: o primeiro da época saturnina, o segundo da época solar, o terceiro da época lunar. Somente o quarto, o período atlântico, representa algo novo. Os períodos precedentes são inteiramente repetições, todavia são repetições em um estágio mais elevado, porém certamente são repetições.
O período atlântico, portanto esse quarto período representa algo novo. E aquilo que aconteceu naquele tempo durante o período atlântico, sucedeu quando a Terra ainda tinha formas essencialmente diferentes das ulteriores. Não havia, particularmente, uma crosta terrestre em meados do tempo atlântico, não no mesmo sentido de hoje. Os períodos geológicos que são adotados para essas coisas são ilusões. Os tempos nos quais a Terra se consolidou da condição relativamente sólido-líquida, na verdade, ainda se situam no tempo atlântico. E o gênero humano, durante o tempo atlântico, era totalmente diferente. Ele ainda não tinha, em meados do tempo atlântico, a sólida estrutura óssea da atualidade. Os seres humanos, em sua formação de então, se assemelhavam real e substancialmente, mais ou menos, aos animais inferiores, não em sua forma – em sua forma eles eram feitos com muita nobreza -, mas substancialmente eles se assemelhavam a animais inferiores moluscóides como substância mole, cartilaginando-se.
Podemos, portanto, dizer que naqueles tempos todas as condições físicas se modificaram sobre a Terra e não exibem mais aquelas metamorfoses radicais, aquelas transmutações radicais que ainda eram possíveis em meados do tempo atlântico. Lá não tínhamos, por exemplo, como uma eventual presença direta, a possibilidade de metamorfosear, de tal modo que o ser humano, que era feito de matéria mole, era configurado, ora maior, ora menor, ora assim, ora assado, segundo o seu estado anímico interior. Pois cada agitação da alma se estampava imediatamente no corpo físico. Naquele tempo, quem, em meados do tempo atlântico, tivesse o desejo de agarrar algo à distância, sua vontade atuava dentro de seus órgãos moluscóides de tal maneira a se prolongarem. Portanto, todo o procedimento físico era diferente, os processos físicos, a cada oportunidade, eram diferentes em todo o seu desenrolar. Mostrava-se, em todos os processos físicos, em todas as transformações e metamorfoses um quadro do real suceder espiritual.
Hoje isso não é mais assim. Hoje nós olhamos para fora e, naquilo que acontece lá fora, mesmo no percurso das estações, o ser humano não enxerga mais a atuação do espírito. Com aquelas rápidas transformações do antigo período atlântico não havia dúvidas para o ser humano quanto a conter este mundo o divino-espiritual. Conquanto o continente atlântico daquele tempo, em essência, já permanecesse em suas formas, ele era algo extremamente móvel, encerrado ao seu redor por um líquido vibrante e espesso, ele era algo que não se pode chamar de semi-líquido, porém até mesmo de viscoso-líquido, para que ainda pudesse suportar corpos tão flexivelmente organizados e plantas que naqueles tempos não se fixavam no solo, plantas que, todas elas, ainda flutuavam ou deslizavam mais ou menos no substancialmente mole e móvel.
Portanto, eram condições físicas totalmente diferentes. Pode-se dizer: o oceano e a terra ainda não estavam separados como mais tarde, eles ainda se interpenetravam. Era como se aqueles que então conseguiam ver as condições, falassem delas: Contíguo ao oceano, onde o metamorfosear mais, e mais fortemente se expressa do que na terra sólido-líquida, ali os deuses reinam mais intensamente. Ao redor da Atlântida os deuses eram vistos pairando. Não se tinha qualquer dúvida de que esses deuses reinavam, em toda parte percebia-se o espiritual e o anímico simultaneamente com o físico; e, no físico contemplava-se o anímico e o espiritual.
Assim pode-se ver integralmente como a peculiaridade do quarto período pós-atlântico – certamente nos séculos nos quais ele se acercava do quinto período pós-atlântico, isto não era mais tão evidente, mas nos tempos gregos isto era muito evidente -, que, em tudo que se passa no ar, contemplava-se integralmente o obrar divino. No sólido-líquido via-se o obrar divino, na antiga Atlântida, no líquido-aeriforme da formação das nuvens, da formação do crepúsculo e assim por diante, contemplava-se o obrar divino no quarto período pós-atlântico. A consciência dos seres humanos desse quarto período pós-atlântico ainda não era tão pronunciada, de modo que não encontramos quaisquer descrições definíveis disto, porém ela existia; pois eu queria saber como o simples sentido humano pode compreender de outra maneira aquelas maravilhosas pinturas de nuvens dos quadros do pré-renascimento, senão que elas eram sentidas como que nascidas de dentro do espiritual, como era sentida no ser-ar-nuvem, no ser-aquoso, a atuação do divino-espiritual.
Vejam! Naquela época o ser humano era como se não fixasse o olhar no físico da formação das nuvens, porém naquilo que ele percebia como se revelando mediante as nuvens. A sensação é de uma beleza incomum, mas é difícil de ser reconstruída para a consciência moderna. Quando o ser humano via – até mesmo no 8º., 9º. século pós-crístico -, o céu matutino, como ficavam a alvorada, a formação das nuvens brilhando ali na alvorada, diante da sua alma,então ele ainda sentia, efetivamente, a aurora, a alva, como algo vivo; e do mesmo modo ele sentia o ocaso.
De modo que podemos dizer: na antiga Atlântida via-se fisicamente o espiritual. Depois se seguiu à Atlântida o tempo pós-atlântico com seus sete períodos. A repetição do atlântico, a repetição daquilo que aconteceu fisicamente na Atlântida, aconteceu animicamente nesse quarto período pós-atlântico. Aquelas portentosas comoções das quais falei: são dos anos 333, 666, as comoções anímicas no desenvolvimento da humanidade que correspondem inteiramente às comoções físicas do tempo atlântico. E os videntes da época greco-latina reparavam muito bem que, quando viam algo como as revelações no líquido-aeriforme, mostrava-se em suas almas algo como uma repetição de estados terrestres anteriores que naquele tempo transcorriam no físico. A consciência para isso já estava disponível, embora naquela condição abafada, conforme era então toda a consciência.
No entanto, em tudo que vivia ali em escolas como, por exemplo, na escola de Chartres que eu mencionei recentemente nas conferências antroposóficas, ainda viviam ali plenamente tais representações, as quais mostram como a vivência anímica daquele período greco-latino era uma repetição anímica da vivência e do suceder físicos mais densos do tempo atlântico.
E agora estamos situados na época da alma da consciência. A vivência anímica imediata no aeriforme-líquido apagou-se. Mas, poder-se-ia dizer como, por uma espécie de catástrofe com a qual teve início o quinto período pós-atlântico prepara-se, em primeiro lugar, o ulterior desenvolvimento da alma da consciência da humanidade. Ainda estamos um pouco imersos no caos desse desenvolvimento da alma da consciência com relação à civilização exterior. Mas justamente o romper da época de Micael deve levar uma visão ordenadora para esse caos.
Esta visão consistirá em que, do mesmo modo como as cosmovisões emergem no ser humano, totalmente espirituais – não mais como no tempo atlântico, fisicamente, no tempo greco-latino, animicamente, porém totalmente de modo espiritual –, emergirão imagens, algo como formações pensamentais com o caráter da fata-morgana, particularmente segundo a aparição do Cristo etéreo. Nos pensamentos dos seres humanos há de emergir interiormente uma espécie de imagens interiores com o caráter da fata-morgana que tem uma característica visionária, mas que na época da alma da consciência será plenamente consciente. E do mesmo modo como vemos no deserto, causada pelo calor do ar, a fata-morgana – ela causada pelo calor do ar -, assim o pensamento humano será levado para a compreensão daquilo que é aeriforme-ígneo, aeriforme-calórico.
Podemos dizer: no tempo atlântico o ser humano percebe o divino no sólido-líquido, isto é, mais na matéria física exterior, no quarto pós-atlântico, no período greco-latino, o ser humano percebe o espiritual nas maravilhosas formações do líquido-aeriforme, e agora – portanto no quinto período pós-atlântico onde a alma da consciência o perceberá -, nós vivenciaremos como sempre e cada vez mais emergirá no consciente aquilo que é aeriforme-ígneo, calor aeriforme; isto fará elevar-se ante o ser humano, em poderosas imagens espirituais, aquilo que os gregos experimentaram animicamente e que os habitantes da Atlântida experimentaram fisicamente.
Portanto, está para acontecer um período no desenvolvimento da humanidade no qual, com a clareza dos pensamentos, hão de emergir visões sobre os tempos terrestres passados e sobre a proveniência do ser humano, assim como tudo que se lhes relaciona. A visão darwinista que de toda maneira deu uma baixa origem ao ser humano a partir de meras deduções, antecede o desenvolvimento da visão interior, o desenvolvimento das maravilhosas imaginações que a partir do calor humano interior e ligadas ao processo respiratório, emergirão como pensamentos concretos, coloridos, visionários, repletos de conteúdo. O ser humano saberá o que ele era ao contemplar, primeiramente como um espelhamento, o período greco-latino e depois, atrás deste, o que havia na Atlântida.
Meus caros amigos; vejam! Esse contemplar realmente tem a ver diretamente conosco porque acontecerá na próxima época da humanidade: esta contemplação é aquela na qual, por estar tão próxima de nós, contempla exatamente o coração do apocaliptista. Pois a contemplação que diretamente a antecede é a que ele indica na imagem: a mulher vestida com o Sol, o dragão sob os seus pés, dando à luz um menino (Ap 12, 1).
Mediante aquilo que é expresso nessa imagem, muitos seres humanos se tornarão de fato videntes já no decurso deste século 20. Muito é irradiado desta imagem, o que levará uma compreensão ao ser humano. Em primeiro lugar esta imagem reflete na época greco-latina, onde, de modo anímico, se preparou a compreensão para a configuração da imagem de como ela aparecerá no futuro próximo. Ela adotou as mais variadas formas: Isis com o filho Horus, a parturiente do Cristo com o Cristo-menino; estas coisas viveram maravilhosa e profundamente, precisamente na época greco-romana, em muitas metamorfoses que ainda são mantidas na tradição.
No futuro próximo os seres humanos lançarão um olhar retrospectivo sobre o modo como os seres humanos do período pós-atlântico contemplaram as nuvens, isto é, sobre o modo como viram essa imagem no aeriforme-líquido. E, além disso, se contemplará retrospectivamente aquilo que vivia nos processos físicos da Atlântida. Será exatamente como se essa imagem da mulher vestida com o Sol, a qual dá à luz um menino e tem o dragão a seus pés, como, por uma espécie de telescópio espiritual, uma espécie de ocular, apontasse para um tempo muito anterior no qual o terrestre-físico se relacionasse com o supra-terrestre cósmico. Naquele tempo havia um contato muito mais íntimo que se desenrolava entre a Terra e o mundo planetário e o mundo solar.
Pois vejam como sabemos: no tempo em que se repetiu o antigo tempo de Saturno havia, no desenvolvimento da Terra, muito da peculiaridade do antigo Saturno, embora em um estado adensado. Quando o segundo período do desenvolvimento terrestre trouxe a repetição do antigo tempo solar, o Sol se separou da Terra, o qual ainda estava ligado a ela durante o desenvolvimento de Saturno e com ele se separaram todos os seres que pertenciam ao Sol. No terceiro tempo do desenvolvimento terrestre, no lemúrico, a Lua também se separou da Terra, de modo que esta tríade: Terra, Sol e Lua são a próxima realidade terrestre. O modo como os planetas se acrescentam a isso pode ser visto pelos senhores caracterizado no meu livro “A Ciência Oculta”*. No entanto, depois também devemos olhar para todos os processos que eu descrevi com relação ao retorno das almas humanas durante o tempo atlântico. Estes são processos terrestres vistos a partir da perspectiva terrestre.
*”A Ciência Oculta”: Editora Antroposófica, 2ª. edição, 1987, tradução de Rudolf Lanz. (N.T.)
Agora nós ainda queremos acrescentar outra coisa. Vejam, meus caros amigos, como desde o Mistério do Gólgota o Cristo era visto por aqueles que como iniciados compreendiam os enigmas do universo, como o ser solar, o qual antes do Mistério do Gólgota estava ligado ao Sol. Os sacerdotes dos mistérios do tempo pré-crístico olhavam para o alto, para o Sol, quando queriam ligar-se ao Cristo. Cristo, desde o Mistério do Gólgota, tornou-se o espírito da Terra. Na vida terrestre, na atuação terrestre é que devemos procurá-lo: Cristo, o espírito solar. Os que queriam contemplá-lo, os que queriam gozar de sua companhia antes do Mistério do Gólgota, precisavam elevar-se ao Sol.
Esse espírito solar, ao qual nos dirigimos do modo como ele veio para a Terra com inteira razão como um ser masculino, ele está brilhantemente descrito dessa forma – embora acontecimentos semelhantes também possam ser descritos para períodos anteriores, conforme eu fiz repetidas vezes -, na visão do apocaliptista, naquela profunda contemplação, naquela visão que está diretamente situada, como que materialmente, em meados do período atlântico, em uma esplêndida aparição física. Após esse momento, os sábios dos mistérios, ao olharem para o alto, para o Sol, viam no Sol desfraldar-se o Cristo cada vez mais perto e amadurecer até o ponto em que pôde passar pelo Mistério do Gólgota. Ao olharem para aquele ponto do desenvolvimento no tempo atlântico, eles viam neste tempo atlântico, realizar-se um nascimento lá fora no cosmo e dentro do Sol.
Os sacerdotes que viam em meados do tempo atlântico, no Sol, o nascimento do Cristo como ser masculino, eles viam, anteriormente, no Sol um ser feminino. Esta é a importantíssima mudança que se realizou em meados do tempo atlântico, de que se via, antes da metade do tempo atlântico, dentro da aura solar espiritual, a mulher cósmica, “a mulher vestida com o Sol”. É isto que realmente correspondia naquele tempo com o evento no supra-terrestre, no céu; “a mulher vestida com o Sol que dá à luz um menino”. Isto está corretamente descrito pelo apocaliptista como o nascimento de um menino o qual é a mesma entidade que depois passou pelo Mistério do Gólgota e que anteriormente passara por outras formas.
Tratava-se de uma espécie de nascimento que era, todavia, uma forma complicada de metamorfose que então acontecia no tempo atlântico. Podia-se ver com o Sol deu à luz o ser masculino, a sua solaridade. Ora, o que significa isto para a Terra? Em meados do tempo atlântico tinha-se a sensação de algo como a existência do Sol, como se fosse um acúmulo de crateras e massas candentes; é de um aspecto horrível o que os físicos atuais descrevem. Entretanto, naquele tempo via-se algo como o que acabo de descrever. Realmente se via a mulher vestida com o Sol, com o dragão sob os seus pés, dando à luz um menino. Aqueles que viam algo assim e o compreendiam, diziam: Para o céu este é o nascimento do Cristo, para nós este é o nascimento do nosso Eu – conquanto este Eu só tenha ingressado mais tarde no interior do ser humano.
Desde esse momento, em meados da Atlântida o desenvolvimento se dava de tal maneira que os seres humanos se tornavam cada vez mais conscientes do seu Eu. Contudo, eles não estavam tão conscientes quanto nós hoje, porém mais de um modo elementar, mas eles se tornavam cada vez mais conscientes do seu Eu enquanto os sacerdotes dos mistérios ficavam cada vez mais atentos a isto: o Sol inflama o Eu no ser humano. – E mediante esse nascimento, da maneira como nos é mostrado em imagem pelo apocaliptista, o Eu se inflamava continuamente de fora pela atuação do Sol nele, até o quarto período pós-atlântico, onde o Eu havia ingressado no ser humano. Isto se sentia; sentia-se o ser humano, propriamente, como pertencente ao Sol. Esta era uma sensação, naquele tempo, que incidia muito profundamente na natureza humana.
Hoje, que nos tornamos tão delicados com relação à vivência anímica, não podemos absolutamente avaliar quão ondulantes e tempestuosas eram as vivências anímicas dos seres humanos em tempos pregressos. Pois, em oposição àquele fato, de que o Eu foi presenteado ao ser humano a partir do cosmo, este tinha a sensação, naquele tempo, sobre a Terra, de que tudo que havia sido sua natureza pregressa, depois se converte em outra natureza. Na verdade, anteriormente ele dependia essencialmente do seu corpo astral, daquilo que se situava no corpo astral e isto atuava em seu anímico-espiritual de tal modo que o ser humano, durante aquele antigo tempo tinha a representação: Ele está aqui (veja-se a figura 9), lá no alto está o Sol, o Eu ainda não existe, mas do Sol o astral atua para baixo. O ser humano leva, do Sol, o corpo astral dentro de si, o corpo astral que ainda não é comandado pelo Eu, embora, interiormente, ainda carregasse emoções que, conquanto refinadas, eram parecidas com as dos animais. – Assim ele se tornou um ser humano totalmente diferente, O-que-se-fez-Eu, aquele que antes era apenas atravessado pelo borbulhar do corpo astral. Tudo isto procedia do Sol.
Em seguida, imaginemos uma vez o olho – quero desenhá-lo bem esquematicamente (figura 9) – como uma imagem, como a imagem solar do mais antigo tempo atlântico estava impregnada com o brilho solar vivo da luz que se movia borbulhando na metade inferior do ser solar. De dentro disso, em cima, nasce algo, aqui se sentia algo indeterminado do semblante. Aqui em baixo no ser solar o ser humano sentia a origem do que borbulhava como emoções no próprio corpo astral, mas também tudo aquilo que dava, sobretudo, ao ser humano o seu ser anímico e espiritual.
A fase seguinte, ao ver mais tarde o Sol, deveria ser essa (veja-se a figura 9): Haurindo-se claramente e tornando o semblante mais claro, adotando a figura de uma mulher, ainda indistintamente, aquilo que deve trazer para o ser humano o domínio mediante o Eu. O espaço vai se tornando cada vez menor, aquilo que se dedica lá em baixo ao animalesco; finalmente chega o tempo em que justamente a mulher passa a existir no Sol dando à luz ao menino e sob os pés da mulher depois aquilo que existiu anteriormente (desenho), portanto, onde a mulher dando à luz ao Eu mostra, a partir do Sol, a imagem para dominar o dragão: o mundo astral da época anterior que agora está sob os seus pés.
Lá teve início no Sol, naquele tempo, a luta de Micael com o dragão e esta levava – isto se via muito bem como aparição física -, a que tudo aquilo que estava lá no Sol se movesse lentamente para a Terra tornando-se ingrediente terrestre, tornando-se conteúdo terrestre, dominando com isto então o ser humano em seu inconsciente, enquanto o Eu se alojava cada vez mais no seu consciente.
Aquilo que se passava cosmicamente na época atlântica tinha sua contra-imagem mitológica na época greco-latina. A imagem anterior de Isis com o filho Horus, que depois se tornou a imagem da virgem com o menino Jesus, isto poderá ser vivenciado retrospectivamente pela humanidade na época seguinte, a que nos precede de imediato. O ser humano verá nesta imagem a mulher vestida com o Sol que tem o dragão sob seus pés, o qual foi lançado sobre a Terra por Micael, de tal maneira que ele não pode mais ser encontrado no céu.
Esta imagem que se transformará posteriormente, aparecerá na época em que o dragão estará solto e na qual acontecerá o que eu lhes descrevi ontem. Com efeito, à humanidade está para acontecer uma contemplação aprofundada do tempo pregresso da Terra, da origem da humanidade e, ao mesmo tempo, uma contemplação etérea da entidade do Cristo, pois na época de Micael ocorrerá aquilo que é indicado pelo apocaliptista quando ele relata o fato de Micael ter lançado sobre a Terra o dragão animalesco, onde este atua na natureza humana. Mas Micael se preocupará novamente com aquilo da natureza por ele lançado ali para baixo como dragão animalesco.
Meus caros amigos! Imaginemos vivamente como é isso. Voltaremos a contemplar o tempo atlântico. O apocaliptista faz isto antecipadamente, ele tem a visão da mulher vestida com o Sol que dá à luz o menino e tem o dragão sob os pés. – Esta imagem se torna cada vez mais fraca quanto mais tiver avançado o desenvolvimento atlântico. E no final do desenvolvimento atlântico acontece de se elevarem do mar os novos continentes, os continentes que contém as forças pelas quais os seres humanos do tempo pós-atlântico chegaram a seus diversos descaminhos. De dentro do mar sobe o animal com as sete cabeças (Ap 13, 1) e a terra sétupla sobe do mar, puxando o ser humano para baixo através do que é exalado espiritualmente da Terra, por suas emoções.
Na forma desse animal sétuplo emergindo do mar também já aparece para o apocaliptista a catástrofe atlântica e ela aparecerá novamente no futuro quando aquilo para o qual o apocaliptista aponta ocorrer novamente na época micaélica. São totalmente reais os processos dos quais fala o apocaliptista, os que nos dizem respeito com referência à vida espiritual da humanidade. E, exatamente o que está aqui nesta imagem está relacionado com a entidade do Cristo.
Nós vivemos em uma época na qual de fato será visto novamente como o espírito vive no terrestre, no qual, portanto, os processos da transubstanciação também poderão se apresentar ante a alma humana. Além disso, surgirá, exatamente na transubstanciação, o reflexo daquilo que se realizou nas regiões celestiais de tal modo que o que aconteceu desde meados do tempo atlântico, é um pequeno recorte disto e de tudo que se relaciona com a entidade do Cristo. Então se entenderá, justamente, como é possível que se realize uma dessas metamorfoses do modo como ela se realiza na transubstanciação quando geralmente veremos apenas um episódio naquilo que hoje é físico e químico e também relacionaremos a transubstanciação a algo totalmente diferente e não apenas ao aparentemente material.
Dessa maneira, podemos até mesmo aprofundar nossa comemoração da primeira consagração do homem havida há dois anos, esta comemoração de uma verdadeira descida do céu, uma descida do céu do tempo atlântico do aparecimento nas nuvens do tempo greco-romano, dos que andavam pela Terra, dos seres humanos que incluíam o Cristo em suas visões, dos que andavam etereamente sobre a Terra em nossa época, mas dos seres humanos que incluíam o Cristo em suas imaginações, em suas visões. Na transubstanciação o Cristo está presente e estará cada vez mais presente para os seres humanos. Nos processos que eu descrevi hoje, situam-se os caminhos nos quais o Cristo, aos poucos, se tornara inerente aos acontecimentos do desenvolvimento.
Hoje vamos acolher isso em nós como uma espécie de representação festiva em memória da primeira consagração do homem que foi realizada há dois anos no Goetheanum.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 16 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 15 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – décima primeira conferência
Meus caros amigos! Transportemo-nos uma vez para o mundo ao qual o apocaliptista quer transferir os seres humanos mediante a descrição do próximo tempo terrestre. Pois, na verdade, ele descreve as suas visões a respeito da penetração de universos espirituais e da apreensão da entidade humana mediante estes universos espirituais. Agora ele faz três etapas precederem esse evento, as quais nós devemos aprender a conhecer. Com cada uma dessas três etapas representa-se algo que, em certo sentido, deve primeiro cair, antes de a humanidade ser digna e capaz de, com toda pureza, acolher em si o mundo espiritual em seu trabalhar, pensar e sentir.
A primeira etapa é a da queda da Babilônia – queremos, inicialmente, designá-la com essas palavras do apocaliptista. A segunda etapa é a caída do animal e do que se lhe está associado, justamente a doutrina do animal divulgada pelo falso profeta. A terceira etapa é a caída dos poderes contrários ao divino, como costumam ser chamados: a de Satanás. Essas três etapas se tornam bem reais com vistas ao futuro da humanidade, com vistas a uma futura visão espiritual da evolução humana verdadeiramente muito objetiva. E se tem muito motivo, precisamente no nosso século, em nosso tempo no qual muita coisa será decidida em prol da evolução da humanidade, para dirigir o olhar anímico para essas três caídas. Pois elas hão de irromper em determinada configuração, irromper após o tempo da primeira aparição do Cristo sobre a Terra no corpo etéreo, portanto, propriamente após a segunda aparição do Cristo sobre a Terra. A humanidade deve preparar-se para o modo como ela deve mostrar-se uma vez muito fortemente a fim de poder suportar essa tríplice queda do antagonismo ao impulso de Cristo, suportá-la incólume para o desenvolvimento da alma.
Não podemos esquecer quão preciso é o apocaliptista. Cada vez que acontece uma dessas quedas, ele faz um anjo descer dos universos espirituais, e nós notamos – isto é realmente algo que pode tocar, primeiro de um modo extraordinário, um ser humano quando este não penetra mais profundamente em uma concepção espiritual do mundo -, nós notamos que ele faz o anjo, dirigindo-se para baixo, regozijar-se a respeito dos grandes tormentos, a respeito das coisas frutíferas que acontecem então com essa queda; e é necessário para nós, compreendermos esse regozijo.
No entanto, comecemos por examinar as três primeiras etapas da queda dos poderes antagônicos ao Cristo, em primeiro lugar aquilo que é chamado de queda da Babilônia. Podemos colocar perante a nossa alma a soma de todos os desvios nos quais os seres humanos podem incorrer através da própria natureza humana. Tudo que é apropriado para submeter o ser humano ao nível que lhe é próprio, está incluído naquilo que o apocaliptista chama justamente de tentação babilônica.
O ser humano só será verdadeiramente um ser humano – embora não possa naturalmente ter essa humanidade em todo momento da sua evolução, porém deva antes conquistá-la para si -, o ser humano só é verdadeiramente ser humano quando dispõe dentro de si de uma total harmonia entre o princípio do material e o do espiritual, a saber, quando o material não faz emoções irrefreáveis subirem para o espiritual. É disso que se trata e é apenas isso que devemos compreender muito bem. Pois, mesmo o apocaliptista não poderia falar da maneira como fala se ele pressupusesse que o afeto, as paixões e tudo que procede da esfera da vontade e da esfera da índole, não fosse anteriormente de todo injustificado. Exatamente declarar injustificados os afetos e as paixões, precisamente essa busca deste ascético no sentido errôneo, também se origina, por sua vez, do emocional, do passional. Pois aquele que não se sente suficientemente forte para permear suas paixões com espiritualidade, para colocá-las a serviço da boa evolução mundial, ele rende homenagem, justamente, à fraqueza de sua emoção. Também quando quer a boa evolução ele rende homenagem a sua fraqueza ao empobrecer na esfera da sua índole.
Portanto, no apocaliptista não se trata de erradicar as emoções, nem de erradicar os afetos e as paixões, porém se trata das emoções não permanecerem in-dominadas pelo espiritual. E tudo aquilo que representa as emoções na vida do ser humano, sejam elas grandes ou pequenas, as quais permaneçam in-dominadas pelo espiritual, tudo isto está encerrado no Apocalipse em nome daquela cidade, a Babilônia, na qual dominou – eu desejaria expressá-lo de forma estereotipada -, a queda da espiritualidade através das paixões. Basta traduzir para nossa língua, com isso, as fortes e expressões severas – para aquele tempo não eram severas. Pois a maneira antiga de representar era inteiramente de molde a não formar imagens abstratas para si, porém de molde a sempre apontar para o concreto, para algo que seja característico. É dessa forma que o apocaliptista também fala. Porque justamente da Babilônia?
Na Babilônia, ou mais ainda no lugar da Babilônia, houve realmente em tempos antigos elevados mistérios nos quais se podia ser iniciado nos enigmas do cosmo supra-terrestre, nos quais se podia experimentar enigmas a respeito dos universos astrais e seu conteúdo espiritual. Era assim precisamente na Babilônia, de empregarem os mais antigos sacerdotes babilônicos a clarividência onírica humana de uma maneira que hoje nós descreveríamos como uma clarividência mediúnica. E a partir de um desses caminhos mediúnicos configurava-se, em certo sentido, a maravilhosa doutrina babilônica antiga. Ora, hoje em dia nós podemos ver como os médiuns, mesmo quando inicialmente pareçam ser apropriados para transmitir espiritualidade – na verdade, isso acontece com frequência, só que deveria ser controlado por um iniciado perspicaz -, são expostos a influências que, moralmente, são muito suspeitas. Médiuns podem, porque neles se passa um determinado disparate entre o que revelam e o que são, finalmente não distinguir mais, com frequência, a verdade da mentira, e isto pode se estender até uma esfera onde o moral e o imoral não são mais separados.
Basta os senhores repararem, meus caros amigos, como isso acontece com o médium. Em verdade um ser humano se torna médium – e isto também era assim com os sacerdotes babilônicos -, por lhe ser extraído, pela força exterior, o Eu e o corpo astral, retirado de dentro dos corpos físico e etéreo. Entretanto, no momento em que o Eu e o corpo astral são retirados do corpo físico e do etéreo, também já se instala outro poder dentro deste Eu e deste corpo astral. Na medida em que o iniciante que causa algo assim tem boas ou más intenções, se ele pertence a uma direção esquerda ou direita, isto pode ser um poder bom ou mau. No antigo tempo babilônico despontavam, por esse caminho, conhecimentos e revelações bem notáveis. No entanto, em tempos posteriores e hoje em dia mostra-se a desvantagem: Quando o médium volta novamente para o corpo físico, o que acontece então?
Vejam! Com a lógica que se tem no mundo físico para distinguir no mundo físico entre a mentira e a verdade, não se chega a bom termo. É um erro total acreditar-se que com o conceito de mentira e verdade do modo como é empregado com razão no mundo físico, que também se possa empregá-lo no mundo espiritual. No mundo espiritual não existe nada que se deveria diferenciar dessa maneira. Ali existem entidades que são boas, e as que são más. É de dentro de si que se deve reconhecê-las, pois elas não nos dizem qual é a sua espécie. Mas as más, em sua espécie, também são verdadeiras. Isto, naturalmente, é difícil de entender, como, de resto, é difícil de entender tudo que vem ao nosso encontro ao entrarmos no mundo espiritual. Aqui, no mundo físico nós dizemos, por exemplo: a reta é o caminho mais curto entre dois pontos. No mundo espiritual este pode ser o caminho mais longo e cada um dos outros ser o mais curto. E assim, com efeito, nada da lógica que empregamos necessariamente no mundo físico é aplicável no mundo espiritual.
Por isso, o verdadeiro iniciante deve ter uma determinada constituição anímica para a contemplação do mundo espiritual. Ele deve até mesmo sentir-se responsável para que, no momento em que volta novamente para o mundo físico, trabalhe com conceitos físicos. O médium não consegue isso porque não atravessa com a sua consciência até o mundo espiritual. Ao retornarem, o Eu e o corpo astral preenchem o corpo fisco e o corpo etéreo com uma direção pensamental a qual, embora seja correta para o mundo espiritual, ela corrompe, todavia, no mundo físico, tudo que vale como sentimento e sensação moral.
Por isso o médium é corrompido quanto à verdade e à mentira, e isto atua depois em tudo o mais. De fato, pode-se dizer que a Babilônia passou por esse desenvolvimento desde a mais elevada e importante revelação dos mundos espirituais até a mais terrível corrupção. O que se refere em primeiro lugar ao princípio da revelação espiritual, também com relação à vida humana em geral dentro da qual ela se prolonga, isto pode levar a uma forte corrupção, de modo que o ser humano, após haver ingressado no espiritual,torna-se mais imoral do que era anteriormente com a sua humanicidade comum. Por isso a Babilônia foi justamente adotada como representante para a corrupção moral. E as expressões que se apresentam no Apocalipse não significam nada senão que a corrupção daquele tempo era useira e vezeira.
No entanto, desde então toda a humanidade que levou adiante aquilo que viveu na Babilônia, se transformou na cidade da Babilônia no mundo inteiro. É isto que o apocaliptista quer dizer. Atualmente a cidade da Babilônia é encontrada em toda a humanidade terrestre. Ela existe ali onde há seres humanos que sucumbiram à tentação babilônica. E esta é a atitude dos seres humanos que deve cair antes de poder sobrevir aquela condição final da qual fala o apocaliptista. Quando pesquisamos o que age na “corrupção babilônica” descobrimos que em toda parte onde age esta corrupção babilônica, está o princípio arimânico. Arimã está inserido no ser humano e ele é um poder que, em primeiro lugar, está o mais próximo dentro do todo mundial. Ele está inserido nas emoções que são corrompidas dessa maneira. Em oposição ao arimânico, como seu pólo oposto, está o luciférico. Naquilo que ocorre ali na Babilônia está o arimânico e, em oposição a ele, está o luciférico. Qual é a imagem que deve se apresentar ao apocaliptista quando este contempla isso? A imagem da disposição jubilosa do anjo luciférico. Não podemos esconder isto, meus caros amigos.
Sempre foi o erro de muitas cosmovisões, de que o ruim se encontraria exatamente em oposição ao melhor; de que, por exemplo, ao princípio do mal, em baixo, sempre vem ao encontro, de cima, o bem. Mas isto não é assim! Aqui, neste capítulo do Apocalipse (Ap 19) o arimânico está em baixo – a Babilônia -, e, em cima, onde os anjos se rejubilam a respeito da queda da Babilônia, está o luciférico. Aquilo que é lamentado em cima como um júbilo dos anjos, é a voz de Lúcifer. O princípio do Cristo é a compensação entre esses dois.
Somente quando a triplicidade da constituição do mundo for compreendida de maneira correta também se pode compreender o que o apocaliptista diz aqui. Para a percepção humana comum não é absolutamente compreensível pensar que espíritos puros e bons entoem aquela gritaria jubilosa, lá no alto, quando, em baixo, tais tormentos sobrevém aos seres humanos, do modo como aqui são descritos.
Naturalmente isto se torna compreensível quando é visto como gritaria jubilosa daqueles seres que, no fundo, antes de surgir o mundo no qual o ser humano experimenta sua configuração espiritual, eram contrários a que o mundo surgisse dessa maneira. As entidades luciféricas querem manter toda a evolução em um nível totalmente diferente; elas não querem aquela ligação, aquele casamento do espírito com a matéria que teve lugar na existência terrestre; de modo que realmente percebem em suas almas: agora que da existência terrestre é eliminado aquilo que é agarrado por Arimã, agora nós temos a satisfação de que pelo menos uma parte da existência terrestre não tem continuidade e se precipita para fora da evolução terrestre. Com referência a isto fala uma grandiosa honestidade da concepção do mundo a partir da imagem descrita pelo apocaliptista.
Ora, o primeiro tombo, a queda* da Babilônia é aquilo que como descaminho é levado para cima pelo próprio ser humano. Mesmo que seja influenciado pelo princípio da iniciação é um descaminho humano. Ao sucumbir a Babilônia pelo descaminho humano, uma parte da humanidade é eliminada da ulterior evolução do mundo para um momento que ainda exporemos em considerações posteriores. Queremos apenas colocar em primeiro lugar, qualitativamente, ante a nossa alma, com precisão, o que acontecerá.
*”Sturz” e “Fall”: tombo, queda, caída, derrubada. (N.T.)
O segundo tombo é aquele no qual o ser humano não participará mais sozinho. Com aqueles que caem com a Babilônia, os seres humanos são, propriamente, os participantes; é um descaminho humano. Com o tombo do animal e do falso profeta, o qual representa a doutrina do animal, não cai o humano, porém o supra-humano, cai o espiritual. Cai aquilo que não está contido no reino humano, cai o animal que irrompe sobre a comunidade humana e cai aquele que anuncia as doutrinas do animal: o falso profeta. Portanto temos de lidar com algo que pode tornar os seres humanos possuídos por si, mas onde a fraqueza da natureza humana não atue como no médium, porém o supra-humano realize diretamente no ser humano o impulso para o mal.
Se quiséssemos tornar a imagem ainda mais evidente, poderíamos eventualmente dizer o seguinte: todos aqueles que participarão da queda da Babilônia serão corrompidos por aspirarem a coisas que sua organização não suporta, coisas diante das quais a sua organização se tornou fraca, justamente por ter sido corrompida. Portanto, a organização humana age por fraqueza na queda da Babilônia. No tombo do animal e do falso profeta isso não é assim, como se porventura um médium tivesse sido corrompido por ter-se enfraquecido, porém é como se o espírito, o Eu e o corpo astral do médium o tivessem reivindicado, e depois, após ter cessado a hipnose, adentrasse o corpo físico e o etéreo e então se servisse do corpo físico desse ser humano a fim de, através dele, aprontar uma desgraça sobre a Terra.
Essa é exatamente a representação que vem aqui ao nosso encontro com o apocaliptista. Virá um tempo – é isto que o apocaliptista quer dizer -, no qual veremos seres humanos perambulando sobre a Terra que não podem suportar isso, isso que está contido no anúncio cristão, embora eles acolham o Cristo em suas almas, mas não conseguem elevar-se com o seu corpo físico e etéreo à altura do Cristo e, por isso, se entregam a outros espíritos, isto, todavia, não com plena consciência e por isso sucumbem à corrupção. Estes são os primeiros daqueles a serem incluídos na queda da Babilônia.
Outros, contudo, perambularão como seres humanos, mas sucumbirão à sorte de, propriamente, seu Eu-humano sair para fora deles de tal modo que não se pode mais dirigir-lhes a palavra como seres humanos sobre a Terra, por estarem possuídos do animal e do falso profeta. Isso também virá após a queda da Babilônia. Após a queda da Babilônia haverá seres humanos sobre a Terra que serão como demônios perambulantes nos quais os poderes arimânicos agem diretamente.
Para todas essas coisas já existem hoje suficientes referências. Eu diria que tudo isso já se apresenta em forma germinal. Porquanto já ocorreu o horrível caso em que Arimã já pôde mostrar-se entre nós através de um ser humano – embora não em todo ele, mas através da fraqueza temporária de um ser humano -, mostrar-se como escritor. Nietzsche foi um escritor brilhante e grandioso, mas nos tempos nos quais escreveu o “Anti Cristo” e o “Ecce Homo” a individualidade de Nietzsche não estava nele. Eu conheço essa individualidade de Nietzsche, eu até mesmo a descrevi em minha “Biografia”; mas ali Arimã se tornou escritor diretamente, e Arimã é um escritor muito mais brilhante do que os seres humanos.
Cada vez mais será assim, de os poderes arimânicos intervirem, ao servirem-se os espíritos arimânicos dos corpos humanos para várias realizações. E chegará um tempo no qual os cristãos deverão perguntar-se, ao se depararem com este ou aquele ser humano: Será este um ser humano ou um invólucro totalmente solto para espíritos arimânicos? – Pois, às distinções que são feitas hoje em dia, dever-se-ia, para o futuro, acrescentar esta: Este será o segundo tombo, a demonia do animal e seu anunciante; eles farão os corpos dos seres humanos serem possuídos por eles. Mas o animal e seu anunciante serão derrubados. Portanto, temos primeiro a queda dos seres humanos corrompidos e depois a queda de certos espíritos corrompidos que estão próximos do ser humano. Estes espíritos, eles próprios caem na segunda queda.
A seguir temos no Apocalipse, como terceira queda, a queda de Satanás. Em Satanás temos um ser muito elevado o qual, todavia, anda por caminhos diferentes daqueles que podem ser trilhados sobre a Terra. No caso do animal e do falso profeta lidamos com poderes aliciadores de seres humanos que têm a vontade de levar a humanidade para falsos rumos quanto à moralidade e à intelectualidade. Aquele poder, meus caros amigos, que é comum na queda de Satanás ainda quer algo muito diferente. Ele não quer apenas tirar a humanidade do seu rumo, porém toda a Terra. Esse poder, visto a partir do ponto de vista humano-terrestre, é um terrível antagonista da divindade.
Entretanto, vejam os senhores, hipoteticamente é possível – pois só é possível, eu diria, sem sucumbir à pecaminosidade intelectual e especialmente à pecaminosidade espiritual -, dizer o seguinte: Quando não se examina isso do ponto de vista do desenvolvimento humano terrestre, quando se adota outros pontos de vista mais elevados -, como fica então ali no universo esse poder de Satanás ante outros espíritos?
Sim, vejam, não admira que Micael tenha, na verdade, um ponto de vista diferente do dos seres humanos e pense de um modo inteiramente diferente dos seres humanos a respeito de Satanás. Os seres humanos permanecem no abstrato e pensam que Satanás é um poder maligno. Mas Satanás é simultaneamente um poder elevado, embora, para os direcionamentos que entram em consideração para a Terra, seja um poder desgarrado; mas ele é um poder elevado. E Micael, o qual tem a dignidade de um arcanjo, não tem o grau de Satanás, que tem a dignidade de uma força primordial, de um arqueu. Micael é apenas um “arcanjo”. Do ponto de vista micaélico Satanás não é um poder a ser desprezado, porém é um poder a ser enormemente temido, porque Micael, quanto a esse poder que pertence à hierarquia dos arqueus, pareça estar situado acima dele. Não obstante, Micael se orienta no sentido do desenvolvimento da Terra.
Há muito tempo Micael já se decidiu a atuar naqueles âmbitos planetários que são prescritos pela existência do Sol. Satanás é um poder que está continuamente espreitando o nosso cosmo. Isto tem algo de sinistro, esta espreita de Satanás. Pode-se perceber isso, meus caros amigos, nos momentos em que se vê um cometa arremeter através do nosso cosmo, o qual tem uma trajetória totalmente diferente dos planetas (isto é desenhado, figura 8).
Ao desenhá-lo ao modo copernicano – pois, astronomicamente isto não é muito correto, mas, afinal, aqui isto não importa -: Sol, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, estes são os planetas interiores, e os exteriores: Júpiter, Saturno, Urano, Netuno – é assim que se deve representá-los, pois os cometas têm órbitas totalmente irregulares com relação às órbitas regulares dos planetas. Pois a representação, de que esses cometas descrevam uma longa elipse, na verdade, é uma tolice; mas disso não devemos tratar aqui. Em todo caso, as órbitas dos cometas, da maneira como se situam dentro do nosso cosmo planetário, absolutamente não coincidem com as órbitas dos planetas.
E aqui Satanás fica à espreita para desviar cada cometa que vem por aí e empregá-lo, na direção do seu movimento, a fim de poder tirar os planetas para fora de suas órbitas e, por conseguinte, também a Terra. Isto realmente acontece no universo, de os poderes satânicos espreitarem continuamente a fim de reconfigurarem todo o sistema dos planetas. No entanto, com isso, esse sistema dos planetas, em cujas órbitas os seres humanos devem se movimentar, seria arrebatado àqueles poderes divino-espirituais e introduzido em rumos totalmente diferentes da evolução universal.
Esse propósito é visto por Micael como um desvio muito terrível, do qual, todavia, Micael deve dizer: Eu nem poderia ter esse propósito porque, para um ser situado na hierarquia dos arcanjos, seria de antemão uma tarefa desesperada. – Apenas em seres situados na hierarquia dos anjos, as forças são suficientes para realizar algo assim. Micael, que atua por dentro das órbitas dos planetas a partir do Sol, e que se tornou, naquilo que no ocultismo chamamos de arcanjo do tempo de revolução ou de espírito dos planetas, decidiu há muito tempo permanecer em sua atuação com estes tempos de revolução. Esta é uma decisão angelical, esta de permanecer nesses tempos de revolução.
Em um determinado espaço de tempo do antigo desenvolvimento atlântico era realmente possível perceber nos mistérios até os quais os deuses desciam naquele tempo, como os exércitos dos arcanjos, portanto os arcanjos como Orofiel, Anael, Zacariel e assim por diante, decidiram naquele tempo movimentar-se nas órbitas planetárias prescritas. Em todo caso, isto aconteceu em uma determinada época.
Aquelas poderosas multidões que estão sob a direção de Satanás não entenderam até hoje essa decisão; Até hoje elas se esforçam para empregar cada órbita cometária a fim de levar todo o sistema planetário para outra configuração. Aqui temos a ver com um antagonista de Cristo o qual não quer se limitar a corromper cada ser humano isoladamente, o qual também não quer apenas corromper uma soma de seres humanos, corromper uma comunidade humana, conforme querem o animal e o falso profeta, porém em Satanás e suas multidões temos a ver com esforços que se dirigem diretamente – se é que posso expressar-me desta forma -, contra o âmago da Terra em sua relação com o sistema planetário. Esta é a terceira queda no Apocalipse. Nas duas primeiras quedas temos o júbilo das entidades espirituais da espécie luciférica.
Essas coisas que o apocaliptista nos diz também devem ser previstas por nós. A primeira etapa, a queda da Babilônia, mostrará aos seres humanos desencaminhados que já instalaram o seu descaminho em sua constituição física, de maneira a não haver perspectiva destes corpos humanos sobre os quais o Eu e o corpo astral perderam todo o domínio, ainda serem úteis para o futuro. Deve-se desistir destes corpos, embora não do Eu e do corpo astral que lhes pertencem; estes seguem depois como tais nos rumos do carma na humanidade. Nós vemos, em um determinado momento, seres humanos andando por aí com os seus corpos, os quais sucumbiram à tentação babilônica, cujos corpos são excluídos do desenvolvimento. Esta é a queda da Babilônia.
A segunda etapa é de que, futuramente, seres humanos andem por aí – e isto se tornará visível -, a respeito dos quais não será necessário dizer: neles vivem os próprios poderes arimânicos. Ali Arimã age diretamente. Este é o animal, a queda do animal e do falso profeta, o qual não é um ser humano, porém é um super-homem.
A terceira coisa que será assinalada: nas próprias leis naturais algo se tornará inexplicável. Esta será a maior e mais importante experiência a ser reconhecida e que os seres humanos deverão fazer no futuro: algo se tornará inexplicável nas próprias leis da natureza, fenômenos não seguirão as leis da natureza. Isso acontecerá em grande escala e isso não será apenas um cálculo errado de que um planeta deveria encontrar-se em um determinado local e ele não chegar ali.
Satanás será bem sucedido em seus primeiros passos na criação da desordem dentro do sistema planetário. Em oposição a isto, a própria humanidade deverá desenvolver uma forte espiritualidade. Pois, apenas mediante a forte espiritualidade dos seres humanos, aquilo que será realizado dessa maneira, como desordem, poderá ser compensado.
Vejam! Essas são as coisas que devemos prever hoje em dia, ao colocarmos ante nossa alma as futuras etapas da evolução da Terra e do ser humano. Essas são as coisas que devemos ver quando o apocaliptista nos fala. Meus caros amigos, os senhores devem procurar transportar-se para essa coincidência daquilo que, a partir da antroposofia, pode ser adquirido com o que o apocaliptista revela.
A respeito dos cometas já se pode dizer hoje, a partir das revelações disponíveis, que Satanás fica à espreita no universo a fim de empregar as órbitas dos cometas e colocá-las no lugar do cosmo. Quando os senhores admitem isso mediante a compreensão antroposófica e podem reencontrá-lo no Apocalipse, então existe algo neste reencontro que é importante, uma espécie de encontro anímico do Apocalipse e, com isto, do próprio apocaliptista. Isto é importante: do próprio apocaliptista. Isto será extremamente importante, o fato de que o sacerdote que adentra vivências no futuro deva obter cada vez mais o anseio de poder encontrar o apocaliptista, o qual, na verdade, contemplou assim o tempo todo, o Mistério do Gólgota, dentro do futuro – quer ele se detenha na Terra ou não.
Pois, no clero deve surgir o sentimento: a ajuda que de João, o criador do Apocalipse, pode vir para aquilo que quer atuar no sentido crístico, esta ajuda é enormemente importante e ela é do modo como a de que necessitamos. No entanto, seguir com o apocaliptista João só será possível quando vamos ao encontro do Apocalipse com uma atitude anímica semelhante à que eu descrevi. Assim João se torna nosso aliado. Ora, ele está estreitamente ligado a Jesus Cristo uma vez que foi iniciado pelo próprio Cristo Jesus, sendo iniciado do Cristo Jesus. Por conseguinte, ele é um importante aliado para, através dele, chegar-se ao Cristo, sendo isto de um enorme significado.
A verdadeira compreensão do Apocalipse já leva, profundamente, para dentro do âmbito ao qual se pode chegar com a maior perspectiva imaginável, ao encontro com João e depois com o próprio Cristo. Este é uma profunda verdade, porém uma verdade da qual se pode desejar que ela continue a produzir profundos efeitos em suas índoles. Porquanto, se trata de uma pura verdade sacerdotal, isto é, de uma verdade que penetra o campo espiritual dos sacerdotes de maneira legítima. A partir daqui queremos prosseguir amanhã.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 15 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
Que dia foi esse, que uma escolha sua partidária te fez questionar-se sobre a invariável verdade de que uma morte é por essência algo difícil e trágico?
RELATIVIZAÇÃO DA MORTE
Quando foi que você se tornou essa pessoa que relativiza mortes? Já pensou sobre isso?
Que dia foi esse, que uma escolha sua partidária te fez questionar-se sobre a invariável verdade de que uma morte é por essência algo difícil e trágico?
Quando foi que você passou a justificar a morte de alguém, que assim como você tem família, tinha sonhos, desejos e amigos, com índices econômicos, que sejamos sinceros, você conhece muito mal e nunca havia dado real importância pra eles?
Quando foi que você começou ignorar os fatos, mentir pra si mesmo, minimizar a dor alheia?
Quando foi que você perdeu o senso crítico por vergonha da opção que fez e em detrimento disso se defende com um discurso desumano, incipiente, raso e burro?
Quando foi que você trocou o “sinto muito” por “você está exagerando”?
Quando foi que você se tornou essa pessoa que se desumanizou?
Eu espero que você encontre esse momento, dê um passo atrás, resgate-se, e devolva pra você mesmo sua dignidade.
Te desejo isso pelo seu bem, porque quando tudo isso passar, você vai ter que olhar pra trás e ver qual foi sua contribuição num dos momentos mais dolorosos da nossa geração, e se você enxergar o tamanho da crueldade de suas ações, temo pela sua sanidade mental, porque olhar pra si mesmo e ver o monstro que você se tornou vai doer e fundo.
E mesmo que ninguém seja tão cruel com você, quanto você está sendo agora, ninguém vai poder te salvar de você mesmo, e suspeito que depois de minimizar a dor de uma morte humana, nem mesmo você seja capaz de fazer isso por você.
Para seu calvário você vai viver tendo matado, sem nem ao menos ter a misericórdia de ser acusado desse crime, você vai ter que passar o resto da vida, se escondendo de você.
Que alguma coisa te salve, porque eu tenho compaixão de você.
Milene Mizuta – Aconselhadora Biográfica, fundadora do programa Líder de Si
GA 346 – Dornach, 14 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – décima conferência
Meus caros amigos! De certo modo nós colocamos a perspectiva final do apocaliptista ante a nossa alma e vemos como esta perspectiva final está efetivamente descrita de tal maneira que esteja plenamente de acordo, quando a compreendemos corretamente, com tudo que a mais exata ciência espiritual pode dizer com relação à evolução. Vimos que no Apocalipse está expressa aquela mudança que ocorre na construção da entidade humana e dos fenômenos culturais de baixo para cima, em uma forma de construção de cima para baixo. E no final das considerações anteriores eu fiz atentar para que aquele que procura honestamente compreender o Apocalipse seja estimulado a conhecer aquelas coisas que podem ser faladas a partir da pesquisa espiritual a respeito da evolução do mundo.
Nós vemos como há certos trechos do Apocalipse nos quais só se encontrará um sentido e que só se pode depois compreendê-lo corretamente quando trilha o caminho do conhecimento humano antroposófico. Este é inteiramente o caso quando se tem de tratar de uma revelação que se apóia em experiências do próprio mundo espiritual. Naturalmente deve-se começar por obter primeiramente o sentido a fim de poder notar que algo como as imagens apresentadas pelo Apocalipse são revelações do mundo espiritual. Depois também se passará pela seguinte pergunta: Teria o apocaliptista tido condições, realmente, de compreender intelectualmente, e só por si, as singularidades que reencontramos em sua obra? – Ora, efetivamente não se pode tratar disso. Porém se pode tratar de ter sido ele um verdadeiro vidente.
Ele vê no mundo espiritual e as coisas do mundo espiritual não são verdadeiras através dele; elas são verdadeiras através do seu próprio conteúdo. Elas também suportam, mediante o seu revelar-se, esse conteúdo próprio dentro de si e não através dele. Assim podem eventualmente chegar pesquisadores racionalistas exteriores e trazer a comprovação: Sim, aquele que doou o Apocalipse tinha uma instrução tal que não se podia esperar dele que tivesse tido em sua própria alma uma perspectiva tão ampla. – Eu absolutamente não quero colocar aqui essa questão de ter tido, ou não ter tido, o escritor do Apocalipse essa perspectiva. Quero apenas fazer atentar para o fato de que, no fundo, não se trata de obter as imagens que são revelações do mundo espiritual através do apocaliptista, porém que depende de colocar as imagens como tais perante a nossa alma e de dever deixar atuar sobre nós o seu conteúdo.
Assim colocamos, de certa maneira, a grandiosa imagem final da nova Jerusalém perante a nossa alma, a qual apoiou aquelas vivências das quais lhes falei. Faremos bem em retroceder um pouco a partir dessa imagem. Aí temos o importante trecho onde aparece ante a nossa alma aquela grandiosa imagem onde o apocaliptista vê como o céu foi aberto (Ap 19,11) e lhe vai ao encontro, montado em um cavalo branco, aquele poder do qual ele fala propriamente de modo a percebermos: ele não possui a tricotomia da divindade apenas em seu intelecto, em sua intelectualidade, porém ele a possui em todo o seu ser.
Ele fala de maneira a estar realmente consciente, com toda a alma, de termos nas três pessoas diante de nós as três formas do próprio Deus e que é possível, ao nos colocarmos de certa maneira além do mundo físico, não falar alternativamente de um ou de outro por se permearem uns nos outros. Todavia, colocada no mundo físico, resulta a imagem de três pessoas e deve se distinguir, entre o Deus-Pai que fundamenta todas as coisas da natureza, também aquelas que atuam dentro da natureza humana, o Deus-Filho que se relaciona com tudo que leva para dentro da liberdade da vivência anímica e o Deus-Espírito que vive ali em um ordenamento distante da natureza, estranho à natureza, em um ordenamento cósmico-espiritual. Tão rigorosamente aparecem no plano físico, de certo modo, as três pessoas da divindade aqui no plano físico.
Enquanto o ser humano, ao ultrapassar o limiar para o mundo espiritual, entra em um estado que eu descrevi no meu livro “O Conhecimento dos Mundos Superiores”*, onde o ser humano, de certa maneira, se articula em três modos de entidades, para o pensar, o sentir e o querer existirem com uma certa independência, nós vemos, partindo do plano físico e chegando a universos mais elevados, a divindade una e trina cada vez mais como uma unidade vindo ao nosso encontro. Naturalmente o Apocalipse deve ser lido exatamente nessa direção. Não se pode, com apoio no mundo físico, distinguir imediatamente, uns dos outros, o Deus-Pai, o Deus-Filho, o Deus-Espírito.
*“O Conhecimento dos Mundos Superiores”, Editora Antroposófica, 2011, 7ª. edição, tradutora Erika Reimann. (N.T.)
Aquele que vem ao nosso encontro sobre o cavalo branco, nessa imagem grandiosa, é o único Deus. E a imagem do Deus-Filho, nós devemos vê-la, mais na forma do livre desenvolvimento anímico do ser humano sobre a Terra. No entanto, agora ocorre algo altamente peculiar, algo que faz essa imagem aparecer de um modo muito grandioso. É muito natural e muito evidente: João, o escritor do Apocalipse, contempla o céu aberto e o que desce então como novo está descendo segundo o mundo espiritual. Isto significa então que toda a cultura deve ser ordenada de forma a descer do mundo espiritual para o físico. Ao colocarmos isso corretamente perante a nossa alma, a condição natural que deve preceder a imagem final da nova Jerusalém, é aquela que é contemplada por João no mundo espiritual. Mas isso quer dizer: o céu abriu-se para ele. Com isto ele quer apontar para uma situação futura que haverá de existir para o ser humano. Ele realmente não diz nada menos do que:
Antes de ocorrer sobre a Terra a situação na qual os ingredientes espirituais para a construção da nova Jerusalém se abaixem do mundo espiritual para serem acolhidos pelos seres humanos, antes de ocorrer esta situação dos seres humanos se tornarem conscientes de que agora devem construir de cima para baixo, e não mais como antigamente, de serem os ingredientes materiais erguidos da Terra para cima, antes de ocorrer esta situação – na verdade, considerada por João como real, conforme eu disse recentemente -, da qual o ser humano participará preferencialmente com a sua vontade, antes de ocorrer tal situação, existirá uma situação da qual o ser humano participará apenas com o seu conhecimento naquilo que ele deve contemplar ali no mundo espiritual: o céu está aberto e aquele que fundamenta as entidades do mundo se mostrará, enviando-as e sanando-as criativamente.
E agora se segue o importante trecho que torna a imagem tão grandiosa: E Ele levava em si próprio um nome que apenas ele mesmo conhece (Ap 19,12). – Isto é muito importante. Ao chegarmos a este trecho do Apocalipse onde consta isto, vemos ali, por sua vez, um importante sinal de que se trata de uma das maiores revelações espirituais.
Os seres humanos designam, nas diversas línguas, o que é o seu Eu, das formas mais diferentes. Frequentemente, eu indiquei, digamos, o fato espiritual trivial de que o nome “Eu” jamais pode ser pronunciado por um ser humano isoladamente de forma que também possa ser dado a outro. Não posso dizer “Eu” a outra pessoa. Com isso se distingue o nome de si próprio de todos os outros nomes, pois estes são dados a objetos exteriores. No entanto, quando digo “Eu” em qualquer língua, somente posso dizê-lo a mim mesmo. Apenas posso, verdadeiramente, dizê-lo a outro quando, mediante um real processo espiritual, eu tiver deslizado para dentro dele. No entanto, não precisamos falar disso neste momento.
Nas línguas antigas o de-si-próprio* não era especificado, situava-se dentro do verbo e o Eu não era escrito diretamente. Designava-se com o verbo o que era feito e com isto de certo modo demonstrativamente a si mesmo. Mas não existia um nome para o de-si-próprio. Este apenas entrou posteriormente, do ser humano designar esse de-si-próprio da sua entidade humana com uma palavra, na língua alemã com um “Ich” contendo as iniciais de Jesus Cristo, o que já é um importante fato simbólico. Imaginemos, a seguir, uma elevação desse fato, de termos na língua uma palavra que cada qual só pode pronunciar com relação a si próprio. A elevação consiste justamente naquilo que agora é falado no Apocalipse: que aquele que desce do mundo supra-sensorial leva inscrita em si a palavra que ele não se limita a pronunciar para si, porém a qual apenas e exclusivamente ele próprio entende, a qual nenhum outro entende**.
*”Selbst”: de ou por-si-próprio substantivado, muitas vezes traduzido pelo estrangeirismo “self”. (N.T.)
**Eu é “Ich” em alemão: “Iesus CHristus”, somente para esta língua, do original desta tradução, se aplicam as observações aí exaradas. (N.T.)
Imaginem agora, portanto, que esse revelador se aproxime de João mostrando em imagem profética aquilo que algum dia se dará com a humanidade. Assim descerá em tempos futuros aquele que tem o nome que apenas ele entende. Em resumo, o que significa tudo isso? À primeira vista isso parece ser totalmente incompreensível, se quisermos compreendê-lo honestamente. Porque está escrito: “. . . aquele que deve salvar o mundo deve trazer a justiça ao mundo” –, tudo isto consta do Apocalipse (Ap 19,11) – “deve tornar verdadeiras a fé e o conhecimento”. – Isto consta no Apocalipse, – e não o modo como Lutero o traduz “o que traz fidelidade e veracidade”, porém “o que torna verdadeiros a fé e o conhecimento”. Sim, então isto é mais um jogo de esconde-esconde; e quando ele escreveu um nome que somente ele compreende – o que significa isto? Aqui nós somos estimulados a aprofundar ainda mais as perguntas.
A seguir, imaginem de uma maneira bem clara: ele leva um nome que apenas ele próprio entende. Como podemos tornar-nos partícipes deste nome? Ora, este nome deve adquirir um significado para nós, ele deve poder habitar em nós. Como pode isto acontecer? Quando o ser que entende este nome se une consigo mesmo, ele ingressa em nosso próprio por-si-próprio, então este ser pode entender o nome, e nós com ele; então carregaremos em nós, sempre juntamente com ele, a consciência: Cristo em nós.
As coisas que se relacionam com o seu ser, apenas ele as compreende, mas ele as compreende dentro de nós, e a luz que mediante a sua compreensão é irradiada em nós, porque ele se torna esta luz em nós, em nosso próprio ser, nos dá a penetração da entidade crística em nós mesmos. Ela coabitará, ela será uma penetração que coabitará com o ser humano.
Vejam! Desse modo aconteceu alguma coisa. Em primeiro lugar, aconteceu desse modo algo que é uma consequência intencional e necessária do Mistério do Gólgota. Este ser que traspassou o Mistério do Gólgota, este ser que deve penetrar em nós, afim de que com a sua compreensão, não com a nossa compreensão, compreendamos o mundo, este ser usa uma vestimenta que está borrifada com sangue, aspergida com o sangue do Gólgota. E nós aceitamos esta segunda imagem. O apocaliptista João, por sua vez, nos diz que esta vestimenta aspergida com o sangue do Gólgota tem um nome. Este não é o mesmo nome do qual se falou anteriormente. O nome desta vestimenta aspergida com sangue é o Logos de Deus, o Logos, o Deus, a palavra de Deus (Ap19, 13). Aquele, portanto, que deve habitar em nós e que mediante a sua própria compreensão deve dar à luz em nós, o que encerra o mundo, ele nos preenche com a palavra de Deus.
Os pagãos liam a palavra de Deus nos fenômenos da natureza. Eles precisavam recebê-la através de revelações exteriores. Os cristãos devem receber a palavra de Deus, a palavra criadora de Deus mediante a admissão do Cristo dentro de si. Chegará o tempo em que, através do avanço dos acontecimentos, todos os seres humanos que acolhem honestamente a cristandade em suas almas, saberão que a palavra de Deus está com Cristo e que esta palavra de Deus tem o seu germe na compreensão do Mistério do Gólgota e da vestimenta aspergida com sangue. Temos, portanto, na língua do apocaliptista, o Cristo encerrado no Mistério do Gólgota.
Entretanto, ainda há uma terceira coisa que se apresenta: o Cristo em três configurações: uma vez por si próprio, a segunda vez por sua vestimenta, a terceira vez pelas ações que ele desenvolve em prol dos seres humanos sobre a Terra. Com isto se descreve, por sua vez, a situação que deve ocorrer, e que naturalmente não ocorrerá de tal modo que se deve indicar um ano bem determinado, mas a cujo encontro deve ir o desenvolvimento cristão. A terceira coisa é que se deve atentar para uma espada com a qual ele atua, que é a espada do seu querer, a espada das suas ações que Ele realizou entre os seres humanos sobre a Terra, que Ele lhes seja inerente. Mas o que Ele faz agora tem um terceiro nome: Rei de todos os reis, Senhores de todos os senhores. Esta é a terceira forma: Qual é então a essência de um rei, a essência de um senhor?
Basta aprendermos a conhecer a palavra latina “dominus” em seu verdadeiro significado essencial para chegarmos àquilo que neste caso significa o uso da língua, abstraindo-se totalmente da pesquisa espiritual: Aquele que de algum modo, na Terra ou em qualquer lugar do mundo, for escolhido para dar o rumo a qualquer outro ser, é o senhor. Mas, de quanto tempo necessita-se do senhor exterior sobre a Terra? De quanto tempo se necessita dos mandamentos de senhores exteriores, até mesmo dos mandamentos de senhores espirituais exteriores sobre a Terra? – Somente até o momento em que o Cristo, com o nome que apenas ele próprio entende, é inerente* ao ser humano. Em seguida, cada ser humano também poderá seguir o Cristo em seu próprio ser, em sua própria alma. Então cada qual se esforçará para realizar em si aquilo que de dentro do amor interior o querer do ser humano deseja realizar; assim o Senhor dos senhores, o Rei dos reis habitará particularmente em cada um.
*inerente: o que existe como um constitutivo essencial de alguém. (N.T.)
Visto espiritualmente, esse é o tempo no qual nós próprios vivemos agora. E o fato de vivermos nele, só está oculto porque os seres humanos continuam a viver em antigos rumos e realmente renegam, em primeiro lugar, ao máximo possível, essa inerência ao Cristo, renegando-a em todos os campos tanto quanto for possível. Deve-se até mesmo dizer: Hoje em dia há muita coisa, em numerosos seres humanos, que os prepara de maneira correta para a aparição etérea do Cristo, o qual, na verdade, é um ser proveniente do mundo divino. No entanto, os seres humanos devem preparar-se para encontrar a fonte do seu proceder, do seu fazer, em si próprios.
E com isso nós mencionamos, propriamente, a partir do espírito do Apocalipse a dificuldade da atual atuação sacerdotal. Em certo sentido o sacerdote deve ser o dominus, ele deve dirigir e conduzir em certo sentido. O sacerdote tem diante de si a confessabilidade, e a sua dignidade sacerdotal pressupõe que ele é o condutor, isto é, que em certo sentido ele é o rei para aqueles que ele tem de conduzir. Ele é quem dispensa os sacramentos, é ele quem cuida das almas. Entretanto, por outro lado, nós vivemos no tempo em que os seres humanos levam dentro de si a essência de admitirem o Cristo dentro de si até o ponto de cada vez mais poderem tornar-se seus próprios condutores.
Vejam! A essa situação se entrega aquele que hoje estende a mão para a dignidade sacerdotal. E esta dignidade sacerdotal, todavia, é totalmente justificada, exatamente hoje em dia, ela é plenamente justificada porque o que os seres humanos carregam dentro de si como essência, embora exista no ser humano, deve, contudo, primeiro ser extraída deles, realmente ser extraída de dentro deles. Na verdade, hoje em dia, necessita-se efetivamente de tudo aquilo que se situa atrás da dignidade sacerdotal, a fim de extrair dos seres humanos o que está dentro deles. Pois nós vivemos em um tempo que realmente pressupõe algo bem definido. O mundo exterior ainda não pode realmente situar-se inteiramente diante do que ali lhe é pressuposto. Pois o mundo exterior tem a ver com os seres humanos do modo como eles são, uma vez, presentemente, os portadores do seu corpo físico. No entanto, seria uma coisa horrível de ver, se os seres humanos passassem a viver apenas dessa forma nas próximas vidas terrestres, da forma como são a partir da nossa civilização atual.
Sabe-se, na esfera antroposófica, que se procura evitar isso. Oferece-se às almas humanas algo com que elas possam admitir aquilo que o ser humano atual deve acolher e viver mais adiante na próxima encarnação. Mas isto deve tornar-se humanamente generalizado. Hoje os seres humanos devem formar um Eu, formar uma individualidade que possa viver mais adiante na próxima encarnação. Isto só é possível quando é acrescentado às vivências humanas aquilo que é dado pela graça do sacrifício, pela graça do sacramento. Com isso não se soltará o carma dos seres humanos, mas sim aquilo que lhes está ligado nos tempos atuais na medida mais intensa. Na verdade, hoje em dia, os seres humanos andam mascarados por aí. Eles andam mascarados por aí. E quando alguma vez se apresenta a necessidade de realmente examinarem a sua identidade, então isto pode levar a trágicos conflitos.
Um desses trágicos conflitos já se deu com Hölderlin que uma vez disse estar vendo, ao contemplar o povo alemão, “são trabalhadores braçais, não são seres humanos, são pensadores, mas não são seres humanos, são sacerdotes, mas não seres humanos, senhores e sérios, jovens e gente adulta, mas não humanos”. E assim ele continua a diferenciá-los; os seres humanos carregam em si, de certa forma, o cunho de uma extra-humanidade.
Hoje necessitamos de uma atuação sacerdotal que fale aos seres humanos como seres humanos e que cultive a humanidade*. Naturalmente, no fundo, nenhuma das confissões atuais consegue isso. Basta os senhores pensarem uma vez como as confissões são dependentes. É exatamente além dessa dependência das confissões que deve crescer a comunidade para a renovação cristã. Ela necessita disso por seu próprio destino. Ninguém, nenhuma profissão que cresce a partir da antroposofia, está na mesma situação como o sacerdócio. Esta é uma situação muito especial e talvez seja muito certo dizer uma vez o que está posto aí diante de nós a partir do espírito do Apocalipse. Apenas ponderem uma vez: Em qualquer que seja alguma outra atuação que cresce a partir da antroposofia, as pessoas dependem, através dos poderes exteriores hoje existentes, de algum modo, do mundo exterior. Quando alguém se torna pedagogo a partir da antroposofia – ora, nós vemos as poderosas resistências que nos são feitas.
*humanidade: no sentido do conjunto das suas características. (N.T.)
As pessoas se iludem a respeito disso, porém nós não conseguiremos ter uma segunda escola Waldorf se, em toda parte, for imposta a condição de somente empregar professores que tenham um cunho estatal de alguma maneira. Só foi possível realizar a escola Waldorf porque nós a fundamos em um tempo no qual ainda não havia em Würthenberg nenhuma dessas leis.
Tomem os médicos: nós não podemos criar sem mais, os médicos, da raiz da existência, a partir do movimento antroposófico. Com certeza poderíamos criar médicos, mas eles não seriam aprovados, não seriam reconhecidos. E em certo sentido temos essa dificuldade até mesmo nos assuntos artísticos. Não há de demorar muito – embora hoje ainda não seja totalmente assim -, para as coisas tenderem em algumas direções, o que hoje já se tenta na Rússia, como exigir também um carimbo estatal para o artista. O sacerdote que cresceu desde o início de dentro do movimento antroposófico para fora, é o único que pode, por assim dizer, afastar-se de tudo. Se ele tiver aprendido algo, muito que bem; mas para sua atuação ele pode afastar tudo isso. Ele realmente já pode, na teologia que representa, assentar a primeira pedra fundamental, pois ele representa uma teologia que não precisa ser reconhecida por ninguém senão por ele mesmo. Isto é o mais importante.
Os senhores são os únicos nessa situação. E é nessa situação que os senhores também devem se sentir e sentirão, precisamente, o específico da sua dignidade sacerdotal. Os sacerdotes podem ser expulsos, quando se trata de um país como a Rússia, mas jamais se fará algo em um país como este de fazer carimbar pelo estado os sacerdotes. Ou deixarão os sacerdotes como são, ou não hão de querê-los, o que, na verdade, hoje, pelo menos segundo a tendência já aconteceu na Rússia.
Dessa maneira, o sacerdote pode, pela primeira vez, sentir a aproximação da nova Jerusalém, a aproximação do Cristo inerente, do Cristo que se torna o Rei dos reis, o Senhor dos senhores. Por isso é muito bom que o sacerdote estacione exatamente nesse trecho do Apocalipse assestado para o futuro a fim de, com o coração fervoroso, desenvolver todo o entusiasmo da sua alma sacerdotal que ele deve desenvolver neste trecho do Apocalipse. Pois o Apocalipse não deve ser doutrina, o Apocalipse deve ser vida ativa na alma de cada um de nós. Devemos sentir como somos unidos ao Apocalipse. Devemos poder inserir aquilo em que nós próprios atuamos e vivemos, no fluxo da profecia do Apocalipse.
Assim nos vemos reunidos ao redor de João o apocaliptista, o qual tem diante de si a visão: o céu se abriu; vem aquele que apenas ele compreende o seu nome, cuja vestimenta traz o nome da palavra de Deus, aquele que é o Rei dos reis, o Senhor dos senhores – ele vem. – E o clero que se une ao culto, o qual, por sua vez, é haurido do mundo espiritual, o clero que erige, por sua vez, a transubstanciação no sentido do próprio Espírito Santo, o clero que possui a nova consagração do homem, a antiga reconfigurada, da qual foi extraído o que era válido no antigo, adotando, todavia, a configuração que hoje flui do mundo espiritual – este clero pode agrupar-se ao redor de João o apocaliptista, o qual contempla o céu aberto. Porquanto nos é permitido ver aquela iniciação que se realizou aqui na sala que depois foi tomada pelo fogo, ver na luz que se amplia ao abrir-se o céu, ao sair o cavalo branco com aquele que o monta, este cujo nome apenas ele conhece, o qual deve ser incorporado em nós quando este nome tiver de ser algo para nós. Isto significa compreender o Apocalipse; pois o Apocalipse deve ser vivamente compreendido, não apenas com o conhecimento.
No entanto, ligado a tudo isso que se apresenta aí como uma grandiosa imagem, ligado a tudo isso há uma profunda, uma profunda sabedoria. Basta os senhores refletirem sobre o que se mostra na proximidade imediata dessa importante visão. É mostrado ao ser humano como o animal age, o que caracterizei, o animal que dirige para baixo o ser humano, do espiritual para o físico, o animal que o apocaliptista viu aproximar-se em três etapas, o animal, uma forma do qual não é somente a concepção de vida materialista, porém é a atitude materialista na vida. O apocaliptista aponta para dois momentos. Ora ele assesta para o modo como o animal é vencido, ora ele assesta para o modo como o mais forte antagonista da humanidade é amarrado durante cem anos para depois ser solto novamente por pouco tempo. Portanto, temos a ver, propriamente, com dois antagonistas do bom princípio, com o animal e com aquele que é designado na tradição como Satanás.
Ora, de certa maneira, para o mundo físico exterior, o animal foi, na verdade, vencido, foi vencido, todavia, porque ao materialismo pode ser contraposta uma concepção mundial espiritual. E de certa maneira, Satanás está amarrado atualmente. Entretanto, ele será solto novamente. Satanás está amarrado e aquele que penetra as coisas com o olhar naquilo que importa na evolução, este também sabe que Satanás está amarrado.
Porquanto, se Satanás não estivesse amarrado presentemente, destacar-se-ia tudo aquilo que poderia efetivamente derramar todas as taças da ira. Se Satanás não estivesse amarrado mostrar-se-ia, no mundo exterior, de uma maneira horrível, a relação com o que se apresenta hoje sobre a Terra como disposição materialista e atitude de vida. Então o mais profundo cinismo interior anunciaria o materialismo como verdade e provocaria tal cobiça no Satanás solto, a ponto de se ver essa elevação da disposição materialista e da atitude, assim como assumirem através dos poderes arimânicos, as enfermidades mais horrendas e temidas.
Se Satanás não estivesse amarrado, não se deveria falar meramente de um materialismo como disposição e atitude, porém dever-se-ia falar do materialismo como da doença mais maligna. Em lugar disso os seres humanos andam hoje com o cinismo e a frivolidade do materialismo pelo mundo afora e nada lhes acontece. No entanto, nada lhes acontece apenas porque Satanás está amarrado e a divindade ainda concede ao ser humano, a possibilidade de chegar primeiro ao espiritual sem sucumbir a Satanás. Se Satanás estivesse presente, alguns que se situam justamente como mestres inseridos em alguma confissão e atacados pelo materialismo, exibiriam um aspecto horrível da humanidade. A representação que aponta aqui para a possível enfermidade através do materialismo, para a lepra do materialismo que estaria realmente presente se Satanás não estivesse amarrado, é, contudo, uma terrível representação.
Entretanto, dentro de nenhum outro contexto senão com relação ao Apocalipse, aquele que hoje, ante a sua responsabilidade espiritual é consciente desse conhecimento, provocará tal representação. Eu mesmo não empregaria a palavra da lepra do materialismo em nenhum outro contexto senão naquele no qual o emprego aqui onde a conectei. Aquele que se habitua às representações do Apocalipse também tem diante de si as horrendas imagens que, todavia, correspondem inteiramente a uma realidade espiritual.
O Apocalipse não deve apenas impregnar a nossa vida, ele também deve impregnar a nossa palavra. O Apocalipse, ao ser acolhido dentro de nós, não é apenas vivificador na atuação sacerdotal, ele também é, simultaneamente, aquilo que nos permite apontar para coisas para as quais, de contrário, jamais apontaríamos na vida esotérica. O Apocalipse não deve apenas viver em nosso Eu, se quisermos entendê-lo, o Apocalipse também quer falar em nossa palavra. Os senhores dirão a si mesmos, diversas coisas quando se encontrarem entre si, sozinhos, no sacerdócio apropriado, a fim de que elas vivam nos senhores e permaneçam entre os senhores. Então hão de haurir para si a força para falarem, por sua vez, a palavra certa, também diante dos seus fiéis.
Ser sacerdote significa, hoje em dia, serem os primeiros a poderem falar livremente do Apocalipse entre os senhores. O Apocalipse é o livro sacerdotal anexado aos Evangelhos. Os senhores serão tanto mais sacerdotes quanto mais se familiarizarem com esse espírito interior do Apocalipse. Continuaremos tratando disso amanhã.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 14 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 13 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – nona conferência
Meus caros amigos! Agora, uma vez que temos reunido um número de elementos para irmos em busca do Apocalipse, devemos examinar o próprio Apocalipse e com isto configurar o assunto de tal maneira que comecemos com algumas questões que no final se relacionam com a meta daquilo que o apocaliptista contempla e que este quer comunicar à humanidade. Em seguida já se mostrará porque essa composição da contemplação deve ser escolhida.
Quando olhamos, em primeiro lugar, para o que o apocaliptista nos dá, se trata, por assim dizer, de um comunicado aos seres humanos, de uma revelação aos seres humanos, mas de uma revelação que se distingue essencialmente daquilo que se apresenta quando outros comunicados não procedentes da clarividência são trazidos aos seres humanos. E assim o apocaliptista também remete para o que, na verdade, foi um evento especial, uma iluminação poderosa a partir da qual ele está em condição de fazer seus comunicados à humanidade. No entanto, por isso o Apocalipse aparece de fato como um evento pertencente ao progresso do desenvolvimento cristão e se apresenta como um fato que dele faz parte.
Podemos dizer: o maior, o mais alto de todos os pontos de partida do desenvolvimento cristão na Terra, a respeito do qual anteriormente somente se podia ter esperança, é, naturalmente, o próprio Mistério do Gólgota. No entanto, em seguida sobrevém cada um dos fatos que devem acontecer para que o desenvolvimento cristão, a partir do Mistério do Gólgota, prossiga através dos tempos e das eternidades. Um desses acontecimentos, na verdade, é a revelação que acontece mediante o Apocalipse. O autor do Apocalipse também está plenamente consciente disso, a ponto de não apenas introduzir o que experimentou no desenvolvimento da atualidade e comunicou ao outros, porém que seja um fato aquilo que se situa no recebimento e divulgação subsequente do Apocalipse.
Vejam! Essa é exatamente a coisa importante na diferença da cristandade de outras confissões religiosas, o fato de que em antigas confissões religiosas se tem a ver com doutrinas, enquanto no desenvolvimento cristão o ato do Gólgota é essencial e fatos adicionais devem ser acrescentados a esta essencialidade. Por isso não é de importância primária, fundamental que o ser humano receba os Evangelhos explicados, porém é essencial que seja procurada uma real conexão com o Mistério do Gólgota mediante a cristandade. Sob a influência do intelectualismo a própria cristandade adotou, na verdade, nos tempos modernos, formas intelectualísticas.
E assim pode-se dizer que podia surgir até mesmo algo como o conhecido ditado: Jesus não pertence aos Evangelhos. – Isto significaria, eventualmente, que se poderia aceitar o conteúdo dos Evangelhos como doutrinas, mas não se deveria levar em consideração o mestre que lhes está por trás, que este não seria levado em consideração. Apenas o Pai, dizem, pertence aos Evangelhos. – Isso é como se, no Mistério do Gólgota, apenas dependesse em essência que o Cristo Jesus tivesse aparecido e tivesse dado uma doutrina do Pai. – Isto, todavia, não é o essencial. Essencial é que o ato no Gólgota foi realizado, que o Cristo viveu sobre a Terra e realizou o ato sobre o Gólgota. E a doutrina, justamente, apenas é assessória, acidental. Com isto a cristandade deve novamente impregnar-se para reconhecê-lo, mas também para realizá-lo.
E dessa maneira o apocaliptista está consciente, ao acolher a revelação, que esse fato aconteceu e que esse fato continua a atuar através dele. É disto que se trata. – O que acontece então através disso, continuamente? Em verdade, considerado formalmente, o ser humano vive, particularmente quando observamos sua condição atual, de tal maneira que, durante o dia, ele veste suas quatro “vestimentas”, o corpo físico, o corpo etéreo, o corpo astral e o Eu ligados a certa normalidade.
Quando está em estado de sono, o corpo astral e o Eu estão fora dos corpos físico e etéreo, eles estão na esfera do espírito das imediações terrenas, o qual está atrás das aparições espírito-sensoriais. Pois, hoje, em primeiro lugar, no ser humano, elas não estão organizadas para a perceptividade, para a qual só estarão mediante a iniciação. O ser humano vive uma existência abafada no sono, da qual ele tem apenas uma sensação geral ao despertar, ou ele contempla os sonhos que, do modo frequentemente descrito, emergem do sono. Por um lado nós temos dentro do mundo espiritual, o corpo astral e o Eu do ser humano e estes se situam, propriamente, de tal maneira dentro deste mundo de modo a não conseguir obter, em primeiro lugar, quaisquer impressões, quaisquer impressões diretas do Cristo nem de sua essência.
Portanto, quando não pensamos em nada senão naquilo que acabo de mencionar, o Eu e o corpo astral entrariam toda noite no mundo espiritual e não teriam ali qualquer relação* direta com o Cristo; de manhã eles voltariam novamente para aquele físico-terrestre e teriam – uma vez que agora já aconteceu o Mistério do Gólgota no decurso da evolução terrestre -, teriam imediatamente uma impressão do Cristo, pois o Cristo existe na aura da Terra. Mas esta impressão permaneceria abafada. Exatamente da mesma forma como de resto as impressões noturnas permanecem abafadas para o dia, assim essa impressão de que aquilo que está alojado no sono como corpo físico e etéreo, em que o Cristo está alojado, só pode ser percebido do modo como o estado de sono é percebido por aquele que está despertando e não existiria uma vivência evidente, clara do Cristo.
*”Zusammenhang”: relação, conexão, adesão, coerência. (N.T.)
Imaginamos que imediatamente após completar-se o Mistério do Gólgota sobre a Terra, existissem seres humanos que ainda tivessem convivido com o assunto e que, a partir das impressões imediatas com as quais tivessem convivido, pudessem, por sua vez, transferir para outros as impressões da percepção imediata do Mistério do Gólgota. Pois o Cristo também admitiu seus discípulos na escolaridade esotérica após a sua ascensão, dando-lhes várias instruções importantes. Tudo isso se reproduziu nas primeiras décadas após completar-se o Mistério do Gólgota.
Alguma vez isso tinha de ter um fim. E, na verdade, nós também vemos como isso se exauriu aos poucos em certos círculos. Pode-se até mesmo dizer que houve nas diversas escrituras gnósticas e nas demais exposições mais antigas dos antigos mestres que ainda eram discípulos dos apóstolos ou discípulos dos discípulos dos apóstolos, poderosas doutrinas esotéricas a respeito da cristandade que depois foram exterminadas pela Igreja porque a Igreja quis eliminar tudo que sempre esteve ligado com essas doutrinas: o cósmico. Pela Igreja foram então destruídas coisas enormemente importantes. Elas foram destruídas, mas a leitura do Akasha há de restabelecê-las até o último pingo no “i” quando chegar o tempo em que deverão ser restabelecidas.
Todavia, o que existia como grandes impressões seria estancado para o desenvolvimento histórico exterior, mas no momento em que o estancamento ameaçou, o Apocalipse também passou a existir. E quando o Apocalipse é aceito corretamente – uma amostra já foi fornecida, diria eu, no segundo estágio do tempo após o Mistério do Gólgota, por diversos seres humanos -, quando o Apocalipse, esta imagem grandiosa, esta imagem profética da evolução, é aceita corretamente, isto é, quando é admitida no corpo astral e especialmente na organização do Eu, então o Eu e o corpo astral carregam, dormindo, tal revelação – a qual procede do próprio mundo espiritual, como, na verdade, eu lhes disse logo na primeira aula e que realmente é uma espécie de carta, uma revelação verbal a partir do mundo espiritual ligada a visões -, então o Eu e o corpo astral levam, dormindo, tal revelação para fora, para o mundo da aura terrena.
E isso, meus caros amigos, isto significa que aos poucos, de tudo aquilo que o Apocalipse acolheu com compreensão interior, o conteúdo foi enterrado no éter da aura terrena. De modo que se pode dizer: o tom básico dentro da aura terrena é dado pela presença do Cristo que continua atuando na aura terrena.
Esse impulso do Cristo influencia a cada noite, quando o corpo astral e o Eu estão de fora, em primeiro lugar, de maneira profunda, o corpo etéreo do ser humano. Só que o ser humano, na maioria das vezes, não está em condição, ao voltar de manhã com seu Eu e seu corpo astral para o corpo físico, de reencontrar aquilo que do impulso de Cristo está contido ali no corpo etéreo.
Quando então, além disso, o conteúdo do Apocalipse é aceito pelos discípulos de João, o sentido das palavras é gravado no éter da aura terrena. E depois, desde o adormecer até o despertar, atua sobre o corpo etéreo humano, aquilo que está gravado lá na aura terrena, o que já foi gravado pelas grandes e importantes impressões que o autor, melhor dizendo, o próprio receptor do Apocalipse obteve das entidades divino-espirituais. Isto significa que aqueles seres humanos que têm uma inclinação para o Mistério do Gólgota, podem expor, dormindo, seu corpo etéreo ao conteúdo do Apocalipse. Este é um assunto real. Pode-se, pela correta convicção crística, induzir em si tal estado de dormência que aquilo que foi realizado pelo conteúdo do Apocalipse no éter terrestre, seja gravado, por assim dizer, pela entrada do Cristo no que se situa na evolução da Terra, no corpo etéreo humano. Este é o processo real. Isto existe como contínua ação do Apocalipse.
Pode-se tranquilamente dizer, na atuação do sacerdote para com aquilo que nos é confiado no cuidado da alma, o seguinte: Mediante o Mistério do Gólgota o Cristo ingressou na evolução terrestre. Em primeiro lugar ele realizou, para a preparação do ser humano, o que está dado nos Evangelhos, para que os seres humanos possam receber em seu corpo astral e em seu Eu – deve-se revestir isto com a respectiva terminologia que se pode usar para os professos -, para que os seres humanos possam receber em seu corpo astral e em seu Eu o conteúdo dos Evangelhos e através disso serem preparados para acolher o impulso do Cristo ao despertarem em seu corpo etéreo. – Mas, ao ser o apocaliptista inserido na cristandade em desenvolvimento, se lhe torna possível incorporar no corpo etéreo do ser humano aquilo que ele descreve de modo concreto e que está contido na evolução da cristandade ao longo das diversas épocas até nos tempos futuros.
Vejam! Com isso nós temos algo na evolução terrestre que é essencialmente novo diante das antigas doutrinas dos mistérios. Pois, o que foi que os antigos mistérios realmente transmitiram ao iniciado? Eles lhe transmitiram aquilo que pode ser contemplado quando se avista, por assim dizer, a partir da eternidade, em sua essência espiritual, o que está disposto no mundo quando se encontra dentro da atuação física exterior, a entidade divina atuando em seus caminhos desde a eternidade. O iniciado dos antigos mistérios absolutamente não exigiu receber algo dentro do seu corpo etéreo senão o que se recebe, justamente, mediante os resultados da iniciação.
Já o iniciado cristão não se detém nisso. Ele quer admitir em seu corpo etéreo o que só com o decorrer do tempo ingressou no desenvolvimento terrestre, isto é, tudo que está relacionado com o Mistério do Gólgota e com o Cristo. De maneira que de fato para a cristandade reside na revelação do Apocalipse o começo de uma iniciação. Esta revelação é uma espécie de começo de uma iniciação, não individual, porém o começo de uma iniciação para toda a cristandade; e cada qual pode preparar-se a fim de participar disso.
Com isso, todavia, pode-se dizer que está aberto o caminho para passar além do princípio do paternal da natureza. No fundo, toda a antiga iniciação da forma é segundo uma iniciação paternal. Procurava-se a natureza e o espírito da natureza, e podia satisfazer-se com isto. Porquanto o próprio ser humano se situava dentro desse mundo da natureza. Ora, o Cristo esteve aqui na Terra. Agora ele permanece aqui. Ele realizou a sua ação no Gólgota e, portanto, permanece aqui.
O que aconteceu mediante o Mistério do Gólgota não pode ser admitido, por si, pela mera iniciação antiga, porém aqui é necessário que nos elevemos em um mundo espiritual que não é o mesmo que fluía através dos antigos mistérios. O que fluía através dos antigos mistérios aspirava apenas a que o Mistério do Gólgota também fluísse alguma vez através dos novos mistérios. No entanto, agora o ser humano não se liga mais com o espírito através da natureza, porém diretamente mediante o Cristo. O antigo iniciado sempre escolhia o desvio pela natureza. O novo iniciado – isto não era assim nos primeiros séculos, mas, especialmente nos séculos seguintes subsequentes ao Mistério do Gólgota, aquele era o modo de ver de muitos iniciados ou semi-iniciados -, o novo iniciado se liga com o ente especial do mundo através do que fluiu para dentro do mundo mediante o Cristo e mediante o que edifica sobre o Cristo.
Assim, naquele tempo, um daqueles iniciados considerava o Apocalipse. Ele o considerava como de que ele falava do seguinte modo: a natureza é um dos caminhos para adentrar o mundo espiritual; o que é revelado mediante o Apocalipse, como grandiosa sabedoria, é o outro caminho para adentrar o mundo espiritual. É uma coisa que proporciona felicidade e ao mesmo tempo perturba quando, na pesquisa espiritual, se reencontra seres humanos – como eu disse, não no primeiro século cristão, mas nos seguintes, do 2º. ao 6º. séculos – quando ali se reencontra seres humanos que porventura digam: a natureza é grande – eles achavam o que se conhecia da natureza na antiguidade – mas o que é revelado pelo ou pelos apocaliptistas a partir do supra-sensorial é tão grande ou maior; pois a natureza leva ao Pai, porém o que é revelado pelos apocaliptistas leva ao espírito mediante o Cristo. – Naquele tempo procurava-se um caminho mediante o Apocalipse, um caminho para o espiritual puro e imediato.
Entretanto, com isso era simultaneamente indicada a verdadeira alteração que deve acontecer e acontecerá no decurso do desenvolvimento humano quando os seres humanos se tornarem dignos disso. Em tempos antigos se sentia intensamente que, na verdade, o ser humano descende do mundo espiritual, mas que ele tem um desenvolvimento que o liga fortemente àquilo que lhe vem ao encontro do mundo físico-sensorial. Sentia-se intensamente essa ligação com o mundo físico-sensorial e tinha-se a opinião de que o ser humano, exatamente através disso, havia se tornado um ser pecaminoso, um ser portador do pecado, por ligar-se à matéria da Terra.
Ora, em oposição a isso deveria ser preparado outro tempo e este é prescrito e pré-anunciado pelo apocaliptista. A imagem, a correta imaginação para isso, ele a procurou a fim de colocar diante da alma, em figuras imaginativas, aquilo que se encontra inserido atrás desse enigma. E assim ele renova, ele resume uma representação que era corriqueira na doutrina oculta hebraica. Na doutrina oculta hebraica mostra-se o seguinte: as almas procedem do mundo espiritual. Estas almas que procedem do mundo espiritual revestem-se com o que provém da Terra; e quando as almas constroem para si, exteriormente, moradas para as funções mais externas do espírito, então surgem cidades.
No entanto, quando elas envolvem as funções mais interiores da alma humana surge, justamente, o complexo corpóreo humano a partir dos elementos construtivos da Terra. A noção de construir cidades exteriores para morar decorreu da noção de construir o próprio corpo. E esta era uma bela imagem, uma imagem maravilhosamente bela por ser objetivamente fundamentada no fato da morada ser vista como aquilo em que, por assim dizer, a ampliação e continuidade das ações e processos anímicos, das funções anímicas encontrarem seu envolvimento, e por enxergarem na morada exterior, digamos, o invólucro para isto.
Tinha-se esta belíssima imagem: Quando, para minhas ações exteriores, eu construo uma morada com matéria terrena, então a parede, toda a morada, é um invólucro para aquilo que eu faço. Isto é apenas um prolongamento ampliado, eu diria que até mesmo enrijecido, esclerosado do que o ser humano construiu para si como primeira morada, pois como primeira morada o ser humano constrói para si uma morada para as funções da alma e esta é o seu corpo. E tão logo ele tem seu corpo como morada ele constrói uma segunda morada para si, uma segunda morada que é então construída com ingredientes da Terra. O fato de realmente se ver o corpo como morada era uma imagem corriqueira e esta morada como sendo o invólucro, digamos, que o ser humano veste aqui no mundo terrestre físico. Por isso via-se o que resulta da formação anímica como uma construção de moradas do ser humano.
Na verdade, em tempos antigos, o ser humano também estava realmente aderido ao que era sua morada e a coisas semelhantes. Vamos desenhá-lo (figura 7). Aqui ele tem o seu corpo com a pele. E agora, se, ao longo de sua vida, ele ainda obtivesse outra pele para a atividade da sua alma, esta seria uma tenda, embora a tenda não cresça por si só, porém o ser humano a faça para si.
Ora, justamente na doutrina oculta hebraica essa confluência da dominação do terrestre e do recebimento dos ingredientes terrestres para o desenvolvimento humano, era levada em consideração de uma maneira muito especial. Vejam! Com relação ao físico se admitirá: a Terra está organizada de tal forma que ela tem o Pólo Norte, que ali se acumula o frio, de certa maneira; e é possível descrever exteriormente, de modo geográfico e histórico, esse Pólo Norte, a partir da natureza da Terra, e considerá-lo como sendo algo essencial da Terra. A doutrina oculta hebraica também fez isso com o que está embutido nas forças da Terra como atividade anímica e então ela via – como no sentido de um Pólo Norte geográfico -, o pólo da Terra onde tudo conflui como cultura; e ela via isso em Jerusalém, na bem concreta cidade de Jerusalém. Este era o pólo para a concentração da cultura exterior em volta da alma humana e o coroamento dessa cidade era o templo salomônico.
Dessa maneira sentia-se que isso está esgotado na evolução da Terra. Aqueles que entendiam algo a respeito da doutrina oculta hebraica não viam no que se seguia ao Mistério do Gólgota, à destruição de Jerusalém, um acontecimento exterior que foi realizado pelos romanos. Os romanos eram apenas os servidores dos poderes espirituais que executaram o que era totalmente o plano dos poderes espirituais. Pois eles o imaginavam da seguinte maneira: Aquele antigo modo de procurar os ingredientes a partir da Terra para construir o corpo humano como morada, esgotara-se. Ao chegar Jerusalém à sua grandeza se esgotou tudo aquilo que podia ser empregado como substância da Terra, como materialidade, para construir o corpo humano como morada.
Traduzida como crística, essa doutrina oculta hebraica significa: Se o Mistério do Gólgota não houvesse ocorrido a destruição de Jerusalém teria ocorrido apesar de tudo. Entretanto, nessa queda não seria introduzido na Terra aquilo que pode sê-lo como nova configuração, com a ajuda do ser humano criativo. De certa maneira, o germe para uma nova configuração está embutido naquela Jerusalém que foi destinada à queda. A Mãe-Terra esmorece em Jerusalém. A Filha-Terra vive na expectativa de outro germe.
Depois disso, aqui os corpos não são mais construídos pela atração dos ingredientes a partir da Terra, nem as moradas da Jerusalém que ali estavam erigidas como coroamento daquilo que se passa aqui na Terra, porém a Terra se ergue da antiga Terra como um pólo espiritual da antiga Jerusalém. Não se estará mais em condições de, a partir dos ingredientes da Terra, realizar algo como a antiga Jerusalém. Em lugar disso, todavia, começa o outro tempo que, como germe, foi constituído mediante o Mistério do Gólgota. Agora os seres humanos recebem de cima para baixo o que lhes envolve o interior (figura 7), recebem-no mais de fora. A nova cidade se aprofunda de cima para baixo e se derrama sobre a Terra: a nova Jerusalém.
A antiga Jerusalém provinha da Terra e seus materiais, a nova Jerusalém provém do céu e seus ingredientes espirituais. Inicialmente os senhores acharão estranha tal representação diante de tudo que é pensado em nosso tempo e que os senhores podiam aprender justamente com aquilo que é pensado em nosso tempo. Como imaginar, em nosso tempo, anatômica e fisiologicamente, o ser humano quanto ao seu desenvolvimento? Ele come, ele recebe matéria nutritiva em seu estômago, ele a digere, ele elimina certos materiais e substitui o que deve ser substituído pelos materiais que ele recolhe.
Entretanto isso não é assim, porém o ser humano é um ser trimembre, ele é um ser humano neuro-sensorial, ele é um ser humano rítmico e ele é um ser humano mêmbrico-metabólico. No próprio ser humano mêmbrico-metabólico não entra nada, substancialmente, do que se encontra disposto nos nutrientes, porém tudo isto é absorvido pelo ser humano neuro-sensorial. O ser humano neuro-sensorial absorve o que é empregado como sais e como tais materiais que sempre estão sutilmente distribuídos no ar e na luz, e os conduz para dentro do ser humano mêmbrico-metabólico.
O ser humano mêmbrico-metabólico é totalmente nutrido de cima para baixo. Absolutamente não é verdade que ele obtém suas substâncias dos alimentos físicos. Quando algo substancial da Terra entra no ser humano mêmbrico-metabólico, então já passa a existir a doença. Tudo que é recebido pela alimentação e é digerido, tudo isto abastece apenas os órgãos do ser humano neuro-sensorial. Precisamente a cabeça é aquilo que é substancialmente formado a partir da Terra. Em contrapartida, os órgãos do ser humano mêmbrico-metabólico são formados a partir do céu.
O que está no ser humano rítmico tem um sentido compensador que se dirige para os dois lados. O ser humano não come o oxigênio do ar, porém o inala. É de uma espécie mais grosseira o modo como o ser humano absorve o substancial mediante o seu sistema neuro-sensorial, do que para o ser humano mêmbrico-metabólico. É por uma respiração enormemente refinada pela qual o ser humano acolhe o de que necessita para o ser humano mêmbrico-metabólico. Diante disto a respiração é mais rudimentar. E o que o ser humano faz com o oxigênio – produzir ácido carbônico -, é algo mais refinado, por sua vez, em oposição ao que acontece para que os alimentos que passam pelo estômago possam abastecer a cabeça. A transição está no ser humano rítmico.
Essa é a verdade a respeito da construção do organismo humano e seus processos. O que hoje é ensinado na anatomia e na fisiologia, diante do aspecto da verdade, é apenas uma tolice apresentada pela visão materialista. No momento em que sabe algo assim, sabe-se que não apenas vem de baixo para cima o que constrói o corpo humano, dos reinos vegetal, mineral e animal da Terra, porém que aquilo que precisamente nutre seus órgãos vistos muitas vezes como sendo os mais rudimentares, é o que vem de cima. Nesse caso pode-se imaginar com clareza, acima de tudo, que existia uma espécie de excedente na nutrição vinda de baixo, até o tempo em que Jerusalém sucumbiu. Depois, com o Mistério do Gólgota, começa aos poucos realmente a se tornar importante o que vem de cima.
Embora os seres humanos tenham invertido esses fatos, da maneira mencionada, hoje o desenvolvimento é realizado em primeiro lugar de tal forma que, em muitos contextos, em lugar da antiga alimentação vinda de baixo, a alimentação vinda de cima forma a parte mais importante. Com isso o ser humano também é transformado. A nossa cabeça não se parece mais com a cabeça dos antigos. As cabeças dos antigos eram mais formadas de tal forma que tinham uma fronte mais recuada para trás (figura 7). A atual fronte do ser humano é mais pronunciada, o cérebro exterior se tornou mais importante. Esta já é a transformação, pois exatamente o que se torna mais importante no cérebro é mais semelhante aos órgãos da digestão do que o que se situa para baixo. O cérebro periférico se assemelhará mais aos órgãos da digestão do ser humano, do que os delicados tecidos do cérebro mediano, isto é, do que o prolongamento dos nervos sensoriais mais na direção do ponto mediano da cabeça. Porquanto, exatamente o que se torna órgão do metabolismo é alimentado de cima.
Essas coisas podem realmente ser reconhecidas até nos mínimos detalhes quando se tem a vontade de conversar, diante de determinadas coisas, do modo como o apocaliptista fala: Aqui há sabedoria! – Só que, no nosso conhecimento comum que hoje vive e se mexe, não há sabedoria, porém há escuridão. O que hoje chamam de resultados da ciência, é, inteiramente, o resultado do Kali-Yuga, do escurecimento exterior da mentalidade humana. Dever-se-ia considerar isso como um enigma e não levá-lo para a rua, pois o esotérico consiste em permanecer isso, justamente, dentro de um determinado âmbito.
Vejam! Isso já teve início desde o Mistério do Gólgota, esse crescimento da nova Jerusalém. O ser humano terá chegado, quando o seu tempo na Terra tiver sido totalmente completado, a não elaborar a substância celestial apenas mediante seus sentidos dentro do seu próprio corpo, porém a também estender a substância celestial, mediante o que se denomina saber espiritual e arte, sobre o que depois se torna cidade, sobre o prolongamento do corpo, no sentido em que eu o expus. A antiga Jerusalém foi construída de baixo para cima, a nova Jerusalém será realmente construída inteiramente de cima para baixo. Esta é a portentosa perspectiva que foi exposta a partir de uma visão, de uma visão mais que colossal do apocaliptista. Para ele se abre essa potência: ali tudo que os seres humanos podiam construir sobe do solo terrestre para o alto e isso se concentrava no antigo Jerusalém. Agora isto chega ao final. Ele viu esse elevar-se e esse derreter-se na antiga Jerusalém e viu a cidade humana da nova Jerusalém descer do alto, dos universos espirituais.
Essa é a mira, essa é a última tendência da revelação do Apocalipse. Ela contém verdadeiros caminhos cristãos da humanidade e metas cristãs da humanidade. Quando nos ocupamos em compreendê-los chegamos no Apocalipse a uma determinada peculiaridade que é pressentida por alguns seres humanos, porém eles não conseguem penetrá-la inteiramente. Aquele que se dedica seriamente a compreender o Apocalipse não pode senão dizer: Sim, como faço isso? Como entro em uma representação como essa da antiga e da nova Jerusalém? Como farei para penetrá-la?
Sem embargo não posso continuar simplesmente a ficar falando, às voltas com essas imagens que, em primeiro lugar, não têm qualquer conteúdo para mim, porém preciso penetrar no conteúdo. – Para penetrar no conteúdo necessita-se de uma cosmologia e de uma visão do ser humano como elas só podem ser dadas por uma nova cosmovisão como a da antroposofia, mediante uma verdadeira visão do mundo espiritual. Através do Apocalipse chega-se à antroposofia porque se necessita do recurso da antroposofia para compreender o Apocalipse, por perceber: João recebeu o Apocalipse das regiões onde estava a antroposofia antes desta ter chegado aos seres humanos.
Se quisermos compreender o Apocalipse honesta e seriamente, devemos compreendê-la antroposoficamente. Em algo como a meta final, a nova Jerusalém, os senhores compreenderão isso da maneira mais intensa. Basta conhecerem os enigmas da construção do ser humano de cima e de baixo, não apenas como uma ciência exterior, para depois os senhores poderem ampliar essas representações para toda a atividade que os seres humanos exercem na Terra, a qual também é dirigida de baixo para cima e se transforma em uma que se dirige de cima para baixo.
A construção da antiga Jerusalém se transformará na construção espiritual da nova Jerusalém que será construída de cima para baixo. E os seres humanos devem crescer para dentro do que será construído espiritualmente, eles não devem apenas ver o Apocalipse em um sentido imaginativo-teórico-simbólico como fazem os exegetas da Bíblia, porém de tal modo a que o espírito se nos torne tão real como, justamente, ao longo de milênios, o físico-material existiu realmente. (Um dos participantes anotou ainda o seguinte: “Os senhores hão de aceitar, na medida em que forem dignos para isso, a nova Jerusalém, não apenas como algo imaginário, na forma em que os modernos exegetas o colocam, porém como algo que está pendurado tão verdadeiramente de cima, como o que era a antiga Jerusalém sobre os seus pés de baixo para cima).
Isto é o que deve ser preservado: o Apocalipse não contém apenas imagens, porém indicações para fatos bem concretos a respeito do que vai acontecer, e não somente o que o acontecer quer indicar como imagens. Isto é o mais importante. Assim devemos sentir-nos e encontrar-nos no Apocalipse. Depois haverá mais disso amanhã.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 13 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 12 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – oitava conferência
Meus caros amigos! Quando colocamos diante da nossa alma os principais centros nos quais o apocaliptista faz culminar a descrição das suas cosmovisões, da maneira como fizemos isto até aqui com algumas coisas, então resultará para nós em pouco tempo toda a composição e o subsequente conteúdo do Apocalipse. Por isso é necessário que nós, ao considerarmos esses pontos principais, esses centros principais, ainda continuemos hoje com isso, a fim de amanhã realmente começar a expor o conteúdo subsequente.
Ontem eu fiz os senhores atentarem para como, de certo modo, está diante dos olhos do apocaliptista, a maneira como algo irrompe a respeito da cristandade – que ele percebe com isso como a verdadeira cristandade – algo que ela quer redirecionar para a queda do princípio do Cristo e quer fazer retroceder para o princípio do Pai, algo que, se vencer, só pode admitir, nesse período, formas naturalistas materialistas.
O apocaliptista vê as coisas e os processos segundo o enigma do número – melhor dizendo: ele contempla e percebe segundo o enigma do número. E da mesma forma como o músico percebe as sonoridades tonais segundo o enigma do número, porém quando muito se torna consciente em certos lugares, assim o apocaliptista percebe, contemplando mais ou menos conscientemente tais enigmas, como eles estão ligados a um número como 666.
Agora se trata de contemplar o próprio cosmo para extrair ainda mais do cosmo esses enigmas de 666. Basta ponderarmos que toda a revelação cristã é realmente uma revelação solar, que Cristo é o ser que procede do Sol, e que o Cristo, de certo modo, envia Micael com suas multidões diante de si – como de outro modo, antigamente, Jeová enviou Micael diante de si. Coloquemos diante da nossa alma o fato de que nós mesmos vivemos na época de Micael, então com, efeito, poderá colocar-se perante a nossa alma aquilo que está relacionado com o impulso do Cristo como mistério solar, de uma maneira muito profunda.
E sempre deveremos colocar profundamente perante a nossa alma, que na luta da cristandade depende, precisamente, de se combater o seguinte: que o propriamente espiritual da cristandade está relacionado com o Sol. Na verdade, nada poderia ser mais importante para os adversários da cristandade, por assim dizer, do que se os seres humanos perdessem completamente a contemplação do Sol como ser espiritual e apenas mantivessem a contemplação do Sol na essência física, na forma em que eu caracterizei em outro local destas conferências. Com efeito, na irrupção do arabismo residia o grande perigo de se esquecer o enigma do Sol como o enigma do próprio Cristo e dar outro rumo a toda a evolução da humanidade, diferente do rumo de Micael, a qual tem apenas de preparar em toda parte, digamos, a evolução do Cristo, para a compreensão humana.
Para o apocaliptista que contempla atrás dos bastidores do desenvolvimento histórico exterior, aquilo que acontece exteriormente na ordem mundial, passa-se na base de processos supra-sensoriais. E assim nós queremos ver uma vez qual é o aspecto desses processos supra-sensoriais que o apocaliptista contempla atrás dos acontecimentos exteriores.
Quando temos em vista os astros do nosso sistema planetário, inclusive o Sol, temos, de certo modo, em cada um desses planetas, uma reunião de entidades. Na Terra temos justamente o ajuntamento dos seres humanos em sua evolução. E se quisermos fazer uma representação que se aprofunde na alma dos seres humanos sobre a Terra, podemos ter em vista uma vez um momento do desenvolvimento no qual a humanidade tenha atingido um estágio muito mais elevado do que o atual. Por exemplo, podemos colocar, por sua vez, diante da alma, o desenvolvimento de Vulcão, o qual se seguirá à Terra.
Meus caros amigos! Os senhores podem imaginar o que alguém da Terra precisaria receber como representação espiritual, se ele a tivesse diante de si como um corpo universal que contém a reunião de seres humanos vulcânicos. E assim mesmo, para a Terra com seus seres humanos isto seria apenas outro estágio. Pois é muito importante para a alma humana que ela represente a Terra desse modo como um todo, que ela não adote apenas a condição da humanidade sobre a Terra, porém também adote o que já está contido, como germe, na condição atual, a fim de que olhe para o que o ser humano carrega dentro de si e para que, por isso, ele também seja o ser humano no estágio de Vulcão.
Quando olhamos para os outros planetas temos em toda parte um ajuntamento de tais entidades. Devemos dizer que a Terra está destinada a ser o verdadeiro local do desenvolvimento do ser humano e, por isso, está colocada no meio. Temos outros planetas como, por exemplo, o atual Júpiter que nos mostra inteiramente como seus seres são de uma espécie totalmente diferente. Porquanto nós nos encontramos com essas entidades ao elaborarmos o nosso carma entre a morte e um novo nascimento. Quando examinamos esse conjunto de entidades que reinam relacionadas com cada um dos planetas, inclusive com o Sol, então obtemos aquilo que, como a espiritualidade de cada um destes planetas, era contemplado até o século 14 até mesmo pelos preceptores eclesiásticos católicos, como sendo a inteligência dos planetas.
Podemos falar da inteligência dos planetas como pertencendo inteiramente a uma realidade, do mesmo modo como podemos falar da humanidade terrestre como sendo a inteligência da Terra. E cada um desses planetas não tem apenas a sua inteligência, porém tem também seu demônio; e os preceptores eclesiásticos sabiam disso, como eu disse, até o século 14, 15. A totalidade dos adversários das inteligências sobre os planetas são os demônios. E isto também é assim sobre o Sol.
Portanto, quando vemos, preferencialmente, na cristandade, uma evolução no sentido do gênio solar, da inteligência solar, devemos então ver o demônio solar naquilo que resiste à evolução da cristandade. E o apocaliptista viu isto. Ele viu atrás dos bastidores aquilo que acontecia, ao fugir a cristandade de Roma para o Leste, e ele viu a cristandade adotar outras formas de conhecimento. Ele viu ser penetrada essa cristandade, ameaçada por dois lados pela ilusão, pelo poderoso princípio adverso do arabismo.
E, ao ver atrás dos bastidores das ações exteriores árabes e maometanas, era-lhe evidente: ali o demônio solar trabalha contra o gênio solar, contra a inteligência solar. – Por isso ele precisou colocar o demônio solar como aquele que atua e vive contra o princípio cristão no ser humano, de modo que o ser humano, ao entregar-se a este demônio solar, não queira alcançar a conexão com essa divindade do Cristo, porém permanecer no sub-humano. “Seres humanos entregues ao demônio solar”, segundo o seu modo anímico, assim o apocaliptista designaria, se lhe fosse perguntado, os representantes do arabismo na Europa. E para ele era evidente que de dentro desse arabismo emergiria tudo que aproximasse o ser humano da animalidade, nos modos de ver, mas cada vez mais também nos impulsos da vontade. As coisas que acontecem no mundo como realidades são tais que nem sempre se veja causa e efeito lado a lado; não se vê o propósito, nem se vê o que o propósito vê.
Por isso pode-se perguntar: O que aconteceria se o arabismo, a doutrina do demônio solar triunfasse totalmente? – Então a humanidade seria lançada para fora da vivência daquelas condições que os seres humanos devem vivenciar se a atuação do carma oriunda de encarnações anteriores, ou a transubstanciação, devem ser compreendidas. No fundo, aquilo que é derramado do arabismo é dirigido contra a compreensão da transubstanciação. Por certo, os fatos exteriores não têm esse aspecto, mas o demônio solar tem o propósito, ao deixar valer apenas o princípio do Pai, as conexões naturais, de varrer para longe da contemplação humana aquela espécie de conexão que em mais alta medida age em um sacramento como a transubstanciação.
E assim, para o apocaliptista, o demônio solar agiria muito particularmente por volta do ano de 666. Ele o descreve de tal maneira que qualquer iniciado o reconhece. Pois cada uma dessas entidades espirituais que são descritas como inteligências dos planetas, inteligências do Sol, demônios dos planetas, demônios do Sol, cada uma delas tem, dentro dos mistérios nos quais estão essencialmente presentes em ocasiões importantes, os seus sinais específicos, e o demônio solar tem o seguinte sinal: (figura 6)
O apocaliptista descreve o demônio solar como animal bi-córneo. Na época latina, na qual se entretecia na língua dos mistérios o greco-latino, tinha-se uma espécie de leitura que lia nos números, já algo exteriorizadamente, mas ainda se lia nos números. O apocaliptista serviu-se de maneira peculiar de ler o que era usual em seu tempo. Ele escreve o número 666. Ele o escreve em caracteres alfabéticos hebraicos:
400 200 6 60
Estes caracteres ele os escreve em seu valor numérico e deve-se lê-los da direita para a esquerda. As consoantes para as quais se deve pronunciar as respectivas vogais, resultam no nome do demônio que tem esse sinal do demônio solar: Sorat. Naquele tempo o demônio solar se chamava Sorat, e o apocaliptista descreve esse sinal e nós o reconhecemos com precisão. O apocaliptista vê tudo aquilo que dessa maneira se opõe à cristandade – como o arabismo -, como uma emanação daquele espiritual que é representado por Sorat, o demônio do Sol.
Mas, meus caros amigos, o número 666 existe uma vez naquele tempo em que o arabismo penetra na cristandade para imprimir na cultura ocidental o selo do materialismo por uma segunda vez, após terem transcorrido novamente 666 anos: em 1332 no século 14 (figura 6). E então nós temos um novo soerguimento do animal de dentro das marés do suceder mundial. Para aquele que olha como o apocaliptista o suceder mundial aparece como uma contínua maré de uma época de 666. O animal se ergue ameaçando a cristandade com sua procura pelo verdadeiro humanismo, fazendo valer a animalidade contra o humanismo; Sorat se agita. No século 14 vemos novamente Sorat erguer-se, Sorat o antagonista.
Foi o tempo no qual, a partir de profundos subterrâneos da alma, muito mais do que a partir do orientalismo, a Ordem dos Templários na Europa quis fundar uma visão solar da cristandade que contemplasse novamente o Cristo como um ser solar, como um ser cósmico, o qual, por sua vez, soubesse algo das espiritualidades dos planetas e das estrelas, que soubesse como no suceder cósmico atuam em conjunto as inteligências de universos muito distantes, não apenas as entidades de um planeta que acontecem mediante tais entidades espectrais como o demônio solar Sorat, o qual é um dos mais poderosos demônios dentro do nosso sistema. No fundo é a demonia solar quem atua no materialismo dos seres humanos.
Naturalmente hoje em dia é difícil, a partir de certo ponto de vista, dizer o que seria da civilização européia se a tão poderosa Ordem dos Templários, também exteriormente poderosa – pois lhe arrebataram os tesouros -, tivesse podido realizar os seus propósitos. No entanto, nos corações e nas almas daqueles que não podiam descansar antes que a Ordem sucumbisse em 1312 e Jacques de Molay encontrasse a morte em 1314, nos corações daqueles que eram os antagonistas do Cristo cósmico ao contemplar este o cosmo exterior, Sorat reviveu servindo-se não pouco da disposição da igreja romana da época, exatamente para matar os templários. Naquele tempo o comparecimento deste Sorat já era mais visível, porquanto um grandioso enigma paira ao redor da destruição dessa Ordem dos Templários.
Quando se contempla o que se passava com aqueles seres humanos que foram executados naquele tempo, durante suas torturas, então se obtém até mesmo uma idéia de como foi tramado por Sorat, aquilo que vivia nas visões dos templários torturados, de tal maneira que eles caluniavam a si mesmos e se obtinha uma acusação barata contra eles, a qual procedia de suas próprias bocas. A horrível cena se apresentava diante das pessoas de tal modo que aqueles que representavam algo diferente não podiam falar disso, durante sua tortura, senão de que os diversos espíritos dos exércitos de Sorat falassem a partir deles e dissessem a respeito da Ordem até mesmo as coisas mais abjetas a partir dos seus próprios membros.
Duas vezes cumpriu-se 666. Agora é a época em que, no mundo espiritual de Sorat e dos demais demônios adversos, todas as medidas são tomadas para não deixar entrar na Terra o princípio solar, mas Micael, preparando seu novo domínio, luta por isso com suas multidões, Micael que foi o regente terrestre antes do Mistério do Gólgota, por volta do tempo de Alexandre e depois foi substituído por Orifiel, Anael, Zacariel, Rafael e Gabriel e que, desde o último terço do século 19, tem novamente o domínio terrestre para, a seu modo, continuar a trabalhar em prol do Cristo para o qual ele trabalhara até terminar o seu domínio anterior, por volta do fim da dominação de Alexandre. Agora Micael está de volta sobre a Terra, mas desta vez para servir sobre a Terra na preparação do Cristo e da compreensão mais profunda do impulso do Cristo.
Ora, no decorrer do tempo eu apresentei aqui e em diversos outros lugares o modo como, mediante Micael, a cristandade foi introduzida, relativamente ao espiritual. Mencionei uma parte disso, recentemente, na conferência na qual apontei para o modo como na regência de Micael, no tempo de Aristóteles e Alexandre, já fora introduzido um verdadeiro impulso crístico e onde indiquei o ano de 869 no qual se realizou uma espécie de concílio supra-sensorial. Ora, isso teve continuidade. E no início da nossa era, onde a alma da consciência intervém – pois isso foi o que expus – nós obtemos, ao olharmos para o alto para o evento espiritual paralelo ao evento físico e pertencente à humanidade terrena, nós obtemos a grandiosa visão de uma escola supra-sensorial com Micael como mestre.
Aqueles que devem agir em prol de um verdadeiro progresso do desenvolvimento cristão, estão ao redor de Micael em grandes multidões – sejam eles, naquele tempo, almas não incorporadas, sejam outras entidades espirituais -, estão reunidos ao redor de Micael como em uma grande escola supra-sensorial, desde o século 14 até o século 16, quando são preparadas aquelas almas que depois, no tempo do domínio de Micael no início do século 20, devem surgir na Terra. Contemplando-se aquilo que foi preparado ali, trata-se, na verdade, da cosmovisão antroposófica que quer trabalhar no sentido dessa evolução.
A partir do que, nas contemplações da antiga sabedoria dos mistérios e da contemplação profética da futura sabedoria dos mistérios, segue-se que os seres humanos que adotam a assim chamada cristandade interior, a cristandade espiritualizada, que contemplam o gênio solar com relação ao Cristo, que estes seres humanos reaparecerão no final do século 20 com uma aceleração da sua evolução*. E tudo isto, meus caros amigos, tudo isso que podemos fazer agora nesta época, ao lançar mão da espiritualidade da doutrina, tem um grande significado, pois nós o fazemos para os seres humanos desta época, sub specie aeternitatis. Isto é uma preparação para aquilo que deve acontecer, em primeiro lugar, em grandes ações espirituais abrangentes e intensivas, no final do século, depois de muitas coisas terem acontecido anteriormente, as quais sejam opostas a uma espiritualização da civilização moderna. No sinal do segundo aparecimento do 666 situavam-se, na Europa, aquelas grandes revoluções que foram introduzidas pelas cruzadas e, na destruição dos cavaleiros templários, este fato encontrou sua expressão exterior. Sorat trabalha cada vez mais contra o que se ocupa, a partir do gênio solar, em atuar a favor de uma verdadeira cristandade.
*Ora, já estamos no século 21! (N.T.)
Agora (1924!) temos diante de nós a época do terceiro 666: 1998. Por volta do fim desse século chegamos ao momento em que Sorat, erguerá novamente, mais fortemente, a sua cabeça das marés da evolução, onde será antagonista daquele olhar do Cristo que os seres humanos preparados para isto, já terão, na primeira metade do século 20, por tornar-se visível o Cristo etéreo. Ainda demorarão apenas dois terços do século 20, antes de Sorat erguer sua cabeça de uma forma poderosa.
Meus caros amigos! Ao terminar o primeiro 666, Sorat ainda estava envolvido na marcha evolucionária dos acontecimentos; não sendo visto na configuração exterior, ele vivia dentro dos atos do arabismo e o iniciado conseguia vê-lo ali. Ao término dos segundos 666, ele já se mostrou no pensar e sentir dos templários torturados. E antes do término desse século 20 ele se mostrará ao aparecer em numerosos seres humanos como aquela entidade da qual estão possessos. Veremos seres humanos surgirem, dos quais não se poderá acreditar que sejam verdadeiros seres humanos. Estes se desenvolverão, também exteriormente, de uma maneira peculiar. Exteriormente serão naturezas extremamente fortes com traços furiosos, com fúria destruidora em suas emoções. Terão um semblante no qual se verá, exteriormente, uma espécie de semblante animalesco. Os seres humanos soráticos também serão reconhecíveis exteriormente; eles não só escarnecerão de tudo da forma mais horrível, porém combaterão tudo, querendo empurrar para dentro da lama tudo que se assemelhe ao espiritual. Por exemplo, experimentar-se-á, no que está concentrado de certa maneira em um espaço estreito em seus germes no atual bolchevismo, como isto será embutido em todo o desenvolvimento terrestre da humanidade.
Por isso, é tão importante que tudo que procura a espiritualidade, também o faça realmente. Pois, aquilo que resiste à espiritualidade, existirá, porquanto isto não trabalha, digamos, sob a liberdade, porém sob o determinismo. Este determinismo chegará ao ponto de, no fim desse século, Sorat estar novamente solto e o esforço para varrer para longe toda a espiritualidade, estará colocado nos objetivos de um grande número de almas terrenas, como o apocaliptista prevê profeticamente no semblante animalesco e na força animalesca com relação à execução dos atos antagônicos ao espiritual. Pois hoje já se apresentam verdadeiros desdobramentos do ódio contra o espiritual. No entanto, estes são apenas os primeiros germes.
Assim vemos como o apocaliptista previu tudo isso. Ele viu o verdadeiro desdobramento da cristandade como um assunto solar, mas também previu o horror do desenvolvimento da demonia solar. Tudo isso flutuava diante dele. Ao ingresso de Micael na evolução espiritual da humanidade com o término do século 19 e o do Cristo etéreo na primeira metade do século 20, se seguirá o ingresso do demônio solar antes do término deste século 20. Nesta época de Micael na qual vivemos, nós temos, exatamente quando queremos trabalhar no âmbito do teológico, do religioso, nós temos toda razão para aprender, acima de tudo no Apocalipse, até mesmo para pensar e sentir de modo apocalíptico, não ficando colados ao que são meros fatos exteriores, porém para nos elevarmos aos impulsos espirituais situados atrás deles.
Pois será aplanado o caminho para o ingresso dos demônios que são sequazes do grande demônio Sorat. Basta falarmos com aqueles seres humanos judiciosos que sabem algo, por exemplo, a respeito do ponto de partida da Primeira Guerra Mundial. Nunca se deixará de ter razão quando se diz que os cerca de 40 seres humanos que são culpados pela irrupção desta guerra mundial, quase todos, no momento da irrupção da guerra, tinham uma consciência rebaixada. Mas esta quase sempre é a porta de entrada de poderes demoníacos arimânicos; e um destes demônios é Sorat. Estas são as tentativas, pelo lado de Sorat, de penetrar em primeiro lugar, pelo menos temporariamente, em consciências humanas e causar desgraça e confusão. Não é a guerra mundial, mas a consequência é muito mais terrível e se tornará ainda mais horrível como, por exemplo, a constituição da Rússia, do que aquilo que é procurado pelos espíritos soráticos penetrando nas almas humanas.
Nós devemos saber que isso é assim. Porquanto o que significou a atuação sacerdotal nos tempos em que havia uma verdadeira espiritualidade sobre a Terra? Nunca algo senão uma atuação, meus caros amigos, não meramente dentro dos acontecimentos terrestres, porém uma atuação com plena consciência do situar-se dentro do mundo espiritual do trânsito com o mundo dos deuses.
E o apocaliptista não escreveu seu Apocalipse em nenhum outro contexto. Aquele que quer conduzir os seres humanos rumo ao espiritual, deve contemplar o espiritual. Cada época deve fazê-lo à sua maneira. Basta contemplarmos a regularidade interior com a qual – um pouco exteriorizada -, a sucessão dos faraós do Egito aparece tão logicamente, para compreendermos que estes faraós de fato não se sucederam por acaso, porém que lhes estava prescrito em escritos primordiais, o que cada um que sucedia ao outro, devia considerar como sendo sua tarefa, e que o impulso para a formulação da sua tarefa do que mais tarde se chamou então de revelação hermética, de revelação de Hermes. Não se trata da revelação de Hermes do modo como hoje é conhecida com certa desfiguração, porém da antiga sabedoria de Hermes que também pertence, justamente, aos grandes mistérios nos quais se falava da revelação como sendo três vezes santa: Uma revelação do Pai, uma revelação do Filho, uma revelação do Espírito Santo. Tudo isto aponta para aquilo de que se tratava no sacerdócio em toda parte, de uma atuação a partir do espiritual para fora, no mundo material e, de que o sacerdócio também deve ser entendido dessa maneira em toda parte.
No entanto, isso deve tornar-se novamente um impulso sacerdotal após um período em que não podia absolutamente ser percebido como verdade: o de atuar a partir do mundo espiritual. Na formação da humanidade que adotou, na época da alma da consciência, aos poucos, em todos os campos, formas materialistas, estamos muito distantes de algo como o mistério da transubstanciação e, com isso, de podermos compreender os enigmas espirituais da cristandade. Para cada um, individualmente, que tem de atuar de modo sacerdotal, isso já significa, diante dessa formação temporal atual, uma espécie de inverdade falar-se a respeito dos profundos conteúdos dos mistérios que estão ligados com a transubstanciação. Daí a razão dessas discussões racionalistas sobre a transubstanciação, do modo como elas aconteceram com o segundo ataque de Sorat e do modo como elas se reproduzem até o terceiro ataque de Sorat. Não faz nenhum sentido tomar o Apocalipse para exclusivamente comentá-lo. Unicamente e somente faz sentido quando nos tornamos apocaliptistas no próprio Apocalipse e, neste tornar-se-apocaliptista aprendermos a compreender sua época a fim de fazer dos impulsos daquela época, os impulsos da nossa própria atuação.
Mas aqui o ser humano da atualidade também está situado com a atuação sacerdotal, exatamente ali dentro, a ponto de precisar contemplar, no surgimento do tempo de Micael nos anos setenta do século 19, o aparecimento do Cristo na primeira metade do século 20 e a ameaçadora subida de Sorat e dos adeptos de Sorat no final do século 20. Como seres humanos compreensíveis que sabem indicar os sinais dos tempos, organizemos como tais a nossa vida, no sentido destes três mistérios do nosso tempo: do mistério de Micael, do mistério de Cristo e do mistério de Sorat; pois assim atuaremos dentro da esfera do que o nosso carma indicou, do modo correto, atuando o sacerdote na sua esfera sacerdotal. Com isto prosseguiremos amanhã.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 12 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
“A separação do quinto período do sexto se mostrará mais como sendo no campo moral. Uma guerra de todos contra todos que eu já indiquei frequentemente, separará o quinto do sexto grande período terrestre, com uma grande catástrofe moral, todavia ligada a acontecimentos naturais, mas os acontecimentos naturais hão de regredir mais.” – Rudolf Steiner
CATÁSTROFE MORAL
O arcanjo situado no número cinco começa o tempo da sua regência no quinto período pós-atlântico com forças oriundas das forças de Marte. Quando um período começa com as forças de Marte – isto já é até mesmo indicado na representação trivial -, então isto contém algo bélico.
Ao olharmos para os sucessivos períodos culturais, estes estão subdivididos por importantes acontecimentos. E quando olhamos retrospectivamente para o acontecimento importante que separa o período precedente, o atlântico, do atual, o período pós-atlântico, o qual está situado como quinto período em seu quinto cultural, então nós temos o “dilúvio” como limite entre os dois, a destruição da antiga Atlântida e o surgimento de novas partes do mundo. Vivemos no quinto período pós-atlântico e uma sexta e uma sétima se lhe seguirão.
A catástrofe que nos separa do próximo grande período que acontecerá – após o quinto, o sexto e o sétimo período -, ela não será apenas um acontecimento de natureza tão exterior como foi a era glacial e como foi tudo que está indicado pelas narrações do dilúvio, porém a separação do quinto período do sexto se mostrará mais como sendo no campo moral. Uma guerra de todos contra todos que eu já indiquei frequentemente, separará o quinto do sexto grande período terrestre, com uma grande catástrofe moral, todavia ligada a acontecimentos naturais, mas os acontecimentos naturais hão de regredir mais.
Rudolf Steiner – GA 346 – Apocalipse Moderno Conferência VI
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 11 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – sétima conferência
Antes de prosseguirmos com as considerações a respeito do Apocalipse, devemos agora acrescentar ainda aos meios para a sua correta leitura, algo que, todavia, é mais trazido de fora. Ora, trata-se de, no todo, de nos inserirmos, com a leitura do Apocalipse, em nossa atualidade. Para isso devemos, em primeiro lugar, examinar a partir de quais fundamentos espirituais surgiu esse Apocalipse. Naturalmente, eu não penso nisto, neste momento, da maneira como hoje se deseja explicar uma obra do seu tempo no sentido histórico trivial. Isto não é aplicável em obras que são concebidas do modo como está descrito no Apocalipse a partir do mundo espiritual. Entretanto, é preciso, contudo, ficar claro para nós: o Apocalipse surgiu de um modo como podia justamente surgir segundo as condições do seu tempo e não segundo as condições históricas, porém segundo as condições espirituais do seu tempo.
Enfoquemos agora uma vez aquele tempo, aquele tempo dos primeiros séculos da cristandade e relacionemo-los em sentido espiritual com a evolução geral do mundo.
Um ano importante, ao considerarmos a evolução que se passa atrás dos acontecimentos exteriores, é o ano de 333 d.C. Este ano de 333 representa aquele momento no qual o Eu adentrou a alma do intelecto* e da índole do ser humano, do modo como ela se aperfeiçoou entre o ano de 747 antes do nascimento do Cristo e o início da época da alma da consciência no século 15. Esse ano de 333 se situa ali no meio. Naquela época da alma do intelecto ou da índole, o aperfeiçoamento da espécie de espiritualidade grega desempenhou um grande papel e ela continuou a produzir efeito justamente até chegar a época da alma da consciência. Nessa época do desenvolvimento da alma do intelecto e da índole se dá o Mistério do Gólgota.
*”Verstand”: intelecto, razão, entendimento. (N.T.)
Ora, é preciso ficar claro para nós que essa entrada do Eu na alma do intelecto e da índole representa algo extraordinariamente importante. Este ingresso do Eu que acontece por volta do ano de 333, abala, com efeito, na profundeza da alma, e de um modo mais sério justamente a humanidade que é levada em consideração para o recebimento das influências espirituais. Daquele que quer tomar parte da vida espiritual e quer atuar na direção da vida espiritual, os fatos exteriores do desenvolvimento histórico devem se inteiramente reorientados sobre fundamentos espirituais.
O que temos, pois, no tempo em que de certa maneira acontecia, atrás dos bastidores dos acontecimentos exteriores, o ingresso do Eu na alma humana, o que temos, pois, como acontecimentos exteriores extraordinários e como devem todos eles ser vistos à luz deste ingresso do Eu? Sim, meus caros amigos, aqui começa para o ser humano, subitamente, a ficar incompreensível e vacilante e conflitante toda a relação do divino com o humano.
Nesse momento nós temos a importante controvérsia entre Ário e Atanásio. Com o ingresso do Eu na alma do intelecto ou índole, emergem no mais íntimo do ser humano, embora ainda algo inconscientemente, as faltas de clareza e com isto a pergunta: Como vive propriamente o Eu divino na natureza humana? – Naquele tempo o ser humano era abalado a respeito de como ele devia pensar a relação do divino para com o mundo e para com o próprio ser humano. E então os dois pontos de vista de Ário e Atanásio se confrontaram de uma maneira áspera. Assim nós vemos como na Europa ocidental o modo de ver de Atanásio obtém vantagem e como a visão de Ário se dirige para uma paulatina decadência.
Agora tomemos uma vez esse objeto do ponto de vista espiritual, pois é importante acima de tudo quando queremos realmente compreender o sentido interior e o espírito interior de algo como o Apocalipse. Ário vê, por um lado, o ser humano como ele sempre sobe cada vez mais para o alto e, por assim dizer, deve sempre aproximar-se mais do divino, e ele vê, por outro lado, a entidade divina; e, ao lado destes grandes princípios universais, ele deve então entender o Mistério do Gólgota, a natureza de Cristo. Ele quer responder a pergunta: Como se inserem no próprio Cristo a natureza humana e a divina? Deve-se realmente ver no Cristo um ser divino ou não? – E ele, com efeito, responde essa pergunta com um não. No fundo ele se situa na base do que se generalizou então em grande parte do povo europeu; de estabelecer o divisor limítrofe entre o ser humano e Deus, de não querer admitir a morada interior de Deus no ser humano e estabelecer um abismo entre Deus e o ser humano.
Ora, nós devemos retroceder sem preconceito para aquele tempo do primeiro desenvolvimento cristão que, no fundo, não tem nada em comum com aquele catolicismo romano subsequente, pois, mais tarde, a cristandade entrou em decadência no seio do catolicismo romano. Por isso, deve ficar claro para nós que, de fato, para o desenvolvimento posterior da humanidade era necessário, naquele tempo, decidir toda a questão no sentido de Atanásio, o qual via no Cristo, justamente, um ser divino direto, via no Cristo o verdadeiro espírito solar, embora isto também tenha retrocedido em tempos posteriores por causa da aversão por representar o Cristo cosmologicamente. No entanto, em todo o modo espiritual de Atanásio se continha o fato de realmente ver o Cristo como alguém igual ao Deus-Pai.
Este modo de ver continuou então a atuar, perdendo apenas seu ponto alto no ano de 869 pelo Concílio de Constantinopla que, no fundo, com isto, destruiu a doutrina do Primeiro Concílio de Nicéia, no qual a tricotomia foi declarada herética. Com isto começa também a decadência do cristianismo eclesiástico, pois com isto foi totalmente interrompido o crescimento para dentro da espiritualidade para os séculos seguintes dentro do desenvolvimento eclesiástico católico.
Foi aquele abalo que se deu inteiramente no interior do ser humano durante a irrupção do Eu na alma do intelecto ou da índole que é colorido através deste acontecimento exterior e o qual dá a este acontecimento exterior o seu sentido interior próprio.
E quando, além disso, consideramos essas coisas do ponto de vista histórico, devemos dizer: após aquele ano de 333 seguiram-se aqueles tempos, sobretudo para o desenvolvimento europeu, que romperam com a antiga romanidade. Vemos como a antiga romanidade, na forma na qual ela se converteu, no fundo, realmente, não podia adotar a cristandade. É uma imagem grandiosa que se nos apresenta quando dirigimos o olhar para esse ano de 333.
Ele é, simultaneamente, o ano que indica a época na qual o romanismo foi deslocado de Roma mais para o Leste. Ele refugiou-se sob aquele imperador romano, o César romano que queria apropriar-se da cristandade, da cristandade de Roma para além, para o Leste. Não devemos deter tanto o nosso olhar nas excrescências e nos danos que então ocorreram através do Concílio de Constantinopla; devemos olhar mais para o significado de se dever refugiar-se do Oeste para o Leste quando em Roma penetra o cristianismo. Isto contém um enorme significado. Visto a partir do mundo espiritual esse é um acontecimento tão importante, tão esclarecedor a ponto de que, diante disto, tudo que o bizantinismo trouxe como danos, deve ser pouco levado em consideração.
Dir-se-ia que tem enorme significado o fato de que a cristandade, quando foi atingida em sua configuração exterior pela romanidade, precisou refugiar-se. Contudo, no solo da romanidade, sobre aquilo que se havia preparado por muito tempo no âmbito romano, ergue-se então a cristandade após ter-se refugiado para o Leste sob Constantino; mas ao erguer-se como inflorescência ela é forçada a adentrar formas exteriores, mundanas.
Basta imaginarmos o significado do que o olhar profético do apocaliptista enxerga na cristandade, como ela se prepara em Roma, mas como, no momento em que a própria romanidade se declara a favor da cristandade de uma maneira evidente, a cristandade adota realmente as antigas formas romanas. Este é propriamente o aspecto que se nos apresenta: por um lado, vemos a luta espiritual entre Ário e Atanásio e, por outro lado, vemos a Roma antiga convertendo-se para a cristandade. Mas enquanto a cristandade migra para o Leste ela adota a forma que permaneceu na própria Roma, a configuração estatal romana, e também se torna a continuidade da antiga Roma em sua atuação exterior.
E então nós estamos, em primeiro lugar, o conceito de determinadas coisas que deveremos explicar espiritualmente de um modo ainda mais profundo, olhando para a parte histórica. Sim, esta parte histórica é prevista pelo apocaliptista de uma maneira grande e portentosa. Ele chama a atenção – isto é, ele não o expressa claramente, mas ele o guarda em seu sentimento e isto é colocado na composição da sua escritura – ele faz atentar para o modo como o crescimento daquilo que acontecerá dentro da humanidade, interiormente, e dentro da história, exteriormente, necessita de 333 anos após o Mistério do Gólgota, e como então sobrevém um aparente desenvolvimento da cristandade. A romanidade cristã desarraigada, tendo ido para o Leste, com a cristandade romana adaptando-se às formas romanas – como este é o solo sobre o qual se prepara tudo aquilo que, por sua vez, dura 333 anos, até o ano de 666. (figura 5)
E se, em sua alma, os senhores se recordarem, meus caros amigos, daquilo que debatemos ontem a respeito de se aprofundarem no número junto a um ser humano como o apocaliptista, inspirado nos antigos mistérios, se os senhores tomarem isto então poderão dizer: Este apocaliptista contempla os 333 anos posteriores onde a cristandade estará em certa outra inflorescência exterior e ilusória, onde, porém ela deve se desenvolver para dois lados, envolta em uma neblina, turva, conduzida na direção do Leste no tempo de Constantino, e conservando as coisas antigas como algo arimânico. Ali se prepara no seio do desenvolvimento algo que havia permanecido da antiga romanidade pós-cristã.
Em que consiste essa romanidade pré-cristã? Ora, contemplemos os mistérios, pois assim descobriremos que nos maiores mistérios, nos mais desenvolvidos, em toda parte, a tricotomia, a santa trindade, tinha um profundo significado e agora queremos examinar uma vez como era a concepção disto. Então se examinava o ser humano do modo como ele nasce no decurso do fluxo hereditário físico, o ser humano do modo como ele eventualmente era imaginado no seio da ordem do mundo da doutrina hebraica oculta. Imaginava-se o ser humano com suas capacidades e propriedades, as quais ele havia trazido consigo mediante a hereditariedade, através da tribo. Imaginava-se a vida do ser humano, digamos, como um desenvolvimento retilíneo, no qual nada interfere senão aquilo que é causado pelos impulsos da hereditariedade. Vocês descendem dos poderes físicos dos pais, vocês também carregam os impulsos espirituais dos pais físicos dominando em vocês – assim era, mais ou menos, a doutrina dos patriarcas nos antigos mistérios. E a coisa ficava nessa doutrina, digamos, por exemplo, na doutrina hebraica oculta, mas também em outras doutrinas ocultas.
Aos mistérios que devem ser descritos como sendo os mais elevados, acrescentava-se, contudo, algo mais. Nestes mistérios falava-se de como o ser humano, ao carregar dentro de si os impulsos da hereditariedade, desenvolvendo-se com eles, ele pode, então, porém durante sua existência física entre o nascimento e a morte, acolher outro impulso, aquele impulso pelo qual ele pode se destacar, pelo qual ele pode achar animicamente uma saída das condições hereditárias: o impulso do Filho, o impulso do Cristo.
Dizia-se: os impulsos da hereditariedade estão colocados no ser humano e formam uma evolução retilínea entre seu nascimento e sua morte. Eles são do Pai, do Pai que é a base de tudo. No entanto, os impulsos do Filho não entram nas forças da hereditariedade, eles devem ser acolhidos na alma e elaborados pela alma, eles devem poder ampliar a alma de tal modo a ponto desta liberar-se de forças corpóreas, livre das forças da hereditariedade.
Os impulsos do Filho penetram na liberdade do ser humano – do modo como esta era entendida naqueles tempos -, elas penetram na liberdade da alma, lá onde esta está livre das forças da hereditariedade. São elas que fazem o ser humano renascer animicamente. São elas que capacitam o ser humano a tomar em suas próprias mãos durante a vida que lhes foi dada pelo Pai (?). Assim se via em todos aqueles antigos mistérios o Pai-ser humano e o ser humano que é o Filho do Pai, é o irmão do Cristo, que toma a si próprio em suas mãos, que acolhe em si mesmo aquilo que em certo contexto está livre do corpo e que deve carregar um novo reino dentro de si, o qual nada sabe da natureza, o qual constitui uma ordem diferente da natureza: o reino do espírito.
Se falássemos agora do Deus-Pai, seríamos autorizados – conquanto não da maneira materialista exterior de hoje, porém mais semelhante à doutrina hebraica – a falar em toda parte de atuações da natureza que são, simultaneamente, atuações espirituais, pois as atuações da natureza contêm atuações espirituais em toda parte. Nossa ciência natural, do modo como surgiu há algum tempo, e do modo como ela atua hoje em dia, na verdade, é apenas uma ciência unilateral do Pai. A isto deve ser acrescentada a ciência do Filho, do Cristo, aquela ciência que se refere àquilo, como o próprio ser humano aprende, como o ser humano obtém um impulso que ele só pode acolher pela alma e que não procede das forças hereditárias. Que o ser humano impregne a sua vida com isso é, em primeiro lugar, sem regularidade, sem força nem efetividade regulares. A efetividade é introduzida nele pelo espírito, de maneira que nós temos dois reinos no sentido dos antigos mistérios: o reino da natureza, portanto, o reino do Pai, e o reino do espírito; e o ser humano é transportado do reino da natureza para dentro do reino do espírito pelo Filho, por Cristo.
Quando nos tornamos bem conscientes de como tais modos de ver ainda dominavam o apocaliptista, e também em toda a sua época mandavam nas almas em seu interior, então se torna possível para nós penetrar com o olhar a sua alma profética que conseguia abranger com o olhar o futuro em grandes traços e compreender o modo como ele via o que se derrama no ano de 666, em duas direções, sobre um cristianismo decaído em aparente cristandade.
Então o seu olhar profético se dirigiu para uma doutrina que, naquele tempo, surge no Leste – por volta de 666 – e a qual retrocede para aquela entidade dos mistérios que nada sabe do Filho: a doutrina maometana. A doutrina maometana não conhece essa estrutura do mundo da qual lhes falei, não conhece os dois reinos, o reino do Pai e o reino do espírito, ela conhece apenas o Pai. Ela conhece apenas a rígida doutrina: há apenas um Deus, Alá, e não há nada ao lado dele, e Maomé é o seu profeta. A partir desse ponto de vista, a doutrina maometana é a mais forte polaridade da cristandade, pois ela tem a vontade de afastar toda liberdade para todo o futuro, a vontade para o determinismo, como não pode ser diferente quando se representa o mundo apenas no sentido do Deus-Pai.
E o apocaliptista percebe: ali o ser humano não consegue encontrar-se a si mesmo. Ali o ser humano não consegue ser trans-cristianizado. Ali o ser humano não consegue captar em si seu humanismo quando apenas compreende essa antiga doutrina do Pai. – E, para uma cosmovisão tão interior, rígida e fechada, a configuração humana exterior se torna aparente. Pois o ser humano apenas se torna ser humano por compreender a si mesmo ao tornar vivo o Cristo dentro de si. Ele só se torna ser humano por inserir-se no reino do espírito totalmente livre da natureza, ao inserir-se na ordem do espírito. E ele não se torna um ser humano quando recua para o modo de ver que conta apenas com o Pai.
Todavia, isso ameaça a humanidade – isto é o que diz, no fundo, o apocaliptista -, que a humanidade, depois de haver feito penetrar o Eu no ser humano, desde o ano de 333, ela será desencaminhada na impregnação deste Eu com o Deus do Sol, com o Cristo. Aí algo se ergue, após um espaço de tempo desde o Mistério do Gólgota, ali se ergue algo que ameaçava manter o ser humano no estágio da animalidade. 666 é o número do animal.
De maneira decisiva o apocaliptista previu interiormente o que ameaçava o ser humano. O cristianismo descairá em duas direções, em um cristianismo aparente – ou melhor, entrará em um cristianismo envolto em uma neblina; e aquilo que o ameaça como sendo submerso é descrito pelo ano de 666, o qual no mundo espiritual era o ano mais importante, onde ingressa em toda parte o que vive no arabismo e no maometanismo. Esse ano de 666 é assinalado com toda clareza. Aqueles que sabem ler apocalipticamente entendem isso. O apocaliptista previu o que poderia causar aquilo que irrompe ali, ao descrever com uma poderosa palavra o número 666 como sendo o número do animal.
No fundo ele prevê de maneira apocalíptica, tudo que se seguirá: seguir-se-á a inundação do arabismo para o lado da Europa e seguir-se-á a impregnação do cristianismo com uma doutrina que só poderia levar o ser humano a desconhecer-se em sua humanidade, ao ter sido transformada a doutrina do Pai através do materialismo, o qual levou à concepção dos tempos modernos, de que se poderia explicar a evolução do ser humano, bastando que se siga apenas o desenvolvimento da série de animais até subir ao ser humano.
Não foi assim no darwinismo, ao subir o número do animal, 666, que o ser humano não conseguiu mais entender-se como o ser humano, porém conseguiu entender-se como uma espécie de animal superior? Nós vemos na impregnação do cristianismo pela forma materialista da doutrina do Pai, resistências arimânicas contra a atuação do Deus Filho? Isso não atua ainda até para dentro do nosso tempo? Muitas vezes eu tive de dizer: Tome-se da literatura teológica mais recente, algo como “A Essência do Cristianismo” de Harnack; em qualquer parte deste livro os senhores podem, onde quer que esteja o nome de Cristo, colocar o nome do Pai em seu lugar, pois ”A Essência do Cristianismo” de Harnack é apenas uma doutrina do Deus-Pai e não uma doutrina concreta do Cristo. É mais uma renegação da doutrina do Cristo, pois o Deus-Pai geral está colocado em lugar do Cristo, sem que também fosse ressaltado nada de tudo que é a Cristologia.
O apocaliptista vê aproximar-se esse tempo. E ao vê-lo aproximar-se ele já vê nisto, no fundo, segundo a essência, aquilo que – eu desejaria dizê-lo com uma expressão humana que não cobre exatamente o espiritual, porém não existe outra -, aquilo que se deposita na sua alma: a dificuldade com a transubstanciação. Meus caros amigos, os senhores mesmo sabem como suas almas lutaram com a dificuldade da transubstanciação quando aquele movimento para a renovação cristã foi inaugurado, e quanto ainda hoje se continua a lutar, entre os senhores, com as dificuldades na percepção da transubstanciação. Podemos pensar em algumas aulas com o debate que tivemos lá fora naquela sala, a partir das quais teve início o incêndio do Goetheanum, exatamente aulas a respeito da transubstanciação. Pois na transubstanciação está contida, na verdade, toda a questão: Filho e Pai. E desejar-se-ia dizer: na querela da transubstanciação, no modo como ela foi ressaltada na Idade Média, também se situa algo daquela opressão que a humanidade viu na querela entre o arianismo e o atanazianismo.
Na transubstanciação trata-se de que ela de fato só pode ter um significado quando se fundamenta em uma verdadeira concepção que corresponda ao espiritual da Cristologia, da maneira como o Cristo está ligado à humanidade e à Terra. Mas mediante a irrupção do arianismo, a doutrina da transubstanciação sempre ficou exposta à proximidade da doutrina do Pai, à proximidade de que algo como a metamorfose que se realiza com as substâncias levadas em consideração para a transubstanciação, deve ser colocado na série dos processos da natureza, no espiritual dos processos da natureza.
Todas as questões que se apoiam na Última Ceia emergem, na verdade, do fato de se dizer: Como pode aquilo que se realiza na transubstanciação, ser compreendido para se poder uni-la àquilo que se tem na atuação do Pai na evolução e na atuação do espírito nas leis da natureza? Não é a questão do milagre que se leva em consideração nisso, porém é a questão do sacramentalismo que se estende a algo bem diferente da questão trivial do milagre que, na verdade, no século 19 e já no século 18, criou tantas dificuldades especiais aos seres humanos. Deve ser considerado aquilo que de fato deve ser pensado no mundo, a ordem do Pai e a ordem do Espírito; e entre eles está situado o Filho que eleva o reino da natureza no reino do Espírito, dentro do mundo dos seres humanos. Quando colocamos isso diante da nossa alma, então a transubstanciação nos aparece de fato como algo que absolutamente não devemos ver na vasta ordem do mundo, mas que nem por isso deixa de estar provida de uma realidade, da qual se possa falar igualmente como sendo da realidade da ordem da natureza.
No entanto, o apocaliptista também previu quão difícil se tornaria para a humanidade – uma vez que o número 666 interfere na evolução humana com tanta violência -, quão difícil se tornaria para o ser humano dizer: ao lado da ordem da natureza há ainda esta outra ordem, a ordem espiritual.
Pois aqui vem algo agora – dir-se-ia como a mais moderna salvação -, que a partir da antroposofia pode lançar luz, justamente, sobre algo como a transubstanciação. Porquanto, mediante a antroposofia tornamos vivo novamente o modo como o ser humano vive sucessivas vidas terrestres, e o modo como, ao situar-se em seu fazer dentro do mundo físico exterior, também tem os impulsos dispostos na linha da hereditariedade, isto é, o modo como, com a hereditariedade, ele está relacionado com a força do Pai. Muita coisa depende do destino, bastando considerá-la exteriormente, muita coisa que está relacionada com essas forças hereditárias e que acontece a partir das forças do Pai, ocultas na natureza. No entanto, o ser humano ao agir de tal maneira a introduzir o espírito em seu fazer, em sua corporalidade física, que ele tiver antes adquirido na atual existência, interfere continuamente tudo aquilo que, como resultado, provém de vidas terrestres anteriores.
Isso também atua nele, essas forças também se situam na base da sua ação.
Contemplem uma ação humana. Ela pode ser vista por dois aspectos: pelo aspecto do ser humano que nasceu do pai, da mãe, do avô, da avó, e assim por diante; mas contemple-se a ação também pelo outro aspecto – aí atuam nela as forças que são consequência de vidas terrenas anteriores. Aí temos uma ordem totalmente diferente e, por isso, elas também não podem ser entendidas por qualquer ciência natural, isto é, pela ciência do Pai.
Existe uma possibilidade de contemplar duas coisas que, em essência, são a mesma coisa, embora também sejam acidentalmente diferentes. Nós contemplamos, por um lado, a maneira como o carma se desenvolve a partir do ser humano, o carma ou o destino, como resultado de vidas terrenas anteriores; aí temos uma regularidade que absolutamente não é uma regularidade natural, embora, contudo, exista. E contemplemos agora o altar, pois assim vemos como a transubstanciação também não é visível exteriormente, e como ela é executada em substâncias físicas, como realidade espiritual. Nisto dominam as mesmas leis. Podemos ajuntar duas coisas: a maneira como atua o carma e a maneira como é efetuada a transubstanciação. Aquele que entende uma delas também entende a outra.
Esse é um dos mistérios que os senhores, meus caros amigos, devem compreender no novo clero. Esse é um dos mistérios sob cuja luz esta comunidade clerical deve desenvolver-se a partir da antroposofia. Essa é uma das razões interiores para isso.
Todavia, com isso se aponta, simultaneamente, para a enorme dificuldade que existiu para a concepção da transubstanciação por não se poder absolutamente entender tal regularidade do modo como ela se apresenta inicialmente no carma humano e o modo como ela fundamenta a transubstanciação. Naquele ano em que o Eu ingressou no ser humano, em que lhe deixou alcançar a liberdade no corpo físico, naquele ano de 333, no qual, por um lado, a cristandade teve de fugir para o Leste e, por outro lado, refugiar-se no antigo romanismo – que nunca podia ser totalmente cristão -, aquele ano de 333 não trouxe apenas o ingresso do Eu, porém também projetou uma sombra, uma escuridão, precisou lançá-las sobre as conexões entre as diversas vidas terrenas. Isso se situa, na verdade, na evolução da humanidade.
Se naquele tempo o Eu não tivesse ingressado no ser humano, o que teria acontecido? Juliano, o apóstata, – a quem não se deveria chamar propriamente de apóstata com relação aos antigos mistérios, porém de confessor -, Juliano, o apóstata, teria vencido. Com a doutrina dos antigos mistérios que ele queria estabelecer, poderia ter acontecido que o Eu, que ingressou a partir de um universo espiritual, seria acolhido pela humanidade de tal maneira que com isto também se teria compreendido a doutrina do carma. Naturalmente, isto é apenas uma hipótese. Queremos apenas esclarecer o que poderia ter acontecido. Entretanto, a humanidade precisou apenas transpor, primeiramente, trincheiras mais fortes e não podia adentrar de maneira tão fácil a compreensão da cristandade, como seria o caso se Juliano, o apóstata, tivesse vencido.
Dessa maneira, a humanidade foi exposta ao surgimento do animal, às consequências, aos resultados do número 666. Como eu disse, queremos debater isto mais interiormente nos próximos dias. Assim foi subtraída à humanidade a doutrina do carma e a doutrina da substanciação foi colocada na humanidade, porém de tal maneira que ela não tinha nada de análogo na cosmovisão exterior, pois o análogo para a compreensão da doutrina da transubstanciação é a compreensão da doutrina do carma. A força pela qual o destino de um ser humano em vidas sucessivas é “exercido”, não é uma força da natureza, não é uma força do Pai – é uma força do espírito por intermédio do Filho. E a força que atua no altar na transmutação do Santíssimo é a mesma.
Devemos inscrever isso profundamente na alma para poder compreendê-lo corretamente. Quando conseguimos soerguer nossa alma, nossa índole, para os impulsos espirituais que atuam de vida terrena para vida terrena, então também compreendemos aquilo que acontece no altar na transubstanciação. Pois lá não é diferente.
Quando a compreensão comum contempla o Santíssimo ela também não vê nada do que realmente acontece, da mesma maneira como também não se vê nada do que acontece no destino do ser humano daquilo que realmente acontece quando se contempla apenas o que se passa no sentido material a partir das forças dos seus músculos e do seu sangue – não falo das forças espirituais que atuam nos músculos e no sangue -, portanto, a partir do que se situa no fluxo da hereditariedade.
Vejam, meus caros amigos! Essas são as conexões sem cuja compreensão também não é possível uma verdadeira compreensão do Apocalipse e do apocaliptista. Os impulsos que podemos ler muito claramente no Apocalipse levam diretamente para dentro da atualidade.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 11 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 10 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – sexta conferência
Quando alguém era iniciado nos antigos mistérios, então a primeira coisa que ele devia experimentar consistia em ser dirigido o seu sentido, toda a sua constituição anímica humana para o significado do ciclo do desenvolvimento cultural do mundo, transcorrido no número sete. E nós vemos claramente como no Apocalipse continua a atuar aquilo que resulta justamente do princípio da iniciação dos antigos mistérios. O Apocalipse tem esse número sete das mais variadas maneiras, tanto em sua articulação, em sua composição, como também em seu conteúdo. Ora, trata-se de que naquele tempo, o que foi ligado com esse número sete, não lhe foi ligado de maneira exterior, do modo como costumamos imaginar hoje em dia, porém iniciava-se, sobretudo, a respectiva pessoa no atuar e no urdir dos números.
No entanto, aqui eu desejaria, meus caros amigos, fazê-los atentar para algo que eu expliquei lá fora em outro contexto totalmente diferente, no curso sobre a ciência da fala. Lá eu precisava explicar como é possível uma experiência no som*, todavia, explicar o modo como efetivamente a humanidade perdeu hoje a experiência no som. Basta os senhores colocarem uma vez diante da alma a maneira como no som são dados elementos da palavra sendo configurada e vindo-a-ser, e como mediante a vivência destes sons pode ser configurado o mais variado, isto é, o mais maravilhoso conteúdo do universo, pela combinação dos cerca de 32 elementos do som. Transportem-se uma vez para um daqueles tempos – e houve tempos onde isto ainda era uma realidade para a humanidade -, transportem-se para um tempo que existia muito animadamente naqueles sons e se sentia vivamente a maravilha contida neles por poderem configurar um mundo a partir da vivência desses 32 elementos do som. Sentia-se realmente na configuração da fala, na configuração formativa da palavra, o ter de algo espiritual, com o qual se convive ao falar. Vivenciava-se o fato de que os deuses vivem nos sons.
*”Laute”: som, tom, letra, teor. (N.T.)
Ao tomarem desses 32 sons, os senhores poderão calcular facilmente como uns 24 deles chegam a ser consoantes e uns 7 a ser vogais – naturalmente estas coisas sempre são aproximadas – e agora, no sentido do início do Evangelho de João “no princípio era o Verbo”, os senhores podem esclarecer esta imagem, a qual também pode ser pensada como uma imagem apocalíptica: o Alfa e o Ômega estão envoltos por sete anjos – as vogais – e as consoantes pelos 24 anciãos. E assim também se tinha a sensação de que o enigma do universo vivia e urdia inteiramente nisto – como o significado que já expus – e que se entonava na santa fala do culto. E se sentia na celebração do culto a poderosa presença daquilo que, do conteúdo universal, estava nessa imagem simbólica.
Acima de tudo é necessário que a humanidade sinta onde, justamente, foram procurados os deuses da sabedoria dos mistérios. Eles não foram procurados em algo tão longínquo, tão transcendental como isso é imaginado hoje. Sua corporificação foi procurada em algo como os sons; e quando se falou da “palavra universal”, falou-se, justamente, daquilo que realmente perpassa o mundo e de que o ser humano participa com a sua fala.
O mesmo se dá com os números. Ora, hoje nós temos uma representação totalmente abstrata dos números, comparada com o modo do representar que ainda reina no Apocalipse. Pois, vejam! Ao retrocedermos aos primeiros séculos cristãos, descobrimos que naquele tempo existia certa compreensão para com algo como o Apocalipse junto a alguns seres humanos, porque o enigma do número ainda era sentido, porque ainda se vivenciava aquela relação peculiar na articulação de uma série de números. Absolutamente não se tomava desta maneira como a de hoje a série de números, como um encaixar de um ao um, sequencialmente, porém se vivenciava o que se encontra no três, no quatro; vivenciava-se o ser embutido no três, o ser aberto no quatro, o cinco com afinidade para com o ser humano. No próprio número sentia-se uma divindade, como a divindade que se encontrava nas letras e nas vogais.
E quando o ser humano, nos antigos mistérios, chegava ao ponto de ser iniciado nesse enigma dos números, então se tornava sua obrigação pensar, sentir e perceber no curso destes enigmas numéricos. Pensem em o que é dado com isto. Na música temos sete sons. A oitava, o oitavo é como o primeiro. No arco-íris temos sete cores. Em outras coisas da natureza também temos o número sete. Imaginemos, meus caros amigos, que ocorresse à natureza encontrar outra sequência das cores no arco-íris; todo o universo implodiria. Ou que se fizesse outra divisão da escala tonal – a música se tornaria insuportável.
Que também há uma verdadeira regularidade na entidade anímica humana, como no próprio curso da natureza, para isto era orientado aquele que seria iniciado e que ele doravante, após uma iniciação, não deverá mais lançar de lá para cá, arbitrariamente, os seus pensamentos, porém é obrigado a pensar no número, a vivenciar interiormente o enigma dos números, da maneira como ele tece e vive em todos os seres e processos e da maneira como o número vive na natureza.
No entanto, o Apocalipse ainda foi produzido em uma época na qual tal colocação do ser humano no enigma cósmico do número sete, ou do número doze, ou do número vinte e quatro, ou do três, tinha uma validade absoluta. Desde o início do nosso período da alma da consciência, portanto, desde o primeiro terço do século 15, passa a valer novamente aquilo que era estritamente válido referente ao do número sete e, aos poucos, aparecem desarranjos no número sete. Não estamos mais na feliz situação de vivenciar uma evolução de tal modo que ela transcorra no número sete. Já estamos naquele estágio evolutivo da Terra onde, diante dos enigmas numéricos, começa uma irregularidade, de tal forma que para nós os enigmas numéricos adquiriram um novo significado.
Quando construímos para nós nos enigmas numéricos, do modo como vivem em um documento como o Apocalipse, então para nós é como se, mediante este vivenciar-se em uma matéria como o Apocalipse, nos tornássemos também capazes de acolher com nossos sentidos aquilo que sempre e cada vez mais transcorre por fora dos enigmas numéricos. E assim podemos dizer que vivemos, de certa maneira, por fora dos enigmas numéricos. No entanto, devemos apropriar-nos deles para então empregá-los nas formas do modo como doravante corresponde ao acontecer sobre a Terra e do modo como devem ser tratados pelo clero no âmbito religioso.
Ao pressupor isto eu ainda posso falar agora até mesmo a respeito de certos fenômenos como se transcorressem inteiramente em enigmas numéricos, pois em certo sentido o acontecer mundial só poderia surgir lentamente de dentro dos enigmas numéricos e penetrar certamente de modo a não transcorrer no número à maneira do acontecer mundial. Este era o modo de pensar nos antigos mistérios: de ver grandes ciclos transcorrerem no número sete e ver outros menores nos menores ciclos.
Dessa maneira, nós vimos nas sete comunidades, como, simultaneamente, se apresentavam como formações reais e concretas sobre a Terra, a continuidade das antigas culturas e o aparecimento dos novos períodos culturais, mas, por outro lado, também temos um ciclo menor que se aprende a conhecer, de certa maneira, mediante o Apocalipse. Agora vamos refletir, meus caros amigos, a respeito de como é esse ciclo menor.
Quando lançamos o olhar retrospectivo sobre o tempo no qual teve lugar o Mistério do Gólgota sobre a Terra, também encontramos em face do desenvolvimento espiritual do ser humano o domínio arcangélico de Orifiel, daquele arcanjo que obtém preferencialmente os seus impulsos das forças de Saturno (figura 4). Em seguida entramos no período que tem Anael como arcanjo regente, a seguir no período de Zacariel, depois no período do arcanjo Rafael, depois de Samael, de Gabriel e no atual, o período de Micael. Nós temos um primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo período, de modo que com relação a este ciclo menor inserido no nosso quinto ciclo grande, estamos no sétimo período. Vivemos no período do qual, se quiséssemos escrever com as formas atuais, deveríamos dizer: vivemos no período cinco/sete, no quinto espaço cultural pós-atlântico, no quinto grande ciclo do desenvolvimento humano, e com relação a outra articulação – as épocas das regências arcangélicas -, que se cruza com esta, vivemos no sétimo ciclo.
Um sétimo ciclo, meus caros amigos, significa um estado final. Ao atual precedeu o sexto ciclo, o ciclo de Gabriel. Em um sexto ciclo sempre se decide muita coisa: o fim é preparado. Mas o último ciclo que o precedeu ainda atua dentro desse sexto ciclo. O ciclo de Micael começou por volta de 1879, o ciclo de Gabriel por volta de 1471. Antes disto houve o ciclo de Samael, daquele arcanjo que recebe seus impulsos de Marte; este foi o quinto ciclo.
No ponto em que começa o quinto período pós-atlântico encontra-se na regência, justamente, o arcanjo do quinto ciclo menor. Mas ele já introduz e inaugura, ao longo dos três a quatro séculos precedentes, o início desse quinto ciclo pós-atlântico durante o quinto ciclo arcangélico. Portanto, o pequeno ciclo coincide com o início do grande ciclo. Mas isto não significa nada menos que: os grandes ciclos são realizados por espíritos das hierarquias do meio. A terceira hierarquia, à qual também pertencem os arcanjos, são os membros a serviço das hierarquias mais elevadas. Portanto, a lei do número atua de tal maneira que no início do quinto ciclo o quinto arcanjo coincide, por sua vez, em seu principal período de atividade, com os seres situados mais alto no número cinco de uma hierarquia mais elevada.
Há relativamente muito tempo não se tem falado dessas coisas, mas assim mesmo se falou por mais tempo no mundo, do que se costuma imaginar. Em tais locais como, por exemplo, a escola de Chartres já se falava desses enigmas no século 12. Naquele tempo ainda havia uma linguagem apocalíptica. Esta é sempre como se o universo fosse enxergado, digamos, em perspectiva, no aspecto numérico.
Quando Platão diz: Deus matematiza, Deus geometriza – então, com este geometrizar ou matematizar divinos, não se trata de nossa pouca e abstrata geometria ou matemática, porém daquela vivência profunda que os antigos tinham diante das formas e dos números. E, na verdade, hoje se escarnece disso, por parte do materialismo, mas em toda parte é visível que também na vida orgânica reina a lei do número sete. Basta procurar uma vez, com relação à existência da eclosão das borboletas e larvas ou à evolução de certas doenças – em todo lugar se encontrará, dominante, a lei do sete. Esclareceu-se aos iniciados que este número derivaria da natureza das coisas e com isto eles eram induzidos a ver como as coisas se situam no contexto do mundo.
Pois, como se pode notar, meus caros amigos, quando se diz: o arcanjo situado no número cinco começa o tempo da sua regência no quinto período pós-atlântico com forças oriundas das forças de Marte. Quando um período começa com as forças de Marte – isto já é até mesmo indicado na representação trivial -, então isto contém algo bélico.
Ao olharmos para os sucessivos períodos culturais, estes estão subdivididos por importantes acontecimentos. E quando olhamos retrospectivamente para o acontecimento importante que separa o período precedente, o atlântico, do atual, o período pós-atlântico, o qual está situado como quinto período em seu quinto cultural, então nós temos o “dilúvio” como limite entre os dois, a destruição da antiga Atlântida e o surgimento de novas partes do mundo. Vivemos no quinto período pós-atlântico e uma sexta e uma sétima se lhe seguirão.
A catástrofe que nos separa do próximo grande período que acontecerá – após o quinto, o sexto e o sétimo período -, ela não será apenas um acontecimento de natureza tão exterior como foi a era glacial e como foi tudo que está indicado pelas narrações do dilúvio, porém a separação do quinto período do sexto se mostrará mais como sendo no campo moral. Uma guerra de todos contra todos que eu já indiquei frequentemente, separará o quinto do sexto grande período terrestre, com uma grande catástrofe moral, todavia ligada a acontecimentos naturais, mas os acontecimentos naturais hão de regredir mais.
O quinto período cultural foi induzido por aquilo que vem de Marte através de Samael, o espírito de luta, enquanto elementos combativos eram baixados do mundo espiritual. E no início do período da alma da consciência também vemos em nosso ciclo menor, como o nosso quinto período contém algo em si do pré-significado, do pré-significado profético daquilo com que o grande período será encerrado, após terem sido seguidos o quinto, o sexto e o sétimo período cultural.
Após ouvirmos aquelas vozes que procedem do ser humano no divisor do século 14 para o século 15, as quais ainda sabiam algo sobre os processos enigmáticos que se situam atrás dos revelados, então, meus caros amigos, então nós encontramos, já naquele tempo, exatamente naquele tempo da regência marciana de Samael, indícios do fim da nossa grande era, embora consistam apenas de pequenas indicações. Quando se relaciona desse modo o número com o que acontece, então se penetra no pensar apocalíptico, então se aprende de certa maneira a ler o universo de modo apocalíptico e se descobrirá que inúmeros enigmas se nos revelam quando se aprende a considerar o mundo desse modo apocalíptico.
Agora ponderemos a respeito de como o nosso período se situa no pequeno ciclo de Micael e no quinto período cultural pós-atlântico, ou seja, na quinta idade terrestre. Pesquisemos o que isto significa. Vivemos na quinta grande idade terrestre, no período pós-atlântico. Esta quinta idade é aquela que desprendeu o ser humano, em certo sentido rigoroso, do mundo divino. Os seres humanos atlânticos ainda eram inteiramente feitos de tal maneira que se sentiam permeados por Deus e, na verdade, não como seres humanos isolados, porém como se estivessem revestidos pela divindade. A divindade existe, e não o ser humano isolado; assim se sentia o ser humano atlântico.
A nossa era existe em essência para colocar o ser humano sobre si mesmo, para soltá-lo da divindade e isto, na verdade, aconteceu ao longo de quatro períodos culturais, devagar e aos poucos. Isto aconteceu lentamente no período cultural proto-índico que ainda se podia sentir posteriormente nos mistérios de Éfeso. No período cultural proto-índico ele quase se sentia ainda inteiramente dentro da divindade. Ele se soltou grandemente no tempo situado ao redor do período proto-persa. Ele se distanciou e soltou no terceiro período, de tal maneira que já percebia a morte como que se aproximando de longe. No terceiro período cultural greco-romano a morte é percebida a ponto de proceder daquele tempo o conhecido ditado: “É melhor ser um mendigo no mundo, do que um rei no reino das sombras.”
Agora que o quinto período cultural pós-atlântico – como eu disse ontem -, foi eleito para ter aos poucos e cada vez mais a morte ao seu lado, necessitaremos de força moral para suportar essa permanente presença da morte. Assim é importante para nós que, justamente em nosso presente imediato coincidam, essa era em que irrompe a alma da consciência e com isto o permanente acompanhamento do ser humano pela morte, e o tempo da regência de Micael, daquela regência arcangélica que, em certo sentido, significa uma espécie de fim, uma espécie de meta de aperfeiçoamento, mas, simultaneamente, decadência e perfeição.
Micael, aquele espírito que viveu no Sol, que foi o mais importante servo do espírito de Cristo no Sol, ele experimentou isso no tempo do Mistério do Gólgota, pelo outro lado. A humanidade sobre a Terra experimentou o Mistério do Gólgota de tal modo que viu o Cristo chegar. Micael e os seus, que então ainda estavam no Sol, o vivenciaram de modo a se despedirem do Cristo.
Ora, meus caros amigos, é necessário que se deixe mesmo atuar sobre a alma ambos os pólos desse acontecimento cósmico que tudo domina: o Hosana sobre a Terra, a vinda do Cristo sobre a Terra e a despedida lá no alto do Sol, das multidões de Micael. Isto pertence a um todo.
Mas Micael vivenciou uma grande metamorfose exatamente em nossa era. O início da sua regência significa um seguir-O-Cristo para baixo sobre a Terra e no futuro significará um preceder as ações de Cristo sobre a Terra. Aprender-se-á novamente o que significa: Micael anda diante do Senhor. Como no Antigo Testamento – antes de Orifiel também houve um tempo de Micael -, os iniciados da Ásia falaram disso – que Micael anda diante de Javé, como o semblante, como a parte dianteira de um ser humano o precede, assim falavam de Micael como semblante de Javé, e assim nós devemos aprender a falar de Micael como sendo o semblante de Cristo. No entanto, agora é outra era. Certas coisas devem chegar à mais alta perfeição. Sim, de certa maneira, devemos aprender a tornar algo frutífero, algo que até agora ainda não podia ser frutífero.
Tomemos uma vez as sete comunidades do Apocalipse. Quando as repartimos – o que também é possível -, entre as regências dos arcanjos, e quando tomamos o primeiro período que era paralelo ao evento* do Cristo e ao surgimento da cristandade, e que ainda perdurava quando o Apocalipse foi redigido, então ele nos é representado pela comunidade de Éfeso. Segundo o Apocalipse nós também podemos ver nossa comunidade de Éfeso como sendo aquela que estava ligada ao Cristo no primeiro amor. Mas tudo isso é compreensível a partir do enigma do número.
*”Ereignis”: acontecimento, evento, ocorrência. (N.T.)
Em seguida a isso nós encontramos a era de Anael que extrai as suas forças de Vênus. Nesta era encontramos os grandes atos de amor que aconteciam em prol da expansão da cristandade, inúmeros atos de amor, especialmente aqueles que ainda vivem nos rastros dos monges irlandeses que divulgaram a cristandade na Europa. Mas também encontramos o amor na restante vida da cristandade como sendo preponderante sob essa regência de Anael.
Segue-se a regência de Zacariel, o qual retira suas forças de Júpiter, de preferência forças de sabedoria que, no entanto, só podiam ser pouco compreendidas naquela época. E em lugar de uma autêntica regência de Júpiter já começa então a se ocultar a regência arcangélica. De certa maneira, a humanidade não alcança mais a região de Júpiter e renega o espírito de Júpiter. O mais importante do desenvolvimento da humanidade, em primeiro lugar o que arrebata consigo o Concílio de Constantinopla que tratou de desfazer a tricotomia, isto cai naquele tempo.
Depois vem a época na qual entra em ação algo que é pouco levado em consideração. Ao terminar a época de Zacariel a humanidade, no fundo, está doente em sua alma. A humanidade está muito doente e materiais doentios se expandem do Leste para o Oeste, terríveis materiais doentios que se tornam perigosos para a cristandade porque procedem do materialismo, pois foi este que penetrou na cristandade; e por ter sido encerrado o período da sabedoria de Júpiter, foi possível ao materialismo fazer-se valer dentro da cultura cristã.
Entretanto, atrás de todo isso se situa algo extraordinário que se apresenta na Terra apenas como projeção. Atrás de tudo isso que foi deixado para trás como algo doentio, se situa algo extraordinário na época que se segue à de Zacariel, desde o século 10, 11, a época de Gabriel, do médico entre os arcanjos. Foi a época em que, atrás dos bastidores da história mundial se curou, não manifesta na parte exterior, mas muito na parte interior, em especial muito foi curado* com relação à salvação de certas qualidades que então iriam sucumbir. Contrariando aquilo que foi trazido para a Europa pelo maometanismo como materiais doentios, foi evocado em outra forma aquilo que, permeado pelo princípio crístico, devia proceder do Oriente. Deve-se procurar, atrás das cruzadas, a vontade – e, em princípio, reside aí a origem das cruzadas -, de curar a humanidade, de curá-la do materialismo que ameaçava, tanto pelo lado do maometanismo quanto pelo lado do catolicismo romano. E Rafael, o médico entre os arcanjos, no fundo, é o inspirador daqueles que em primeiro lugar prepararam a humanidade para procurar aquele Oriente para o qual as cruzadas se dirigiram.
*Fisicamente, as pestes grassaram na Europa por causa do abate indiscriminado de florestas, na mesma época. (N.T.)
Contudo, ali nos situamos, meus caros amigos, no quarto ciclo menor, dentro da quarta época pós-atlântica que acabou de terminar, dentro do quarto período maior, o período greco-latino. Mas este quarto período maior foi escolhido para incluir em si o Mistério do Gólgota. O quarto ciclo menor, o ciclo de Rafael, tem íntima afinidade com toda a estrutura básica do quarto maior. Pois nós vemos como o arcanjo Rafael, ao inspirar os seres humanos para as cruzadas, para o poderoso desfraldar do seu olhar para além, no Oriente, para encontrar o mistério de Cristo no Oriente, vemos como Rafael se encarrega dos impulsos de Cristo, como, de certo modo, paira uma atmosfera de espécie espiritual sobre o solo terrestre, sobre tudo que acontece. Aqueles que naquele tempo apenas conseguiam contemplar um pouco, atrás dos bastidores do acontecer exterior, realmente estavam separados apenas por uma pequena teia de aranha do mundo espiritual que lhe era diretamente contíguo, assim como nós também estávamos separados disto apenas por uma pequena teia de aranha, quando, no último terço do século 19, Micael se tornou visivelmente atuante sobre a Terra.
Naquela época de Rafael viviam eminentes espíritos, aos quais pertenciam, por exemplo, Joachim Von Floris e Alanus ab Insulis. Eles enxergavam atrás dos bastidores do que acontecia exteriormente, o processo de curada humanidade*. Este era o pano de fundo para a época do espiritual substancialmente enfermo, o que também é testemunhado por se haver começado nessa época muito particularmente a compreender o Evangelho de Lucas, o evangelho da cura. Assim se descobre, quando se contempla o tempo segundo o enigma do número, coisas importantes para a compreensão do significado dos acontecimentos.
*Aqui novamente, pelo lado material, as especiarias tropicais vindas do Oriente e do Sul, preveniam as epidemias de peste. (N.T.)
Seguiu-se a época de Samael, o qual recebe os seus impulsos básicos da morte. Forças belicosas têm início, elas são inoculadas na humanidade. O cinco entra em oposição ao quatro. Este sempre é o aspecto peculiar na passagem do quatro para o cinco, que o cinco sempre se opõe ao quatro. Voltemos aos antigos mistérios, nos quais, por muito tempo os discípulos, os adeptos eram iniciados no enigma dos números, e então descobrimos ali em certo tempo, como estes discípulos saem do seu aprendizado com uma determinada convicção que eles envolviam nestas palavras: Agora eu conheço o número do mal, que é o número cinco. – Em toda parte do universo onde domina o número cinco, segundo o enigma dos números, temos de tratar com o mundo do mal; ele se apóia no quatro e grandes fenômenos se seguem, os quais se dirigem para cima, para o seis, para o bem ou para o mal.
Todavia, quando justamente isto leva sempre e cada vez mais para o concreto, para a sabedoria do coração e da alma humanas, disto trataremos amanhã. Eu queria lhes mostrar a maneira como se pode entrar no fio do número, na consideração dos acontecimentos.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 10 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
“O quão você verdadeiramente se importa com o próximo?”
Esse ponto é o que pesa na perspectiva de desenvolvimento da consciência humana da Antroposofia. E ele não é baseado em uma concepção pessoal conveniente, mas no sentido espiritual do Impulso Crístico.
PANDEMIA: UMA PERSPECTIVA DO CARMA E DA MORALIDADE
Para termos uma maior clareza do contexto que vivenciamos atualmente, principalmente se quisermos sair da perspectiva da polarização política atual – sim, por incrível que possa parecer, as perspectivas e justificativas tradicionais da crise sanitária e econômica do país se divide a grosso modo entre a duas vertentes principais vinculadas aos espectros políticos de apoiadores do governo e a de opositores – vamos mergulhar em âmbitos trazidos pela perspectiva da Antroposofia como: liberdade, moralidade, consciência individual e social, carma individual e coletivo, indiferença e impulsos de amor, respeito, empatia superior (amor ao próximo) e sua própria perspectiva de desenvolvimento da consciência humana.
Para isso, vamos precisar fazer o exercício de tentar adentrar ao elemento vivo das palavras, um dos desafios apontados por Steiner para a atual Época do desenvolvimento da quinta raça pós-atlântica, a reconexão com o princípio espiritual das palavras, para não utilizarmos um sentido banalizado e conveniente para reafirmação de minhas próprias ideias, característica da atual época ahrimânica.
Tentaremos observar de duas perspectivas:
1- A perspectiva individual dentro da liberdade, moralidade, consciência e carma.
2 – A perspectiva coletiva, que é a manifestação no coletivo que transcende a individualidade, que é definido pelo coletivo das consciências em seus devidos pesos e pela atuação de forças espirituais de hierarquias maiores, inclusive da própria natureza.
Em relação à pandemia, no âmbito individual, não existe uma concepção de risco padronizada, ou seja, as pessoas não estão medindo o risco da mesma forma, nem mesmo dentro dos espectros políticos polares. Obviamente, é perceptível que, a grosso modo, os apoiadores do governo minimizam a gravidade do situação, inclusive por parte dos principais membros do próprio governo – como o presidente, o Ministro da Saúde entre outras autoridades, e do outro lado os opositores tem a concepção oposta e brigam por uma atuação mais veemente diante do caos sanitário e sua já protelada iminência pelo governo.
Aqui, obviamente, devemos ponderar que a concepção de risco é algo pessoal, e impossível de se imputar ao indivíduo, então partimos para a concepção moral. A pessoa deve sim ter a liberdade de pesar os riscos e decidir pela sua própria atuação, porém até o âmbito do espectro exclusivamente individual, pois além deste espectro surge a responsabilidade social, onde delimita-se agora uma perspectiva moral.
Aqui temos, de uma perspectiva antroposófica, o caminho de evolução da comunidade humana entre os espectros do egoísmo e do altruísmo.
No egoísmo: onde o indivíduo pode pensar somente no meu bem-estar e autoafirmação egoísta da liberdade de ação e ideias – digo onde o espectro da liberdade de ação tem efeitos diretos no âmbito social, ou seja, transcende o âmbito individual e tem efeitos no coletivo, neste caso, negativos. Este é um reflexo da moralidade individual – no caso, imoralidade.
No altruísmo: o indivíduo pondera o limite de sua liberdade até o âmbito da individualidade, onde os efeitos das suas ações não transcendem o espectro pessoal em possíveis efeitos negativos, apenas no que pode e deve ser positivo conscientemente: “As minhas ações e decisões são boas para mim, para o próximo e para o mundo?”. Naquilo que é do espectro exclusivamente pessoal, eu tenho plena liberdade. Aqui temos outro espectro da moralidade individual.
É válido observar que estes dois espectros da moralidade – do egoísmo e do altruísmo – transcendem a posição pessoal na polarização política pois observamos, por exemplo, apoiadores do governo lutando para não usar máscaras e opositores aglomerados em festas e praia mesmo sabendo que estão colocando terceiros em risco. Num, a inconsciência ou concepção própria do nível de risco, tem efeitos em terceiros e no outro, a necessidade de auto-satisfação egoísta – como liberdade de me divertir – transcende o espectro pessoal de risco. Ou, seja, em ambos os casos coloco outros em risco por egoísmo – muitos são obrigados a se expor pela necessidade de estar trabalhando e gerando capital para auto sustento, como garçons, ambulantes nas praias, funcionários de estabelecimentos, professores (no caso de abertura presencial das escolas e etc…).
Aqui ainda temos o aspecto da inconsciência da situação onde, em determinados grupos, são disseminadas informações falsas distorcendo a noção pessoal de gravidade da situação, aumentando o impacto negativo social.
Outro aspecto relevante é o da indiferença. Esse é um dos pontos mais alertados por Steiner para a atual época e que tem relação direta com a evolução da consciência humana. Steiner alertou sobre a influência de Ahriman nas forças do coração humano e isso teria influência direta no princípio da indiferença ao sofrimento alheio. Não vou adentrar sobre a influência de Ahriman, porém é perceptiva a indiferença com o sofrimento das famílias, com a banalização da vida humana, principalmente daqueles que estão fora do meu espectro social e da minha pequena família, que se tornam apenas números.
A Antroposofia traz o perspectivas de duas correntes da humanidade para o futuro, a humanidade superior e a sub-humana. A humanidade superior é aquele que possui a semente da empatia superior, que verdadeiramente se importa com o próximo e acata o sofrimento do outro como seu próprio. Na humanidade sub-humana o que movimenta é a auto-satisfação movida por impulsos inferiores, principalmente do âmbito da Alma das Sensações. Novamente a grosso modo: a humanidade altruísta e a humanidade egoísta.
Ainda temos o aspecto do carma coletivo e individual: as decisões individuais geram carma individual, independente das decisões se basearem em ilusões, falsas simetrias e análises, ou mesmo inconsciência com boa intenção- o carma é um veículo de consciência.
Já no aspecto coletivo, o contexto acaba transcendendo o espectro pessoal, por exemplo a própria pandemia é uma carma coletivo, pois todos estamos, dentro de nossas próprias perspectivas e contextos, mergulhados dentro dela. Ele geralmente tem um aspecto superior, espiritual, que se manifesta como veículo de transformação do âmbito coletivo ao qual estamos vinculados. Ele se metamorfoseia no caminho até o próprio indivíduo, por exemplo:
– A pandemia é mundial – como reflexo de uma manifestação global.
– Os efeitos no Brasil sofre efeitos diretamente ligadas à Alma brasileira e seu próprio caminho de evolução, que tem impacto na vida de todos os brasileiros – tem influência da cultura, estrutura social local, consciência dos brasileiros como nação e comunidade e etc…(por exemplo, a condução governamental que se reflete na melhor ou pior situação do país diante do caos sanitário e econômico é fruto da própria nação)
– Os efeitos locais, como em Manaus por exemplo, caminhando até os efeitos na pequena família (meu pai morreu de Covid), até atingir o âmbito individual (EU estou com COVID).
A percepção do caminho do carma individual/coletivo pode ficar mais clara com dois exemplos:
1 – Individual: fui para a balada e peguei COVID ou mandei meu filho para a escola em pleno auge da pandemia e ele pegou COVID.
2 – Pandemia mundial, moro no Brasil, o governo negligencia a gravidade do problema, na crise econômica sou obrigado a trabalhar, pego COVID, moro em Manaus, não tem oxigênio, sou um dos 260.000 que morrem.
Um está diretamente conectado ao outro… pois o princípio de ambos é a manifestação pandêmica – a principal diferença está na decisão consciente do risco e da obrigação de se arriscar diante de outros aspectos sofrendo pela imoralidade de outros e do próprio caminho coletivo cósmico.
Existem uma série de outros fatores que podem ser observados, para um aprofundamento ainda maior da questão, porém um aspecto que deve ficar explícito na própria consciência é:
“O quão você verdadeiramente se importa com o próximo?”
Esse ponto é o que pesa na perspectiva de desenvolvimento da consciência humana da Antroposofia. E ele não é baseado em uma concepção pessoal conveniente, mas no sentido espiritual do Impulso Crístico.
Leonardo Maia
A LUZ AZUL
Era uma vez um bravo soldado, que durante muitos anos serviu ao rei fielmente. Mas, quando terminou a guerra e não podia mais prestar serviço por causa dos numerosos ferimentos recebidos, o Rei disse-lhe:
– Podes regressar a tua casa, não preciso mais de ti; quanto a dinheiro, não receberás nenhum, porquanto só tem direito a pagamento quem me presta bom serviço.
O soldado não sabia como iria viver; foi-se embora muito desgostoso e andou o dia inteiro, até que, ao cair da noite, chegou a uma floresta. Quando escureceu de todo, avistou uma luz; caminhou nessa direção e foi dar a uma casinha habitada por uma bruxa.
– Dá-me um lugar para dormir e alguma coisa para comer e beber, senão morrerei de fome.
A velha respondeu-lhe:
– Quem é que dá esmola a um soldado vagabundo?
– Mas eu quero ser caridosa e te abrigar, se fizeres o que desejo.
– Que é que desejas? – perguntou o soldado.
– Quero que, amanhã, me faças o favor de cavar o meu jardim.
O soldado, no dia seguinte, pôs-se à obra e cavou com afinco, até perder as forças, mas no fim do dia não tinha terminado o trabalho.
– Bem vejo que por hoje não podes continuar, – disse a velha – vou dar-te abrigo mais esta noite para que, amanhã, me raches um carro cheio de lenha.
O soldado aceitou e, no dia seguinte, trabalhou o dia inteiro; quando anoiteceu, a bruxa propôs que ficasse mais uma noite.
– Amanhã terás que fazer um pequeno trabalho: atrás da casa há um velho poço sem água, no qual me caiu o lampião; tenho-lhe amor porque dá uma bela luz azul que nunca se apaga, tens que mo trazer.
No outro dia, o soldado, conduzido pela bruxa, foi onde estava o poço e desceu num cêsto prêso a uma corda. Quando chegou ao fundo, encontrou a luz azul e fêz-lhe sinal para que o puxasse para cima. A velha subiu o cêsto e, quando êle chegou à bôca do poço, ela estendeu logo a mão querendo agarrar a luz azul.
– Não, disse o soldado percebendo-lhe má intenção, – não te dou a luz enquanto não tiver os dois pés em terra firme.
Então a bruxa enfureceu-se, deixou-o cair novamente dentro do poço e foi-se embora.
O pobre soldado caiu no fundo sem se machucar e a luz azul continuava a brilhar, mas para quê? Êle sabia muito bem que não escaparia da morte. Ficou algum tempo lá sentado, muito triste; depois meteu a mão no bolso distraidamente e encontrou o seu velho cachimbo quase cheio de tabaco. “Será a minha última consolação!” pensou êle. Tirou-o do bôlso, acendeu-o na luz azul e começou a fumar. Quando a fumaça se espalhou dentro do poço, apareceu-lhe, de repente, um anão, que lhe disse:
– Senhor, que ordenas?
– Que devo ordenar?! respondeu muito admirado o soldado.
– Eu estou encarregado de fazer tudo o que quiseres, – disse o anão.
– Bem, neste caso, quero que me ajudes, antes de mais nada, a sair dêste poço.
O anão pegou-o pela mão e levou-o por um corredor subterrâneo, sem esquecer-se de levar, também, a luz azul. Pelo caminho ia-lhe mostrando os tesouros que a bruxa tinha acumulado e escondido lá em baixo, e o soldado levou tanto ouro quanto lhe foi possível carregar; ao chegarem à superfície da terra, ordenou ao anãozinho:
– Agora vai e amarra bem a velha bruxa, depois leva-a ao tribunal para ser julgada.
Dentro em pouco, a bruxa apareceu montada num gato selvagem e passou veloz como o vento, gritando horrivelmente; daí a pouco o anão tornou a voltar.
– Pronto! – disse êle – a bruxa já está pendurada na fôrca. Queres mais alguma coisa, patrão?
– No momento não, – disse o soldado – podes voltar para casa; mas fica a mão, pois, caso venha a precisar ainda de ti, te chamarei.
– Não precisas chamar, basta acender o cachimbo na luz azul, – disse o anão – e imediatamente estarei às tuas ordens. – Com isso, desapareceu.
O soldado voltou à cidade de onde tinha vindo. Alojou-se na melhor hospedaria, mandou fazer lindas roupas; depois mandou o estalajadeiro arrumar-lhe um esplêndido aposento, com o maior luxo possível. Depois de tudo pronto, e o soldado magnificamente instalado, chamou o anãozinho prêto e disse-lhe:
– Escuta aqui: eu servi o rei, com a maior fidelidade, durante muitos anos. Em troca disso, êle me dispensou, deixando-me na mais cruel penúria; agora quero vingar-me dêle.
– Que devo fazer? – perguntou o anão.
– Esta noite, quando a princesa estiver dormindo, irás buscá-la para que venha aqui servir-me de criada.
– Para mim é facílimo, mas para ti é coisa arriscada, – respondeu o anão; – quando vierem a saber disso, estarás em maus lençóis.
Todavia ao dar meia-noite, a porta escancarou-se e o anão trouxe a princesa, que estava mergulhada em profundo sono. De manhã, o soldado disse-lhe:
– Estás aqui? Depressa para o trabalho, anda! Toma essa vassoura e varre-me o quarto.
Depois que ela terminara de varrer, ordenou-lhe que se aproximasse da poltrona em que estava sentado e disse-lhe:
– Descalça-me as botas!
Quando as descalçou atirou-lhas no rosto, mandando que as limpasse e lustrasse muito bem. A môça executava tudo o que lhe era ordenado sem se rebelar, muda, e com os olhos semi-serrudos. Ao primeiro canto do galo, o anão tornou a levá-la para o castelo, depondo-a na cama.
Na manhã seguinte, ao levantar-se a princesa foi ter com o pai e contou-lhe que tivera um sonho muito esquisito:
– “Imagine, fui carregada pelas ruas da cidade tão ràpidamente como se levada por um raio; fui conduzida ao quarto de um soldado, ao qual tive que servir e obedecer-lhe as ordens, fazendo os serviços mais grosseiros: varrer o quarto e limpar-lhe as botas. Tudo não passou de um sonho, mas estou muito cansada, como se realmente tivesse feito tudo aquilo.”
– Quem sabe se o sonho não foi verdadeiro! – exclamou o rei: vou dar-te um conselho; faze um buraquinho no bôlso do teu vestido e enche-o de ervilhas. Se por acaso alguém vier buscar-te novamente, as ervilhas irão se espalhando pelas ruas e deixarão o rasto.
Enquanto o rei assim falava, o anão invisível que estava perto, ouviu tudo. À noite, quando tomou a levar a filha do rei, adormecida, através das ruas da cidade, algumas ervilhas caíram e dispersaram-se aqui e ali, mas sem deixar rasto nenhum; porque o esperto anão já tinha prèviamente espalhado outras por tôda parte. E a princesa teve outra vez de servir de criada ao soldado até que o galo cantou.
Logo pela manhã, o rei mandou alguns homens de sua confiança procurar o rasto; mas foi em vão; em tôdas as estradas, havia uma porção de crianças catando as ervilhas e dizendo alegremente: – “Esta noite choveu ervilhas.”
– Temos de inventar outra coisa, – disse o rei. – Quando fôres dormir, não tires os sapatos, e, quando estiveres lá no quarto, antes de sair esconde um pé debaixo de um móvel qualquer, que eu saberei descobri-lo.
Ainda desta vez, o anão ouviu tudo e, à noite, quando o soldado mandou que lhe trouxesse a princesa, êle desaconselhou-o, dizendo que contra essa astúcia êle nada podia fazer; se o sapato fôsse encontrado no quarto, as coisas acabariam muito mal.
– Faze o que te ordeno, – replicou o soldado.
Portanto, a princesa teve que trabalhar como simples empregada também nessa terceira noite; mas, antes de ser carregada pelos ares, deu um jeito e escondeu um sapatinho debaixo da cama.
No dia seguinte, logo pela manhã o rei mandou gente de sua confiança procurar o sapato por tôda a cidade; por fim, depois de vasculhar tudo, foram encontrá-lo debaixo da cama do soldado; e êste, que por conselho do anão já estava fugindo da cidade, foi alcançado e trancafiado na prisão. Na sua pressa de fugir, o soldado esquecera o melhor, a luz azul, e no bôlso não tinha mais que uma moeda de ouro.
Prêso aos grilhões na sua cela, o soldado estava perto da janela e nisso viu aí colocado, como sentinela, um dos seus antigos e bons camaradas de regimento. Bateu no vidro e, quando o amigo se aproximou, disse-lhe:
– Meu amigo, faze-me o favor de ir buscar o embrulho que esqueci na hospedaria; eu te darei uma moeda de ouro por isso.
O amigo, assim que pôde, saiu correndo e foi buscar o embrulho; pouco depois estava de volta com êle e entregou-o ao soldado. Êste, assim que ficou só, acendeu o cachimbo e chamou o unãozinho.
– Não tenhas mêdo! – disse-lhe o anão – Vai aonde te levarem e deixa as coisas correrem; somente não te esqueças de levar a luz azul.
No dia seguinte, o soldado foi submetido a julgamento e, embora não tivesse cometido crime grave algum foi condenado à morte. Ao dirigir-se para a fôrca, êle pediu ao rei que lhe concedesse uma derradeira graça.
– Que desejas? – perguntou o rei.
– Desejo fumar, ainda uma vez, o cachimbo pelo caminho.
– Podes fumar até três vêzes, – disse o rei – mas não penses que te concederei a vida.
Então o soldado pegou o cachimbo e acendeu-o na luz azul; mal se evolaram dêle duas espirais em forma de círculo, eis que surge o anãozinho com um pau na mão, dizendo:
– Que ordena o meu amo?
– Espanca tôda essa gente e corre-me com ela – disse o soldado -, êsses juizes hipócritas, êsses esbirros estúpidos e não poupes nern mesmo o rei, que me tratou tão mal.
Como um raio, o anãozinho atirou-se sôbre aquela gente tôda e ziguezague, pauladas de cá, pauladas de lá; mal tocava num com o pau êste logo caía prostrado e não ousava mexer-se mais.
O rei, cheio de mêdo, ao ver aquela confusão, pôs- se a gemer e a suplicar para que lhe poupassem a vida; em troca disto deu a filha em casamento ao soldado e todo o seu reino.
Conto dos Irmãos Grimm
A LUZ DO SOL O REVELARÁ
Um alfaiate percorria as cidades em busca de trabalho e nada conseguia; a pobreza era tal que não tinha sequer um vintém para comprar um pãozinho.
Nessas condições, encontrou, certo dia, um judeu na estrada e, julgando que êle tivesse muito dinheiro no bolso , expulsou Deus do coração e investiu contra o judeu, dizendo-lhe:
– Dá-me todo o dinheiro que tens, se não eu te mato.
– Oh, por piedade, deixa-me a vida! – suplicou o judeu – Dinheiro, propriamente, não tenho, o que trago no bolso não vai além de uns oito centavos ao todo.
Mas o impiedoso alfaiate insistiu:
– Sei que tens dinheiro, truta de botá-lo fora!
Mas não vendo o que queria, passou à violência e surrou tanto o pobre judeu que o deixou em ponto de morte. Antes de expirar o judeu ainda conseguiu dizer:
– A luz do sol o revelará! – depois morreu.
O alfaiate revistou-lhe os bolsos à procura do dinheiro, mas só encontrou os oito centavos, tal como havia dito o judeu.
Então pegou o defunto, escondeu-o atrás de umas moitas e continuou o caminho. Depois de andar bastante, chegou a uma cidade e lá empregou-se na casa de um mestre da sua profissão, o qual tinha uma filha muito bonita; o alfaiate logo se apaixonou por ela e depois casaram-se, vivendo muito felizes e em plena harmonia.
Decorrido bastante tempo, quando o casal já possuía dois filhos, morreram os sogros e o patrimônio deles passou para o casal.
Certa manhã, achava-se o alfaiate sentado à mesa de trabalho, em frente à janela; sua mulher veio e trouxe-lhe o café. O marido despejou-o no pires e já ia levá-lo à boca; nisso brilhou o sol sobre o café e o reflexo, formando uma porção de círculos, batia cá e lá na parede da sala. O alfaiate levantou os olhos murmurando:
– O sol quer revelar, mas não pode!
A mulher perguntou-lhe:
– Que há, meu marido? Que queres dizer com isso?
– Ê uma coisa que não te posso contar, – disse ele.
A mulher porém insistiu:
– Se me amas de verdade, tens que me contar; não deves ter segredos para mim!
E fez-lhe tantos agrados, disse tantas palavras carinhosas, prometendo que ninguém jamais viria a saber; enfim, tanto pediu e rogou que ele não resistiu.
Contou-lhe então que, muitos anos antes, quando ainda perambulava pelo mundo, esfarrapado, sem comida e sem dinheiro, encontrara um judeu na estrada e o matara na esperança de que ele trouxesse muito dinheiro no bolso. E o judeu, no último instante de vida, dissera, antes de expirar, estas palavras: – A luz do sol o revelará! – E agora parecia que o sol estava querendo revelar, refletindo na parede todos aqueles círculos, mas não o conseguia.
Depois pediu, encarecidamente, à sua mulher que não contasse nada a ninguém, senão comprometeria sua vida; e ela prometeu formalmente.
Mas, assim que o marido se pôs a trabalhar, a mulher correu à casa da comadre e, sob promessa de guardar segredo, contou-lhe a triste história! Nem bem haviam transcorrido três dias e já a cidade inteira estava a par do segredo. O alfaiate foi intimado a comparecer perante o tribunal, foi julgado e depois executado.
Portanto, a luz do sol o revelou!
Conto dos Irmãos Grimm
O ALFAIATEZINHO VALENTE
Houve, uma vez, uma princesa tremendamente orgulhosa; qualquer pretendente que se apresentasse, ela o submetia a adivinhar charadas e, se ele não o conseguisse, despedia-o logo, ridicularizando-o sem piedade.
Certo dia, ela mandou apregoar que só se casaria com quem decifrasse um enigma proposto por ela; qualquer pessoa podia concorrer.
Por acaso, encontraram-se três alfaiates; os dois mais velhos pensavam que, como sabiam fazer tantos pontos tão complicados, haviam de saber também decifrar o enigma. O terceiro alfaiate parecia um toleirão, incapaz de qualquer coisa, até mesmo de executar o próprio oficio, mas confiava na sorte e achava que, talvez, ela lhe sorrisse. Os mais velhos disseram-lhe:
– Fica em casa; com o pouco juízo que tens não arranjaras nada.
O pequeno alfaiate, porém, não se perturbou e chegou mesmo a apostar a cabeça que se sairia muito bem. Portanto, meteu-se pelo mundo afora, como se o mundo fosse dele.
Finalmente, chegaram os três ao castelo e apresentaram-se à princesa para que lhes desse o enigma a decifrar; eles eram, exatamente, os indicados para isso, pois possuíam uma inteligência tão fina que podia ser enfiada numa agulha. A princesa disse-lhes:
– Tenho na cabeça calados de duas espécies; de que cor são eles?
– Se é só isso – disso o mais velho. – Devem ser brancos e pretos, como o pano que chamamos sal-e-pimenta.
– Errado! Responda o segundo, – disse a princesa.
Então o segundo respondeu:
– Se não for branco e preto, é castanho e ruço, da cor do casaco de meu pai.
– Erradíssimo! – exclamou a princesa. – Responda o terceiro; vejo pelo jeito que esse acertará.
O alfaiatinho adiantou-se, atrevidamente, e disse:
A princesa tem na cabeça um cabelo de prata e outro de ouro; são essas as duas cores.
Ouvindo a resposta, a princesa empalideceu e quase desmaiou de misto, porque o alfaiatinho acertara de verdade, enquanto ela estava plenamente convencida que ninguém no mundo acertaria. Recompondo-se, disse ao pobre alfaiatinho.
– Embora tenhas acertado, todavia ainda não me conquistaste; terás que fazer outra coisa. Lá em baixo, perto da estrebaria, há um urso e tu deves passar uma noite com ele; amanhã, quando me levantar, se ainda estiveres vivo, então casarás comigo.
Pensava, por esse meio, livrar-se do importuno, porque o urso feroz nunca deixara ninguém sair vivo de lá e foram muitos os que lhe caíram nas garras. O alfaiatinho, porém, não se impressionou e disse muito satisfeito:
– Quem não arrisca não petisca!
Quando anoiteceu, o nosso intrépido alfaiatinho foi conduzido para o local onde estava o urso. Este, ao vê-lo, quis logo atirar-se sobre ele e dar-lhe as boas-vindas com as garras.
– Calma, calma! – disse o alfaiate: – senão te acalmarei eu!
E muito sossegadamente, como se não temesse coisa alguma, tirou do bolso algumas nozes, partiu-as entre os dentes, comendo-lhes o miolo. Vendo isso, o urso ficou com desejo de comer nozes; então o alfaiate procurou nos bolsos, tirou um punhado delas e deu-as ao urso; porém, não eram nozes; eram pedras. O urso, muito guloso, meteu-as na boca, mas por mais que apertasse os dentes não conseguia parti-las. “Ah, – pensava ele, – és mesmo um tolo! Nem sequer sabes partir nozes!” Chamou em seu auxílio o alfaiatinho:
– Por favor, parte-as tu.
– Vês que belo tipo és! – disse o alfaiate: – tens uma boca enorme e não podes sequer partir uma noz!
Pegou as pedras e, bem rapidamente, trocou-as por nozes, pondo uma na boca; apertou os dentes e, crac, partiu-a pela metade.
– Vou tentar mais uma vez, disse o urso, – ao ver como fazes, sinto-me capaz de fazer o mesmo.
O alfaiatinho deu-lhe, novamente, as pedras e o urso tornou a morder com todas as forças. Naturalmente, já sabem que não conseguiu parti-las.
O alfaiate, então, tirou um violino que trazia sob o casaco o pôs-se a tocar uma musicazinha. Ouvindo a música, o urso não pode conter-se e se pôs a dançar; dançou bastante o, tomando gosto pela coisa, disse ao alfaiate:
– Escuta, é muito difícil tocar violino?
– Ora, é um brinquedo do criança; olha, coloco aqui os dedos da mão esquerda, com a direita vou passando o arco e, sus, alegres! tralalá, tralalá!
– Eu, também, gostaria do sabor tocar assim, – disso o urso. – Poderia dançar todas as vezes que tivesse vontade; que achas? Podes me ensinar?
– Com todo o gosto, – respondeu o alfaiate, – desde que tenhas vocação. Antes, porém, mostra-me um pouco as tuas patas; tens as unhas multo comprida, é preciso cortá-las um pouco.
O alfaiate foi buscar um torniquete, prendeu-lhe as patas e disse:
– Espere ai enquanto vou buscar a tesoura!
Deixou o urso rosnar à vontade, deitou-se calmamente sobre um molho de palhas que havia num canto e dormiu.
Durante a noite, ouvindo o urso ganindo daquele jeito, a princesa julgou que o fizesse de alegria por ter liquidado o alfaiatinho. Logo pela manha, levantou-se alegre e feliz e foi espiar na estrebaria; e eis que viu lá o alfaiatinho, vivo e são como um peixe.
Diante disso, não lhe foi possível faltar à promessa, pois a tinha feito publicamente e não ficava bem desdizer-se. O rei mandou vir um coche e a princesa teve de ir para a igreja junto com o alfaiate a fim de se casar com ele.
Quando estavam no coche, os outros dois alfaiates, que tinham um coração perverso e se ralavam de inveja pela felicidade do outro, foram à estrebaria e soltaram o urso. O animal enfurecido saiu a correr atrás do coche; a princesa ouviu-o ganir e arreganhar os dentes; muito assustada, gritou:
– Olha, aí vem o urso e quer agarrar-te!
O alfaiatinho mais que depressa pôs-se de cabeça para baixo, estendeu as pernas fora da janelinha do coche e gritou:
– Estás vendo o torniquete? Se não fores embora imediatamente, ficas preso outra vez!
Vendo isso, o urso assustou-se deveras; voltou sobre os calcanhares e desatou a fugir.
O nosso pequeno alfaiate prosseguiu, tranquilamente, no caminho rumo à igreja, casou com a princesa e viveu com ela muitos anos, alegre como uma andorinha.
Quem não acredita que pague a multa!
Conto dos Irmãos Grimm
GA 346 – Dornach, 9 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – quinta conferência
Acima de todas as coisas, é preciso que o Apocalipse seja lido do modo como deve ser lido presentemente. Até mesmo porque presentemente o desenvolvimento espiritual do ser humano deve desfraldar-se no sentido da alma da consciência, é preciso que aquilo que é a condução da vida espiritual também penetre plenamente na consciência. Por isso se há de tratar para nós de acolher dentro de nós com plena consciência a orientação a respeito daquilo que é dado pelo apocaliptista.
Em tempos mais antigos as comunicações do apocaliptista talvez significassem mais ou menos apenas algo para os mais elevados iniciados, dos quais, em tempos posteriores, havia cada vez um menor número, mas elas não significavam nada para o clero em geral. Hoje é preciso que o conteúdo do Apocalipse realmente penetre na consciência do clero.
Ora, ontem nós mostramos as sete comunidades e, a partir de um ponto de vista, nós mostramos a comunidade de Éfeso. O mundo é verdadeiramente rico em pontos de vista, e em um e o mesmo assunto, podem exercer influência muitos pontos de vista. Podemos caracterizar a comunidade de Éfeso do seguinte modo, conforme fizemos ontem, e então descobriremos como, a partir de pressupostos pagãos, a cristandade foi desenvolvida dentro desta comunidade. Mas também podemos mostrar como esses impulsos realmente contêm muito daquilo que foi a estrutura básica do primeiro tempo pós-atlântico, mais do que foi o caso na Índia em um tempo posterior. De maneira que naquilo que se desenvolveu em Éfeso como cristandade, em certo sentido, se pode ver a continuidade cristã da cosmovisão e da visão de vida dos primeiros tempos pós-atlânticos, enquanto na comunidade de Esmirna, a qual foi mencionada em segundo lugar no Apocalipse, viveu primeiramente a cultura proto-persa que em seguida passa para a cristandade.
Pérgamo, por sua vez, é apresentada como aquela comunidade no qual viveu a terceira cultura pós-atlântica. Nós descobrimos, quando deixamos atuar sobre nós, justamente, a carta à comunidade de Pérgamo, como ali se aponta mais ou menos claramente para a palavra de Hermes que viveu no seio desta cultura.
Em seguida somos remetidos, na carta à comunidade de Tiatira, àquela cultura que chamamos de quarta cultura pós-atlântica que é aquela na qual acontece o próprio Mistério do Gólgota. Ali, ao deixarmos atuar em nós essa importante carta, seremos lembrados em toda parte do modo como realmente a mensagem do Gólgota atuava diretamente em nós.
E em seguida vem a comunidade de Sardes da qual já se tratou ontem. Eu lhes mostrei como esta comunidade de Sardes era de certo modo orientada astrologicamente, de como ela era orientada segundo o serviço das estrelas. Mas com isso essa comunidade de Sardes suporta dentro de si, de um modo como certamente não pode ser historicamente diferente, muito passado dentro de si, mas acima de todas as coisas, esta comunidade de Sardes suporta, precisamente, o futuro dentro de si. E agora vamos tentar introduzir isso em nossa contemplação espiritual do nosso tempo. Vivemos no quinto período pós-atlântico. Quando olhamos para aquilo que era o passado em Sardes, isto também é algo germinativo que ainda não se havia completado no tempo em que João escreveu o Apocalipse. Todo o tom dessa quinta carta também já é diferente das quatro precedentes. Na carta à comunidade de Sardes João aponta para o futuro. O futuro para o qual ele apontou naquele tempo, o qual, de certo modo, estava incorporado em Sardes, é o nosso tempo, é o tempo no qual nós próprios vivemos.
Agora, porém, a série sucessiva de épocas do desenvolvimento do tempo pós-atlântico e, simultaneamente, o desenvolvimento interior da cristandade ainda são indicados a partir de outro lado nos sete selos; pois, nessas cartas estão segredados, entrelaçadamente, o desenvolvimento do tempo pós-atlântico e o desenvolvimento da cristandade. Aqui também temos indicado nos sete selos os enigmas das sete comunidades. Aí descobrimos – ainda descreveremos o outro sentido dos sete selos -, como, na abertura do quarto selo, que corresponde a um enigma da quarta época pós-atlântica, aparece um cavalo baio e como então se trata da morte que chegou ao mundo (Ap 6,8).
Com isto se toca em primeiro lugar um dos mais importantes enigmas do Apocalipse, na medida em que este enigma é particularmente importante para o nosso tempo. Na quarta época pós-atlântica a morte realmente ingressa, em certo sentido, na humanidade. Isto deve ficar claro para os senhores. Aprende-se a conhecer bem a natureza humana quando se considera algo como a morte.
Voltemos em primeiro lugar para a primeira, a segunda e a terceira época pós-atlântica. A constituição anímica humana, em geral toda a constituição do ser humano, seu sentir-se, era diferente em épocas antigas, daquilo que ele se tornou mais tarde. Outrora era como se o ser humano tivesse um evidente sentir interior do seu crescimento para dentro da paragem terrestre. O ser humano ainda tinha na sua consciência comum uma evidente recordação daquilo que ele vivera antes da sua vida terrena lá no alto do mundo espiritual. Embora, no último tempo antes do Mistério do Gólgota, essa consciência já estivesse muito enfraquecida, na primeira, na segunda e terceira época pós-atlântica, contudo, ela estava tão significativamente presente em cada personalidade humana a ponto do ser humano saber: eu também já fui um ser espiritual antes de me tornar uma criança. – Esta espécie de constituição anímica está menos presente em documentos exteriores, porém isto era mesmo assim.
Não se contava apenas com a paragem terrena, contava-se com uma continuidade da paragem terrena para trás, para dentro do mundo espiritual. Era isto que aparecia na quarta época pós-atlântica, exatamente na época que coincidia com o Mistério do Gólgota, do ser humano ver, por assim dizer, claramente, cercada sua vida terrena por dois portais: o portal do nascimento e o portal da morte.
Esta consciência, ou esta espécie de constituição anímica realmente sobreveio apenas na quarta época pós-atlântica, de maneira que nós temos a ver com o desdobramento desta consciência, de que o ser humano está rigorosamente encerrado nos limites da vida terrena, a partir do oitavo século a.C. até o século 15 após o Mistério do Gólgota. Desde aquele tempo se prepara uma nova consciência, embora desta estejamos apenas no início. Basta os senhores pensarem que desde o começo desse tempo só se passaram quatro, cinco séculos; foi assim que se desenvolveu a quarta consciência pós-atlântica no terceiro século a.C. Pois naquele tempo ainda havia uma consciência inteiramente diferente daquela que existia no tempo do pleno desenvolvimento da quarta época pós-atlântica. Em geral a atual humanidade, na verdade, ainda não traz dentro de si a vestimenta da nova consciência, porém, frequentemente, ela ainda traz dentro de si a consciência que, propriamente, ainda é a consciência da quarta época pós-atlântica. Disto realmente cuida toda a civilização.
Basta os senhores ponderarem a respeito de quanto foi transferido da quarta época pós-atlântica, de quão fortemente os seres humanos ainda vivem como na quarta época pós-atlântica de um modo natural, ou também de um modo afetado. Toda nossa formação ginasial é tal que a quarta época pós-atlântica ainda atua nela. Enquanto o latim era a língua dos eruditos – a quarta época pós-atlântica. E nós também ainda pensamos, totalmente, na vida pública, do modo como se pensava na quarta época pós-atlântica. Ainda não chegamos, à quinta época pós-atlântica, ao desenvolvimento da alma da consciência, à plena humanidade. E, por isso, os seres humanos da atualidade ainda vêem sempre o assunto de tal modo que sua vida terrestre esteja encerrada entre os dois portões, o portão do nascimento e o portão da morte.
Essa consciência já está incluída no desenvolvimento, só que ainda não se expressa na maioria das pessoas; ela só se expressa em algumas delas, que estejam particularmente bem propensas a isso. Ao longo da minha vida, conheci certo número de pessoas propensas a isso, mas em geral elas não são notadas. A consciência que o ser humano desenvolve na quinta época pós-atlântica é tal que absolutamente não se estende até a vida entre o nascimento e a morte, porém de tal maneira que a morte realmente sempre interfere na vida terrena. Há de tornar-se consciente para o ser humano o fato de que todo dia realmente se morre um pouco, de que realmente a morte no ser humano começa continuamente, de que a morte está continuamente presente. Existem alguns seres humanos que, ou temem fortemente a morte, percebendo-a dentro de si, consumindo sua humanidade terrena; mas eu também conheci seres humanos que amavam a morte porque ela sempre os acompanhava, e sempre a desejavam.
Isto é algo que sempre e cada vez mais aparecerá na quinta época pós-atlântica, a consciência de ver a morte andar ao seu lado. Quero descrevê-lo de um modo ainda mais concreto. O ser humano perceberá em si esse processo ígneo íntimo que está relacionado com o desenvolvimento da alma da consciência. Particularmente, o ser humano experimentará em si, naqueles momentos em que ele sai da consciência do sono e entra na consciência desperta, experimentará em si esta consciência desperta como uma espécie de processo ígneo que o consome. Pois a alma da consciência já é algo altamente espiritual; ora, o espiritual sempre consome a materialidade. E a maneira e o modo como esta alma da consciência consome a materialidade e o etéreo do ser humano, são uma espécie de processo ígneo íntimo, um processo de transmutação*. Sempre o ser humano perceberá isto cada vez mais, em si, no decorrer dessa quinta época pós-atlântica. Porém os senhores não podem imaginar esse fogo do mesmo modo como a chama acesa de uma vela; não se deve imaginar isto tão fisicamente. Porém o ser humano sentirá, por assim dizer, isto constituir-se moralmente em sua alma, este postar-se da morte ao seu lado.
*”Verwandlung”: mudança, conversão, transformação, transmutação. (N.T.)
Ora, na maioria dos seres humanos atuais isso é assim: ao verem como os bons propósitos ou as fortes intenções que eles têm se desvanecem no instante seguinte, na hora seguinte, no dia seguinte, no mês seguinte, então se toma isto, na cosmovisão materialista predominante, como algo que simplesmente acontece. No entanto, simplesmente se aprenderá a sentir isto cada vez mais de um modo diferente. Aprender-se-á a sentir como uma boa intenção, para cujo cumprimento se foi muito fraco, consome a vida, diminui o ser humano em seu peso moral, aprender-se-á a sentir como ele ficará mais leve moralmente por isso, ficará mais insignificante no universo. Hoje sente-se isto apenas como uma fraqueza da alma, mas não como algo que continua a atuar no universo. No entanto, isto será sentido no futuro. Da mesma forma o ser humano sentirá certas atividades intelectuais consumindo-o cada vez mais, como que consumindo-o por um fogo anímico. Pois são estes fenômenos, acima de tudo, os quais hoje já são dados, também em grandes dimensões, mas até agora eles não são sentidos dessa maneira.
Existe um modo de se encontrar gradualmente dentro do mundo espiritual, por exemplo, quando se leva em consideração o que é relatado no livro “O Conhecimento dos Mundos Superiores”** Com isto se entra em harmonia entre espírito, alma e corpo. No entanto, do modo como as pessoas exercem hoje a vida espiritual, sem estes exercícios, em especial, também, do modo como em algumas confissões religiosas a vida religiosa é exercida, então esta vida religiosa atuará de tal maneira a lhe diminuir o peso moral, a torná-la mais leve.
** “O Conhecimento dos Mundos Superiores”, Rudolf Steiner, Antroposófica, 1991, GA-10. (N.T.)
Essas são coisas que são cada vez mais percebidas na consciência. Porquanto, o ser humano, nesta quinta época pós-atlântica, se modificará muito. Pois se trata de uma modificação significativa quando, mediante o que se é animicamente, se sente fortalecer-se ou diminuir-se em toda a sua humanidade, quando não se sente o destino apenas como um assunto das condições, porém quando se sente o destino como algo que nos torna moralmente mais leves ou pesados.
Vejam! É a consciência que se prepara no ser humano, de modo que também se vê a preparação externa e empiricamente. Agora começa o tempo em que o clero deve olhar para essas coisas, quando os crentes se colocam diante dele. Pois aí se trata de que aquilo que sobe aí, puxando para dentro da consciência humana – a qual hoje ainda não é plenamente consciente, mas que se mostra em toda sorte de inquietação, nervosismo e comportamentos com sensações desarmônicas – que isto seja tratado de maneira que o ser humano tenha consolo e conforto.
Será cada vez menos possível, pelo lado do clero, formar para si apenas idéias gerais, segundo as quais se trata cada um dos seres humanos. Em certo sentido – não me levem isto a mal -, o padrão também era e ainda é determinante em muitos sentidos. Na verdade, pode-se ouvir realmente, ao inquirir de um se humano que sofre de alguma forma de idéias ilusórias e que procurou recorrer a um padre, o que o padre fez com ele. Ora, então se pode ouvir que o pároco tentou despertar a consciência do pecado nesse ser humano. E também em um segundo caso foi possível ouvir que o pároco tentou novamente despertar a consciência do pecado. Desse modo o padrão permeia tudo.
Uma vez, quando eu assisti a três enterros em um só dia, que o mesmo pároco em cada enterro começava com a mesma sentença: “Tão elevado quanto o céu está sobre a Terra, tão mais elevados estão os meus pensamentos do que os seus”. – Houve um padrão o tempo todo, o qual até se justificaria, relativamente, na quarta época pós-atlântica. Isto, juntamente com outras coisas também se estendeu até a quinta época e predomina entre nós, enquanto, justamente em nossa época cultural, deve ingressar em tudo isto uma observação mais sutil e uma transformação.
Hoje o clero deve começar com isso. O clero deve começar podendo redirecionar novamente o olhar anímico para o coração do outro ser humano. Na verdade, apenas a minoria consegue isto hoje em dia. Hoje o ser humano permanece horrivelmente incógnito para com outro ser humano. Vejam! Quando se lê com certa veneração – pois sem veneração a leitura do Apocalipse não dá certo -, quando se lê com veneração no Apocalipse o trecho das vestes brancas (Ap 3, 4-5) com as quais devem ser vestidos aqueles que cumpriram a proposição da quinta época cultural, então se tem a impressão: aqui se trata de contemplar profundamente, nesse modo peculiar da espécie de consciência do ser humano, mediante o olhar sacerdotal sobre o ser humano, na maneira como ele se coloca diante dele no quinto período pós-atlântico, digamos, a fim de conhecê-lo.
A advertência é esta: para aprender a conhecer o ser humano, não pela vestimenta que ele usa, não pelo que ele representa no mundo exterior, porém aprender a conhecê-lo em sua vestimenta anímica. Por aquela carta à comunidade de Sardes o apocaliptista pronuncia essa advertência, exatamente para dentro da nossa atualidade.
Na nossa atualidade o sacerdote deve penetrar na sua alma, a partir de toda a exterioridade na qual o ser humano se encontra. Em certo sentido o sacerdote deve começar a enxergar o ser humano do modo como eu caracterizei anteontem, isto é, que se deve ver o ser humano quando se quer chegar ao seu carma. Eu dizia: quando se quer chegar ao carma do ser humano não se pode enxergá-lo em sua profissão, nem em suas relações sociais, nem em seu poder ou falta de poder, porém deve-se penetrar profundamente em sua alma, nas propriedades, nas capacidades que podem ser expressas, no fundo, em qualquer profissão.
Pois, na verdade, deve-se penetrar com a contemplação naquilo que o ser humano foi na vida terrena precedente. Ora, o sacerdote não precisa ir tão longe. Mas o sacerdote deve começar por penetrar com a contemplação tudo que for externo, e olhar para o interno, para o puramente humano, para aquilo por onde o ser humano é, cada vez, um ser humano interiormente, um ser humano individualmente formado.
É assim mesmo: quando nos elevamos até a leitura, no livro do Apocalipse, dessa carta à comunidade de Sardes, então trata-se mesmo de sentirmos aquilo que consta ali como um convite direto ao presente. E assim podemos, na leitura subsequente, receber até mesmo uma impressão ainda mais profunda.
Basta os senhores refletirem uma vez a respeito do seguinte. Pensem que tenha terminado a quinta época pós-atlântica. Durante esta época a ser humano modifica sua consciência de tal forma que examine o trabalho, a atuação, a obra da morte em si. Ele aprenderá a examiná-la, mas não a examinará de modo a que, a cada momento, a idade que ele pode atingir, lhe apareça perante a alma. Ele verá o trabalho da morte em si. Ele terá continuamente a morte como companheira, ao redor de si. Naturalmente ele a terá ao redor de si, mas o que deve ser criado como algo novo nos diversos campos da vida é que o ser humano deverá ter um conteúdo anímico que lhe faça parecer este ter-a-morte-postada-ao-seu-lado como algo natural. Ter despertado em si as forças da eterna vigilância anímica significa: poder ter incessantemente a morte ao seu lado como um bom amigo, como um companheiro.
Ao olharem para fora, para as imediações, os senhores ainda a veem hoje inteiramente na luz da quarta época pós-atlântica. No fundo os senhores veem vida que carrega em si a morte, ainda não a veem dentro de si. No entanto, os seres humanos começarão a ver sempre a morte. De maneira que se deverá falar cada vez mais aos seres humanos da atualidade, pois quanto mais se vê a morte, altera-se toda a contemplação do ser humano.
Sim, ver a morte significa ver muita coisa que se oculta hoje totalmente atrás dos fenômenos. Em certo sentido, nós vemos hoje a natureza de um modo muito estável porque absolutamente não penetramos com o olhar certas intimidades sutis da natureza. Andamos pela paisagem e vemos, por exemplo, placas sobre as quais está escrito: neste local grassa a febre aftosa. – Em realidade, acima desse local se passou, na intimidade, algo que pode acontecer de tal modo que pode ser comparado com aquilo que descreve o mar movido por uma tempestade ou uma erupção vulcânica. E assim será o que se aproxima do ser humano na sexta época pós-atlântica.
Por ainda não contemplar a morte, o ser humano apenas vê, hoje, quando, por exemplo, o Vesúvio tem erupções ou quando se percebem gigantescos terremotos pelo sismógrafo, mas aquela tensão no etéreo que se exaure, por exemplo, quando em alguma região vive ou nasce um gênio importante, o ser humano hodierno não a enxerga. Tampouco o ser humano vê aquele poderoso obrar do espiritual e aquele urdir dos espíritos, para os quais os astros e suas configurações são apenas a expressão exterior.
Ver tudo isto aguarda, em certo sentido, o ser humano na sexta época pós-atlântica. O Sol, como é hoje, terá caído do céu, os astros terão caído do céu. Lá onde resplandecem as estrelas em sua abstração material contemplar-se-á espíritos reinantes e o urdir dos espíritos. Deste modo será muito alterada, no decorrer da quinta época pós-atlântica a auto-contemplação do ser humano e, no decorrer da sexta época pós-atlântica todo o mundo ao redor do ser humano se modificará. Mas, não acreditem que, por exemplo, o iniciado veja o mundo exatamente do mesmo modo como o não iniciado. E isto também é assim quando se trata dos sequenciais da consciência. O ser humano não será igual nos estágios sequenciais da consciência.
O fato de vivermos, como seres humanos, em um desses processos de transformação, em um processo de transformação humana, e da transformação da imagem do mundo, tal fato é apontado no Apocalipse, entre outras coisas, por predominar nas primeiras quatro cartas uma relativa igualdade. A primeira carta é desselada: aparece um cavalo branco, um cavalo. A segunda carta é desselada: aparece um cavalo vermelho, novamente um cavalo. A terceira carta é desselada: aparece um cavalo preto, de novo um cavalo. A quarta carta é desselada: aparece um cavalo baio, mas justamente um cavalo (Ap capítulo 6).
A quinta carta é desselada: não aparece mais um cavalo; não se trata mais de um cavalo. Trata-se de apontar para algo totalmente diferente. Quando continuamos a ler as cartas descobrimos que desse modo se aponta para uma transformação basicamente importante que começa exatamente em nossa época.
E não se pode dizer senão: desde já devemos nos preparar para sermos a nova comunidade de Sardes modificada. Esta nova comunidade modificada de Sardes deverá compreender que, afinal, é uma coisa trivial conhecer as plantas, os animais e as rochas, e que, primeiramente, se deve conhece tudo isto corretamente, quando se descobre a atuação das estrelas em cada pedra, em cada planta. As estrelas também devem cair espiritualmente do céu. Isto também já pode ser percebido.
Por isso eu desejaria apresentar um exemplo peculiar. Tais coisas são aceitas pelo ser humano em sua configuração exterior, mas não se olha muito para o modo como algo assim está inserido em todo o desenvolvimento espiritual da humanidade. Cada qual só pode fazer algo em seu lugar, no lugar no qual está. Antes de ir para a Inglaterra em minha última viagem aconteceu o seguinte. Talvez os senhores saibam que, quando estou em Dornach, dedico toda semana uma ou duas horas aos trabalhadores daquela construção durante seu horário de trabalho, nas quais lhes falo a respeito de coisas da ciência natural e de coisas científico-espirituais. Como isto é muito apreciado pelos trabalhadores e o faço de tal maneira que lhes deixo escolher o tema. Os trabalhadores gostam de poder dar o tema e também desejam saber de mim as coisas que hoje são possíveis na vida espiritual. Isto já faz parte daquilo para o qual os sacerdotes também devem ter plena compreensão.
Antes de realizar a viagem inglesa eu entrei na aula e um dos trabalhadores havia preparado a pergunta: Como é possível que algumas plantas cheirem e outras não? De onde vem o odor das flores? – Sim, até este ponto os trabalhadores foram educados pelas conferências, as quais já acontecem há algum tempo, há alguns anos, a ponto de não preferirem, naturalmente, que se lhes esclareça algo da química e lhes diga por acaso: trata-se deste ou daquele material que produz aquele odor – pois os senhores conhecem a maneira como são, em geral, as nossas explicações da ciência natural: a pobreza vem da penúria -, porém os trabalhadores exigem esclarecimentos reais.
Ora, vejam! Então tive de lhes dizer o seguinte – aqui eu quero apenas repetir brevemente aquilo que expliquei durante uma hora -: em primeiro lugar, aquilo que cheira nos aponta para nossos órgãos dos sentidos; percebemos o odor através dos nossos órgãos olfativos. Mas, perguntemo-nos uma vez se elaboramos o nosso órgão olfativo tão sutilmente a ponto de chegar ao cão policial. Os senhores terão de admitir que isto não é muito provável. Ao contrário, os senhores terão de admitir que o ser humano tem um órgão olfativo rudimentar, e não sutil, e que encontramos órgãos olfativos mais sutis na medida em que descemos na escala da natureza.
Tomem o cão, por exemplo, que possui órgãos olfativos tão sutis a ponto de chegar ao cão policial. Ao observarem o cão os senhores verão como sua testa é recuada, ela segue os nervos olfativos projetados que introduzem o olfato na essência do cão. Em nós, seres humanos, isto está projetado sobre a fronte. Nosso aparelho da inteligência é um órgão olfativo transformado, em especial a capacidade da apercepção. Disto já se ressalta que, quando descemos a seres inferiores, chegamos a órgãos olfativos mais sutis.
Ora, a ciência espiritual ensina: um grande número de plantas não é nada, em suas flores e no desfraldamento do seu olfato, senão órgãos olfativos, verdadeiros órgãos olfativos vegetais de uma enorme sutileza. E o que cheiram elas? Elas cheiram o cheiro do mundo que está sempre presente. E o cheiro do mundo que parte de Vênus é diferente daquele que parte de Marte ou de Saturno. Trata-se, por exemplo, dos odores das violetas serem o eco olfativo daquilo que a violeta percebe como odor do mundo. Tais plantas que têm cheiro agradável percebem a partir do cheiro do mundo o que vem de Vênus, Mercúrio ou Marte. A asa fétida percebe o cheiro de Saturno e o retransmite.
Aqui é preciso explicar às pessoas, porque elas o pedem, como as estrelas caem de certa forma. Ora, o que são afinal os seres do mundo senão aquilo que os astros entregam. Quando se fala com realismo a respeito destas coisas é preciso que se diga: agora os astros realmente já caem, pois eles estão contidos nas plantas. Não só o odor está dentro delas, porém as plantas são verdadeiros órgãos olfativos.
Assim eu cheguei hoje, novamente, à primeira aula aos trabalhadores e deixei que me fizessem perguntas que eles queriam que fossem respondidas. Então fizeram a seguinte pergunta: se for correto aquilo que foi falado na última aula a respeito dos odores e que as plantas são delicados órgãos olfativos, de onde vêm as cores das plantas?
Então eu tive de esclarecer que, embora os odores das plantas venham dos planetas, as cores das plantas vêm da força do Sol. Eu continuei explicando isto através de exemplos pelos quais se pode ver isso. Mas ali havia um deles que não se satisfez e disse: aqui o senhor ainda deixou de ver porque as pedras também têm cores. Eu até entendo – disse ele – porque as plantas têm cores e que uma planta que cresce no porão onde o Sol não penetra, embora tenha forma e odor, mas porque o Sol não atravessa as paredes do porão, as plantas ficam pálidas até o ponto de não terem cores. Mas de que se trata nas pedras?
Então eu tive de explicar: existe um curso diurno do Sol, uma rotação da Terra em 24 horas, um movimento anual que produz as estações, que faz o Sol subir até o zênite e o faz descer. Mas ainda existe outra coisa. Neste momento eu precisei explicar o ano platônico universal, eu tive de explicar que o Sol tem seu ponto de nascimento primaveril – o qual agora está em Peixes -, antigamente esteve em Carneiro, antes ainda em Touro, em Gêmeos, e assim por diante, e que no decurso de 25.920 anos transita uma vez com esta constelação ao longo de todo o zodíaco, portanto, que existem um curso diurno, um curso anual e um curso anual universal do Sol.
E enquanto o curso anual do Sol dá às plantas as suas cores, as pedras necessitam, para obter suas cores, do curso anual universal do Sol para obterem as suas cores. Nas cores das pedras, no verde da esmeralda, no amarelo avermelhado do topázio, no vermelho do coríndon, ali vive a força que se desenvolve pela rotação do Sol através do ano universal platônico.
Vejam! Quando se começa a falar a respeito do mundo a partir do espiritual, as pessoas também perguntam a respeito do terrestre de tal maneira que não se satisfazem mais quando lhes damos explicações a respeito do terrestre com as trivialidades dos nossos laboratórios e salas de autópsia. Elas querem mesmo conhecer de forma correta, e então se sentem satisfeitas por conhecerem o assunto à maneira “sardésica”, ao recorrermos aos astros e a sua atuação. Afinal, o que se faz ali senão o que faz o escritor do Apocalipse: coloca-se Sardes na atualidade.
Vejam! Isto é apenas um exemplo. Mas, é necessário que se comece por introduzir essa percepção dos astros, essa percepção do essencial dos astros, na atualidade. É preciso começar com isto para que os seres humanos reconheçam novamente: o Cristo é um ser solar – mas isto é o que é mais combatido.
Quando lhes digo isto, isto é, quando lhes digo que essa quinta época pós-atlântica moderna deve ser, de certa maneira, a Sardes desperta, do modo como nós a encontramos caracterizada, sucinta, expressiva e grandiosamente na quinta comunidade, no quinto selo que agora deve ser desselado, ao lhes dizer isto, os senhores hão de sentir que hoje temos a tarefa de desfraldar essa compreensão especial do Apocalipse: a de poder compreender o Apocalipse como tarefa que se aproxima diariamente do nosso coração. Hoje não basta interpretar simplesmente o Apocalipse. É necessário que coloquemos o Apocalipse em todas as coisas, senão é melhor que o deixemos totalmente de lado. A mera interpretação não tem muito valor.
Eu tentei lhes indicar dessa maneira a segunda coisa que pertence à leitura do Apocalipse. Ontem eu tentei dar a parte formal, hoje eu tentei lhes mostrar que a plena presença pertence à leitura do Apocalipse. E isto também é natural, pois os apocalipses sempre surgiram por inspirações da vontade. E aqui tocamos em um verdadeiro ponto do apocalíptico repleto de vida.
Atualmente já existem pessoas que são relativamente educadas de modo apocalíptico, mas apocalipticamente educadas de modo a conterem uma espécie de educação da vontade orientada especificamente para a Igreja católica romana: e estes são os jesuítas. Na educação dos jesuítas, isto é, nos exercícios dos jesuítas consta algo fortemente apocalíptico. Os exercícios jesuítas contêm um ensino da vontade que sempre está na base da contemplação do apocalíptico.
A educação da vontade é, portanto, aquilo que, acima de tudo, deve ser visto por aquele que hoje leva a sério um verdadeiro sacerdócio no sentido da renovação cristã. Ele deve compreender o Apocalipse para que possa ver nele o correto impulso para a vontade enquanto efetivamente foi dado um impulso muito unilateral em prol da vontade por Inácio de Loiola, embora de modo grandioso, mas de um modo extremamente unilateral. Hoje isto já está arimanicamente enrijecido, mas, exatamente na consideração de Inácio de Loiola se mostra como contemplamos o mundo de um modo errado quando não o conhecemos científico-espiritualmente. As pessoas ainda conduzem o atual desenvolvimento jesuítico segundo Inácio de Loiola. Mas isto não está certo.
Há muito tempo Inácio de Loiola existiu mais uma vez em uma nova incorporação e com isto se soltou natural e inteiramente da corrente anterior. Ele viveu novamente como Emanuel Swedenburg e o desenvolvimento jesuítico desde então singrou completamente para dentro do arimânico; ele não se prende mais a Inácio, porém atua hoje de forma arimânica. Aqui os senhores têm a contra-imagem sombria daquilo a que os senhores mesmos devem acostumar-se pela educação, como eu disse, ao admitir o apocalíptico em seu Eu de tal modo que seu Eu se converta na soma de forças atuantes que são, elas próprias, apocalípticas.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 9 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 8 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – quarta conferência
A imagem que o autor do Apocalipse nos mostra, nós a colocamos ontem diante das nossas almas, a imagem da aparição de Jesus Cristo que Deus-Pai deu, e me foi possível frisar que então aquilo que deve levar ao esclarecimento da compreensão da imagem, deve ser entendido como uma carta de Deus ao próprio João.
Encontra-se totalmente na essência do mistério e no modo como se fala e imagina a partir do mistério, para que então de resto o autor do Apocalipse também seja, ele próprio, compreendido como escritor de carta. Pois, na essência do mistério era assim, que o escritor de tal documento absolutamente não se sentia como seu autor no sentido em que hoje entendemos o autor de uma obra, porém ele se sentia, de certo modo, como o instrumento do escritor espiritual. Ele sentia que escrever diretamente não continha mais nada de pessoal. Por isso João pôde assim continuar a agir como se escrevesse aquilo que ele tem de escrever sob ordem divina como uma mensagem divina. Isto resulta em um modo realmente misterioso de tudo que se segue.
Até se pode dizer: o presente exige compreensão para tais coisas como a passagem da aparição de Jesus Cristo nas primeiras estrofes do Apocalipse para as seguintes sete cartas a cada uma das comunidades. Pois presentemente se esqueceu simplesmente toda a compreensão dessas coisas, a que era praticada nos mistérios e que ainda se situava também no modo de pensar da primeira cristandade.
Isso é novamente algo de que incumbe aos senhores levarem adiante no desenvolvimento ulterior de seu sacerdócio. Os senhores devem ponderar que, o que é falado no Apocalipse e foi escrito como inspiração, que isto é dirigido aos anjos da comunidade de Éfeso, da comunidade de Tiatira, da comunidade de Sardes e assim por diante. Estas cartas devem ser dirigidas a anjos. Isto é algo a respeito de que a compreensão moderna deve tropeçar de imediato. É essencial que nós compreendamos corretamente o seguinte.
Uma vez veio até mim um homem que realmente se havia esforçado no último tempo da sua vida para chegar à plena compreensão da contemplação espiritual antroposófica. Os senhores devem saber dessas coisas justamente em seu sacerdócio, pois, afinal, esses são, na verdade, fenômenos típicos da atualidade. Este é apenas um exemplo que eu destaco, no qual o assunto de que se trata, se apresenta de um modo particularmente evidente, mas é algo que os senhores sempre encontrarão novamente em sua caminhada como sacerdotes; e é da atuação em sua caminhada sacerdotal que se trata.
Ele me disse: “Parece ser como se pela antroposofia se aspirasse a tomar a Bíblia ao pé da letra”. Eu lhe disse: “Sim”! – Então ele me apresentou toda sorte de exemplos dos quais ele pensava que, na verdade, a Bíblia não podia ser tomada ao pé da letra, porém apenas simbolicamente. Eu lhe disse: “Certamente existem muitos assim chamados místicos, teósofos e assim por diante, que procuram na Bíblia toda sorte de símbolos e coisas semelhantes, eles resolvem a Bíblia com meros símbolos. A antroposofia não faz isto. Ela procura apenas aquilo que, talvez partindo da fala simbólica, pode levar a ler o texto simbólico em seu real significado. “E então” disse eu, “eu jamais achei que, quando apenas se confronta o texto original com os disparates posteriores surgidos ao longo do tempo, que, em toda parte, a Bíblia, até onde me foi possível examinar, não poderia ser tomada ao pé da letra”.
Isso é o que se deve obter justamente como meta final: tomar a Bíblia ao pé da letra. Pode-se dizer exatamente: aquele que ainda não pode tomar a Bíblia ao pé da letra tampouco entendeu os lugares onde ele não pode tomar a Bíblia ao pé da letra. Contudo, este é, com muitos, o caso dos tempos atuais.
Aqui fizemos menção de algo esotérico que talvez até o atual percurso do nosso encontro, ainda não foi de todo destacado, mas que, na verdade, também deve apresentar-se uma vez ao seu sentido meditativo. Pois, às vezes, brota e jorra hoje – eu diria que não como chamas de relâmpagos, que estas vêm do alto, mas como chamas de vulcão, que estas vêm de baixo -, muita coisa do que restou neste ou naquele reconhecimento de antigos mistérios. Dessa maneira, houve uma carta pastoral – eu já a mencionei com frequência -, de um arcebispo que não afirmava nada menos que o seguinte: na carta foi levantada a seguinte questão: Quem é mais elevado, o ser humano ou Deus? E nessa carta pastoral, embora em uma linguagem tortuosa, mas por outro lado também sem rodeios, chamou-se a atenção para o fato de que, quando o sacerdote está no altar, portanto, quando o ser humano se coloca como sacerdote diante do altar – isto não vale para os demais seres humanos, mas só para sacerdotes -, que este seria mais alto que Deus, mais poderoso que Deus, pois ele poderia obrigar Deus a adotar configuração terrestre no pão e no vinho. Quando o sacerdote consagra, Deus deveria estar presente no altar.
Isto é uma explicação que remonta profundamente a uma antiga entidade dos mistérios, e também é uma explicação que hoje ainda é amplamente corrente dentro do bramanismo esotérico do Oriente, na medida em que este procede do saber dos mistérios. É corriqueira a representação e em concordância com toda a essência dos mistérios, que o ser humano é um ser que co-abrange a divindade, e que realmente é mais elevado diante da divindade. E o sacerdote brâmane, principalmente o de outrora, nessa constituição da sua alma – se eu posso me expressar desse modo -, é como um portador supra-pessoal da divindade.
Esta é uma representação importante, que aqui penetra com seu brilho a partir de antigos mistérios. Mas, a final, ela deve ser confiada pelo menos uma vez à vida meditativa da alma sacerdotal. Pois isso contraria frontalmente o que se produz, cada vez, especialmente na consciência evangélica. Diante da consciência evangélica, aquilo que consta na carta pastoral mencionada, naturalmente é uma loucura. Ora, nós ainda vamos voltar a este assunto ao longo desta explanação a respeito do Apocalipse. Em tudo isto se encontra apenas ampliada a representação daquilo que nesse local do Apocalipse vem ao nosso encontro para o que eu estou demonstrando aqui.
João escreve, como incumbência divina e sob inspiração divina, aos anjos das sete comunidades. Portanto, ele se sente naquele estado no qual ele escreve ali, totalmente como aquele que deve dar conselho aos anjos das sete comunidades, e advertência, e missão, etc. Como se deve imaginar isto concretamente? Para quem se deveria apontar quando, por exemplo, se tratava do anjo da comunidade de Éfeso, ou de Sardes, ou de Filadélfia? Para quem se deveria apontar?
Tampouco quanto isto é compreensível para o ser humano atual, naquele tempo havia seres humanos que hoje chamaríamos de instruídos – chamar-se-iam de cristicamente instruídos aqueles que se encontravam hoje em uma situação de vida análoga -, naquele tempo havia até mesmo um núcleo de seres humanos que compreendia o que isto queria dizer: uma natureza profética escreve, uma natureza que fala sabiamente, como era a de João, o qual está nessa constituição anímica na qual ele escreve, situado acima dos anjos; ele escreve aos anjos das comunidades. No entanto, entre as pessoas que entendiam isso, não se teria absolutamente apontado nem mesmo para algo supra-sensorial, ao dizer-se “anjo”.
Tinha-se a idéia: comunidades cristãs foram fundadas e continuam a existir; e o escritor do Apocalipse pensa que dirige suas cartas para tempos futuros nos quais acontecerá aquilo que ele deve dizer a estas comunidades. Ele absolutamente não fala das situações atuais. Ele fala de situações futuras. Mas, se aqueles que naquele tempo devessem apontar para o que resultava como contemplação tradicional a partir dos mistérios para aquele que deve ser o destinatário das cartas, eles teriam apontado para o bispo que presidia as comunidades.
Por um lado, era totalmente evidente para eles, que o verdadeiro guia da comunidade é o anjo supra-sensorial, por outro lado, eles teriam apontado para o bispo, o administrador canônico da comunidade. Pois, a noção da época era que alguém que fosse administrador de uma comunidade como a de Sardes, de Éfeso, de Filadélfia, como dignitário, é o verdadeiro portador terrestre da entidade angelical supra-sensorial. De modo, portanto, que João, efetivamente, ao escrever, se sente interiormente tomado por um ser superior como é o anjo. Ele escreve aos bispos das sete comunidades como a seres humanos que estão impregnados, não apenas por seus próprios anjos – pois cada qual o é -, porém que estão impregnados pelos anjos condutores, dirigentes da comunidade.
E então ele fala a respeito do que tem a dizer para essas comunidades e aponta totalmente para o futuro. Devemos lançar a pergunta: Porque sete cartas são dirigidas a sete comunidades? Ora, estas sete comunidades são evidentemente as representantes das diversas gradações do paganismo e do judaísmo, dos quais surgiu o Cristo. Concretamente, naqueles tempos havia uma compreensão muito mais clara do que houve posteriormente. Naquele tempo sabia-se que do Apocalipse procede evidentemente com muita exatidão o seguinte: aqui está, por exemplo, a comunidade de Éfeso que outrora deu a luz aos tão grandiosos mistérios de Éfeso, nos quais, desse modo, do modo como em tempos antigos podia ser inteiramente usual, foi apontado para a aparição vindoura do Cristo. Havia um culto em Éfeso que deveria transmitir a ligação dos que ofereciam em sacrifício em Éfeso, e das testemunhas do serviço sacrifical com os poderes divino-espirituais e também com o Cristo vindouro. A antiga comunidade pagã de Éfeso era mesmo aquela que com sua pré-profecia da cristandade vindoura e com seu culto pagão ficava muitíssimo próxima dessa cristandade.
Por isso se escreve a esse anjo da comunidade de Éfeso a respeito dos sete candelabros. Os candelabros são então a própria comunidade, isto é expressamente manifestado no Apocalipse. Justamente a carta à comunidade de Éfeso deve ser tomada em sua verdadeira configuração, do modo como consta ali, Claramente se indica que realmente essa comunidade de Éfeso foi aquela que adotou do modo mais intenso a cristandade, que se inclinou à cristandade com o primeiro amor. Pois, se diz que ela não teria mantido esse primeiro amor. Do tempo futuro que está em perspectiva, é a respeito deste que o apocaliptista quer falar na sua carta. Assim nós vemos, já no exemplo dessa carta de advertência à comunidade de Éfeso, que o apocaliptista caracteriza o desenvolvimento a ser adotado pela comunidade, de tal forma que nela se contemple o que se destaca a partir de tempos antigos.
Com efeito, cada uma das comunidades das quais se trata aqui representa diversas nuances do paganismo ou do judaísmo, as quais tinham diferentes cultos e através destes cultos se acercavam de maneiras diferentes dos universos divinos. E cada carta sempre começa de maneira que se veja como em cada uma dessas comunidades se desenvolveu a cristandade de um modo peculiar, a partir dos antigos mistérios pagãos.
Basta ficar claro para nós que nos primórdios do desenvolvimento cristão ainda existia uma constituição anímica dos seres humanos que, em realidade, é totalmente diferente da atual constituição anímica, em especial da existente na Europa – pois no Oriente não é assim. Este modo de ver a coisa religiosa em um conteúdo compreensível, o qual pode ser caracterizado logicamente, ainda era, nas representações dos antigos mistérios dos primeiros séculos cristãos, totalmente estranho, realmente inteiramente desconhecido. Dizia-se, por exemplo: o Cristo é uma aparição do poderoso ser solar. Todavia, devem procurar alcançá-Lo a comunidade de Éfeso, a comunidade de Sardes, a comunidade de Tiatira e assim por diante, cada uma a sua maneira a partir do seu culto. Cada uma delas pode aproximar-se Dele à sua maneira especialmente diferenciada. Em toda parte é indicado que isto seja inteiramente admitido.
Tomemos uma comunidade como a de Éfeso, a qual devia dar continuidade aos antigos e profundos mistérios de Éfeso; ela devia ser diferente, por exemplo, da comunidade de Sardes. A comunidade de Éfeso tinha um culto que estava profundamente permeado pela presença de substâncias divino-espirituais da vida terrena. O sacerdote que andava por Éfeso podia apresentar-se tanto como deus quanto como homem. Ele se sabia portador de Deus. Toda a consciência religiosa de Éfeso está realmente enraizada em teofania*, na aparição de Deus no homem. O clero de Éfeso representava, de cada vez, o respectivo deus, e era até mesmo uma proposta determinante deste teofânico introduzir corretamente nas almas este fazer-aparecer da divindade.
*teofania: aparição ou revelação da divindade. (N.T.)
Admitamos que entre as sacerdotisas de Éfeso circulasse, na execução das ações cúlticas, aquela que era, em essência, a configuração humana viva da Artemísia, da Diana, da deusa lunar. Desejava-se que as pessoas não diferenciassem a aparição terrestre da própria deusa, portanto, que a deusa fosse vista na aparição humano-terrena. Antigos arranjos dos mistérios como, por exemplo, cortejos públicos, representavam seres humanos enfileirados que eram deuses. E, do modo como nós devemos aprender hoje a ter conceitos apropriados a respeito das coisas, naquele tempo precisavam ser admitidas as representações anímicas e as sensações anímicas de ver um deus no ser humano que fosse sacerdote ou sacerdotisa.
Por isso, não admira que mesmo o apocaliptista, conforme eu destaquei, após ter falado na língua dos mistérios, se dirigisse exatamente à comunidade de Éfeso onde se desenvolvera do modo mais intenso aquele modo peculiar de pensar, de sentir e de perceber. Por conseguinte, era natural para a comunidade de Éfeso ver o símbolo mais essencial do culto nos sete candelabros. Estes descreviam a luz que vive sobre a Terra, porém que é a luz divina.
Na comunidade de Sardes a questão era totalmente diferente. Esta comunidade era a continuação cristã de um antigo e bem desenvolvido serviço estelar e astrológico onde se sabia realmente como a marcha das estrelas está relacionada com os assuntos terrenos e onde se colhia das estrelas tudo que acontecia no terrestre, tudo que, eventualmente, era ordenado pelos principais mestres, os superiores e os inferiores. A comunidade de Sardes havia evoluído a partir de uma entidade dos mistérios que contava, no mais alto grau, com a pesquisa dos enigmas da vida e dos impulsos vitais a partir do céu noturno estrelado. Antes de se poder falar da comunidade de Sardes como sendo uma comunidade cristã, dever-se-ia falar dela, justamente, como sendo como sendo a que mais perseverava na antiga condição clarividente onírica, pois, exatamente dessa clarividência onírica resultava o enigma noturno do macrocosmo. E, lá onde se persistia na antiga clarividência onírica que havia sido mantida como tradição, olhava-se pouco para o que é dado pelo dia.
A respeito disso já é muito marcante a diferença do serviço solar e da doutrina solar em Éfeso e em Sardes, na medida em que realmente se pode falar, em Éfeso como em Sardes, a respeito dos antigos saberes. Porquanto, na verdade, se ensinava em todos aqueles antigos mistérios – e a doutrina dos mistérios se dirigia aos leigos – aquilo que para aquele tempo também era uma ciência, pois não havia uma ciência separada dos mistérios. Em Éfeso a doutrina do Sol era tal que já se fazia uma diferença entre os cinco planetas que eram aceitos por um lado: Saturno, Júpiter, Marte, Vênus, Mercúrio e, por outro lado, o Sol com a Lua. Destacava-se o Sol que hoje chamamos de estrela fixa, contrariamente aos planetas, ao separá-lo dos planetas e venerá-lo como astro diurno – sobretudo em Éfeso – porque se via no Sol, desde o seu nascente até o seu poente o princípio doador da vida.
Isso não era assim nos antigos tempos de Sardes. Em Sardes não se importavam com o Sol diurno, acolhiam sua luz como uma evidência, mas não davam nada pela luz do dia na cidade de Sardes, porém ali valia apenas a luz da noite, chamada de “luz da meia noite” nos antigos mistérios, e que era considerada como tendo o mesmo significado dos planetas. Não se distinguia a Lua dos demais planetas e o Sol era considerado como sendo realmente equivalente aos outros planetas.
Em Sardes eram enumerados do seguinte modo: Saturno, Júpiter, Marte, Vênus, Mercúrio, Sol, Lua. Não se fazia isto em Éfeso. Em Éfeso se dizia: Saturno, Júpiter, Vênus, Mercúrio, de um lado, e do outro lado os deuses do dia e da noite situados perto da vida terrestre, o Sol e a Lua. – Esta é, portanto, a grande diferença e, a esta se referia todo o cúltico de Sardes.
Naquele primeiro tempo cristão continuava vivendo em Éfeso o antigo culto pagão que apenas era orientado segundo o crístico, enquanto em Sardes continuava a viver a nuance do antigo culto pagão que era orientado segundo o astrológico do modo como acabo de descrever. Daí ser natural que o apocaliptista escrevesse a respeito de Sardes: “que ali há os sete espíritos de Deus e as sete estrelas” (Ap 3,1). – Agora não são os candelabros situados no altar, não é a luz que está ligada à Terra, porém é a luz situada no alto, no macrocosmo.
Os senhores podem deduzir quão profundamente o escritor do Apocalipse ainda está situado dentro dos antigos mistérios ao responderem para si a questão: Em que o escritor do Apocalipse repreende a comunidade de Sardes naquilo que ela deve considerar acima de tudo? Ele alerta em primeiro lugar para o fato de velar a fim de encontrar a transição para o Sol do dia, o local de partida do Cristo.
Por isso, até mesmo dentro da palavra se deve admitir aquilo que está inserido ali no próprio sentido, embora se avance apenas até o sentido original e se saiba como procediam com a vida religiosa, e como, realmente, o escritor do Apocalipse falou em grande estilo como sendo o último deles – sempre existem efeitos posteriores. Assim Alexandre o Grande, por exemplo, na sua expansão do helenismo procedeu de maneira magistral para com a vida religiosa que encontramos em toda parte quando nos fixamos nas expedições expansionistas de Alexandre com relação ao religioso.
Ali não há uma persuasão dos seres humanos e ali não há dogmas. Ali se deixa para uma comunidade do povo tudo aquilo que ela tem como culto, como convicção, e nela só é vertido o que pode justamente ser acolhido*. Assim também procederam os emissários de Buda, aqueles que subiram para as regiões babilônicas e além delas para as regiões egípcias. Após haverem atuado não se conseguia distinguir, exteriormente, o tempo posterior do anterior. Interiormente, todavia, ela podia ser distinguida poderosamente, pois fora vertido naquilo que era santificado para o Deus daquele povo, tudo aquilo que a nuance peculiar do culto, do serviço sacrificial, da convicção poderia ser acolhido. No fundo também aconteceu algo semelhante nas regiões européias em tempos mais antigos: não foi uma inundação arbitrária dos seres humanos com muitos dogmas, porém foi uma conexão com a antiga entidade dos mistérios de cada um dos povos.
*Seria isto que em seus últimos dias de vida pública Rudolf Steiner teria sugerido para o movimento antroposófico?(N.T.)
Vejam! Em primeiro lugar isto são pedras que se deve aprender a conhecer a fim de ler corretamente algo como o Apocalipse para que também não permaneça qualquer ínfimo resíduo do absurdo ao qual chega frequentemente a atual teologia com relação ao Apocalipse. Essa penetração construtiva naquilo que, por exemplo, existe, a cuja palavra o escritor do Apocalipse coloca, com frequência na boca: “Vocês querem ser judeus, mas não o são” (Ap 2,3; 3,9), isto ele quer falar a partir dos corações, a partir das almas daquelas pessoas que estão ali sentadas. Estas e outras coisas levaram o Apocalipse a não ser absolutamente considerado um documento cristão, porém a ser visto como um documento judeu. Ora, deve-se entender como essas coisas procederam de um modo antigo de se apresentar.
Assim, nós ainda deveremos tratar em detalhe das particularidades, mas, se possível, uma apresentação já deve ser mencionada hoje: aquele que naquele tempo já escreveu por inspiração, para ele era claro que se podia descrever exaustivamente uma realidade com um determinado número de fenômenos típicos. Observem como são caracterizadas de um modo maravilhosamente individualizadas, as sete comunidades nas sete cartas do Apocalipse. De uma maneira totalmente maravilhosa. Ali todas elas são descritas de tal modo que se destacam rigorosamente umas das outras, a ponto de cada uma nos ser descrita em sua peculiaridade especial. Para o escritor do Apocalipse era claro o seguinte: se ele descrevesse uma oitava comunidade ele precisaria descrever algo que seria semelhante a uma comunidade já existente. Seria também a mesma coisa se ele descrevesse uma nona. Com essas sete gradações tudo que é possível está simultaneamente descrito. Isto era claro para ele.
Isso, por sua vez, é uma maravilhosa apresentação daquilo que emerge de dentro de tempos antigos. Há pouco tempo esse assunto veio novamente ao meu encontro de uma forma muito viva, quando nos dirigimos de Torquay, onde realizávamos nossos cursos ingleses de verão, para o local onde outrora se situava o castelo do rei Artur com seus doze cavaleiros. Até hoje se constata naquele local o que ele significou outrora como vida aviventada. Quando se vê aqueles promontórios avançando mar-a-dentro, ocupados pelas escassas ruínas dos antigos castelos de Artur ainda existentes, os quais possuíam uma maravilhosa configuração, e dali se dirige o olhar para o mar – (isto é desenhado na lousa, figura 3): no meio há uma montanha, aqui o mar e lá o mar -, então se vê o mar impregnando com a alma aquela região de um modo muito extraordinário. É um quadro que oferece uma impressão que se altera continuamente.
Enquanto permanecíamos ali se alternavam em um tempo relativamente curto, rápida e sucessivamente, o brilho do Sol e a chuva. Naturalmente, isto também era igual em tempos antigos. Isto até está mais calmo hoje em dia; com relação a isto o clima dali se modificou. Assim se contempla esse maravilhoso jogo de alternâncias, no jogo entrelaçante desses espíritos elementares de luz que se relacionam com os espíritos da água, os quais são irradiados de baixo para cima e também se enxerga aparições espirituais muito peculiares quando o mar se embate contra a terra desmanchando-se e lançando-se de volta, ou encrespando-se. Em nenhum outro lugar da Terra senão neste, encontra-se aquele viver e urdir peculiar dos seres elementares mundiais.
Aquilo que me foi permitido ver ali, foi o veículo de inspiração para os participantes da Távola Redonda de Artur. Estes realmente recebiam os impulsos para aquilo que deviam fazer a partir do que lhes era falado com a ajuda daquela entidade marinha e aérea. Já aqueles cavaleiros de Artur só podiam ser doze. Digo que isto veio ao meu encontro porque, com efeito, hoje em dia ainda se pode perceber em que se baseava a colocação desse número doze.
Ora, existem doze gradações da percepção quando se deve tratar desse modo de percepções mundiais realizadas mediante seres elementares, doze espécies de percepção. No entanto, quando se quer compreender, como o ser humano isolado, todas as doze, então uma delas sempre fica confusa através de outra delas. Por isso os cavaleiros da Távola Redonda de Artur sempre dividiam suas atribuições de tal forma que sempre cada uma delas podia ser compreendida como uma destas doze gradações. Eles estavam convictos de que com isso cada qual teria um sentimento a respeito do universo, claramente diferenciado do outro, de cuja tarefa eles se encarregavam. Mas não podia haver uma décima terceira, pois esta deveria ser novamente semelhante a uma das doze.
Nisto se fundamenta claramente a noção: quando seres humanos querem distribuir entre si suas tarefas no mundo, estas devem ser em número de doze. Estas formam um todo, elas constituem as doze gradações. Quando seres humanos se colocam em comunidades diante do mundo, isto leva ao número de sete. Isto se conhecia naquele tempo.
O apocaliptista ainda escreve a partir dessa compreensão numérica supra-sensorial e assim ele também fala no curso subsequente do Apocalipse. Hoje eu quero, em primeiro lugar, falar apenas a respeito da leitura do Apocalipse. João nos chama a atenção para o modo como, entre os fenômenos, existe aquele no qual se vê o trono de Cristo, o trono do Filho do Homem glorificado, ao redor do qual se assentam 24 anciãos (Ap 4,4). Aqui temos uma gradação segundo o número vinte e quatro. O que significa esta gradação segundo o número vinte e quatro?
Comunidades têm uma gradação segundo o sete, seres humanos naturais sobre o solo físico têm uma gradação segundo o doze. Todavia, quando se trata de considerar o ser humano como representante do desenvolvimento humano na vida supra-terrestre, nós chegamos a outro número. Pois houve guias da humanidade que deviam revelar, de época em época, aquilo que a humanidade devia acolher como revelações que são simplesmente inscritas no éter universal, ao qual também chamamos de Crônica do Akasha. Quando tomamos sucessivamente os grandes reveladores da humanidade a caminho do desenvolvimento, descobrimos como ali no âmbito do supra-sensorial está inscrito o modo como cada um dos reveladores devia revelá-las.
A rigor, não se deveria apenas procurar uma individualidade como, por exemplo, Moisés, na qualidade de Moisés terrestre, tampouco o seu modo de ser segundo os documentos bíblicos, pois estes já são dados segundo a Crônica do Akasha. Dever-se-ia procurar Moisés do modo como ele está assentado no trono de Cristo. Aquilo que da sua existência terrestre é eterno, o permanente sub specie aeternitatis, isto está solidamente gravado no éter universal. No entanto, pode apenas haver vinte e quatro dessas atuações humanas para a eternidade, pois na vigésima quinta haveria uma repetição de uma precedente. Isto era um saber na antiguidade.
Quando seres humanos querem atuar em conjunto sobre a Terra, estes devem ser doze. Quando comunidades humanas querem atuar em conjunto, devem ser sete; o oitavo seria uma repetição de um dos sete. Mas quando atuam em conjunto, sub specie aeternitatis, aqueles que, no curso do desenvolvimento da humanidade se espiritualizam, os que representam uma etapa do humanitário, então devem ser vinte e quatro. Estes são os vinte e quatro anciãos.
Ao tomarmos esses 24 anciãos, de cujas revelações algumas já existem, outras ainda virão, então temos em volta do trono de Cristo como que uma síntese, como que o resumo de todas as revelações humanas. No entanto, diante deste trono de Cristo temos o próprio ser humano que agora é entendido como ser humano diante daquilo que ali está como membro, como única etapa do humanitário. Eu diria que o ser humano em si, do modo como devemos entendê-lo, deve ser descrito sob a imagem dos quatro animais*.
*Veja-se uma exposição completa desta imagem em “O Ser Humano como Sinfonia das Forças Universais” em GA-230, tradução de Gerard Bannwart, Edições Micael, 2009, 1ª. e 2ª. conferência. (N.T.)
Uma imagem grandiosa está diante de nós. No meio o Filho do Homem transfigurado, no trono cada uma das etapas da humanidade, ao longo das sequências temporais nos 24 guias das 24 horas do grande dia cósmico e, estendido por cima de tudo isto, sob a imagem dos quatro animais, o próprio ser humano, o qual deve abranger cada uma de todas as etapas. Algo de importante, de essencial vem assim ao nosso encontro.
O que acontece então aqui diante da contemplação vidente do apocaliptista, o qual entrega a mensagem de Deus aos anjos das suas comunidades e com isto a toda a humanidade? O que acontece ali? Quando os quatro animais passam a agir, isto é, quando o ser humano descobre a sua relação com a divindade, então os 24 guias das 24 horas diárias do grande dia cósmico se prostram sobre seu semblante. Então eles veneram aquilo que, como o mais elevado, que é o todo do ser humano diante do que representam: uma etapa da humanidade. Nos anciãos se via realmente essa imagem que o apocaliptista coloca a seguir perante a humanidade. Só que naqueles tempos mais antigos se dizia: há de vir aquele que está assentado sobre o trono – e o apocaliptista dirá: já veio aquele que está assentado sobre o trono.
Hoje eu desejei falar a respeito do significado da leitura do Apocalipse. Entretanto, apenas aprendemos a ler corretamente quando nos dispomos a ler, justamente a partir dos antigos mistérios.
Agora tentaremos continuar a vivenciar o Apocalipse, pois nele constam profundos enigmas que não estão ali apenas para os senhores conhecê-los, porém para que muitos deles sejam realizados pelos senhores, isto é, sejam efetivamente executados.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 8 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 7 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – terceira conferência
Ontem nós mostramos a importante incisão que apareceu no desenvolvimento da humanidade porque com isso, na verdade, a partir da terceira época dos mistérios, na participação do ser humano no cósmico dentro da consagração do homem, a transubstanciação se realiza no corpo astral. Isso está naquele membro da entidade humana, o qual, para a consciência comum durante o sono, se separa do corpo físico, e durante o tempo da separação do corpo físico não é receptivo para a percepção das imediações*.
*”Umgebung”: imediações ou arredores, seria tratado hoje como meio ambiente. (N.T.)
Então esclareçamos para nós uma vez o modo como esse corpo astral realmente atua no ser humano atual. Pois é ele, na verdade, que transmite os pensamentos a respeito das imediações, os pensamentos pelos quais compreendemos o mundo. Pois, no momento em que o corpo astral sai do corpo físico e do corpo etéreo, os pensamentos a respeito das imediações não existem mais.
Nós ainda podemos complementar esses pensamentos ao nos esclarecermos quanto à organização do Eu, do próprio Eu no ser humano, do modo como ele é hoje, de como é o recebedor das impressões sensoriais. As impressões sensoriais são amortecidas, por sua vez, quando o Eu se esgueira para fora do corpo físico e do corpo etéreo. De modo que podemos desenhar: aqui está o corpo físico do ser humano (figura 2), aqui está o corpo etéreo do ser humano. Pois o corpo astral e a organização do Eu, na verdade, estão fora durante o sono. Esta organização do Eu fornece as percepções sensoriais, as observações sensoriais quando o ser humano está desperto. Por isso as percepções sensoriais não existem no sono, porque a organização do Eu não está nos corpos físico e etéreo, e porque, enquanto o ser humano dorme, a organização do Eu não é suscetível às impressões dos arredores. O corpo astral fornece os pensamentos apenas quando está nos corpos físico e etéreo. Quando está fora deles é insensível para as coisas do mundo e não fornece impressões.
No entanto, foi esse corpo astral que na terceira época dos mistérios – quando o ser humano deveria se ligar pela palavra cúltica com as entidades divino-espirituais -, mediante tudo aquilo que o sacerdote suportava como exercícios preparatórios e se tornava suscetível àquilo que eu lhes descrevi, receptivo para elaborar em si, ele próprio, na comunhão e na transubstanciação, e após a elaboração desta transubstanciação tornar-se receptivo para o apocalíptico.
A mesma espécie de processo deve então acontecer na nossa época atual no ser humano na organização do Eu. Esta organização do Eu deve ser formada para que a transubstanciação possa ser vivenciada por ela, embora na consciência comum, pela organização do Eu, só possam ser vivenciadas impressões sensoriais; e ela deve ser formada de tal maneira que possa tomar parte, pela transubstanciação, no apocalíptico.
Para isso o ser humano atual pode realmente tornar-se suscetível, isto é, o ser humano pode realmente tornar-se sacerdote se ele acolher dentro de si aquelas representações que verdadeiramente sejam imagens do mundo supra-sensorial. E com isso nós temos, no fundo, descrito a conexão interna, com razão, entre o que atualmente existe como esoterismo e aquilo que deve viver na alma do sacerdote. Nós caracterizamos aquilo que a Comunidade dos Cristãos pode converter no portador de uma parte essencial dos nossos mistérios. Basta ponderarmos como realmente é formado o que hoje se aproxima, como antroposofia, do ser humano.
Eu empreguei muitas vezes uma imagem. Eu disse: na verdade, o ser humano tende hoje a acolher dentro de si tudo que, como conteúdo do conhecimento, de alguma forma é apoiado pela percepção externa, pelo experimento externo. Mas ele não quer acolher como conhecimento tudo que não é apoiado pela percepção externa ou pelo experimento. Quem se comporta dessa maneira se assemelha, todavia, a um ser humano que disser: sobre a Terra toda pedra deve ser apoiada para não cair; portanto, os planetas do universo também devem ser apoiados para não caírem. – Que os planetas se suportam mutuamente sem apoio é hoje evidente, porque é ensinado tradicional e autoritariamente. Que as verdades antroposóficas também são tais que não precisam ser apoiadas pela observação exterior nem pela experimentação, porém se apóiam e carregam mutuamente, disso se duvida com frequência.
No momento em que pudermos descobrir que as verdades antroposóficas valem porque uma verdade apóia a outra, de tal modo que estas verdades se apóiam mutuamente, neste momento também se começa a não empregar mais o costumeiro modo de falar: eu mesmo ainda não penetro com o olhar o mundo espiritual e por isso não consigo compreender o que é o conteúdo da antroposofia. – Neste momento se começa a compreender a antroposofia pelo apoiar-se mutuamente das suas verdades e se pode então continuar a familiarizar-se com ela.
Essa proposição de penetrar o que é dado pela antroposofia como conhecimentos a respeito do mundo espiritual é, na verdade, o que o clero pode trazer, em primeiro lugar, para o seu caminho interior, e também deve trazê-lo para isso. Pois, basta que nos fique claro que a constituição da alma, a postura anímica na qual o ser humano realmente penetra quando se apropria da antroposofia de maneira honesta, está apto a aproximar-se de algo como o Apocalipse de tal modo que se possa dizer: apesar do Apocalipse estar uma vez colocado diante de nós, este Apocalipse, quando eu o deixo atuar sobre mim, estará uno com o meu próprio Eu, em cada uma de suas imagens, em cada imaginação. – E então vem o momento em que esse Apocalipse pode ser, não só experiência própria, porém produção própria do Eu humano. Devemos apenas tentar aproximar-nos do Apocalipse em um sentido antroposófico. Outro acesso a ele não existe hoje.
Agora vamos tentar uma vez, em primeiro lugar, entender espiritualmente alguns pontos principais do Apocalipse.
A frase “Eu sou o Alfa e o Ômega” (Ap 1,8) só é compreendida quando se sabe que o som A – Alfa -, nos tempos antigos não era aquele componente da palavra, abstrato, separado, sem significado, do modo como nós o percebemos hoje, porém o som tinha realmente valor para ostentar uma denominação.
A humanidade tratou de um modo estranho os sons da fala, os quais realmente envolvem um tão grande mistério. A humanidade tratou os sons da fala do mesmo modo como um policial trata um criminoso. Ela numerou os sons da fala do mesmo modo como nós numeramos os criminosos quando entram na sua cela. E do mesmo modo como eles perdem ali os seus nomes e recebem números, assim também os sons perderam totalmente a sua entidade pela numeração. Isto é falado biblicamente, mas é toda a verdade.
Ora, retrocedamos para antes daquele tempo latino-romano, no qual foram os sons numerados, e então encontramos na humanidade a plena consciência daquilo – que no hebraico era inteiramente o caso -, que o som pode ostentar um nome com todo direito, a ponto de se lhe poder dizer: Alfa – ou Alef em hebreu -, porque ele é uma entidade, porque ele é uma divindade, uma essencialidade supra-sensorial. E se contemplarmos esse primeiro som do assim chamado alfabeto, então já teremos de passar por uma espécie de desenvolvimento conceitual se quisermos atinar com o que o Alfa realmente é.
Os senhores sabem que a antroposofia regride até a descrição da evolução do terrestre, até os estágios planetários pré-terrestres, lua, sol, até a condição saturnina, e se tenta extrair da observação do desenvolvimento do mundo, aquilo que está relacionado com a evolução do ser humano. Pois no antigo Saturno encontramos o primeiro germe humano cósmico, o qual depois, após as mais diversas transformações pelos estágios existenciais do sol, da lua e da Terra, se tornou o atual corpo físico do ser humano. O ser humano já existe desde o seu primeiro plano germinal no antigo Saturno.
Talvez, para aquele que quiser examinar, com séria honestidade, a verdade desse âmbito, seja mesmo de grande importância lançar uma vez a questão: Como era a vivência desse germe humano no antigo Saturno? A vida no antigo Saturno transcorria em condições calóricas. Diferenças de calor e frio eram acolhidas pelo ser humano. O ser humano vivia em condições tais que lhe diziam muita coisa sobre as relações de valor do cosmo, que também lhe diziam muita coisa espiritual, mas que lhe abriam apenas certo campo do espiritual, que atuava em diferenças de calor e frio.
Se prosseguirmos assim do antigo Saturno para o antigo sol, descobrimos que então o ser humano vivia no seu corpo físico de tal modo que este corpo físico se diferenciava então em calor e ar, de tal modo que o ser humano na existência solar tinha um organismo consistente de éter calórico e do elemento ar. Ali nós já temos uma diferença no próprio ser humano. O ser humano se torna mais rico interiormente. Ele não percebe apenas diferenças calóricas, porém também emerge algo que se pode chamar de uma interioridade. O que é calor o ser humano percebe do sol, mas ele também percebe um ritmo respiratório interior dentro de si, o qual, por sua vez, expressa enigmas do cosmo, o qual é uma imagem espelhada dos enigmas do cosmo.
Basta que examinemos o modo como a entidade humana enriquece ao desenvolver-se no tempo da condição saturnina para a condição solar da Terra, e, novamente, se torna mais rica enquanto a Terra se desenvolve da condição solar para a condição lunar, e da condição lunar para a Terra. E a entidade humana ficará ainda mais rica quando continuar a se desenvolver através das futuras condições planetárias para Júpiter e, além disso, para Vulcão.
Coloquemos a questão: Como era a relação do ser humano para com o mundo no antigo Saturno? A relação do ser humano com o mundo no antigo Saturno era que, embora percebesse do mundo uma quantidade infinitamente grande de diferenças calóricas, mas qualitativamente ele recebia inicialmente muito pouco. Ainda havia pouco mundo no ser humano. Embora o ser humano existisse como ser humano, ele era, porém, por assim dizer, um mero ser humano; ainda não havia muito mundo dentro dele. Na medida em que ele avança pelo sol, lua, Terra até Júpiter, o seu interior será cada vez mais preenchido pelo mundo. Será cada vez mais rica a vida como mundo. Aqui na Terra nós já temos uma grande porção do mundo dentro de nós. E quando, um dia, a Terra tiver chegado ao estágio em que ela se dissipará, então o ser humano estará carregando dentro de si uma grande parte do macrocosmo elaborado como imagens terrenas.
Nós já carregamos dentro de nós uma parte do cosmo, mas com o conhecimento comum não o sabemos. Na medida em que o ser humano avança para o alto pela imaginação, inspiração, intuição em direção ao conhecimento espiritual, a sua vivência interior se torna simultaneamente cada vez mais grandiosa no anímico. Ora! O que é o olho do ser humano do modo como a consciência comum o conhece? Contudo, este olho do ser humano, em cada uma das suas particularidades, é um cosmo grandioso e poderoso como o macrocosmo. Cada órgão no ser humano, isoladamente, já se desvenda no corpo físico como um mundo. De tal modo que o ser humano, ao lançar o olhar ao redor de si como iniciado, vê um mundo, um mundo lá em baixo com seus elementos, no alto com os astros, com o sol e a lua. Ao olhar dentro de si: cada órgão, o olho, o ouvido, o pulmão, o fígado e assim por diante, é um mundo por si só, e, esse corpo físico do ser humano é um grandioso entretecer de mundos: universos que estão prontos, universos que ainda estão no germe, universos que são sensoriais, semi-sensoriais, totalmente supra-sensoriais. O ser humano carrega, verdadeiramente, cada vez mais universos dentro de si, ao desenvolver-se através das evoluções.
Dessa maneira, nós podemos diferenciar o ser humano no início do antigo desenvolvimento saturnino, onde ele está inteiramente no começo de ser humano, mas ainda não carrega o mundo dentro de si. A primeira coisa que o ser humano obteve durante o desenvolvimento do antigo Saturno foi a percepção de que era um corpo calórico, que ele notava a extensão desse corpo calórico. De modo que podemos dizer, esquematicamente: o ser humano se percebia no antigo Saturno como calor, mas ele percebia cada vez mais, após, primeiramente, ter-se sentido como uma espécie de molusco calórico, algo como uma acumulação de calor, em seguida algo como uma pele exterior, uma pele calórica, um invólucro um pouco mais frio do que era o calor dentro dele. O interior ele sentia um pouco mais quente, em uma diferenciação diversificada, por fora o calor com menor intensidade do que a pele calórica.
Hoje nós expressamos isso em nossa língua, mas a nossa língua tem algo de abstrato, a nossa língua não produz por encantamento a grandiosidade de tal representação diante da nossa alma, quando nós examinamos os percursos temporais passados de volta até o antigo Saturno. Mas aqueles que são tocados apenas um pouco, são, por sua vez, tocados pelo santo temor no qual estas coisas eram consideradas nos antigos mistérios. Ainda nos antigos mistérios ctônicos* da Grécia se falava dessas coisas de tal modo que se conhecia, de certa maneira, o ser humano saturnino, o qual ainda não tinha a pele calórica, e se sabia a respeito deste ser humano saturnino que ele, como primeira coisa, recebeu do mundo circundante a pele calórica, a qual imitava o mundo em sua configuração. Esta foi a primeira coisa que o ser humano aceitou do mundo.
*ctônicos: relacionados ao mundo inferior. (N.T.)
Qual era naquele tempo o aspecto anímico-subjetivo que o ser humano, enquanto ainda era um ser humano calórico, vivenciava dentro de si? Ele vivenciava dentro de si a pura admiração a respeito do mundo. Se tiver de ser expresso o que ele vivenciava, era a pura admiração. Pois não se pode entender o calor senão como uma pura admiração. Externamente, é calor; internamente ele é percebido como pura admiração.
Apenas porque os seres humanos se tornaram tão grosseiros com seus conceitos, é que eles falam da inexplicabilidade da “coisa em si” como o velho Kant. A “coisa em si” do calor é a admiração, e o ser humano, como ser humano saturnino, era tanto admiração como também era calor. Ele vivia em admiração, em assombro a respeito da sua existência, pois ele vinha pela primeira vez para esta existência. Este é o Alfa: o ser humano calórico vivendo em admiração, o ser humano saturnino. E a primeira coisa que o se humano percebia como mundo, como cápsula do mundo, a pele, é Beta, a casa, esta casa do ser humano (figura 2). O ser humano em sua casa, em seu templo. E esta casa era a primeira coisa que o ser humano recebia do mundo; a pele-Beta.
E se transitarmos assim pelo Apocalipse, iremos com isto pelo mundo. Enquanto o ser humano absorve, a cada vez, o que é o mundo, e o une com todo o seu ser, até que no futuro, no Vulcão, tenha unido consigo todo o âmbito do mundo, este enorme todo ao qual pertence, então ele será aquele que ele era no início do desenvolvimento saturnino, e todo o mundo. Ele será Alfa e Ômega, o ser humano, e nele se reúne tudo que é mundo. Com o “Eu sou o Alfa e o Ômega” do Apocalipse de João nós descrevemos o que o ser humano será no fim do tempo vulcânico. No final do desenvolvimento vulcânico o ser humano também poderá dizer: Eu sou o Alfa e o Ômega.
Contemplemos, a partir daquilo que nós representamos como início, meio e fim da evolução da humanidade, o mistério do Gólgota. Nós temos aquela entidade que se incorporou em Jesus pelo mistério do Gólgota, aproximadamente na metade do tempo mundial do desenvolvimento humano no ponto na evolução universal, no qual o ser humano estará no final do desenvolvimento vulcânico. Então nós teremos a entidade como Deus, que o ser humano como ser humano será no final do desenvolvimento vulcânico.
Em que consiste o ser-Deus perante o ser-homem? O ser-Deus perante o ser-homem consiste em que na sequência temporal Deus é anteriormente o que o ser humano será mais tarde. Não digam os senhores que com isso Deus seria rebaixado a ser humano, ou feito ser humano. Ele não o será. Pois, na verdade, para a contemplação supra-sensorial, o tempo – se me for permitido servir-me da expressão paradoxal -, é realidade simultânea. No entanto, a distância entre o ser humano e Deus aparece no que acontece no tempo do mistério do Gólgota. Não se pode, ao querer ter em vista essas relações, relacionar tempos diferentes e seres de tempos diferentes uns com os outros.
Vejam! Em tais escritos como o Apocalipse de João é um deles, muita coisa ainda é expressa na língua dos mistérios e só pode ser compreendida se for retirada de dentro da língua dos mistérios. E absolutamente não pode surpreender que o autor do Apocalipse fale na língua dos mistérios, pois no seu tempo isso ainda era usual e fácil para as pessoas. Naquele tempo elas ainda sabiam que os sons são entidades supra-sensoriais, que Alfa, o ser humano, com entidade supra-sensorial está no princípio, e que, quando se vem do Alfa para o Beta do ser humano nos dirigimos ao mundo, isto é, também nos dirigimos ao mundo divino, e que, quando, passando por todos os sons do alfabeto, se chega ao Ômega, encerramos todo o mundo divino em nós.
No fundo, é isso que perturba, que hoje só vivenciamos os sons de forma a serem trivialidades para nós. Porquanto, o que são para nós todos os sons senão trivialidades? Quem conhece apenas o abc não conhece muita coisa. São trivialidades. Mas estas trivialidades apontam, no ponto inicial, para entidades divino-espirituais e as nossas letras são as descendentes daquilo que outrora eram entidades divino-espirituais. Todo o alfabeto era uma soma de tais entidades divino-espirituais. Os sons eram deuses que soavam de todos os lados para o ser humano. Os sons A, B – Alfa, Beta: o ser humano, o ser humano em sua casa, e assim por diante. Alfa e Ômega: o ser humano com todo o mundo. O ser humano percebia os sons como aquilo que – ao pronunciá-los -, o permeavam com espiritualidade.
Aquilo que ainda existia como espiritualidade na entonação da fala cúltica, na terceira época dos mistérios, era o último resíduo dessa vida divino-espiritual nos sons. Isto ainda era compreendido nos últimos tempos. Quando o ser humano entonava, sequencialmente, o que hoje é nosso alfabeto abstrato e tradicional, ele entonava a palavra universal. Mediante aquilo que ele entonava, ele se ligava a todos os deuses: no princípio primordial isto era a palavra. – Isto tem o mesmo significado de quando o Cristo diz: Eu sou a Palavra -, ou quando ele diz: Eu sou o Alfa e o Ômega.
Vejam! O Apocalipse ainda é composto na língua dos mistérios e ainda se serve de tais designações que ainda lembram o grande tempo em que o ser humano ainda sentia o macrocosmo como universo falante. Hoje nós esmaecemos até à trivialidade aquilo que em tempos antigos era altamente espiritual para o ser humano, os sons da língua. Nós devemos poder sentir que aconteceu aí. Ora, o que aconteceu? Os sons existem, mas os deuses não existem mais nos sons para o ser humano. Os deuses abandonaram os sons. E as entidades arimânicas se inseriram de um modo demoníaco, em nossos sons. A imaginação popular, de que os sons de nossa fala, sendo pelo menos vistos atentamente, contêm algo de magia negra, absolutamente não é infundada. Isso contém uma sadia imaginação popular. Pois, os sons divinos de outrora foram arimanizados. Os deuses de outrora abandonaram os sons, e entidades arimânicas ingressaram neles. E se nós não re-encontrarmos, novamente, o caminho de volta nesse campo, então o ser humano já será impregnado cada vez mais com poderes arimânicos.
Com esse sentimento quanto à fala nos aproximamos do Apocalipse. Então nos aparecerá em toda a sua dimensão e poder aquilo que no Apocalipse é colocado diante de nossa alma. Pois, o que quer o autor do Apocalipse? Ele quer aquilo que todos os outros também querem, os que com razão falam do Cristo, os que falam a partir do conhecimento.
João quer colocar o Cristo diante da humanidade. Ele atenta para o fato de que o Cristo existe. Ele inicia o Apocalipse com o fato do Cristo existir. Pois, se tomarmos as primeiras palavras do Apocalipse e as traduzirmos, analogamente, em nossa língua, então isto não significa senão que: veja a aparição de Jesus Cristo! Olhe aí, eu lhe quero mostrá-la, essa aparição de Jesus Cristo que Deus deu!
Portanto, primeiramente, nos é indicado pelo autor do Apocalipse, a seu modo, exatamente ao modo apocalíptico, que o Cristo quer aparecer diante da humanidade. Mas ele também nos faz atentar para o fato de que não quer apenas fazer saber a respeito da aparição, da imaginação de Jesus Cristo, que pressupõe, de certo modo, uma contemplação, porém ele também quer fazer atentar para que o poder divino-espiritual, que introduziu esta aparição no mundo, aquilo que ele colocou na visibilidade, também leve a ser expresso em palavras.
Essas palavras que são do próprio Deus, são a interpretação da aparição de Jesus Cristo, e Deus as enviou mediante o seu anjo a seu servo João. Devemos compreender desse modo início do Apocalipse.
Aqui se trata, realmente, de uma duplicidade: trata-se de uma imaginatividade, de uma imagem do Cristo, e daquilo que é a mensagem do Cristo. E aquilo que se fala na segunda frase, que é reforçado e testemunhado por João, é a parição do Cristo e a interpretação dessa aparição: o Cristo na imagem e o Cristo na palavra. Pois, ao Cristo na imagem e ao Cristo na palavra, o autor do Apocalipse quer colocar diante dos seres humanos.
Com isso nos é mostrado, simultaneamente, o que naquele tempo era evidente, mas que hoje foi completamente perdido pelo ser humano. Hoje nós falamos, em nossa pobre psicologia, de percepção sensorial e de representação. E para que a coisa fique ainda mais pobre, as pessoas deixam a percepção sensorial surgir dos sentidos, e a representação deixa-se o ser humano fazer no interior. Tudo é meramente subjetivo, não há nada de cósmico nisso. As pessoas fazem de um mundo rico um mundo “anguloso”, e se esquece, inteiramente, que o ser humano está postado no universo.
Aquilo que entre nós encolheu para a pobreza da representação é o elemento intuitivo da palavra: a segunda coisa que João assegura, da qual ele dá testemunho, a qual ele comunica. Aquilo que nós chamamos de percepção com relação ao supra-sensorial, o apocaliptista coloca como a aparição do Cristo. De modo que devemos dizer:
Veja a aparição do Cristo, dada por Deus, para mostrar a seus servos, e que deverá acontecer em pouco tempo;
Mais tarde eu explicarei a palavra.
Deus o trouxe na palavra e o enviou por seu anjo a seu servo João. Este confirmou a palavra de Deus e a aparição de Jesus Cristo, que ele viu.
Aquilo que João recebeu na carta de Deus e o que ele viu, ele quer dar aos seres humanos.
É necessário que nós entremos de novo, desse modo, concretamente, na escritura da cristandade. E é tarefa dos senhores, como sacerdotes, que por sua vez querem ser isso a partir do mais profundo e honesto impulso dos seus corações, insistir para que a concretude penetre na escrita. Pois, na verdade, é como se o ser humano, ao ler os evangelhos com aquilo que hoje é uma língua, ele procede, no fundo, desonestamente, quando diz que os compreende. O que eu lhes disse consta da seguinte maneira no início do Apocalipse.
“Esta é a revelação de Jesus Cristo” – assim consta em uma tradução -, “que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos o que deve acontecer em breve; e ele a manifestou e enviou por seu anjo ao ser servo João”. – É assim que consta ali, e no mundo inteiro isso é falado às pessoas como sendo o som da palavra do Apocalipse. Mas ninguém consegue realmente imaginar algo com isso. E assim é com a maior parte dos evangelhos. Por tentar-se explicar com o som da palavra, que não fornece mais nada do que, originariamente, consta ali, que este som da palavra seria algo, com isso, aos poucos surgiu, a noção de que absolutamente não se deveria penetrar mais profundamente nos evangelhos. Ora, como se deveria fazer isso? Quando se lê os evangelhos em qualquer uma das línguas modernas, não se entende mais nada, se formos honestos. Pois, o que consta ali nas línguas modernas, nada mais expressa. É preciso retroceder, novamente, ao que há ali originariamente, do modo como nós fizemos com as duas primeiras frases e do modo como faremos com as subsequentes.
Também se diz que para certas partes dos evangelhos dever-se-ia retornar ao grego. Ora, eu tenho todo o respeito devido ao conhecimento de grego dos nossos contemporâneos, que se esforçam razoavelmente pela compreensão do grego. Mas a verdade é que hoje ninguém mais entende corretamente o grego, porque não temos mais em nós, de todo, o que o grego tinha dentro de si, quando ele falava ou quando ele ouvia. Quando ouvimos alguém ou nós mesmos falamos, nós somos, no fundo, como sacos de farinha. Interiormente permanecemos tão quietos como permanece quieta a farinha no saco quando acondicionada corretamente.
Este não era o caso no grego. No grego a consciência vibrava quando ele ouvia, ele ficava vivo interiormente e falava a partir da vitalidade. As palavras que ele ouvia e falava ainda eram corpos vivos para ele, estavam vivos para ele. Nem se fale dos povos orientais. Embora hoje em dia estejam em decadência, eles não são como o homem europeu que não consegue mais escutar interiormente de uma maneira viva, quando fala ou ouve. Basta os senhores ouvirem um oriental, como os senhores podem fazer, por exemplo, com Rabindranath Tagore; ouçam como estes seres humanos, mesmo em seus exemplares de pouca significação, apresentam o urdir e o viver interior que vive na língua.
Hoje é assim, que se acha que se tenha a língua quando se toma o dicionário, no qual, de um lado está a palavra inglesa e do outro lado a palavra alemã. Com total tranquilidade os seres humanos colocam as palavras alemãs do mesmo modo como se encontram as palavras inglesas. Os seres humanos não têm qualquer noção de que se caminha sobre um precipício, que se entra em um mundo totalmente diferente, e que, realmente, aquilo que vive na língua deve ser tratado como algo divino*.
*Na tradução se deve concentrar a observação no texto original, seguida de um tempo de contemplação, para, de dentro dela, intuir o que é aquela realidade na nova língua. (N.T.)
Isso deve tornar novamente à consciência do ser humano. Então este colocará interiormente a exigência de retornar àquilo que vibra para fora a partir de antigas comunicações como, por exemplo, o Apocalipse, o qual leva a nossa alma até o encantamento da aparição de Jesus Cristo. Como uma poderosa aparição ela se coloca diante de nós, se nós pudermos contemplá-la como se todo o elemento nebuloso se concentrasse subitamente e nos entregasse toda uma maravilhosa magnificência, adotando configuração humana e configuração angelical. Como se o passado, o presente e o futuro ondulassem para fora da substância nebulosa e revelasse o conteúdo espiritual do mundo que o ser humano encerra em si, é assim que está inserida ali a aparição de Jesus Cristo.
Em primeiro lugar, a aparição é tal que nós emudecemos diante dela, que nos tornamos unos com o mundo e cessamos de existir para nossa consciência. Nós nos colocamos perante a aparição de tal modo que somente a aparição exista e nós mesmos sejamos anulados. Com isto nós avistamos atrás da aparição o Deus revelador, o Deus-Pai que deu a aparição; Ele dá suporte, atrás da aparição, à palavra inspiradora. A palavra que é a interpretação da aparição é o enigma. No entanto, chegou o tempo em que o enigma será dado por Deus a um anjo, o qual o levará para baixo, como mensagem de Deus, por carta, para o ser humano, pela senda pela qual a inspiração de Deus chega ao ser humano.
Tão logo o ser humano seja emudecido, tenha desaparecido, seja consumido na aparição e comece a não estar apenas em si mesmo, porém absorver a carta divina interiormente, a qual ele apenas deve, primeiramente, des-selar, a qual está cerrada com sete selos, a qual ele recebe como a carta enviada a ele pela divindade com sete selos, então ele próprio se converterá no que consta na carta. Então ele chega a ver o que consta na carta como sua própria entidade egóica. Então ele se encontrará com as idéias divinas, com o conceito divino, com a imagem espiritual, diante da aparição.
Se os senhores imaginam o sacerdote João com a aparição de Jesus Cristo diante de si, desaparecendo tão generosamente para si, se os senhores o enxergam de tal modo, recebendo dos anjos a carta de Deus, sete vezes selada, e quando os senhores vêem surgir o propósito de des-selar a carta de Deus, ele próprio, e comunicar à humanidade o conteúdo -, então os senhores obtêm a imagem, a imaginação que consta do ponto de partida do Apocalipse. Pois, no obtido devemos demonstrar a palavra que ali está, de que é assim como eu descrevi na imaginação. – É isso que o autor do Apocalipse quer dizer. Por isso ele diz: bem-aventurado é o que lê aqui e escuta as palavras do macrocosmo e o que acolhe aqui e guarda dentro de si o que está escrito no livro – quando o ser humano o compreende -, pois, o tempo é chegado.
Ele chegou. Não é mera vontade, está contido no carma da Comunidade para a Renovação Cristã, que nós tratemos agora neste contexto, a respeito do Apocalipse.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 7 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 6 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – segunda conferência
Em primeiro lugar queremos examinar melhor a conexão entre a consagração do homem e o apocalíptico, para depois nos aproximarmos do Apocalipse de João e o seu significado para a atual e futura atuação do próprio sacerdote.
Ontem tivemos de apontar para três épocas pregressas dos mistérios, na medida em que aqueles mistérios tentavam, através daquilo que se passava no sacerdote, trazer o sacerdote para a sintonia apocalíptica. Apontamos para mistérios muito antigos nos quais os próprios deuses desciam para atuar juntamente com os seres humanos nos mistérios e também apontamos para mistérios semi-antigos nos quais os deuses enviaram suas forças para baixo, e assim tornaram possível ao ser humano, com isso, viver no âmbito das forças divinas para juntamente com eles atuar no universo.
Eu disse: o caminho se inverteu totalmente na terceira época, nos mistérios semi-novos. Aí se tratou do ser humano configurar aquelas forças que ele próprio devia desenvolver, em primeiro lugar, para que pudessem elevá-lo para o alto, para os deuses. E ali nós vemos como o ser humano, mediante a entonação da palavra mágica na cerimônia cúltica, procurou o caminho para as forças divino-espirituais do mundo – seja falando essa palavra mágica através da fumaça do modo indicado ontem, e pela palavra extrair da fumaça as imaginações, seja que a palavra atuava diretamente em toda a sintonia anímica do ser humano -, de tal modo que ele descobrisse na palavra a atuação divino-espiritual.
E para esse desenvolvimento de certo sentido religioso pelo ser humano – o qual só se pode descrever realmente em separado -, sempre andou em paralelo o que era um pressuposto necessário: certa forma de transubstanciação que era o ponto central da consagração do homem. Os sacerdotes da atualidade e do futuro próximo são convocados para vivenciar em uma nova forma essa transubstanciação e com ela tudo que se encontra realmente na atuação sacerdotal. Isso não será bem possível sem compreender solidamente em que consistem, no fundo, segundo a vida, a substanciação e o Apocalipse nos quatro períodos consecutivos da consagração humana.
Uma coisa nós vimos: a consagração do homem – com a transubstanciação – é um procedimento do seres humanos em companhia do mundo divino-espiritual. Sem a consciência de que o ser humano pode agir em companhia dos deuses, sem essa consciência uma atuação sacerdotal não é absolutamente possível.
Lancemos mais uma vez o olhar sobre a mais antiga forma da consagração humana e sobre a mais antiga forma da transubstanciação, e então acharemos que, em determinados tempos, que na verdade representam tempos diferenciados entre o que o ser humano pode calcular como sequência temporal no correr do ano e o que se realiza no cosmo, os deuses encontram o caminho em direção ao ser humano. Os deuses desceram naqueles tempos poupados, nos tempos santos, nos quais o ser humano precisava, de certo modo, inserir algo no tempo por ele calculado, porque a marcha do cosmo não coincide com os seus cálculos. Naqueles tempos, portanto, nos quais o ser humano precisou colocar-se diretamente sob influência cósmica para realizar a transubstanciação, ele guardou então um pouco dessas substâncias que tinham experimentado uma conversão a partir do cosmo, para com essa coisa conservada realizar a transubstanciação nos tempos subsequentes.
Naqueles tempos a paragem condigna dos sacerdotes e dos crentes leigos, para a transubstanciação, era a caverna* terrosa, a gruta rochosa. E, de fato, em toda parte nos antigos mistérios nos quais se desenvolveu uma plena consciência da presença dos deuses e do significado da transubstanciação, nós vemos como se aspira a deslocar o procedimento santo para dentro do templo rochoso, do templo terroso, do subterrâneo da Terra.
O fato de isso ser procurado, se relaciona com as experiências e vivências que o sacerdote fazia na transubstanciação. Ora, a transubstanciação consiste na conversão da substancialidade dada em matéria terrosa. E nós podemos, quando se quer abranger, completamente, o processo, acrescentar a comunhão, o acolhimento da transubstanciação, na própria entidade** humana, de tal forma que, com efeito, as duas últimas partes maiores da consagração do homem, a transubstanciação e a comunhão, formam uma unidade neste contexto, e que a leitura do evangelho e o ofertório constituem a preparação para isso. Se nós enxergarmos nesse contexto, na
*”Höhle” – caverna, gruta. **”Wesenheit” – entidade, essência. (N.T.)
transubstanciação e na comunhão, um ato sacerdotal unitário, um ato cúltico unitário, então nós podemos explicar aquela concepção que nos mistérios antigos tinham aqueles iniciados, aos quais também chamavam de “Pais”. “Os Pais”, essa era a designação de um grau dos iniciados, o grau de “Pai”. Disso permaneceu, na verdade, o nome que os sacerdotes de muitas confissões ainda levam: padre.
Ora, o sacerdote vivenciava , enquanto realizava a transubstanciação no templo terroso, no templo rochoso, a união do seu organismo físico com toda a Terra. Por isso o templo rochoso, por isso o templo de terra. Na verdade devemos nos sentir unidos – mesmo quando vivemos em nossa atual consciência terrena comum, entre o nascimento e a morte -, devemos nos sentir realmente unidos com aquilo que nos envolve no cosmo. E isso, na verdade, foi assim durante todo o desenvolvimento terrestre da humanidade.
O ar que os senhores contêm neste momento em seu corpo, há pouco estava fora do corpo, e logo depois estará novamente fora do corpo. O ar que está fora do seu corpo, e o ar que está dentro do seu corpo forma um todo. Todo o fenômeno é esse: existe um mundo de ar e quando o ser humano inala uma parte desse mundo de ar se transforma no ser humano. O ar é acolhido, ele penetra em toda parte, ele preenche o ser humano, ele adota a própria forma do ser humano. Esta forma se dissolve novamente tão logo é exalada no mundo de ar. É um contínuo nascer e fenecer do ser humano configurado em forma de ar. Só não entra na nossa consciência.
Quando o antigo iogue realizava seus exercícios respiratórios conscientemente, isto também ficava cada vez mais na sua consciência. Ele não se sentia separado, porém uno com todo o mundo de ar da Terra, ele sentia o contínuo nascer e fenecer do ser humano aeriforme em cada sístole e diástole. Isto se pode vivenciar sem mais nem menos por meros exercícios respiratórios que hoje não são mais adequados ao ser humano.
Mas o ser humano não é apenas ser terreno no físico. Ele é ser terreno quando está preferencialmente ativo aquilo que chamamos de corpo físico, mas ele também é ser humano líquido. Todo o ser humano está preenchido com o líquido que nele circula, com o que o ser humano terroso e o ser humano líquido atuam um sobre o outro e se influenciam mutuamente. O homem do líquido depende, de preferência, do corpo etéreo, pois as forças do corpo etéreo atuam menos no que é sólido, porém mais no que é líquido.
E, ademais ainda carregamos em nós o ser humano do ar e o ser humano do calor. O ser humano do ar, que provê a respiração, se situa sob as forças do corpo astral, e o ser humano calórico está colocado, de preferência, sob a atuação da organização do Eu. Basta os senhores se recordarem de que, ao medirem com o termômetro em qualquer local do corpo, dentro ou fora, essa temperatura será diferente. Já nessa forma grosseira de medir o calor, se mostra que o ser humano é um organismo calórico diferenciado.
Assim nós encontramos no ser humano os quatro elementos: a terra sob a influência do corpo físico, a água sob a influência do corpo etéreo, o ar sob a influência do corpo astral e o calor, o fogo, sob a influência da organização do Eu.
Aquilo que pela transubstanciação em união com a comunhão foi conseguido junto aos antigos padres é que eles sentiam então a organização física relacionada com a terra quando eles se dirigiam para dentro dos templos rochosos ou terrosos para crescerem diretamente com esse desenvolvimento terroso.
Tudo que o ser humano pensa hoje a respeito da sua própria entidade – como ele diz, pensa-o cientificamente -, e está, na verdade, profundamente errado. E, no fundo, isso é uma tolice. Tudo que se refere ao ser humano deve ser representado de um modo totalmente diferente. E essas representações se produziam para os antigos padres a partir do santo sacrifício da sagração do homem mediante uma contemplação imediata como consequência da transubstanciação.
Eles sabiam que nós não respiramos apenas o ar através dos nossos órgãos respiratórios, que nós tomamos continuamente do cosmo todos os materiais possíveis por nossos órgãos sensoriais; pelo cabelo, pela pele são absorvidos continuamente todos os possíveis materiais a partir do cosmo. E do modo como aquele que respira conscientemente sente o ar sendo inalado em seus órgãos respiratórios, assim o antigo sacerdote sentia, a partir das imediações siliciosas, enquanto se encontrava no templo subterrâneo da sagração, as substâncias passarem por ele e permearem a sua organização neuro-sensoriais. Do mesmo modo como o ser humano aéreo sente o ar seguir adiante quando respira conscientemente, assim aquelas substâncias impregnavam todo o organismo. O antigo sacerdote sabia que o ser humano mêmbrico-metabólico não obtém nada do que come, em sua composição substancial. Nada daquilo que se come adentra o ser humano mêmbrico-metabólico.
O substancial é absorvido a partir do cosmo. Toda a teoria nutricional de hoje, efetivamente, não é verdadeira. Aquilo que é comido e convertido pela organização digestória, isto o padre celebrante sentia que tomava o rumo do ser humano metabólico em direção ao ser humano neuro-sensorial, de preferência para a cabeça, e ele sabia: o que você come é convertido em você em substância da cabeça e daquilo que a ela está relacionado. No entanto, justamente aquilo que em você forma os órgãos que cuidam do metabolismo é absorvido do cosmo mediante uma respiração mais sutil. E assim ele sentia a substancialidade do cosmo absorvida por todos os lados pelos sentidos e nervos, e constituírem o seu ser humano mêmbrico-metabólico. Ele sentia o fluxo descendente, o qual tem sua origem de todos os lados do cosmo, e, fluindo de cima para baixo no seu organismo. E ele sentia aquilo que o ser humano acolhe diretamente como alimento e é convertido no corpo, tomar o rumo contrário e constituir precisamente a ser humano superior.
O padre tinha dentro de si um fluxo descendente e um fluxo ascendente ao realizar a transubstanciação. Ao realizar depois a comunhão ele se sabia, com relação ao cosmo, porque o seu corpo físico se lhe tornara consciente nesses fluxos. Ele incorporava em si o que acabara de receber pela celebração no altar, do fluxo direcionado de cima para baixo e do fluxo dirigindo-se de baixo para cima; ele incorporava, ao tornar-se uno com a Terra, aquilo que ele havia preparado no altar com fluxos que pertencem em comum à Terra e ao seu corpo, como o divino sobre a Terra, a qual é um espelhamento do universo. Ele se sabia uno com o universo, com aquilo que estava lá fora. Ele sabia que essa comida que ele havia tomado desse modo, era uma comida que seu ser humano cósmico realizara. Ele sentia subir pelo fluxo que fluía para baixo, e no que seguia para cima, o próprio ser humano divino, que poderia ser um companheiro dos deuses descendentes. Ele se sentia reconfigurado pelos deuses em seu corpo físico para um ser humano divino, ele próprio transubstanciado. E nesse momento era que ele pronunciava, a partir das profundezas do seu coração: Eu sou aquele que vive no Deus que desceu; Eu sou aquele cujo nome abrange todos os sons, que foi no princípio, que está no meio, que estará no fim. Eu sou o Alfa e o Ômega.
E então dependia do modo como seu interior se configurava mediante esse sentir, até que ponto ele realmente podia participar dos enigmas do cosmo, da atuação e criação divinas no cosmo, no revelar-se das forças e substâncias e entidades no cosmo sob a criação divino-espiritual. Essa era a atuação do sacerdote nos antigos mistérios.
Ao adentrarmos os mistérios semi-antigos descobrimos que dentro dos templos que então não eram mais deslocados para o subterrâneo da Terra a partir dos mesmos anseios – ou quando eram deslocados para lá, isto acontecia por tradição, não era mais vivamente compreendido, mas continuava a viver pela tradição, embora tivesse perdido o conteúdo vivo -, que ali nos templos que já se haviam erigido acima da Terra, principalmente desempenhava um grande papel tudo quanto era água benta, que são abluções, que são atos sacrificiais relacionados com a água.
Na verdade, tais tradições permaneceram na realização do batismo e na imersão na água do batismo. Aqui se trata de que aquilo que o sacerdote realizou se relacionou menos com o elemento imediato, porém que já pelas forças interiores empregadas do ato sacrificial o ser humano líquido se tornou agora uno com o universo, o ser humano no qual atuaram as forças do corpo etéreo. Era como se agora, quando a transubstanciação foi realizada, e quando tudo isso precedeu e sucedeu à consagração, isso que de algum modo tem a ver com o elemento líquido, que o ser humano sentiu então novamente como se nele trabalhasse agora temporariamente a organização do corpo etéreo. E na execução da transubstanciação o ser humano sentiu como, de certo modo, o seu crescimento a partir da infância se configurasse sob a influência do elemento líquido nele, como continuasse a se configurar e como nesses fluxos do passado, pelo presente, até no futuro atua o corpo etéreo.
Do modo como, pelo corpo físico, os antigos pastores se sentiam unos com o elemento terroso, assim se sentia uno aquele que transubstanciava nos mistérios semi-antigos da segunda época dos mistérios, uno com o que como aquoso vive em todo o cosmo. Ele sentia as forças do crescimento de todos os seres germinarem, brotarem, crescerem em si próprio, se desfraldarem até o organismo desenvolvido e novamente se encolherem até o germe. Ele sentia essa atividade germinante, medrante, vivente, fenecente, enquanto realizava a transubstanciação. A cada momento ele podia dizer: agora eu sei como os seres nascem no mundo, como os seres morrem no mundo. – Pois as forças ascendentes e descendentes do etéreo atuaram dentro de mim. Ele sentia, por assim dizer, a eternidade na santa transubstanciação.
E se nós, por sua vez, juntarmos a transubstanciação à comunhão como um ato sacrificial, unitário, como um ato sagrado, então o sacerdote comungante sabia a respeito da ascensão das substâncias que desse modo se convertiam, da maneira como ontem foi descrito, em seu ser humano aquoso-etéreo. Ele se sentia uno com tudo que mantém a imortalidade, que surge e fenece, que nasce e morre no universo. Nascimento e morte pairavam sobre o altar e, do altar, para dentro da multidão de crentes. Era um ser perpassado por sentimentos da eternidade. E esse ser perpassado por sentimentos da eternidade, era justamente aquilo que havia entrado no lugar do antigo, que era um sentir-se uno com todo o cosmo através da Terra.
E então, quando o terceiro período surgiu, o ser humano deveria justamente conviver conscientemente na santa consagração, a sua união com o elemento aéreo e, pelo elemento aéreo, com o cosmo.
De outra maneira, lá no Oriente, conseguiu-se, junto ao iogue vivendo sozinho como individualidade humana, que ele se tornasse consciente do fluxo de forças universais, supra-sensoriais e divino-espirituais, na inalação e na exalação. Já no Oeste da Ásia, e mais adiante na Europa, se lançou mão, não mais diretamente, imediatamente da respiração indiferenciada, porém se entonou, dentro da respiração, a palavra mágica. Com isso se obteve na palavra mágica, na palavra cúltica, a respiração, o ar fluindo para dentro e para fora do ser humano.
Com isso se deu que naquilo que ou era falado na fumaça sacrificial ou o que era vivenciado diretamente pela entonação da palavra mágica e cúltica, se deu que se revelasse a procura ascendente das forças humanas em direção às forças divinas. De certo modo se sentia: ele próprio entoava o mágico, a palavra cúltica, a palavra orada. – Cada oração tem, no fundo, esse sentido: o ser humano se empenha em subir com suas forças para a região divino-espiritual; lá ele encontra os deuses. E ao entonar ali a palavra, não é mais ele quem fala, porém fala a divindade reveladora, na palavra cúltica; ela se revela no elemento aéreo. O ser humano se sentia, a partir do seu próprio corpo astral, naquilo que domina as forças do ar.
E agora os senhores devem ponderar uma vez, quão grande, quão forte foi a passagem dos mistérios semi-antigos para os mistérios semi-novos, da segunda para a terceira época. Aquilo que os antigos padres vivenciavam era, na verdade, vivenciado no corpo físico. Era uma elevação da atividade do corpo físico. Aquilo que o sacerdote solar da segunda época experimentava, era uma elevação do corpo etéreo, do corpo humano líquido. Aquilo que o sacerdote da terceira época experimentava, ao entonar a palavra cúltica, então vivenciava o fluxo das forças divino-espirituais, isso era vivenciado no corpo astral. O corpo astral foi para a consciência comum já apenas mais, em menor porção, um mediador da consciência. Apenas nos tempos mais remotos da terceira época os sacerdotes ainda conseguiam sentir na palavra cúltica falada magicamente: ao falar, Deus fala em mim. – Mas, posteriormente, isso declinou.
O corpo astral permaneceu inconsciente em suas atuações para com a consciência, a qual emergiu cada vez mais. Hoje, na verdade, ele é totalmente inconsciente para a consciência existente. Por isso, cada vez mais, o conteúdo verbal do culto se tornou, naqueles que eram chamados, algo que podia significar a presença divina, e, naqueles que não eram chamados era algo em quem a entonação não vinha para a consciência.
Isso foi aumentando cada vez mais em um grande número de sacerdotes que serviam no catolicismo. E então se dava que a consagração do homem, a missa, se tornava cada vez mais naquilo em que, embora o sacerdote celebrasse, porém no qual ele próprio não estava mais presente. Mas não se pode celebrar com essa entonação sem a incorporação de entidades aéreas, isto é, sem estar presente a espiritualidade. Em nenhum lugar existe um material configurado que a espiritualidade não ocupe imediatamente. E é assim quando a consagração é celebrada com a verdadeira palavra cúltica – embora também o seja pelo sacerdote indigno -, talvez não com a alma, mas havendo sempre a espiritualidade; de tal modo que o crente, em quaisquer circunstâncias, quando a liturgia é correta, assiste a um procedimento espiritual.
Entretanto, depois que isso se tornou cada vez mais decadente após o último estágio da terceira época, as confissões que trabalhavam mais na direção do racionalismo, as confissões evangélicas, que podiam afastar totalmente de si a celebração do culto. Não existia mais a consciência do significado do culto, da real colaboração direta do ser humano com os deuses. Isso trouxe então os tempos da vivência interior nos quais nós vivemos hoje. A consagração do homem, que traz diretamente para baixo sobre a Terra a vida divino-espiritual, se tornou aos poucos algo incompreendido. O que devia ser vivenciado por eles, o apocalíptico, se tornou algo incompreendido.
No fundo, essas eram as vivências que aqueles dentro os senhores tinham, os que vieram até aqui, em certo dia, e disseram: é preciso que aconteça uma renovação cristã. – Os senhores sentiam que o que vive na atual civilização e sentem o que também vive na vida religiosa de todas as confissões como já separado do verdadeiro e real mundo espiritual.
Na verdade, este é o marco, este ao mesmo tempo nos levará às profundezas dos mistérios que estão relacionados com o Apocalipse: que a transubstanciação na primeira época está relacionada na primeira época pela vivência com o corpo físico, na segunda época, pela vivência com o corpo etéreo e na terceira época pela vivência com o corpo astral; e dos senhores depende, depende de sua vivência interior, do efeito e do urdir da espiritualidade no mundo, disto depende que a consagração e o apocalíptico sejam apanhados pelo Eu da humanidade.
No entanto, disso depende cada concepção correta do que deve ser feito mediante esse movimento pela renovação religiosa, disso depende que o que deve ser feito seja diretamente recebido como a execução de uma proposta a nós colocada, de uma ação supra-sensorial a nós colocada, de uma ação que coloque aquilo que faz o serviço dos poderes supra-sensoriais. Porquanto, ou aquilo que os senhores fazem deve desaparecer lentamente na inconsistência, tendo sido apenas uma espécie de distúrbio na atual evolução do universo, se os senhores não compreenderem a profundidade da sua proposta, ou então os senhores compreendem a profundidade da sua proposta, os senhores sentem essa proposta ligada desde o princípio, não com a atuação de seres humanos, porém ligada com a atuação de deuses através da evolução da Terra.
Nesse caso os senhores devem dizer: nós somos convocados para colaborar com a configuração da quarta época dos mistérios do desenvolvimento humano da Terra. – Só então, se os senhores tiverem a coragem e a força e a seriedade e a perseverança para, desse modo, se encontrar em sua ação, só então a ação é colocada a serviço dos poderes, os quais tenham deixado fluir, diretamente para baixo, a partir do mundo espiritual o conteúdo daquele culto, de quando estivemos reunidos aqui há dois anos. Só então será real o que os senhores tiverem adotado mediante o conteúdo desse culto, que é uma revelação vinda do mundo espiritual e que, como tal, se irradiou sobre os senhores.
E então os senhores sentirão e perceberão cada vez mais que era assim: o Cristo ingressou em primeiro lugar na vida terrestre em um feito cosmicamente real, teluricamente real. O mistério do Gólgota existe como uma ação real. O ser humano precisa, primeiramente, uni-lo em nossa época, ao seu Eu. Pois, a primeira recordação da Santa Ceia ainda estava mergulhada na terceira época dos mistérios, na época em que o corpo astral acolheu e dominou as atuações cúlticas que se realizavam no aéreo. Agora, contudo, trata-se de, com plena consciência, o ser humano ligar sua mais profunda intimidade com o Cristo e começar a compreender o Apocalipse de uma nova maneira.
E como se compreendia o Apocalipse na primeira época dos mistérios? Ele era vivenciado como a presença dos deuses que existem no princípio, no meio e no fim, como o Alfa e o Ômega.
Como se compreendia a presença das forças divinas na segunda época dos mistérios? Ela era vivenciada naquilo que ressoava pelo mundo como música das esferas, na palavra universal que fluía do céu para a Terra, que criou, que cria em tudo, que vive em tudo. Naquele tempo vivenciava-se aquilo que naquele momento estava no princípio, no meio e no fim.
Vivenciava-se na palavra universal cósmica o Alfa e o Ômega. E sempre, quando se falava do Alfa e do Ômega nas diversas épocas – certamente com outros sons, porém, com o efeito, ainda de certo modo semelhante aos sons gregos – sempre havia a aspiração para conhecer o que está contido nesse Alfa e Ômega, no primeiro e no último.
E na terceira época dos mistérios, como se compreendia então o apocalíptico?
Compreendia-se o apocalíptico de tal modo que o ser humano ainda desfraldava aquela palavra cúltica semi-consciente e esta se transubstanciava por si mesma, do modo como eu posso demonstrar pelo que se segue, e, em seguida, o apocalíptico era percebido na terceira época. Talvez alguém entre os senhores – ou a maioria dos senhores -, quando, receptivo com os sentidos e com a alma, poderia estar entregue às impressões do mundo exterior, ouvisse algo musical e tivesse ido dormir com esta impressão musical e tivesse despertado depois no meio do sono.
Então talvez fosse como se ele vivesse em um movimento ondulatório, porém em um movimento ondulatório transformado que ele tivesse ouvido como sinfonia durante o dia. Tratava-se disso com os sacerdotes, na terceira época dos mistérios. Foi isso que se deu com eles, comparável com aquela experiência trivial que acabei de apresentar. Eles celebravam a consagração com a palavra cúltica com a qual eles vivenciavam a presença da divindade nela. Eles haviam enviado a palavra cúltica para o alto, a divindade havia fluído para dentro da palavra cúltica. Eles entravam naquela disposição na qual convém afastar-se da santa ação, afastar-se dela, e eles vivenciavam na coisa transubstanciada, não apenas o que era a palavra cúltica humana na qual estivesse presente a espiritualidade divina, porém eles vivenciavam então aquilo que haviam pronunciado de forma transubstanciada, transformada; eles vivenciavam o eco supra-sensorial daquilo que eles próprios haviam entonado na liturgia da missa, ao fluir transformado, na direção deles e lhes revelava o apocalíptico. Deus revelava o apocalíptico como dádiva recíproca para o ato sacrificial correspondentemente celebrado. Assim se percebia o apocalíptico na terceira época dos mistérios.
Aquele que se sentia afeito ao sacerdócio pelo próprio Cristo Jesus, o autor do Apocalipse, do qual nos devemos ocupar, ele sentia, de certo modo, em primeiro lugar, o que depois mal era revivido, ou pelo menos era revivido por poucos; ele sentia a elevação do conteúdo apocalíptico no próprio Eu. Porquanto, foi o próprio corpo astral que acolheu em si o eco do qual eu falei, em que Deus deu o apocalíptico como dádiva recíproca diante da palavra.
Aquele que foi o autor do Apocalipse de João sentiu o seu Eu plenamente consciente uno com aquele conteúdo que ele depositou no Apocalipse. Isso era como se, justamente a partir do serviço sacrificial há muito tempo extinto em Éfeso, veio para, a partir da incitação do próprio Cristo Jesus, o sacerdote que se sentiu ungido, o autor do Apocalipse, de modo que ele se sentiu como que em uma contínua celebração da santa consagração primordial. Ele sentiu como essa total plenitude do Eu com o sentido da consagração também era então uma total plenitude com o conteúdo do apocalíptico.
Desse modo o Apocalipse foi expresso por João como, com efeito, na consciência comum apenas a palavrinha “Eu” é pronunciada pelo ser humano. Quando o ser humano diz “Eu”, ele expressa seu íntimo nesses poucos sons. Com isso não pode assinalar-se outra coisa senão a única entidade humana individual. Mas essa única contém um rico conteúdo. E é um rico conteúdo o do Apocalipse.
Se nós deixarmos atuar o que o sentimento religioso e o aprofundamento da alma podem dar, se tudo aquilo que é iluminação de como procurar a compreensão do supra-sensorial puder atuar no espírito do ser humano, se nós nos deixarmos estimular pela contemplação das três épocas passadas dos mistérios, se aquilo que viveu na primeira, segunda e terceira época dos mistérios, puder se tornar para nós um inspirador para a quarta, e se nós deixarmos atuar na alma a força do espírito de Deus, do modo como novamente é possível hoje em dia –, então nós poderemos experimentar como, numericamente, não existe apenas um Apocalipse, porém que há tantos Apocalipses quantos Eu’s humanos dedicados a Deus falarem com o Cristo isoladamente, o qual, mediante este movimento pela renovação cristã puder ser novamente encontrado.
O apocalipse permanece uno segundo a sua qualidade; numericamente ele pode tornar-se o conteúdo de cada alma sacerdotal isoladamente. Ao contrário, cada alma, isoladamente, a qual realiza a consagração do homem, pode tornar-se alma sacerdotal por perpassar em si a preparação da identificação do Eu com o conteúdo do Apocalipse. Como seres humanos nós somos Eu’s, no sentido moderno da palavra nos tornamos sacerdotes, quando o Apocalipse não consta apenas no evangelho, porém quando o Apocalipse também não está apenas no nosso coração, como uma escrita pronta, porém quando o Eu se torna consciente de que em cada momento a vida eles produz auto-gerando uma imagem do Apocalipse.
Tome-se isto como imagem: alguém escreve o conteúdo de um livro. Ele é enviado para a tipografia. Esta é uma imagem aparentemente pedante e conservadora, a qual, contudo, pode servir-lhes. O livro é impresso e segue para o mundo em certo número de exemplares numericamente diferentes uns dos outros, mas sendo únicos quanto ao conteúdo. Único ele é quanto a para onde os senhores são orientados já no início do Apocalipse, único ele é quando é revelado a João pelo próprio Cristo. Pois, “esta é a revelação de Jesus Cristo, recebida por seu servo João” (Ap 1,1). Único é o conteúdo, mas ele será multiplicado na produção própria desse conteúdo a partir da sabedoria dos mundos supra-sensoriais.
Isto significa compreender o Apocalipse de João. Mas isto também quer dizer compreender a palavra no sentido mais profundo da palavra: o Cristo nos consagrou como sacerdotes. – Os senhores sentiram o que significa quando o apocaliptista diz que o próprio Cristo o ungiu como sacerdote. Esta unção como sacerdote acontece quando se sente o modo como surgiu o conteúdo do Apocalipse. Quando se sente que estes seres humanos da atualidade que querem se tornar sacerdotes, se convertem nisso por auto-produzirem em si próprios o Eu e o vivenciarem no Apocalipse, tornando o Eu apocalíptico, então o Eu é sacerdotal.
Amanhã prosseguiremos.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 6 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
GA 346 – Dornach, 5 de setembro de 1924
APOCALIPSE MODERNO – primeira conferência
Meus caros amigos! Se for para expressar, inicialmente, alguma palavra como resposta a essa carinhosa manifestação, será o seguinte: justificou-se, manifestar o senhor, em nome do clero, aquelas palavras de saudação há pouco pronunciadas, pois não se pode sempre dizer aquilo que, a partir da melhor boa vontade, se diz do ser humano, de um modo plenamente justificado. Nesse caso foi possível dizê-lo. Dizê-lo porque, além daquilo que deve ter origem aqui do Goetheanum através do movimento antroposófico como impulso espiritual interior, sempre faz parte aquilo que ultrapassa em muito, não apenas toda a compreensão teórica, porém ultrapassa toda e qualquer compreensão. É algo que se aproxima daquilo que se pode expressar do seguinte modo: hoje, novamente, as incumbências dos seres humanos se tornam grandes. Elas se tornam grandes porque se esvaíram as forças daqueles tempos nos quais a humanidade ainda podia afastar-se, mais ou menos, dos antigos mistérios.
Na verdade, os impulsos dos antigos mistérios desfraldaram substâncias divinas e forças divinas totalmente realistas, sobre a Terra. A humanidade precisava desenvolver-se de tal modo que surgisse um tempo no qual ela fosse mais ou menos entregue a si mesma, e que nesse tempo as substâncias e forças divinas não pudessem atuar diretamente através dos seres humanos sobre a Terra. As forças que entrementes perpassavam o desenvolvimento humano pela humanidade terrestre se exauriram. E talvez essa seja a coisa mais significativa, embora não seja a mais elevada, porém seja uma verdade oculta importante e incisiva, a de que se exauriram as forças que sem os mistérios podiam atuar dentro da evolução humana, e de que a evolução humana não seguirá adiante se não sobrevierem novamente forças dos mistérios.
Sob a influência dessa verdade deve-se sentir que hoje necessitamos de algo diferente do que simplesmente a compreensão daquilo que quer atuar em algum ramo do movimento antroposófico a partir da verdadeira espiritualidade. Precisa-se proceder novamente daquilo que é semelhante à atuação nos antigos mistérios, e que se caracterizava pela entrega sacrifical do ser humano inteiro e na consumação do ser humano inteiro em sua obra.
Se não fosse claramente visível – e é claramente visível – que dentro do seu clero esse impulso está presente atuando em uma intimidade purificadora, para entregar com sacralidade o ser humano inteiro à causa que os senhores reconheceram como santa, então as suas palavras não conteriam uma profunda verdade. Mas eu posso afirmar-lhes, diante de todas as forças divinas que precedem a nossa causa iluminando-a: as suas palavras, que o senhor expressou a respeito da sua admiração e dedicação à causa, são a plena, clara e pura verdade. Era evidente que o clero como um todo está animado com a mais nobre busca interior, com os sacrifícios que atualmente devem ser feitos, com a espiritualidade interior do ser humano a ser levada à plena configuração. E até pode ser afirmado que aquilo que os senhores fizeram é o início do que pode satisfazer a entidade divina do mundo. Dessa maneira, estou lhes expressando uma palavra de suma gravidade.
Por certo, os senhores permaneceram nos limites da Alemanha com a sua atuação. Mas isso se deu por razões que, provavelmente, serão até certamente superadas em um momento não muito distante. Porquanto o interesse nessa renovação religiosa que inflamou os seus corações quando os senhores vieram até mim para a fundamentação da sua atuação sacerdotal, também comove as almas além de regiões que se estendem para fora dos limites alemães. E, na verdade, apenas dependerá da força interior que pode ser encontrada dentro dos senhores, até que ponto a possibilidade se apresenta para passar além da Alemanha.
Naturalmente, só podemos pensar com o coração profundamente emocionado como a inauguração e a iniciação do seu movimento se realizou há dois anos com a santa consagração do homem no local onde inicialmente tivemos de ver irromper as chamas que em seguida destruíram o nosso querido Goetheanum. Os senhores vêem como hoje se fazem as mais profundas escavações nesse local. No entanto, também, efetivamente, graças à sua bela dedicação, se deu início àquilo que então aconteceu no espaço anteriormente consumido pelas chamas, de se transformá-lo em uma ação terrena santa e correta. E se os senhores prosseguirem com o santo zelo que os envolveu anteriormente, então os impulsos internos do seu sacerdócio desenvolver-se-ão de modo apropriado.
Desta feita, na qual os senhores estão novamente reunidos neste local, nesta luz e neste calor, em que vieram ao nosso encontro do mundo espiritual mediante a Assembléia de Natal, debateremos questões importantes, de certo modo como contrapartida às perdas terrenas aprontadas pelas chamas. Teremos de debater aquilo que realmente é apropriado para levar adiante os impulsos das suas almas.
Desta vez tentaremos deixar achegar-se a nós o profundo conteúdo do Apocalipse, porém, a partir das considerações do Apocalipse deixar passar por sobre as nossas almas, tudo que exatamente neste momento, é de especial importância para o seu sacerdócio. E, justamente pela contemplação do Apocalipse nós haveremos de colocar aqui no ponto central de todo o nosso trabalho o que dá sentido à atuação sacerdotal: a consagração do ser humano. E, dessa maneira, se postarão diante de nós, por um lado, a consagração do ser humano, e, por outro lado, o Apocalipse.
Hoje já será indicado com algumas palavras o modo como agora queremos inaugurar isso aqui, ou o modo como queremos inaugurar o seu movimento sacerdotal mediante este trabalho. E desse modo queremos remeter para o tempo ao qual se ajunta a consideração interior aquilo que no decorrer do tempo terá de ser falado a partir das necessidades imediatas da sua atuação sacerdotal, o que deverá ser apresentado a respeito dessa atuação sacerdotal prática, e o que tiver de ser feito como retrospectos ao passado e perspectivas ao futuro. E hoje eu hei de, em primeiro lugar, expressar perante os senhores o modo como esse nosso trabalho aqui será organizado nos próximos dias.
Dessa maneira, eu os saúdo de dentro da plenitude do meu coração em nome de todas as potências que os senhores reuniram aqui e das quais os senhores sabem que são as multidões das potências que seguem o Cristo. Elas podem dar a correta impulsividade cristã, a correta compreensão teológica e os impulsos corretos para a atuação cúltica no presente, a qual os senhores desejariam receber a partir do mais profundo sentido cristão, de forma religiosa, teológica e cerimonial. Nesse sentido nós queremos estar juntos e a partir desse sentido o trabalho deve ser configurado, trabalho ao qual, juntos, nós nos propomos.
Nós começamos apontando para a grandiosidade do nosso tempo, para aquela grandiosidade que deve consistir em uma postura totalmente nova da alma humana para com aquilo que passa pela atuação sacerdotal. Aquilo que está presente na atuação sacerdotal quando é efetuada a consagração do homem, é algo que os seres humanos sempre procuraram, desde quando existe uma humanidade sobre a Terra. No entanto, se quisermos penetrar sob qual luz hoje a consagração do ser humano deve aparecer para o sacerdote que a celebra e para o leigo que a recebe, então nós devemos, primeiramente, lançar um olhar sobre aquilo que a consagração do ser humano foi no decorrer do tempo no desenvolvimento da humanidade sobre a Terra, o que foi, o que é e o que deverá ser.
Entretanto, àquilo que a consagração do homem é hoje em dia, ao ser celebrada, deve chegar, por outro lado, a compenetração com o verdadeiro conteúdo daquilo que João, o qual foi iniciado pelo próprio Cristo, quis dar à posteridade cristã com o Apocalipse. No fundo ambas as coisas estão unidas: o sentido correto na celebração da consagração do homem e o sentido correto na compenetração interior de si próprio com a substância do Apocalipse.
Vamos abstrair agora da configuração especial que o Apocalipse tem então por sua vez para os cristãos. Designemos como “Apocalipse” tudo aquilo que é dado como verdade oculta para emprestar à humanidade o impulso sacerdotal correto para a continuidade do seu desenvolvimento. Então muita coisa se subordina ao conceito de Apocalipse, do que está justamente reunido de modo concentrado no Apocalipse de João, e que está em sintonia com o Cristo. Sempre existiu, quando se procurou um Apocalipse, uma compreensão disponível para que o pleno e profundo sentido deve ser dado para a adoção das coisas apocalípticas no situar-se dentro da consagração do ser humano.
Muita coisa poderá se nos tornar evidente se começarmos dizendo: Outrora houve mistérios que eu quero chamar de antigos mistérios. Agora, nesta introdução, nós não vamos nos ater a dados temporais, porém apenas caracterizar estes quatro estágios consecutivos dos mistérios. Houve mistérios antigos, houve mistérios semi-antigos, houve uma entidade dos mistérios semi-novos, e agora nos situamos no ponto de partida de uma nova entidade dos mistérios. Dessa maneira, temos diante de nós quatro estágios, quatro estágios do desenvolvimento da concepção humana para o Apocalipse e a consagração do ser humano.
Ao nos depararmos com os antigos mistérios que existiram no primeiro alvorecer do desenvolvimento humano sobre a Terra, aos quais incumbia trazer entre os homens tudo que era santo, verdadeiro e belo, então se podia dizer: o essencial dos antigos mistérios era que neles os deuses desciam dos seus assentos divinos para os seres humanos, e que os seres humanos, com dignidade sacerdotal, conviviam dentro dos mistérios, diretamente, de ser para ser, com os deuses. Do mesmo modo como hoje homens convivem com homens, ser com ser, assim conviviam naqueles tempos antigos, nos mistérios, os deuses com os homens e os homens com os deuses.
Mas, do mesmo modo como existem leis naturais que valem para a época, assim existem leis desde tempos imemoriais, as quais, todavia, não prejudicam absolutamente a liberdade humana; e entre essas leis imemoriais também há as que se referem ao convívio dos deuses com os seres humanos. Pois, essas leis de tempos imemoriais eram levadas em consideração naquela época em que, nos santos mistérios dos primórdios humanos, os próprios deuses conviviam com os seres humanos, e tudo que era ensinamento humano se dava entre os mestres divinos e o próprio ser humano. Enquanto aquilo que se passava no culto se dava desse modo, a ponto de, entre os celebrantes, no meio deles, também estavam os deuses fortalecendo supra-sensorialmente, ali se realizou naqueles antigos mistérios aquilo que sempre deu sentido à consagração do homem: a transubstanciação. No entanto, o que era a transubstanciação nos antigos mistérios?
Nos antigos mistérios a transubstanciação era aquilo que os deuses consideravam como a última coisa pela qual eles entravam em relação com os seres humanos. As cerimônias eram determinadas segundo as leis de tempos imemoriais das quais eu falei: a partir de certas constelações das estrelas que eram conhecidas na verdadeira astrologia antiga e da coincidência destas constelações com as relações que os seres humanos podem determinar, se abria o caminho dos deuses para os homens e o dos homens para os deuses.
Os senhores podem verificar, se lançarem o olhar sobre as cronologias de tempos antigos: havia diversas cronologias tais como as que adotavam 354, e outras que adotavam 365 dias. Nestas cronologias eram inseridos dias intercalares ou semanas intercalares, para igualar aquilo que no cálculo humano não coincidisse com a verdadeira marcha do cosmo. Nunca coincidia o que os seres humanos conseguiam calcular, com a verdadeira marcha do cosmo. Sempre sobrava um pequeno resto em algum lugar.
Então, o sacerdote dos antigos mistérios observava muito bem aquele que era um desses pequenos restos, onde o cálculo humano não coincidia com a marcha cósmica do universo. Eles determinavam esses tempos específicos onde era notável essa não coincidência, dividindo o ano em meses e semanas, onde lhes restava, segundo os meses lunares, certo número de dias até o início do ano seguinte.
Exatamente a partir daqueles tempos em que os seres humanos, ao inserirem tais dias ou semanas, expressavam, por assim dizer, a não coincidência de cálculos humanos com a marcha do cosmo, e onde os sacerdotes consideravam aqueles tempos como semanas santas, para isso há toda razão para aquele que quer inserir-se na marcha do desenvolvimento humano. Naquelas semanas santas que tornavam tão bem surpreendente o pensar dos deuses, diferente do dos seres humanos, naquele tempo no qual essa diferença se torna visível, pode ser encontrado, quando o coração dos deuses e o coração dos seres humanos se harmonizam, o caminho dos deuses para os homens e o dos homens para os deuses.
Isso era algo que os seres humanos observavam dentro da antiga astrologia e que permitia penetrar com o olhar de modo correto, quando os deuses adentravam os mistérios. Havia, no final de cada ano ou no final de um ciclo lunar de dezoito anos, ou no final de outros períodos, sempre havia tempos santos que assinalavam a diferença, o limite entre a inteligência humana e a inteligência divina, e nos quais os sacerdotes dos mistérios podiam reconhecer que os deuses podiam encontrar o acesso para os seres humanos e estes o acesso para os deuses.
Esses tempos também eram aqueles nos quais aqueles antigos sacerdotes procuravam apegar-se à atividade do sol e da lua com os quais celebravam a consagração do homem, a fim de estender o que haviam recebido nos tempos santos, sobre todos os demais tempos do ano, nos quais tinham de celebrar. Assim eles também guardavam o que os deuses tinham feito das substâncias e forças terrestres durante os tempos santos. Eles conservavam a água daqueles tempos, o mercurial, a fim de, no tempo restante do ano, celebrarem com isso a consagração do homem, para que esta contivesse a transubstanciação do mesmo modo como ela havia sido realizada pelos próprios deuses, naquelas consagrações do homem, os quais, nos “tempos mortos”, como eram chamados, eram, todavia, os tempos santos.
Assim, os seres humanos daqueles antigos mistérios, daqueles tempos em que vigorava entre os seres humanos a fala cósmica, não a fala humana, queriam ligar-se aos deuses que então desciam para os mistérios e que cada vez santificavam novamente o que era a consagração do homem, mas que também cada vez deixavam para trás a compreensão do Apocalipse para os seres humanos que realizavam essa consagração ou dela participavam. Dessa forma eram ensinadas naqueles antigos tempos, as grandes verdades, quando o situar-se dentro da consagração significava a impregnação com a substância do apocalíptico. A consagração do homem é o caminho do conhecimento, o Apocalipse é o objeto do santo conhecimento.
Em seguida chegamos aos mistérios semi-antigos, àqueles mistérios dos quais pelo menos um pequeno reflexo ainda chega ao período histórico, enquanto que dos mistérios que eu lhes caracterizei como antigos, nada mais chega ao período histórico, porém apenas pode ser pesquisado pela ciência oculta. Aquele já foi o tempo em que os deuses se retraíram dentre os seres humanos e não desceram mais em sua própria entidade para os mistérios, em que eles, todavia, ainda enviavam suas forças para baixo. Foi o tempo em que a consagração do homem teve de obter, mediante a transubstanciação, aquele brilho do divino que sempre deve irradiar sobre a consagração humana.
Agora a transubstanciação não era mais realizada de modo a ter sido tomada a partir da sequência astrológica dos processos cósmicos, aquilo que deveria fluir como substâncias e forças na celebração da transubstanciação, porém o enigma era procurado de uma outra maneira. Procurava-se, acima de tudo, a essência interior daquilo que na antiga alquimia ainda era chamado de fermento. Aquilo que atingiu certa idade e que, com relação a sua existência substancial, atravessou os diversos estágios sem ser alterado, estágios nos quais ele causou a alteração de outras substâncias, isto é fermento. Basta nos lembrarmos, se optarmos por uma comparação trivial, da forma como se assa o pão; aquilo acontece segundo o mesmo princípio. Guarda-se uma pequena parte da velha massa e acrescenta-se a mesma à nova massa. Imaginamos como nos tempos dos mistérios semi-antigos, substância primordial que pela alteração de outras substâncias manteve ao longo dos tempos a sua própria substância interior, mantida em vasos sagrados, substâncias que eram, nos próprios mistérios, algo primordialmente santo e venerável.
Retirava-se dos vasos sagrados as substâncias como fermentos, nos quais a transubstanciação fora realizada na antiga e ainda santa alquimia. Naqueles tempos se sabia: o sacerdote que era iniciado entendia a conversão*, a transubstanciação pelas forças guardadas na substância, ele sabia que elas irradiavam nos santos vasos de cristal com o brilho do sol. O que se procurava nisso e a respectiva finalidade eram que se visse dentro disso o órgão do conhecimento junto ao celebrante para a acolhida do que é apocalíptico.
No tempo desses mistérios semi-antigos havia o seguinte fenômeno: o sacerdote era posto à prova no momento em que ele ingressava no local santo e os velhos fermentos começavam a modificar as substâncias nos antigos vasos de cristal, de tal modo que ele pudesse ver no vaso de cristal como as substâncias difundiam brilho solar. O vaso, no qual havia um pequeno sol, era um ostensório. Era um Santíssimo que hoje só pode ser imitado. No momento em que ele via o brilho solar do Santíssimo, ele se havia tornado sacerdote interiormente.
Hoje em dia, qualquer um que entre na igreja vê o Santíssimo na Igreja católica, porque é apenas um símbolo para aquilo que existiu outrora. Houve um tempo em que só aquele que era verdadeiramente sacerdote, via o Santíssimo quando via um sol brilhar na substância guardada. Nesse momento o seu conhecimento foi manifestado para o apocalíptico.
A seguir vieram aqueles mistérios cujo reflexo é a missa dos tempos modernos. Pois, de um modo muito complicado se desenvolveram a partir dos mistérios semi-novos a missa católica, a missa armênia e outras missas. Embora tenham sido externalizadas, essas missas ainda trazem em si o pleno princípio da iniciação. Nesses mistérios semi-novos colocou-se em lugar da presença dos deuses nos antigos mistérios e em lugar das forças emitidas pelos deuses nos mistérios semi-antigos, aquilo que o ser humano pode perceber quando nele desperta interiormente a palavra, a palavra mágica, a palavra na qual ressoa interioridade, a palavra que vai até o mais profundo conhecimento da essência interior do som. Pois, no tempo dos mistérios semi-novos situava-se diante da fala cultural aquela fala cúltica da qual ainda existem os últimos resíduos nas confissões religiosas, isoladamente, na qual tudo é baseado no ritmo, em compreensão interior do som e na compreensão da penetração interior do som da boca do sacerdote para os *”Verwandlung”: conversão, transmutação, transubstanciação, são sinônimos no Dicionário Brockhaus de 1934. (N.T.) corações humanos. A palavra mágica que é a palavra cúltica falada em locais santos, foi o primeiro caminho para o alto, rumo aos deuses, em primeiro lugar para as forças divinas.
Portanto, temos:
– primeiro tempo da humanidade – mistérios antigos – os deuses descem;
– segundo tempo da humanidade – mistérios semi-antigos – os deuses enviam suas forças para baixo;
– terceiro tempo da humanidade – mistérios semi-novos – o ser humano aprende a fala mágica e começa a subir na entonação da fala mágica para as forças do mundo dos deuses.
Esse era o sentido de tudo aquilo que foi entonado dentro da consagração do homem no terceiro tempo dos mistérios. E isso foi naquele tempo no qual viveu dentro dos mistérios como culto religioso da época o elemento cabírio. Pois os serviços cabírios, os sacrifícios cabírios que eram celebrados na Samotrácia participavam de tudo aquilo que é cerimonial nos mistérios semi-novos e em tudo que faz parte da cerimônia sacerdotal.
Coloquemos perante a nossa alma o altar cabírio da Samotrácia. As cabiras que se encontravam sobre ele como monumentos exteriores, eram vasos sacrificiais nos quais agora não havia substâncias fermentadas, porém substâncias que o conhecimento humano podia encontrar, se ele pudesse penetrar no interior espiritual da substância. Tais substâncias eram acesas, a fumaça se elevava, e a fala mágica atuava de tal modo que surgia na fumaça ascendente a imaginação daquilo que a palavra entoava. Desse modo se tornava exteriormente visível na fumaça do sacrifício o caminho para o alto, para as forças divinas. Na fumaça do sacrifício os sacerdotes sabiam que estavam na atmosfera pela qual a transubstanciação se realizava. Esse era o terceiro estágio do desenvolvimento dos mistérios e daquilo que está contido na consagração do homem para o ser humano.
Esses primeiros estágios, todavia, caíram em decadência, porém até hoje alguma exteriorização deles ainda é mantida. Mas agora começou um novo tempo dos mistérios, um novo tempo para a consagração do homem e para a compreensão do apocalíptico, no momento em que os senhores inauguraram ali no Goetheanum incendiado, o novo sacerdócio do movimento por uma renovação cristã. Com o que agora deve inundar seus corações para realizar corretamente a consagração do homem no quarto estágio, será com isso que começaremos amanhã.
Rudolf Steiner – GA 346 – Dornach, 5 de setembro de 1924
Tradução: Gerard Bannwart
“É apenas uma questão de evolução até que as pessoas se lembrem de suas experiências terrestres anteriores e do que viveram nas antigas vidas terrestres e condições de existência.”
Rudolf Steiner
OS LAÇOS ESPIRITUAIS DOS RELACIONAMENTOS DE VIDAS ANTERIORES
Um ser pode apegar-se àquilo que deve ser deixado para trás como resíduo. Algo da terra será descartado e está Hoje em dia, os hereges não são tratados como eles costumavam ser. Eles não acabam sendo queimados na estaca, mas são vistos em vez disso como tolos e sonhadores cujas palavras são apenas o produto de uma imaginação caprichosa. Eles são ridicularizados e, a partir do alto tribunal de julgamento científico, eles são informados de que o que eles têm a dizer não pode ser harmonizado com a ciência genuína. Mas as pessoas que fazem tudo isso não estão conscientes de que a verdadeira e genuína ciência é precisamente o que demanda essa verdade.
E agora podemos citar centenas e centenas de verdades que nos mostram como a ciência espiritual pode iluminar a vida ao mostrar que existe um núcleo imortal nos seres humanos que transcendo o portal da morte e se eleva aos mundos espirituais. Quando cumpre sua missão, retorna à existência física para reunir novas experiências que, então, são levadas pós morte para os mundos espirituais.
Veríamos como os laços estabelecidos entre uma pessoa e outra, de alma para alma em todas as áreas da vida, as atrações do coração que passam de alma para alma e das quais não há explicação, podem ser explicadas pelo fato de que eles foram formadas através de relacionamentos em vidas anteriores. Também veríamos que os laços espirituais que formamos hoje também não chegam ao fim quando a morte nos eleva da nossa existência terrena. Em vez disso, o que se move de alma para alma como um vínculo da vida é tão imortal quanto a própria alma humana; continua a viver com a alma enquanto esta passa pelo mundo espiritual, e voltará a viver em outras futuras relações terrestres e novas encarnações. É apenas uma questão de evolução até que as pessoas se lembrem de suas experiências terrestres anteriores e do que viveram nas antigas vidas terrestres e condições de existência.
Rudolf Steiner – GA 272 – Strasbourg , 2 de janeiro de 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
Quando um ser humano dá uso à sua vida na Terra com o único propósito de dar satisfação a si mesmo, na única experiência de intensificar o seu próprio ego egoísta ele se desvia da corrente da evolução contínua do Homem.
Rudolf Steiner
A OITAVA ESFERA
Um ser pode apegar-se àquilo que deve ser deixado para trás como resíduo. Algo da terra será descartado e está destinado a tornar-se o que é hoje a lua. Isto deve ser superado pelo homem.
Mas alguém pode estar ligado a isto e unir-se. Uma pessoa que está muito ligada aos prazeres sensoriais, aos baixos instintos, se envolve muito mais poderosamente com o que se converterá em resíduo. Isto acontecerá quando o número 666 for cumprido, o número da besta. Então terá chegado o momento em que a Terra pode ser desviada da sua evolução planetária.
Se, de alguma forma, o homem se envolveu demasiado com as forças dos sentidos que agora se retiram, se se envolveu demasiado com elas e não encontrou o modo de se envolver com aquilo que terá uma continuação na próxima etapa, irá desviar-se junto com os resíduos e se tornará um habitante do mesmo, tal como aconteceu com os habitantes da Lua Atual.
Aqui temos o conceito da 8 ª esfera. A humanidade tem de passar por sete esferas. As sete evoluções planetárias correspondem aos sete corpos:
Antigo Saturno – corpo físico
Antigo sol – corpo etérico
Antiga Lua – corpo astral
Terra – ego
Futuro Júpiter – manas
Futura Vênus – budhi
Futuro Vulcano – Atma
Além disso, temos uma oitava etapa, na qual se reúne tudo aquilo que não pode estabelecer nenhuma ligação com a evolução contínua. Quando um ser humano dá uso à sua vida na Terra com o único propósito de dar satisfação a si mesmo, na única experiência de intensificar o seu próprio ego egoísta, esta atitude leva-o, no Devacán, ao estado de Avitchi. Eventualmente, todos os homens Avitchi passam a ser habitantes da 8 ª esfera. O resto dos seres humanos habitarão a corrente da evolução contínua. Foi a partir deste conceito que as religiões formaram a doutrina do inferno.”
Rudolf Steiner, bases do esoterismo, GA 93
Tradução: Leonardo Maia
GA 187 – Berlin, 16 de novembro de 1908, Leitura:
ESSÊNCIA E SIGNIFICADO DOS DEZ MANDAMENTOS
Continuando o estudo iniciado na semana passada com a observação das formas de doenças e da vida saudável do ser humano, iremos nos aprofundar e detalhar cada vez mais assuntos relacionados com esse tema no decorrer deste inverno. Nossas considerações culminarão então com um conhecimento da natureza humana em geral, que será mais preciso do que tinha sido possível com os meios até então disponíveis pela Antroposofia. Hoje, por precisarmos disso mais tarde, teremos que incluir uma discussão sobre a natureza e o significado dos Dez Mandamentos de Moisés. Pois em breve teremos que dizer algo sobre o significado profundo de conceitos tais como pecado original, redenção e assim por diante, e veremos como esses conceitos recuperam novamente seu significado sob a luz de nossas últimas conquistas, incluindo aquelas da ciência. Para esse fim precisamos primeiramente examinar mais de perto a essência desse documento singular, que se sobressai desde os primórdios da história israelita e aparece para nós como uma das mais importantes pedras estruturais do templo que foi edificado como uma espécie de ante-sala para o cristianismo. Justamente em um documento tal como os Dez Mandamentos pode ficar cada vez mais evidente o quão pouco a forma como os homens conhecem hoje a Bíblia corresponde a esse documento. Dos detalhes comentados nas últimas duas palestras públicas sobre “Bíblia e Sabedoria”[1], os senhores terão obtido a sensação que não seria correto se alguém dissesse tratar-se simplesmente de passagens isoladas das traduções, não havendo necessidade de se ser tão preciso! Seria um julgamento muito superficial tratar essas coisas dessa maneira! Recordem que apontamos para o fato[2] de que a tradução correta do quarto versículo do segundo capítulo do Genesis em realidade deveria ser: “O que segue falará das gerações[3], ou aquilo que se origina do céu e da terra”, e que no Genesis é usada a mesma expressão para “os descendentes do céu e da terra” como no trecho onde, mais adiante, se lê: “Este é o livro das gerações[4] – ou descendentes – de Adão”. A mesma palavra é usada em ambos os casos. É de grande significado que na descrição da origem do ser humano a partir do céu e da terra é usada a mesma palavra utilizada mais tarde, quando se fala dos descendentes de Adão. Tais coisas não são apenas uma emenda pedante que corrigiria um pouco a tradução, mas elas atingem o cerne não apenas de nossas traduções, como também do entendimento desse documento primordial da humanidade. Em realidade falamos, por assim dizer, das fontes de vida da nossa visão antroposófica do mundo, quando dizemos que uma das tarefas mais importantes dessa visão de mundo, de fato, da própria Antroposofia, é resgatar a Bíblia em sua forma verdadeira para a humanidade. Aqui, o que foi dito de maneira genérica, interessa-nos principalmente no que diz respeito aos Dez Mandamentos.
Os Dez Mandamentos são interpretados pela grande maioria dos homens de hoje como se fossem disposições legais, isto é, como as leis determinadas por qualquer estado moderno. É preciso admitir, contudo, que essas leis contidas nos Dez Mandamentos são mais amplas, mais abrangentes, e sua validade independe deste tempo e deste espaço. Portanto, são consideradas leis mais gerais, mas então se tem na consciência que assim apenas devem ter o efeito ou o mesmo objetivo de qualquer legislação moderna. Desse modo, entretanto, interpreta-se erroneamente a verdadeira essência que nelas habita. Essa interpretação errônea evidencia-se pelo fato de todas as traduções disponíveis à humanidade no presente terem incorporado inconscientemente uma explicação essencialmente superficial, que não se aprofunda no espírito desses Dez Mandamentos. Quando nos aprofundamos nesse espírito, os senhores verão como o sentido desses Dez Mandamentos ajusta-se nas considerações que acabamos de começar, e em relação às quais, na contemplação dos Dez Mandamentos, parece que estaríamos fazendo um desvio inadequado.
A título de introdução, vamos fazer pelo menos uma tentativa aproximada de exprimir os Dez Mandamentos em nossa língua, e então tentar abordar o assunto mais de perto. Nessa tradução dos Dez Mandamentos – se quisermos chamá-la assim – muita coisa terá que ser aperfeiçoada. A essência, porém, o sentido real, deve ser atingido em nossa língua na forma dos Dez Mandamentos que se segue, como veremos logo adiante. Quando se os traduz de acordo com o sentido do texto, sem abrir o dicionário para traduzir palavra por palavra – em tal tradução naturalmente só se pode esperar o pior, pois o que importa é o valor da palavra e todo o valor anímico que isso tinha em seu próprio tempo – quando se extrai o sentido, esses Dez Mandamentos se apresentariam assim:
Primeiro Mandamento. Eu sou o aspecto divino eterno que experimentas em ti mesmo. Eu te conduzi para fora da terra do Egito onde não podias seguir-Me em ti. De agora em diante não deverás colocar outros deuses acima de Mim. Não deverás reconhecer como deuses mais elevados aquilo que te mostra uma imagem de qualquer coisa que apareça em cima nos céus, que atue a partir da terra, ou entre o céu e a terra. Não deves adorar o que disso tudo se encontra abaixo do que há de divino em ti. Pois Eu sou o eterno em ti, que atua no corpo e consequentemente nas gerações vindouras. Eu sou um elemento divino que se perpetua. Se não Me reconheces em ti, desaparecerei como tua natureza divina em teus filhos, netos e bisnetos, e o corpo deles tornar-se-á ermo. Se Me reconheces em ti, continuarei vivendo como sendo tu, até a milésima geração, e os corpos de teu povo irão prosperar.
Segundo Mandamento. Não deverás falar em vão de Mim em ti, pois tudo que for falso concernente ao Eu em ti corromperá teu corpo.
Terceiro Mandamento. Deves distinguir dia de trabalho de dia de descanso, de forma que tua existência possa tornar-se uma imagem de Minha existência. Pois aquilo que vive como Eu em ti criou o mundo em seis dias e viveu dentro de si mesmo no sétimo dia. Portanto, teus afazeres e os afazeres de teu filho e os afazeres de tua filha e os afazeres de teus empregados e os afazeres de teus animais e de qualquer outra coisa que esteja contigo, devem estar voltados para o exterior apenas durante seis dias; no sétimo dia, entretanto, tua contemplação deve Me procurar em ti.
Quarto Mandamento. Continua a atuar no mesmo sentido de teu pai e mãe, para que as propriedades que eles conseguiram pelo poder que Eu desenvolvi neles permaneçam em ti como tua propriedade.
Quinto Mandamento Não mates.
Sexto Mandamento. Não cometas adultério.
Sétimo Mandamento. Não roubes.
Oitavo Mandamento. Não menosprezes o valor de teu próximo falando falsidade a respeito dele.
Nono Mandamento. Não olhes com inveja aquilo que teu próximo possui.
Décimo Mandamento. Não olhes com inveja a esposa de teu próximo, nem seus empregados, nem os outros seres que lhe propiciam prosperidade.
Perguntemo-nos agora: o que esses Dez mandamentos realmente nos mostram? Veremos que eles evidenciam no todo, não apenas na primeira parte, mas também na última parte, embora de uma forma aparentemente oculta, que aquela potência que se anunciou a Moisés na sarça ardente com as palavras, “Eu sou o Eu sou!”[5] – “Ehieh asher Ehieh!” – para designar seu nome, doravante deve estar junto ao povo judeu; e que na evolução de nossa Terra os outros povos não conseguiram reconhecer aquele “Eu sou”, a verdadeira base da quarta parte da entidade humana, com a mesma intensidade, com a mesma clareza como o povo judeu deve reconhecer isso. Aquele Deus que verteu uma gota de seu ser dentro do ser humano, de modo que o quarto membro da entidade humana se tornasse o portador dessa gota – o portador do Eu – aquele Deus tornou-se conhecido pela primeira vez para seu povo por meio de Moisés. Então podemos afirmar que a maneira de compreender os Dez Mandamentos fundamenta-se no seguinte. De fato, até aquela época o Deus-Jeová trabalhou e atuou na evolução ascendente da humanidade. No entanto, os seres espirituais atuam antes de poderem ser reconhecidos com clareza. Aquilo que nos antigos povos pré-mosaicos era algo que atuava, algo que trabalhava; porém, como conceito, como idéia, como força verdadeira que atua no interior da alma humana foi anunciado pela primeira vez por Moisés a seu povo. Tratou-se, pois, de esclarecer esse povo qual é o efeito abrangente de sentir-se um Eu, na medida como isso ocorreu no povo judaico. Nesse povo a entidade Jeová deve ser vista como uma espécie de ser de transição. Por um lado, Jeová é aquela entidade que verte a gota na própria individualidade do ser humano. Ao mesmo tempo, porém, é o Deus de um povo. De certo modo, cada judeu individualmente ainda se sentia vinculado ao Eu que também viveu na encarnação de Abraão e que fluiu através de todo o povo judáico. O povo judeu sentia-se unido ao Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó[6]. Tratava-se de uma época de transição. Isto deveria mudar somente com a anunciação do cristianismo. Mas o que deve vir para a Terra por meio do Cristo é profetizado pelas anunciações do Velho Testamento, especialmente pelo que Moisés tem a dizer a seu povo. Vemos, assim, como lentamente a plena força do reconhecimento do Eu verte para o povo judeu no decorrer daquela história descrita no Velho Testamento. O povo judeu deveria ser levado à plena consciência do efeito que tem sobre a vida inteira do ser humano, quando ele não vive mais com uma certa inconsciência no que se refere ao Eu, mas quando aprendeu a sentir o Eu dentro de si mesmo, a vivenciar o efeito do nome de Deus “Eu sou o Eu sou!” no íntimo de sua alma.
Hoje em dia essas coisas são vivenciadas de maneira abstrata. Quando hoje se fala do Eu e do que está relacionado com ele, trata-se de meras palavras. Mas na época em que esse Eu foi anunciado pela primeira vez ao povo judeu na forma do antigo Deus-Jeová vivenciava-se esse Eu como o impacto de uma força que penetra no ser humano e transforma toda a estrutura de seu corpo astral, de seu corpo etérico e de seu corpo físico. Foi preciso dizer a esse povo: as condições de tua vida e de tua saúde, eram diferentes quando o Eu ainda não vivia como conhecimento em tua alma; antes as condições de doença e saúde para toda tua vida eram diferentes do que serão agora. Porisso fez-se necessário dizer ao povo judaico quais eram as novas condições nas quais se inseria, pelo fato de não mais dever elevar simplesmente seu olhar para o céu, baixar simplesmente seu olhar para a terra, quando falasse de deuses, mas que devia olhar para dentro da própria alma. Olhar para dentro da alma de acordo com a verdade traz um modo de viver correto, que se estende até a saúde. Certamente essa consciência está na base dos Dez Mandamentos, enquanto uma compreensão incorreta daquilo que entrou na alma humana como Eu resseca o corpo e a alma do ser humano, causa sua destruição. Realmente basta proceder de forma meramente objetiva para se notar quão pouco esses Dez Mandamentos devem ser apenas leis externas, que, de fato, eles devem ser o que acaba de ser exposto: algo de extrema importância para a saúde e bem-estar dos corpos astral, etérico e físico. Contudo, onde, hoje em dia, lêem-se livros de forma correta e precisa? Bastaria virar apenas algumas páginas adiante para descobrir que numa outra interpretação dos Dez Mandamentos foi dito ao povo judeu qual o efeito dos Dez Mandamentos sobre a pessoa como um todo. Lá é dito: “Eu removo toda doença do teu meio; não haverá aborto nem infertilidade em tua terra, e eu permitirei que o número de teus dias seja pleno.”
Isso significa o seguinte: quando o Eu vive de tal forma a permear-se com a essência dos Dez Mandamentos, entre outras coisas resultará que você não poderá morrer na flor de teus anos, do contrário, pela compreensão correta do Eu algo pode fluir para dentro dos três corpos, o corpo astral, o corpo etérico e o corpo físico, que permitirá que o número de seus dias se torne completo, que você viva com boa saúde até atingir idade avançada. Isto é dito de forma bem clara. No entanto, é necessário penetrar bem profundamente nessas coisas. Aliás, os teólogos modernos não conseguem fazê-lo com facilidade. Um pequeno livro popular[8], bastante indicado para provocar irritação, porque pode ser adquirido por alguns trocados, inclui em suas observações sobre os Dez Mandamentos a seguinte frase: Pode-se notar facilmente que nos Dez Mandamentos estão dadas as leis humanas mais básicas; na primeira metade os mandamentos relacionados com Deus e na outra metade os mandamentos relacionados com as pessoas. Para não falhar, o autor em questão diz que o quarto mandamento deveria estar incluído na primeira metade, que diz respeito a Deus. Como esse senhor consegue atribuir quatro a uma metade, e seis para outra metade é apenas um pequeno exemplo de como se trabalha nos dias atuais. Tudo o mais neste livro corresponde à interessante equação: quatro é igual a seis.
Estamos tratando da explicação dada ao povo judeu sobre a correta maneira de o Eu habitar os três corpos do ser humano. Trata-se principalmente que é dito – e encontramos isso logo no primeiro mandamento: Se você tornar-se consciente desse Eu como sendo uma centelha da divindade, você será tal que em seu Eu você terá de vivenciar uma centelha, uma emanação da divindade mais elevada, mais poderosa, que está envolvida com a criação da Terra.
Recordemos o que pudemos dizer sobre a história da evolução do ser humano. Dissemos que o corpo físico humano surgiu na antiquíssima existência de Saturno. Deuses trabalharam sobre ele. No Sol, então, foi acrescentado o corpo etérico. Como ambos os corpos foram elaborados a seguir é novamente o trabalho de seres divino-espirituais. Depois o corpo astral foi incorporado na Lua, tudo por obra de seres espirituais-divinos. O que depois tornou o ser humano o homem como conhecemos hoje foi a incorporação de seu Eu na Terra. Disso participou a divindade mais elevada. No entanto, como o ser humano a partir de então não podia ter plena consciência desse quarto membro de sua entidade, ele também não podia ter noção da mais alta divindade, que ajudou a criá-lo e está presente nele. O ser humano precisa dizer a si mesmo: divindades trabalharam sobre meu corpo físico, mas elas são inferiores àquela divindade que agora me concedeu o Eu. O mesmo é válido para os corpos etérico e astral. Desse modo tinha que ser dito ao povo judeu, o primeiro a receber a mensagem profética do Eu: Tem consciência que os povos ao teu redor adoram deuses que, nos estágios atuais de seu desenvolvimento, podem participar da atividade do corpo astral, do corpo etérico e do corpo físico. Contudo, eles não conseguem participar da atuação no Eu. Esse Deus que atua no Eu em realidade sempre esteve presente; ele anunciou-se por meio de sua atuação e criação. Seu nome, porém, ele te anuncia agora.
Ao reconhecer os outros deuses o ser humano não é um ser livre. Então ele é um ser que adora os deuses de seus membros inferiores. Quando, entretanto, ele conscientemente reconhece o Deus do qual carrega uma parte em seu Eu, então sim ele é um ser livre, que se coloca diante de seu próximo como um ser livre. Hoje o ser humano não tem a mesma relação com seu corpo astral, corpo etérico e corpo físico como tem com seu Eu. Ele está dentro desse Eu. Entre aquilo com o qual o ser humano se confronta, o Eu é o que diretamente está mais próximo dele. Ele só terá essa relação com seu corpo astral quando o tiver transformado em Manas, ou personalidade espiritual, e com seu corpo etérico quando o estiver transformado em Budhi, ou espírito vital, quando o tiver desenvolvido a partir de seu Eu em algo divino. Embora o Eu tenha sido o último a surgir, é nele que o ser humano vive. Quando ele capta o Eu, ele o faz porque a divindade se coloca diante dele em sua configuração imediata, em sua configuração intrínseca, enquanto as formas de seu corpo astral, corpo etérico e corpo físico, que ele possui atualmente, foram plasmadas por deuses que vieram antes.
Assim, ao contrário do povo israelita, os povos de seu entorno adoravam aquelas divindades que tinham atuado nos membros essenciais inferiores do ser humano. Quando se fazia uma imagem dessas divindades inferiores, ela se parecia com a forma de algo que havia na terra, ou no céu, ou entre céu e terra. Porque tudo que o ser humano possui dentro de si está espalhado por toda natureza restante. Quando o ser humano faz imagens a partir do reino mineral, elas somente podem representar-lhe os deuses que trabalharam no corpo físico. Quando ele faz imagens a partir do reino vegetal, elas somente podem representar-lhe as divindades que atuaram no corpo etérico, porque o homem tem seu corpo etérico em comum com o mundo vegetal. Imagens do mundo animal podem simbolizar-lhe somente aquelas divindades que trabalharam em seu corpo astral. Mas aquilo que faz do ser humano a coroa da criação terrestre é o que ele capta em seu Eu. Nenhuma imagem externa consegue representar isso. Por esse motivo tinha que ser enfatizado claramente e com toda contundência ao povo judeu: “Existe algo dentro de ti que é uma emanação dos deuses mais elevados da atualidade. Isso não pode ser simbolizado com uma imagem do reino mineral, vegetal ou animal, por mais sublime que fosse. Todos os deuses servidos dessa maneira são deuses inferiores ao Deus que vive em teu Eu. Se adorares esse Deus em ti, os outros precisam recuar; então terás dentro de ti a verdadeira força saudável de teu Eu.”
Portanto, o que nos é dito logo no primeiro dos Dez Mandamentos, está relacionado com os mistérios mais profundos do desenvolvimento da humanidade: “Eu sou o aspecto divino eterno que experimentas em ti mesmo. Eu te conduzi para fora da terra do Egito onde não podias seguir-Me em ti.”
Moisés, seguindo a instrução de Jeová, conduziu seu povo para fora do Egito. Para tornar isto mais claro indica-se particularmente o fato de que Jeová queria fazer de seu povo um povo de sacerdotes. Nos outros povos aqueles que eram as pessoas livres em comparação com o povo eram os sacerdotes iniciados. Estes eram as pessoas livres, que sabiam do grande mistério do Eu, que também conheciam o Deus-Eu do qual não existe qualquer imagem. Assim, nessas nações estavam frente a frente esses poucos sacerdotes iniciados conscientes do Eu, e a grande massa de pessoas sem liberdade que, por assim dizer, apenas podia ouvir o que os sacerdotes iniciados deixavam emanar a partir dos Mistérios sob a mais rígida autoridade. Não era o indivíduo singular do povo que tinha essa relação direta, mas os sacerdotes iniciados tinham-na intermediado para cada um deles. Por isso, todo o bem-estar, toda a prosperidade dependia desses sacerdotes iniciados; a saúde e a prosperidade dependia de como eles estabeleciam as instituições, organizavam tudo.
Eu teria que lhes contar muitas coisas se eu quisesse descrever o significado mais profundo do sono no templo dos egípcios e seu efeito sobre a saúde do povo, se eu quisesse descrever o que emanava de um culto como estes, como por exemplo o culto de Apis, na simples forma de remédios populares para a saúde. O curso e a direção de tal povo levava em consideração que sob a condução dos iniciados os fluidos necessários à saúde viessem destes centros de cultos. Isto agora precisava mudar. Os judeus deveriam tornar-se uma nação de sacerdotes. Cada um deveria sentir uma centelha desse Deus Jeová dentro de si e manter uma relação direta com ele. O sacerdote-sábio não devia mais ser o único mediador. Por esse motivo o povo tinha de receber instruções nesse sentido. Era preciso chamar a atenção ao fato que as falsas imagens, ou seja, as imagens mais baixas do Deus mais elevado, também têm um efeito nefasto para a saúde. Com isso abordamos um assunto que os homens da atualidade não conseguem conscientizar-se facilmente. Nesse contexto cometem-se terríveis faltas nos dias de hoje.
Somente quem consegue penetrar na ciência espiritual sabe de que maneira misteriosa se desenvolvem saúde e doença. Quando os senhores andam pelas ruas de uma cidade e lhes são levadas para diante da alma as coisas horrorosas exibidas em vitrines e anúncios, isso tem um efeito devastador. A ciência materialista não tem noção alguma de quantas causas de doença se encontram nesses horrores. Procuram-se os agentes patológicos simplesmente nos bacilos, e não se percebe como saúde e doença são levadas ao corpo pelo desvio da alma. Nesse contexto, somente pessoas familiarizadas com a ciência espiritual sabem o que significa um ser humano absorver estas ou aquelas representações sob forma de imagem.
Acima de tudo, o primeiro dos mandamentos diz que, a partir de então, o ser humano precisa ser capaz de fazer uma representação mental de que, além de tudo aquilo que pode ser expresso mentalmente por meios de uma imagem, ainda pode haver um impulso desprovido de imagem, que nesse ponto do Eu limita-se com o supra-sensível. “Sente esse Eu vigorosamente dentro de ti, sente-o de tal maneira que nesse Eu algo divino, mais elevado que qualquer coisa que podes representar por uma imagem, tece e ondula permeando-te. Então, terás nesse sentimento uma força de saúde, que tornará teu corpo físico, teu corpo etérico e teu corpo astral saudáveis.” Deveria ser transmitido ao povo judeu um forte impulso do Eu, que tem efeito sanativo. Se esse Eu for corretamente reconhecido, os corpos astral, etérico e físico serão bem formados, e isso gera uma forte força vital e uma vigorosa força de saúde, a qual, partindo de cada indivíduo transmite-se ao povo inteiro. Como se considerava que um povo contasse mil gerações, o Deus Jeová formulou que, pela correta impregnação do Eu, o próprio ser humano torna-se uma fonte que irradia saúde, de modo que o povo inteiro será um povo saudável ‘até a milésima geração’, como é expresso. Se, entretanto, o Eu não for entendido de forma correta, o corpo resseca, torna-se fraco e doente. Caso o pai não coloca de maneira correta a essência do Eu em sua alma, seu corpo se torna fraco e doente, lentamente o Eu se retrai; o filho ficará mais doente, o neto mais doente ainda e finalmente temos apenas um envoltório do qual o Deus-Jeová se retirou. Aquilo que não permite que o impulso do Eu se manifeste, gradualmente leva o corpo a ressecar até o quarto membro [da seqüência de gerações].
Vemos, portanto, que é a atuação correta do Eu que é colocada diante do povo de Moisés no primeiro dos Dez Mandamentos: “Eu sou o aspecto divino eterno que experimentas em ti mesmo. Eu te conduzi para fora da terra do Egito onde não podias seguir-Me em ti. De agora em diante não deverás colocar outros deuses acima de Mim. Não deverás reconhecer como deuses mais elevados aquilo que te mostra uma imagem de qualquer coisa que apareça em cima nos céus, que atue a partir da terra, ou entre o céu e a terra. Não deves adorar o que disso tudo se encontra abaixo do que há de divino em ti. Pois Eu sou o eterno em ti, que atua no corpo e consequentemente nas gerações vindouras. Eu sou um elemento divino que se perpetua – e não: ‘Eu sou um Deus zeloso”, pois isto aqui nada significa. Se não Me reconheces em ti, desaparecerei como tua natureza divina em teus filhos, netos e bisnetos, e o corpo deles tornar-se-á ermo. Se Me reconheces em ti, continuarei vivendo como sendo tu, até a milésima geração, e os corpos de teu povo irão prosperar.”
Vemos que não se faz referência a algo meramente abstrato, mas a algo de atuação viva, que deve atuar até na saúde do povo. O processo de saúde exterior deriva do elemento espiritual inserido no mesmo, e que paulatinamente é anunciado à humanidade. Aponta-se para isso particularmente no segundo mandamento, onde é dito expressamente: “Não cries representações mentais falsas de meu nome, daquilo que vive em ti como Eu; pois uma representação correta te tornará saudável e cheio de vitalidade, e será tua ventura, enquanto uma representação errada fará teu corpo tornar-se ermo!” Assim. cada membro do povo mosaico era orientado para que sempre que o nome de Deus fosse mencionado, ele deveria considerar como uma advertência: devo reconhecer o nome daquilo que entrou em mim, da maneira como vive em mim, pois isso é um estímulo para a saúde.
“Não deverás falar em vão de Mim em ti, pois tudo que for falso concernente ao Eu em ti corromperá teu corpo.”
E no terceiro mandamento a referência séria e nítida de como o ser humano, quando é um Eu atuante, criativo, é um verdadeiro microcosmo, e assim como o Deus-Jeová criou durante seis dias e descansou no sétimo, apresentando assim a imagem primordial, o ser humano deve seguir esta última em seu criar. No terceiro mandamento indica-se isso expressamente: Tu, homem, por teres um Eu verdadeiro, também deves ser uma imagem de teu mais elevado Deus, e em seus feitos atuar assim como teu Deus. Trata-se, portanto, de uma exortação para tornar-se cada vez mais parecido com o Deus que se revelou a Moisés na sarça ardente.
“Deves distinguir dia de trabalho de dia de descanso, de forma que tua existência possa tornar-se uma imagem de Minha existência. Pois aquilo que vive como Eu em ti criou o mundo em seis dias e viveu dentro de si mesmo no sétimo dia. Portanto, teus afazeres e os afazeres de teu filho e os afazeres de tua filha e os afazeres de teus empregados e os afazeres de teus animais e de qualquer outra coisa que esteja contigo, devem estar voltados para o exterior apenas durante seis dias; no sétimo dia, entretanto, tua contemplação deve Me procurar em ti.”
Agora a obra dos Dez Mandamentos passa cada vez mais ao detalhe. Mas como pano de fundo está sempre o pensamento de que a força que age continuamente atua como Jeová. No quarto mandamento o ser humano é conduzido para fora das relações com o âmbito supra-sensível para o âmbito sensível exterior. Aponta-se para algo muito importante nesse quarto mandamento, que precisa ser entendido. Lá, onde o ser humano aparece como um Eu auto-consciente, aquele penetra de tal maneira na existência que necessita de meios exteriores para colocar essa existência na criação. Ele desenvolve aquilo que se chama propriedade individual e possessão. Se voltássemos ao tempo do Antigo Egito, ainda não encontraríamos essa propriedade individual na grande massa do povo. Descobriríamos que aqueles que têm de decidir sobre propriedade também são os sacerdotes iniciados. Mas agora, quando cada pessoa deve desenvolver um Eu individual, ela se encontra diante da necessidade de interferir no exterior, de possuir algo ao seu redor, para apresentar seu Eu no mundo exterior. Por esta razão é declarado no quarto mandamento que aquele que permite ao Eu individual atuar em si adquire propriedades, mas essas propriedades permanecem ligadas à força do Eu, que continua vivendo no povo judeu, e que deve perpetuar-se de pai para filho e neto; e que a propriedade pertencente ao pai não estaria sob a vigorosa força do Eu, se o filho não levasse adiante a obra de seu pai com a força recebida do mesmo. Por isso é dito: Permite ao Eu tornar-se tão forte em ti, que ele continue atuando, e que o filho possa receber, junto com os meios que ele herda de seu pai, também os meios de integrar-se no mundo circundante exterior.
É dessa forma consciente que foi dada ao povo de Moisés a mentalidade da conservação de propriedade. Também as leis seguintes fundamentam-se certamente na consciência de que há forças ocultas por trás de tudo o que acontece no mundo. Enquanto hoje em dia considera-se o direito da herança de forma exterior e abstrata, aqueles que entendiam corretamente o quarto mandamento tinham consciência que forças espirituais se propagam, junto com a propriedade, de geração a geração, e continuam vivendo de uma geração a outra; que elas engrandecem o poder do Eu, e que desse modo aflui algo para a força do Eu de cada individualidade singular, que lhe é aduzido a partir da força do Eu do pai. O quarto mandamento é traduzido normalmente da maneira mais grotesca possível; o seu sentido é o seguinte: Deve-se desenvolver em ti a vigorosa força do Eu que continua vivendo depois de ti, e esta deve ser passada adiante ao filho, para que algo se acrescente à sua força do Eu, que possa continuar atuando nele como a propriedade de seus ancestrais.
“Continua a atuar no mesmo sentido de teu pai e mãe, para que as propriedades que eles conseguiram pelo poder que Eu desenvolvi neles permaneçam em ti como tua propriedade.”
Além disso, o que fundamenta todas as outras leis é que a força do Eu do ser humano é aumentada pela aplicação apropriada do impulso do Eu, mas ela é destruída pelo seu uso indevido. O quinto mandamento diz algo que somente consegue ser compreendido em seu sentido correto por meio da ciência espiritual. Tudo que se relaciona com o ato de matar, com o extermínio de vida alheia, enfraquece a força do Eu auto-consciente do ser humano. Desse modo consegue-se aumentar as forças da magia negra no ser humano; mas então, excluindo a força do Eu aumentam-se as forças astrais do ser humano. O que existe de divino no ser humano é aniquilado toda vez que se mata. Por isso essa lei não faz alusão somente a algo abstrato, mas também a algo pelo qual aflui ao ser humano uma força oculta para seu impulso do Eu, quando ele eleva a vida, faz vida florescer, quando ele não destrói vida. Isso é colocado como ideal para a elevação da força do eu individual, e o mesmo é exigido no sexto e sétimo mandamentos, apenas com menos ênfase, considerando outros âmbitos da vida.
Pelo casamento cria-se um centro para a força do Eu. Quem destruir o casamento, será enfraquecido, portanto, naquilo que deve afluir à força do Eu. Da mesma forma aquele que quer tirar algo da força do Eu do outro, e em tirando, roubando, e assim por diante, quer adquirir propriedades, enfraquecerá sua força do Eu. Aqui também encontramos como fundamento o pensamento condutor de que o Eu não deve enfraquecer-se.
Agora, é indicado nos últimos três mandamentos como o ser humano enfraquece a força de seu Eu pela direção errada de seus desejos. A vida dos desejos tem um grande significado para a força do Eu. O amor aumenta a força do Eu; a inveja e o ódio ressecam-na. Portanto, quando o ser humano odeia seu próximo, quando o desvaloriza falando algo falso a seu respeito, ele enfraquece assim a força do Eu; ele diminui a saúde e a força vital de tudo o que o cerca. O mesmo ocorre quando ele cobiça as propriedades de outrem. Já o desejo pelos pertences do próximo torna a força do seu Eu fraca. O mesmo vale para o décimo mandamento, quando o ser humano olha com inveja para a maneira como o outro busca seu progresso, e não se esforça em sentir amor pelo outro, expandindo assim sua alma e permitindo que brote a força de seu Eu. Somente quando entendemos dessa forma o poder especial do Deus-Jeová e focalizamos a maneira de sua revelação diante de Moisés, é que podemos compreender o que deve fluir agora para o povo como uma consciência especial. A base de tudo é o fato de que não são dadas leis abstratas, mas prescrições sadias para o corpo, a alma e o espírito, sanativas no sentido mais abrangente. Quem seguir esses mandamentos não de forma abstrata, mas de forma viva, influencia todo o bem-estar e todo o progresso da vida. Naquele tempo isso nem podia ser revelado de outra maneira, senão por meio de preceitos de como os mandamentos deveriam ser seguidos. Pois em relação ao povo judeu os outros povos viviam de forma completamente diferente; eles não necessitavam de leis como estas, com esse sentido.
Se nossos eruditos de hoje pegam os Dez Mandamentos, traduzem-nos pelo dicionário e os comparam com as outras leis, como por exemplo com a lei de Hammurabi, isso significa apenas que eles não têm qualquer noção do impulso, que é o importante. Não é o “Não roubes!” ou “Deves guardar este ou aquele feriado!” que importa, mas o espírito que permeia esses Dez Mandamentos, e como esse espírito está relacionado com o espírito desse povo, a partir do qual o Cristianismo foi criado. Para realmente entender os Dez Mandamentos seria necessário compreender os sentimentos que se poderia vivenciar e sentir com o fato de cada indivíduo desse povo adquirir autonomia e tornar-se sacerdote. Hoje ainda nem chegou o tempo de sentir isso tão concretamente, como os membros daquele povo conseguiram vivenciar. Por isso, nos dias de hoje introduz-se nas traduções qualquer coisa que esteja escrita no dicionário, mas não aquilo que corresponde ao espírito do assunto. Pois sempre consegue-se ler que o povo de Moisés originou-se de um povo beduíno, e conseqüentemente não lhes podiam ser dadas as mesmas leis de um povo engajado em agricultura. Por isso – concluem os eruditos – os Dez Mandamentos devem ter sido dados mais tarde e posteriormente foram datados para um tempo anterior. Se os Dez Mandamentos fossem o que esses senhores compreendem como tal, eles estariam corretos. Mas eles não os compreendem. Certamente, antes os judeus foram uma espécie de povo beduíno. Mas esses mandamentos lhe foram dados justamente para que o povo fosse em direção a uma era totalmente nova, sob o impulso da força do Eu. Esta é justamente a melhor prova de que povos se constituem a partir do espírito. É quase impossível haver um preconceito mais forte do que dizer: sim, durante o tempo de Moisés o povo judeu ainda era um povo beduíno errante; que sentido faria então dar a esse povo os Dez Mandamentos? – Havia um sentido dar ao povo judeu essas leis, justamente para que o impulso do Eu pudesse ser impresso no povo com toda força. Ele os recebeu porque por meio desses mandamentos ele deveria dar uma forma completamente nova à sua vida exterior, porque a partir do espírito deveria ser criada uma vida completamente nova.
Desse modo, de fato, os Dez Mandamentos continuaram atuando, e nesse sentido os participantes da primeira época do cristianismo, plenos de compreensão, falavam da Leis de Moisés. Por isso eles acham que o impulso do Eu fica diferente pelo Mistério do Gólgota, comparado ao que era no tempo de Moisés. Eles diziam a si mesmos: o impulso do Eu foi permeado pela obra dos Dez Mandamentos; o povo fortalecia-se quando os seguia. Agora existe algo mais. Agora existe a figura na qual se fundamenta o Mistério do Gólgota. Agora o Eu pode contemplar aquilo que atravessou os tempos de maneira tão oculta, ele pode olhar para o que de mais grandioso ele pode alcançar, que o torna forte e vigoroso pela imitação daquele que sofreu no Gólgota e é o maior exemplo do ser humano em desenvolvimento para o futuro. Desse modo, para aqueles que realmente compreenderam o Cristianismo, o Cristo tomou o lugar daqueles impulsos que atuaram como uma preparação no Velho Testamento.
Vemos assim que, de fato, existe uma interpretação mais profunda dos Dez Mandamentos.
Rudolf Steiner – GA 187 – Berlin, 16 de novembro de 1908
Tradução: Julio Avero
Essa meritocracia vinculada exclusivamente à capacidade de gerar capital restringe a liberdade humana e restringir essa meritocracia à possibilidade ou direito a uma vida digna é um aspecto que considero equivocado, para não dizer “imoral”.
MERITOCRACIA
Sem equilíbrio social, a economia pode estar indo de vento em popa que não quer dizer ou apontar nada, possivelmente que os bilionários terão mais chances de se tornar trilionários e ir passear em Júpiter, enquanto a maior parte da humanidade pode estar passando fome, sem acesso à saúde, desempregada e sem nenhuma dignidade.
É meritocracia – dirão alguns, porém ao afirmar isso colocarão em cheque a liberdade, pois se no capitalismo, a meritocracia, vinculada apenas ao produzir/juntar capital é incapaz de criar um ambiente digno para os seres humanos, inclusive possibilitando a capacidade daquele “bilionário pelos seus próprios méritos” subjugá-los e, por outro lado, dificultando esse mérito àqueles que não tem uma pré-estrutura capital (o filho do rico tem muito mais possibilidade de ter mérito do que o filho do pobre), ela se torna então realmente uma questão.
A liberdade é restringida pois a meritocracia é reduzida apenas ao aspecto da capacidade de gerar capital. Por exemplo: sonho em ser músico, e dedico-me profundamente ao estudo, porém a meritocracia viria apenas na relação de gerar capital com o trabalho de músico, independente do mérito de eu ser um excelente músico. Ou me tornar um professor onde, independente da meu conhecimento, capacidade de lecionar e de inspirar meus alunos, o mérito só virá na capacidade de gerar capital com isso.
Isso se reflete em inúmeros âmbitos sociais e perspectivas individuais: vide o volume dos que consideram os “fracassados na vida” aqueles que não tiveram essa capacidade de gerar capital independente de todo um cosmos de méritos reais do indivíduo em outros âmbitos.
Essa meritocracia vinculada exclusivamente ao capital restringe a liberdade humana e restringir essa meritocracia à possibilidade ou direito a uma vida digna é um aspecto que considero equivocado, para não dizer “imoral”.
Leonardo Maia
OBS: O homem mais rico do mundo chegou a 200 bilhões de dólares de fortuna esse ano – equivalente a R$ 1,125 trilhão. Equivale a produzir R$ 1.355.000,00 (aprox U$ 270.000) por dia desde que Jesus nasceu.
“Não podemos consertar o que negligenciamos como educadores nos primeiros sete anos.” – Rudolf Steiner
A CRIANÇA E OS SENTIDOS SENSORIAIS
A criança não só recebe impressões sensoriais de seu ambiente externo, mas também absorve o comportamento de outras pessoas através do seu sentido de vida, da sua atitude e do seu caráter, da sua boa vontade ou intenções ruins.
Portanto, como educador, é preciso dedicar-se e se esforçar para uma vida de pureza em pensamentos e sentimentos, para que a criança também se torne pura em pensamentos e sentimentos. É preciso também ter consciência de que a própria conduta tem influência não só sobre a alma, mas também sobre o corpo. O que a criança deixa inundar em si mesmo, de forma espontânea e deixa fluir em sua vontade, vibra ainda mais em seu organismo físico. Um educador de temperamento quente faz com que o corpo da criança se torne frágil de tal maneira que ele mais tarde fique propenso a influências causadoras de doenças. Como se educa a este respeito, emergirá mais tarde como um estado de saúde na vida do adulto.
Rudolf Steiner
Embora a humanidade como um todo leve algum tempo para assumir o veículo aperfeiçoado da consciência Crística, já existem algumas almas avançadas neste processo que contribuirão com o alicerçamento do EU Crístico na entidade humana.
O PONTO DE VIRADA: A ESTRUTURAÇÃO DO EU HUMANO
O evento central da Era da Terra ocorreu durante a Época Greco-Romana, na Palestina.
Era a encarnação de um Ser espiritual muito elevado, chamado de “Cristo” – o Ser Solar, culminando nos eventos que cercavam a Crucificação: o “Mistério do Gólgota”.
Este evento foi o ponto de virada (“the turning point”) da evolução da Terra: da descida do Espírito à matéria, em direção à ascensão de volta ao Espírito, com os frutos obtidos da estada na matéria.
A encarnação de Cristo criou um momento decisivo, pois toda a evolução gira em torno deste evento central. Sua doação é a estruturação do EU humano (consciência do EU) ao homem no ponto de virada do tempo.
O EU aperfeiçoado de Cristo agora existe em uma forma etérica no reino supra-etérico e pode se replicar para aqueles que desejam assumir esta forma aperfeiçoada.
Embora a humanidade como um todo leve algum tempo para assumir o veículo aperfeiçoado da consciência Crística, já existem algumas almas avançadas neste processo que contribuirão com o alicerçamento do EU Crístico na entidade humana.
“Em Jesus Cristo vivia o homem ideal, imune a todo tipo de tendência separatista que tornou-se o ideal de irmandade universal.” – Rudolf Steiner
Trecho da palestra “Advento de Ahriman” por Leonardo Maia
Uma das grandes bençãos que a criança pode receber é a de conseguir perceber o amor, respeito e cuidado entre seus pais, independente de estarem juntos ou não. Isso se torna um dos grandes alicerces para o desenvolvimento de sua moralidade individual.
AMOR PARA ALÉM DO TEMPO COMPARTILHADO NUMA RELAÇÃO
As pessoas maduras emocionalmente conseguem reconhecer a diferença entre o que é amor e o que é paixão e sabem que, muitas vezes, um relacionamento pode ser enuviado por ressentimentos, mágoas, carências e apegos, porém, conseguem manter um equilíbrio interior, não permitindo que todas as dificuldades que culminaram no fim de um relacionamento terminem com o respeito, cuidado e carinho pela outra pessoa. Ou seja, conseguem preservar o Amor verdadeiro.
Ninguém cruza nosso caminho à toa. Existem lições muito importantes em cada encontro e é sábio aquele que sabe reconhecê-los e honrá-los. Aquele que compreende as dificuldades do outro e venera suas qualidades, que sabe preservar o espaço, a individualidade e a liberdade de cada um e mantém isso além do tempo compartilhado numa relação, este sim, está mais próximo de reconhecer o verdadeiro Amor.
E lembrem-se:
Uma das grandes bençãos que a criança pode receber é a de conseguir perceber o amor, respeito e cuidado entre seus pais, independente de estarem juntos ou não. Isso se torna um dos grandes alicerces para o desenvolvimento de sua moralidade individual.
por Leonardo Maia
As pessoas educam para a competição e esse é o princípio de qualquer guerra. Quando educarmos para cooperarmos e sermos solidários uns com os outros, nesse dia estaremos a educar para a paz. – Maria Montessori
A NECESSIDADE DE UMA EDUCAÇÃO HUMANIZADA
Consciência, liberdade, dignidade, noção de respeito e amor ao próximo: como posso criar um ambiente propício para que essas qualidades floresçam no coração humano?
A razão, se esta tem desconexão com o sentir, se torna árida e fria, aquela que justifica a falta de humanidade, é a razão puramente intelectual, desconectada do coração, que justifica as atrocidades e a indiferença com o outro ser humano, sendo que, necessariamente, o caminho de desenvolvimento e realização da alma humana é o serviço em prol do bem maior.
Muitos sequer percebem sua falta de humanidade, justificam intelectualmente as necessidades que levam às suas tomadas de decisão, mesmo que elas causem sofrimento ao próximo, pois é indiferente, eles não sentem mais compaixão ou pouco sentem, como se estivessem anestesiados.
A carta abaixo (independente de sua autenticidade/veracidade) diz muito sobre a necessidade de uma educação humanizadora, onde o alicerçamento de uma boa índole se torna essencial para o futuro da humanidade – a conexão do pensar com o coração com a Vontade conectada ao impulso de dignificação do ser humano:
Após o término da segunda guerra mundial, esta carta foi encontrada num campo de concentração nazista, contendo a seguinte mensagem dirigida aos professores:
“Prezado Professor, sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver.
Câmaras de gás construídas por engenheiros formados.
Crianças envenenadas por médicos diplomados.
Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas.
Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades.
Assim, tenho minhas suspeitas sobre a Educação.
Meu pedido é: ajude seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e saber aritmética, só serão importantes se fizerem nossas crianças mais humanas.”
Autor Anônimo
Por Leonardo Maia
Que a força e a bênção de cada geração alcance sempre e inunde a geração seguinte.
ORAÇÃO AOS ANTEPASSADOS
“Gratidão queridos pais, avós e demais ancestrais por terem tecido o meu caminho, imensa gratidão pela imensidão dos seus sonhos que, de alguma forma, são hoje a minha realidade.
A partir deste ponto e com muito amor, dou luz à tristeza que houve nas gerações passadas, dou luz à raiva, às partidas prematuras, aos nomes não ditos, aos destinos trágicos.
Dou luz à flecha que cortou caminhos e tornou a caminhada mais fácil para nós.
Dou luz à alegria, às histórias repetidas várias vezes.
Dou luz ao não dito e aos segredos de família.
Dou luz às histórias de violência e ruptura entre casais, pais e filhos e entre irmãos e que seja o tempo e o amor que volte a unir.
Dou luz a todas as memórias de limitação e pobreza, a todas as crenças desestruturantes e negativas que permeiem o meu sistema familiar.
Aqui e agora semeio uma nova esperança, alegria, união, prosperidade, entrega, equilíbrio, ousadia, fé, força, superação, amor, amor e amor.
Que todas as gerações passadas e futuras sejam agora, neste instante cobertas com um arco-íris de luzes que curem e restaurem o corpo, a alma e todos os relacionamentos
Que a força e a bênção de cada geração alcance sempre e inunde a geração seguinte.
Assim seja. Assim é!”
Bert Hellinger
CORDIALIDADE NO SEGUNDO SETÊNIO
“Para a idade escolar dos 7 aos 14 anos é muito mais significativo que se conte algo de forma emotiva e afetiva ao invés de cobranças por meio de provas. A cordialidade no conteúdo de classe tem muito mais valor que a lógica pura, pois a criança ainda não a necessita: ela necessita de nós, necessita de nossa humanidade.”
Rudolf Steiner
Seríamos capazes de superar a intolerância e divergências e caminhar juntos em direção a um propósito maior comum: a dignificação de todos os seres humanos?
CONCILIAÇÃO E FRATERNIDADE
O amor é superior à opinião. Se as pessoas se amam, as mais variadas opiniões podem ser conciliadas. Portanto, é profundamente significativo que na Teosofia nenhuma religião seja atacada e nenhuma religião seja especialmente escolhida, mas que todas sejam compreendidas e, portanto, podendo haver fraternidade porque os adeptos das mais variadas religiões se entendem.
Esta é uma das tarefas mais importantes para a humanidade hoje e no futuro: que os homens aprendam a conviver e se entendam. Se essa comunhão humana não for alcançada, toda conversa sobre desenvolvimento oculto é vazia.
Rudolf Steiner – Nos portões da ciência espiritual (aula 11)
O RECONHECIMENTO DA NATUREZA DIVINA DO OUTRO
Um dos maiores desafios da humanidade que permanece até os dias atuais: o racismo. Muitas perguntas e reflexões se fazem importantes: conseguiremos superar o racismo no âmbito estrutural da sociedade?
Como opinião, acredito que políticas sociais e Leis que modelem uma sociedade mais equânime e justa, equilibrando oportunidades e as próprias condições econômicas, representativas e de capacitação dos grupos marginalizados e menos favorecidos, além, óbvio de uma estrutura legal eficiente que puna de forma correta atos de violência física e moral de grupos indiscriminados.
Porém deixo outra pergunta: como superar o racismo na consciência do indivíduo para além de uma colonização estrutural do Estado ou mesmo ideológica? O reconhecimento da natureza divina do outro: o verdadeiro respeito e amor ao próximo para além das correntes raciais, étnicas e genéticas, a fraternidade universal real, na consciência humana, para além dos dogmas, leis e imposições ideológicas morais?
Por que temos que considerar isso? Justamente por amor…
Leonardo Maia
O verdadeiro ser da Antroposofia que é universal, integra e não separa…
UMA REFLEXÃO SOBRE A SABEDORIA LUCIFÉRICA
Uma reflexão sobre a Sabedoria Luciférica. O tempo / época da consciência tem este desafio de superar o seguimento dogmático/cego e, claro, temos isso na Antroposofia, justificado pela sua complexidade e também pelos seus aspectos suprassensíveis nos seus conceitos.
De certa forma, uma distorção ou mesmo a dissolução luciférica pode vir como uma resposta à cristalização dogmática de seus próprios conceitos trazida no livro de Yeshayahu Ben-Aharon:
“Pessoas em todos os continentes estão copiando e colando esse modelo totalmente invertido da Antroposofia, obviamente de uma forma ingênua e inconsciente forma, porque eles simplesmente seguem a autoridade e o exemplo de seus professores antroposóficos europeus e anglo-americanos.”
Este é um aspecto da Sabedoria Luciférica já metamorfoseado em fanatismo Luciférico pela corrupção da essência viva da Ciência Espiritual, então uma perspectiva de reversão às nossas próprias representações estreitas de identidades físicas, psicológicas, sociais, nacionais, culturais e religiosas pode distorcer também o verdadeiro ser da Antroposofia que é universal, que integra e não separa, pois essa reversão pode vir alimentada pela própria “alienação” cultural gerada pelo próprio processo de “uma antroposofia germanizada invertida ter se tornardo o modelo e o centro global deste processo de reversão.”
Leonardo Maia
Nada é mais projetado para levar a humanidade ao declínio do que a propagação de ideais de raça, nação e sangue.
IDEAIS DE RAÇA, NAÇÃO E SANGUE
Alguém que fala do ideal de raça e nação e de filiação tribal hoje está falando de impulsos que são parte do declínio da humanidade. Se alguém agora os considera ideais progressistas para apresentar à humanidade, isso é uma mentira. Nada é mais projetado para levar a humanidade ao declínio do que a propagação de ideais de raça, nação e sangue. Nada é mais provável de impedir o progresso humano do que proclamações de ideais nacionais pertencentes a séculos anteriores que continuam a ser preservados pelos poderes luciféricos e arimânicos. O verdadeiro ideal deve surgir do que encontramos no mundo do espírito, não no sangue. (GA 177)
Fonte: Rudolf Steiner – GA 177 (Fall of the Spirits of Darkness)
Tradução livre: Leonardo Maia
O ser humano, segundo a Antroposofia, possui uma natureza quádrupla, relacionada aos 4 elementos e aos 4 reinos da natureza:
TERRA – Corpo físico em seu aspecto substancial, reino mineral.
ÁGUA – Corpo vital, ou corpo de forças formativas. Reino vegetal.
AR – Corpo anímico ou corpo astral. Reino animal.
FOGO – Individualidade, EU, autoconsciência. Reino humano.
O MUNDO EM NÓS – A QUADRIMEMBRAÇÃO
1- CORPO FÍSICO
Relacionado ao elemento terra e ao reino mineral o universo sólido, a substância material, a dimensão espacial. Sozinho, está sujeito às leis físicas e deterioração/desintegração. O corpo físico é a base para a manifestação humana na Terra.
2- CORPO ETÉRICO OU VITAL
Relacionado ao elemento água e ao reino vegetal. É o veículo da vida. Ele opõe à morte, à desintegração. RESPONSÁVEL PELOS processos vitais e fisiológicos como crescimento, aquecimento, manutenção, geração e etc…
3- CORPO ANÍMICO OU ASTRAL
Relacionado ao elemento ar e ao reino animal. É o veículo da alma, da sensibilidade e do movimento próprio. Também conhecido por corpo das sensações. Responsável pelos instintos e sensibilidade diante dos estímulos: prazer e dor, simpatia e antipatia, sono e vigília.
4- ESPÍRITO, INDIVIDUALIDADE OU ORGANIZAÇÃO DO EU
Relacionado ao elemento fogo e ao reino humano. O reino humano traz a capacidade de andar ereto, falar e pensar o que possibilita a autoconsciência e a autorreflexão: que permite, através do autocontrole, domínio sobre os instintos, impulsividade e de nossos aspectos mais animalescos. Quando estou consciente, estou em mim, com “presença de Espírito”, tenho domínio sobre os impulsos e liberdade de escolha. Seu órgão relacionado é o coração e sua dimensão é a da Consciência. Ainda é um aspecto em desenvolvimento no ser humano, por isso ainda nos identificamos fortemente com aspectos animalescos de nossa natureza. O EU é o caminho de liberdade, que nos torna senhores de nossos destinos.
compilado por Leonardo Maia
A emoção ardente pode subugar a clareza do pensamento gerando ilusões.
INCORPORAR EM NOSSO PENSAMENTO AQUILO QUE NÃO ESTÁ EM NÓS
Não teríamos que passar por toda a terrível campanha de falsidade que tem viajado pelo mundo nos últimos cinco anos (1915 a 1920) – como a consequência final de algo que há muito foi preparado – se as pessoas tivessem aprendido a focar na linguagem dos fatos para em certa medida, e não na linguagem das emoções – linguagem na qual os nacionalistas são os mais terríveis fomentadores de tais emoções. Por um lado, é absolutamente necessário hoje que aprendamos também a incorporar em nosso pensamento o que não está em nós. Por outro lado, há a aversão a essa veracidade, que busca sua orientação nos fatos. Somente aqueles que aderem estritamente ao mundo externo dos fatos podem ascender ao conhecimento dos mundos superiores.
Rudolf Steiner – GA 197
Tradução livre: Leonardo Maia
“O homem ideal está além de todas as tendências separatistas, busca a fraternidade universal. Possui o sentimento que a essência humana mais profunda tem a mesma origem em todos, além dos interesses separatistas genéricos.” – Rudolf Steiner
RUDOLF STEINER E A ANTROPOSOFIA RACISTAS?
Como uma filosofia que considera que “o Homem Ideal, está além de todas as tendências separatistas, busca a fraternidade universal e que possui o sentimento que essência humana mais profunda tem a mesma origem em todos, além dos interesses separatistas e genéricos” pode ser considerada racista?
Como alguém – Rudolf Steiner – que possuía a concepção de que a evolução natural do ser humano é transcender as correntes étnicas, raciais e de sangue em direção ao Amor puro, onde a felicidade e o bem do indivíduo não podem ser imaginados sem a felicidade e o bem dos outros, onde nosso destino como humanidade é a Fraternidade Universal seria racista?
A Antroposofia e seus ideais de altruísmo, liberdade, fraternidade e amor como força viva: o que não estamos compreendendo para considerá-la racista?
Leonardo Maia
Antroposofia se propõe, segundo Rudolf Steiner, a apresentar suas bases fundamentais – que são as mesmas de qualquer outra ciência iniciática do passado – como modelo de ciência exata e conscienciosidade científica pois é o que ser humano da atualidade precisa, para o desenvolvimento do que Rudolf Steiner chama de “clarividência exata”: o desenvolvimento das faculdades anímicas conscientes. A importância de se preservar tais bases se deve ao fato de que tal perspectiva ainda não foi alcançada.
A ANTROPOSOFIA COMO CIÊNCIA INICIÁTICA E A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO SUAS BASES FUNDAMENTAIS
A Antroposofia que apresentei vem para o nosso tempo das mesmas bases que qualquer outra ciência iniciática do passado.
Durante a sua evolução, a humanidade atravessou as mais variadas metamorfoses das suas disposições animais.
No âmbito da evolução da civilização humana, cada época apresenta uma atitude animica específica, e a ela deve adaptar-se também a ciência iniciática que tende a estudar o eterno do ser humano e do mundo.
Para o nosso tempo, é necessária uma ciência iniciática diferente da, por exemplo, válida para a idade média, para a antiguidade grega ou para épocas ainda mais remotas.
A Antroposofia pretende ser uma ciência iniciática adaptada às necessidades e aspirações da alma humana de hoje; no sentido do nosso tempo deve ter em conta a atual concepção científica, segundo a qual o homem já não consegue reconhecer nem a sua parte eterna, nem aquela Eterna do mundo.
Tem também de ter em conta que hoje, quando o homem regressa da ciência para si próprio e tenta aprofundar-se misticamente em si, nem mesmo nesta via consegue obter resultados satisfatórios.
A ciência não chega de fato até o eterno, e o aprofundar em si mesmo oferece talvez uma fé mística, mas não um conhecimento qual é necessário ao homem de hoje.
Quero apenas dizer que, com o espírito e a atitude animada do homem de hoje, a antroposofia tende a algo a que gostaria de chamar clarividência exata.
Precisamente porque tende a isso, ela encontra hoje muitos adversários. Também acontece com dificuldades, embora em substância, pois todas as forças anímicas do presente tendam a ela.
Porque é que está a ser mal interpretada?
Porque justamente, na sequência dos julgamentos, dos sentimentos ou de outros aspectos dos quais hoje se está consciente, ainda não se chega às aspirações inconscientes que, em última análise, já hoje existem em cada alma humana pensante.
Tais inconscientes aspirações, tais inconscientes exigem que hoje se tenda a um mais profundo saber e a um conhecimento superior do eterno, graças também a precisos exercícios, a um desenvolvimento especial da alma humana e das capacidades de conhecimento; exigem que esses exercícios e este desenvolvimento devem ser feitos da forma como hoje se está habituado a alcançar um conhecimento exato.
A Antroposofia pretende apresentar-se aos homens de hoje de acordo com o modelo da ciência exata e com a conscienciosidade científica.
Ao mesmo tempo gostaria de ser um conhecimento para qualquer um, mesmo para a mais simples e ingênua alma humana, para que ninguém seja excluído do conhecimento do que é eterno, imperioso na interioridade humana.
Rudolf Steiner – Londres, 14 de abril de 1922
Cada ciclo tem sua tarefa, uma morte simbólica e uma entrada em nossa floresta interior, nossa área selvagem e intocada. Respeitar os ciclos de nosso corpo e espírito nos ajuda resgatar nossas mãos, ou seja, nosso poder de criar e realizar algo em nossas vidas e no mundo.
A DONZELA SEM MÃOS
Donzela sem mãos é um conto belíssimo que já foi amplamente estudado no livro Mulheres que correm com os Lobos, da autora Clarissa Pinkola Éstes, e no livro O Feminino nos contos de fadas, de Marie Louise Von Franz.
O conto dos irmãos Grimm, trata da história de uma jovem que teve suas mãos amputadas pelo seu pai – um moleiro – que tristemente fez um pacto com o diabo, em troca de riqueza.
Trata da jornada da mulher que não consegue assumir seus dons criativos.
O pai, um moleiro que perde sua fortuna, é aquela parte nossa que quer sair da dificuldade por artifícios do ego e sem ética. Ele entrega a filha ao diabo. Vemos isso coletivamente no avanço tecnológico que destrói a natureza indiscriminadamente. Pensamos “é apenas um pedaço de terra”, ou é só uma árvore”, mas se trata mais do que isso.
Cortar as mãos significa cortar relações. Mas ficar sem mãos também significa que a mulher ficou sem capacidade de atuar no mundo, de trabalhar e de colocar seus dons criativos no mundo.
Quantas mulheres não abdicaram de seus dons e fizeram um pacto infeliz com “o diabo” não respeitando seus processos da alma, seus relacionamentos se tornando impotentes e incapazes de se relacionar e realizar qualquer produção criativa.
Sem mãos, a jovem deixa a casa dos pais e segue em sua jornada redentora para viver na floresta e assim reencontrar a sua natureza perdida. Ela suporta o sofrimento e confia em algo maior que seu ego.
Na floresta sente fome e encontra um jardim, que pertence a um rei. Lá é ajudada por um anjo para chegar ao jardim e comer uma pêra. O rei percebe que uma de suas peras sumiu e descobre a donzela, se apaixonando pela moça e a pedindo em casamento.
O jardim com o roubo fruto proibido lembra a temática judaico-cristã. Mas aqui não é considerado pecado. Aqui no conto simboliza o ultrapassar a inconsciência natural do paraíso. Isso significa que agora a jovem conhece o bem e o mal e a realidade da vida, que consiste de bons e maus momentos.
Ao casar com o rei, ela ganha mãos de prata. O que ainda é uma solução temporária, pois com as mãos de prata ela ainda não tem a mesma mobilidade do que com as naturais, ou seja, ela ainda continua passiva.
A prata na alquimia está associada a Lua, ao feminino e a maternidade.
Isso significa que, apesar de estar em um caminho de redenção, ela ainda não tem um instinto materno saudável. É artificial.
A jovem fica grávida, e o rei resolve ir para a guerra e a deixa com a sua mãe. Ao nascer o bebê a mãe do rei envia cartas ao filho, no entanto, as cartas são trocadas pelo diabo que manda matar a moça e o filho.
Mais uma vez a jovem é colocada em contato com o mal, pois seu conflito não estava ainda resolvido. Sua feminilidade precisava ser aprofundada.
A mãe do Rei percebe algo de errado e manda matar uma corça pedindo para que a jovem fosse embora para a floresta.
Ela novamente se encontra na floresta, abandonada e traída. Não se trata de uma repetição do drama, mas um aprofundamento da iniciação da jovem para sua entrada na floresta da sua psique através do rito da resistência e assim fortalecer sua personalidade enquanto mulher, através desse encontro com a Mãe Natureza.
Ela passa então, 7 anos com seu filho na floresta, auxiliada por uma espécie de anjo cuidador. Nesse tempo suas mãos crescem e seu marido passa a procurá-la durante todo esse tempo.
Aqui o processo de iniciação da donzela se aprofunda. Ela agora vai sair de seu estado de inconsciência total do inicio do conto. A floresta é símbolo de algo intocado, da Mãe Natureza. Nesse prazo de 7 anos, ela resgata seu instinto materno, longe da civilização que lhe dita regras de comportamento enquanto mãe.
Ela vai ser a mãe ursa e desenvolver sua natureza selvagem. Esse é um problema inclusive crônico em nossa sociedade ocidental: a perda de contato com a natureza afeta mais intensamente as mulheres, que desconectadas de seu próprio corpo e seus ciclos acabam se desligando do instinto materno e desconhecendo os ciclos de seus bebês.
Ela fica na floresta por 7 anos. O sete é o número de dias de cada fase da lua e é também o número de outras expressões do tempo sagrado: os sete dias da criação, os sete dias da semana.
O conto Donzela sem Mãos traz a mulher o aprendizado da natureza mais profunda do feminino que se divide em ciclos relacionados as mudanças do corpo.
Portanto, compreendermos esses ciclos e os pactos infelizes que fazemos em nossa inconsciência nos auxilia em nosso crescimento psíquico. Cada ciclo tem sua tarefa, uma morte simbólica e uma entrada em nossa floresta interior, nossa área selvagem e intocada. Respeitar os ciclos de nosso corpo e espírito nos ajuda resgatar nossas mãos, ou seja, nosso poder de criar e realizar algo em nossas vidas e no mundo.
Texto: Hellen Reis Mourão
A própria possibilidade de escolha entre o bem e o mal em liberdade é, por si só, um ato de amor.
LIBERDADE DE ESCOLHA ENTRE O BEM E O MAL
A liberdade está inseparavelmente ligada à ideia do amor. Seria impossível para o homem desenvolver o amor ou a liberdade sem a possibilidade de navegar no abismo. Um homem incapaz, por sua livre decisão, de escolher o bem ou o mal, seria um ser que só seria conduzido por um fio condutor a um bem que deve ser alcançado por necessidade e que não teria poder para escolher o bem através de sua própria vontade totalmente purificada, pelo amor que brota da liberdade.
A possibilidade de liberdade não poderia ser dada sob nenhuma outra condição senão que o próprio homem tenha que fazer a escolha livre entre o bem e o mal.
Rudolf Steiner – GA 104 – The Apocalypse of John: Lecture XII
O Eu transita entre raças, povos, tribos, nações e gêneros os quais oferecem as ferramentas para o melhor desenvolvimento do EU – essa entidade livre e única. No EU estão contidas vivências de todos os povos, o caminho para Pentecostes exige esta correta compreensão.
ANCESTRALIDADE, INDIVIDUALIDADE, CARMA E REENCARNAÇÃO
Um dos grandes desafios para compreensão do carma é a correta compreensão do EU ou da individualidade. Para darmos alguns passos nesta direção precisamos adentrar o aspecto da ancestralidade e diferenciarmos os caminhos do invólucro físico humano e do EU espiritual.
O Eu encarna no plano material através do corpo físico, mas estes têm caminhos anteriores diferentes.
O corpo físico é o fruto de uma corrente hereditária genética que recebe o EU espiritual. A ancestralidade do invólucro físico é relacionada à família, raça, tribo, nação e etc, que possui um caminho completamente independente do EU.
Do outro lado, a ancestralidade do EU é o caminho que ele percorreu nas suas vivências terrenas através de suas encarnações. Ou seja, o verdadeiro Eu é o fruto das vivências nas múltiplas encarnações da vida física, o qual é capaz de integrar caminhos múltiplos da ancestralidade física.
O que é isso quer dizer? Que o EU não são os antepassados, a sua raça, nem seu povo, ele transcende essa limitação – que pertence exclusivamente ao invólucro físico. O Eu transita entre raças, povos, tribos, nações, gêneros os quais oferecem as ferramentas para o melhor desenvolvimento do EU – essa entidade livre e única.
Um influencia o outro, ou seja, somos o fruto da integração do EU com a ancestralidade física da atual encarnação: quanto mais desenvolvido, o indivíduo se torna capaz de superar as imposições genéticas do invólucro físico, e se torna uma expressão mais pura do seu verdadeiro EU. Por outro lado, aqueles que tem o EU fraco, tendem mais a seguir padrões impostos pela corrente hereditária, pelo contexto social e cultural.
O invólucro físico atua como um prisma para manifestação do EU, porém o EU é completamente independente da “ancestralidade” deste invólucro e sua relação está diretamente ligada ao propósito e ao carma do indivíduo.
Ou seja, o EU nasce em famílias diferentes, raças diferentes, povos diferentes, nações diferentes. O EU não é Europeu, africano, americano ou asiático, ele é “sem pátria’ ou universal, cosmopolita. Qualquer tentativa de se apropriar da corrente ancestral física para julgamento do indivíduo é equivocada e inconsciente.
O indivíduo responde exclusivamente ao carma a tudo que transcende o espectro da encarnação.
No EU estão contidas vivências de todos os povos, o caminho para Pentecostes exige esta correta compreensão.
Leonardo Maia
GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
INICIAÇÃO E SEUS RESULTADOS
Capítulo 5: A DISSOCIAÇÃO DA PERSONALIDADE HUMANA DURANTE A INICIAÇÃO
Durante o sono profundo, a alma humana não registra impressões por meio dos sentidos físicos. Nesse estado, as percepções do mundo externo não o tocam. Está, na verdade, fora da parte mais grosseira da natureza humana – o corpo físico, e só está ligado aos corpos mais sutis – conhecidos como astral e etérico – que escapam à observação dos sentidos físicos. A atividade desses corpos mais finos não cessa durante o sono. Assim como o corpo físico mantém certa relação com as coisas e seres de seu próprio mundo, mesmo quando é afetado por eles e os afeta, assim também acontece com a alma em um mundo superior, mas neste último caso, a experiência continua durante o sono.
A alma está, então, verdadeiramente em plena atividade, mas não podemos conhecer essas atividades pessoais enquanto não tivermos sentidos superiores, por meio dos quais podemos observar, durante o sono, o que acontece ao nosso redor e o que fazemos a nós mesmos, assim como podemos usar nossos sentidos comuns na vida cotidiana para a observação de nosso ambiente físico. O treinamento oculto consiste (como foi mostrado nos capítulos anteriores) na edificação de tais sentidos superiores.
Por meio de exemplos como o que se segue, pode-se facilmente conceber como a alma, com seus veículos mais sutis, pode continuar sua atividade durante os intervalos em que o corpo físico está em repouso. Não é um mero conto que será aqui falado, mas um caso real da vida, que foi observado com todos os meios possuídos pelo investigador clarividente e com todo o cuidado que lhe cabe exercer; tampouco é relacionado como uma “prova”, mas apenas como uma ilustração. [ Nota 1 ]
Um jovem ficou diante de um exame que provavelmente decidiria toda a sua vida futura. Durante muito tempo, ele havia trabalhado assiduamente e, consequentemente, na noite anterior ao exame, estava extremamente cansado. Ele deveria aparecer diante dos examinadores pontualmente às oito da manhã do dia seguinte. Queria ter uma boa noite de sono antes do prova, mas temia que, por causa de sua exaustão, não conseguisse acordar na hora certa. Ele, portanto, tomou a precaução de providenciar para que uma Pessoa que vivia no quarto ao lado o acordasse às seis horas batendo à sua porta. Assim, ele foi capaz de permitir a si mesmo dormir com uma mente tranquila. No dia seguinte, ele acordou, não ao chamado de seu vizinho, mas em um sonho. Ele ouviu seis tiros de rifle, e com o sexto ele estava acordado. Seu relógio – equipado sem alarme – marcava seis horas. Vestiu-se e, depois de meia hora, o vizinho o acordou. Na realidade, eram apenas seis horas, pois o relógio, por algum acidente, ganhara meia hora durante a noite. O sonho que o despertou se ajustou ao relógio adiantado. O que foi então que aconteceu aqui? A alma do jovem permaneceu ativa mesmo durante o sono.
Como ele havia formado, anteriormente, uma conexão entre essa atividade da alma e o relógio ao seu lado, havia permanecido uma conexão entre os dois durante toda a noite, de modo que no dia seguinte a alma veio, por assim dizer, para a sexta hora simultaneamente com o relógio. Essa atividade havia se imprimido na consciência do jovem através do sonho pictórico já descrito, que o despertara. Não se pode explicá-lo por referência à luz crescente do dia ou qualquer coisa semelhante, pois a alma não agiu de acordo com o tempo real do dia, mas com o relógio adiantado. A alma estava ativa como um verdadeiro vigia enquanto a pessoa física dormia. Não é a atividade da alma que está faltando no sono, mas sim uma consciência dessa atividade.
Se, por treinamento ocultista, a vida do sono de uma pessoa é cultivada, da maneira já apresentada no capítulo anterior, ele pode então seguir conscientemente tudo o que se passa diante dele enquanto estiver nesse estado particular; ele pode se colocar voluntariamente em harmonia com seu ambiente, assim como com suas experiências, conhecidas através dos sentidos físicos, durante a continuação da consciência desperta. Se o jovem do exemplo acima fosse um clarividente, ele teria sido capaz de observar o tempo para si mesmo durante o sono e, em conseqüência, ter despertado a si mesmo. É necessário afirmar aqui que a percepção do ambiente fenomenal ordinário pressupõe um dos estágios mais elevados da clarividência. No início de seu desenvolvimento nesse estágio, o estudante só percebe coisas que pertencem a outro mundo, sem poder discernir sua relação com os objetos de seu entorno no ambiente físico.
Aquilo que é ilustrado em exemplos típicos de sonho – ou sono – é repetidamente experimentado pelas pessoas. A alma vive ininterruptamente nos mundos superiores e é ativa dentro deles. Fora desses mundos superiores, ele continuamente extrai as sugestões sobre as quais trabalha novamente, quando desperto no corpo físico, enquanto o homem ordinário permanece inconsciente dessa vida superior. É o trabalho do estudante oculto torná-lo consciente, e assim fazendo, sua vida se transforma. Enquanto a alma não tem a visão superior, ela é guiada por atividades externas superiores, e assim como a vida de um homem cego a quem a visão é dada por uma operação torna-se bastante diferente do que era antes, para que possa então dispensar o guia, assim também a vida de uma pessoa muda sob a influência do treinamento oculto. Ele também está agora abandonado por seu guia e deve, a partir de então, guiar-se a si mesmo. Tão logo isso ocorre, ele está, obviamente, sujeito a erros dos quais em sua consciência desperta não tinha a menor concepção. Ele agora lida com um mundo em que, até então era desconhecido para si mesmo, ele havia sido influenciado por poderes superiores. Esses poderes superiores são regulados pela grande harmonia universal. É dessa harmonia que o aluno emerge. Ele agora tem que realizar para si mesmo coisas que até agora eram feitas para ele sem a sua cooperação.
Porque este é o caso de onde muito que será dito nos tratados que lidam com tais coisas concernentes aos perigos que estão conectados com uma ascensão aos mundos superiores. As descrições desses perigos que às vezes foram dadas são muito aptas a fazer com que almas tímidas considerem essa vida superior apenas com horror. Deve-se dizer aqui que essas experiências só ocorrem se as regras necessárias de prudência forem negligenciadas.
Por outro lado, se tudo o que uma educação oculta genuína transmite como conselho fosse dado como uma advertência, seria manifesto que a ascensão é através de experiências que tanto em magnitude, como em forma, ultrapassam tudo o que foi pintado pela fantasia mais ousada de uma pessoa comum; mas ainda não é razoável falar de possíveis danos à saúde ou à vida. O aluno aprende a reconhecer formas ameaçadoras terríveis que assombram todos os cantos e recantos da vida. É até mesmo possível que ele faça uso de tais poderes e seres que são retirados das percepções dos sentidos, e a tentação de usar esses poderes a serviço de algum interesse proibido por ele mesmo é muito grande. Há também a possibilidade de empregar essas forças de maneira errônea, devido a um conhecimento inadequado sobre os mundos superiores.
Alguns desses eventos especialmente importantes (como, por exemplo, o encontro com o “Guardião do Limiar”) serão descritos mais adiante neste tratado. No entanto, é preciso perceber que esses poderes hostis estão ao nosso redor, mesmo quando não sabemos nada sobre eles. É verdade que neste caso a relação deles com o homem é determinada por poderes superiores, e que essa relação só muda quando ele conscientemente entra no mundo que até então era desconhecido para ele. Ao mesmo tempo, isso aumentará sua existência e ampliará enormemente o círculo de sua vida.
Só haverá perigo se o estudante, seja por impaciência ou arrogância, assumir uma independência prematura demais em sua atitude em relação às experiências do mundo superior – se ele não puder esperar até adquirir uma visão realmente madura das leis suprafísicas. Nesta esfera, as palavras “humildade” e “modéstia” são ainda menos vazias do que na vida comum. Se estes, no melhor sentido, forem os atributos do estudante, ele pode estar certo de que sua ascensão à vida superior pode ser alcançada sem qualquer perigo para o que normalmente se entende por saúde e vida. Acima de tudo, é necessário que não haja desarmonia entre essas experiências superiores e os eventos e demandas da vida cotidiana.
A tarefa do estudante é vasculhar a Terra, e aquele que tenta se retirar das tarefas sagradas da Terra e fugir para outro mundo pode ter certeza de que nunca alcança seu objetivo. No entanto, o que os sentidos contemplam é apenas uma parte do mundo e, nas regiões espirituais, estão as causas do que são fatos no mundo fenomenal. Deve-se participar dos afins do espírito para levar as revelações para o mundo dos sentidos. O homem transforma a terra, implantando nela aquilo que descobriu no mundo espiritual, e essa é a sua tarefa.
No entanto, porque a Terra é dependente do mundo espiritual – porque só podemos ser verdadeiramente efetivos na Terra se tivermos parte naqueles mundos onde estão ocultas as forças criativas – devemos estar dispostos a ascender a essas regiões. Se uma pessoa entra em um curso de treinamento ocultista com esse sentimento, e se ele nunca se desvia por um momento das instruções já dadas, ele não tem nem o mais insignificante dos perigos a temer. Ninguém deve recuar na educação oculta devido aos perigos que o confrontam; em vez disso, a própria perspectiva deve formar um poderoso incentivo para a aquisição daquelas qualidades que devem ser possuídas pelo genuíno estudante do oculto.
Depois dessas preliminares, que certamente devem dissipar todos os pressentimentos, vamos agora descrever um desses “perigos”. É verdade que mudanças consideráveis são sofridas pelos corpos mais sutis do estudante oculto. Essas mudanças estão ligadas a certos eventos evolutivos que acontecem dentro das três forças fundamentais da alma – a vontade, os sentimentos e os pensamentos. No que diz respeito ao treinamento oculto de uma pessoa, essas três forças estão em uma relação definida, regulada pelas leis do mundo superior.
Ele não vai, nem pensa, nem sente, de maneira arbitrária. Se, por exemplo, uma idéia particular surge em sua mente, então, de acordo com as leis naturais, um certo sentimento está ligado a ela, ou então é seguido por uma resolução da vontade que está igualmente conectada a ela de acordo com a lei. Você entra em uma sala, descobre que ela está abafada e abre a janela. Você ouve seu nome ser chamado e segue a ligação. Você é questionado e você responde. Você percebe um objeto malcheiroso e sente um sentimento de repulsa. Essas são conexões simples entre pensamento, sentimento e vontade. Se, no entanto, o estudante fizer uma pesquisa sobre a vida humana, ele observará que tudo nele é construído em tais conexões.
De fato, só chamamos a vida de uma pessoa de “normal” se detectarmos nela apenas aquela inter-relação de pensamento, sentimento e vontade que é fundada nas leis da natureza humana. Consideramos contrária a essas leis se uma pessoa, por exemplo, sente prazer em um objeto malcheiroso, ou se, ao ser questionado, ele não responde. O sucesso que esperamos de uma educação correta ou de uma instrução apropriada consiste em nossa pressuposição de que podemos assim transmitir a nosso aluno uma inter-relação de pensamento, sentimento e vontade que corresponde à natureza humana.
Quando apresentamos a um aluno quaisquer idéias particulares, fazemos isso com base na suposição de que eles assimilam, em uma associação ordenada, seus sentimentos e volições. Tudo isso decorre do fato de que nos veículos mais sutis da alma do homem os pontos centrais dos três poderes, sentimento, pensamento e vontade, estão conectados uns com os outros de uma maneira definida. Essa conexão nos veículos mais sutis da alma também tem sua analogia no corpo físico grosseiro. Lá, também, os órgãos da vontade estão em certa relação ordenados com estes pensamentos e sentimentos.
Um pensamento definido evoca regularmente um sentimento ou uma vontade. No curso do desenvolvimento superior de uma pessoa, os fios que conectam esses três princípios entre si são separados. A princípio, essa ruptura ocorre apenas em relação ao organismo mais fino da alma; mas em um estágio ainda mais elevado, a separação se estende também ao corpo físico. Na evolução espiritual mais elevada de uma pessoa, seu cérebro realmente se divide em três partes separadas. A separação, de fato, é de tal natureza que não é perceptível à observação sensorial comum, nem pode ser detectada pelos mais precisos instrumentos físicos. No entanto, ocorre e o clarividente tem meios de observá-lo. O cérebro do clarividente superior divide-se em três entidades ativas independentes: o cérebro do pensamento, o cérebro do sentimento e o cérebro da vontade.
Os órgãos do pensamento, do sentimento e da vontade permanecem, então, completamente livres em si mesmos, e sua conexão não é mais mantida por uma lei inata neles, mas deve agora ser cuidada pela crescente consciência mais elevada do indivíduo. Essa, então, é a mudança que o estudante oculto observa vindo sobre si mesmo – de que não há mais uma conexão entre um pensamento e um sentimento, ou um sentimento e uma vontade, exceto quando ele mesmo cria a conexão. Nenhum impulso leva-o do pensamento para a ação se ele não o abrigar voluntariamente.
Ele pode agora ficar completamente sem sentir diante de um objeto que, antes de seu treinamento, o teria enchido de amor ardente ou ódio violento; Da mesma forma, ele pode permanecer sem ação diante de um pensamento que, até então, o teria estimulado a agir como se por si só. Ele pode executar atos por um esforço da vontade, onde nenhuma causa remota seria visível para uma pessoa que não tenha passado pela escola ocultista. A maior aquisição que o estudante oculto herda é a obtenção do domínio completo sobre os fios de conexão dos três poderes da alma; contudo, simultaneamente, essas conexões são colocadas inteiramente sob sua própria responsabilidade.
Somente através de tais alterações em sua natureza, a pessoa pode entrar em contato consciente com certos poderes e entidades suprafísicas. Pois entre sua própria alma e certas forças fundamentais do mundo há correspondências ou ligações. O poder, por exemplo, que reside na vontade, pode agir e perceber certas coisas e entidades do mundo superior, mas só pode fazê-lo quando dissociado dos fios que o ligam aos sentimentos e pensamentos da alma. Tão logo esta separação seja efetuada, as atividades da vontade podem ser manifestadas, e assim também as forças do pensamento e do sentimento.
Se uma pessoa envia um sentimento de ódio, ela é visível para o clarividente como uma fina nuvem de luz de um matiz especial, e o clarividente pode afastar tal sentimento, assim como uma pessoa comum afasta um golpe físico que visa para ele. O ódio é um fenômeno perceptível no mundo suprafísico, mas o clarividente só é capaz de percebê-lo na medida em que ele pode direcionar a força que reside em seus sentimentos, assim como uma pessoa comum pode direcionar para fora a faculdade receptiva de seus olhos. O que é aplicado aqui ao ódio aplica-se também a fatos muito mais importantes no mundo fenomenal. O indivíduo pode entrar em comunhão consciente com eles por essa mesma liberação das forças elementares da alma.
Devido a essa divisão do pensamento, do sentimento e das forças voluntárias, agora é possível que um erro triplo possa ultrapassar o desenvolvimento de uma pessoa que não tenha respeitado suas instruções ocultas. Tal erro poderia ocorrer se os fios de conexão fossem separados antes que o estudante tivesse adquirido tanto conhecimento da consciência superior como lhe permitiria segurar as rédeas para guiar corretamente, tal como uma cooperação livre e harmoniosa das forças separadas forneceria. Pois, via de regra, os três princípios humanos em qualquer período da vida não são desenvolvidos simetricamente. Em um, o poder do pensamento é avançado além daqueles do sentimento e da vontade; em um segundo, outro poder tem vantagem sobre seus companheiros. Enquanto a conexão entre essas forças – uma conexão produzida pelas leis do mundo superior – permanecer intacta, nenhuma irregularidade prejudicial, no sentido mais elevado, pode resultar dessa predominância de uma ou outra força.
Em uma pessoa com força de vontade, por exemplo, trabalho sobre o pensar e o sentir por essas leis para equalizar tudo e evitar que o excesso de vontade caia em uma espécie de degeneração. Se tal pessoa, no entanto, devesse adotar um treinamento oculto, a influência dada pela lei do pensamento e do sentimento sobre a vontade monstruosa, descontrolada e opressiva cessaria completamente. Se, então, o indivíduo não tiver levado seu controle da consciência superior a ponto de poder invocar a desejável harmonia para si mesmo, a vontade continuará sua própria maneira desenfreada e repetidamente a subjugar seu possuidor. Pensamento e sentimento passam à completa debilidade; e o indivíduo é chicoteado como um escravo por sua própria vontade dominadora. Uma natureza violenta que corre de uma ação desgovernada para outra é o resultado.
Segue-se um segundo desvio se a sensação perder seu freio apropriado da mesma maneira extrema. Uma pessoa que se curva em adoração perante o outro pode facilmente entregar-se a uma dependência ilimitada, até que seu próprio pensamento e vontade sejam arruinados. No lugar do conhecimento superior, um vazio e uma fraqueza miseráveis se tornariam o destino de tal pessoa. Mais uma vez, em um caso em que o sentimento é predominantemente preponderante, uma natureza demasiadamente cedida à piedade e à aspiração religiosa pode cair na extravagância religiosa que o carrega.
O terceiro mal é encontrado onde o pensamento é muito proeminente, pois então pode resultar uma natureza contemplativa hostil à vida e fechada dentro de si. Para tais pessoas, o mundo só parece ter algum significado, na medida em que lhes oferece objetos para a satisfação de sua sede ilimitada de sabedoria. Eles nunca são impelidos por um pensamento, seja para um sentimento ou para um feito. Eles são vistos como pessoas frias e insensíveis. Eles fogem de todos os contatos com as coisas da vida cotidiana, como de algo que os leva para a aversão, ou que perdeu todo o sentido para eles.
Essas são as três formas de erro contra as quais o estudante de ocultismo deve ser aconselhado: excesso de ação, excesso de sentimento e uma busca fria e sem amor pela sabedoria. Vista de fora – como também do ponto de vista médico materialista – a imagem de um estudante do ocultismo em um desses caminhos não difere muito (especialmente em grau) daquele de um louco, ou pelo menos de uma pessoa que sofre de uma doença nervosa grave. De tudo isso, ficará claro como é importante para a educação oculta que os três princípios da alma sejam desenvolvidos simetricamente, antes que sua conexão inata seja rompida e que a consciência superior desperta seja entronizada em seu lugar; pois se um erro ocorre uma vez, se um desses princípios cai no desequilíbrio, a alma superior aparece como algo mal formado. A força desenfreada permeia toda a personalidade do indivíduo; e não se pode esperar que a balança seja restaurada por um longo tempo. Aquilo que parece ser uma característica inofensiva enquanto o seu possuidor não tem treinamento oculto – especialmente se ele pertence ao tipo de vontade, pensamento ou sentimento – é tão potencializado no estudante oculto que as virtudes mais intrínsecas, tão necessárias para o cotidiano a vida estão sujeitas a serem obscurecidas.
Um perigo realmente sério está à mão quando o estudante adquire a faculdade de chamar à sua frente na consciência desperta aquelas coisas que ele pode experimentar no estado de sono. Enquanto for apenas uma questão de iluminar os intervalos do sono, a vida dos sentidos, regulada de acordo com leis universais comuns, sempre trabalha durante as horas de vigília para restaurar o equilíbrio perturbado da alma. É por isso que é tão essencial que a vida desperta de um estudante do ocultismo seja, em todos os aspectos, saudável e sistemática. Quanto mais ele cumpre a demanda que é feita pelo mundo externo sobre um tipo sólido e poderoso de corpo, alma e espírito, melhor é para ele. Por outro lado, pode ser muito ruim para ele se sua vida normal de vigília atua de modo a super excitá-lo ou irritá-lo; se alguma influência perturbadora ou impeditiva da vida externa ocorre durante as grandes mudanças que são sofridas por sua natureza interior. Ele deve procurar por tudo o que corresponde aos seus poderes e faculdades, tudo o que o coloca em uma conexão harmônica imperturbável com o seu ambiente.
Ele deve evitar tudo o que perturbe essa harmonia, tudo o que traz inquietação e febre em sua vida. Com relação a isso, não é tanto uma questão de remover esse desassossego ou febre no sentido externo, mas cuidar de que o humor, os propósitos, os pensamentos e a saúde do corpo não passam por uma flutuação contínua. Durante seu treinamento no ocultismo, tudo isso não é tão fácil para uma pessoa realizar como antes, uma vez que as experiências mais elevadas, que agora estão entrelaçadas com sua vida, reagem ininterruptamente sobre toda a sua existência. Se algo nessas experiências mais elevadas não estiver em seu lugar, a irregularidade espreita perpetuamente e está sujeita a jogá-lo fora do caminho certo a cada esquina. Por esta razão, o estudante não deve omitir nada que lhe assegure um controle duradouro sobre toda a sua natureza: nem a presença da mente, nem que um exame pacífico de todas as situações possíveis na vida, aspectos que jamais devem ser permitidos abandoná-lo. Um genuíno treinamento do ocultismo, na verdade, engendra todos esses atributos e, no curso de tal treinamento, só se aprende a conhecer esses perigos no exato momento em que se adquire todo o poder para afastá-los do campo.
Rudolf Steiner – GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
INICIAÇÃO E SEUS RESULTADOS
Capítulo 4: OS TRÊS ESTADOS DE CONSCIÊNCIA
A vida do homem é passada em três estados, que são os seguintes: acordado, sono com sonhos e sono profundo sem sonhos. Pode-se compreender como alcançar um conhecimento mais elevado dos mundos espirituais, formando uma idéia das mudanças nas condições que devem ser experimentadas pelo aspirante sobre tal conhecimento. Antes de uma pessoa passar pelo treinamento necessário, sua consciência é continuamente quebrada pelos períodos de descanso que acompanham o sono. Durante esses períodos, a alma não conhece nada do mundo exterior nem nada de si mesmo. Somente em certos momentos acima do amplo oceano da inconsciência surgirão sonhos relacionados a eventos no mundo exterior ou às condições do corpo físico.
A princípio, a pessoa reconhece nos sonhos apenas uma manifestação especial da existência do sono, e comumente os homens falam apenas de dois estados – acordar e dormir. Do ponto de vista oculto, no entanto, os sonhos têm um significado especial, além dos dois outros estados. Já foi mostrado em um capítulo anterior (A Vida Onírica) como as mudanças ocorrem na existência onírica da pessoa que empreende a ascensão ao conhecimento superior. Seus sonhos perdem seu caráter sem sentido, desordenado e ilógico, e começam gradualmente a formar um mundo correlacionado e regulado. Com o desenvolvimento continuado, este novo mundo, nascido dos sonhos, não deverá nada às realidades exteriores e fenomenais, não apenas no que diz respeito à sua verdade interior, mas também nos fatos que revela, pois, no sentido mais pleno da palavra, apresentam uma realidade superior. No mundo fenomenal, especialmente, existem segredos e enigmas escondidos por toda parte.
Este mundo revela admiravelmente os efeitos de certos fatos superiores, mas aquele que limita suas percepções apenas aos sentidos físicos não pode penetrar nas causas. Para o estudante oculto, tais causas são parcialmente reveladas no estado já descrito como sendo desenvolvido a partir de sua existência onírica. Com certeza, ele não deve considerar essas revelações como um conhecimento real, desde que as mesmas coisas não se revelem a ele durante a vida comum também. Mas isso ele também alcança. Ele adquire o poder de entrar no estado que ele primeiro desenvolveu na sua vida de sonho durante as horas da consciência desperta. Então o mundo dos fenômenos é enriquecido para ele por algo completamente novo.
Assim como uma pessoa que, embora cega de nascença, passa por uma operação e vê tudo em seu ambiente enriquecido pelo novo testemunho da percepção visual, o mesmo acontece com a pessoa que se tornou clarividente da maneira acima, considerando o mundo inteiro ao seu redor, percebendo nela novas características, novos seres e novas coisas. Não é mais necessário que ele espere por um sonho para poder viver em outro mundo, pois ele pode se transportar para o estado de percepção superior a qualquer momento adequado. Esta condição ou estado tem uma importância para ele comparável àquela da percepção com olhos abertos em oposição a um estado de olhos vendados. Pode-se dizer literalmente que o estudante do ocultismo abre os olhos de sua alma e vê coisas que devem sempre permanecer ocultas aos sentidos corporais.
Este estado (que já foi descrito em detalhes) apenas forma a ponte para um estágio ainda mais elevado do conhecimento oculto. Se os exercícios que lhe forem atribuídos forem continuados, o estudante descobrirá no momento oportuno que as mudanças vigorosas até então mencionadas afetam não apenas sua vida onírica, mas que a transformação se estende mesmo ao que era antes de um sono profundo e sem sonhos. Ele percebe que a absoluta inconsciência em que ele sempre se encontrou durante esse sono é agora quebrada por experiências isoladas conscientes. Da grande escuridão do sono surgem percepções de um tipo que ele nunca conhecera antes.
Naturalmente, não é fácil descrever essas percepções, pois nossa linguagem é apenas adaptada ao mundo dos fenômenos externos e, em conseqüência, só é possível encontrar palavras aproximadas para descrever o que não pertence a esse mundo. Ainda assim, é preciso usar essas palavras para descrever os mundos superiores, e isso só pode ser feito pelo uso livre de analogias; contudo, vendo que tudo no mundo está inter-relacionado, tal tentativa pode ser feita. As coisas e os seres dos mundos superiores são de qualquer maneira tão distantemente conectados com os do mundo dos fenômenos que, embora de boa fé, um retrato desses mundos superiores nas palavras usualmente descritivas do mundo fenomenal poder ser tentado, deve-se sempre reter a idéia de que muito em descrições desse tipo devem obviamente se partilhadas na natureza de analogias e imagens.
A educação ocultista em si é apenas parcialmente realizada pelo uso da linguagem comum; para o resto, o aluno aprende em sua ascensão uma linguagem simbólica especial, um método emblemático de expressão; mas nada a respeito disso pode, no presente e por boas razões, ser falado abertamente. O estudante deve adquiri-lo para si mesmo na escola ocultista. Isso, no entanto, não forma nenhum obstáculo para a aquisição de algum conhecimento sobre a natureza dos mundos superiores por meio de uma descrição comum, como a que será dada aqui.
Se quisermos dar alguma sugestão das experiências mencionadas acima como surgindo do mar de inconsciência durante o período de sono profundo, podemos compará-las melhor às da fala e audição. Podemos falar sons e palavras perceptíveis. Se pudermos comparar as experiências do sono com sonhos a um certo tipo de visão comparável às percepções dos olhos, as experiências do sono profundo permitem uma comparação semelhante com as impressões orais. Pode-se notar, de passagem, que, dessas duas faculdades, a visão permanece a mais alta, mesmo nos mundos espirituais. As cores ainda são mais altas que sons ou palavras, mas o aluno no começo de seu desenvolvimento não percebe essas cores mais altas, mas apenas os sons inferiores. Somente porque o indivíduo, depois de seu desenvolvimento geral, já está qualificado para o mundo que se revela a ele no sono com sonhos, ele percebe diretamente suas cores, mas ainda é desqualificado para o mundo superior que se acende no sono profundo e consequentemente, este mundo revela-se a ele a princípio como sons e palavras; mais tarde, ele pode montar, como em qualquer lugar, a percepção de cores e formas.
Se o estudante agora percebe que ele passa por tais experiências em sono profundo, sua próxima tarefa é torná-lo o mais claro e vívido possível. No começo, isso é muito difícil, pois a recordação durante o estado de vigília é, a princípio, extraordinariamente escassa. Você sabe bem ao acordar que experimentou alguma coisa; mas quanto a sua natureza, você permanece completamente na obscuridade. A coisa mais importante durante o começo deste estado é que você permaneça tranquilo e com compostura, e não se permita, nem por um momento, cair em qualquer desassossego ou impaciência. Em todas as circunstâncias, a última condição é prejudicial. Nunca pode acelerar qualquer desenvolvimento posterior, mas em todos os casos deve-se atrasá-lo. Você deve se abandonar calmamente ao que é dado a você: toda violência deve ser reprimida. Se em qualquer período você não puder recordar essas experiências durante o sono profundo, deverá aguardar pacientemente até que seja possível fazê-lo, pois esse momento certamente chegará algum dia. Se você já foi paciente e calmo, a faculdade de recordação, quando ocorrer, será uma possessão segura; enquanto, se alguma vez aparecer, em resposta a métodos forçados, isso significaria apenas que, por um período muito mais longo, ela ficaria totalmente perdida.
Se o poder da recordação apareceu uma vez e as experiências do sono emergem completas, vívidas e claras diante da consciência desperta, a atenção deve então ser direcionada para o que se segue aqui. Entre essas experiências, podemos distinguir claramente dois tipos. O primeiro tipo é totalmente estranho a tudo que alguém já experimentou. A princípio, alguém pode sentir prazer nelas, pode deixar-se exaltar por elas; mas depois de um tempo elas são postas de lado. Elas são as primeiras precursoras de um mundo espiritual mais elevado, ao qual alguém só se acostuma em um período posterior. O outro tipo de experiências, no entanto, revelará ao observador atento uma relação peculiar com o mundo comum em que ele vive. Com relação aos elementos da vida sobre os quais ele pondera, aquelas coisas em seu ambiente que ele gostaria de entender, mas é incapaz de compreender com o intelecto comum, essas experiências durante o sono podem dar-lhe informações.
Durante sua vida cotidiana, o homem reflete sobre aquilo que o rodeia e chega a concepções que tornam compreensível para ele fazer uma inter-relação das coisas. Ele tenta entender em pensamento o que ele percebe com o sentido. É com tais idéias e concepções que as experiências do sono estão envolvidas. Aquilo que até então era meramente uma concepção sombria e crepuscular assume agora um caráter sonoro e vital que só pode ser comparado aos sons e palavras do mundo fenomenal. Ao estudante, parece cada vez mais que a solução do enigma sobre o qual ele pondera é sussurrada em sons e palavras procedentes de um mundo mais sutil. Então ele deve relacionar o que lhe aconteceu desta maneira com as questões da vida cotidiana. O que até então só era acessível ao seu pensamento tornou-se uma experiência real para ele, vivo e significativo, como raramente, ou nunca, pode ser o caso de uma experiência no mundo dos sentidos. As coisas e os seres do mundo fenomenal são mostrados, portanto, mais do que meramente parecem às percepções dos sentidos. Eles são a expressão e o efluxo de um mundo espiritual. Este mundo espiritual, que até agora era obscuro, revela-se ao estudante do ocultismo em todo o seu ambiente.
É fácil ver que a posse dessa faculdade perceptiva só pode provar ser uma bênção se os sentidos da alma da pessoa em que foram abertos estiverem em perfeita ordem, assim como podemos usar nossos sentidos comuns apenas para o observação precisa do mundo se eles estiverem em uma condição bem regulada. Ora, esses sentidos superiores são formados pelo próprio indivíduo de acordo com os exercícios que lhe são dados no curso de seu treinamento oculto. Tanto quanto desses exercícios que podem ser abertamente ditos, já foram dados em “O Caminho da Iniciação”. O resto é transmitido de boca em boca nas escolas ocultas.
Entre esses exercícios, encontramos a concentração, ou o direcionamento da atenção para certas idéias e concepções definidas que estão ligadas aos segredos do universo; e a meditação, ou o viver dentro de tais idéias, a completa submersão de si dentro delas da maneira já explicada. Pela concentração e meditação, uma pessoa trabalha sobre sua própria alma e desenvolve dentro dela os órgãos de percepção da alma. Enquanto ele se aplica à prática da meditação e concentração, sua alma evolui dentro de seu corpo como que o embrião cresce no corpo da mãe. Quando, durante o sono, as experiências específicas acima descritas começam a ocorrer, o momento do nascimento chegou para a alma madura, que assim se tornou literalmente um novo ser trazido pelo indivíduo: da semente ao fruto. Instruções relativas ao assunto da meditação e concentração devem, portanto, ser cuidadosamente preparadas e cuidadosamente seguidas, uma vez que são as próprias leis que determinam a germinação e evolução da natureza da alma superior do indivíduo; e isso deve aparecer em seu nascimento como um organismo harmonioso e bem formado. Se, ao contrário, houvesse algo faltando nessas instruções, tal ser não apareceria, mas em seu lugar um ser mal formado do ponto de vista dos assuntos espirituais e incapaz de viver.
Que o nascimento desta natureza superior da alma deva ocorrer durante o sono profundo não parecerá difícil de compreender se considerarmos que o organismo sensível, ainda incapaz de resistir a muita oposição, dificilmente poderia se fazer notar por uma aparição casual entre os poderosos e duros eventos da vida cotidiana desperta. Sua atividade não pode ser observada quando se opõe à atividade do corpo. No sono, no entanto, quando o corpo está em repouso, a atividade da alma superior, a princípio tão fraca e inaparente, pode surgir à vista, na medida em que depende da percepção dos sentidos. Uma advertência deve ser novamente dada para que o estudante oculto não deva considerar essas experiências do sono como fontes de conhecimento inteiramente confiáveis, desde que ele não esteja em condições de se transportar para o plano da alma superior desperta durante a consciência desperta diurna também. Se ele adquiriu essa capacidade, ele é capaz de perceber o mundo espiritual entre e dentro das experiências do dia, ou, em outras palavras, pode compreender como sons e palavras os segredos ocultos de seu entorno.
Neste período de desenvolvimento, devemos entender claramente com o que estamos lidando, a princípio, com experiências espirituais separadas, mais ou menos desconectadas. Devemos estar atentos contra a construção de qualquer sistema de conhecimento, seja completo ou apenas interdependente. Ao fazê-lo, devemos simplesmente confundir o mundo da alma com todo tipo de idéias e concepções fantásticas; e assim poderíamos muito facilmente tecer um mundo que realmente não tem conexão alguma com o verdadeiro mundo espiritual. O estudante oculto deve praticar continuamente o mais estrito autocontrole. O método correto é tornar-se mais claro e consciente na realização das experiências separadas e autênticas que ocorrem, e então esperar a chegada de novas experiências, plenas e não forçadas em sua natureza, que se conectarão, como se fossem por conta própria, com aquelas que já ocorreram. Em virtude do poder do mundo espiritual no qual ele agora encontrou seu caminho e, em virtude, também, da prática dos exercícios prescritos, o estudante agora experimenta uma expansão cada vez mais abrangente e mais compreensiva da consciência no sono profundo. Do que outrora era mera inconsciência, mais e mais experiências emergem, e cada vez menos e menos acontecem aqueles períodos na existência do sono que permanecem inconscientes. Assim, então, as experiências separadas do sono continuamente se aproximam umas das outras sem que essa real interligação seja perturbada por uma infinidade de combinações e inferências que ainda surgiriam da intromissão do intelecto acostumado ao mundo fenomenal. Quanto menos os hábitos comuns de pensamento forem misturados de alguma maneira não autorizada com essas experiências superiores, melhor será.
Se você se conduzir corretamente, você se aproximará cada vez mais do estágio em que toda a vida do sono é passada em plena consciência. Então você existe, quando o corpo está em repouso, em uma realidade tão real quanto enquanto você está acordado. É supérfluo observar que durante o sono estamos lidando, a princípio, com uma realidade inteiramente diferente do ambiente fenomenal em que o corpo se encontra. Na verdade, nós aprendemos – ou melhor, devemos aprender se devemos manter nosso equilíbrio firme e evitar tornar-se um fantástico – relacionar as experiências mais altas do sono ao ambiente fenomenal. A princípio, no entanto, o mundo em que se entra no sono é uma revelação completamente nova. Na ciência oculta, o estágio importante no qual a consciência é retida interiormente durante toda a vida do sono é conhecido como a “continuidade da consciência” (nota 1).
No caso de uma pessoa que chegou a esse ponto, as experiências e os eventos não cessam durante os intervalos em que o corpo físico descansa, e nenhuma impressão é transmitida à alma por meio dos sentidos nesse período.
* Nota 1: Aquilo que é aqui referido é, num certo estágio de desenvolvimento, uma espécie de “ideal”, o objetivo que se encontra no final de um longo caminho. As próximas coisas que o estudante aprende são duas extensões de consciência – primeiro, em um estado de alma onde até agora nada além de sonhos não regulamentados eram possíveis, e, segundo, em outro estado em que até então nada era possível exceto o sono inconsciente e sem sonhos. Ele então conhece os três estados, mesmo que lhe seja impossível recusar inteiramente toda a contribuição ao estado normal de sono.
Rudolf Steiner – GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
INICIAÇÃO E SEUS RESULTADOS
Capítulo 3: A VIDA ONÍRICA
Uma sugestão de que o estudante chegou ao estágio de evolução descrito no capítulo anterior é a mudança que vem sobre sua vida onírica. Até agora, seus sonhos eram confusos e aleatórios, mas agora eles começam a assumir um caráter mais regular. Suas imagens começam a se organizar de maneira ordenada, como os fenômenos da vida desperta. Ele pode discernir neles leis, causas e efeitos. O conteúdo de seus sonhos também mudará. Embora até então ele tenha discernido apenas as reverberações da vida cotidiana, impressões variadas de seu entorno ou de sua condição física, agora aparecem diante dele quadros de um mundo com o qual ele não tinha nenhum conhecimento. A princípio, de fato, a natureza geral de seus sonhos permanecerá como antigamente, na medida em que o sonho se diferencia dos fenômenos da vigília apresentando em forma simbólica tudo o que deseja expressar. Essa dramatização não pode escapar à atenção de qualquer observador atento da vida onírica.
Por exemplo, você pode sonhar que está pegando alguma criatura horrível e experimentando uma sensação desagradável em sua mão. Você acorda e descobre que está firmemente segurando um pedaço da roupa de cama. A percepção não se expressa claramente, mas apenas através da imagem alegórica. Ou você pode sonhar que está voando de algum perseguidor e, em conseqüência, sente medo. Ao acordar, você descobre que durante o sono você estava sofrendo de palpitações no coração. O estômago repleto de alimentos indigestos causará imagens de sonho inquietas. Ocorrências na vizinhança da pessoa adormecida também podem refletir-se alegoricamente em sonhos. O impacto de um relógio pode evocar a imagem de soldados marchando ao som de seus tambores. Ou uma cadeira em queda pode se tornar a origem de um drama onírico completo no qual o som da queda é traduzido em um disparo de arma, e assim por diante. Os sonhos mais regulados da pessoa cujo corpo etérico iniciou seu desenvolvimento também têm esse método alegórico de expressão, mas deixarão de repetir apenas os fatos do ambiente físico ou do corpo dos sentidos. À medida que esses sonhos, que devem sua origem a tais coisas, se tornam ordenados, eles se confundem com imagens oníricas semelhantes, que são a expressão de coisas e eventos em outro mundo. Aqui temos experiências que estão além do alcance de nossa consciência desperta.
Agora, nunca deve ser imaginado que qualquer verdadeiro místico, então, fará as coisas que, desta maneira, ele experimenta nos sonhos a base de qualquer interpretação verdadeira do mundo superior. É preciso considerar apenas essas experiências oníricas como indícios de um desenvolvimento superior. Muito em breve, como mais um resultado disso, descobrimos que as imagens do estudante sonhador não são mais, até agora, retiradas pela orientação de um intelecto cuidadoso, mas são reguladas por esse meio, e metodicamente consideradas como são as concepções e impressões de consciência desperta do ser humano. A diferença entre essa consciência onírica e o estado de vigília se torna cada vez menor. O sonhador torna-se, no sentido mais amplo da palavra, desperto em sua vida onírica: isto é, ele pode sentir-se o mestre e líder dos quadros que então aparecem.
Durante seus sonhos, o indivíduo realmente se encontra em um mundo diferente daquele de seus sentidos físicos. Mas se ele possui apenas órgãos espirituais não evoluídos, ele pode receber desse mundo apenas as dramatizações confusas já mencionadas. Seria apenas o que estaria a sua disposição, como seria no mundo dos sentidos, estar equipado apenas com os olhos mais rudimentares. Em consequência, ele só poderia discernir neste mundo as reflexões e reverberações da vida cotidiana.
Então, nos sonhos, ele consegue enxergá-las, porque sua alma entrelaça suas percepções diárias como imagens das quais o outro mundo consiste. Deve ser claramente entendido que, além da vida consciente cotidiana, conduz-se a este mundo uma segunda e inconsciente existência. Tudo o que alguém percebe ou pensa fica impresso nesse outro mundo. Somente se as flores de lótus (chakras) evoluírem, pode-se perceber essas impressões. Agora certos aspectos primitivos das flores de lótus estão sempre à disposição de qualquer um. Durante a consciência diária, ele não pode perceber com elas, porque as impressões feitas sobre ele são muito fracas. É por razões semelhantes que durante o dia não se pode ver as estrelas. Elas não podem fazer-se sentir por nossas percepções quando opostas pela luz solar intensa e ativa, e é exatamente assim que impressões espirituais fracas não podem se fazer sentir em oposição às impressões magistrais dos sentidos físicos. Quando a porta do sentido exterior é fechada no sono, essas impressões podem emergir confusamente, e então o sonhador lembra o que experimentou no outro mundo. No entanto, como já se observou, a princípio essas experiências nada mais são do que aquelas concepções relacionadas aos sentidos físicos que impressionaram o mundo espiritual.
Apenas as flores de lótus (chakras) desenvolvidas possibilitam que manifestações que não estão conectadas com o mundo físico se manifestem. A partir do desenvolvimento do corpo etérico, surge um conhecimento completo das impressões que são transmitidas de um mundo para outro. Com isso, a comunicação do aluno com um novo mundo inicia. Ele deve agora – por meio das instruções dadas em seu treinamento oculto – antes de tudo, adquirir uma natureza dupla. Deve ser possível para ele, durante as horas de vigília, lembrar conscientemente os seres que observou nos sonhos. Se ele adquiriu essa faculdade, ele se tornará capaz de fazer essas observações durante seu estado de vigília comum. Sua atenção terá se tornado tão concentrada nas impressões espirituais que essas impressões não precisarão mais desaparecer à luz daquelas que vêm através dos sentidos, mas estão, por assim dizer, sempre à mão.
Se o estudante é capaz de fazer isso, então surge diante de seus olhos espirituais algo da imagem que foi descrita em um capítulo anterior (A constituição do corpo etérico). Ele pode agora discernir que o que existe no mundo espiritual é a origem daquilo que corresponde a ele no mundo físico e, acima de tudo, ele pode aprender neste mundo a conhecer seu próprio eu superior. A tarefa que agora o confronta é crescer, por assim dizer, para esse eu superior, ou, em outras palavras, para considerá-lo como seu único eu verdadeiro, e também se comportar de acordo. Ele agora retém, cada vez mais, a concepção e a percepção vital de que seu corpo físico e o que até então ele designou “ele mesmo” é apenas um instrumento do eu superior. Ele toma uma atitude em relação ao seu eu inferior, tal como pode ser tomado por alguém limitado ao mundo dos sentidos em relação a algum instrumento ou veículo que lhe serve. Assim como tal pessoa não consideraria a carruagem em que viajou ser ele mesmo, embora ele diga “eu viajo” ou “eu vou”, também a pessoa desenvolvida, quando ele diz “eu atravesso a porta,” Retém em sua mente a concepção: “eu levo meu corpo pela porta”. Isto deve tornar-se para ele uma idéia tão habitual que ele nunca perde, por nenhum momento, o firme fundamento do mundo físico, que nunca surge um sentimento de estranhamento no mundo dos sentidos. Se o estudante não deseja tornar-se um mero entusiasta fantástico ou vaidoso, ele deve trabalhar com a consciência superior, para que ele não empobreça sua vida no mundo físico, mas a enriqueça, assim como a pessoa que faz uso de uma ferrovia em vez de suas próprias pernas, pode enriquecer-se indo a uma jornada ou viagem.
Se o estudante se elevou a tal vida no Ego superior, então – ou ainda mais provavelmente durante a aquisição da consciência mais elevada – será revelado a ele como ele pode vivificar o que é chamado o fogo da Kundalini que vive no órgão no coração e, além disso, ele pode dirigir as correntes descritas em um capítulo anterior (a constituição do corpo etérico).
Este fogo da Kundalini é um elemento de material mais fino que flui para fora deste órgão e flui em beleza luminosa através das flores de lótus que se movem e dos outros canais do corpo etérico evoluído. Daí irradia-se para fora e para o mundo espiritual circundante, tornando-o espiritualmente visível, assim como a luz do sol que incide sobre os objetos ao seu redor torna visível o mundo físico.
Como este fogo da Kundalini no órgão no coração é vivificado pode apenas ser assunto no treinamento oculto real. Nada pode ser dito abertamente.
O mundo espiritual torna-se claramente perceptível como composto de objetos e seres apenas para o indivíduo que, de tal maneira, pode enviar o fogo da Kundalini através de seu corpo etérico para o mundo exterior, de modo que estes objetos sejam iluminados por ele. A partir disso, será visto que uma completa consciência de um objeto no mundo espiritual depende inteiramente da condição que a própria pessoa lançou sobre ela a luz espiritual. Na realidade, o Ego, que extraiu este fogo, não mais permanece no corpo físico humano, mas (como já foi mostrado) separado dele. O órgão no coração é apenas o ponto onde o indivíduo, de fora, inflama esse fogo. Se ele quisesse fazer isso, não aqui, mas em qualquer outro lugar, então as percepções espirituais produzidas por meio do fogo não teriam nenhuma conexão com o mundo físico. No entanto, deve-se relacionar todas as coisas espirituais mais elevadas com o próprio mundo físico, e através de si mesmo deve deixá-las trabalhar no último. O órgão no coração é precisamente aquele através do qual o eu superior faz uso do eu inferior como seu instrumento e de onde ele é dirigido.
O sentimento que a pessoa desenvolvida agora tem em relação às coisas do mundo espiritual é completamente diferente do que é característico das pessoas comuns em relação ao mundo físico. Os últimos sentem-se em certa parte do mundo dos sentidos e os objetos que percebem são externos a eles. A pessoa espiritualmente evoluída sente-se unida aos objetos espirituais que ela percebe, como se, de fato, estivesse dentro deles. No espaço espiritual, ele move-se de fato de um lugar para outro e, portanto, é falado na linguagem da ciência oculta como “o errante”. Ele está praticamente sem um lar. Se ele continuasse nessa mera errância, ele seria incapaz de definir claramente qualquer objeto no espaço espiritual. Assim como alguém define um objeto ou uma localidade no espaço físico começando a partir de um certo ponto, também deve ser em relação ao outro mundo. Ele deve procurar por um lugar lá o qual é o Mundo Onírico.
Ele praticamente explora completamente o lugar do qual ele espiritualmente toma posse. Disso ele deve fazer seu lar espiritual e definir tudo em relação a ele. A pessoa que vive no mundo físico vê tudo da mesma maneira, como se carregasse as idéias de seu lar físico onde quer que fosse. Involuntariamente, um homem de Berlim descreverá Londres muito diferente de um parisiense. Só que existe uma diferença entre o lar espiritual e o físico. No segundo, você nasce sem a sua própria cooperação e, na juventude, adquire várias idéias que, de agora em diante, involuntariamente, dão cor a tudo. O lar espiritual, ao contrário, você formou para si mesmo com plena consciência. Você, portanto, molda suas opiniões em luz plena da liberdade. Essa formação de um lar espiritual é conhecida no discurso da ciência oculta como “a construção da cabana”.
O ponto de vista espiritual, neste ponto, se estende primeiramente às contrapartes espirituais do mundo físico, na medida em que elas se encontram no que chamamos de mundo astral. Neste mundo encontra-se tudo o que, em sua natureza, é semelhante aos impulsos, sentimentos, desejo ou paixões humanas. Pois em todo objeto perceptivo que cerca uma pessoa, há forças relacionadas a essas forças humanas. Um cristal, por exemplo, é formado por poderes que, quando vistos do ponto de vista mais elevado, são perceptíveis como semelhantes ao impulso que atua no ser humano. Por forças semelhantes, a seiva é arrastada através dos vasos da planta, as flores desabrocham, as caixas de sementes eclodem. Todos esses poderes adquirem forma e cor para as percepções espirituais desenvolvidas, assim como os objetos do mundo físico têm cor e forma para os olhos físicos. No estágio de desenvolvimento aqui descrito, o estudante não vê mais apenas o cristal ou a planta, mas também as forças espirituais por trás deles, assim como ele não vê mais os impulsos do animal ou do ser humano somente através de suas manifestações externas, mas também diretamente como verdadeiros objetos, como no mundo físico, ele pode ver cadeiras e mesas. O mundo inteiro do instinto, impulso, desejo ou paixão, seja de uma pessoa ou de um animal, está lá na nuvem astral, na aura que envolve o sujeito.
Além disso, o clarividente, nesse estágio de sua evolução, percebe coisas que estão quase ou totalmente fora das percepções de sentido. Por exemplo, ele pode observar a diferença astral entre um lugar que é, na maior parte, cheio de pessoas de baixo desenvolvimento e outro que é habitado por pessoas de mente elevada. Em um hospital, não é apenas a atmosfera física, mas também astral, é diferente da do salão de festas. Uma cidade comercial tem um ar astral diferente daquele de uma cidade universitária. No princípio, os poderes de percepção de tais coisas serão apenas fracos na pessoa que se tornou clarividente. A princípio, ele parecerá estar conectado com os objetos em questão, assim como a consciência onírica da pessoa comum em relação à sua consciência desperta, mas gradualmente ele também despertará completamente nesse plano.
A mais alta aquisição que chega ao clarividente, quando ele atinge esse grau de visão, é aquela pela qual a reação astral de impulsos ou paixões animais ou humanos é revelada a ele. Uma ação amorosa tem uma aparência astral bem diferente da que procede do ódio. O apetite sensual dá origem a uma imagem astral horrível e à sensação que se baseia em coisas elevadas para uma que é bela. Essas correspondências ou imagens astrais só podem ser vistas fracamente durante a vida humana física, pois sua força é muito diminuída pela existência no mundo físico. Um desejo por qualquer objeto se mostra, por exemplo, como um reflexo do próprio objeto. Se, no entanto, esse desejo for satisfeito pela obtenção do objeto físico, ou se pelo menos a possibilidade de tal satisfação estiver presente, a imagem correspondente aparecerá muito sutilmente. Primeira ela vem em seu poder pleno após a morte de uma pessoa, quando a alma, de acordo com sua natureza, continua a promover tais desejos, mas não pode mais satisfazê-los porque o objeto e seus próprios órgãos físicos estão faltando. Assim, o gourmet ainda terá o desejo de agradar seu paladar; mas a possibilidade de satisfação está ausente, já que ele não possui mais um paladar. Como resultado disso, o desejo é exibido como uma imagem excepcionalmente poderosa pela qual a alma é atormentada. Essas experiências após a morte entre as imagens da natureza da alma inferior são conhecidas como o período em “Kamaloka”, isto é, na região do desejo. Eles só desaparecem quando a alma se purifica de todos os apetites que são direcionados para o mundo físico. Então a alma se ergue em uma região mais alta chamada “Devachan”. Embora essas imagens sejam fracas na pessoa que ainda está viva, elas ainda existem e o seguem como seu próprio ambiente em Kamaloka, assim como o cometa é seguido por sua cauda, e elas podem ser vistas pelo clarividente que chegou a esse ponto de desenvolvimento.
Entre essas experiências e tudo o que lhes é similar, o estudante oculto vive no mundo descrito. Ele ainda não pode entrar em contato com aventuras espirituais ainda mais elevadas. A partir deste ponto, ele deve subir ainda mais alto.
Rudolf Steiner – GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
INICIAÇÃO E SEUS RESULTADOS
Capítulo 2: A CONSTITUIÇÃO DO CORPO ETÉRICO
O cultivo do corpo astral, como foi descrito no capítulo anterior, permite que uma pessoa perceba fenômenos supra-sensoriais, mas aquele que realmente encontrasse seu caminho em relação ao mundo astral não deveria permanecer nesse estágio da evolução. O mero movimento das flores de lótus não é suficiente. O estudante deve ser capaz de regular e controlar o movimento de seus órgãos astrais de forma independente e com total consciência. Caso contrário, ele se tornaria, por assim dizer, um brinquedo para forças e poderes externos. Se ele não deseja tornar-se tal, ele deve adquirir a faculdade de ouvir o que é conhecido como “o mundo interior”, e para isso é necessário evoluir não apenas no corpo astral, mas também no corpo etérico. Este é o corpo sutil que, aos olhos do clarividente, aparece como uma espécie de espectro do corpo físico. É, em certa medida, um corpo intermediário entre os corpos físico e astral. Se alguém está equipado com percepção clarividente, pode-se suprimir conscientemente a percepção do corpo físico de uma pessoa. Nesse plano superior, não é mais do que normalmente é um exercício de atenção. Assim como uma pessoa pode retirar sua atenção de qualquer coisa que esteja diante dele, de modo que ela não exista para ele, o clarividente pode apagar um corpo físico de sua observação, de modo que ele se torne, para ele, fisicamente transparente. Se ele aplica esse poder a um ser humano que está à sua frente, nada permanece em sua visão anímica, exceto o corpo etérico e o corpo astral, que é maior do que qualquer um dos outros dois e interpenetra os dois. O corpo etérico tem aproximadamente o tamanho e a forma do corpo físico, de modo que preenche praticamente o mesmo espaço. É um veículo extremamente delicado e finamente organizado. Sua cor principal é diferente das sete contidas no arco-íris. Aquele que é capaz de observá-lo é apresentado a uma cor que não é observável pelas percepções sensoriais. Pode ser comparado com a cor de uma jovem flor de pessegueiro com mais precisão do que com qualquer outra. Se alguém deseja contemplar o corpo etérico sozinho, deve-se extinguir a observação do corpo astral por um exercício de atenção semelhante ao já sugerido. Se alguém se omitir a fazê-lo, a visão do corpo etérico é confundida pela completa interpenetração do corpo astral.
Agora, as partículas deste corpo etérico estão em movimento contínuo. Inúmeras correntes passam por ele em todas as direções. Por estas correntes, a própria vida é suportada e regulada. Todo corpo que tem vida, incluindo os animais e plantas, possui um duplo etérico. Mesmo nos minerais há vestígios dele perceptíveis para o observador atento. Essas correntes e movimentos são quase totalmente independentes da vontade e da consciência humanas, assim como a ação do coração ou do estômago no corpo físico é independente da nossa vontade. Enquanto a pessoa não tomar seu desenvolvimento (no sentido de adquirir faculdades supra-sensoriais) em suas próprias mãos, essa independência permanece. Pois seu desenvolvimento, em certo estágio, consiste precisamente em acrescentar aos inconscientes movimentos de indiferença e movimentos independentes do corpo etérico, a capacidade do indivíduo de influenciá-los conscientemente por si mesmo.
Quando sua educação oculta progrediu tanto que as flores de lótus (chakras) descritas nos capítulos anteriores começam a se sobressair, então o estudante recebe certas diretrizes que levam à evocação de correntes e movimentos particulares dentro de seu corpo etérico. O objetivo dessas diretrizes é moldar na região do coração físico uma espécie de centro a partir do qual essas correntes e movimentos, com suas múltiplas formas e cores, possam fluir. O centro é, na realidade, não apenas um ponto escolhido, mas uma estrutura muito complicada, um órgão realmente maravilhoso. Ele arde e brilha com todos os tipos de cores e exibe formas das maiores simetrias que são capazes de transformação com velocidade surpreendente. Outras formas e correntes de cor procedem deste órgão para as outras partes do corpo, como também para as do corpo astral, que elas penetram e iluminam completamente. O mais importante desses raios move-se, no entanto, em direção às flores de lótus (chakras). Eles permeiam cada pétala e regulam suas revoluções; então, fluindo dos pontos das pétalas, eles se perdem no espaço circundante. Quanto mais evoluída for uma pessoa, maior será a circunferência à qual esses raios se estendem.
A flor de lótus de doze pétalas (conhecido como chakra do cardíaco) tem uma conexão particularmente estreita com o centro já descrito. Os raios se movem diretamente para dentro dele, e de lá procedem, de um lado, para os lótus de dezesseis pétalas e de duas pétalas, e, de outro, o lado de baixo, para os lótus de oito, de seis e de quatro pétalas. Esta é a razão pela qual o maior cuidado deve ser dado ao desenvolvimento do lótus de doze pétalas. Se qualquer imperfeição for permitida, toda a formação de toda a estrutura permanecerá desordenada. Pelo que foi dito, pode-se imaginar quão delicada e íntima é essa educação ocultista, e quão estritamente se deve conduzir a si mesmo, se tudo for desenvolvido da maneira apropriada. Agora ficará evidente que a instrução concernente ao desenvolvimento de faculdades supra-sensoriais só pode ser dada por alguém que já experimentou tudo o que deseja despertar em outro, e que está inquestionavelmente em posição de saber se suas instruções serão recompensadas com sucesso.
Se o estudante segue o que é prescrito para ele nestas instruções, ele introduz em seu corpo etérico correntes e vibrações que estão em harmonia com as leis e a evolução do mundo ao qual ele pertence. Consequentemente, essas instruções são reflexos das grandes leis que governam o desenvolvimento do mundo. Consistem em exercícios especiais de meditação e concentração, os quais, se praticados apropriadamente, produzem os resultados descritos. O conteúdo dessas instruções só pode ser transmitido ao indivíduo durante sua educação ocultista. Em certos períodos, essas instruções devem penetrar inteiramente em sua alma com seu conteúdo, de modo que ele esteja interiormente preenchido com ela. Ele começa simplesmente com o que é necessário acima de todas as coisas, um aprofundamento e uma interiorização do pensamento razoável e sensato da cabeça. Esse pensamento é assim libertado e independente de todas as impressões ou experiências sensoriais. Está, de certo modo, concentrado em um ponto que está inteiramente no poder do indivíduo. Ao fazer isso, um centro preliminar para os raios do corpo etérico é formado. Este centro ainda não está na região do coração, mas no da cabeça, e parece ao clarividente como o ponto de saída das vibrações. Apenas se o primeiro passo é bem-sucedido: interiorização do pensamento razoável e sensato da cabeça, cria esse primeiro centro. Se este centro fosse, desde o início, transferido para a região do coração, o clarividente poderia, sem dúvida, obter vislumbres dos mundos superiores; mas ele ainda careceria de qualquer percepção verdadeira da conexão entre esses mundos superiores e o de nossos sentidos, e isso, para o indivíduo em certo estágio da evolução do mundo, é uma necessidade incondicional. O clarividente não deve se tornar um mero entusiasta; ele deve manter o equilíbrio em terra firme.
O centro da cabeça, quando se estabiliza devidamente, é então transferido para baixo, isto é, para a região da laringe. Essa mudança é novamente induzida por um exercício particular de concentração. Então as vibrações características do corpo etérico fluem deste ponto e iluminam o espaço astral que envolve o indivíduo.
Um exercício adicional permite ao estudante determinar por si mesmo a posição de seu corpo etérico. Até então, essa posição dependia das forças que vinham de fora ou procediam do corpo físico. Por meio desse desenvolvimento, o indivíduo é capaz de dirigir o corpo etérico para todos os lados. Essa faculdade é afetada por correntes que fluem aproximadamente ao longo das duas mãos e estão centradas no lótus de duas pétalas que está situado na região dos olhos. Como resultado de tudo isso, os raios que fluem da laringe são moldados em formas redondas, das quais uma quantidade segue para o lótus de duas pétalas, e de lá toma o seu caminho como correntes ondulantes ao longo das mãos.
Encontra-se num desenvolvimento adicional a percepção de que essas correntes se ramificam, ramificam-se de uma maneira delicada e se tornam, em certo sentido, como trabalho de vime (espécie de trama), de modo que todo o corpo etérico é enredado em uma rede. Como até agora o corpo etérico não teve fechamento para as forças externas, de modo que as correntes de vida do grande oceano da vida fluíam livremente para dentro e para fora, torna-se necessário que, do lado de fora, passasse por essa cutícula. Assim, o indivíduo torna-se sensível a essas correntes externas: elas se tornam perceptíveis para ele. Chegou a hora de dar o sistema completo de raios e vibrações uma centralização no coração. Isso, novamente, é realizado por meio de um exercício meditativo e de concentração e, simultaneamente, o aluno alcança o ponto em que pode ouvir o “mundo interior”. Todas as coisas agora adquirem para ele um novo significado. Elas se tornam audíveis, como era, em sua natureza mais íntima; elas falam com ele do seu verdadeiro ser. As correntes já descritas o colocam em contato com o interior do mundo ao qual aparecem. Ele começa a misturar sua vida com a vida de seu ambiente em torno e pode reverberar nas vibrações de suas flores de lótus (chakras). Assim, o indivíduo entra no mundo espiritual. Se ele chegou até aqui, adquiri uma nova compreensão de tudo o que os grandes mestres da humanidade têm pronunciado. As palavras do Buda, por exemplo, agora produzem um novo efeito sobre ele. Elas o penetram com uma beatitude que ele nunca sonhara antes. Pois o som das palavras agora segue os movimentos e ritmos que ele formou dentro de si. Ele agora é capaz de saber diretamente como Buda não proclamou suas próprias revelações individuais, mas aquelas que fluíram para ele do íntimo de todas as coisas. É preciso explicar um fato que só poderia ser compreendido à luz do que já foi dito. As muitas repetições nas palavras do Buda não são corretamente entendidas pelas pessoas do nosso atual estágio evolucionário. Para o estudante do ocultismo, eles são como algo sobre o qual ele pode alegremente deixar seus sentidos interiores repousarem, pois eles correspondem a certos movimentos rítmicos no corpo etérico. A reflexão devocional sobre estes, com completa paz interior, cria uma harmonia com estes movimentos, e porque eles próprios são ecos de certos ritmos universais que também em determinados pontos se repetem e fazem retornos regulares aos seus antigos modos, o indivíduo, ouvindo a sabedoria do Buda, coloca-se em harmonia com os segredos do universo.
Nos manuais teosóficos, encontramos quatro atributos que devem ser desenvolvidos pelo estudante no que é chamado de caminho probatório, a fim de que ele possa alcançar o conhecimento superior. A primeira é a faculdade de discriminar entre o eterno e o temporal, o verdadeiro e o falso, a verdade e a mera opinião. A segunda é uma estimativa correta do eterno e verdadeiro em oposição ao perecível e ilusório. A terceira faculdade é a de praticar as seis qualidades já mencionadas no capítulo anterior: controle do pensamento, controle da ação, perseverança, tolerância, boa-fé e equanimidade. O quarto atributo necessário é o anseio pela liberdade. Uma mera compreensão intelectual do que está incluído nesses atributos é totalmente inútil. Eles devem tornar-se tão incorporados na alma que eles perduram como hábitos internos. Tomemos, por exemplo, o primeiro desses atributos – a discriminação entre o eterno e o temporal. É preciso educar a si mesmo de que naturalmente se precisa discriminar, em tudo o que se confronta, o que são suas características impermanentes e aquelas que irão perdurar. Isso só pode ser alcançado se sua observação do mundo externo for repetida e repetida com esse foco. Por fim, o olhar, de um modo bastante natural, discerne o que perdura, assim como, até então, se satisfizera com o impermanente. “Tudo o que é impermanente é apenas uma parábola” – isso é uma verdade que se torna uma óbvia convicção para a alma. E assim também deve ser com todos os outros quatro atributos no caminho de provação.
Agora, sob a influência desses quatro hábitos espirituais, o corpo etérico realmente se transforma. Pela primeira – a discriminação entre o verdadeiro e o falso – o centro, já descrito, é formado na cabeça e o da laringe é preparado. Os exercícios de concentração, antes mencionados, são, acima de tudo, essenciais para qualquer formação verdadeira. São eles que criam, enquanto os quatro hábitos espirituais se tornam realidade. Se o centro da laringe tiver sido preparado, o controle livre do corpo etérico, como explicado acima, se seguirá e sua separação, sua cobertura de rede, será produzida pela estimativa correta do eterno em oposição ao impermanente. Se o estudante adquirir esse poder de estimativa, os fatos dos mundos superiores se tornarão gradualmente perceptíveis. Só não se deve pensar que alguém tem apenas que realizar aquelas ações que parecem ser importantes quando medidas apenas pelo intelecto. A menor ação, cada pequena coisa realizada, você tem algo de importante na vasta família do mundo, e é necessário que se torne consciente dessa importância. Não se trata de subestimar os assuntos cotidianos da vida, mas de corretamente estima-los. Já foi dito o suficiente no capítulo anterior das seis virtudes das quais o terceiro atributo é composto. Eles estão conectados com o desenvolvimento do lótus de doze pétalas na região do coração, e isso, como já foi indicado, está associado à corrente de vida do corpo etérico. O quarto atributo, que é o anseio pela liberdade, serve para dar vida ao órgão etérico situado no coração. Se esses atributos se tornaram hábitos espirituais reais, o indivíduo se liberta de tudo o que depende das capacidades de sua natureza pessoal. Eu cessa de contemplar as coisas do seu próprio ponto de vista de forma separada. Os limites de seu eu estreito, que o prendem a essa perspectiva, desaparecem. Os segredos do mundo espiritual revelam-se ao seu eu interior. Isso é libertação, de todas as algemas que restrigem o indivíduo a considerar as coisas e os seres como se correspondessem às suas limitações pessoais. O estudante de ocultismo deve tornar-se independente e livre dessa maneira pessoal de abordar as coisas.
A partir disso, ficará claro que os escritos que vieram dos grandes sábios podem ser eficazes nas recantos mais profundos da natureza humana. Os ditos sobre os quatro atributos são exatamente tais emanações da “sabedoria primitiva”. Elas podem ser encontradas sob uma forma ou outra em todas as grandes religiões. Os fundadores das grandes religiões não deram à humanidade esses ensinamentos de sentimentos vagos. Eles os basearam em firmes fundamentações, porque eram poderosos Iniciados. Fora de seu conhecimento eles moldaram seus ensinamentos morais. Eles sabiam como estes ensinamentos morais reagiriam à natureza mais sutil do homem e que a cultura dessas qualidades deveria levar à organização dessa natureza. Viver de acordo com essas grandes religiões é trabalhar a própria perfeição espiritual, e só assim se pode realmente servir ao mundo. A auto-perfeição não é de modo algum egoísta, pois o homem imperfeito é também um servo imperfeito da humanidade e do mundo. Quanto mais perfeito se torna, mais se serve ao mundo. “Se a rosa se adornar ela adorna o jardim.”
Os fundadores das religiões são, portanto, os grandes magos. Aquilo que flui deles para as almas dos homens e mulheres e, assim, para a humanidade, o mundo inteiro avança. Os fundadores das religiões trabalharam conscientemente com esse processo evolutivo da humanidade. Só se compreende o verdadeiro significado das instruções religiosas quando se percebe que elas são o resultado de um conhecimento real dos recantos mais profundos da natureza humana.
Os líderes da religião eram grandes sábios, e é do conhecimento deles que os ideais da humanidade surgiram. No entanto, o indivíduo se aproxima desses líderes quando se eleva em sua própria evolução até suas alturas.
Se uma pessoa evoluiu seu corpo etérico da maneira que acabamos de descrever, uma vida inteiramente nova é aberta diante dele, e no período apropriado, no decurso de seu treinamento, ele agora recebe aquela iluminação que o adapta a essa nova existência. Por exemplo, você vê (por meio do lótus de dezesseis pétalas) as formas de um mundo superior. Eu devo então perceber quão diferentes são essas formas quando produzidas por este ou aquele objeto ou ser. Em primeiro lugar, ele deve perceber que é capaz, de certa forma, de influenciar algumas dessas formas muito poderosamente por meio de seus pensamentos e sentimentos, mas não todas, algumas apenas de forma limitada. Uma das formas dessas na qual essas figuras serão alteradas imediatamente é se o observador pensar consigo mesmo quando elas aparecerem “isso é bonito”, e então, no curso de sua contemplação, mudar seu pensamento e pensar “isso é útil”. É uma característica particular das formas que vêm de minerais ou de objetos feitos artisticamente, a peculiaridade de mudar sob cada pensamento ou sentimento que lhes é dirigido pelo observador. Em menor grau, isso também se aplica às formas que vêm das plantas e, ainda em menor grau, às que estão ligadas aos animais. Essas formas são cheias de vida e movimento, mas esse movimento pertence apenas para essa parte está sob a influência do pensamento ou sentimento humano e, nas outras partes, é efetuado por forças sobre as quais uma pessoa não pode exercer influência alguma. Agora parece haver todo um mundo de espécies de formas que são quase inteiramente não afetadas pelas atividades da parte dos seres humanos. O estudante pode se convencer de que essas formas procedem de minerais ou formas artificiais, e não de animais ou plantas. Para tornar essas coisas claras, ele deve observar agora as formas que ele pode perceber que precederam dos sentimentos, impulsos e paixões dos seres humanos. Então, ele pode descobrir que suas ideias e seus sentimentos ainda têm alguma influência, mesmo que sejam comparativamente pequenos. Sempre permanece um resíduo de formas neste mundo onde todas essas influências são cada vez menos eficazes. De fato, este resíduo compreende uma proporção muito grande daquelas formas que geralmente são discernidas pelo estudante no início de sua carreira. Ele só pode se esclarecer sobre a natureza dessa espécie observando a si mesmo. Ele então aprende que eles foram produzidos por ele mesmo, que o que ele faz, deseja ou pretende encontra expressão nessas formas. Um impulso que habita nele, um desejo que ele possui, um propósito que ele abriga e assim por diante, tudo se manifesta nessas formas; de fato, todo o seu caráter se exibe neste mundo de formas. Por meio de seus pensamentos e sentimentos, uma pessoa pode exercer influência sobre todas as formas que não provêm dele; mas sobre aquelas que são enviadas para o mundo superior de seu próprio ser, eu não possuo poder, uma vez que eu as tenha criado.
A partir desse aspecto superior da natureza interior humana, o próprio mundo de impulsos, desejos e concepções se expressa em formas externas, assim como todos os outros seres ou objetos. Para o conhecimento superior, o mundo interior aparece como parte do mundo exterior. Assim como qualquer pessoa no mundo físico que estando cercada de espelhos poderia olhar para sua forma física dessa maneira, também, em um mundo superior, o ser espiritual do homem aparece para ele como uma imagem refletida em um espelho.
Nesse estágio de desenvolvimento, o estudante chegou ao ponto em que supera a “ilusão do eu pessoal”, como foi expresso em livros teosóficos. Ele pode agora considerar essa personalidade interior como algo externo a si mesmo, assim como anteriormente reconhecia como externas as coisas que afetavam seus sentidos. Assim ele aprende por experiência gradual a dominar a si mesmo como até então dominou as coisas à sua volta.
Se alguém obtém uma visão desse mundo superior antes que sua natureza tenha sido suficientemente preparada, permanece diante da figura do caráter de sua própria alma como diante de um enigma. Ali seus próprios impulsos e paixões confrontam-no sob as formas de animais ou, mais raramente, de seres humanos. É verdade que as formas animais deste mundo não tem a aparência daqueles do mundo físico, mas ainda assim, possuem alguma semelhança remota. Para observador inexperiente, elas podem ser facilmente levados pelo mesmo. Quando alguém entra neste mundo, é preciso adotar um método inteiramente novo de formar os próprios julgamentos. Pois, vendo que as coisas que pertencem propriamente à natureza interior parecem externas a si mesmas, elas são discernidas apenas como reflexos espelhados daquilo que realmente são. Quando, por exemplo, se percebe um número, é preciso reverter como se leria o que é visto em um espelho. 265 significaria na realidade 562. A pessoa vê uma esfera como se estivesse no centro dela. Portanto, é preciso primeiro traduzir corretamente essas percepções internas. Os atributos da alma aparecem da mesma forma como se estivessem em um espelho. Um desejo dirigido para algo externo aparece como uma forma que se move para a pessoa que o desejou. Paixões que têm sua habitação na parte inferior da natureza humana tomam a forma de animais ou formas semelhantes que os deixam soltos sobre o indivíduo. Na realidade, essas paixões estão lutando para fora; é no mundo externo que elas buscam satisfação, mas esse esforço exterior aparece na reflexão espelhada como um ataque à pessoa apaixonada.
Se o estudante, antes de atingir a visão superior, aprendeu através do exame silencioso e sincero de si mesmo a perceber seus próprios atributos, ele então, no momento em que seu eu interior lhe aparece como reflexo espelhado do lado de fora, encontra coragem e poder para ter uma condução correta. As pessoas que não praticaram tal introspecção suficientemente para capacitar-se a conhecer suas próprias naturezas interiores não se reconhecerão nesses quadros espelhados e os confundirão com algo externo. Ou podem ficar alarmados com a visão e dizer a si mesmos, porque não podem suportar a visão, que a coisa toda não passa de uma ilusão que não pode levá-los a lugar nenhum. Em qualquer caso, a pessoa, por sua chegada apressada em um certo estágio no desenvolvimento de sua organização superior, permaneceria desastrosamente à sua própria maneira.
É absolutamente necessário que o estudante passe por essa experiência de ver espiritualmente a sua própria alma, se quiser avançar para as coisas superiores. Pois em si mesmo ele possui a espiritualidade pela qual ele pode julgar melhor. Se ele já adquiriu uma percepção justa de sua própria personalidade no mundo físico, e quando a imagem dessa personalidade lhe aparece pela primeira vez no mundo superior, ele é então capaz de comparar uma imagem com a outra. Ele pode se referir ao mais elevado com algo que ele reconhece e, desse modo, poder avançar em terreno firme. Se, ao contrário, ele for confrontado por outros seres espirituais, ele dificilmente obteria qualquer informação sobre suas naturezas e atributos. Ele logo sentiria o chão se esvaindo de seus pés. Não é preciso repetir que uma entrada segura nos mundos superiores só pode ser seguida um conhecimento sólido e uma estimativa da própria natureza.
São imagens, então, que o estudante encontra em seu caminho para os mundos superiores, pois as realidades que são expressas por essas imagens estão realmente em si mesmo. Ele deve tornar-se maduro o suficiente para impedir-se de desejar, neste primeiro estágio, autênticas realidades, mas permitir considerar essas imagens como apropriadas. Mas internamente, ele logo aprende algo completamente novo a partir de sua observação desse mundo pictórico. Seu Eu inferior só existe para ele como imagens espelhadas, mas no meio dessas reflexões aparece a verdadeira realidade que é seu eu superior. Fora das figuras da personalidade inferior, a forma do Eu espiritual torna-se visível. Então, a partir dos últimos tópicos, são direcionados para outras realidades espirituais mais elevadas.
Este é o momento em que a lótus de duas pétalas na região dos olhos é necessária. Se ela começar a se ativar, o indivíduo alcançará o poder de estabelecer seu ego superior em conexão com entidades espirituais sobre-humanas. As correntes que fluem desta lótus se movem em direção a essas entidades superiores, de modo que os movimentos aqui mencionados são totalmente aparentes para o indivíduo. Assim como a luz torna os objetos físicos visíveis aos olhos, essas correntes revelam as coisas espirituais dos mundos superiores. Mergulhando em certas idéias que o professor transmite ao aluno no intercurso pessoal, este aprende a pôr em movimento e depois direcionar as correntes procedentes dessa flor de lótus dos olhos.
Neste estágio de desenvolvimento, especialmente, o que significa uma capacidade sólida de julgamento e um treinamento claro e lógico é manifestado. Basta considerar que o eu superior, que até então estava inconsciente e como uma semente, nasce na existência consciente. A pessoa não está preocupada com o figurativo, mas com o verdadeiro nascimento no mundo espiritual, e o ser que está nascendo, o eu superior, se for capaz de vida, deve entrar nesse mundo com todos os órgãos e condições necessários. Assim como a natureza toma precauções para que uma criança venha ao mundo com ouvidos e olhos bem formados, deve-se tomar precauções no autodesenvolvimento de um indivíduo, de modo que seu eu superior entre na existência com os atributos necessários. Essas leis que têm a ver com o desenvolvimento dos órgãos superiores do espírito não são senão as leis racionais e morais do mundo físico. O ego espiritual amadurece no eu físico, como a criança no ventre da mãe. A saúde da criança depende do funcionamento normal das leis naturais no útero da mãe. A saúde do eu espiritual é similarmente condicionada pelas leis da inteligência comum e pela razão que operam na vida física. Ninguém que não vive e pensa saudavelmente no mundo físico pode dar à luz um eu espiritual. A vida natural e racional são a base de toda verdadeira evolução espiritual. Assim como a criança, quando ainda no ventre da mãe, vive de acordo com as forças naturais que, depois de seu nascimento, ela usa com seus órgãos dos sentidos, também o eu superior no ser humano vive de acordo com as leis do mundo espiritual mesmo durante seu encarceramento físico; e assim como a criança de uma vaga vida sensorial adquire os poderes acima mencionados (o desenvolvimento de seus órgãos sensoriais), o ser humano também pode adquirir os poderes do mundo espiritual antes que seu próprio eu superior nasça. De fato, ele tem que fazer isso se seu objetivo é entrar em seu mundo como um ser completamente desenvolvido. Seria errado alguém dizer: “Eu não posso seguir os ensinamentos místicos e teosóficos até que eu possa vê-los por mim mesmo”, pois se ele adotasse esse ponto de vista, eu certamente nunca conseguiria atingir um genuíno conhecimento superior.
Ele estaria na mesma posição que uma criança no ventre da mãe, que rejeitasse os poderes que lhe viriam através da mãe, e pretendesse esperar até que ele pudesse criá-los para si mesmo. Mesmo como embrião da criança aprende em sua vida sombria a aceitar como certo e bom o que é oferecido a ela, assim deveria ser com a pessoa que ainda está vendada em relação às verdades declaradas nos ensinamentos místicos ou teosofistas. Há uma percepção, baseada na intuição da verdade e em uma razão crítica clara, sólida e abrangente, concernente a esses ensinamentos, que eles existem, antes mesmo que alguém possa ver as coisas espirituais por si mesmo. Em primeiro lugar, é preciso aprender a sabedoria mística, e por este mesmo estudo preparar-se para ver. Uma pessoa que deveria aprender a ver antes de se preparar dessa maneira seria semelhante a uma criança que nasceu com olhos e ouvidos, mas sem cérebro. O mundo inteiro de som e cor se alargaria diante dele, mas ele não poderia fazer uso disso.
Aquilo que antes atraía o estudante através de seu senso de verdade, sua razão e sua inteligência, torna-se, no estágio da educação oculta já descrita, sua própria experiência. Ele agora tem uma percepção direta de seu eu superior, e ele aprende como esse eu superior está conectado com entidades espirituais de natureza mais elevada e como eles se unem a si mesmo. Ele vê como o eu inferior desce de um mundo superior, e é revelado a ele como sua natureza superior supera a inferior. Agora ele pode distinguir entre o que é permanente em si mesmo e o que é perecível, e isso nada mais é do que o poder de compreender, a partir de sua própria observação, os ensinamentos relativos à encarnação do eu superior no inferior. Tornar-se-á claro que ele mantém uma sublime relação espiritual com essa natureza superior, que seus atributos e seu destino são originados por essa mesma relação. Ele aprende a conhecer a lei de sua vida, seu Karma. Percebe que seu eu inferior, como está presente, molda seu destino, e é apenas uma das formas que podem ser adotadas por sua natureza superior. Ele discerne a possibilidade de se estender diante de seu eu superior, trabalhando em sua própria natureza para que ele se torne cada vez mais e mais perfeito. Agora também pode penetrar nas grandes diferenças entre os seres humanos em relação à sua comparativa perfeição. Ele reconhecerá que há diante dele pessoas que já atravessaram os estágios que ainda estão à sua frente. Terá discernimento de que os ensinamentos e ações dessas pessoas vêm da inspiração de um mundo superior. Tudo isso ele deve ao seu primeiro vislumbre deste mundo superior. Aqueles que foram chamados “os mestres da sabedoria”, “os grandes Iniciados da humanidade”, começarão a aparecer como verdadeiros fatos.
Esses são os tesouros que o estudante, nesse estágio, deve ao seu desenvolvimento: percepção de seu eu superior; na doutrina da encarnação deste eu superior em um ser inferior; nas leis pelas quais a vida no mundo físico é regulada de acordo com suas conexões espirituais – em suma, a lei do Karma; e, finalmente, uma visão da natureza dos grandes Iniciados.
Do estudante que chegou a este estágio, diz-se que a dúvida desapareceu completamente. Se você já adquiriu uma fé que é baseada em uma razão e pensamento sadio, agora aparece em seu lugar pleno conhecimento e uma percepção que nada pode fazer obscurecer.
As religiões apresentaram em suas cerimônias, seus sacramentos e seus ritos, imagens visíveis externas dos seres e eventos espirituais mais elevados. Ninguém, a não ser aqueles que não penetraram nas profundezas das grandes religiões, pode deixar de perceber isso; Mas quem viu por si mesmo essas realidades espirituais compreenderão o grande significado de cada manifestação e anunciação visíveis.
Então, para ele, o próprio serviço religioso torna-se uma representação de sua própria comunhão com o mundo espiritual sobre-humano. Muitas vezes se diz na literatura teosófica, mesmo que não esteja claramente expresso, que o estudante oculto neste estágio se torna “livre de superstição”. A superstição em sua essência nada mais é do que dependência de atos visíveis e externos, sem discernimento dos fatos espirituais dos quais eles são expressão.
Foi demonstrado como o estudante, chegando a esse estágio, torna-se realmente uma nova pessoa. Pouco a pouco ele pode amadurecer a si mesmo por meio das correntes que vêm do corpo etérico, até que ele possa controlar o elemento vital ainda mais alto, o que é chamado de “o fogo da Kundalini”, e com isso alcançar uma liberdade completa da servidão do seu corpo físico.
Rudolf Steiner – GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
INICIAÇÃO E SEUS RESULTADOS
Capítulo 1: OS CENTROS ASTRAIS (Chakras)
Um dos princípios essenciais do ocultismo genuíno é que aquele que se dedica ao seu estudo só deve fazê-lo com uma compreensão completa; não deve empreender nem praticar qualquer coisa da qual não compreenda os resultados. Um professor de ocultismo que ensine ou aconselhe uma pessoa começará invariavelmente com uma explicação das mudanças no corpo, na alma e no espírito, que ocorrerão àquele que busca o conhecimento superior.
Consideremos aqui alguns desses efeitos sobre a alma do estudante do ocultismo, pois somente aquele que está ciente do que será dito agora pode realizar com uma compreensão completa as práticas que levarão a um conhecimento dos mundos suprafísicos. De fato, pode-se dizer que somente estes que são genuínos estudantes ocultistas. Pelo verdadeiro ocultismo, todas as experiências no escuro são fortemente desencorajadas. Aquele que não se submeter de olhos abertos ao período de aprendizado, pode tornar-se um médium, mas todos esses esforços não podem levá-lo à clarividência, como ela é entendida pelo ocultista.
Para aqueles que, no caminho certo, praticaram os métodos (referentes à aquisição do conhecimento superfísico) que foram indicados em meu livro, intitulado O Caminho da Iniciação, certas mudanças ocorrem no que é chamado de “corpo astral” (o organismo da alma). Este organismo é apenas perceptível para o clarividente. Pode-se compará-lo a uma nuvem mais ou menos luminosa que é discernida no meio do corpo físico e, neste corpo astral, os impulsos, desejos, paixões e idéias tornam-se visíveis. Apetites sensuais, por exemplo, são manifestados como efusões vermelho-escuras de uma forma particular; um pensamento puro e nobre é expresso em uma efusão de cor violeta-avermelhada; a concepção clara de um pensador lógico aparecerá como uma figura amarela com contornos bem definidos; enquanto o pensamento confuso de um cérebro nebuloso se manifesta como uma figura com contornos vagos. Os pensamentos de pessoas com visões unilaterais e firmemente fixadas parecerão nítidas em seus contornos, mas imóveis; enquanto as pessoas que permanecem acessíveis a outros pontos de vista são vistas em movimento, com contornos variáveis.
Quanto mais o aluno avançar em seu desenvolvimento psíquico, mais seu corpo astral será regularmente organizado; no caso de uma pessoa cuja vida psíquica não está desenvolvida, permanece desorganizado e confuso. No entanto, em um corpo astral tão desorganizado, o clarividente pode perceber uma forma que se destaca claramente de seu ambiente. Ele se estende do interior da cabeça até o meio do corpo físico. Aparece como, em certo sentido, um corpo independente possuidor de órgãos especiais. Esses órgãos, que agora devem ser considerados, são vistos nas seguintes partes do corpo físico: a primeira entre os olhos; o segundo na laringe; o terceiro na região do coração; o quarto no que é chamado de boca do estômago; enquanto o quinto e sexto estão situados no abdômen. Tais formas são tecnicamente conhecidas como “rodas” (chakras) ou “flores de lótus”. Elas são assim chamadas por suas semelhanças com rodas ou flores, mas é claro que deve ser claramente entendido que tal expressão não deve ser aplicadas mais literalmente do que quando se chama os lóbulos dos pulmões de “asas”. Assim como todos sabem que aqui não se trata realmente de “asas”, é preciso lembrar que, em relação às “rodas”, estamos apenas falando figurativamente. Essas “flores de lótus” são atualmente, na pessoa não desenvolvida, de cores escuras e sem movimento – inertes. No clarividente, no entanto, eles são vistos em movimento e de cor luminosa. No médium algo semelhante acontece, embora de maneira diferente; mas essa parte do assunto não pode agora ser prosseguida. Assim que o estudante do ocultismo começa suas práticas, as flores de lótus primeiramente se tornam luminosas; mais tarde elas começam a girar. É quando isso ocorre que a faculdade de clarividência começa. Essas “flores” são os órgãos dos sentidos da alma, e suas revoluções tornam manifesto o fato de que somos capazes de perceber no mundo superfísico. Ninguém pode contemplar qualquer coisa suprafísica até que tenha desenvolvido seus sentidos astrais.
O órgão sensorial, situado na altura da laringe, permite que se perceba de forma clarividente os pensamentos de outra pessoa e também traz uma visão mais profunda das verdadeiras leis dos fenômenos naturais. O órgão situado perto do coração permite um conhecimento clarividente sobre os sentimentos de outra pessoa. Aquele que o desenvolveu também pode observar alguns dos poderes mais profundos em animais e plantas. Por meio do órgão que se situa na boca do estômago, adquire-se o conhecimento das capacidades e talentos de uma pessoa: com isso, também, é possível ver que papéis da natureza são desempenhados por animais, plantas, pedras , metais, fenômenos atmosféricos e assim por diante.
O órgão situado na laringe tem dezesseis “pétalas” ou “raios”; o que está na região do coração tem doze; aquele que está na boca do estômago tem dez. Agora certas atividades da alma estão conectadas com o desenvolvimento desses órgãos sensoriais, e aquele que os trabalha de maneira particular contribui para o desenvolvimento dos órgãos astrais envolvidos. Oito das dezesseis pétalas do lótus já foram desenvolvidas durante um estágio anterior da evolução humana, em um passado remoto. Para esse desenvolvimento, o ser humano nada contribuiu. Ele os conseguiu como uma dádiva da Natureza, quando ainda estava em um estado de consciência de sonho, entorpecido. Nesse estágio da evolução humana, eles já estavam ativos. A maneira de sua atividade, no entanto, só era compatível com o estado de consciência entorpecida/embotada já mencionada. Quando a consciência ficou mais brilhante, as pétalas tornaram-se obscuras e retiraram sua atividade. As outras oito pétalas podem ser desenvolvidas pela prática consciente da pessoa e, depois disso, todo o lótus se torna brilhante e ativo. A aquisição de certas capacidades depende do desenvolvimento de cada uma dessas pétalas. No entanto, como já mostrado, só podemos conscientemente desenvolver oito delas; as outras oito reaparecem espontaneamente.
Seu desenvolvimento é consumado da seguinte maneira. Deve-se aplicar com cuidado e atenção a certas funções da alma, que usualmente são exercitadas descuidadamente e sem atenção. Existem oito dessas funções. A primeira depende da maneira pela qual alguém recebe idéias. As pessoas geralmente se permitem ser conduzidas a esse respeito apenas pelo acaso. Eles ouvem isto e aquilo, eles vêem uma coisa e outra aleatoriamente, sobre as quais baseiam suas idéias. Enquanto este é o caso, as dezesseis pétalas do lótus permanecem bastante entorpecidas. Somente quando alguém, nesta questão, começa a tomar a educação em suas próprias mãos, ela realmente começa a ser eficaz. Todas as concepções devem ser absorvidas com esse fim em vista. Toda ideia deveria ter algum significado. Deve-se ver nela uma certa mensagem, um fragmento de conhecimento relativo às coisas do mundo exterior, e não se deve estar satisfeito com concepções que não têm tal significado. Deve-se assim governar a vida mental que se torna um espelho do mundo exterior e deve-se direcionar as energias para a expulsar as idéias incorretas.
A segunda dessas funções diz respeito, de maneira semelhante, ao controle das resoluções. Só se deve fazer resoluções depois de uma consideração completa e fundamentada até mesmo dos pontos mais insignificantes. Todas as ações impensadas, todas as ações sem sentido, devem ser colocadas longe da alma. Para tudo, é preciso ter boas razões, e nunca se deve fazer algo para o qual não haja necessidade real.
A terceira função diz respeito à fala. O estudante oculto deve apenas expressar o que é sensato e intencional. Todo falar por falar o afastam de seu caminho. Ele deve evitar o método usual de conversação, no qual todo tipo de coisas, não selecionadas e heterogêneas, são faladas juntas. Ao realizar isso, porém, ele não deve se impedir de interagir com seus companheiros. Precisamente nesse tipo de comunicação, a conversa deve crescer em significado. Ele responde a todos, mas ele faz isso com cuidado e depois de uma análise cuidadosa da questão. Ele nunca fala sem a fundamentação do que ele diz. Ele procura não usar nem muitas nem poucas palavras.
A quarta função é a regulação da ação externa. O estudante procura direcionar suas ações de tal forma que se encaixe com as ações de seus semelhantes e com as peculiaridades de seu ambiente. Ele rejeita todas as ações que são perturbadoras para os outros ou que são antagônicas às que são costumeiras ao seu redor. Ele tenta agir de modo que suas ações possam combinar harmoniosamente com seu ambiente, com sua posição na vida e assim por diante. Onde, quando ele é levado a agir por alguma sugestão externa, ele considera cuidadosamente como ele pode responder melhor. Onde ele é seu próprio mestre, ele considera os efeitos de seus métodos de ação com o máximo cuidado.
A quinta atividade aqui a ser observada reside na gestão de toda a vida. O estudante do oculto esforça-se para viver em conformidade com a natureza e o espírito. Nunca precipitado, também nunca ocioso. A indolência e a atividade supérflua estão igualmente distantes dele. Ele olha para a vida como um meio para o trabalho e ele vive em conformidade. Ele organiza seus hábitos e promove sua saúde para que uma vida harmoniosa seja o resultado.
O sexto está relacionado com o esforço humano. O estudante testa suas capacidades e seu conhecimento e se conduz à luz de tal autoconhecimento. Ele não tenta realizar nada que esteja além de seus poderes; mas também não omite nada o que lhe parece interiormente adequado. Por outro lado, ele põe diante de si objetivos que coincidem com o ideal, com o alto dever de um ser humano. Ele não se limita a considerar-se um autômato como uma roda na vasta máquina da humanidade, mas esforça-se para compreender seus problemas, para olhar além do trivial e do cotidiano. Ele assim se esforça para cumprir suas obrigações cada vez melhor e mais perfeitamente.
A sétima mudança na vida de sua alma lida com o esforço de aprender o máximo possível com a vida. Nada passa diante do aluno sem lhe dar a oportunidade de acumular uma experiência que lhe seja valiosa para a vida. Se ele fez algo errado ou imperfeitamente, isso lhe oferece uma oportunidade para, mais tarde, torná-lo correspondentemente correto ou perfeito. Se ele vê os outros agindo, ele os observa com uma intenção similar. Ele tenta coletar da experiência um rico tesouro e sempre consultá-lo atentamente; nem, de fato, fará qualquer coisa sem ter recordado experiências que possam ajudá-lo em suas decisões e ações.
Finalmente, o oitavo é o seguinte: o estudante deve, de tempos em tempos, olhar para dentro, afundar em si mesmo, tomar cuidadosos conselhos consigo mesmo, construir e testar os alicerces de sua vida, recapitular seu estoque de conhecimentos, refletir sobre seus deveres, considerar o conteúdo e o objetivo da vida, e assim por diante. Todos esses assuntos já foram mencionados em “O Caminho da Iniciação”; aqui eles são meramente recapitulados em conexão com o desenvolvimento do lótus de dezesseis pétalas. Por meio desses exercícios, ela se tornará cada vez mais perfeita, pois destas práticas dependem o desenvolvimento da clarividência. Por exemplo, quanto mais uma pessoa pensa e pronuncia o que se harmoniza com as ocorrências reais do mundo exterior, mais rapidamente ele desenvolverá essa faculdade. Aquele que pensa ou fala qualquer coisa que seja falsa, mata algo no broto do lótus de dezesseis pétalas. Veracidade, retidão e honestidade são, nesse contexto, forças formativas, mas a falsidade, a simulação e a desonestidade são forças destrutivas. O aluno deve reconhecer que não apenas “boas intenções” são necessárias, mas também atos reais. Se penso ou digo qualquer coisa que não se harmonize com a verdade, mato algo nos meus órgãos astrais, mesmo que acredite que falo ou penso com boas intenções. É aqui, como a criança que precisa se queimar se cai no fogo, mesmo que isso possa ter ocorrido por ignorância. A regulação das atividades acima mencionadas da alma, da maneira descrita, permite que o lótus de dezesseis pétalas atinja tons esplêndidos e transmita a ele um movimento definido. No entanto, deve-se notar que os sinais da faculdade clarividente não podem aparecer antes que um certo estágio desse desenvolvimento seja alcançado. Enquanto for um problema levar esse tipo de vida, a faculdade permanece não-manifestada. Até a pessoas dar atenção especial nos assuntos descritos, a pessoa ainda é imatura. Somente quando alguém os assume tão fortemente, de forma que se viva habitualmente do modo especificado, então os traços preliminares da clarividência podem aparecer. Essas questões, portanto, não devem mais parecer incômodas, mas devem se tornar o modo de vida habitual. Não há necessidade de se observar continuamente, nem de se impor a uma vida assim. Tudo deve se tornar habitual. Há certas instruções que podem levar o Lótus a florescer de outro modo. Mas tais métodos são rejeitados pelo verdadeiro ocultismo, pois levam à destruição da saúde física e à ruína da moralidade. Eles são mais fáceis de realizar do que os descritos, que são demorados e problemáticos, mas os últimos levam ao verdadeiro objetivo e não podem, senão, fortalecer a moralidade. (O aluno notará que as práticas espirituais descritas acima correspondem ao que é chamado no budismo de “o caminho óctuplo”. Aqui a conexão entre esse caminho e a edificação dos órgãos astrais deve ser explicada.) Se a tudo o que foi dito é acrescentada a observação de certas ordens que o estudante só pode receber oralmente do professor, resulta uma aceleração no desenvolvimento do lótus de dezesseis pétalas. Mas tais instruções não podem ser dadas fora do recinto de uma escola oculta. No entanto, a regulação da vida da maneira descrita também é útil para aqueles que não querem, ou não podem, se ligar a uma escola. Pois o efeito sobre o corpo astral ocorre em todos os casos, mesmo que seja lento. Para o aluno oculto, a observância desses princípios é indispensável. Se ele tentasse treinar-se no ocultismo sem observá-los, ele só poderia entrar no mundo superior com olhos mentais defeituosos; e no lugar de conhecer a verdade, ele estaria meramente sujeito à decepção e à ilusão. Em certa direção, ele pode se tornar clarividente; mas, fundamentalmente, nada além de uma cegueira mais completa que a antiga o atormentaria. Pois até agora ele permaneceu, ao menos, firmemente atado em meio do mundo dos sentidos e tinha nele certo apoio; mas agora ele vê além desse mundo e irá cair em erro relacionado a ele antes que ele seja capaz de permanecer em segurança em uma esfera mais alta. Como regra, na verdade, ele não consegue distinguir o errado da verdade e perde toda a direção da vida. Por isso, a paciência em tais assuntos é essencial. Deve ser sempre lembrado que o professor de ocultismo pode não prosseguir muito longe com suas instruções, a menos que um desejo sincero de um desenvolvimento regulado das flores de lótus já esteja presente. Apenas meras caricaturas dessas flores poderiam ser desenvolvidas se fossem levadas a florescer antes de terem adquirido, de maneira firme, sua forma apropriada. Pois as instruções especiais do professor provocam o florescimento dos lótus, mas a forma é concedida a elas pelo modo de vida já delineado.
O desenvolvimento irregular de uma flor de lótus tem, como resultado, não apenas ilusões e concepções fantásticas onde um certo tipo de clarividência possa ocorrer, mas também erros e falta de equilíbrio na própria vida. Por meio desse desenvolvimento, alguém pode tornar-se tímido, invejoso, vaidoso, teimoso, rígido e assim por diante, mesmo que este alguém não possua nenhuma dessas características anteriormente. Já foi dito que oito pétalas do lótus foram desenvolvidas há muito tempo, em um passado muito remoto, e que estas, no curso da educação oculta, se desdobram novamente. Agora. na instrução do aluno, todo cuidado deve ser dado aos outros oito. Por ensino errôneo, as primeiras podem facilmente aparecer sozinhas, e as segundas permanecem sem ser cuidadas e inertes. Este seria particularmente o caso quando muito pouco raciocínio lógico e razoável é introduzido na instrução. É de suma importância que o aluno seja uma pessoa sensata e clara, e de igual importância que ele pratique a maior clareza de discurso. As pessoas que começam a ter algum pressentimento de coisas suprafísicas tendem a se tornar falantes sobre tais coisas. Dessa forma, eles retardam seu desenvolvimento. Quanto menos se fala sobre esses assuntos, melhor. Somente aquele que chegou a um certo estágio de clareza deveria falar deles.
No início das instruções, os alunos de ocultismo ficam espantados, em regra, por descobrirem quão pouca curiosidade o professor exibe em relação às suas experiências. Para eles, o melhor era que eles permanecessem inteiramente não comunicativos sobre essas experiências, e não deveriam dizer nada além de quão bem-sucedidos ou mal-sucedidos haviam sido no desempenho de seus exercícios ou na observação de suas instruções. O professor de ocultismo tem outros meios de estimar seu progresso além de suas próprias comunicações. As oito pétalas agora sob consideração sempre se tornam um pouco endurecidas por meio de tal comunicação, onde deveriam realmente crescer macias e flexíveis. Uma ilustração deve ser dada para explicar isso, não tirada do mundo suprafísico, mas, por uma questão de clareza, da vida cotidiana. Suponha que eu ouça uma notícia e, em seguida, forme uma opinião ao mesmo tempo. Daqui a pouco recebo mais algumas novidades que não se harmonizam com as informações anteriores. Estou constrangido com isso por reverter meu julgamento original. O resultado disso é uma influência desfavorável sobre o meu lótus de dezesseis pétalas. Teria sido bem diferente se, em primeiro lugar, eu tivesse suspendido meu julgamento; se, em relação a todo o assunto, eu permanecesse inteiramente em silêncio, interiormente em pensamento e externamente em palavras, até que eu tivesse adquirido fundamentos bastante confiáveis para a formação do meu julgamento. O cuidado na formação e no pronunciamento de opiniões torna-se, em graus, a característica especial do estudante do ocultismo. Assim, ele aumenta sua sensibilidade para impressões e experiências, que ele permite penetrar em si silenciosamente para coletar o maior número possível de fatos para formar suas opiniões. Existem na flor de lótus tons de vermelho-vermelho-azulados e rosa-avermelhados que se manifestam sob a influência de tal circunspecção, enquanto no caso contrário aparecem tons de laranja e vermelho-escuro.
O lótus de doze pétalas que se encontra na região do coração é formado de maneira semelhante. Metade de suas pétalas, da mesma forma, já existiam e estavam ativas em um estágio remoto da evolução humana. Essas seis pétalas não precisam ser especialmente desenvolvidas na escola ocultista: elas aparecem espontaneamente e começam a girar quando nos preparamos para trabalhar nas outras seis. No cultivo destas, como na lótus anterior, temos que controlar e dirigir certas atividades da mente de uma maneira especial.
Deve ser claramente entendido que as percepções de cada astral ou órgão da alma têm um caráter peculiar. A lótus de doze pétalas possui uma percepção bastante diferente da de dezesseis pétalas. Esta última percebe formas. Os pensamentos de uma pessoa e as leis sob as quais um fenômeno natural ocorre aparecem para o lótus de dezesseis pétalas como formas – não, no entanto, formas rígidas, imóveis, mas ativas e cheias de vida. O clarividente, no qual esse sentido é bem desenvolvido, pode discernir uma forma com a qual todo pensamento, toda lei natural, encontra expressão. Um pensamento de vingança, por exemplo, se manifesta em forma de flecha, enquanto um pensamento de boa vontade freqüentemente assume a forma de uma flor abrindo. Pensamentos claros e significativos são formados regular e simetricamente, enquanto concepções nebulosas tomam contornos nebulosos. Por meio da flor de doze pétalas percepções bastante diferentes são adquiridas. Aproximadamente pode-se indicar a natureza dessas percepções, comparando-as com a sensação de frio e calor. Um clarividente equipado com essa faculdade sente um calor mental ou uma sensação de frio saindo das formas discernidas por meio da flor de dezesseis pétalas. Se um clarividente tivesse desenvolvido o lótus de dezesseis pétalas, mas não o lótus de doze pétalas, ele apenas observaria um pensamento de boa vontade como a forma já descrita, enquanto outro em quem ambos os sentidos se desenvolvessem também discerniria aquele desdobramento do pensamento que só se podemos chamar de um calor mental. Pode-se notar, de passagem, que na escola ocultista um sentido nunca evolui sem o outro, de modo que o que acaba de ser dito deve ser considerado apenas por uma questão de clareza. Pelo cultivo da lótus de doze pétalas, o clarividente descobre em si mesmo uma profunda compreensão dos processos naturais. Tudo o que está crescendo ou evoluindo irradia calor; tudo que está decaindo, perecendo ou em ruínas, parecerá frio.
O desenvolvimento desse sentido pode ser acelerado da seguinte maneira. O primeiro requisito é que o aluno se aplique à regulação de seus pensamentos. Assim como a lótus de dezesseis pétalas alcança sua evolução por meio de um pensamento sério e significativo, a flor de doze pétalas é cultivada por meio de um controle interno sobre as correntes do pensamento. Pensamentos errantes que se seguem uns aos outros em nenhuma sequência lógica ou razoável, mas meramente por acaso, destroem a forma da lótus de 12 pétalas. Quanto mais um pensamento segue outro, quanto mais todo pensamento desconectado é posto de lado, mais esse órgão astral assume sua forma apropriada. Se o aluno ouve pensamentos ilógicos expressos, ele deve silenciosamente definir isso diretamente com sua própria mente. Ele não deveria, com o propósito de aperfeiçoar seu próprio desenvolvimento, retirar-se indevidamente do que talvez seja um ambiente mental ilógico. Tampouco deve permitir-se sentir-se impelido a corrigir o pensamento ilógico ao seu redor. Em vez disso, ele deve, em silêncio, em seu próprio eu interior, restringir esse redemoinho de pensamentos a um curso lógico e razoável. E acima de tudo, ele deve se empenhar, depois dessa regulamentação, na região de seus próprios pensamentos.
Um segundo requisito é que ele deve controlar suas ações de maneira similar. Toda instabilidade ou desarmonia de ação produz um efeito devastador sobre a flor de lótus que está aqui em consideração (de doze pétalas). Se o estudante fez alguma coisa, ele deve administrar o ato seguinte de modo que ele forme uma sequência lógica para o primeiro, pois ele, que age de maneira diferente/ilógica dia-pós-dia, jamais desenvolverá essa faculdade ou sentido.
O terceiro requisito é o cultivo da perseverança. O estudante do oculto nunca se deixa atrair por essa ou aquela influência além de seu objetivo, desde que ele continue a acreditar que é o caminho certo. Obstáculos são para ele como desafios para serem superados e nunca arrumar motivos para se demorar no caminho.
O quarto requisito é a tolerância em relação a todas as pessoas e circunstâncias. O estudante deve procurar evitar toda crítica supérflua de imperfeições e vícios, e deve, em vez disso, esforçar-se para compreender tudo o que vem sob sua atenção. Assim como o sol que não recusa a sua luz para o mal e o viciado, ele também não deve recusar-lhe uma simpatia inteligente. Se o estudante se depara com algum problema, ele não deve se perder numa postura crítica, mas curvar-se à necessidade e procurar como pode tentar transmutar a desgraça em bem. Ele não olha para as opiniões de outra pessoa apenas do seu próprio ponto de vista, mas procura se colocar na posição de seu companheiro.
O quinto requisito é a imparcialidade na relação com os assuntos da vida. Neste contexto, falamos de “confiança” e “fé”. O estudante do ocultismo vai para cada pessoa e cada criatura com essa fé, e através dela ele age. Ele nunca diz para si mesmo, quando algo é dito a ele: “Eu não acredito nisso, uma vez que contraria as minhas opiniões atuais”.
Mais avançado, ele está pronto a qualquer momento para testar e reorganizar suas opiniões e idéias. Ele sempre permanece impressionável a tudo que o confronta. Da mesma forma ele confia na eficiência do que ele empreende. A timidez e o ceticismo são banidos de seu ser. Se ele tem algum objetivo em vista, ele também tem fé em seu poder. Cem fracassos não podem privá-lo dessa confiança. É de fato uma “fé que pode mover montanhas”.
O sexto requisito é o cultivo de uma certa equanimidade. O estudante esforça-se para temperar seus humores, estejam eles carregados de tristeza ou de alegria. Ele deve evitar os extremos de subir ao céu em êxtase ou afundar na terra em desespero, mas sim, deve constantemente controlar sua mente e mantê-la equilibrada. Tristeza e perigo, alegria e prosperidade o encontram pronto e armado.
O leitor da literatura teosófica encontrará as qualidades aqui descritas, sob o nome dos “seis atributos” que devem ser buscados por aqueles que querem alcançar a iniciação. Aqui sua conexão com o sentido astral, que é chamado de lótus de doze pétalas, deve ser explicada. O professor pode dar instruções específicas que fazem a lótus florescer; mas aqui, como antes, o desenvolvimento de sua forma simétrica depende dos atributos já mencionados. Aquele que dá pouca ou nenhuma atenção a esse desenvolvimento só vai formar este órgão como uma caricatura de sua forma adequada. É possível cultivar uma certa clarividência dessa natureza direcionando esses atributos para o seu lado maligno em vez de para o bem. Uma pessoa pode ser intolerante, covarde e controversa em relação ao seu ambiente; pode, por exemplo, perceber os sentimentos de outras pessoas e fugir delas ou odiá-las. Isso pode ser tão acentuado que, por causa da frieza mental que irradia até ele a partir de opiniões contrárias às suas próprias, ele pode não suportar ouvi-las, ou então se comporta de maneira repreensiva.
A cultura mental que é importante para o desenvolvimento do lótus de dez pétalas é de um tipo peculiarmente delicado, pois aqui se trata de aprender a dominar, de uma maneira particular, as próprias impressões dos sentidos. É de especial importância para o clarividente no início, pois somente por essa faculdade ele pode evitar uma fonte de inúmeras ilusões e miragens mentais. Normalmente, uma pessoa não está totalmente consciente sobre que coisas têm domínio sobre suas memórias e fantasias. Vamos olhar o seguinte caso: alguém viaja na estrada de ferro e se ocupa com um pensamento. De repente, seus pensamentos tomam outra direção. Ele então recorda uma experiência que ele teve alguns anos atrás e entrelaça-a com seu pensamento imediato. Mas ele não percebeu que seus olhos se voltaram para a janela e foram apanhados pelo reflexo de uma pessoa que se parece com alguém que estava intimamente relacionado com a experiência lembrada. Ele permanece inconsciente do que viu e só está consciente dos resultados e, portanto, acredita que todo o assunto surgiu espontaneamente. Quanto da vida ocorre de tal maneira! Nós jogamos sobre as coisas em nossas vidas que nós lemos ou experimentamos sem trazer a conexão em nossa consciência. Alguém, por exemplo, pode não gostar de uma determinada cor, mas não percebe que isso se deve ao fato de que o professor que ele temia, há muitos anos, costumava usar um casaco dessa cor. Inúmeras ilusões são baseadas em tais associações. Muitas coisas penetram na alma sem se tornarem incorporadas na consciência. O caso a seguir é um exemplo possível. Alguém lê no jornal sobre a morte de uma pessoa conhecida, e logo está convencido de que ontem teve um pressentimento sobre isso, embora não tenha visto nem ouvido falar de nada que pudesse ter dado origem a tal pensamento. É bem verdade: o pensamento de que essa pessoa em particular morreria emergiu ontem “por si só”, mas ele não o percebeu. Duas ou três horas antes de esse pensamento lhe ocorrer ontem, ele foi visitar um conhecido. Um jornal estava sobre a mesa, mas ele não o leu. No entanto, inconscientemente, seus olhos se depararam com um relato da doença perigosa em que tal pessoa estava acometida. Ele não estava consciente da impressão, mas os efeitos disso eram, na realidade, toda a substância do “pressentimento”.
Se alguém refletir sobre esses assuntos, pode medir quão profunda é a fonte de ilusão e fantasia que ele produz. É isto que aquele que deseja promover o lótus de dez pétalas deve represar, pois por meio dela pode-se perceber características profundamente enraizadas nos seres humanos e outros seres. Mas a verdade só pode ser extraída dessas percepções se alguém se libertar totalmente das ilusões aqui descritas. Para este propósito, é necessário que a pessoa se torne mestre daquilo que ele carrega do mundo externo. É preciso estender esse domínio até tal ponto que, na verdade, não se recebe as influências que não se deseja receber, e isso só pode ser alcançado gradualmente vivendo uma vida interior muito poderosa. Isso deve ser feito de maneira tão minuciosa, que só se permite que impressionem as coisas as quais se dirige a atenção voluntariamente, e que isso realmente impeça as impressões que, de outra forma, seriam inconscientemente registradas. O que é visto deve ser visto voluntariamente, e aquilo a que nenhuma atenção é dada deve, realmente, não existir mais. Quanto mais vital e energicamente a alma fizer o seu trabalho interior, mais adquirirá esse poder. O estudante do oculto deve evitar todo devaneio vago de visão ou audição. Para ele, somente as coisas para as quais ele vira o olho ou o ouvido devem existir. Ele deve praticar o poder de não ouvir nada, mesmo no mais alto distúrbio, quando desejar não ouvir nada: ele deve tornar seus olhos inatingíveis para coisas que ele não deseja especialmente notar. Ele deve estar protegido como por uma armadura mental de todas as impressões inconscientes. Mas na região de seus pensamentos, particularmente, ele deve se aplicar a esse respeito. Ele coloca um pensamento diante dele e só procura uma forma, em plena consciência e liberdade, de como pode se relacionar com ele. Fantasia ele rejeita. Se ele se sente ansioso para conectar um pensamento com outro, ele procura cuidadosamente descobrir como este último pensamento lhe ocorreu. Ele vai ainda mais longe. Se, por exemplo, ele tem uma antipatia particular por qualquer coisa, ele lutará contra ela e tentará descobrir alguma conexão consciente entre a antipatia e seu objeto. Dessa maneira, os elementos inconscientes de sua alma tornam-se cada vez menos numerosos. Somente com uma auto-busca tão severa é que o lótus de dez pétalas alcança a forma que deveria possuir. A vida mental do estudante do oculto deve ser uma vida atenta, e ele deve saber ignorar completamente tudo o que não deseja, ou não deveria, observar.
Se tal introspecção é seguida por uma meditação, que é prescrita pelas instruções do professor, a flor de lótus na região da boca do estômago floresce da maneira correta, e aquela que apareceu (para os sentidos astrais já descritos) como forma e calor adquire também as características de luz e cor. Através disto são revelados, por exemplo, os talentos e capacidades das pessoas, os poderes e os atributos ocultos da Natureza. A aura colorida da criatura viva torna-se então visível; tudo o que está ao nosso redor então manifesta seus atributos espirituais. Será óbvio que o maior cuidado é necessário no desenvolvimento desta competência, pois o jogo de memórias inconscientes é aqui extremamente ativo. Se este não fosse o caso, muitas pessoas teriam o sentido agora em consideração, pois ele aparece quase que imediatamente, se uma pessoa realmente tem as impressões de seus sentidos tão completamente sob seu poder, que elas dependem apenas da sua atenção ou desatenção. Enquanto o domínio dos sentidos mantiver a alma em submissão e embotamento, ele permanecerá inativo.
De maior dificuldade que o desenvolvimento deste lótus é o da flor de seis pétalas que está situada no centro do corpo. Para cultivar isso é necessário lutar por um completo domínio de toda a personalidade por meio da autoconsciência, de modo que corpo, alma e espírito façam uma harmonia. As funções do corpo, as inclinações e paixões da alma, os pensamentos e idéias do espírito devem ser trazidos à união completa entre si. O corpo deve ser tão refinado e purificado que seus órgãos não assimilem nada que possa não servir à alma e ao espírito. A alma não deve assimilar nada através do corpo, seja de paixão ou desejo, que é antagônico a pensamentos puros e nobres. O espírito não deve dominar a alma com leis e obrigações como uma escravidão, mas a alma deve aprender a seguir pela inclinação e pela livre escolha essas leis e deveres. Os deveres de um estudante de ocultismo não devem governá-lo como por um poder ao qual ele se submete, mas sim por algo que ele cumpre porque gosta. Ele deve desenvolver uma alma livre que tenha alcançado um equilíbrio entre sentido e espírito. Ele deve levar isso tão à fundo que pode abandonar-se ao sentido porque este foi tão enobrecido que perdeu o poder de arrastá-lo para baixo. Ele não precisa mais restringir suas paixões, na medida em que elas seguem o bem por si mesmas. Enquanto uma pessoa tem que se castigar, não pode chegar a um certo estágio da educação ocultista, pois uma virtude à qual alguém tem que se restringir é, então, sem valor. Enquanto a pessoa mantiver um desejo, mesmo que a pessoa não lute, ele perturba o desenvolvimento da pessoa, não importa se esse apetite é da alma ou do corpo. Por exemplo, se alguém evita um estimulante particular com o propósito de se purificar refinando seus prazeres, só pode beneficiá-lo se seu corpo não sofrer nada com essa privação. Se este não for o caso, é uma indicação de que o corpo requer o estimulante, e a renúncia então é inútil. Neste caso, pode até mesmo ser verdade que a pessoa em questão deve antes de tudo abandonar o objetivo desejável e esperar até que condições favoráveis – talvez apenas em outra vida – o cercem. Uma renúncia moderada é, em certas circunstâncias, uma aquisição muito maior do que a luta por algo que em determinadas condições permanece inatingível. De fato, tal renúncia moderada contribui mais do que tal luta para o seu desenvolvimento.
Aquele que desenvolveu o lótus de seis pétalas pode se comunicar com seres que são nativos dos mundos superiores, mas somente se a sua presença se manifesta no mundo astral ou no mundo da alma. Em uma escola ocultista, no entanto, nenhuma instrução sobre o desenvolvimento dessa flor de lótus seria transmitida antes que o estudante tivesse percorrido um caminho ascendente o suficiente para permitir que seu espírito se instalasse em um mundo ainda mais elevado. A formação dessas flores de lótus deve sempre ser acompanhada da entrada nessa esfera realmente espiritual. Caso contrário, o aluno cairia no erro e na incerteza. Ele, sem dúvida, seria capaz de enxergar, mas continuaria incapaz de estimar corretamente os fenômenos ali vistos. Agora já existe nele alguém que aprendeu a evoluir o lótus de seis pétalas, uma segurança contra o erro e o entorpecimento, assim, ninguém que tenha adquirido completo equilíbrio de sentido (ou corpo), paixão (ou alma) e pensamento (ou espírito) será facilmente levado a erros. Nada é mais essencial que esta segurança quando, pelo desenvolvimento da lótus de seis pétalas, seres possuidores de vida e independência, e pertencentes a um mundo tão completamente oculto de seus sentidos físicos, sejam revelados diante do espírito do estudante. A fim de garantir a segurança necessária neste mundo, não é suficiente ter cultivado as flores de lótus, pois ele deve ter ainda órgãos superiores à sua disposição.
Rudolf Steiner – GA 10 – “Initiation and Its Results”, publicado em 1910
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 311 – Torquay, 16 de agosto de 1924, Leitura:
O REINO DA INFÂNCIA – Conferência V
Será essencial que você entenda algo sobre a verdadeira essência de cada assunto que ensina, para que você não use as coisas em seu ensino que são distantes da própria vida. Tudo o que está intimamente ligado à vida pode ser entendido. Você poderia até dizer que o que realmente se entende tem essa conexão íntima com a vida do homem. Este não é o caso com as abstrações.
O que encontramos hoje é que as idéias que um professor tem são basicamente abstrações, de modo que em muitos aspectos ele próprio está longe da vida. Isso traz grandes dificuldades na educação e no ensino. Apenas considere o seguinte: Imagine que você quer refletir sobre como você chegou a dizer as coisas pela primeira vez e o que realmente acontece quando você conta. Você provavelmente descobrirá que o fio de suas memórias está quebrado em algum lugar e que você aprendeu a contar, mas na realidade você não sabe realmente o que faz quando conta.
Agora todos os tipos de teorias são planejadas para ensinar números e contagens, e é costume atuar nessas teorias. Mas, mesmo quando resultados externos podem ser obtidos, não se toca todo o ser da criança com esse tipo de contagem ou com coisas semelhantes que não têm conexão com a vida real. A era moderna mostrou que ele vive em abstrações, inventando coisas como o ábaco ou a estrutura de contas para ensinar. Em um escritório comercial, as pessoas podem usar máquinas de calcular o quanto quiserem, o que não nos interessa neste momento, mas no ensino, essa máquina de calcular, que lida exclusivamente com as atividades da cabeça, evita, desde o início, tratar o número de uma maneira que esteja de acordo com a natureza da criança.
No entanto, a contagem deve ser derivada da própria vida, e aqui é extremamente importante saber desde o início que não devemos esperar que a criança compreenda cada uma das coisas que lhe ensinamos. É preciso muita autoridade, mas você deve fazer isso de maneira natural e prática.
Talvez você descubra que o que vou dizer agora será bem difícil para a criança. Mas isso não importa. É de grande importância que existam momentos na vida de um homem quando, em seu trigésimo ou quadragésimo ano, ele possa dizer a si mesmo: Agora entendo o que, em meu oitavo ou nono ano, ou mesmo antes, tomei a autoridade. Isso desperta uma nova vida em um homem. Mas se você olhar para todas as lições objetivas que são introduzidas no ensino de hoje, você pode estar desesperado sobre como as coisas são feitas trivialmente, a fim de, como eles dizem, aproximá-las da compreensão da criança.
Agora imagine que você tem um garoto bem grande na sua frente, um dos mais jovens, que ainda é um pouco desajeitado em seus movimentos, e você diz: “Você está aqui parado na minha frente”. Aqui eu pego um pedaço de madeira e uma faca e cortei a madeira em pedaços. Posso fazer isso com você? “A criança vai ver por si mesma que não posso fazer isso com ele. E agora eu posso dizer: “Olha, se eu posso cortar o pedaço de madeira em dois, a madeira não é como você, e você não é como a madeira, porque eu não posso cortar você em dois assim. Então há uma diferença entre você e a madeira. A diferença está no fato de que você é uma unidade, um “um” e a madeira não é “um”. Você é uma unidade e eu não posso te cortar em dois, e é por isso que eu chamo de “um”, uma unidade.
Agora você pode gradualmente mostrar à criança um sinal para esse “um”. Executa um golpe: eu, para mostrar a ele que ele é uma unidade e lhe dá esse golpe.
Agora você pode deixar essa comparação entre a madeira e a criança e você pode dizer: “Veja, aqui está sua mão direita, mas você também tem outra mão, sua mão esquerda. Se você tivesse apenas essa mão, certamente poderia se mover por todos os lados, mas sua mão serviria apenas para seguir o movimento do seu corpo, você nunca poderia se tocar da mesma maneira que suas duas mãos podem se tocar. Porque quando esta mão se move e a outra mão também se move ao mesmo tempo, elas podem agarrar-se mutuamente, eles podem unir-se. Isso é diferente de quando você se move sozinho. Quando você anda sozinho, você é uma unidade. Mas uma mão pode tocar na outra mão. Isso não é mais uma unidade, isso é uma dualidade, um ‘dois’. Olha, você é um, mas você tem duas mãos. “Isso então aparece assim: II.
Desta forma, você pode desenvolver uma concepção de “um” e “dois” a partir da própria forma da criança.
Agora chame outra criança e diga: “Quando os dois caminham em direção um ao outro, eles também podem se encontrar e se tocar; Há dois de vocês, mas um terceiro pode se juntar a vocês. Isso é impossível com suas mãos “. Portanto, pode passar para todos os três: III.
Desta forma você pode derivar um número do que o homem é em si mesmo. Você pode levar o número ao ser humano, porque o homem não é uma abstração, mas um ser vivo.
Então você pode ir e dizer: “Veja, você pode encontrar o número dois em outro lugar em si mesmo”. A criança finalmente vai pensar em suas duas pernas e pés. Agora você diz: “Você viu o cachorro do seu vizinho, certo? Você tem apenas dois pés também? “Então você notará que os quatro traços IIII são uma imagem do cão do vizinho descansando sobre quatro pernas, e assim gradualmente aprendem a acumular números de vida.
O professor deve ter os olhos abertos onde quer que vá e olhar para tudo com compreensão. Agora, é claro, começamos a escrever números com as figuras romanas, pois, claro, a criança as compreenderá imediatamente e, quando você chegar às quatro, poderá facilmente, com a mão, passar para cinco – V. Logo verá que se você segurar seu polegar, você pode usar este quatro como o cão faz. Agora adicione o polegar e faça cinco – V.
Uma vez eu estava com um professor que tinha chegado a este ponto (explicando as figuras romanas) e não conseguia ver por que os romanos chegaram a não colocar cinco linhas lado a lado, mas fazendo este sinal em V para os cinco. Ele subiu muito bem até IIII. Então eu disse: “Agora vamos fazer assim: estendemos nossos dedos e nosso polegar para que eles sejam divididos em dois grupos, e lá nós temos isso, V. Aqui temos a mão inteira nos cinco romanos e é assim que realmente se originou. A mão inteira está ali dentro”.
Em um breve curso de conferências desse tipo, só é possível explicar o princípio geral, mas dessa forma podemos derivar a idéia de número da vida real, e somente quando o número tiver sido resultado da vida eu deveria tentar introduzir a contagem deixando que os números se sigam um ao outro. Mas as crianças devem participar ativamente nisso. Antes de chegar ao ponto de dizer: agora me diga os números em ordem, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e assim por diante, eles devem começar com um ritmo; Vamos dizer que vamos de 1 a 2, então será: 1, 2; 1, 2; 1, 2; deixe a criança marcar o 2 e depois o 3 também no ritmo: 1, 2, 3; 1, 2, 3. Desta forma, introduzimos o ritmo na série de números e, assim, também encorajamos a capacidade da criança de entender a coisa como um todo.
Este é o caminho natural para ensinar os números para as crianças, fora da realidade do que são os números. Para as pessoas em geral, eles acham que os números foram pensados adicionando um ao outro. Isso é bem falso, porque a cabeça não conta de maneira alguma. Na vida cotidiana, as pessoas não têm idéia de que órgão tão peculiar a cabeça humana é e quão inútil ela é para nossa vida terrena. Está lá para o amor da beleza, é verdade, porque nossos rostos são mutuamente agradáveis. Ela também tem muitas outras virtudes, mas no que diz respeito às atividades espirituais, na verdade não é tão óbvio, já que as qualidades espirituais da cabeça sempre conduzem à vida terrena anterior do homem. A cabeça é uma metamorfose da vida anterior na Terra, e o fato de ter uma única cabeça começa a ter um significado real para o homem quando ele conhece algo de sua vida terrena anterior.
Todas as outras atividades vêm de outro lugar, não da cabeça em absoluto. A verdade é que contamos inconscientemente em nossos dedos. Na verdade, contamos de 1 em 1 ou em nossos dez dedos, depois onze (adicionando os dedos dos pés), doze, treze, catorze (contando os dedos dos pés). Ele não consegue ver o que está fazendo, mas ainda tem até vinte. E o que você faz dessa maneira com os dedos das mãos e pés apenas joga seu reflexo na cabeça. A cabeça só olha para tudo o que acontece. A cabeça no homem é realmente apenas um aparato para refletir o que o corpo faz. O corpo pensa, o corpo conta. A cabeça é apenas um espectador.
Podemos encontrar uma analogia notável para essa cabeça humana. Se você tem um carro e está sentado confortavelmente dentro dele, você não está fazendo nada sozinho; É o motorista da frente que tem que fazer um esforço. Você senta e é guiado pelo mundo. O mesmo vale para a cabeça; Não funciona e se move, simplesmente fica na parte superior de seu corpo e é calmamente transportado pelo mundo como um espectador. Tudo o que é feito na vida espiritual é feito do corpo. A matemática é feita pelo corpo, o pensamento também é feito pelo corpo e também se sente com o corpo. O “marco del talón” surgiu do equívoco de que o homem reconhece sua cabeça. Então as somas são ensinadas à criança com o “marco del talón”, ou seja, se faz a cabeça da criança trabalhar e então a cabeça passa o trabalho para o corpo, já que é o corpo que deve fazer o ajuste das contas. Este fato, que o corpo deve fazer o cálculo, não é levado em conta, mas é importante.
Portanto, é correto deixar a criança contar com os dedos da mãos e também com os dedos dos pés, já que é, de fato, bom invocar a maior habilidade possível nas crianças. Na verdade, não há nada melhor na vida do que tornar o ser humano hábil em todos os sentidos. O que faz um homem hábil é dar-lhe um lápis, por exemplo, e deixá-lo segurá-lo entre o dedão do pé e o dedo seguinte e aprender a escrever com o pé, para escrever figuras com o pé. Isso pode ter um significado real, porque na verdade o homem está impregnado de alma e espírito por todo o corpo. A cabeça é o viajante que se sente descansado por dentro e não faz nada, enquanto o corpo, cada parte dele, é o motorista que tem que fazer tudo.
Portanto, dos lados mais variados você deve tentar construir o que a criança tem que aprender contando. E quando você trabalha dessa maneira por um tempo, é importante transmitir e não apenas contar, adicionando uma coisa a outra; na verdade, esse é o aspecto menos importante da contagem e agora você deve ensinar a criança da seguinte maneira: “Isso é algo que é UM. Agora você divide assim, e você tem algo que é o DOS. Não são dois UNOS juntos, mas ambos vêm de UM. “E assim por diante, com três e quatro. Portanto, você pode despertar o pensamento de que o UM é realmente a coisa completa que contém o DOIS, o TRÊS, o QUATRO, e se você aprender a contar da maneira indicada no diagrama, 1, 2, 3, 4 e assim por diante, a criança terá conceitos que estão vivos. Portanto, você passa a experimentar algo do que é estar permeado internamente com o elemento numérico.
Nas eras passadas, nossas concepções atuais de contar colocando um grão ao lado do outro ou um cordão ao lado um do outro no quadro eram bastante desconhecidas; Naquela época, dizia-se que a unidade era a maior, que cada dois era apenas metade e assim por diante. Então você entende a natureza da contagem realmente olhando para objetos externos. Você deve desenvolver o pensamento da criança por meio de coisas externas que ele possa ver e mantê-lo o mais longe possível das idéias abstratas.
As crianças podem gradualmente aprender os números até certo ponto, primeiro, digamos, até vinte, depois até cem, e assim por diante. Se você continuar nessas linhas, ensinará a criança a contar de uma maneira viva. Eu gostaria de enfatizar que este método de contagem, a contagem real, deve ser apresentado à criança antes que ele aprenda a fazer somas. A criança deve estar familiarizada com este tipo de contagem antes de passar para a aritmética.
A aritmética também deve ser abordada fora da vida. A vida é sempre um todo e deve ser apresentada como um todo antes de qualquer outra coisa. Você está fazendo mal a uma criança se você sempre faz com que ele reúna um todo de suas partes, e você não o ensina a olhar para o todo primeiro para então dividir este todo em suas partes; faça com que ele olhe para o todo primeiro e depois o divida e divida; Este é o caminho certo para uma concepção viva.
Muitas coisas que a época materialista fez em relação à cultura geral da humanidade passam despercebidas. Hoje, ninguém se escandaliza, mas considera que é uma questão de rotina permitir que as crianças brinquem com caixas de tijolos e construam coisas a partir dos blocos individuais. Isso por si só os afasta do que está vivo. A criança, por sua própria natureza, não tem o impulso de reunir um conjunto de partes. Ele tem muitas outras necessidades e impulsos que são, sem dúvida, muito menos convenientes. Se você lhe der um relógio, por exemplo, ele imediatamente tem o desejo de se despedaçar, de dividir o todo em partes, o que de fato está muito mais de acordo com a natureza do homem, para ver como o todo surge: suas partes componentes.
Isto é o que agora deve ser levado em conta em nosso ensino de aritmética. Isso influencia toda a cultura, como você verá no exemplo a seguir.
Na concepção do pensamento humano até os séculos XIII e XIV, pouca ênfase foi colocada em armar um todo de suas partes; isso surgiu mais tarde. O mestre construtor construiu muito mais a partir da ideia do todo (que foi então dividido em partes) em vez de começar com as partes individuais e construí-las a partir delas. Este último procedimento foi realmente introduzido na civilização somente mais tarde. Essa concepção levou as pessoas a pensar em cada coisa como se estivessem juntas desde as menores partes. Daí surgiu a teoria atômica da Física, que na verdade só vem da educação. Pois os átomos são pequenas caricaturas de demônios, e nossos eruditos instruídos não falavam deles como fazem, a menos que as pessoas se acostumem, na educação, a juntar tudo fora de suas partes. Portanto, assim que o atomismo emergiu.
Hoje criticamos o atomismo, mas a crítica é mais ou menos supérflua porque os homens não podem se libertar do que estavam acostumados a pensar erroneamente nos últimos quatro ou cinco séculos; eles se acostumaram a se mover das partes para o todo, em vez de deixar seus pensamentos passarem do todo para as partes.
Isso é algo que devemos levar em conta especialmente no ensino da aritmética. Se você caminhar em direção a uma floresta distante, você a verá primeiro como um todo, e somente quando você se aproxima dela você percebe que ela é composta de árvores individuais. É assim que você deve proceder na aritmética. Você nunca tem em sua bolsa, digamos, 1, 2, 3, 4, 5 moedas, mas você tem muitas moedas. Você tem as cinco juntas, o que é um todo.
Isto é o que você tem primeiro. E quando cozinhar sopa de ervilha não tem 1, 2, 3, 4, 5 ou mesmo 30 ou 40 ervilhas, mas tem um montão de ervilhas, ou com uma cesta de maçãs, por exemplo, não há 1, 2, 3, 4 , 5, 6, 7 maçãs, mas muitas maçãs na sua cesta. Você tem todo para começar, o que nos importa, quantos temos? Nós só temos um monte de maçãs que agora trazemos para o lar (veja o diagrama). Há, digamos, três filhos. Nós agora não os dividiremos para que cada um receba o mesmo, porque talvez uma criança seja pequena, a outra grande. Colocamos nossa mão na cesta e damos à maior criança um punhado maior, a uma criança menor, um punhado menor; Nós dividimos nossa pilha de maçãs em três partes.
Dividir ou compartilhar é, em todo caso, um assunto tão estranho! Houve uma vez uma mãe que tinha um grande pedaço de pão. Ela disse a seu filho, Henry: “Divida o pão, mas você deve dividi-lo de uma maneira cristã”. Então Henry disse: “O que isso significa, dividir de uma maneira cristã?” “Bem”, disse sua mãe. “Você deve cortar o pão em dois pedaços, um maior e outro menor; então você deve dar o maior pedaço para sua irmã Anna e manter o menor para você “. Então Henry disse: “Bem, nesse caso deixe Anna dividir isto de um modo cristão!”
Outras concepções devem vir em seu auxílio aqui. Faremos isso, daremos isso a uma criança (ver linhas no desenho), e essa pilha ao segundo filho, e esta ao terceiro. Eles já aprenderam a contar, e para termos uma ideia clara de tudo, primeiro contaremos todo o lote. Há dezoito maçãs. Agora eu tenho que te dizer o que cada um tem. Quantos o primeiro filho recebe? Cinco. Quantos tem o segundo filho? Quatro. E o terceiro? Nove. Portanto, parti do todo, da pilha de maçãs, e a dividi em três partes.
A aritmética é freqüentemente ensinada dizendo: “Você tem cinco, e aqui estão outros cinco novamente e depois oito; conte-os juntos e você terá dezoito. “Aqui vai do singular para o todo, mas isso vai dar a criança conceitos mortos. Ele não ganhará conceitos vivos por este método. Prossiga por completo, dos dezoito e divida-o nos adendos; assim que se ensina a soma.
Portanto, no seu ensino você não deve começar com os apêndices individuais, mas começar com a soma, que é o todo, e dividi-la em apêndices individuais. Então você pode continuar a mostrar que você pode dividi-lo de forma diferente, com adições diferentes, mas o todo permanece sempre o mesmo. Quando você considera a soma desta maneira, não é muito frequente ter primeiro as adições e depois a soma completa, mas tomando a soma completa primeiro e depois as adições, você chegará às concepções que estão vivas e móveis. Você também verá que, quando é apenas um número puro, o todo permanece o mesmo, mas os apêndices individuais podem mudar. Essa peculiaridade do número, que pode ser pensada em acréscimos agrupados de maneiras diferentes, é claramente evidenciada por esse método.
A partir disso, pode mostrar às crianças que quando ela tem algo que não é em si um número puro, mas contém um número dentro dele, como o ser humano, por exemplo, ele não pode dividi-lo de todas essas maneiras diferentes. . Pegue o tronco humano, por exemplo, e o que está preso a ele, cabeça, dois braços e mãos, dois pés; mas você não pode dividir o todo como quiser; Você não pode dizer: agora vou cortar um pé aqui, ou a mão aqui, e assim por diante, já que a natureza já o contou de uma maneira definida: ele é um todo em si. Quando este não é o caso, e é simplesmente uma questão de contagem pura, então eu posso dividir as coisas de maneiras diferentes.
Tais métodos permitirão que você traga vida e uma espécie de mobilidade viva ao seu trabalho. Todo pedantismo desaparecerá e você verá que algo entra em seu ensino que a criança precisa com urgência: o humor entra no ensino, não em um sentido infantil, mas em um sentido saudável. E o humor deve encontrar seu lugar no ensino. [Nisto. Dr. Steiner dirigiu-se ao tradutor e disse: “Por favor, certifique-se de traduzir corretamente a palavra ‘humor’, já que é sempre mal interpretado em relação ao ensino!”]
Este deve ser o seu método: sempre proceda do todo. Suponha que você tenha um exemplo como o seguinte, tirado da vida real. Uma mãe mandou Maria encontrar algumas maçãs. Maria tem vinte e cinco maçãs. A moça da mercearia anotou num pedaço de papel. Maria chega em casa e traz apenas dez maçãs. O fato é diante de nós, um fato real da vida, que Maria obteve vinte e cinco maçãs e só trouxe dez para casa. Mary é uma garota honesta, e ela realmente não comeu uma única maçã na estrada e, no entanto, ela só trouxe dez para casa. E agora alguém está correndo, uma pessoa honesta, trazendo todas as maçãs que Mary deixou cair no caminho. Agora surge a pergunta: quantos ele traz? Nós vemos isso vindo de longe, mas queremos saber com antecedência quantos trará. Maria voltou para casa com dez maçãs e tem vinte e cinco, porque está no papel escrito pela moça da mercearia e agora queremos saber quantas maçãs essa pessoa deve trazer, porque ainda não sabemos, para saber se ele é honesto ou não. O que Maria trouxe foi dez maçãs, e ela conseguiu vinte e cinco, então ela perdeu quinze maçãs…
Agora, como você pode ver, a soma está concluída. O método usual é que algo é dado e algo mais deve ser removido, e algo permanece. Mas na vida real, você pode facilmente se convencer disso, isso acontece muito mais frequentemente: você sabe o que você tinha originalmente e você sabe o que sobrou, e você tem que descobrir o que foi perdido. Começar com o minuendo e subtrair e calcular o resto é um processo inativo. Mas se você começar com o minuendo e o resto e tiver que procurar o subtraendo, estará subtraindo de uma maneira viva. É assim que você pode dar vida ao seu ensino.
Você verá isso se pensar na história de Maria, sua mãe e a pessoa que trouxe o subtraído; Você verá que María perdeu o subtraído do minuendo e isso tem que ser justificado sabendo quantas maçãs a pessoa que você vê chegar terá que carregar. Aqui a vida, a vida real, entra na sua subtração. Se você diz apenas: sobra quanto(?), isso só traz algo morto para a alma da criança. Você deve sempre pensar em como pode trazer vida, não morte, à criança em todos os detalhes de seu ensino.
Você pode continuar nesse método. Você pode fazer multiplicações dizendo: “Aqui temos o todo, o produto. Como podemos saber quantas vezes há algo contido neste produto? “Esse pensamento tem vida. Seria um pensamento morto quando diz: vou dividir esse grupo todo de pessoas, aqui estão três, aqui estão mais três e assim por diante, e agora pergunto: quantas vezes temos três aqui? Isso está morto, não há vida nisso.
Se eu recuar e pegar o todo e me perguntar com que frequência um grupo está contido nele, então eu dou a vida a ele. Eu posso dizer às crianças, por exemplo: “Olha, há um certo número de vocês aqui na classe. Nos conte. Há quarenta e cinco de vocês na classe. Agora eu vou escolher cinco, 1, 2, 3, 4, 5 e colocá-los aqui “. Então eu os deixo contar; Quantas vezes são estes cinco estão contidos dentro de quarenta e cinco? Você vê que aqui novamente que eu considero o todo e não a parte. Quantos mais desses grupos de cinco posso fazer? Então descubro que há mais oito grupos de cinco. Portanto, faço a coisa de trás para a frente e começo com o todo, o produto, e descubro com que frequência um fator está contido nele. Portanto, dou vida aos meus métodos aritméticos e, acima de tudo, começo com algo que a criança possa ver diante de si. O ponto principal é que nunca devemos, nunca separar o pensamento da experiência visual, do que a criança pode ver, porque, do contrário, levaremos o intelectualismo e as abstrações à criança nos primeiros anos de vida e, assim, arruinaremos toda a sua ser. Ele secará e isso não afetará apenas a vida da alma, mas também o corpo físico, causando dissecação e esclerose. (Mais tarde, devemos falar sobre a educação do espírito, da alma e do corpo como uma unidade).
Aqui, mais uma vez, muito depende do nosso ensino de aritmética na maneira que consideramos acima, de modo que, na velhice, o ser humano ainda é móvel e habilidoso. Você deve ensinar as crianças a contar de seus próprios corpos como eu descrevi, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, primeiro com os dedos e depois com os dedos dos pés, sim, Na verdade, seria bom acostumar as crianças a contar até vinte com os dedos das mãos e pés, não com um quadro de contas. Se você os ensinar dessa maneira, então verá que, através desse tipo de “meditação” infantil, você está trazendo vida ao corpo; porque quando você conta com os dedos das mãos ou dos pés, deve pensar nesses dedos das mãos e dos pés, e isso é uma meditação, uma maneira saudável de meditar em seu próprio corpo. Se isso for feito, um homem ainda pode usar seus membros com habilidade na velhice; Os membros ainda podem funcionar completamente porque aprenderam a contar através de todo o corpo. Se um homem só pensa com a cabeça, em vez de com os membros e o resto do corpo, mais tarde os membros perdem a função e a gota começa (doença causada pelo excesso de ácido úrico no sangue, que é caracterizada por dor intensa e inflamação de algumas articulações).
Este princípio, de que tudo no ensino e na educação deve ser elaborado a partir do que pode ser visto (mas não daquilo que é frequentemente chamado de “lições objetivas” hoje) – esse princípio eu gostaria de ilustrar com um exemplo, algo que realmente pode desempenhar um papel muito importante no ensino. Refiro-me ao Teorema de Pitágoras de que, como futuros professores, todos vocês devem conhecer bem e talvez já tenham chegado a compreender de maneira semilar; mas vamos falar sobre isso novamente hoje. Agora, o teorema de Pitágoras pode ser tomado como um tipo de objetivo no ensino da geometria. Você pode construir suas lições de Geometria para alcançar seu clímax, seu cume, no Teorema de Pitágoras, que afirma que o quadrado na hipotenusa de um triângulo retângulo é igual à soma dos quadrados nos outros dois lados. É uma coisa maravilhosa se a vemos com a luz certa.
Uma vez tive que ensinar geometria a uma velha senhora porque eu a amava muito; Ela pode ter esquecido tudo, eu não sei, mas ela provavelmente não tinha aprendido muito em sua escola, uma daquelas escolas de “Educação para meninas”. Em todo caso, não conhecia Geometria, então eu comecei e fiz tudo o que levou ao Teorema de Pitágoras que a velha senhora achou muito impressionante. Estamos tão acostumados que já não nos atinge tanto, mas o que temos que entender é simplesmente que se eu tenho um triângulo retângulo aqui (veja o diagrama) a área do quadrado na hipotenusa é igual à soma das outras duas áreas, dos dois quadrados nos outros dois lados. Então, se eu estou plantando batatas e as coloco à mesma distância umas das outras em todas os partes, vou plantar o mesmo número de batatas nos dois campos menores juntos do que no maior. Isso é algo muito notável, muito impressionante, e quando você olha para ele assim, você não consegue ver como ele é produzido.
É somente este fato do maravilhoso, que não se pode ver como é produzido, que deve ser usado para dar vida à mais íntima qualidade da alma de seu ensino; deve basear-se no fato de que aqui há algo que não é facilmente discernível; isso deve ser constantemente reconhecido. Você poderia até dizer sobre o teorema de Pitágoras que você pode acreditar, mas você sempre tem que voltar a acreditar nele novamente. Você tem que acreditar novamente toda vez que este quadrado for igual à soma dos outros dois quadrados.
Agora, é claro, você pode encontrar todos os tipos de testes para isso, mas o teste deve ser dado de uma forma visual clara. (O Dr. Steiner construiu um teste para o Teorema de Pitágoras em detalhes baseado na superposição de áreas, deu-o no estilo de conversação usado neste Curso de Conferências e com a ajuda do quadro negro e do giz colorido.)
Se você usar esse método de prova, ou seja, colocar uma área em cima da outra, descobrirá algo. Se você recortá-lo em vez de desenhá-lo, verá que é muito fácil de entender. No entanto, se você pensar sobre isso mais tarde, você terá esquecido novamente. Você deve trabalhá-lo novamente o tempo todo. Você não pode guardá-lo facilmente em sua memória e, portanto, deve sempre redescobri-lo. Isso é bom, algo muito bom. Está de acordo com a natureza do teorema de Pitágoras. É preciso alcançá-lo novamente a cada vez. É preciso sempre esquecer que se entendeu. Isto pertence à notável qualidade do Teorema de Pitágoras e, portanto, você pode dar-lhe vida.
Logo, você verá que, se fizer com que seus alunos façam isso de novo e de novo, terá que cutucá-los gradualmente. Eles não entendem isso imediatamente, eles têm que pensar sobre isso toda vez. Mas isso está de acordo com a qualidade da vida interior do teorema de Pitágoras. Não é bom fazer um teste que possa ser entendido de maneira plana e seca; É muito melhor esquecê-lo constantemente e resolvê-lo novamente. Isto é inerente à maravilha que o quadrado da hipotenusa é igual aos quadrados dos outros dois lados.
Com onze ou doze anos de idade, você pode levar a geometria ao ponto de explicar o teorema de Pitágoras, comparando essas áreas, e as crianças vão apreciá-lo imensamente quando o tiverem entendido. Eles ficarão entusiasmados com isso e sempre desejarão fazê-lo novamente, especialmente se você deixá-los cortá-lo.
Talvez haja alguns poucos bons intelectuais que se lembram muito bem e sempre podem fazer isso de novo. Mas a maioria das crianças, sendo mais razoáveis, vai cortá-lo várias vezes e terá que decifrá-lo até descobrir como deveria ser. Isso é simplesmente a maravilha do Teorema de Pitágoras, e não devemos abandonar este reino de maravilhas, mas devemos permanecer dentro dele.
Rudolf Steiner – GA 311 – Torquay, 16 de agosto de 1924
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 311 – Torquay, 15 de agosto de 1924, Leitura:
O REINO DA INFÂNCIA – Conferência IV
Mostrei-lhes como, entre a mudança de dentes e o nono ou décimo ano, você deve ensinar com imagens descritivas e imaginativas, porque o que as crianças recebem de você viverá em suas mentes e almas como um desenvolvimento natural, através da totalidade do seu ser.
Isso, é claro, só é possível se os sentimentos e idéias que alguém desperta não estão mortos, mas vivos. Para fazer isso, você deve primeiro adquirir um sentimento pela vida interior da alma. Um professor ou educador deve ser paciente com sua própria auto-educação, com o despertar de algo na alma que pode realmente brotar e crescer. Então você pode fazer as mais maravilhosas descobertas, mas se for assim, você não deve perder o valor em seus primeiros esforços.
Para você ver, toda vez que um homem empreende uma atividade de natureza espiritual, ele deve sempre ser capaz de suportar ser incômodo e desconfortável. Um homem que não pode suportar ser desajeitado e fazer as coisas estúpida e imperfeitamente no início nunca será capaz de fazê-las perfeitamente no final de seu próprio ser interior. E especialmente na educação, devemos primeiro acender em nossas próprias almas o que então temos que resolver por nós mesmos; mas primeiro deve-se iluminar a alma. Se uma ou duas vezes conseguimos pensar em uma apresentação pictórica de uma lição que vemos impressionar as crianças, então faremos uma descoberta notável sobre nós mesmos. Veremos que se tornará cada vez mais fácil para nós inventar essas imagens, que gradualmente nos tornamos pessoas inventivas de uma maneira que nunca havíamos sonhado. Mas para isso você deve ter a coragem de estar muito longe de ser perfeito para começar.
Você pode dizer que nunca deverá ser professor se tiver que comparecer diante de crianças dessa maneira desconfortável. Mas aqui, de fato, a perspectiva antroposófica deve ajudá-lo. Ele deve dizer para si mesmo: algo está me levando karmicamente para as crianças para estar com elas como professor, embora eu ainda seja despreparado e desajeitado. E aqueles a quem não me parecem desajeitados e desconfortáveis, essas crianças só me encontrarei nos anos posteriores, novamente através da operação do Karma. [O Dr. Steiner manteve a antiga palavra oriental “Karma” ao falar do funcionamento do destino humano em repetidas vidas na Terra. Veja Rudolf Steiner: Teosofia, cap. II. O professor ou educador deve, portanto, tomar sua vida com coragem, porque, na verdade, toda a questão da educação não é uma questão de professores, mas de crianças.
Deixe-me, portanto, dar-lhes um exemplo de algo que pode estabelecer-se na alma da criança para que ela cresça com o seu crescimento, algo para o qual ela possa recorrer em anos posteriores e usar para despertar certos sentimentos dentro dela. Nada é mais útil e frutífero no ensino do que dar às crianças algo na forma de uma imagem entre o sétimo e o oitavo ano, e mais tarde, talvez nos ciclos XIV e XV, possa retornar a ele de uma forma ou de outra. Só por esse motivo tentamos fazer com que as crianças da Escola Waldorf permaneçam o maior tempo possível com um professor. Quando chegam à escola aos sete anos, as crianças são entregues a uma professora que logo leva sua classe o máximo que pode, porque é bom que as coisas que uma vez foram dadas à criança em germe, uma e outra vez forneçam o conteúdo dos métodos empregados em sua educação.
Agora suponha, por exemplo, que contemos uma história imaginativa para uma criança de sete ou oito anos. Não precisa entender todas as imagens que a história contém; porque é que vou descrever mais tarde. Tudo o que importa é que a criança se delicia na história porque é apresentada com certa graça e encanto. Suponha que eu tivesse que contar a seguinte história: Havia uma vez um bosque onde o sol espiava entre os galhos, onde vivia uma violeta azul, muito modesta, debaixo de uma árvore com folhas grandes. E a violeta foi capaz de olhar através de uma abertura no topo da árvore. Enquanto olhava por essa grande abertura na copa das árvores, violeta viu o céu azul. O pequena violeta viu o céu azul pela primeira vez esta manhã, porque tinha acabado de florescer. Agora a violeta estava assustada quando viu o céu azul; Na verdade, ficou impressionada pelo medo, mas ainda não sabia por que sentia tanto medo. Então um cachorro passou correndo, não um cachorro bom, um cachorro bastante mau. E o violeta disse ao cão: “Diga-me, o que é aquilo lá em cima, que é azul como eu?” Porque o céu também era azul como o violeta. E o cachorro em sua maldade disse: “Oh, isso é uma grande violeta gigante como você e esta grande violeta cresceu tanto que pode esmagar você”. Então a violeta ficou mais assustada do que nunca, porque ela acreditava que a violeta no céu havia se tornado tão grande que poderia esmagá-la. E a violeta dobrou suas pequenas pétalas e não queria mais olhar para a grande violeta, e se escondia debaixo de uma grande folha que uma rajada de vento acabara de lançar da árvore. Ali permaneceu o dia todo, escondida em seu medo do grande céu violeta.
Quando a manhã chegou, a violeta não tinha dormido a noite toda, porque passara a noite imaginando o que pensar da grande violeta azul que se dizia que viria esmagá-la. E a cada momento ela esperava que o primeiro golpe viesse. Mas isso não veio. De manhã, a pequena violeta rastejou, já que não estava cansada, durante a noite toda havia estada e estava fresca e não cansada (as violetas estão cansadas quando dormem, não ficam cansadas quando não dormem) e a primeira coisa que viu o violeta foi o sol nascente e a aurora rosa. E quando a violeta viu a aurora rosa, ela não teve medo. Lhe alegrou o coração e estava feliz em ver o nascer do sol. Quando a madrugada desapareceu, o pálido céu azul gradualmente apareceu e ficou azul e mais azul o tempo todo, e a pequena violeta pensou novamente no que o cão havia dito, que era uma grande violeta que viria e a esmagaria.
Naquele momento, um cordeiro apareceu e a pequena violeta sentiu novamente que ela deveria perguntar o que poderia ser dela. “O que é aquilo lá em cima?”, Perguntou a violeta, e o cordeiro disse: “É um grande violeta, azul como você.” Então a violeta voltou a ficar com medo e pensou que só ouviria do cordeiro o que o malvado cachorro lhe dissera. Mas o cordeiro era bom e gentil, e porque ele tinha olhos tão gentis, o violeta perguntou novamente: “Querido cordeiro, diga-me, a grande violeta virá e me esmagará?” “Oh, não”, respondeu o cordial Cordeiro, “Ela não vai esmagar você, é uma grande violeta, e seu amor é muito maior do que o seu próprio amor, mesmo quando é muito mais azul do que você é na sua pequena forma azul.” E a violeta entendeu imediatamente que havia uma grande violeta que não a esmagaria, mas que era tão azul que ela poderia ter mais amor, e que a grande violeta protegeria a pequena violeta de tudo no mundo que pudesse machucá-la. Então a pequena violeta se sentiu tão feliz, porque o que ela via como azul no grande céu violeta aparecia-lhe como Amor Divino, que fluía para ela de todos os lados. E a pequena violeta olhou para cima o tempo todo como se quisesse rezar ao Deus das violetas.
Agora, se você contar às crianças uma história desse tipo, elas certamente ouvirão, porque elas sempre ouvem tais coisas; mas você deve dizê-lo com o estado de ânimo adequado, de modo que, quando as crianças ouvirem a história, sintam de alguma forma a necessidade de viver com ela e mexerem internamente em suas almas. Isso é muito importante, e tudo depende de o professor poder manter a disciplina na sala de aula por meio de seus próprios sentimentos.
É por isso que quando falamos sobre as coisas que acabei de mencionar, devemos considerar também essa questão de manter a disciplina. Certa vez, tivemos uma professora na Escola Waldorf, por exemplo, que sabia contar as histórias mais maravilhosas, mas não causou tanta impressão nas crianças que aadmiravam com amor inquestionável. Qual foi o resultado? Quando a primeira história emocionante foi ouvida, as crianças imediatamente quiseram uma segunda. A professora cedeu a esse desejo e preparou uma segunda. Então, eles imediatamente quiseram uma terceira, e a professora cedeu novamente e preparou uma terceira história para eles. E no final aprendemos que depois de um tempo essa professora simplesmente não conseguia preparar histórias suficientes. Mas não devemos bombear continuamente crianças como uma bomba de vapor; deve haver uma variação, como veremos em um momento, porque agora precisamos ir além e deixar as crianças fazerem perguntas; Devemos ser capazes de ver o rosto e os gestos de uma criança que quer fazer uma pergunta. Nós deixamos ele perguntar, e depois falamos com ele sobre a história que ele acabou de relatar.
Portanto, uma criança pequena provavelmente perguntará: “Mas por que o cachorro deu uma resposta tão horrível?” E então, de uma maneira simples e infantil, você pode mostrar a ele que era um cão de guarda, uma criatura cuja tarefa é vigiar, que ele tem que trazer receio para as pessoas, que estão acostumadas a trazer medo para as pessoas, e podem explicar por que o cachorro deu essa resposta. Também pode explicar às crianças por que o cordeiro deu a resposta que ele fez. Depois de contar a história anterior, você pode continuar conversando com as crianças por um tempo. Então você descobrirá que uma questão leva a outra e, eventualmente, as crianças farão todo tipo de perguntas imagináveis. Sua tarefa em tudo isso é realmente trazer para a classe a autoridade inquestionável sobre a qual ainda temos muito a dizer. Caso contrário, acontecerá que enquanto você fala com uma criança, outras começam a fazer piadas e fazer todo tipo de travessura. E se eles são forçados a se virar e tomar uma repreensão, eles estão perdidos! Especialmente com crianças pequenas, deve-se ter o dom de deixar que muitas coisas passem inadivertidas.
Uma vez, por exemplo, eu admirei muito o modo como uma de nossas professoras lidou com uma situação. Alguns anos atrás, ela tinha um “desordeiro” regular em sua classe (que agora melhorou muito). E aqui, enquanto a professora estava fazendo algo com uma das crianças na fila da frente, o menino pulou da cadeira e deu um soco por trás. Agora, se a professora tivesse feito um grande escândalo, a criança teria permanecido desobediente, mas simplesmente não prestou atenção. Em certas ocasiões, é melhor não dar aviso prévio, mas continuar a trabalhar com a criança de maneira positiva. Como regra geral, é muito errado tomar nota de algo que é negativo.
Se você não consegue manter a ordem na sua aula, se você não tem essa autoridade inquestionável (como você vai adquirir isso, eu falarei mais tarde), então o resultado será o mesmo que no outro caso, quando o professor em questão contar uma história após a outra e as crianças estarão sempre em tensão. Mas o problema é que era um estado de tensão que não conseguia relaxar, então cada vez que o professor queria passar para outra coisa para relaxar a tensão (o que deve ser feito se as crianças não se tornarem um conjunto de nervos), então uma criança sai de seu assento e começa a tocar, a próxima também se levanta e começa a cantar, a terceira faz uma coisa de euritmia, a quarta bateu no vizinho e outro correu para fora da sala, e então houve tanta confusão que era impossível juntá-los novamente para ouvir a próxima história emocionante.
Sua capacidade de lidar com tudo o que acontece na sala de aula, tanto as coisas boas quanto as ruins, dependerá do seu próprio humor. Você pode experimentar as coisas mais estranhas a esse respeito, e é principalmente sobre se o professor tem confiança suficiente em si mesmo ou não.
O professor deve entrar em sua aula em um estado de espírito e alma que pode realmente encontrar seu caminho para o coração das crianças. Isso só pode ser alcançado conhecendo suas crianças. Você descobrirá que pode adquirir a capacidade de fazer isso em um tempo relativamente curto, mesmo que tenha cinquenta ou mais crianças na classe; Você pode conhecê-los todos e começar a ter uma imagem deles em sua mente. Você conhecerá o temperamento de cada um, seus dons especiais, sua aparência externa, etc.
Em nossas reuniões de professores, que são o coração de toda a vida escolar, as individualidades individuais das crianças são cuidadosamente discutidas, e o que os próprios professores aprendem de suas reuniões, semana após semana, deriva, em primeiro lugar, dessa consideração das individualidades das crianças. É assim que os professores podem ser aperfeiçoados. A criança apresenta toda uma série de enigmas, e a resolução desses enigmas aumentará os sentimentos que se deve levar para a classe. É assim que acontece quando, como às vezes acontece, um professor não é permeado interiormente pelo que vive nas crianças, então elas imediatamente começam a brincar e começam a brigar quando a lição acaba de começar. (Eu sei que as coisas estão melhores aqui – no caso Inglaterra – mas eu estou falando sobre as condições na Europa Central.) Isso pode facilmente acontecer, mas então é impossível continuar com um professor como este e você tem que arranjar outro em vez disso. Com o novo professor, toda a turma é um modelo de perfeição desde o primeiro dia!
Essas coisas podem facilmente entrar dentro da sua experiência; depende simplesmente se o caráter do professor é tal que ele está disposto a permitir que todo o grupo de suas crianças, com todas as suas peculiaridades, passe diante dele em meditação todas as manhãs. Você dirá que isso levaria uma hora inteira; Este não é o caso, porque se levasse uma hora, não poderia ser feito, mas se levar dez minutos ou um quarto de hora, isso pode ser feito. Mas o professor deve gradualmente desenvolver uma percepção interna da mente e da alma da criança, porque é isso que lhe permitirá ver imediatamente o que está acontecendo na classe.
Para obter a atmosfera certa para esta narrativa de histórias pictóricas, você deve, acima de tudo, ter uma boa compreensão do temperamento das crianças. Esta é a razão pela qual o tratamento de crianças de acordo com o temperamento tem um lugar tão importante no ensino. E você descobrirá que a melhor maneira é começar sentando juntos crianças do mesmo temperamento. Em primeiro lugar, o professor tem uma visão mais completa se ele souber que ali tem os coléricos, os melancólicos e aqui os sanguíneos. Isso lhe dará um ponto de vantagem com o qual você poderá conhecer toda a classe.
O simples fato de você fazer isso, que você estuda as crianças e as senta de acordo com seu temperamento, significa que você fez algo que o ajudará a manter a autoridade inquestionável necessária na classe. Essas coisas geralmente vêm de fontes que você menos espera. Cada professor e educador deve trabalhar em si mesmo internamente.
Se você juntar os fleumáticos, se corrigirão um ao outro mutuamente, já que ficarão tão entediados um com o outro que desenvolverão uma certa antipatia em relação à sua própria fleuma, e irão melhorar cada vez mais. Os coléricos batem e batem um no outro e finalmente se cansam dos golpes que recebem do outro colérico; e então as crianças de cada temperamento se friccionam extraordinariamente bem quando se sentam juntos. Mas o professor, quando fala com as crianças, por exemplo, quando conta a história que acaba de dar, deve desenvolver dentro de si o dom instintivo de tratar a criança de acordo com seu temperamento. Digamos que eu tenha uma criança fleumática; Se eu quiser contar a uma criança uma história como a que acabei de contar, devo tratá-lo com uma fleuma ainda maior do que ele. Com uma criança sanguínea que sempre voa de uma impressão para outra e não pode se apegar a nenhuma delas, devo tentar passar de uma impressão para outra ainda mais depressa que a própria criança.
Com uma criança colérica, você deve tentar ensinar-lhe as coisas de maneira rápida e enfática, para que você mesmo se ponha colérico, e verá como diante da coléra do professor, suas propensões furiosas se tornarão repugnantes para ele. Da mesma forma deve ser tratado com amor, contanto que você não se torne ridículo. Dessa forma, você pode criar gradualmente uma atmosfera na qual uma história como essa não está apenas relacionada, mas possa ser discutida mais adiante.
Mas você deve falar sobre a história antes de deixar as crianças recontar a história. O pior método é contar uma história e depois dizer: “Agora, Edith Miller, reconte a história”. Não tem sentido; Só faz sentido se você falar sobre isso primeiro por um tempo, de forma engenhosa ou insensata; (Nem sempre é necessário ser inteligente em suas aulas, às vezes você pode ser bastante estúpido e, a princípio, você será na maior parte das vezes). Desta forma, a criança faz a sua própria e então, se desejar, pode voltar a recontar a história, mas isso é menos importante, já que não é tão essencial que a criança tenha essa história completa em sua memória. De fato, para a idade da qual estou falando, isto é, entre a mudança de dentes e o nono ou décimo ano, isso dificilmente é questionado. Deixe a criança lembrar tudo o que puder, mas o que ele esqueceu não importa. O treinamento da memória pode ser alcançado em outros assuntos além da narrativa, como terei que mostrar.
Mas agora vamos considerar a seguinte pergunta: Por que escolhi uma história com esse conteúdo específico? Foi porque as imagens de pensamento que são dadas nesta história podem crescer com a criança. Você tem todos os tipos de coisas na história que você pode voltar mais tarde. A violeta tem medo porque ela vê a grande violeta sobre ela no céu. Você ainda não precisa explicar isso para a criança pequena, mas depois, quando estiver lidando com um assunto de ensino mais complicado, e a questão do medo surgir, você pode se lembrar dessa história. As pequenas e grandes coisas estão contidas nesta história, porque, na verdade, coisas pequenas e grandes aparecem repetidas vezes na vida e trabalham uma sobre a outra. Mais tarde, você pode voltar a isso. A principal característica da primeira parte da história é o conselho brusco do cão e, mais tarde, as amáveis palavras de conselho pronunciadas pelo cordeiro. E quando a criança vem valorizar essas coisas em seu coração e crescer, com que facilidade ele pode continuar com a história que ele lhe contou anteriormente sobre pensamentos sobre o bem e o mal, e sobre sentimentos contrastantes que estão enraizados na alma humana. E mesmo com um aluno muito mais velho, você pode voltar à história dessa criança simples; Você pode deixar claro que muitas vezes tememos as coisas simplesmente porque as interpretamos mal e porque foram apresentadas a nós de maneira incorreta. Essa divisão na vida sentimental, que pode ser discutida mais tarde em conexão com esta ou aquela lição, pode ser demonstrada da maneira mais maravilhosa se você retornar a essa história nos últimos anos escolares.
Também nas lições de Religião, que virão depois, quão boa pode ser esta história usada para mostrar como a criança desenvolve sentimentos religiosos através do que é grandioso, porque o grande é o protetor do pequeno, e deve-se desenvolver um verdadeiro sentimento religioso encontrando em si mesmo aqueles elementos de grandeza que têm um impulso protetor. A pequena violeta é um pequeno ser azul. O céu é um grande ser azul e, portanto, o céu é o grande Deus azul da violeta.
Isso pode ser usado em vários estágios diferentes nas lições de religião. Que bela analogia pode ser traçada mais tarde, mostrando como o próprio coração humano é de Deus. Pode-se dizer à criança: “Veja, este grande céu violeta, o deus das violetas, é todo azul e se estende em todas as direções. Agora pense em um pequeno recorte, essa é a pequena violeta. Então Deus é tão grande quanto o oceano/mundo. Sua alma é uma gota neste oceano de Deus. Mas como a água do mar, quando uma gota é formada, é a mesma água que forma o grande mar, então a sua alma é a mesma que o grande Deus, é uma pequena gota dele.
Se você encontrar as imagens certas, poderá trabalhar com a criança dessa maneira durante os primeiros anos, pois poderá retornar a essas imagens quando a criança estiver mais madura. Mas o próprio professor deve encontrar prazer nesta tomada de imagens. E eles vão ver isso quando, com seus próprios poderes de invenção, terão resultado em dúzias dessas histórias, então eles simplesmente não podem escapar delas; eles vêm correndo em você onde quer que você esteja. Pois a alma humana é como uma fonte inesgotável que pode derramar seus tesouros incessantemente assim que o primeiro impulso for invocado. Mas as pessoas são tão indolentes que não farão o esforço inicial para manifestar o que está em suas almas.
Agora vamos considerar outro ramo deste método pictórico de educação. O que devemos ter em mente é que, com a criança pequena, o intelecto, que no adulto tem sua própria vida independente, não deve ser realmente cultivado, mas todo pensamento deve ser desenvolvido de uma maneira pictórica e imaginativa.
Agora, mesmo com crianças de aproximadamente oito anos de idade, você pode fazer exercícios do tipo a seguir. Não importa se eles são desajeitados no começo. Por exemplo, desenhe esta figura para a criança (veja o desenho a.) E você deve tentar de todas as formas para que a criança sinta que não está completa, que algo está faltando. Como fará isso, claro, dependerá da individualidade da criança. Por exemplo, diga: “Olha, isso desce aqui (metade esquerda), mas isso só chega aqui (metade direita, incompleta). Mas isso não parece bom, chegando aqui e do outro lado só até agora “. Dessa forma, você gradualmente fará a criança completar essa figura; você realmente terá a sensação de que a figura não está terminada e deve ser completada; finalmente adicione esta linha à figura. Vou desenhar em vermelho; a criança poderia, claro, fazê-lo na mesma cor, mas estou simplesmente indicando em outra cor o que deveria ser acrescentado. A princípio, será extremamente desajeitado, mas gradualmente equilibrará as formas que desenvolverão em si a observação imbuída de pensamento e pensamento imbuídos de observação imaginativa. Seu pensamento será todo imaginário.
E quando conseguir que algumas crianças da turma concluam as coisas desta forma simples, posso ir mais longe com elas. Vou desenhar uma figura como a seguinte (veja o desenho à esquerda), e depois de fazer a criança sentir que essa figura complicada não está terminada, vou induzi-lo a colocar o que vai completá-la (parte direita do desenho). Desta forma, eu desperto nele um sentimento pela forma que a ajudará a experimentar simetria e harmonia.
Isso pode ser continuado ainda mais. Posso, por exemplo, despertar na criança um sentimento pelas leis internas que governam essa figura (ver desenho c). Ela verá que em um lugar as linhas se unem e em outro elas se separam. Esse fechamento e separação novamente é algo que posso facilmente contribuir para a experiência de uma criança.
Então eu passo para a próxima figura (veja o desenho d). Eu faço linhas retas curvas, com ângulos, e a criança tem que combinar com a linha interna. Será uma tarefa difícil para as crianças de oito anos de idade, mas, especialmente nessa idade, é uma conquista maravilhosa se a pessoa puder fazer isso com todos os tipos de figuras, mesmo que tenha sido mostrada com antecedência. Você deve fazer com que as crianças desenhem as linhas internas por si mesmas; eles devem ter o mesmo caráter que os da figura anterior, mas consistem apenas em linhas retas e ângulos.
Este é o caminho para incutir na criança um verdadeiro sentimento de forma, harmonia, simetria, correspondência de linhas, etc. E a partir disso, pode passar para uma concepção de como um objeto é refletido; se isto, digamos, é a superfície da água (veja o desenho e), e aqui está algum objeto, você deve despertar na mente da criança uma imagem de como a forma será na reflexão. Dessa forma, você pode levar as crianças a perceber outros exemplos de harmonia encontrados no mundo.
Também pode ajudar a criança a ser hábil e móvel neste pensamento imaginativo, dizendo: “Toque o seu olho direito com a mão esquerda! Toque no seu olho direito com a mão direita! Toque no seu olho esquerdo com a mão direita! Toque no seu ombro esquerdo com a mão direita por trás! Toque no seu ombro direito com a mão esquerda! Toque na sua orelha esquerda com a mão direita! Toque na sua orelha esquerda com a mão esquerda! Toque no dedão do pé direito com a mão direita! “, E assim por diante. Desta forma, você pode fazer a criança realizar todos os tipos de exercícios curiosos, por exemplo, “Descreva um círculo com a mão direita em volta da esquerda! Descreva um círculo com a mão esquerda à direita! Descreva dois círculos cortando um ao outro com as duas mãos! Descreva dois círculos com uma mão em uma direção e a outra na outra direção. Faça isso mais rápido e mais rápido. Agora mova o dedo médio da sua mão direita muito rápido. Agora o polegar, agora o dedinho”.
Então a criança pode aprender a fazer todos os tipos de exercícios de uma maneira rápida e alerta. Qual é o resultado? Se você fizer esses exercícios quando tiver cerca de oito anos, aprenderá a pensar, a pensar por toda a sua vida. Aprender a pensar diretamente através da cabeça não é o tipo de pensamento que vai durar a sua vida. Ele se tornará “cansado de pensar” mais tarde. Mas se, por outro lado, você tiver que fazer ações com seu próprio corpo que exijam grande vigilância para realizá-lo, e que precisam ser pensadas primeiro, então mais tarde você será sábio e prudente nos assuntos de sua vida, e haverá uma conexão notável entre a sabedoria de tal homem em seu trigésimo quinto ou trigésimo sexto ano e os exercícios que ele fazia quando era criança de seis ou sete anos. Assim, as diferentes épocas da vida estão ligadas umas às outras.
É de tal conhecimento do homem que se deve tratar no que se deve contribuir para o ensino de alguém.
Da mesma forma, pode-se alcançar certas harmonias em cores. Suponha que façamos um exercício com a criança, primeiro pintando algo em vermelho (ver desenho a). Agora lhe mostramos, despertando a sensação de que ao lado dessa superfície vermelha, uma superfície verde seria muito harmoniosa. Isto, naturalmente, deve ser realizado com tintas, então é mais fácil de ver. Agora você pode tentar explicar para a criança que você vai reverter o processo. “Vou colocar o verde aqui dentro (veja desenho b); O que você vai colocar em torno dele? “Então ficará vermelho ao redor. Ao fazer essas coisas, você vai gradualmente sentir a harmonia das cores. A criança vai ver que primeiro eu tenho uma superfície vermelha aqui no centro e verde ao redor (veja o desenho anterior), mas se o vermelho ficar verde, então o verde deve ficar vermelho. É de enorme importância nesta idade, para o oitavo ano de vida, deixar que essa correspondência de cor e forma trabalhe nas crianças.
Portanto, todas as nossas lições devem receber uma certa forma interna, e se tal método de ensino é para prosperar, a única coisa necessária é, para expressar negativamente, dispensar a programação usual. Na Escola Waldorf, temos o chamado “ensino de época” e não um horário fixo. Nós tomamos um assunto por quatro a seis semanas; o mesmo tema continua durante esse tempo. Nós não temos de 8 às 9 Aritmética; 9 às 10 Leitura, 10 às 11 Escrita, mas pegamos um tópico que estamos buscando continuamente na lição principal manhã pós manhã por quatro semanas, e quando as crianças foram longe o suficiente com esse tópico, passamos para outro.
Assim, nunca alternamos a Aritmética de 8 às 9 e a Leitura de 9 às 10, mas temos a Aritmética sozinha por várias semanas e depois outro assunto por período semelhante, dependendo do que pode acontecer. No entanto, há alguns problemas que discutirei mais tarde, que exigem uma programação semanal regular. Mas, como regra geral, nas chamadas “Lições Principais” nós nos limitamos estritamente ao método de ensino em épocas. Durante cada época, tomamos apenas um tema, mas essas lições podem incluir outros temas relacionados.
Portanto, nós salvamos as crianças daquilo que pode causar danos na vida de suas almas, isto é, em uma lição elas devem absorver o que é então apagado na lição imediatamente depois. A única maneira de salvá-los disso é introduzir o ensino em épocas.
Muitos indubitavelmente objetarão que, nesse tipo de ensino, as crianças esquecerão o que aprenderam. Isso se aplica apenas a determinados tópicos especiais como, por exemplo, aritmética, e pode ser corrigido por recapitulações freqüentes. Esta questão do esquecimento é de muito pouca importância na maioria dos temas, pelo menos em comparação com o enorme ganho para a criança se a concentração em um tema é preenchida por um certo período de tempo.
Rudolf Steiner – GA 311 – Torquay, 15 de agosto de 1924
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 311 – Torquay, 14 de agosto de 1924, Leitura:
O REINO DA INFÂNCIA – Conferência III
Hoje vamos caracterizar certos princípios gerais da arte da educação para o período entre a mudança de dentes e a puberdade, ocorrendo na próxima aula um tratamento mais detalhado de assuntos individuais e as condições particulares que podem surgir.
Quando a criança atinge seu nono ou décimo ano, ela começa a se diferenciar do seu entorno. Pela primeira vez há uma diferença entre sujeito e objeto; o sujeito é o que pertence a si mesmo, o objeto é o que pertence à outra pessoa ou a outra coisa; e agora podemos começar a falar de coisas externas como tais, ao passo que antes desse tempo devemos tratá-las como se esses objetos externos formassem um todo juntamente com o próprio corpo da criança. Mostrei ontem como falamos de animais e plantas, por exemplo, como se fossem seres humanos que falam e agem. Portanto, a criança tem a sensação de que o mundo exterior é simplesmente uma continuação de seu próprio ser.
Mas agora, quando a criança passou seu nono ou décimo ano, devemos apresentar a ele certos fatos elementares do mundo externo, os fatos dos reinos vegetal e animal. Além de outros tópicos sobre os quais falarei mais tarde. Mas é particularmente nesta área que devemos ser guiados pelo que a própria natureza da criança precisa e nos pede.
A primeira coisa que temos que fazer é dispensar todos os livros didáticos. Os livros didáticos, como estão escritos hoje, não contêm nada sobre os reinos vegetal e animal que se pode usar no ensino. Eles são bons para instruir pessoas mais velhas sobre plantas e animais, mas nós arruinaremos a individualidade da criança se os usarmos na escola. E, de fato, hoje não há livros ou manuais que demonstrem como essas coisas devem ser ensinadas. Agora o ponto importante é realmente este.
Se você colocar plantas individuais na frente da criança e mostrar-lhes coisas diferentes, você está fazendo algo que não tem realidade. Uma planta em si não é uma realidade. Se você puxar um fio de cabelo e examiná-lo como se fosse uma coisa em si, também não seria uma realidade. Na vida cotidiana, dizemos de tudo que podemos ver com nossos olhos, que é real. Mas se você olhar para uma pedra e formar uma opinião sobre isso, isso é uma coisa; Se você olhar para um cabelo ou uma rosa, é outra. Em dez anos, a pedra será exatamente como é agora, mas em dois dias a rosa terá mudado. A rosa é apenas uma realidade junto com toda a roseira. O cabelo não é nada em si, mas é apenas uma realidade quando considerado com toda a cabeça, como parte de todo o ser humano. Agora, se você sai para os campos e arranca as plantas, é como se tivesse arrancado os cabelos do chão. Porque as plantas pertencem à terra exatamente da mesma maneira que o cabelo pertence ao organismo do ser humano. E não faz sentido examinar um fio sozinho, como se ele pudesse crescer de repente por conta própria.
É tão absurdo pegar um vasinho botânico e levar para casa plantas para serem examinadas por elas mesmas. Isso não tem relação com a realidade, e tal método não pode levar a um conhecimento correto da natureza ou do ser humano.
Aqui temos uma planta (veja desenho), mas esta não é a planta, já que também pertence ao solo que se estende por toda parte, talvez por um longo caminho. Existem algumas plantas que enviam pequenas raízes por um longo caminho. E quando você perceber que o pequeno torrão de terra que contém a planta pertence a uma área muito maior do solo ao seu redor, então você verá como é necessário fertilizar a terra para promover crescimento saudável de plantas. Algo mais está vivo além da planta real; esta parte aqui (abaixo da linha do desenho) vive com ela e pertence à planta; a terra vive com a planta.
Existem algumas plantas que florescem na primavera, por volta de maio ou junho, e dão frutos no outono. Então elas murcham e morrem e permanecem na terra que lhes pertence. Mas existem outras plantas que extraem as forças da terra de seu ambiente. Se esta é a Terra, então a raiz toma em si as forças que estão ao seu redor, e porque o faz, estas forças disparam para cima e uma árvore se forma.
Porque, o que é uma árvore realmente? Uma árvore é uma colônia de muitas plantas. E não importa se você está considerando uma colina que tem menos vida em si, mas que tem muitas plantas crescendo nela, ou um tronco de árvore onde a própria terra viva foi removida para a árvore. Em nenhuma circunstância você pode entender qualquer planta corretamente se você a examinar por si mesma.
Se você for (preferencialmente a pé) até um distrito no qual há formações geológicas definidas, digamos areia vermelha, e observar as plantas lá, você verá que a maioria delas tem flores amarelo-avermelhadas. As flores pertencem ao solo. O solo e a planta formam uma unidade, assim como a cabeça e o cabelo também formam uma unidade.
Portanto, você não deve ensinar Geografia e Geologia por si próprias e, depois, a Botânica separadamente. Isso seria absurdo. A geografia deveria ser ensinada junto com uma descrição do país e a observação das plantas, desde que a terra é um organismo e as plantas são como o cabelo deste organismo. A criança deve ser capaz de ver que a terra e as plantas estão juntas, e que cada pedaço de solo carrega aquelas plantas que pertencem a ele.
Portanto, a única maneira correta é falar sobre as plantas em conexão com a terra e dar à criança uma noção clara de que a Terra é um ser vivo que tem cabelo crescendo nela. As plantas são os pêlos da terra. As pessoas falam sobre a terra ter a força da gravidade. Isto é dito pertencer à terra. Mas as plantas com sua força de crescimento também pertencem à terra. A terra e as plantas não são mais entidades separadas do que um homem e seu cabelo seria. Eles pertencem juntos, assim como o cabelo na cabeça pertence ao homem.
Se você mostrar plantas de uma criança de uma lata botânica e lhes disser seus nomes, você estará ensinando algo que é bastante irreal. Isso terá consequências para toda a sua vida, já que esse tipo de conhecimento sobre plantas nunca lhe dará uma compreensão, por exemplo, de como o solo deve ser tratado e como ele deve ser fertilizado, feito para viver do estrume que é colocado nele. A criança só pode entender como cultivar a terra se souber como o solo é realmente parte da planta. Os homens do nosso tempo têm menos e menos concepção da realidade, os chamados “práticos” menos que nada, porque na realidade são todos teóricos, como mostrei em nossa primeira palestra, e é só porque os homens não têm mais ideia da realidade que olham tudo de maneira desintegrada e isolada.
Assim, aconteceu que em muitos distritos, durante os últimos cinquenta ou sessenta anos, todos os produtos agrícolas se tornaram decadentes. Não faz muito tempo, houve uma Conferência sobre Agricultura na Europa Central, na qual os próprios agricultores admitiram que as plantações estão se tornando tão pobres que não há esperança de que elas estarão em condições de consumo humano dentro de cinquenta anos.
Por que isso é assim? É porque as pessoas não entendem como fazer a terra viver de esterco. É impossível para eles entender se tiverem recebido a concepção de que as plantas são algo à parte da Terra. A planta não é mais um objeto em si do que um cabelo. Porque se fosse assim, você poderia esperar que ele crescesse também em um pedaço de cera ou sebo como o fazem na pele da cabeça. Mas só na cabeça crescerá.
Para entender como a terra é realmente parte da vida das plantas, você deve descobrir a que tipo de solo cada planta pertence; a arte da fertilização só pode ser alcançada considerando-se a terra e o mundo vegetal como uma unidade, e olhando para a terra como um organismo e a planta como algo que cresce com esse organismo.
Assim, uma criança sente, desde o começo, que está em pé em uma terra viva. Isto é de grande importância para toda a sua vida. Pensar que tipo de concepção as pessoas têm hoje sobre a origem dos estratos geológicos. Eles consideram isso como uma camada depositada em outra. Mas o que é visto como estratos geológicos é apenas plantas endurecidas, matéria viva endurecida. Não é apenas o carvão que era anteriormente uma planta (que tem suas raízes mais na água do que na terra firme e que pertence completamente à terra), mas também o granito, o gnaisse e outros foram originalmente de natureza vegetal e animal.
Pode entender-se isso quando se considera a terra e as plantas como um todo. E nessas coisas, não se trata apenas de dar às crianças o conhecimento, mas também de dar-lhes os sentimentos corretos sobre isso. Eles só vêem que este é o caso quando considera-se estas coisas do ponto de vista da Ciência Espiritual.
Você pode ter a melhor boa vontade do mundo. Você pode dizer a si mesmo que a criança deve aprender sobre tudo, inclusive as plantas, examinando-as. Em tenra idade, vou incentivá-lo a levar para casa uma boa quantidade de plantas em uma linda caixa de lata. Vou examiná-los com ele porque há algo real aqui. Acredito firmemente que isso é uma realidade, já que é uma lição objetiva, mas o tempo todo você está olhando para algo que não é uma realidade em absoluto. Este tipo de ensino de lição de objeto hoje é totalmente absurdo.
Essa maneira de aprender sobre as plantas é tão irreal quanto se fosse uma questão de indiferença se um cabelo crescesse em cera ou pele humana. Não pode crescer em cera. Idéias desse tipo são completamente contraditórias com o que a criança recebeu nos mundos espirituais antes de descer para a terra. Porque lá a terra parecia bem diferente. Essa relação íntima entre o reino mineral da terra e o mundo vegetal era algo que a alma da criança poderia receber como uma imagem viva. Por que isso é assim? É porque, para que o ser humano possa encarnar, ele precisa absorver algo que ainda não é mineral, mas que está em processo de se tornar mineral, isto é, o elemento etérico. Ele tem que crescer no elemento das plantas, e este mundo de plantas lhe parece relacionado com a terra.
Esta série de sentimentos que a criança experimenta quando desce do mundo pré-terreno para o mundo terreno: todo esse mundo de riqueza torna-se confuso e caótico para ele, se for apresentado pelo tipo de ensino de Botânica que é geralmente utilizado, por outro lado a criança se preenche/alegra interiormente, se ele ouve sobre o mundo vegetal em conexão com a terra.
Da mesma forma, devemos considerar como apresentar nossos filhos ao mundo animal. Mesmo um olhar superficial nos mostrará que o animal não pertence à terra. Ele corre na terra e pode ser neste ou naquele lugar, então a relação do animal com a terra é bem diferente daquela da planta. Algo mais nos impressiona sobre o animal.
Quando vamos examinar os diferentes animais que vivem na terra, digamos que, de acordo com as qualidades de sua alma, em primeiro lugar, encontramos feras de rapina cruéis, cordeiros gentis ou animais de coragem. Algumas das aves são lutadoras corajosas e também encontramos animais valentes entre os mamíferos. Encontramos feras majestosas, como o leão. De fato, existe a maior variedade de qualidades da alma, e caracterizamos cada espécie de animal dizendo que tem essa ou aquela qualidade. Nós chamamos o tigre cruel, porque a crueldade é sua qualidade mais importante e significativa. Nós chamamos de pacientes as ovelhas. A paciência é seu recurso mais marcante. Nós chamamos o burro de preguiçoso, porque, embora possa não ser tão devagar e preguiçoso, todo o seu comportamento e conduta de alguma forma nos lembra a preguiça. O burro é especialmente preguiçoso para mudar sua posição na vida. Se ele estiver com vontade de ir devagar, nada irá induzi-lo a ir mais rápido. E então cada animal tem suas próprias características particulares.
Mas não podemos pensar nos seres humanos dessa maneira. Não podemos pensar em um homem apenas gentil e paciente, outro apenas cruel e o terceiro corajoso. Deveríamos encontrá-lo como um arranjo muito unilateral, se as pessoas forem distribuídas na Terra dessa maneira. Às vezes, essas qualidades são desenvolvidas unilateralmente, mas não na mesma proporção que nos animais. Em vez disso, o que encontramos com um ser humano, especialmente quando temos que educá-lo, é que existem certas coisas e fatos da vida que ele precisa encarar com paciência e coragem, e outras coisas e situações, talvez com uma certa crueldade, embora este último deva ser administrado em doses homeopáticas. Ou, em certas situações, um ser humano pode mostrar crueldade simplesmente por seu próprio desenvolvimento natural e assim sucessivamente.
Agora, qual é realmente a verdade sobre essas qualidades da alma do homem e dos animais? Com o homem, descobrimos que ele pode realmente possuir todas as qualidades, ou pelo menos a soma de todas as qualidades que os animais têm entre si (cada um tem uma diferente). O homem tem um pouco de cada uma. Ele não é tão majestoso quanto o leão, mas ele tem algo de majestade dentro dele. Ele não é tão cruel quanto o tigre, mas ele tem uma certa crueldade. Ele não é tão paciente quanto as ovelhas, mas tem alguma paciência. Ele não é tão preguiçoso quanto o burro, pelo menos não todos, mas ele tem algo dessa preguiça nele. Todo ser humano tem essas coisas dentro dele. Quando pensamos neste assunto da maneira correta, podemos dizer que o homem tem dentro de si a natureza do leão, a natureza da ovelha, a natureza do tigre e a natureza do burro. Ele carrega tudo isso dentro dele, mas harmonizado.
Todas as qualidades são entoadas umas às outras, por assim dizer, e o homem é o fluxo harmonioso, ou, para colocá-lo mais academicamente, a síntese de todas as diferentes qualidades da alma que o animal possui. O homem alcança seu objetivo se, em todo o seu ser, tem a dose certa de planta, ovelha, tigre, a dose certa de burro e assim por diante, se tudo isso está presente em sua natureza nas proporções corretas e tem a relação correta com todo o resto.
Há um belo e antigo provérbio grego que diz: Se a coragem se une com astúcia, isso lhe trará bênçãos, mas se forem separadas, apenas a ruína se seguirá. Se o homem fosse apenas valente com a coragem de certos pássaros que estão continuamente lutando, ele não traria muitas bênçãos para sua vida. Mas se sua coragem é tão desenvolvida em sua vida que ele une a astúcia, a astúcia que no animal é unilateral, então ocupa seu lugar de direito no ser humano.
Com o homem, então, se trata de uma síntese, uma harmonização de tudo que se estende ao reino animal. Podemos expressá-lo desta maneira: aqui está um tipo de animal (eu o represento na forma de um diagrama), aqui um segundo, um terceiro, um quarto e assim por diante, todos os tipos possíveis de animais na Terra. Como eles estão relacionados ao homem?
A relação é tal que o homem tem, digamos, alguma coisa desse primeiro tipo de animal (veja desenho), mas modificado, não em sua totalidade. Então outro tipo vem, mas novamente não totalmente. Isso nos leva ao próximo e ao outro, de modo que o homem contém todos os animais dentro dele. O reino animal é um homem extenso, e o homem é o reino animal unido; todos os animais são sinteticamente unidos no homem, e se você analisar um ser humano, você obtém todo o reino animal.
Este também é o caso da forma humana externa. Imagine um rosto humano e corte uma parte aqui (veja desenho) e puxe uma outra parte para frente, de modo que esta última parte não fique harmonizada com o rosto inteiro, enquanto a testa recua; então você pega a cabeça de um cachorro. Se você moldar a cabeça de uma maneira um pouco diferente, você obtém a cabeça de um leão, e assim por diante.
E assim, com todos os seus outros órgãos, você pode descobrir que o homem, mesmo em sua figura externa, tem o que é distribuído entre os animais de uma forma harmonizada modificada.
Pense, por exemplo, a pata de um pato; Você tem uma relíquia dessa parte do pato entre os dedos, apenas encolhida. Portanto, tudo o que é encontrado no reino animal, mesmo externamente, também está presente no reino humano. De fato, esta é a maneira pela qual o homem pode encontrar seu relacionamento com o reino animal, quando ele vem a saber que os animais, tomados em conjunto, formam o homem. O homem existe na terra, um bilhão e oitocentos milhões deles, de maior ou menor valor, mas ele existe novamente como um ser humano gigante. O reino animal completo é um ser humano gigante, não reunido em uma síntese, mas analisado em exemplos únicos.
É como se você fosse feito de elástico que poderia ser esticado em vários graus em diferentes direções; se você se puxasse em uma direção mais que em outras, um tipo de animal se formaria. Ou, se o topo do seu rosto fosse empurrado para cima e esticado (se fosse elástico o suficiente), então outro animal emergiria. Assim, o homem carrega todo o reino animal dentro dele.
É assim que a história do reino animal nos tempos antigos costumava ser ensinada. Este foi um conhecimento correto e saudável, que agora foi perdido, embora apenas recentemente. No século XVIII, por exemplo, as pessoas ainda sabiam muito bem que, se o nervo olfativo do nariz fosse grande o suficiente e estendido para trás, você teria um cachorro. Mas se o nervo olfativo é ressequido e apenas uma pequena parte permanece, o resto se metamorfoseia, então surge o nervo que precisamos para nossa vida intelectual.
Para observar como um cachorro cheira; o nervo olfativo se estende para trás do nariz. Um cachorro cheira a peculiaridade especial de cada coisa. Ele não faz uma imagem mental disso, mas tudo vem a ele através do olfato. Ele não tem vontade e imaginação, mas tem vontade e senso de olfato para tudo. Um maravilhoso sentido do olfato! Um cachorro não acha o mundo menos interessante que um homem. Um homem pode fazer imagens mentais de tudo, um cachorro pode cheirar tudo. Nós experimentamos vários cheiros, não é ?, Agradáveis e desagradáveis, mas um cão tem muitos tipos de odores; Basta pensar em como um cão se especializa em seu olfato. Hoje temos cães policiais. Eles são levados para o lugar onde alguém roubou alguma coisa. O cão imediatamente toma o cheiro do homem, segue-o e encontra-o. Tudo isso se deve ao fato de que há realmente uma imensa variedade, um mundo de cheiros para um cachorro. O portador desses cheiros é o nervo olfativo que passa para trás na cabeça, em direção ao crânio.
Se tivéssemos que desenhar o nervo olfativo de um cão, que passa pelo nariz, devemos desenhá-lo para trás. No homem há apenas um pequeno pedaço no fundo. O resto está presente na forma morfológica e está sob a testa. É um nervo olfativo transformado e metamorfoseado e, com esse órgão, formamos nossas imagens mentais. Por esta razão, não podemos cheirar como um cachorro, mas podemos fazer imagens mentais. Temos dentro de nós todoo cão com seu sentido do olfato, só que este se tornou outra coisa. E assim é com todos os animais.
Precisamos esclarecer isso em nossas mentes. Agora, um filósofo alemão chamado Schopenhauer escreveu um livro chamado The World as Will and Idea (O Mundo como Vontade e Ideia). Mas este livro é apenas para seres humanos. Se um cão de gênio tivesse escrito, eu o chamaria de O Mundo como Vontade e Cheiro e estou convencido de que este livro teria sido muito mais interessante que o de Schopenhauer.
Você deve olhar para as várias formas de animais e descrevê-las, não como se cada animal existisse isoladamente, mas para que você sempre desperte nas crianças o pensamento: Esta é uma imagem do homem. Se você pensa em um homem alterado em uma direção ou outra, simplificada ou combinada, então você tem um animal. Se você pegar um animal inferior, por exemplo, uma tartaruga, e colocá-la em cima de um canguru, então você tem algo como uma cabeça endurecida no topo, porque é a forma da tartaruga e o canguru abaixo representa os membros do ser humano.
E assim, em todo o mundo, você pode encontrar alguma conexão entre o homem e diferentes animais.
Você ri dessas coisas agora. Isso não importa em absoluto. É muito bom rir deles nas aulas também, já que não há nada melhor que você possa trazer para a sala de aula do que o humor, e é bom que as crianças também riem, porque se sempre vêem o professor entrar com um rosto terrível fechado, eles ficarão tentados a fazer rostos fechados e imaginar que é isso que alguém deve fazer quando está sentado em uma mesa na sala de aula. Mas se você trouxer humor e puder fazer as crianças rirem, este é o melhor método de ensino. Os professores que são sempre formais nunca conseguirão nada com as crianças.
Então aqui você tem o começo do reino animal como eu queria colocar diante de vocês. Podemos falar sobre os detalhes mais tarde, se tivermos tempo. Isso fará com que se possa ensinar sobre o reino animal considerando-o como um ser humano disseminado em todas as formas animais.
Isso dará à criança um sentimento muito bonito e delicado. Porque, como indiquei a você, a criança passa a saber que o mundo das plantas pertence à terra e que os animais pertencem a ela. A criança cresce com todos os reinos da terra. Ele não está mais limitado a estar no solo morto da terra, mas permanece na terra viva, porque ele sente que a terra é algo vivo. Pouco a pouco ele chega a pensar em si mesmo em pé na terra como se estivesse em pé sobre uma grande criatura viva, como uma baleia. Esse é o sentimento certo. Isso só pode levar a um sentimento verdadeiramente humano sobre o mundo inteiro.
Então, com relação ao animal, a criança passa a sentir que todos os animais estão relacionados ao homem, mas que o homem tem algo que se estende além de tudo, já que une todos os animais em si. E toda essa conversa ociosa dos cientistas sobre o homem que descende de um animal será rebatida por pessoas que foram educadas dessa maneira. Pois você saberá que o homem une em si todo o reino animal, é uma síntese de todos os seus membros.
Como eu disse, entre o nono e o décimo ano, o ser humano chega ao ponto de discriminar entre ele como sujeito e o mundo externo como um objeto. Ele faz uma distinção entre ele e o mundo ao seu redor. Até o momento, só se podia contar contos de fadas e lendas em que pedras e plantas falam e atuam como seres humanos, já que a criança ainda não diferenciava entre ele e seu ambiente. Mas agora, quando ele faz isso, devemos colocá-lo em contato com seu ambiente em um nível mais alto. Devemos falar da terra em que nos encontramos de tal maneira que ele não pode deixar de sentir como a terra e as plantas se juntam como uma questão de rotina. Então, como eu mostrei a vocês, a criança também terá idéias práticas para a agricultura. Ele saberá que o agricultor enriquece a terra porque precisa de um pouco de vida para uma determinada espécie de planta. A criança não removerá uma planta de uma lata botânica e a examinará sozinha, nem examinará os animais isoladamente, mas pensará em todo o reino animal como a grande análise de um ser humano espalhado por toda a Terra. Ele, um ser humano, vem a conhecer a si mesmo como ele se encontra na terra, e como os animais estão em relação com ele.
É de grande importância que desde o décimo ano até o décimo segundo ano, devemos despertar esses pensamentos de terra-planta e animal-homem. Deste modo, a criança assume o seu lugar no mundo de uma maneira muito definida, com toda a sua vida de alma, corpo e espírito.
Tudo isso deve ser trazido a ela através dos sentimentos de uma maneira artística, pois é através do aprendizado de sentir como as plantas pertencem à terra e ao chão que a criança realmente se torna inteligente e mais inteligente. Seu pensamento estará de acordo com a natureza. Através de nossos esforços para mostrar à criança como ela se relaciona com o mundo animal, ele verá como a força de vontade que está em todos os animais vive novamente no homem, mas diferenciada, em formas individualizadas adequadas à natureza do homem. Todas as qualidades animais, todos os sentimentos de forma impressos na natureza animal, vivem no ser humano. A vontade humana recebe seus impulsos dessa maneira e o próprio homem toma seu lugar corretamente no mundo de acordo com sua própria natureza. Por que as pessoas andam pelo mundo hoje como se tivessem perdido suas raízes? Qualquer um pode ver que as pessoas não andam corretamente hoje; Eles não dão um passo certo, mas arrastam as pernas para trás. Eles aprendem de forma diferente em seu esporte, mas também há algo de antinatural nisso. Mas, acima de tudo, eles não têm ideia de como pensar ou o que fazer com suas vidas. Eles sabem muito bem o que fazer se você colocá-los na máquina de costura ou no telefone, ou se uma turnê mundial for organizada. Mas eles não sabem o que fazer com eles mesmos porque sua educação não os levou a encontrar o lugar certo no mundo. Isso não pode ser corrigido por frases cunhadas sobre educar as pessoas corretamente; Você só pode fazê-lo se nos detalhes concretos você puder encontrar a maneira correta de falar sobre as plantas em sua relação real com o solo e os animais no lugar que lhes corresponde ao lado do homem. Então o ser humano vai parar na terra como deveria e terá a atitude correta em relação ao mundo. Isso deve ser alcançado em todas as suas lições. É importante, e mais, é essencial.
Agora, será sempre uma questão de descobrir o que o desenvolvimento da criança exige em cada idade da vida. Para isso, precisamos de uma observação e conhecimento reais do homem. Pense novamente sobre as duas coisas de que falei, e você verá que a criança, até o seu nono ou décimo ano, está realmente exigindo que todo o mundo da natureza externa ganhe vida, porque ele ainda não se vê como separado dessa natureza externa; portanto, contaremos aos contos de fadas infantis, mitos e lendas. Inventaremos algo para as coisas que estão em nosso ambiente imediato, para que na forma de histórias, descrições e representações pictóricas de todos os tipos possamos dar à criança em forma artística o que ele mesmo encontra em sua própria alma, nas profundezas ocultas que ele traz consigo ao mundo. E então, após o nono ou décimo ano, digamos que entre o décimo e o décimo segundo ano, apresentamos a criança ao mundo animal e vegetal como descrevemos.
Devemos ser muito claros que a concepção de causalidade, de causa e efeito, tão popular hoje, não tem lugar no que a criança precisa entender mesmo nesta idade, no décimo ou décimo primeiro ano. Estamos acostumados hoje para considerar tudo em sua relação com causa e efeito. A educação baseada em ciências naturais trouxe isto ao seu redor. Mas falar com crianças menores de onze ou doze anos sobre causa e efeito, como é a prática na vida cotidiana de hoje, é como falar de cores para alguém daltônico. Você vai falar completamente além da criança se você falar sobre causa e efeito no estilo que é o atual. A primeira e mais importante coisa é que você precisa de imagens vivas onde não há dúvidas sobre causa e efeito. Mesmo após o décimo ano, essas concepções só devem ser apresentadas à criança na forma de imagens.
É somente no décimo segundo ano que a criança está pronta para ouvir as causas e efeitos mencionados. Assim, os ramos do conhecimento que têm a ver principalmente com causa e efeito no sentido das palavras usadas hoje – as ciências sem vida, como a física, etc. – não devem ser introduzidos no currículo mesmo entre o décimo primeiro e o décimo segundo ano. Antes disso, não se deve falar com crianças sobre minerais, física ou química. Nenhuma dessas coisas é adequada para elas antes desta idade.
Agora, com relação à História, até o décimo segundo ano, a criança deve receber imagens de personalidades únicas e relatos gráficos bem desenhados de eventos que tornam a História viva para ele, não uma revisão histórica em que o que se segue sempre se mostra como o efeito do que aconteceu antes, o método pragmático de considerar a história, do qual a humanidade se tornou tão orgulhosa.
Este método pragmático de procurar causas e efeitos na história não é mais compreensível para a criança do que as cores para o daltonismo. E, além disso, obtém-se uma concepção completamente errônea da vida quando segue seu curso, se se ensina tudo de acordo com a idéia de causa e efeito. Eu gostaria de esclarecer isso em uma imagem.
Imagine um rio que flua dessa maneira (veja o desenho). Tem ondas. Mas nem sempre seria uma imagem verdadeira se você fizer a onda (C) sair da onda (B), e novamente sair da onda (A), isto é, se você disser que C é o efeito de B e B de A; De fato, há todos os tipos de forças no trabalho, que lançam essas ondas para cima. Então está na história. O que acontece em 1910 nem sempre é o efeito do que aconteceu em 1909, e assim por diante. Mas desde o início, a criança deve sentir as coisas que funcionam na evolução desde as profundezas do tempo, um sentimento do que lançam as ondas, por assim dizer. Mas você só pode ter esse sentimento se adiar o ensino de causa e efeito até mais tarde, até o décimo segundo ano, e até agora, dar apenas imagens.
Aqui, novamente, se faz demandas à fantasia do professor. Mas deve ser igual a essas demandas, e será se tiver adquirido um conhecimento do homem por si mesmo. Essa é a única coisa necessária.
Você deve ensinar e educar pela própria natureza do próprio homem e, por essa razão, a educação para a vida moral deve correr paralelamente ao ensino real que venho descrevendo para você. Então, para concluir, eu gostaria de acrescentar algumas observações sobre este assunto, porque aqui também devemos ler sobre a natureza da criança como ela deve ser tratada. Se você der a uma criança de sete anos uma concepção de causa e efeito, estará trabalhando contra o desenvolvimento de sua natureza humana, e as punições também se opõem ao real desenvolvimento da natureza da criança.
Na Escola Waldorf, tivemos algumas experiências muito gratificantes disso. Qual é o método usual de punição nas escolas? Se uma criança fez algo errado, ele tem que “ficar” e fazer alguma aritmética, por exemplo. Agora, na Escola Waldorf, uma vez tivemos uma experiência bastante estranha: três ou quatro crianças foram informadas de que haviam feito mal o seu trabalho e, portanto, precisavam ficar e fazer algumas somas. Então, os outros disseram: “Mas também queremos ficar e fazer somas!” Porque eles foram educados para pensar que a aritmética era algo agradável de se fazer, não algo que é usado como castigo. Não se deve despertar nas crianças a idéia de que ficar com as somas é uma coisa ruim, mas é uma coisa boa a fazer. É por isso que toda a turma queria ficar e fazer somas. Então você não deve escolher punições que não podem ser consideradas como tais, se a criança deve ser educada de maneira saudável na vida de sua alma.
Para dar outro exemplo: o Dr. Stein, um professor da Escola Waldorf, frequentemente pensava em métodos educacionais muito bons na época. Uma vez ele notou que seus alunos estavam passando notas embaixo da mesa. Eles não estavam participando da aula, mas estavam escrevendo anotações e passando-as por baixo de suas carteiras para seus vizinhos, que então escreviam notas em resposta. Agora, o dr. Stein não os repreendeu por escrever notas e dizer: “Vou ter que punir você”, ou algo assim, mas de repente ele começou a falar sobre o Sistema Postal e fez uma palestra sobre o assunto. No início, as crianças ficaram bastante confusas sobre o motivo pelo qual de repente receberam uma lição sobre o Sistema Postal, mas depois perceberam por que isso estava sendo feito. Esse método sutil de mudar de assunto fez as crianças se sentirem envergonhadas, elas começaram a sentir vergonha e pararam de escrever notas simplesmente por causa dos pensamentos sobre o sistema postal que o professor tecera na aula.
Portanto, para se encarregar de uma classe, é necessário ter um talento inventivo. Em vez de simplesmente seguir os métodos tradicionais estereotipados, você deve ser capaz de adentrar todo o ser da criança e deve saber que, em certos casos, a melhora, que é o que realmente aspiramos como castigo, é muito mais provável se as crianças forem levadas a um sentimento de vergonha dessa maneira sem chamar atenção especial a ela ou a qualquer criança em particular; Isso é muito mais eficaz do que usar algum tipo de punição grosseira. Se o professor segue métodos como estes, ele estará na frente das crianças ativas em espírito, e muito será equilibrado na classe que estaria de outra forma em desordem.
O essencial para um professor é o autoconhecimento. Se, por exemplo, uma criança faz manchas em seu livro ou em sua escrivaninha porque ficou impaciente ou irritado com algo que seu vizinho fez, o professor nunca deve gritar com a criança por fazer borrões e dizer: “Você não deve ficar bravo”. Ficar com raiva é algo que um homem bom nunca faz! Um homem nunca deve ficar com raiva, mas ele deve suportar tudo com calma. Se eu ver você ficar com raiva mais uma vez, então vou jogar o tinteiro na sua cabeça!
Se você educar dessa maneira (o que é feito com frequência), você conseguirá muito pouco. O professor deve sempre manter-se centrado, acima de tudo, nunca deve cair nas falhas pelas quais está culpando suas crianças. Mas aqui você deve saber como a parte inconsciente da natureza da criança funciona.
A inteligência, o sentimento e a vontade consciente de um homem são apenas uma parte da vida de sua alma; nas profundezas da natureza humana, mesmo na criança, ele domina o corpo astral com sua maravilhosa prudência e sabedoria. [Para uma elucidação do “corpo astral” e outros membros superiores do ser humano, ver Rudolf Steiner: A educação da criança à luz da antroposofia.
Agora, sempre me enche de horror ver um professor de pé em sua aula com um livro na mão que ele ensina fora do livro, ou um caderno no qual ele escreve as perguntas que deseja fazer às crianças e às quais ele continua se referindo. A criança parece não perceber isso com sua consciência superior, é verdade; mas se você está ciente dessas coisas, então verá que as crianças têm sabedoria subconsciente e dizem para si mesmas: ele mesmo não sabe o que devo aprender. Por que eu deveria aprender o que ele não sabe? Este é sempre o julgamento que é transmitido pela natureza subconsciente das crianças quando seu professor as ensina em um livro.
Tais são as coisas imponderáveis e sutis que são tão extremamente importantes no ensino. Porque assim que o subconsciente da criança, sua natureza astral, percebe que o próprio professor não sabe algo que ele tem que ensinar, mas que primeiro ele tem que procurar em um livro, então a criança considera que não é necessário que ele o aprenda. E assim será, o corpo astral trabalha com muito mais certeza do que a consciência superior da criança.
Estes são os pensamentos que eu queria incluir na conferência de hoje. Nos próximos dias, vamos lidar com questões e etapas especiais na educação da criança.
Rudolf Steiner – GA 311 – Torquay, 14 de agosto de 1924
Tradução livre: Leonardo Maia
GA 311 – Torquay, 13 de agosto de 1924, Leitura:
O REINO DA INFÂNCIA – Conferência II
Ontem mostrei como o desenvolvimento da criança sofre uma mudança radical com a perda de seus primeiros dentes. Porque, na verdade, o que chamamos de hereditariedade ou características herdadas só são ativadas diretamente durante o primeiro período da vida. No entanto, durante os primeiros sete anos, um segundo organismo vital é gradualmente formado no corpo físico, que é modelado de acordo com o modelo do organismo herdado. Este segundo organismo é, podemos dizer, completado na mudança dos dentes. Se o indivíduo que desce do mundo espiritual pré-terrestre é fraco, então este segundo organismo vital é semelhante ao que foi herdado. Se o indivíduo é forte, então vemos como, no período entre a mudança de dentes e a puberdade – dos sete para quatorze anos, uma espécie de vitória sobre as características herdadas é gradualmente alcançada. As crianças tornam-se bastante diferentes e até mudam de forma corporal externa.
É especialmente interessante seguir as qualidades da alma que agora são reveladas neste segundo período da vida. No primeiro período, antes da mudança dos dentes, podemos descrever a criança como um “órgão sensorial”. Deve levar isto literalmente: órgão dos sentidos em sua totalidade.
Tome, por exemplo, o olho humano ou o ouvido. Qual é a característica de tal órgão sensorial? A característica é que o órgão dos sentidos é muito sensível às impressões do mundo externo. E se você olhar nos olhos, certamente verá que tipo de processo ocorre. A criança durante os primeiros sete anos é completamente e totalmente um olho. Agora, considere apenas este pensamento: no olho, uma imagem é formada, uma imagem invertida, de cada objeto externo. É isso que a Física comum ensina a todos. O que está fora do mundo está dentro dos olhos como uma imagem. A física pára aqui, mas esse processo de formação de imagem é apenas o começo do que se deve saber sobre o olho; é o fato físico mais externo.
Mas se o físico observasse essa imagem com um senso de observação mais apurado, veria que ela determina o curso da circulação sanguínea na coróide. Toda a coróide está condicionada em sua circulação sanguínea pela natureza dessa imagem dentro do olho. O olho todo se ajusta de acordo com essas coisas. Estes são os melhores processos que nossa física comum não leva em conta. Mas a criança durante os primeiros sete anos é realmente um olho. Se algo acontece no ambiente da criança, por exemplo, para dar um exemplo extremo, um ataque de raiva quando alguém se irrita furiosamente, então toda a criança terá uma imagem dentro dele dessa explosão de raiva. O corpo etérico faz uma imagem disso. Deste algo acontece a toda a circulação do sangue e do sistema metabólico, algo que está relacionado a essa explosão de raiva.
Isso é verdade nos primeiros sete anos e, de acordo com isso, o organismo se ajusta. Naturalmente, estes não são eventos crus, são processos delicados. Mas se uma criança cresce na proximidade de um pai raivoso ou de um professor de mau humor, então o sistema vascular, os vasos sanguíneos, seguirão a linha da raiva. Os resultados desta tendência implementada nos primeiros anos serão mantidos durante todo o resto da vida.
Essas são as coisas que mais importam para a criança pequena. O que você diz a ela, o que você ensina a ela, ainda não dá nenhuma impressão, exceto na medida em que ele imita o que você diz em seu próprio discurso. Mas é o que você é que importa; Se você é bom, essa bondade aparecerá em seus gestos, e se você for mau ou mal-humorado, isso também aparecerá em seus gestos; Em suma, tudo o que você faz passará para a criança e continuará seu caminho dentro dele. Este é o ponto essencial. A criança é completamente órgão dos sentidos e reage a todas as impressões que as pessoas ao seu redor despertam nela. Portanto, o essencial não é imaginar que a criança possa aprender o que é bom ou ruim, que ele possa aprender isto ou aquilo, mas saber que tudo o que é feito em sua presença é transformado em seu organismo infantil em espírito, alma e corpo. A saúde para toda a vida depende de como nos comportamos na presença da criança. As inclinações que se desenvolvem dependem de como nos comportamos em sua presença.
Mas todas as coisas que geralmente nos aconselham a fazer com as crianças do jardim de infância são bastante inúteis. As coisas que são apresentadas como educação infantil muitas vezes são extraordinariamente “inteligentes”. Uma delas é, devo dizer, bastante fascinada pela astúcia do que foi pensado para os jardins de infância durante o decorrer do século XIX. As crianças certamente aprendem muito lá, quase aprendem a ler. A elas são fornecidas letras do alfabeto que tem que caber em letras recortadas e coisas assim. Tudo parece muito inteligente e pode-se facilmente ser tentado a acreditar que realmente é algo adequado para crianças, mas é inútil. Realmente não tem valor, e toda a alma da criança se arruína. Mesmo no corpo, até mesmo na saúde física, a criança está arruinada. Através desses métodos do Jardim de Infância, os fracos de corpo e alma são criados para uma vida posterior. [Nota do tradutor. Na Alemanha, as crianças permanecem no “Jardim de Infância” até o sétimo ano, portanto as observações acima se aplicam a toda a vida escolar até este momento.]
Por outro lado, se tivéssemos as crianças ali no jardim de infância e nos comportássemos de tal maneira que pudessem nos imitar, se tivéssemos que fazer todo tipo de coisas que as crianças pudessem copiar de seu próprio impulso interior da alma, como costumavam ser na existência pré-terrena, então, de fato, os filhos se tornariam nós mesmos, mas cabe a nós ver que somos dignos dessa imitação. Isto é o que você deve prestar atenção durante os primeiros sete anos de vida e não o que você expressa externamente em palavras como uma idéia moral.
Se você fizer uma cara carrancuda para que a criança tenha a impressão de que você é uma pessoa mal-humorada, isso o machucará pelo resto de sua vida. Esta é a razão pela qual é tão importante, especialmente para as crianças pequenas, que, como professor, se deve ir muito fundo na observação de um ser humano e da vida humana. O tipo de plano escolar é este ou aquele? O que importa é o tipo de pessoa que você é. Hoje em dia é muito fácil pensar em um currículo, porque todos em nossa época são agora muito inteligentes. Eu não estou dizendo isso ironicamente; Hoje em dia, as pessoas são muito inteligentes. Toda vez que algumas pessoas se reúnem e decidem que isso ou aquilo deve ser feito na educação, sempre surge algo inteligente. Eu nunca conheci um programa educacional estúpido; Eles são sempre muito inteligentes. Mas não se trata de ter programas desse tipo. O que importa é que devemos ter pessoas na escola que possam trabalhar da maneira que eu indiquei. Devemos desenvolver este modo de pensar, uma vez que muita coisa depende disso, especialmente para aquela idade ou época de vida da criança em que ele é realmente um órgão dos sentidos.
Agora, quando a mudança dos dentes está completa, a criança não é mais um órgão sensorial no mesmo grau de antes. Isso já diminui entre o terceiro e o quarto ano, mas antes a criança tem peculiaridades muito especiais, das quais geralmente nada é conhecido. Quando você come algo doce ou azedo, percebe-o na língua e no palato, mas quando a criança bebe leite, ele sente o gosto do leite em todo o corpo porque também é um órgão com um paladar. Ele testa com todo o seu corpo; Existem muitos exemplos notáveis disso.
As crianças seguem o exemplo dos adultos e, portanto, aos quinze, dezesseis ou vinte anos já estão desanimadas e perderam o frescor, mas ainda há crianças que nos seus primeiros anos são plenamente órgãos dos sentidos, embora a vida não é fácil para elas. Por exemplo, houve uma criança pequena que, ao receber algo para comer que sabia que iria gostar, aproximou-se do delicioso objeto não somente com aqueles órgãos com os quais geralmente se aproxima da comida, mas dirigiu-se com as mãos e os pés que na verdade, eram um órgão de degustação. O mais notável é que em seu nono ou décimo ano ele se tornou um excelente euritmista e desenvolveu um grande entendimento para Euritmia. Então, o que começou a “remando” até que sua refeição, quando ele era criança, desenvolveu-se posteriormente em seus órgãos da vontade, numa idade posterior.
Eu não digo essas coisas de brincadeira, mas para dar exemplos de como observar. Muito raramente você ouve coisas como essas, mas elas estão acontecendo a todo momento. As pessoas não percebem esses fenômenos característicos da vida e só pensam em como educar os jovens em vez de observar a própria vida.
A vida é interessante em todos os detalhes, da manhã até a tarde; as menores coisas são interessantes. Observe, por exemplo, como duas pessoas pegam uma pêra de uma tigela de frutas. Não há duas pessoas que peguem a pêra da mesma maneira; sempre é diferente. O caráter completo de uma pessoa é expresso no modo como ele pega a pera do prato de frutas e a coloca em seu prato, ou diretamente em sua boca, conforme o caso.
Se as pessoas apenas cultivassem mais poder de observação desse tipo, as coisas terríveis não se desenvolveriam nas escolas, o que infelizmente é visto hoje em dia. Apenas se observa uma criança segurando a caneta ou o lápis corretamente. A maioria não o faz, isso acontece porque não sabemos como observá-las corretamente. Isso é algo muito difícil de fazer, e também não é fácil na Escola Waldorf. Você freqüentemente entra em uma classe onde são necessárias mudanças drásticas na forma como as crianças seguram seus lápis ou canetas. Você nunca deve esquecer que o ser humano é um todo e, como tal, deve adquirir destreza em todas as direções. Portanto, o que o professor precisa é a observação da vida até os mínimos detalhes.
E se você está especialmente disposto a ter axiomas (fundamentos) formulados, considere isso como o primeiro princípio de uma verdadeira arte da educação. Você deve ser capaz de observar a vida em todas as suas manifestações.
Nunca se pode aprender o suficiente nessa direção. Olhe para as crianças, por exemplo. Alguns andam plantando o pé inteiro no chão, outros tropeçam nos dedos dos pés, e pode haver todo tipo de diferenciação entre esses dois extremos. Sim, de fato, para educar uma criança, é preciso saber com precisão como ele anda. Pois na criança que caminha sobre seus calcanhares é visto nesta pequena característica de seu corpo físico foi firmemente plantada na vida em sua encarnação anterior, que ele estava interessado em tudo em sua vida terrena anterior. Nesse caso, você deve extrair o máximo que puder da própria criança, já que há muitas coisas escondidas em crianças que andam com dificuldade sobre seus calcanhares. Por outro lado, as crianças que viajam juntas, que mal usam os calcanhares para andar, passaram pela vida terrestre anterior de maneira superficial. Você não será capaz de obter muitas dessas crianças, mas quando você está com elas, você deve fazer muitas coisas que elas possam copiar (imitar).
Desta forma, você deve experimentar a mudança de dentes através de observação cuidadosa. O fato da criança ter sido anteriormente um órgão dos sentidos permite-lhe desenvolver acima de tudo o dom da fantasia e do simbolismo. E se acha isso mesmo no processo. Nossa era materialista peca terrivelmente contra isso. Tomemos por exemplo as chamadas bonecas bonitas que são tantas vezes dadas às crianças hoje (Barbie por exemplo). Elas têm rostos lindamente modelados, bochechas lindamente pintadas e até mesmo olhos com os quais podem fechar quando estão deitados, cabelos reais. Mas isso mata a fantasia da criança, já que não deixa nada à sua imaginação e a criança não pode aproveitá-la. Mas se você faz uma boneca com um guardanapo ou um lenço com dois pontos de tinta para os olhos, um pouco de tinta para a boca e alguns braços, então a criança pode acrescentar muito à sua imaginação.
É particularmente bom para uma criança quando ela pode adicionar o máximo possível aos seus brinquedos com sua própria fantasia, quando ele pode desenvolver uma atividade simbolizadora. As crianças devem ter o mínimo possível de coisas que estão bem acabadas e completas, e o que as pessoas chamam de “belas”. Porque a beleza de uma boneca como a que descrevi anteriormente com cabelo de verdade e assim por diante, é apenas uma beleza convencional. Na verdade, é terrivelmente feia porque é tão pouco artística.
Nunca se esqueça de que, no período em torno da mudança de dentes, a criança entra na era da imaginação e da fantasia. Não é o intelecto, mas a fantasia que preenche sua vida nessa idade. Vocês, professores, também devem ser capazes de desenvolver essa vida de fantasia, porque aqueles que têm um verdadeiro conhecimento do ser humano em suas almas são capazes de fazer isso. De fato, é assim que um verdadeiro conhecimento do homem aflora e libera a vida interior da alma e traz um sorriso ao rosto. Os rostos azedos e mal-humorados só proveem da falta de conhecimento. Certamente, pode-se ter um órgão doente que deixa vestígios de doença no rosto; isso não importa, porque a criança não leva essas coisas em consideração, mas se a natureza interna de uma pessoa é preenchida com um conhecimento vivo do que o homem é, isso será expresso em sua face, e isto é o que pode fazer um professor muito bom.
Agora podemos trabalhar menos em imagens se ensinarmos à criança algo que é realmente estranho para ela. Por exemplo, a caligrafia de hoje é bastante estranha para a criança, seja em letras escritas ou impressas. Ele não tem relação com essa coisa que é chamada de “A”. Por que eu deveria ter um relacionamento com um “A”? Por que eu deveria estar interessado em um “L”? Estas são bastante estranhas para ele, este “A”, este “L”. No entanto, quando a criança chega à escola, nós a levamos para a sala de aula e ensinamos-lhe essas coisas. O resultado é que ele não sente contato com o que tem que fazer. E se ensinarmos isso antes de mudar os dentes e atribuir letras em furos de recorte, por exemplo, então estamos dando coisas que são fora da sua natureza e para com as quais não tem a mínima relação.
Mas o que ela tem é um senso artístico, uma faculdade para criar imagens imaginativas. É para isso que devemos apelar, devemos abordar isso. Devemos evitar uma abordagem direta às letras convencionais do alfabeto que são usadas na escrita e na impressão do homem civilizado. Em vez disso, devemos guiar as crianças, de uma maneira vívida e imaginativa, pelas várias etapas pelas quais o próprio homem passou na história da civilização.
No passado, havia a escrita de imagens; isto é, as pessoas pintavam algo na página que os lembrava do objeto. Não precisamos estudar a história da civilização, mas podemos mostrar à criança o significado e o espírito do que o homem queria expressar na escrita de imagens. Então você vai se sentir em casa em suas aulas.
Por exemplo: vamos usar a palavra “Mund” – “boca” em inglês. Peça que a criança desenhe uma boca, ou melhor, pinte-a. Deixe-o colocar toques vermelhos e diga-lhe para pronunciar a palavra; você pode dizer a ela: não pronuncie a palavra completa, mas comece apenas com M; e agora podemos formar o M do lábio superior (ver desenho). Se você seguir este processo você pode tirar o seu M da boca que nós pintamos pela primeira vez.
Diagrama 1
É assim que a escrita realmente se originou, só que hoje em dia é difícil reconhecer pelas próprias palavras que as letras já foram imagens, porque todas as palavras foram sujeitas a mudanças no curso da evolução da fala. Originalmente, cada som tinha sua própria imagem e cada imagem só poderia ter um significado.
Você não precisa voltar a esses caracteres originais, mas pode inventar suas próprias imagens. O professor deve ser inventivo, deve criar a partir do espírito da coisa. Pegue a palavra “peixe” (FISH em inglês). Deixe a criança desenhar ou pintar algum tipo de peixe. Deixe dizer o início da palavra: “F” (FFFFish) e você pode remover gradualmente o F da imagem (veja o desenho).
Diagrama 2
E assim, se você é inventivo, você pode encontrar, de fato, imagens para todas as consoantes. Eles podem ser feitos a partir de uma espécie de pintura-desenho ou desenho-pintura. Isso é mais difícil de gerenciar do que os métodos atuais. Porque, é claro, é essencial que depois que as crianças estiverem fazendo esta pintura por uma ou duas horas você tem que limpar tudo. Mas isso tem que ser assim, não há mais nada a fazer.
A partir disso, você pode ver como as letras podem ser desenvolvidas a partir de imagens e imagens diretamente da vida. É assim que você deve fazer isso. Em nenhum caso você deve ensinar a ler primeiro, mas a partir de sua pintura de desenho, você permite que as letras surjam delas, e então você pode passar para a leitura.
Se você olhar ao seu redor, encontrará muitos objetos que você pode usar para desenvolver as consoantes dessa maneira. Todas as consoantes podem ser desenvolvidas a partir das letras iniciais das palavras que descrevem esses objetos.
Não é tão fácil para as vogais. Mas talvez para as vogais o seguinte seja possível. Suponha que você diga à criança: “Olhe para o belo sol! Você realmente tem que admirá-lo; Levante-se assim para que possa olhar para cima e admirar o sol glorioso. “A criança pára, olha para cima e então expressa seu assombro assim: AAAhhh! Então você pinta esse gesto e você realmente tem o hebraico A, o som Ah, o som da maravilha. Agora você só precisa diminuí-lo e transformá-lo gradualmente na letra A (veja o desenho).
Diagrama 3
Então, se você traz para a criança algo da qualidade de uma alma interior e, acima de tudo, o que é expresso em Euritmia, deixando que ela tome essa ou aquela posição, então você pode desenvolver as vogais também da maneira que mencionei. Euritmia será de grande ajuda para você, porque os sons já estão formados nos gestos e movimentos do Euritmia. Pense, por exemplo, em um O. Alguém abraça algo com amor. A partir daqui pode-se obter o O (ver desenho). Você pode realmente obter as vogais do gesto, do movimento.
Diagrama 4
Portanto, você deve trabalhar a partir da observação e da imaginação, e as crianças aprenderão os sons e letras das próprias coisas. Deve começar a partir da imagem. A carta, como a conhecemos hoje em sua forma completa, tem uma história por trás dela. É algo que foi simplificado a partir de uma imagem, mas o tipo de sinais mágicos das letras impressas de hoje não nos diz como era a imagem.
Quando os europeus, estes “homens superiores”, foram para a América na época em que os “selvagens”, os índios, ainda estavam lá, mesmo em meados do século XIX, tais coisas aconteceram, eles mostraram esses escritos nativos impressos e os índios fugiram porque achavam que as cartas eram diabinhos. E eles disseram: Os rostos pálidos, como os índios chamavam os europeus, comunicam-se uns com os outros por meio de pequenos demônios, pequenos demônios.
Mas isso é exatamente o que as letras são para as crianças. Eles não significam nada para eles. A criança sente algo demoníaco nas letras, e com razão. Eles já se tornaram um meio de magia porque são meros sinais.
Você deve começar com a imagem. Isso não é um sinal mágico, mas algo real e você deve trabalhar com isso.
As pessoas vão se opor a crianças aprendendo a ler e escrever tarde demais. Isso só é dito porque hoje não se sabe o quanto é prejudicial quando as crianças aprendem a ler e a escrever cedo demais. É muito ruim poder escrever cedo. O ler e escrever como temos hoje em dia não são adequados para o ser humano até uma idade posterior, no décimo primeiro ou décimo segundo ano, e quanto mais alguém é abençoado com a incapacidade de ler e escrever bem antes desta idade, melhor é para os seus últimos anos de vida. Uma criança que não consegue escrever corretamente aos treze ou catorze anos (posso falar por experiência própria porque não poderia fazê-lo nessa idade) não é tão prejudicada para o desenvolvimento espiritual posterior quanto aquela que, aos sete ou oito anos, já pode ler e escrever perfeitamente. Estas são coisas que o professor deve notar.
Naturalmente, não se pode progredir como deveria fazê-lo hoje, porque as crianças precisam passar de sua escola independente para a vida pública. Mas muito pode ser feito, no entanto, quando se conhece essas coisas. É uma questão de conhecimento. E seu conhecimento deve mostrar-lhe, em primeiro lugar, que é completamente errado ensinar a leitura antes de escrever, já que, por escrito, especialmente se é desenvolvido a partir da pintura, desenho, todo o ser humano é ativo. Os dedos tomam parte, a posição do corpo, todo o homem está ocupado. Ao ler, somente a cabeça está ocupada e tudo o que ocupa apenas uma parte do organismo e deixa as partes restantes impassíveis deve ser ensinado o mais tarde possível. O mais importante é, primeiro, colocar todo o ser em movimento e, depois, nas partes individuais.
Naturalmente, se você quiser trabalhar dessa maneira, não pode esperar receber instruções para todos os pequenos detalhes, mas apenas uma indicação do caminho a seguir. Portanto, somente neste método de educação que surge da Antroposofia não se pode construir sobre outra coisa senão a liberdade absoluta, embora essa liberdade deva incluir a fantasia criativa livre do professor e do educador.
Na Escola Waldorf, fomos abençoados com o que poderia ser chamado de um sucesso muito questionável. Começamos com 130 a 140 alunos; mas esses estudantes vieram dos trabalhos industriais de Emil Molt, então naquela época eles eram, em certa medida, crianças “obrigadas”, embora também tivéssemos algumas crianças de famílias antroposóficas. [Em 1919, Emil Molt, diretor da fábrica de cigarros Waldorf Astoria em Stuttgart, fundou a primeira escola Rudolf Steiner. Os primeiros alunos eram todos filhos de operários de fábrica.] No curto tempo de sua existência, a Escola Waldorf cresceu tanto que agora temos mais de oitocentas crianças e entre quarenta e cinquenta professores. Este é um sucesso duvidoso porque gradualmente torna-se impossível manter uma visão clara do todo. A partir dos arranjos da Escola Waldorf que descreverei para você, você logo verá como é difícil estudar o todo; embora mais tarde eu indique certas maneiras de tornar isto possível. Nós tivemos que formar classes paralelas; no caso do quinto e do sexto há três classes paralelas: A, B e C. Essas turmas ainda são excessivas e têm mais crianças do que as outras turmas da escola.
Portanto, há um professor na classe A, outro na classe B. Imagine como isso funcionaria em um estabelecimento educacional “tradicional” de hoje. Você entra na Classe I A, onde você encontra um exercício educacional específico que é considerado o melhor. Agora entre na Classe I B. Também poderia ser chamado de ‘A’, a única diferença é que existem diferentes crianças sentadas lá, porque em ambas as classes exatamente o mesmo acontece, porque o “método correto” é usado. Claro, tudo isso é muito bem pensado: o que é intelectual tem apenas um significado e não pode ser de outra forma.
Conosco na Escola Waldorf, você não encontra uma coisa dessas. Você entra na primeira Classe A. Lá você vê um professor, homem ou mulher, que está ensinando a escrever. O professor deixa as crianças fazerem todos os tipos de formas, digamos com uma corda. Então eles continuam a pintar as formas e gradualmente as letras aparecem. Um segundo professor gosta de fazer isso de forma diferente. Se você entrar na Classe B, verá que esse professor está permitindo que as crianças “dancem” as formas ao redor da sala, para que possam experimentar as formas das letras em seus próprios corpos. Então ele transfere essas formas também para as próprias letras. Eu nunca encontraria a uniformidade de ensino nas classes A, B e C. As mesmas coisas são ensinadas, mas de maneiras completamente diferentes, uma vez que uma fantasia criativa livre domina a classe. Não há regras prescritas para o ensino na Escola Waldorf, mas apenas um espírito unificador que permeia o todo. É muito importante que você perceba isso. O professor é autônomo. Dentro deste espírito unificador único, ele pode fazer completamente o que ele acha que é correto. Você dirá: Sim, mas se todos puderem fazer o que quiserem, toda a escola cairá em uma condição caótica. Porque na classe V-A, pode haver uma gentileza que não ae sabe que tipo de mágica está acontecendo, e em V-B, você pode encontrá-los jogando xadrez. Mas isso é exatamente o que não acontece na Escola Waldorf, porque embora haja liberdade em toda parte, você encontrará em cada classe o espírito que está de acordo com a idade das crianças.
Se você ler o Curso do Seminário, verá que é permitido a maior liberdade, e mesmo assim o ensinamento de cada classe é a coisa certa para essa idade [Pouco antes da abertura da Escola Waldorf, em 1919, o Dr. Steiner deu três cursos simultâneos de palestras para professores]. O estranho é que nenhum professor se opôs a isso. Todos aceitam voluntariamente este princípio de espírito unificador no trabalho. Ninguém se opõe ou quer ter arranjos especiais para ele. Pelo contrário, os professores muitas vezes expressam o desejo de ter tantas discussões quanto possível em suas reuniões sobre o que deve ser feito nas diferentes classes.
Por que nenhum professor se opõe ao currículo? A escola funciona há vários anos. Por que você acha que todos os professores aprovam o currículo? Eles não acham nada irracional. Eles o encontram em sua própria liberdade a excelência porque está ligado ao verdadeiro conhecimento humano real.
E somente em coisas como a criação da matéria de ensino da fantasia você pode ver que a liberdade deve prevalecer na escola. Na verdade, o faz. Cada um de nossos professores tem a sensação de que não é apenas uma questão do que ele pensa e descobre de sua própria fantasia, mas quando eu sento com meus professores Waldorf em suas reuniões, ou quando vou às aulas, eu tenho cada vez mais a impressão de que uma vez que os professores estão em suas salas de aula, eles realmente esquecem que um plano de ensino foi desenvolvido anteriormente. No momento do ensino, cada professor imagina que ele mesmo está criando o plano de trabalho. Essa é a sensação que tenho quando vou às aulas.
Tal é o resultado quando o verdadeiro conhecimento humano está na base do trabalho. Eu tenho que contar esses detalhes, mesmo que você possa pensar que eles foram ditos por vaidade; na verdade, eles não se dizem por vaidade, mas para que você saiba como é e depois faça o mesmo; Isto irá mostrar-lhe como o que cresce de um verdadeiro conhecimento do homem pode realmente entrar na criança.
É na fantasia, então, na imaginação, que nosso ensino e educação devem ser construídos. Deve ficar bem claro que, antes do nono ou décimo ano de vida a criança não sabe se diferenciar como um ego de seu ambiente. Devido a um certo instinto, a criança está acostumada há muito tempo a falar de si mesmo como “Pessoa”, mas na realidade ele realmente se sente dentro de todo o mundo. Sente que todo o mundo está conectado a si mesmo. Mas as pessoas têm as idéias mais fantásticas sobre isso. Eles dizem das raças primitivas que o sentimento deles pelo mundo é “animismo”, isto é, eles tratam os objetos sem vida como se fossem “animados”, e que para entender uma criança você deve imaginar que ele faz o mesmo que esses povos primitivos. . Quando golpeia contra um objeto duro, o faz porque lhe confere uma qualidade de alma.
Mas isso não é verdade. Na realidade, a criança não “exalta” o objeto, mas ainda não distingue entre o vivo e o sem vida. Ela considera tudo como uma unidade e ele mesmo como uma unidade com seu ambiente. Até aos nove ou dez anos de idade, a criança não aprende realmente a distinguir-se do que a rodeia. Isso é algo que você deve ter em mente, no sentido mais estrito, se quiser dar ao seu ensino uma base adequada.
Por isso, é importante falar de tudo que rodeia a criança, as plantas, os animais e até as pedras, de tal maneira que todas essas coisas se comuniquem umas com as outras, que atuem entre si como seres humanos, que coversem entre si, que se amem e se odeiem. Você deve aprender a usar o antropomorfismo da maneira mais inventiva e falar sobre todas as plantas e animais como se fossem humanos. Ele não deve “exaltá-los” de uma espécie de teoria, mas simplesmente tratá-los da maneira que uma criança pode compreender quando ainda não é capaz de distinguir entre os sem vida e os vivos. Até agora, a criança não tem razão para pensar que a pedra não tem alma, enquanto o cão tem alma. A primeira diferença que você nota é que o cão se move. Mas ele não atribui o movimento ao fato de que ele tem uma alma. Pode-se tratar todas as coisas que eles sentem e vivem como se fossem pessoas, pensando, sentindo e falando uns com os outros, como se fossem pessoas com simpatia e antipatia um pelo outro. Portanto, tudo o que se traz para uma criança nesta idade deve ser dado na forma de contos de fadas, lendas e histórias em que tudo é dotado de sentimento. A criança recebe a melhor base para a vida de sua alma quando, dessa maneira, alimentamos suas qualidades instintivas de fantasia. Isso deve ser levado em conta.
Se você encher a criança com todos os tipos de ensinamentos intelectuais durante esta idade (e este será o caso se não transformarmos em imagens tudo o que ensinamos a ele), então ele terá que sofrer os efeitos em seus vasos sanguíneos e sua circulação. Devemos considerar a criança em corpo, alma e espírito como uma unidade absoluta. Isso deve ser dito de novo e de novo.
Para esta tarefa, o professor deve ter um sentimento artístico em sua alma, deve ser de uma disposição artística. Porque o que funciona de professor para a criança não é apenas o que se pensa ou o que se pode transmitir em ideias, mas, se posso expressá-lo dessa maneira, é a qualidade imponderável da vida. Uma grande quantidade de conteúdo passa de professor para a criança inconscientemente. O professor deve estar ciente disso, especialmente quando ele está contando contos de fadas, histórias ou lendas cheias de sentimentos. Muitas vezes acontece em nossos tempos materialistas de percebermos como o professor considera que o que ele está dizendo é infantil. Ele está dizendo algo que ele mesmo não acredita. E aqui a antroposofia encontra seu lugar de direito se quiser ser o guia e líder do verdadeiro conhecimento do homem. Através da Antroposofia, percebemos que podemos expressar uma coisa infinitamente mais completa e mais rica se a vestimos em imagens do que se a colocamos em ideias abstratas. Uma criança naturalmente saudável sente a necessidade de expressar tudo em imagens e receber tudo sob a forma de uma imagem.
Lembre-se de como Goethe aprendeu a tocar piano quando criança. Eles mostraram como ele tinha que usar o primeiro dedo, o segundo dedo e assim por diante; mas ele não gostou desse método, e esse professor seco e pedante o repugnava. Porque o pai de Goethe era um velho filisteu, um dos antigos pedantes de Frankfurt, que naturalmente também se interessava pelos professores filisteus, porque são os bons, como todos sabem. Esse tipo de ensino era repugnante para o pequeno Goethe, era abstrato demais. Então ele inventou para si mesmo o “Deuterling” (“o rapaz que aponta”), não “o dedo indicador”, que é muito abstrato, mas “Deuterling”. [Nota do tradutor: compare os nomes dos países antigos com os dedos referenciados por Walter de la Mare em Come Hither pag. 515, por exemplo, Tom Thumbkin, Bess Bumpkin, Long Linkin, Bill Wilkin e Little Dick.]
A criança quer uma imagem e também quer se ver como uma imagem. É precisamente nessas coisas que vemos como o professor precisa usar sua fantasia, ser artístico e depois conhecer a criança com uma qualidade anímica verdadeiramente “viva”. E essa qualidade de vida funciona na criança de maneira imponderável: imponderável no melhor sentido.
Através da antroposofia, nós mesmos aprendemos mais uma vez a acreditar em lendas, contos de fadas e mitos, pois expressam uma verdade maior em imagens imaginativas. E então ao lidar com esses contos de fadas, lendas e histórias míticas serão preenchidos mais uma vez com uma qualidade anímica (que provém da alma). Então, quando falamos com a criança, nossas próprias palavras, impregnadas pela nossa própria crença nas histórias, fluirão para ela e levarão a verdade consigo; a verdade fluirá de um professor para outro, enquanto muitas vezes é a falsidade que flui entre eles. A falsidade domina quando o professor diz: a criança é estúpida, eu sou inteligente, a criança acredita em contos de fadas, então tenho que contar a ele. É a coisa certa para ele escutá-los. Quando um professor fala assim, um elemento intelectual entra imediatamente no relacionamento das histórias.
Mas a criança, especialmente na idade entre a mudança de dentes e a puberdade, tem uma sensação muito sensível de saber se o professor é governado por sua fantasia ou pelo seu intelecto. O intelecto tem um efeito destrutivo e paralisante na criança, mas a fantasia lhe dá vida e impulso.
É vital que façamos nossos próprios pensamentos fundamentais. Falaremos deles em maior detalhe nos próximos dias, mas há mais uma coisa que gostaria de concluir.
Algo de importância especial acontece com a criança entre os seus nono e décimo anos de vida. Falando de uma maneira abstrata, podemos dizer que ele então aprende a se diferenciar de seu ambiente; ele se sente como um “eu” e o ambiente como algo externo que não pertence a esse “eu” dele. Mas esta é uma maneira abstrata de expressá-lo. A realidade é esta, falando, é claro, em um sentido geral: a criança desta idade se aproxima de seu amado professor, seja homem ou mulher, com algum problema ou dificuldade. Na maioria dos casos, ela não fala sobre o que está pesando em sua alma, mas dirá algo diferente. No entanto, é preciso saber que isso realmente vem das recônditos mais profundas de sua alma, e o professor deve então encontrar a abordagem correta, a resposta correta. Algo muito importante enorme depende disso para toda a vida futura da criança afetada. Porque você não pode trabalhar com crianças desta idade, como seu professor, a menos que você seja a autoridade inquestionável, a menos que, a criança tenha a sensação: isso é verdade porque você considera verdadeiro, isso é lindo porque você acha que é lindo e, portanto, você indica isso para ele, e isso é bom porque você acha que é bom. Deve ser para a criança o representante do bom, do verdadeiro e do belo. Ele deve ser atraído pela verdade, pela bondade e pela beleza simplesmente porque ele mesmo é atraído por você. É lindo porque você o acha bonito e, portanto, você sinaliza para ele, e isso é bom porque você acredita que é bom.
E então, entre o nono e o décimo ano de vida, esse sentimento surge instintivamente em seu subconsciente: eu recebo tudo do meu professor, mas onde ele conseguiu? O que há por trás disso? O professor não precisa expandir isso porque, se definições e explicações forem incluídas, isso só poderá causar danos. O importante é encontrar uma palavra amorosa, uma palavra cheia de calor, ou melhor, muitas palavras, já que essas dificuldades podem durar semanas e meses, para que possamos evitar esse perigo e preservar o sentimento de autoridade na criança. Porque agora chegou a uma crise no que diz respeito ao princípio da autoridade. Se você se manter igual e íntegro à situação e puder preservar sua autoridade com o calor dos sentimentos com os quais enfrenta essas dificuldades específicas, e conhecendo a criança com calor interior, sinceridade e verdade interiores, muito será ganho. A criança manterá sua confiança na autoridade do professor, e isso é uma coisa boa para sua educação posterior, mas também é essencial que, exatamente nesta idade da vida, entre nove e dez anos, a crença da criança em uma pessoa boa não deva hesitar. Se isso acontecer, a segurança interna que deveria ser o seu guia durante a vida também vai hesitar e vacilar.
Isto é de grande importância e deve ser constantemente levado em conta. Nos manuais de educação, encontramos todos os tipos de detalhes intrincados estabelecidos para a orientação dos professores, mas é muito mais importante saber o que acontece em um determinado momento da vida da criança e como devemos agir em relação a ela, de modo que através da nossa ação, podemos irradiar luz por toda a sua vida.
Rudolf Steiner- GA 311 – Torquay, 13 de agosto de 1924
Traduzido por Leonardo Maia
GA 311 – Torquay, 12 de agosto de 1924, Leitura:
O REINO DA INFÂNCIA – Conferência I
Meus queridos amigos,
Me dá a maior satisfação descobrir que aqui, na Inglaterra, está pronto para considerar o estabelecimento de uma escola sobre linhas antroposóficas. [“The New School”, Streatham Hill, Londres, SW16, foi inaugurada em janeiro de 1925. Em 1935, o nome foi mudado para “Michael Hall”. Em 1945, a escola mudou-se para o Parque Kidbrooke, Forest Row, Sussex.] Isso pode realmente significar um evento transcendental e incisivo na história da Educação. Ao pronunciar palavras como estas, pode-se acusar a falta de humildade, mas realmente há algo muito especial por trás de tudo o que está prestes a acontecer para a Arte da Educação baseada na antroposofia. E estou muito feliz que tenha surgido um impulso para formar o primeiro começo de um Colégio de Professores, professores que, do fundo do coração, reconhecem a qualidade muito especial do que chamamos de Educação Antroposófica. Não é uma idéia fanática de reforma que nos leva a falar de uma renovação na vida educacional, mas somos encorajados a fazê-lo a partir de todos os nossos sentimentos e experiências de como a humanidade está evoluindo na civilização e na vida cultural.
Ao falar assim, estamos plenamente conscientes da imensa contribuição que tem sido feita para a educação por pessoas ilustres no decorrer do século XIX, e especialmente nas últimas décadas. Mas, apesar de tudo isso ter sido realizado com as melhores intenções e que se tenham provado todos os métodos possíveis, somos forçados a afirmar que houve uma falta de conhecimento real do ser humano. Essas idéias sobre educação surgiram numa época em que o conhecimento real do homem não era possível devido ao materialismo que prevalecia em todos os departamentos da vida e que, de fato, o fez desde o século XV. Quando, portanto, as pessoas apresentavam suas idéias sobre a reforma educacional, elas estavam construindo sobre a areia ou em algo ainda menos estável; As regras da educação foram estabelecidas com base em todos o tipos de emoções e opiniões sobre o que a vida deveria ser. Era impossível conhecer o homem em sua integridade e fazer a pergunta: Como podemos levar à revelação em um homem as mentiras, dadas por Deus, dentro de sua natureza depois que ele desceu da vida pré-mortal para a vida terrena? Esse é o tipo de questão que pode ser colocada de maneira abstrata, mas que só pode ser respondida concretamente com base em um verdadeiro conhecimento do homem no corpo, alma e espírito.
É assim que a questão representa a humanidade atual. O conhecimento do corpo é altamente desenvolvido. Através da Biologia, Fisiologia e Anatomia adquirimos um conhecimento muito avançado do corpo humano; mas assim que desejamos adquirir um conhecimento da alma, nós, com nossas visões atuais, enfrentamos um completo impasse, já que tudo relacionado à alma é simplesmente um nome, uma palavra. Mesmo com relação a coisas como pensar, sentir e querer, não encontramos a realidade na psicologia comum hoje em dia. Ainda usamos as palavras pensar, sentir e querer, mas não há concepção do que acontece na alma em referência a essas coisas. O que os chamados psicólogos têm a dizer sobre pensar, sentir e querer é, na verdade, um mero diletantismo (percepção desapurada). É como se um fisiologista falasse de maneira geral sobre os pulmões humanos ou o fígado, sem fazer qualquer distinção entre o fígado de uma criança e o de uma pessoa idosa. Na ciência do corpo, estamos muito avançados. Nenhum fisiologista deixaria de notar a diferença entre os pulmões de uma criança e os pulmões de um homem velho, ou mesmo entre o cabelo de uma criança e o cabelo de um homem velho. Ele notará todas essas diferenças. Mas pensar, sentir e querer são meras palavras proferidas sem transmitir qualquer senso de realidade. Por exemplo, não se sabe que o querer, como aparece na alma, é jovem, enquanto o pensamento é antigo; que, de fato, pensar é querer envelhecer, e o querer é um pensamento juvenil na alma. Assim, tudo o que pertence à alma contém juventude e velhice, existindo no homem simultaneamente.
Naturalmente, mesmo na alma de uma criança pequena, temos o pensamento antigo e o desejo dos jovens juntos ao mesmo tempo. Lá eles são contemporâneos e, de fato, essas coisas são realidades. Mas hoje ninguém sabe falar sobre essas realidades da alma da mesma forma que pode falar sobre as realidades do corpo, de modo que, como professores de crianças, estamos completamente desamparados. Suponha que você fosse um médico e, no entanto, não pudesse distinguir entre uma criança e um velho! Claro, você se sentiria impotente. Mas como não há ciência da alma, o professor não pode falar sobre a alma humana como o médico moderno do corpo humano. E quanto ao espírito, não existe tal coisa! Você não pode falar sobre isso, não há mais palavras para isso. Há apenas uma palavra “espírito”, e isso não diz muito.
Em nossa vida atual, não podemos nos aventurar a falar de um conhecimento do homem. Aqui pode-se facilmente sentir que tudo não está certo com a nossa educação; certas coisas devem ser melhoradas. Sim, mas como podemos melhorar as coisas se não sabemos nada sobre o homem? Portanto, todas as idéias para a melhoria da educação podem ser inspiradas pela melhor vontade do mundo, mas elas não têm conhecimento do homem.
Isso pode até ser notado em nossos próprios círculos. Porque é a Antroposofia que neste momento pode ajudar os homens a adquirir esse conhecimento do homem. Eu não digo isso de um ponto de vista sectário ou fanático, mas é para aqueles que buscam o conhecimento do homem o encontre na Antroposofia. É óbvio que o conhecimento do ser humano deve ser a base do trabalho de um professor; Sendo assim, ele deve adquirir este conhecimento para si mesmo, e o natural será que ele adquira através da antroposofia. Se, portanto, nos perguntarem qual deve ser a base de um novo método de educação, nossa resposta é: a antroposofia deve ser essa base. Mas quantas pessoas existem, mesmo em nossos próprios círculos, que tentam negar o máximo possível a antroposofia e propagar uma educação sem deixar claro que a antroposofia está por trás dela.
Há um velho provérbio alemão que diz: me lave, por favor, mas não me molhe! Muitos projetos são realizados com este espírito, mas acima de tudo devemos falar e pensar com sinceridade. Então, se alguém lhe perguntar como se tornar um bom professor, você deves dizer: faça da antroposofia sua base. Você não deve negar a Antroposofia, porque só assim você pode adquirir seu conhecimento do Homem.
Não temos conhecimento do homem em nossa vida cultural atual. Temos teorias, mas nenhuma percepção da vida, seja no mundo, na vida ou nos homens. Uma verdadeira percepção levará a uma verdadeira prática na vida, mas hoje não temos essa vida prática. Você sabe quem são as pessoas menos práticas neste momento? Não são os cientistas, porque apesar de serem desajeitados e ignorantes com relação a vida, essas falhas podem ser claramente vistas neles. Mas naqueles que são os piores teóricos e que são os menos práticos na vida, essas coisas não são observadas. Estas são as chamadas pessoas práticas, os homens e banqueiros comerciais e industriais, os homens que governam os assuntos práticos da vida com pensamentos teóricos. Um banco hoje é completamente composto de pensamentos que surgem de teorias. Não há nada prático em lá; mas as pessoas não percebem isso, porque dizem: deve ser assim, é assim que as pessoas práticas trabalham. Então eles se adaptam a isso, e ninguém percebe o dano que realmente está sendo feito na vida porque tudo foi trabalhado de uma maneira pouco praticável. A “vida prática” de hoje é absolutamente impraticável em todas as suas formas.
Isso só será percebido quando uma quantidade crescente de elementos destrutivos entrarem em nossa civilização e a desintegrarem. Se isso continuar, a Guerra Mundial não terá sido mais que um primeiro passo, uma introdução. Na verdade, a Guerra Mundial surgiu a partir deste pensamento impraticável, mas isso foi apenas uma introdução. O ponto agora em jogo é que as pessoas não devem mais permanecer adormecidas, mais particularmente no domínio do ensino e da educação. Nossa tarefa é introduzir uma educação que cuide de todo o homem, corpo, alma e espírito; e estes três princípios devem ser conhecidos e reconhecidos.
Agora, em um curso tão breve como o que será dado aqui, só podemos falar sobre os aspectos mais importantes do corpo, da alma e do espírito, de tal modo que eles dêem uma direção à educação e ao ensino. Isso é o que vamos fazer. Mas o primeiro requisito, como será visto desde o início, é que meus ouvintes realmente se esforcem para direcionar sua observação, mesmo externamente, para o homem todo.
Como os princípios básicos da educação são compostos hoje em dia? A criança é observada e então nos é dito que a criança é assim ou assado, e ele deve aprender alguma coisa. Então, pensa-se qual é a melhor maneira de ensinar para que a criança possa aprender isso ou aquilo rapidamente. Mas o que é uma criança, na verdade? Uma criança ainda é criança por até doze anos, ou possivelmente mais, mas esse não é o ponto. O ponto é que você deve sempre pensar que você se tornará um ser humano mais velho algum dia. A vida como um todo é uma unidade, e devemos não apenas considerar a criança, mas toda a vida; devemos olhar para todo o ser humano.
Suponha que eu tenha uma criança pálida na escola. Uma criança pálida deveria ser um enigma para mim, um enigma a ser resolvido. Pode haver várias razões para a sua palidez, mas o seguinte é uma possibilidade. O menino pode ter vindo para a escola com um pouco de cor nas bochechas, e ficou pálido sob o meu trato com ele. Devo admitir isso e ser capaz de julgar por que ele ficou pálido; Talvez eu possa ver que tenho dado muito a essa criança para aprender na memória. Você pode ter trabalhado demasiado na sua memória. Se eu não admitir essa possibilidade, se eu for um professor míope, tendo a idéia de que um método deve ser realizado independentemente de a criança ficar corada ou pálida, então o método deve ser perseverante, então a criança permanecerá pálida.
No entanto, se você pudesse observar essa mesma criança com a idade de cinquenta anos, você provavelmente deve encontrá-lo sofrendo de terrível esclerose ou endurecimento arterial, cuja causa será desconhecida. Este é o resultado de ter sobrecarregado a memória da criança quando tinha oito ou nove anos de idade. Como você pode ver, o homem de cinquenta anos e o menino de oito ou nove anos vão juntos, eles são um e o mesmo ser humano. Devemos saber qual será o resultado, quarenta ou cinquenta anos depois, de nossa administração da criança; porque a vida é uma unidade, tudo está conectado. Não é suficiente simplesmente conhecer a criança, devemos conhecer o ser humano.
Mais uma vez, eu me esforço muito em dar à turma as melhores definições possíveis, para que os conceitos sejam apreendidos com firmeza e a criança saiba: isso é um leão, é um gato e assim por diante. Mas a criança deve reter esses conceitos até o dia de sua morte? Na nossa época atual, não há sentimento por causa do fato de que a alma também deve crescer! Se eu fornecer a uma criança um conceito que deve permanecer “correto” (e “correção” é, naturalmente, a única coisa que importa!), um conceito que deve ser mantido ao longo de sua vida, é como se ele tivesse comprado um par de sapatos quando tinha três anos de idade e todo ano ele mantinha os sapatos do mesmo tamanho. A criança vai crescer com eles. No entanto, isso é algo que as pessoas percebem e seria considerado brutal tentar manter os pés pequenos o suficiente para continuar usando sapatos do mesmo tamanho. No entanto, isso é o que estamos fazendo com a alma. Fornecemos à criança ideias que não crescem com ela. Lhes damos conceitos que devem ser permanentes; Estamos preocupados com conceitos fixos que devem permanecer inalterados, enquanto devemos dar conceitos capazes de expansão. Estamos constantemente apertando a alma nas idéias que damos à criança.
Estas são algumas das maneiras pelas quais podemos começar a responder ao desafio de que na educação devemos levar em conta o ser humano como um todo, o ser humano em crescimento e vivo, e não apenas uma idéia abstrata do homem.
Somente quando temos a correta concepção da vida do homem como um todo conectado, percebemos quão diferentes são as distintas idades. A criança é um ser muito diferente antes que ele solte seus primeiros dentes (dentes de leite) do que ela se torna depois. É claro que você não deve interpretar isso em julgamentos grosseiramente formados, mas se formos capazes de fazer distinções mais refinadas na vida, podemos observar que a criança é bem diferente antes e depois da mudança dos dentes.
Antes da mudança dos dentes, ainda podemos ver claramente os efeitos dos hábitos de vida da criança antes do nascimento ou da concepção, em sua existência pré-terrena no mundo espiritual. O corpo da criança age quase como se fosse um espírito, porque o espírito que desceu do mundo espiritual ainda está totalmente ativo em uma criança nos primeiros sete anos de sua vida. Você dirá: um bom tipo de espírito! Tornou-se bastante turbulento; para a criança ele é desenfreado, desajeitado e incompetente. Tudo isso é atribuído ao espírito que pertence à sua vida pré-mortal? Bem, meus queridos amigos, suponha que todas as pessoas inteligentes e instruídas fossem repentinamente condenadas a ficar sempre em uma sala com uma temperatura de 45 graus Celsius. Você não poderia fazer isso! É ainda mais difícil para o espírito da criança, que desceu dos mundos espirituais, acostumar-se às condições terrenas. O espírito, subitamente transportado para um mundo completamente diferente, com a nova experiência de ter um corpo para carregar, é quem atua quando vemos a criança agindo. No entanto, se você souber observar e observar como cada dia, cada semana, cada mês, as características indefinidas do rosto se tornam mais definidas, os movimentos desconfortáveis tornam-se menos desajeitados e a criança gradualmente se acostuma com o ambiente, então você vai perceber que é o espírito do mundo pré-mortal que se esforça para tornar o corpo da criança mais parecido como ele mesmo, de forma gradual. Entendemos por que a criança é do jeito que é, se observarmos dessa maneira, e também entenderemos que é o espírito descendente que atua como a vemos dentro do corpo da criança, que deve acostumar-se às condições terrenas.
Portanto, para alguém que se inicia nos mistérios do espírito, não há nada que possa preenchê-lo de tanta maravilha e deleite quanto observar uma criança pequena. Ao fazer isso, não se aprende da terra, mas do céu; e isso não só nos chamados “bons filhos”. No seu caso, via de regra, os corpos já se tornaram pesados, mesmo na infância. O espírito não pode apropriadamente assumir o corpo; tais crianças são silenciosas; eles não gritam e correm, ficam parados e não fazem barulho. O espírito não está ativo dentro deles, porque seus corpos oferecem tal resistência. Muitas vezes acontece que os corpos das chamadas crianças boas oferecem resistência ao espírito.
Nas crianças menos educadas que fazem muito barulho saudável, que gritam corretamente e nos dão muitos problemas, o espírito está ativo, embora, é claro, de maneira desajeitada, desde que foi transportado do céu para a terra; mas o espírito está ativo dentro deles. Ele está fazendo uso do corpo. Podemos até considerar os gritos selvagens de uma criança como os mais fascinantes, simplesmente porque experimentamos o martírio que o espírito deve suportar quando desce ao corpo de uma criança.
Sim, meus queridos amigos, é fácil ser um adulto, fácil para o espírito, quero dizer, porque o corpo já foi preparado, não oferece a mesma resistência. É bastante fácil ser uma pessoa adulta, mas extremamente difícil de ser criança. A criança não está ciente disso porque sua consciência ainda não está acordada.
Ela ainda está dormindo, mas se a criança tivesse a consciência que tinha antes de descer para a Terra, logo perceberia essa dificuldade: se a criança ainda vivesse nessa consciência pré-mortal, sua vida seria uma tragédia terrível, uma tragédia realmente terrível. Para você ver, a criança desce à terra; antes disso, ele se acostumou a uma substância espiritual da qual ela tirou sua vida espiritual. Ela estava acostumado a lidar com essa substância espiritual. Ele havia preparado de acordo com seu Karma, de acordo com o resultado de vidas anteriores. Ele estava completamente contido dentro de sua própria vestimenta espiritual, por assim dizer. Agora ele tem que descer para a terra. Eu gostaria de falar sobre essas coisas com simplicidade, e devem me desculpar se eu falar sobre elas como faria se estivesse descrevendo as coisas comuns da Terra. Você pode falar sobre elas assim, porque é assim que é. Agora, quando um ser humano deve descer, ele deve escolher um corpo na terra.
E, de fato, esse corpo foi preparado por gerações. Alguns pais e mães tiveram um filho ou uma filha, e estes filhos novamente um filho ou uma filha, e assim por diante. Assim, através da herança, é produzido o corpo que agora se deve ocupar. Ele deve atraí-lo e viver nele; mas ao fazê-lo, ele repentinamente enfrenta condições bastante diferentes. Ele se veste com um corpo que foi preparado por várias gerações.
Naturalmente, mesmo a partir do mundo espiritual, o ser humano pode trabalhar no corpo de modo que não seja totalmente inapropriado, no entanto, como regra geral, o corpo recebido não é tão apropriado depois de tudo. Na maior parte das vezes, não se encaixa facilmente em tal corpo. Se uma luva se ajusta tanto à sua mão tão mal quanto o corpo geralmente se encaixa na alma, você a descartaria imediatamente. Você nunca pensaria em colocá-la. Mas quando você desce do mundo espiritual e precisa de um corpo, você só precisa pegar um; e esse corpo o retém até a troca dos dentes. Porque é fato que a cada sete ou oito anos nossa substância física externa muda completamente, pelo menos no essencial, embora não em todos os aspectos. Nossos primeiros dentes, por exemplo, são alterados, o segundo conjunto permanece. Este não é o caso com todos os membros do organismo humano; Algumas partes, ainda mais importantes que os dentes, passam por mudanças a cada sete anos, sempre e desde que o homem esteja na Terra. Se os dentes se comportarem da mesma maneira, teríamos dentes novos aos sete, catorze e novamente aos vinte e um anos, e assim por diante, e não haveria dentistas no mundo.
Assim, certos órgãos duros permanecem, mas os mais macios são constantemente renovados. Nos primeiros sete anos da nossa vida, temos um corpo que nos é dado pela natureza exterior, pelos nossos pais e pelos seus ancestrais; É um modelo. A alma ocupa a mesma relacão com este corpo que um artista com um modelo que deve ser copiado. Temos vindo formando gradualmente o segundo corpo desde o primeiro corpo até mudança de dentes. Leva sete anos para concluir o processo. Este segundo corpo que nós modelamos de acordo com o modelo que nossos pais nos deram aparece apenas no final dos primeiros sete anos de vida, e tudo o que a ciência externa diz hoje sobre a herança e os outros é mero esboço comparado à realidade. Na realidade, recebemos ao nascer um corpo modelo que permanece conosco durante sete anos, embora nos primeiros anos de vida ele comece a desaparecer e desaparecer. O processo continua, até que na mudança dos dentes temos o nosso segundo corpo.
Agora há indivíduos fracos que são fracos quando descem à terra; estes formam o segundo corpo no qual eles vivem depois da mudança de dentes, como um modelo exato do primeiro. As pessoas dizem que levam seus pais por herança (hereditariedade), mas isso não é verdade. Eles criam seu próprio segundo corpo de acordo com o modelo herdado. É somente durante os primeiros sete anos de nossa vida que nosso corpo é realmente herdado, mas naturalmente somos todos indivíduos fracos e copiamos muito. No entanto, existem também fortes individualidades que descem à terra e também herdam bons negócios nos primeiros sete anos. Isso pode ser visto nos dentes. Seus primeiros dentes ainda são macios e sujeitos à herança, mas quando as crianças têm dentes bons e fortes que conseguem mastigar as coisas facilmente, elas são indivíduos fortes, que se desenvolvem da maneira certa. Há crianças que, aos dez anos, são como filhos de quatro, meros imitadores. Outros são bem diferentes, uma forte individualidade se move dentro deles. O modelo é usado, mas eles formam um corpo individual para eles.
Essas coisas devem ser notadas. Qualquer conversa sobre hereditariedade não te levará longe, a menos que você perceba como estão as coisas. Herança, no sentido em que a ciência fala disso, só se aplica aos primeiros sete anos do homem. Depois dessa idade, qualquer coisa que ele herda, herda de sua própria vontade, poderíamos dizer; Ele imita o modelo, mas na realidade a parte herdada é descartada com o primeiro corpo ao mudar os dentes.
A natureza da alma que desceu do mundo espiritual é muito forte em nós, e é desajeitada no princípio porque ela precisa se acostumar com a natureza externa. No entanto, na realidade, tudo o que é relacionado a uma criança, mesmo o pior, é muito fascinante. É claro que devemos seguir as convenções até certo ponto e não permitir que todas as travessuras passem sem comprovação; mas podemos ver melhor nas crianças do que em qualquer outro lugar como o espírito do homem é atormentado pelos demônios da degeneração que existem no mundo. A criança tem que entrar em um mundo onde muitas vezes não se encaixa. Se fôssemos cientes desse processo, deveríamos ver o quão terrivelmente trágico é. Quando alguém conhece algo de Iniciação, e é capaz de ver conscientemente o que apodera desse corpo na criança, é realmente terrível ver como ele deve encontrar o caminho para todas as complicações dos ossos e ligamentos que ele tem que formar. É realmente uma visão trágica. A criança não sabe nada disso, e isso é uma coisa boa, já que o Guardião do Limiar o protege de tal conhecimento.
Mas o professor deveria saber. Ele deve olhar com a mais profunda reverência, sabendo que aqui um ser cuja natureza é divina e o espírito desceu à terra. O essencial é que devemos saber disso, que devemos encher nossos corações com esse conhecimento e, a partir desse ponto inicial, empreender nosso trabalho como educadores.
Existem grandes diferenças entre o modo pelo qual o homem se encontra na vida da alma espiritual antes de descer para a terra e àquele que tem ao chegar à vida física. O professor deve ser capaz de julgar isso porque tem diante de si a criança em quem são encontrados os efeitos secundários do mundo espiritual. Agora há uma coisa que a criança tem dificuldade em adquirir, porque a alma não tinha nada disso na vida espiritual.
Na terra, o homem é muito pouco capaz de direcionar sua atenção para a parte interna de seu corpo; isso só o fazem cientistas naturais e médicos. Eles sabem exatamente o que acontece dentro do homem dentro dos limites de sua pele, mas ele descobrirá que a maioria das pessoas nem sabe exatamente onde está seu coração. Em geral, apontam para o lugar errado, e se, no curso de sua vida social de hoje, um homem fosse obrigado a explicar a diferença entre os lóbulos dos pulmões direito e esquerdo, ou para descrever o duodeno, respostas muito curiosas seriam dadas. Agora, antes de descer para a vida terrena, um homem pouco se importa com o mundo externo, mas está muito interessado no que ele pode chamar de seu ser espiritual interior. Na vida entre a morte e um novo nascimento, os interesses do homem concentram-se quase inteiramente em sua vida espiritual interna. Ele constrói seu karma de acordo com as experiências de vidas terrenas anteriores e isso se desenvolve de acordo com sua vida interior do espírito. Esse interesse que ele assume está muito longe de qualquer qualidade terrena, muito distante daquele anseio por conhecimento que, em sua forma unilateral, pode ser chamado de inquisição. Um anseio por conhecimento, curiosidade, um desejo apaixonado pelo conhecimento da vida externa não era nosso antes de nosso nascimento ou descida à terra; Nós não sabíamos nada em absoluto. É por isso que a criança pequena a tem apenas em um grau tão pequeno.
O que se experimenta, por outro lado, é viver em seu ambiente e consigo mesmo. Antes de descer para a terra, vivemos por completo no mundo exterior. O mundo inteiro é então nosso ser interior e não há distinções como o mundo exterior e interior. Portanto, não estamos curiosos sobre o que é externo, porque isso é tudo dentro de nós. Não temos curiosidade sobre isso, carregamos dentro de nós e é algo óbvio e natural que experimentamos.
Então, nos primeiros sete anos de vida, uma criança aprende a andar, a falar e a pensar, da mesma forma de vida que tinha antes de descer à terra. Se você colocar ênfase em despertar a curiosidade de uma criança sobre uma determinada palavra, descobrirá que é por isso que descarta completamente o desejo de aprender essa mesma palavra.
Se você conta com um desejo de conhecimento ou curiosidade, você expulsa a criança do que ela deveria ter. Não deve levar em conta a curiosidade de uma criança, mas sim sobre outra coisa, a saber, que a criança se funde com você como se fosse e isso realmente vive na criança. Tudo o que a criança desfruta deve viver e ser como se fosse sua própria natureza interna. Deve causar a mesma impressão na criança que seu próprio braço. Você deve, por assim dizer, ser apenas a continuação de seu próprio corpo.
Então, mais tarde, quando a criança passar pela mudança dos dentes e gradualmente entrar no período entre o sétimo e o décimo quarto anos, você deve observar como, pouco a pouco, a curiosidade e o anseio pelo conhecimento começam a se manifestar; deve-se ser prudente e cuidadoso e prestar atenção ao modo como a curiosidade é gradualmente despertada dentro dele.
A criança não é nada mais que uma pequena criatura desajeitada, que não faz perguntas, e só se pode impressioná-lo sendo ele mesmo. Ele questiona seu ambiente tão poico como um saco de farinha. Assim como um saco de farinha reterá as impressões que se faz nele (especialmente se for bem moído), o garotinho também reterá todas as suas impressões, não porque ele seja curioso, mas porque você mesmo é realmente um com ele. E faz impressões nele como você faria com seus dedos em um saco de farinha.
É somente na mudança de dentes que a situação é alterada. Agora você deve perceber o modo como a criança começa a fazer perguntas. “O que é isso? O que as estrelas veem? Por que as estrelas estão no céu? Por que você tem um nariz torto, vovó? “A criança agora faz todas essas perguntas; Ela começa a ficar curiosa sobre as coisas que o cercam. Você deve ter uma percepção delicada e notar os princípios graduais da curiosidade e atenção que aparecem com os segundos dentes (dentes definitivos). Estes são os anos em que essas qualidades aparecem e você deve estar preparado para enfrentá-las. Você deve permitir que a natureza interna da criança decida o que fazer com ela; Quero dizer, você deve ter o maior interesse no que está despertando com a mudança de dentes.
Muito está acordando então. A criança é curiosa, mas não com uma curiosidade intelectual, porque ainda não tem poderes de raciocínio; e qualquer um que apele ao intelecto de uma criança de sete anos de idade está completamente errado; mas tem fantasia e é com isso que devemos lidar. Na realidade, trata-se de desenvolver o conceito de uma espécie de “leite da alma”. Como podem ver, após o parto, a criança deve receber leite corporal. Isto constitui a seu alimento e qualquer outra substância necessária está contida no leite que a criança consome. E quando se chega na escola à idade da mudança dos dentes, é novamente o leite que você deve dar, mas agora, um leite para a alma. Ou seja, seu ensino não deve ser composto de unidades isoladas, mas tudo o que a criança recebe deve ser uma unidade; Quando você passou pela mudança dos dentes, você deve ter o “leite de alma”. Se você é ensinado a ler e escrever como duas coisas separadas, é como se o seu leite estivesse quimicamente separado em duas partes diferentes, e você desse uma parte uma vez e a outra parte noutra. Ler e escrever deve formar uma unidade. Você deve trazer essa idéia de “leite de alma” para o seu trabalho com as crianças quando elas chegarem à escola.
Isso só pode acontecer se, após a troca dos dentes, a educação das crianças for direcionada artisticamente. O elemento artístico deve estar em tudo. Amanhã vou descrever com mais detalhes como desenvolver a escrita a partir da pintura e dar-lhe uma forma artística, e como você deve levar isso artisticamente ao ensino da leitura, e como esse tratamento artístico da leitura e da escrita devem estar conectados, novamente por meios artísticos, com os primeiros inícios da aritmética. Tudo isso deve formar uma unidade. Tais coisas devem ser desenvolvidas gradualmente como “leite de alma” que precisamos para a criança quando ele vem para a escola.
E quando atingir a idade da puberdade, exigirá “leite espiritual”. Isso é extremamente difícil de dar à humanidade atual, já que não temos espírito em nossa era materialista. Será uma tarefa difícil criar “leite espiritual”, mas se não pudermos criá-lo, teremos que deixar nossas crianças sozinhas no chamado estágio da masmorra, porque não há “leite espiritual” em nossa era atual.
Eu só queria dizer essas coisas por meio de introdução e dar a vocês uma certa direção de pensamento; amanhã continuaremos essas considerações e entraremos em detalhes.
Rudolf Steiner- GA 311 – Torquay, 12 de agosto de 1924
Traduzido por Leonardo Maia
O materialismo criou a tecnologia, a indústria, e isso exige uma intensificação máxima das capacidades morais. Exige a capacidade de trabalhar juntos. A tecnologia oferece perigos ecológicos e isto exige um incremento nas capacidades morais. O materialismo que produziu este mundo não encerra em si as fontes para alimentar essas qualidades morais.
A NOVA BUSCA DA ESPIRITUALIDADE
De onde provém esta busca? Aonde leva esta busca? Qual a diferença entre antiga e nova espiritualidade?
Os guardiães do Graal, os Templários, os Rosacruzes, os Teósofos, eram círculos pequenos de pessoas que trabalhavam na clandestinidade para a manutenção do espírito vivo em meio ao incremento do materialismo. A Bíblia profanou o Cristo reduzindo-o ao homem Jesus.
Estamos imersos em um drama com dois aspectos : um interior e outro exterior.
O INTERIOR: a alma não agüenta viver tendo por conteúdo o materialismo, ela não é capaz de se nutrir a partir de representações materialistas por muito tempo. Isso leva a tentativas de fuga para fugir do vazio, como o álcool, drogas, tv, sensações de todo tipo.
Por outro lado, o vazio dá margem à busca de um sentido, da espiritualidade.
O EXTERIOR: tem a ver com o fato de que os homens descobriram que o materialismo criou a tecnologia, a indústria, e isso exige uma intensificação máxima das capacidades morais. Exige a capacidade de trabalhar juntos. A tecnologia oferece perigos ecológicos e isto exige um incremento nas capacidades morais. O materialismo que produziu este mundo não encerra em si as fontes para alimentar essas qualidades morais. Essa realidade também pode levar as pessoas à busca de uma espiritualidade.
COMO DISCERNIR ENTRE UM VELHO E UM NOVO CAMINHO DA ESPIRITUALIDADE?
Critérios:
1º – tem a ver com consciência e liberdade ; um caminho para a nova espiritualidade só pode ocorrer se passar pelo portal do materialismo e para isso, precisamos intensificar o pensar claro e livre.
2º – tem a ver com o caminho através do limiar entre o mundo físico e o mundo espiritual.
3º – o caminho iniciático não deve nos levar para fora da Terra, mas sim nos tornar capazes de viver a vida.
Um novo caminho deve resolver os dois dramas descritos anteriormente : o interno e o externo. Novos pontos de vista devem ser produzidos para uma pedagogia, medicina, terapia, economia, agricultura, etc…
Uma espiritualidade a partir de individualidades que querem agir a partir do Espírito. Ela utiliza o homem inteiro nesse caminho. A nova espiritualidade em sua essência é profundamente cristã, porque conduz da morte à ressurreição através do portal do materialismo, não desvia dele, mas procura redimi-lo.
As Hierarquias Espirituais que eram as fontes da velha espiritualidade se recolheram para abrir espaço para a consciência autônoma do ser humano livre. Essas Hierarquias não conhecem a morte, apenas o ser Cristo que desceu para experimentar o portal da morte. Aquilo que os homens desenvolvem passando pelo materialismo é novo para as Hierarquias, um presente dos homens para os deuses.
Vivemos uma transição dramática que tem a ver com uma reorientação abrangente da humanidade.
Alexander Boss
GA 93 – Berlim, 04 de Novembro de 1904, Leitura:
O MISTÉRIO DOS ROSACRUZES
Nós já tivemos, em outras oportunidades, a ocasião de examinar o conjunto das diferentes lendas cujas imagens contêm verdades esotéricas. Tais lendas foram outrora dadas aos seres humanos afim de que eles pudessem assimilar certas verdades sob uma forma de imagem, pois eles ainda não estavam maduros o suficiente para receber essas sabedorias de maneira direta. Tais imagens agem sobre o corpo causal (termo utilizado por R. Steiner em suas primeiras conferências, refere-se à parte do corpo etérico e astral que é trazido pelo ser humano de vida em vida, sendo cada vez mais enriquecido) e preparam o ser humano para que ele possa compreender diretamente as verdades esotéricas nas encarnações posteriores.
Hoje eu apresentarei a vocês uma dessas imagens esotéricas, que foi dada pela primeira vez, há alguns séculos, e que hoje ainda continua vivendo sob as mais diversas formas. E o seguinte.
No início do Século XV surgiu na Europa uma personalidade que tinha sido iniciada em certos mistérios no Oriente. Era Chistian Rosenkreutz. Quando esta encarnação de Cristianismo Rosacruz terminou, ele havia iniciado certas pessoas, cujo número não ia além de dez, seres humanos que ele mesmo tinha iniciado de tal maneira que isso se tornou, a partir daquela data, acessível aos Europeus. Essa pequena, fraternidade, que se denominou a fraternidade Rosacruz – fraternitas Rosae Crucis – difundiu no mundo, por meio de uma fraternidade maior e mais exterior, uma certa lenda.
O próprio Cristianismo Rosacruz havia, então, explicado certos segredos, os mais profundos mistérios dos rosacruzes, segredos que apenas poderiam ser percebidos pro àqueles que tivessem passado pela preparação necessária. Mas como eu já disse anteriormente, na pequena fraternidade não haviam mais de dez pessoas; eram os rosacruzes verdadeiramente iniciados. Aquilo que tinha sido ensinado por Cristianismo Rosacruzes não podia ser comunicado para todas pessoas, mas esses segredos eram então resguardados em uma espécie de lenda. Desde sua primeira criação no início do século XV, esta lenda foi freqüentemente contada e interpretada nas confrarias. Ela foi contada em grandes grupos, mas interpretada apenas em um círculo restrito, para aqueles que fossem maduros para isso.
Esta lenda tinha aproximadamente o seguinte contudo: havia um tempo onde um dos Elohim criou o ser humano, um ser humano que se chamou Eva. O próprio Elhim, Javé ou Jeová criou Adão. Adão também uniu-se com Eva e desta união surgiu Abel.
Temos, portanto em Caim um filho direto dos deuses e em Abel um descendente dos seres humanos criados: Adão e Eva. A lenda continua.
As oferendas que Abel oferecia ao Deus Javé, eram agradáveis ao Deus. Mas as oferendas de Caim não, pois Caim não tinha nascido diretamente das ordens de Javé. A conseqüência disso é que Caim comete fratricídio. Ele matou Abel. Por isso ele foi excluído da comunidade com Javé. Ele foi para lugares distantes e ai se tornou o patriarca de uma descendência própria.
Adão continuou unindo-se com Eva e no lugar de Abel nasceu Seth, que também aparece na bíblia. Assim surgem duas linhagens humanas: a primeira descende de Eva e do Elohim, a linhagem de Caim; e a segunda descende meramente dos homens, que se uniram sob as ordens de Javé.
Da linhagem de Caim descendem todos aqueles que trouxeram arte e ciência na vida da terra, por exemplo Matusalém, que descobriu a escrita Tau e Tubal-Caim, que ensinou a manipulação dos minérios de ferro. Assim surge nesta linha descendente direta de Elohim, a humanidade que se forma nas artes e ciências.
Desta linhagem de Caim surgiu também Hiram. Ele era o depositário de tudo aquilo que, através das varias gerações dos filhos de Caim, tinha se acumulado em relações às artes, ciência e técnica. Hiram era o maior arquiteto que se pode imaginar.
Da outra linha, da descendência de Seth surgiu Salomão que se distinguiu em tudo aquilo que provinha de Javé ou Jeová. Ele foi dotado com sabedoria do mundo, com tudo aquilo que pode ser fornecido pela calma, clara e serena sabedoria dos filhos de Javé. Esta é uma sabedoria que podemos exprimir com palavras que tocam profundamente ao coração humano, uma sabedoria que pode elevar o homem, mas esta sabedoria não tem nenhuma possibilidade de relacionar diretamente com os objetos ou de produzir algo tangível, alguma realidade técnica, artística ou cientifica. Era uma sabedoria que foi um dom diretamente inspirado por Deus e não elaborado lá embaixo, a partir da paixão humana, não uma sabedoria que brota da vontade humana. Esta era encontrada entre os filhos de Caim, entre Aqueles que descendiam diretamente do outro Elohim. Estes eram is trabalhadores corajosos que queriam trabalhar tudo a partir de si próprios.
Então Salomão decidiu construir um templo. Para isso, chamou mestre de obras o descendente da linhagem de Caim: Hiram. Isto foi no tempo em que a rainha Sabá Balkism, veio para Jerusalém, porque tinha ouvido falar da sabedoria de Salomão. E de fato, quando chegou, ela ficou encantada com a sabedoria clara e serena e com a beleza de Salomão. Ele pediu a sua mão e obteve o seu sim. Então esta rainha de Sabá soube também da construção do templo, e quis conhecer também o construtor mestre Hiram. Quando ela o viu, seu puro olhar causou uma extraordinária impressão sobre ela e a tornou completamente cativa.
Assim instala-se algo como ciúme entre Hiram e o sábio Salomão. A conseqüência disso é que Salomão gostaria de fazer algo contra Hiram; mas precisava mantê-lo para que a construção do templo fosse concluída.
Ocorreu então o seguinte. O templo estava terminado até um ponto bem determinado. Faltava apenas o que deveria ser a obra prima de Hiram: o mar de bronze. Esta obra prima de Hiram deveria representar o oceano, fundido em metal, e enfeitar o templo. Todas as misturas dos metais tinham sido preparadas por Hiram de modo maravilhoso e tudo estava preparado para a fundição. Mas três aprendizes que Hiram não tinha achado capazes de serem promovidos a mestres quiseram se vingar. Eles juraram vingança e quiseram impedir a construção do mar de bronze. Um amigo de Hiram que lá estava comunicou Salomão o plano dos aprendizes, para que ele pudesse impedi-los, mas Salomão por ciúmes de Hiram, deixou que as coisas seguissem o seu curso contra Hiram, porque os três aprendizes introduziram uma substância estranha na massa. Hiram procurou ainda apagar o fogo flamejante despejando água, mas com isso tornou-se ainda pior. Quando ele já estava próximo de chegar ao estado de duvidar da obra, apareceu-lhe o próprio Tubal-Caim conduzindo-o até Caim, que lá estava em estado de divindade original. Hiram foi então iniciado nos mistérios da criação do fogo, no mistério da fundição do bronze e assim por diante. Ele recebeu de Tubal-Caim também um martelo e um triângulo de ouro, que ele deveria trazes ao pescoço. Então ele retornou e estava apto a realmente realizar o mar de bronze, de trazer novamente ordem à fundição.
Assim Hiram conquistou a mão da rainha de Sabá. Mas ele foi atacado pelos três aprendizes e assassinado. Enquanto morria, ele ainda lançou o triângulo de ouro em um poço. Como não se sabia onde estava Hiram, ele foi procurado. O próprio Salomão estava com medo, e quis descobrir os fatos. Temia-se que os três aprendizes podiam trais a velha palavra do mestre, então resolveu-se adotar nova palavra. A primeira palavra que saísse da boca de Hiram, quando ele fosse encontrado, deveria ser a nova palavra do mestre. Quando Hiram foi encontrado, ele pode ainda pronunciar algumas palavras. Ele disse Tubal-caim prometeu-me que eu teria um filho, o qual teria muitos filhos, que povoariam a terra e levariam a termo a minha obra, a construção do templo. Então ele ainda indicou o lugar onde o triângulo de ouro seria encontrado. Esse foi levado para o mar de bronze e ambos guardados em um lugar especial do templo, no santuário. Eles podem ser encontrados apenas por aqueles que têm a compreensão do significado desta lenda do templo de Salomão e seu mestre de obras Hiram.
Agora queremos, partindo da própria lenda, chegar a uma interpretação.
Esta lenda representa o destino das terceira, quarta e quinta sub-raças da nossa quinta raça mãe. O templo é o templo das confrarias ocultas, ou seja, aquilo que toda a humanidade das quarta e quinta sub-raças constroem, e o santuário é a morada das confrarias ocultas. Estas sabem o que o mar de bronze e o triângulo de ouro significam.
Nós temos algo em comum com esta dupla linhagem humana: com aquela apresentada por Salomão, que é de herdeira da sabedoria divina, e com a linhagem de Caim, os descendentes de Caim, que compreendem o fogo e sabem manipulá-lo. Este fogo não é o fogo físico, mas o fogo que queima no espaço astral, o fogo dos instintos, das paixões, dos desejos.
Quem são então os filhos de Caim? Os filhos de Caim são – no sentido desta lenda – os filhos daquele Elohim, que durante a época lunar permaneceu um pouco atrasado dentro da classe dos Elohim. Na época lunar temo algo a ver com o Kama. Este Kama ou fogo foi então penetrado com sabedoria. Existiam duas espécies de Elohim. Alguns não permaneceram sob união entre sabedoria e o fogo; eles a ultrapassaram. E quando formaram o homem, eles não estavam mais preenchidos de paixões, de modo que o dotaram de uma sabedoria calma e serena. Esta é propriamente a religião de Javé ou Jeová, a sabedoria totalmente desapaixonada. Os outros Elohim, nos quais a sabedoria ainda estava ligada ao fogo no período lunar, são aqueles que criaram os filhos de Caim.
Assim, nós temos nos filhos de Seth os homens religiosos com uma sabedoria serena e nos filho de Caim, aqueles que têm o elemento impulsivo, que se inflamam e podem desenvolver entusiasmo para a sabedoria. Estas duas linhagens humanas proliferaram através de todas as raças, em todas as artes e ciências, da corrente de Abel-Seth toda devoção serena e sabedoria, sem entusiasmo.
Estes dois tipos sempre existiram e isso prosseguiu até a quarta sub-raça de nossa raça mãe.
Então ocorreu a fundação do cristianismo. Através disso, a antiga devoção, que era apenas uma devoção das alturas, completamente livre do Kama ou fogo, foi imersa no Cristo não é meramente sabedoria, ele é o amor encarnado: um elevado Kama divino, que ao mesmo tempo é Budhi, um puro Kama fluente, que todas a paixões numa entrega infinita, é uma Kama invertido. Buddhi é Kama invertido.
Através disso, prepara-se no meio do tipo de homens, que são devotos, no meio dos filhos da sabedoria, uma devoção cristã. Ela se estabelece inicialmente na quarta sub-raça da quinta raça-mãe. Mas toda essa corrente ainda não está em situação de poder se unir com os filhos de Caim. Eles, ainda são adversários. Se o cristianismo tivesse abrangido todos os homens com rapidez incondicional, então eles certamente seriam preenchidos com o amor, mas o coração de cada homem individual não o seria. Não seria uma devoção livre, não seria o nascimento do Cristo em si mesmo como irmão, mas, ao contrario, meramente como senhor. Para isso os filhos de Caim ainda precisam agir através de toda a quinta-raça. Eles atuam em seus iniciados e constroem o templo da humanidade, construído a partir da arte e da ciência profana.
Assim, nó vemos durante a quarta e a quinta sub-raça, o elemento profano se desenvolver sempre mais e mais, levando todo o desenvolvimento da história universal para o plano físico. Com o elemento profano do materialismo desenvolve-se o individual, o egoísmo, que leva à luta de todos contra todos. Embora o cristianismo também existisse, em certo sentido, era o segredo de poucos. Mas ele faz com que o homem, durante a quarta e a quinta sub-raça, chegue a idéia: cada um é igual perante Deus. Isto é o principio cristão. Mas os homens não podem compreender isto completamente enquanto estejam presos no materialismo e egoísmo.
A revolução francesa consumou a conseqüência da doutrina cristã no sentido profano. A doutrina espiritual do cristianismo: todos os homens são iguais perante Deus foi levada através da revolução francesa para uma doutrina puramente profana. “todos são iguais aqui”. Os novos tempo transportaram-na ainda mais para o físico.
Antes da revolução Frances, surgiu junto à uma dama da corte da rainha Maria Antonieta, madame d’ Adhmér, uma personalidade que predisse todas as fases importantes da revolução, afim de previni-la.este era o conde de Saint German, a mesma personalidade que em uma encarnação anterior tinha fundado a ordem dos rosacruzes. Ele sustentava, então, o ponto de vista de que a humanidade deveria ser conduzida de uma maneira harmoniosa da cultura profana À verdadeira cultura do cristianismo. As potências profanas queriam, no entanto, apoderar-se da liberdade tempestuosamente, no sentido materialista. Certamente ele viu a revolução como conseqüência necessária, mas ele fez a advertência. Ele, Cristiano Rosacruz, em sua encarnação do século XVIII,como guardião do intimo segredo do mar de bronze e do triângulo de ouro sagrado, advertiu: a humanidade deve se desenvolver lentamente. Mas ele previa o que iria acontecer.
Este é o curso que o desenvolvimento da humanidade, considerada aqui do ponto de vista interior, seguiu durante a quarta e quinta sub-raças de nossa raça-mãe. O edifício cultural humano, o grande templo de Salomão foi sendo construído. Mas aquilo que deveria propriamente coroá-lo deve permanecer ainda um mistério. Isto apenas um iniciado pode construir. Este iniciado foi incompreendido, traído, morto. Este mistério de poucos iniciados do cristianismo. Ele permanece encerrado na fundição do mar de bronze e no triângulo sagrado. Isto é nada mais que o mistério de Cristiano Rosacruz, que antes do nascimento de Cristo esteve incorporado em uma muito elevada encarnação e então pronunciou uma sentença admirável.
Deixem-me ainda descrever a cena com algumas palavras, como este Cristiano Rosacruz expressou isso novamente antes da revolução francesa. Ele disse: “quem semeia vento, colhe tempestade”. Isto ele já tinha dito outrora, antes que isso fosse falado e escrito por Hosea. Mas isto provém, de fato, de Cristiano Rosacruz.
Esta sentença: “quem semeia vento colhe tempestade”, é o lema das quarta e quinta sub-raças de nossa raça-mãe e deve significar: vocês liberarão o homem, o próprio Buddhi encarnado irá se unir com esta sua liberdade e tornar os homens iguais perante Deus. Mas o espírito (vento significa espírito = ruach) tornar-se-á, primeiramente, tempestade (luta de todos contra todos).
Inicialmente o cristianismo tornou-se ligado à cruz, e deveria desenvolver-se através da esfera puramente profana, o plano físico. Ano foi desde o inicio que o Cristo na cruz foi símbolo do Cristianismo. Mas quando o cristianismo se tornou cada vez mais político, então tornou-se símbolo o filho de Deus crucificado, sofrendo na cruz do corpo do mundo. Isto permaneceu exteriormente através de todo o resto da quarta e seguiu através da quinta sub-raça.
Inicialmente, o cristianismo está ligado à cultura puramente material das quarta e quinta sub-raças, e só no meio subsiste o verdadeiro cristianismo do futuro, que possui o segredo do mar de bronze e do triângulo de ouro. Este cristianismo tem um outro símbolo, não mais o filho de Deus crucificado, mas a cruz enlaçada por rosas. Este será o símbolo do novo cristianismo da sexta sub-raça, que se desenvolverá a partir do mistério da fraternidade Rosa Cruz e conhecerá o mar de bronze e do outro triângulo de ouro.
Hiram é o representante dos iniciados dos filhos de Caim das quarta e quinta sub-raças. A rainha de Sabá – toda figura feminina significa a alma na linguagem esotérica – e a alma da humanidade, que deve se decidir entre a devoção serena, mas que não conquista a terra, e a sabedoria que conquista a terra, ou seja, a sabedoria ligada à terra através da subjugação das paixões. Ela é a representante da verdadeira alma humana, que se coloca entre Hiram e Salomão, e se une com Hiram nas quartas e quinta sub-raças, porque ele ainda constrói o templo.
O mar de bronze é a fundição que aparece quando ferro e água se misturam de modo correto. Os três aprendizes o fazem errado, a fundição foi destruída. Mas quando Tubal-Caim revela a Hiram os mistério do fogo, Hiram fica em condições de unir fogo e água de modo correto. Assim, surge quando a água da calma é o mistério dos rosacruzees. Ele surge quando a água da calma sabedoria une-se com o fogo do espaço astral, ao fogo da paixão. Isso deve chegar a uma união, que é o bronze, que pode ser levado aos tempo futuros, quando aparecer o mistério do triângulo de ouro sagrado, o mistério, de atma – Budddhi – Manas.
Este triângulo, com tudo que está ligado a ele, será o conteúdo do cristianismo renovado da sexta sub-raça. Isto será preparado pelos rosacruzes, e então aquilo que é simbolizado no mar de bronze, será unido com o conhecimento de reencarnação e carma. Esta é a nova doutrina oculta, que preencherá novamente o cristianismo. Atma – Buddhi – Manas, o si mesmo superior, é o segredo que será revelado quando a sexta sub-raça estiver madura para isso. Então Cristiano Rosacruz não precisará mais se colocar como admoestador (que avisa), ao contrario, tudo o que significa luta no plano exterior, encontra a paz através do mar de bronze, através do triângulo de ouro sagrado.
Este é o curso da história universal nos tempo futuros. O que Cristiano Rosacruz traz para o mundo com sua lenda do templo através das fraternidades, aquilo que os rosacruzes colocam como missão: ensinar não apenas devoção religiosa mas também ciência para o exterior; não apenas conhecer o mundo exterior, mas também as forças espirituais, e a partir de ambos os domínios, penetrar na sexta época.
* Kama = corpo de desejos ligado à existência física
Rudolf Steiner – GA 93, Berlim, 04 de Novembro de 1904
Tradução: Flávio e Marilda Milanese
GA 54 – 14 de dezembro de 1905, Leitura:
A FESTA DE NATAL COMO SÍMBOLO DA VITÓRIA DO SOL
Tentemos imaginar quantas pessoas hoje em dia conseguem despertar uma idéia mais profunda e clara em suas almas quando vão pelas ruas e vêem em todas as partes os preparativos para a festa do natal. A pouca clareza das idéias que existe atualmente sobre esta festa, e o pouco que corresponde aos propósitos daqueles que a implantaram no mundo como expressão do infinito e imperecível, pode ser sentida quando dirigimos o olhar para as assim chamadas considerações sobre o natal de nossos jornais. Não pode existir algo mais desolador e mais estranho À realidade do tema do que aquilo que vai pelo mundo através da imprensa nesta época.
Deixemos agora passar pelas nossas almas uma espécie de resumo daquilo que as varias conferências do outono nos trouxeram a respeito do horizonte da ciência espiritual. Não se tratará de um resumo pedante, mas sim daquele que pode emergir dos nossos corações quando fazemos, sob o ponto de vista da ciência espiritual, uma ponte para a festa de natal, que pode oferecer se contemplarmos a concepção de vida da ciência espiritual, não como uma teoria cinza, como uma confissão exterior, ou como filosofia, mas sim como vida que lateja de forma imediata em nós. O homem moderno encontra-se frente à natureza como um estranho, mais estranhamente ainda do que aquele no tempo de Goethe. Ou quem sente hoje a profundidade daquelas palavras pronunciadas por este grande poeta, quando chegou aos círculos de Weimar, iniciando ali uma época extraordinariamente importante de sua vida? Nesse tempo ele dirigiu à natureza com suas forças misteriosas, um hino, uma espécie de oração:
“Natureza, por ela estamos envolvidos e abraçados – incapazes de sairmos dela e incapazes de nela entrarmos mais profundamente. Sem nos pedir nem nos advertir, toma-nos no círculo de sua dança e nos leva até cansarmos e cairmos de seus braços.
Eternamente cria novas formas; o que aí está nunca esteve, o que esteve nunca voltará – tudo é novo e, mesmo assim, sempre é velho. Vivemos no meio dela e lhe somos estranhos. Fala conosco ininterruptamente e não nos revela o seu mistério. Constantemente agimos sobre ela e mesmo assim não a dominamos. Parece que ela baseou tudo na individualidade e não liga para os indivíduos. Sempre constrói e sempre destrói, e a sua oficina de trabalho é inacessível. Vive em inúmeras crianças, e a mãe, onde está? É a artista única: da mais simples substancia aos maiores contrastes; sem sinal de esforço até a maior perfeição – até a máxima exatidão, mas sempre envolta com algo suave. Cada uma de suas obras tem sua própria essência; cada manifestação sua tem o conceito mais isolado possível. Todavia, tudo é irradiado de uma unidade. Apresenta uma obra teatral: se ela mesma a vê não sabemos, mas mesmo assim ela nos apresenta, para nós que somos tão pequenos. Há um eterno devir, movimento e vida dentro dela, e mesmo assim não avança. Transforma-se eternamente e nela não existe momento de repouso. Não tem um conceito para o permanecer, e colocou sua maldição em todo repouso. Ela é firme, seu passo é comedido, raras as suas exceções, imutáveis as suas leis…”
Todos nós somos seus filhos. E quando cremos agir ao mínimo de acordo com as suas leis agimos talvez ao máximo de acordo com essas grandes leis que impregnam a natureza e ao homem, lá onde Goethe fala com ela não com um espírito vivo:
“Espírito sublime, tu me deste, deste-me tudo o que te pedi. Não me dirigiste em vão tua face no fogo.
Deste-me a magnífica natureza como reino,
Força para senti-la e gozá-La. Não
Apenas permites uma fria visita admirada,
Quando me deixas olhar no seu peito profundo,
Como no seio de um amigo.
Deslizas a fileira dos viventes
Diante de mim e me ensinas a conhecer os meus irmãos
Na tranqüila floresta, no ar e na água.
E quando ruge e ressoa a tormenta no bosque,
E os pinheiros gigantes caindo derrubam e esmagam troncos e galhos
Vizinhos, e a sua queda estrondeia ecoando na colina,
Tu me levas a uma caverna segura,
E me revelas então a mim mesmo,
E se abrem os profundos e secretos milagres do meu próprio peito”
Esta é a atmosfera por meio da qual Goethe, partindo de seu sentimento de natureza, tentou reativar do que surgiu simultaneamente do sentimento e do conhecimento. E esta é a atmosfera nas épocas em que a sabedoria vivia unida com a natureza, onde foram criados aqueles símbolos do sentir-se com a natureza e o universo, que do ponto de vista da ciência espiritual, reconhecemos como as grandes festas. Para a alma e o coração tal festa tornou-se algo abstrato e indiferente.
Hoje em dia, muitas vezes, a palavra pela qual podemos brigar, acreditar, vale muito mais do que essa palavra originalmente representava. A palavra, esta literal e exterior palavra, devia ser a representante, a anunciação, o símbolo da palavra cósmica, que vive na natureza e em todo o universo, e que revive em nós quando nos reconhecemos de uma forma certa, e também naquelas ocasiões, que seguindo o caminho da natureza, é especialmente apropriada, que deve ser levada à consciência da humanidade. Esse era o propósito na instituição das grandes festas. Tentemos agora utilizar nossos conhecimentos, tudo aquilo que tentamos compreender no decorrer das conferências até agora, para entendermos o que os antigos sábios expressaram na festa de natal.
A festa do Natal não é uma festa apenas cristã. Ela existiu em todos os lugares onde se expressava o sentir religioso. Se vocês olharem para o antigo Egito, milhares de anos antes de Cristo, se vocês atravessarem para a Ásia, e também se vocês saírem de nossas regiões, encontrarão em todas as partes esta mesma festa nos dias em que também se celebra o nascimento de Cristo pelo cristianismo.
Que festa era essa que se celebrava desde épocas muito antigas em todos os lugares da Terra nesses dias? Hoje vamos fazes só uma referência àquelas maravilhosas festas do fogo que eram comemoradas nas regiões da Europa do Norte e Central. Era nesses dias que essa festa era celebrada da Europa central, Escandinávia, escócia, Inglaterra e nos círculos celtas por seus sacerdotes denominados druidas. E o que era celebrado?
Celebravam-se lá o término do inverno e o nascimento sucessivo da primavera. Naturalmente, quando o Natal começa estamos ainda no inverno, porém, na natureza anuncia-se já uma vitória, que para os seres humanos é o símbolo de uma festa de esperança, ou, melhor dizendo, pode ser o símbolo de uma festa de confiança e de fé. A vitória do sol sobre os poderes da natureza que lhe são opostos: eis o símbolo! Sentimos os dias cada vez mais e mais curtos. E este encurtar dos dias é expressão de um esmorecer, de um adormecer das forças da natureza até o dia em que celebramos o natal, e que nossos antepassados também comemoravam.
A partir do Natal os dias tornam-se mais compridos. A luz do sol celebra a sua vitória sobre as trevas. Isso parece-nos hoje, pensando de forma materialista, muito mais do que supomos, um evento sobre o qual não refletimos muito. Para aqueles que tinham um sentimento vivo e uma sabedoria unida a esse sentimento, era a expressão viva para uma vivência espiritual, para uma vivência da própria divindade que dirige a nossa vida. Assim como na vida de uma pessoa ocorre um acontecimento importante que decide alguma coisa, naquela época sentia-se essa mudança no decurso do sol como algo importante na vida de um ser superior. Mais ainda: esses dias mais curtos ou mais longos não eram sentidos de forma imediata apenas como a expressão de um acontecimento na vida de um ser superior, mas como sinal da lembrança de algo ainda muito maior, algo único. E com isso chegamos então, ao pensamento fundamental sobre a festa de natal como uma festa cósmica, uma festa da humanidade de primeira ordem.
Nas épocas em que existia uma autêntica doutrina dos mistérios – não como agora onde a visão materialista do mundo nega, mas sim no sentido em que esse ensino dos mistérios águia como a sangria viva da via dos povos – nessas épocas correspondente ao natal, via-se acontecer na natureza algo que era como marco, como um sinal da lembrança de um acontecimento colossal que ocorreu nesta Terra no passado. E os sacerdotes que agrupavam seus mais leais discípulos, aqueles que eram os mestres dos povos, e que os reuniam naqueles dias à meia-noite, tentando revelar-lhes um grande mistério, falando-lhes aproximadamente o seguinte: !Aqui eu não lhes relato algo inventado, ou algo descoberto pelas ciências abstratas, mas sim algo que viveu nos mistérios, nos centros ocultos, nos dias em que os sacerdotes reuniam os fiéis, para com aquilo que diziam, dar-lhes forças para que eles pudessem transmitir esse ensino”, hoje, eles diziam, vemos a vitória do sol se anunciar sobre a escuridão. E assim aconteceu também uma vez nesta Terra. O sol celebrou o grande triunfo sobre a escuridão. Isso aconteceu assim: até aquele momento todo o físico, toda a vida corporal da nossa Terra, tinha se desenvolvido apenas até o nível animal. O que vivia na nossa Terra como reino mais alto estava apenas no primeiro nível de se preparar para receber a imortal alma humana. E que aquele ponto a onda da vida tinha se desenvolvido de tal forma que o corpo humano tornou-se capaz de incorporar em si a alma imortal. Esse antepassado do homem encontrava-se num nível de desenvolvimento superior àquele que supõe os cientistas materialistas. Mas parte espiritual, imortal, ainda não estava nele. Desceu de um outro lugar, de um planeta mais alto para nossa alma, que agora é impossível de perder.
Esse antepassado humano é o que denominados como raça lemúrica. Esta raça foi sucedida pela raça atlântica, e depois apareceu a nossa, que denominamos ariana. Dentro da raça lemúrica os corpos humanos foram frutificados pela alma humana superior. A ciência espiritual chama este grande acontecimento da evolução da humanidade de “a descida dos filhos divinos do Espírito”. Desde aquela época essa alma forma e trabalha o corpo humano para que este tenha um desenvolvimento superior. Bem diferente do que a ciência materialista o imagina (hoje podemos apenas apontar para isso, em outras conferências falei disso detalhadamente, o que deve ser tomado em consideração por aqueles que estão aqui pela primeira vez e que podem olhar essas coisas como algo puramente fantástico) eram as coisas na época em que o corpo humano foi frutificado pela alma humana imortal. Contra a visão materialista dos cientistas, naquela época aconteceu no universo, algo que pertence aos acontecimentos mais importantes da evolução da humanidade.
Naquela época surgiu pouco aquela constelação, aquela posição oposta da Terra, da lua e do sol, que possibilitou a descida das almas. O sol adquiriu para o homem, naquele momento, o significado que ele tem para seu crescimento, para sua evolução na Terra e simultaneamente adquiriu também o sentido que ele tem para as outras criaturas que a ele pertencem: as plantas e os animais. Só quem, do ponto de vista espiritual, vê claramente todo o devir da humanidade na Terra, poderá compreender a relação do sol, da lua e da Terra com o ser humano de uma maneira certa. Havia uma época – assim se pregava nesses velhos tempos – em que a Terra era uma unidade só com o sol e a lua; formavam um só corpo. Os seres tinham forma e aparecia totalmente diferente da atual, estavam adaptados naquela época àquela corpo cósmico constituído em comum pelo sol, pela lua e pela terra. Tudo o que vive nesta Terra adquiriu a sua essência pelo fato de que se separaram em relação exterior com a Terra. E nesta relação temos, ao mesmo tempo, o mistério deste pertencer-se de espírito humano com o espírito universal, o que chamamos na ciência espiritual de Logos e que abrange simultaneamente o sol, a lua e a terra. Dentro dela vivemos, tecemos e estamos.
Da mesma forma que a Terra nasceu de um corpo que abrangia também o sol e a lua, o homem nasceu de um espírito, de uma alma à qual o sol, a terra e a lua também pertencem. Quando o homem olha para o sol e para a lua não deve ver neles apenas o corpo físico exterior, mas sim corpos exteriores de seres espirituais. Naturalmente o materialismo atual se esqueceu disso. Mas quem é incapaz de ver no sol e na lua o corpo de seres espirituais, é incapaz de ver também no corpo do homem, o corpo de um espírito. E assim como é verdade que o corpo do homem abriga um espírito, assim os corpos celestes são os portadores de seres espirituais. A esses seres espirituais pertence também o homem.
Tal como seu corpo está separado das forças que imperam no sol e na lua, da mesma forma atua na sua alma a mesma espiritualidade que reina no sol e na lua. E ao se tornar um ser da Terra e homem ficou dependente daquele modo de agir do sol, no qual ele penetrou como um corpo especial e iluminador da Terra.
Assim se sentiam nossos antepassados como filhos espirituais de todo universo, e se diziam: aquilo que originou em nós a nossa forma espiritual, através do espírito do sol, fez de nós seres humanos. A vitória do sol sobre a escuridão nos faz lembrar, ao mesmo tempo, da vitória quando conquistou as nossas almas, na época em que ele brilhou pela primeira vez, como hoje o faz sobre a Terra. Foi uma vitória solar quando a alma humana imortal entrou no corpo físico sob o signo do sol, adentrando na escuridão das ânsias, instintos e paixões.
Imaginemos a vida do espírito. A escuridão precede a vitória do sol. E esta escuridão deu-se antes de um período solar mais antigo. Assim foi também com a alma humana. Esta surge de uma divindade primordial. Mas ela teve que submergir, por um tempo, na inconsciência para construir dentro dela. Se vocês imaginam um arquiteto que constrói uma morada com as melhores forças que ele possui para habitá-la posteriormente, têm então uma metáfora certa para a entrada da alma humana imortal no corpo humano. Mas naquela época essa alma humana podia trabalhar na sua morada só inconscientemente. Esse trabalho inconsciente é expresso na metáfora pela escuridão. E o tornar-se consciente, o reluzir da alma consciente do homem, se expressa na metáfora da vitória do sol.
Assim, essa vitória do sol significativa, para aquele que tinha um sentimento vivo da relação do homem com o universo, o momento no qual eles tinham recebido o mais terrestre. E importante para a sua existência terrestre. E esse grande momento foi conservado naquela festividade.
Em todas as épocas imaginasse o caminho percorrido pelo homem na terra de tal forma, que ele torna-se mais e mais semelhante ao caminho regular, rítmico, da natureza. Olhemos a partir da alma humana para aquilo onde está encerrada a sua vida, olhemos para o caminho do sol no universo e para tudo o que a ele está relacionado. Então ficar-nos-á claro o que é infinitamente importante sentir: a imensidade rítmica, harmônica, em contraste com o caótico, o desarmônico da própria natureza humana. Olhem para o sol, sigam-no em seu caminho, e verão com quanta regularidade, quão ritmicamente retornam as suas manifestações no percurso do dia e do ano. E verão quão regular e ritmicamente tudo se relaciona ao trajeto do sol no que chamamos de natureza.
Já acentuei que onde adentra os seres inferiores ao homem tudo é rítmico. Imaginem o sol fora de sua órbita por um momento, por uma fração de segundos, e imaginem o caos incrível e indescritível em que entraria nosso universo. O nosso universo só se torna possível através dessa harmonia colossal, gigantesca, na órbita do sol. Com essa harmonias estão relacionados os processos rítmicos de vida de todos os seres que dependem do sol. Imaginem o sol no decorrer do ano, como ele magnetiza os seres na primavera; vejam como é impossível imaginar que a violeta brote numa outra época do ano. Tentem imaginar que as sementes fossem semeadas e as colheitas feitas numa outra época do ano do que aquela em que se faz. Até mesmo na vida animal tudo depende do avanço rítmico do sol. Inclusive no homem tudo é rítmico, regular e harmonioso, desde que ele não esteja submetido às paixões, instintos, ou mesmo à razão. Observem o pulso, o caminho da digestão, e admirem o imenso ritmo, e sintam a grande e infinita sabedoria que impera em toda a natureza e comparam com ela o irregular, o caótico, que impera em toda nas paixões, instintos e avidez, e principalmente na razão e no pensar humano. Tentem imaginar a regularidade do seu pulso e de sua respiração e comparem-na com a irregularidade do pensar, sentir e querer. É uma ilusão de ótica.
E imaginem, por outro lado, como as forças de vida foram criadas, como o rítmico deve imperar sobre o caótico. Quantos ritmos do corpo humano não são rompidos pelas paixões e pela busca do prazer. Quantos vezes já mencionei o maravilhoso que é conhecer o coração pela anatomia cientifica – este órgão do corpo humano tão maravilhosamente constituído e ver o que ele tem de suportar pelo fato do homem consumir chá, café, etc, o que influência as rítmicas e harmoniosas batidas do coração. E assim é com toda essa rítmica, divina e sábia natureza, que foi admirada por nossos antepassados, e cuja alma é o sol com sua trajetória regular.
Enquanto os sábios e seus discípulos olhavam para o sol, diziam: Tu és a imagem daquilo, da alma que contigo nasceu, que ainda não é, mas que ainda deve ser. A ordem divina do cosmos se revelava para esses sábios em toda a sua gloria. A visão cristã do mundo também afirma isso, quando diz que a gloria deve existir nas alturas. A palavra “Glória” significa revelação, e não honra. Não se deve dizer: “Honra a Deus nas alturas”, mas sim “Hoje acontece a revelação de Deus nas alturas”. Esta é a verdadeira realidade dessa frase. E nesta fase pode-se sentir plenamente a Glória que impregna do mundo. Em épocas antigas sentia-se isso da seguinte forma: colocando a harmonia cósmica como grande ideal para aquele que devia ser um guia do resto da humanidade. Por isso, em todas as épocas e em todos os lugares, onde se tinha uma consciência dessas coisas, falava-se de “heróis solares”.
Nos templos, onde a iniciação, diferenciavam-se sete graus iniciáticos. Vou expô-los com o seu nome persa. O primeiro grau era aquele onde o homem saia do sentir cotidiano, chegando a um sentir superior e ao conhecimento do espírito. Tal pessoa essa designada “Corvo”. Por isso, os corvos são aqueles que avisam aos iniciados, nos templos, aquilo que acontecia no mundo. Quando a poesia da sabedoria na idade média queria colocar a figura de um iniciado num senhor feudal, que nas profundezas da Terra devia esperar em meio aos tesouros da sabedoria terrestre, por aquele grande momento onde o cristianismo, aprofundado de uma nova forma, deve rejuvenescer a humanidade, quando a poesia da sabedoria na idade média formou a figura de Barbarossa, fez outra vez com que os corvos fossem os anunciadores. Até o antigo testamento fala do corvo de Elias.
Os iniciados do segundo grau eram os “Ocultos”, os do terceiro os “Guerreiros”, os do quarto os “Leões”; os do quinto grau eram designados com o nome do próprio povo: o “Persa”, ou “Hindu”, etc, pois somente aquele do quinto grau é verdadeiro representante do seu próprio povo. O iniciado do sexto grau era o “Herói do Sol” ou o “corredor do Sol”. O iniciado do sétimo grau tinha o nome de “Pai”.
Por que o iniciado do sexto grau recebia o nome de “Herói do Sol”? Quem tinha chegado tão longe na escada do conhecimento espiritual, teria no mínimo formado dentro de si uma tal vida que decorresse de acordo com o modelo dos ritmos divinos em todo o cosmos. Ele devia sentir e pensar de tal forma que nele não existisse nada de caos, nada de desarmônico ou irregular; ele devia estar preenchido de uma harmonia da alma equivalente à harmonia exterior do sol. Esta era e exigência que se fazia ao iniciado do sexto grau. Eram colocados no mundo como homens santos, como modelos, como idéias, e deles se dizia: assim como seria uma grande desgraça para o universo, se tornasse possível que por um quarto de minuto o sol saísse da sua trajetória, da mesma forma seria uma grande desgraça se um “Heróis do Sol” saísse, ainda que fosse por um momento, do seu caminho de grande moralidade, do ritmo da alma, da harmonia espiritual. Quem havia encontrado no seu espírito um trajeto tão seguro, quanto o do sol no universo, era chamado de “Herói do Sol”. E todos os povos tinham esse heróis do sol.
Os nossos sábios sabem tão pouco dessas coisas” pó certo que eles percebem que ao redor da vida dos grande fundadores das religiões, cristalizam-se muitos mitos solares. Eles não sabem porém, que nas cerimônias de iniciação era costume transformar os heróis-guias em heróis do sol, e que assim na há de maravilhoso quando aquilo que os velhos tentavam colocar nela, ó redescoberto pela pesquisa materialista. Tanto no caso do Buda, e até no caso de Cristo, procurou-se e encontrou-se tais mitos ligado ao sol. E esta é a razão porque foi possível encontrá-los lá. Foram primeiro colocados neles, dando a imagem de uma cópia imediata do ritmo solar. Esses heróis do sol eram então o grande modelo que devia ser imitado.
O que se pensava sobre o que havia ocorrido na alma de tal herói que alcançara essa harmonia? Pensava-se que nele já não vivia mais uma alma humana individual, mas sim que nele havia surgido algo da alma universal que impregna todo o universo. Esta alma universal que impregna todo o cosmos era denominada na Grécia como “Chrestos”, e entre os mais excelsos sábios do oriente era conhecida como “Budhi”. Quando o homem não se sente mais apenas como portador da sua própria alma e vivencia algo de universal nele, então ele cria uma espécie de reprodução daquilo que antiguidade se unia ao corpo humano como alma do sol; com isto ele alcança algo de um significado extraordinário no caminho da humanidade.
Se observamos uma pessoa com uma alma tão enobrecida, podemos colocar ante nós o futuro da classe humana e toda a relação desse futuro com a idéia da humanidade. No estado em que a humanidade hoje se nos apresenta, é impossível imaginar de outra forma que certas coisas só são decididas de tal maneira que as pessoas chegam a uma decisão através de um tipo de maioria são vistas como algo realmente ideal; aí ainda não se compreendem o que realmente é a verdade. Onde vive a verdade real em nós? A verdade vive onde nós nos obrigamos a pensar logicamente. Ou não seria bobagem decidir pela maioria se 2 x 2 é = a 4, ou 3 x 4 é = 12? Quando alguém reconhece o que é verdade, podem vir milhares de pessoas e dizer que é diferente, mas ele conservará em si a sua segurança.
Já estamos tão avançados àquele pensar cientifico, pensar em que já não é mais envolvido com as paixões, desejos e instintos do homem. Onde esses instintos, desejos e paixões também atuam, os homens se encontram em luta, numa confusão, como a vida instintiva em si proporciona um caos turbulento. Mas quando os desejos, instintos e paixões forem purificados e idealizados, a chegarem a ser aquilo que se chama Budhi, de Chrestòs, quando eles forem transformados até a altura em que se encontra hoje o pensar lógico, sem paixões, então se alcançará aquilo que brilha para nós como o verdadeiro ideal da humanidade, nas antigas religiões da sabedoria, no cristianismo, na ciência espiritual antroposófica. Quando o nosso pensar e sentir estiver tão purificado, que aquilo que um sente confere harmoniosamente com aquilo que outros sentem, quando a terra chaga a mesma época para o sentimento e sentir que chegou para a razão uniforme, quando Budhi, o Chrestòs, for personificado na humanidade, aí o ideal dos velhos mestres da sabedoria, do cristianismo e da antroposofia estará realizado. Quando isso acontecer, não será necessário julgar sobre o que é bom ou nobre, como naquilo que reconhecem,os ser logicamente certo ou logicamente errado. Cada um pode colocar diante de sua alma esse ideal, e se faz, tem então diante de si o ideal do “Herói do Sol”, o mesmo que possuem os mestres da sabedoria oculta dos iniciados do 6º grau.
Os místicos na idade média sentiam isso quando falavam uma palavra com profundo significado, a palavra endeusamento ou divinização. Esta palavra existiu em todas as religiões da sabedoria. O que significa isso? Significa o seguinte: Noutra época, aqueles que olhamos hoje como espíritos do universo passaram por um nível que corresponde àquele em que a humanidade se encontra, ou seja, o caótico. Esses espíritos do universo se elevaram para o seu nível divino, no qual as suas manifestações de vida ressoavam harmoniosamente no cosmos. O que hoje nos é revelado como a trajetória harmoniosa do sol durante o ano, no crescer das plantas, na vida dos animais, era antes caótico e lutou para alcançar essa grande harmonia. E no nível em que esses espíritos se encontraram uma vez, está hoje o homem. Ele vai desenvolver-se do caos para uma harmonia futura que será imitada do sol atual, da harmonia universal atual.
E isto é colocado não como uma teoria, não uma doutrina, mas sim como um sentimento vivo em nossas almas, o sentimento natalino antroposófico. Se sentimos autenticamente que nas alturas dos céus aparece a gloria, a revelação da harmonia divina, e sabemos que a revelação dessa harmonia soará alguma vez nas nossas almas, então sentimos aquele outro elemento que surgirá dentro da humanidade através desta harmonia, sentimos a paz, a paz daqueles que têm uma boa vontade. Assim se juntam os dois sentimentos de natal. Olhando dessa perspectiva para a ordem cósmica divina, para a revelação, para a glória nas alturas dos céus, e olhando para o futuro humano, podemos pressentir hoje aquela harmonia que terá lugar na Terra no futuro, naqueles que tenham o sentimento para isso. Quanto mais submerge em nós aquilo que sentimos como harmonia no mundo, tanto mais paz existirá na Terra no futuro, naqueles que tenham o sentimento para isso. Quanto mais submerge em nós aquilo que sentimos como harmonia no mundo, tanto mais paz existirá na Terra.
Assim o grande ideal da paz aparece diante de nossas almas como um sentimento natural dos mais elevados, quando, nos dias de natal, sentimos de forma correta a trajetória do sol dentro da natureza. Sentindo nesses dias o triunfo da luz do sol sobre a escuridão, sentimos a grande confiança que une nossas almas em desenvolvimento com essa harmonia cósmica, então não deixaremos fluir em vão o que vive dessa harmonia cósmica nas nossas almas. Aí vive em nós algo que é harmonia, e na alma se submerge a semente que traz a paz para a terra, no sentido da paz das religiões. E aqueles que têm a boa vontade são os que sentem tal paz das religiões. E aqueles que têm a boa vontade são os que sentem tal paz, aquela paz que vem para a terra quando se alcança o nível da harmonia para a razão uniforme. E então, no lugar das lutas e disputas teremos o amor que impregna tudo, do qual Goethe diz no mesmo hino, que já mencionei que bastam alguns goles cálice do amor para sobreviver sem danos numa vida cheia de esforço.
Por isso, a festa de natal foi uma boa festa de confiança e esperança em todas as religiões da sabedoria, porque nesses dias sentimos que a luz deve triunfar. Da semente semeada na terra surgirá algo que a busca a luz e que crescerá na luz do novo ano. E tal como a semente da planta está submersa na terra amadurece À luz do sol, da mesma forma a verdade divina, a alma divina a verdadeira, está submersa nos abismos da vida de instintos e paixões. Lá embaixo, na escuridão, esta alma do sol divino deverá amadurecer. E assim como é verdade que através da vitória da luz sobre a escuridão é permitido que a semente amadureça, assim é verdade que através da constante vitória, na alma, da luz sobre a escuridão, é permitida a vitória à luz da alma. E assim como é verdade que na escuridão só existe luta e na luz só paz, assim é verdade que surgirá, com uma compreensão certa da harmonia cósmica, a paz cósmica. Esta é a profunda e verdadeira palavra também do cristianismo: Glória nestes dias, revelação nestes dias aos poderes divinos das alturas nos céus, e paz aos homens de boa vontade.
A partir desse sentimento cósmico, a Igreja Cristã decidiu no século IV, colocar festa do nascimento do salvados do mundo nos mesmos dias em que se celebravam o triunfo da luz sobre a escuridão em todas as religiões de sabedoria. Até o século IV, a festa de natal, a festa do nascimento de Cristo era totalmente variável, e só nesse século tomou-se a decisão de colocar o nascimento do Cristo no dia em que sempre foi celebrada a vitória da luz sobre a escuridão.
Hoje não podemos nos ocupar com os sábios ensinamentos do cristianismo, que serão objetos de conferências no próximo ano. Mas, hoje se deve afirmar que nada foi mais certo do que colocar a festa do nascimento desta individualidade divina nessa época em que é oferecido ao cristão a confiança e a esperança de que a sua alma, a sua divindade, logrará a vitória sobre aquilo que é escuridão no seu mundo puramente exterior.
Assim o cristianismo sintoniza com todas as outras religiões mundiais. E quando os sinos de natal ressoam, o homem pode se lembrar de que nestes dias esta festa foi celebrada em todo o mundo. Em todos aqueles lugares em que se compreende o verdadeiro progresso da alma humana na superfície da Terra foi celebrada esta festa, onde se tinha um conhecimento do que era espírito e vida espiritual, onde se tentava exercer, de forma prática, o auto-conhecimento.
Aquilo de que falamos hoje não é um sentimento indefinido, abstrato, da natureza, mas sim um sentimento da natureza em toda a vivacidade espiritual. Voltando às palavras de Goethe: natureza, nós estamos por ela envolvidos e abraçados, etc, deve ficar bem claro de que não estamos explicando a natureza de forma materialista, mas sim de que vemos nela a expressão externa, a fisionomia do espírito cósmico divino. E tal como corpora nasce do corporal, o anímico espiritual nasce do anímico-divino e do espiritual-divino, e como o corporal se une com forças materiais, o anímico se une com o espiritual.
E para sentir isso em relação ao universo, para usar o nosso conhecimento e o nosso pensar de maneira a se sentir de forma totalmente clara e não difusa, em unidade com o universo, para isto as festas são como símbolos para a humanidade. E quando novamente se sente algo disto, essas festividades serão um pouco diferentes do que são hoje, elas novamente se implantarão vivamente na alma e coração, e se tornarão então, aquilo que elas realmente deveriam ser: os pontos chaves do ano que nos unem ao espírito do cosmos.
Quando, durante todo ano, cumprimos nossas tarefas e deveres para com a vida cotidiana, nestes pontos então, olhamos para aquilo que nos une com o eterno. E se sabemos também que no decorrer do ano “lutamos” por algumas coisas, nestes dias nos sobrevêm um sentimento do que acima de toda luta e de todo caos existe uma paz e uma harmonia. Por isso, estas festividades são as festividades dos grandes ideais, e a festa do natal é a festa do nascimento do maior ideal da humanidade, do ideal que a humanidade deve conseguir se quiser alcançar o seu destino. A festa do nascimento daquilo que o homem pode sentir e querer: eis a festa de natal compreendida corretamente.
A ciência espiritual antroposófica quer contribuir para que esta festa seja novamente entendida dessa forma. Não queremos enviar ao mundo um dogma, uma doutrina, uma pura filosofia, queremos enviar vida. Este é o nosso ideal. Que flua para a vida tudo aquilo que dissemos e ensinamos, tudo aquilo que contém os nossos livros e a nossa ciência. E fluirá na vida quando o homem exercitar esta ciência espiritual em todos os aspectos da vida cotidiana, de maneira que não precisamos falar mais desta ciência, quando dos púlpitos ressoa vida cientifico – espiritual através das palavras que são dirigidas aos crentes – sem que seja pronunciada a palavra Teosofia ou ciência espiritual. Quando em todas as instituições de justiça são vistas as ações dos homens como um sentir cientifico – espiritual, quando o médico ao lado do leito do paciente sente e cura de maneira cientifico – espiritual , quando na escola o professor ensina uma ciência espiritual para acriança em desenvolvimento, quando em todas as ruas se pensa, se sente e se atua de forma cientifico – espiritual, de forma que a doutrina cientifico – espiritual se torne supérflua. Então alcançou-se o nosso ideal, e a ciência espiritual será uma questão cotidiana com a espiritual através do pensar, sentir e querer cientifico – espiritual. Assim, por outro lado permitirá que nos grandes dias de festas, o eterno, o imperecível, o sol espiritual, ilumine a sua alma, fazendo-o lembrar-se que nele existe algo verdadeiro, um Eu superior, algo divino, solar, cheio de luz, que sempre triunfará sobre a escuridão e o caos, que dará uma paz à alma, que agirá trazendo equilíbrio acima de toda luta, guerra e descontentamento no mundo.
Rudolf Steiner – GA 54 – 14 de dezembro de 1905
GA 240 – Torquay, 21 de Agosto de 1924, Leitura:
Relações Cármicas – Estudos Esotéricos Volume VIII
MICAEL, ARTHUR E O GRAAL
(…) Em nossa época o impulso do Ser conhecido na terminologia cristã como arcanjo Michael é responsável pela condução espiritual de nossa civilização. Esta direção Michaélica da vida espiritual – se assim a pudermos chamar –teve seu início por volta de 1870 e foi precedida pela regência de Gabriel, como já lhes disse. Eu agora vou falar-lhes algo acerca de alguns aspectos da presente época Michaélica.
Sempre que Michael envia seus impulsos à evolução humana terrena ele é o portador de forças solares, das forças espirituais do Sol. Isto está conectado com o fato de os homens receberem durante o estado de consciência de vigília estas forças solares em seus corpos físico e etérico.
Na presente época de regência Michaélica – que principiou há relativamente pouco tempo e que durará por três ou quatro séculos – isto significa que as forças cósmicas do Sol penetram diretamente nos corpos físico e etérico humanos. Aqui poderíamos perguntar: Que espécie de forças, que tipo de impulsos são estas forças cósmicas solares?
Michael é essencialmente um espírito solar. E ele é o Espírito cuja tarefa em nossa época é suscitar um entendimento mais profundo e esotérico das verdades do Cristianismo.
Cristo veio do Sol. Cristo, o Ser do Sol, habitou na Terra no corpo de Jesus e vive desde então em comunhão supra-sensível com o mundo dos seres humanos. Porém, antes que o Mistério ligado ao Cristo possa revelar-se à alma, a humanidade precisa estar suficientemente madura. Este necessário aprofundamento será em grande extensão, atingido durante a presente era de Michael.
Ora, sempre que forças solares atuam sobre a Terra, elas estão invariavelmente ligadas ao impulso que flui à civilização terrestre como uma onda transbordante de intelectualidade, pois em nossa esfera de existência tudo o que os seres humanos possuam em termos de intelectualidade ou inteligência deriva do Sol. O Sol é a fonte de toda a vida intelectual que opera a serviço do Espírito.
O pronunciamento desta verdade pode evocar certa resistência hoje, pois as pessoas corretamente não atribuem um grande valor ao intelecto em sua presente forma. Aqueles que têm algum entendimento da vida espiritual não dão grande importância à intelectualidade prevalente na era moderna. Ela é abstrata e formal, enchendo a mente humana com idéias e conceitos inteiramente distantes da realidade viva. Comparada à cálida, radiante e pulsante vida através do mundo e da humanidade, ela é fria, seca e infrutífera.
No que diz respeito à inteligência, entretanto, isto somente se aplica ao tempo presente, uma vez que estamos no início da época de Michael e o que possuímos como inteligência está apenas no começo de seu desenvolvimento na consciência humana geral. Com o tempo, essa inteligência assumirá um caráter totalmente diferente. A fim de perceber como a natureza da inteligência muda durante o curso da evolução humana, recordemos que na época medieval o filósofo cristão Tomás de Aquino ainda falava de Seres, de “Inteligências Planetárias”, inteligências habitando as estrelas. Em contraste com a visão materialista que hoje vigora, nós mesmos também consideramos as estrelas como colônias de seres espirituais. Isto pode parecer estranho e artificial aos ouvidos do homem moderno que não tem a mais remota idéia de que ao contemplar as estrelas olha para Seres que se relacionam de certo modo com sua própria vida, e que habitam as estrelas da mesma forma como nós habitamos a Terra.
No século treze, quando Tomás de Aquino falou de Seres nas estrelas, ele atribuiu a cada estrela um Ser Único, da mesma forma como a humanidade terrena poderia ser considerada como uma unidade se a Terra fosse observada de algum corpo celeste distante. Nós mesmos sabemos que as estrelas devem ser concebidas como colônias de Seres no Cosmo. Tomás de Aquino não falava de seres específicos ou números de seres habitando as estrelas, mas quando se referia às “Inteligências” das estrelas, esta autoridade da doutrina cristã medieval estava dando continuidade a uma tradição que naquele tempo já estava quase morrendo. Isto é uma indicação de que o que é compreendido por inteligência hoje foi outrora compreendido de maneira inteiramente diferente.
Em tempos muito antigos os seres humanos não produziam seus pensamentos a partir de si mesmos. Quando eles pensavam sobre as coisas do mundo, seus pensamentos não eram produto de sua própria atividade interior. A faculdade do pensar, a propriedade de formar os pensamentos só veio a se desenvolver plenamente a partir do século XV, desde a entrada da Alma da Consciência na evolução da humanidade. Em tempos mais remotos, pré-cristãos, jamais teria ocorrido às pessoas acreditar que pudessem formar seus próprios pensamentos; elas não se sentiam responsáveis pela formação de seus pensamentos, mas antes, que eles lhes eram revelados a partir das coisas do mundo. Elas sentiam: a inteligência é universal, cósmica; ela está contida nas coisas do mundo; o conteúdo inteligente das coisas, o pensamento vivente nas coisas do mundo é percebido, tal como as cores são percebidas; o mundo é pleno de inteligência, permeado em toda parte pela Inteligência. No curso da evolução a humanidade adquiriu uma gota da Inteligência que se espalha e permeia todo o universo. Esta era a concepção de antigos tempos.
E assim os seres humanos estavam conscientes todo o tempo de que seus pensamentos eram revelados a eles, eram-lhes inspirados. Ou seja, as pessoas atribuíam Inteligência somente ao Universo, não a si mesmas.
Através das eras, o regente da Inteligência Cósmica, que se derrama como luz sobre todo o mundo, foi sempre o Espírito conhecido pelo nome de Michael. Michael é o Regente da Inteligência Cósmica. Contudo, após o Mistério do Golgotha ocorreu algo de profundo significado para o domínio de Michael sobre a Inteligência Cósmica, fazendo com que ela gradualmente deixasse sua esfera. Desde os primórdios da Terra, Michael tem administrado a Inteligência Cósmica. E no tempo de Alexandre e Aristóteles quando os seres humanos tinham consciência dos pensamentos – isto é, do conteúdo da inteligência dentro deles — eles não consideravam estes pensamentos como seus próprios, como pensamentos auto-forjados. Eles os sentiam como revelação dada a eles pelo poder de Michael, embora naquela era pagã este ser fosse conhecido por um nome diferente. Este conteúdo que lhes preenchia o pensamento então gradualmente deixou a esfera de Michael. E se nós olharmos dentro do mundo espiritual veremos que por volta do século VIII/ IX, a descida da Inteligência do Sol para a Terra se consumou. No século IX as pessoas já começavam aqui e ali, como precursores dos que viriam mais tarde, a desenvolver uma inteligência pessoal própria. A inteligência começou a criar raízes nas almas de seres humanos individuais. E assim, olhando desde o Sol para a Terra, Michael e suas hostes podiam dizer: “Aquilo que regemos através dos tempos retirou-se de nosso domínio, fluiu para baixo e pode agora ser encontrado nas almas humanas na Terra.”
Tal era a atmosfera, o sentimento prevalente na comunidade Michaélica sobre o Sol. Durante a era de Alexandre e por uns poucos séculos antes dela, Michael exercera sua regência prévia. Por ocasião do Mistério do Golgotha, entretanto, Michael e suas hostes estavam na esfera solar e de lá testemunharam a partida do Cristo do Sol; eles não testemunharam, como aqueles que se encontravam embaixo, a chegada do Cristo à Terra. Michael e suas hostes testemunharam a partida do Cristo e ao mesmo tempo viram que seu domínio sobre a Inteligência foi gradualmente se retirando de seu alcance.
Logo após o Mistério do Golgotha, portanto, o curso do desenvolvimento se deu da seguinte forma: Cristo desceu à Terra e viveu em união com ela. Até o século VIII ou IX a Inteligência Cósmica foi pouco a pouco descendo à Terra; e as pessoas começaram a atribuir o que elas chamavam de conhecimento – o que elas desenvolviam em seus pensamentos – à sua própria inteligência. Michael viu que aquilo que ele administrara por tempos encontrava-se agora nas almas humanas. E assim a comunidade michaélica compreendeu: “Durante nosso próximo período de regência – que se iniciará no último terço do século XIX – quando nossos impulsos uma vez mais serão lançados sobre a civilização terrestre, nós teremos de buscar sobre a terra a Inteligência que desceu dos céus, a fim de podermos novamente administrar – agora nos corações e almas humanos – o que por anos regemos desde o Sol”. Deste modo a comunidade michaélica preparou-se para encontrar nos corações humanos o que caíra de seu domínio e que sob a influência do Mistério do Golgotha também tomara o caminho, embora lentamente, do céu para a Terra.
Eu agora gostaria de indicar brevemente como Michael e suas hostes se empenharam para que, com o início de sua nova era de regência, eles pudessem uma vez mais retomar o domínio sobre a Inteligência que descera dos céus. Desse momento em diante, Michael que buscava desde o Sol aqueles que na Terra percebiam o espiritual no cosmo, desejava estabelecer sua cidadela nas almas e corações dos seres humanos terrenos. Isto deve acontecer em nossa época. O Cristianismo deve ser conduzido a um reino de verdades mais profundas, visto que o entendimento do Cristo como Ser Solar deve surgir entre os homens com a ajuda de Michael, o Espírito Solar que foi sempre o regente da Inteligência cósmica, e que já não pode agora administrá-la do Cosmos, mas deseja no futuro regê-la através dos corações humanos.
Ao procurar descobrir a origem e a fonte da Inteligência qualquer que seja a forma em que ela se revele, as pessoas olham hoje para a cabeça humana porque tendo descido dos céus para a Terra, a Inteligência tece dentro da alma e se manifesta internamente por meio da cabeça. Não foi sempre este o caso; houve tempo em que os seres humanos buscavam a Inteligência ou sua essência tal como ela se revelava desde o Cosmos. Em tempos antigos as pessoas procuravam a inteligência não pelo desenvolvimento das faculdades da cabeça, mas buscando as inspirações transmitidas a elas pelas forças cósmicas.
Um exemplo de como a humanidade de outras épocas buscava a Inteligência Cósmica pode ser encontrado quando se visita, como fizemos nós no último domingo, aquele local em Tintagel que foi uma vez o sítio do Castelo do Rei Arthur e onde Arthur e seus companheiros exerceram um poder de enorme significado para a Europa.
A partir dos relatos contidos em documentos históricos não será fácil formar uma verdadeira concepção das tarefas e missão do Rei Arthur e sua Távola Redonda, como era chamada. Isto, no entanto, torna-se possível quando se permanece no real sítio do castelo e se contempla com o olho do espírito toda a extensão do mar que o rochedo de permeio parece dividir em dois. Ali, por um lapso de tempo relativamente curto, pode-se perceber o maravilhoso relacionamento entre a luz e o ar, e também os seres elementais viventes na luz e no ar. Pode-se ver seres espirituais fluindo à Terra nos raios de sol, pode-se vê-los refletidos nas cintilantes gotas de chuva, pode-se ver o que se encontra sob o domínio da gravidade aparecendo no ar como espíritos do ar mais densos. E novamente, quando a chuva para, e os raios de sol voltam a brilhar através do ar cristalino, pode-se perceber os espíritos elementais entremesclando-se de maneira bem diferente. Ali se pode testemunhar como o sol atua sobre a substância terrestre, e observando tudo isso de um lugar como este, é como se fôssemos tomados de uma espécie de piedade pagã – não cristã, mas pagã, que é algo totalmente diferente. A piedade pagã é uma entrega do coração e dos sentimentos à multiplicidade de seres atuantes nos processos da natureza.
Em meio às condições da vida social moderna não é possível para as pessoas, de um modo geral, aperceber-se dos processos que vêm à expressão no curso das forças da natureza. Estas coisas só podem ser penetradas pelo conhecimento iniciático. Mas vocês devem compreender que cada conquista e avanço espiritual dependem fundamentalmente de alguma condição essencial.
No exemplo que lhes dei esta manhã para ilustrar como o conhecimento do fenômeno material pode ser incrementado e expandido, eu falei do entretecimento e da harmonização do carma de dois seres humanos como um fator necessário. E nos dias do Rei Arthur e aqueles à sua volta, condições especiais também eram requeridas para que a espiritualidade tão maravilhosamente revelada e nascida pelo movimento do mar nos rochedos pudesse fluir para suas tarefas e missão.
Este inter-relacionamento entre o ar transpenetrado pela luz do sol e as ondas espumantes se mantém ainda hoje. Sobre o mar e as rochas deste lugar, a natureza ainda transborda de espírito. Mas apoderar-se das forças espirituais atuantes na natureza estaria além das possibilidades de um único indivíduo. Um grupo era necessário, um grupo cujo membro que se sentisse representante do sol deveria estar no centro, e cujos doze companheiros eram treinados de sorte que no temperamento, disposição e maneira de agir, todos juntos formassem um todo duodécuplo: doze indivíduos reunidos como as constelações zodiacais agrupadas ao redor do sol. Tal era a Távola Redonda: o Rei Arthur ao centro, circundado pelos doze, sendo que acima de cada um deles um símbolo zodiacal estava disposto, indicando a qualidade particular da influência cósmica com a qual estava associado. Forças civilizatórias partiram deste lugar para a Europa. Foi aqui que o Rei Arthur e seus doze Cavaleiros extraíram do Sol para dentro de suas almas as forças para apresentar em suas poderosas expedições através da Europa em batalhas contra os poderes selvagens e demoníacos que ainda dominavam grandes massas da população, expulsando-os dos seres humanos. Sob a direção do Rei Arthur estes Doze batalhavam pela civilização exterior.
Para compreender o que os doze sentiam acerca de si mesmos e sua missão, devemos lembrar que naqueles tempos as pessoas não se reconheciam como portadoras de uma inteligência pessoal própria. Elas não diziam: “Eu formo meus pensamentos; meus pensamentos estão preenchidos com minha própria inteligência”. As pessoas experimentavam a inteligência como revelação, e buscavam esta revelação mediante a formação de grupos como o que acabei de descrever – um grupo de doze ou treze. Ali eles assimilavam a Inteligência que lhes possibilitava dar direção e definição aos impulsos necessários à civilização. E este grupo também sentia que realizava seus feitos a serviço do poder conhecido na terminologia hebraico-cristã como Michael. Toda a configuração do castelo de Tintagel indica que os doze sob a direção de Arthur eram essencialmente uma comunidade Michaélica, pertencendo à era em que Michael ainda regia a Inteligência Cósmica.
Esta foi comunidade que verdadeiramente por mais tempo que qualquer outra trabalhou para assegurar que Michael mantivesse seu domínio sobre a Inteligência Cósmica. Nas ruínas do castelo do Rei Arthur hoje, a crônica do Akasha ainda preserva as imagens das pedras caindo daqueles que haviam sido tão poderosos portais, e estas pedras caindo tornam-se uma imagem para a queda da Inteligência Cósmica, retirando-se das mãos de Michael para as mentes e corações dos seres humanos.
Num outro lugar, esta corrente Arturiano-Michaélica tem seu contraste polar na corrente do Graal, da qual nos fala a lenda de Parsival. Esta outra corrente veio à existência em um lugar onde uma forma mais íntima de Cristianismo buscara refúgio. Na corrente do Graal também, nós temos Doze ao redor de Um, mas neste caso, considera-se que a Inteligência – os pensamentos preenchidos pela Inteligência – já não fluem como revelação do Céu para a Terra. O que agora flui descendentemente, quando comparado aos pensamentos terrenos, se parece com o puro tolo, Parsival. Assim, a corrente do Graal entende que a Inteligência deve agora ser buscada dentro da esfera terrena apenas.
Lá ao norte, fica o Castelo de Arthur, onde os seres humanos ainda se votam à Inteligência Cósmica, esforçando-se para imprimir a Inteligência pertencente ao Universo na civilização terrena. E mais ao sul, encontra-se o outro castelo, o Castelo do Graal, no qual a Inteligência já não é absorvida do Céu, onde se compreende que o que é sabedoria ante a humanidade é tolice diante de Deus e o que é sabedoria diante de Deus é tolice perante os homens. O impulso procedente deste outro castelo ao sul, busca penetrar a Inteligência que já não é Inteligência Cósmica.
E assim, em tempos antigos e prosseguindo para a era em que o Mistério do Golgotha ocorreu na Ásia, encontramos na corrente de Arthur um esforço intenso para assegurar o domínio Michaélico sobre a Inteligência, enquanto na corrente do Graal, que emergiu da Espanha, encontramos um esforço que leva em conta o fato de que a Inteligência deve no futuro ser encontrada na Terra, uma vez que já não flui do Céu. A importância do que acabei de descrever-lhes transparece em toda a lenda do Graal.
O estudo destas duas correntes traz à luz a grande questão surgida da situação histórica daquele tempo. Os seres humanos são confrontados com as conseqüências – os pós-efeitos – de ambos os princípios: o Arturiano e o do Graal. A questão é : Como é que o próprio Michael, não um ser humano como Parsival, mas o próprio Michael, pode encontrar o caminho que leva dos cavaleiros de Arthur que procuram assegurar-lhe a soberania cósmica, para os cavaleiros do Graal, que intentam preparar o caminho para Ele nos corações e almas humanos a fim de que Ele possa desse modo retomar a Inteligência? Aqui o grande problema de nossa era toma forma: Como pode a nova era de Michael produzir um entendimento mais profundo do Cristianismo? De forma arrebatadora esta questão nos confronta, marcada pelo contraste entre os dois castelos: aquele do qual as ruínas podem ser vistas ainda hoje em Tintagel, e o outro castelo que não será facilmente visto por olhos humanos, uma vez que no reino espiritual ele está envolto como que por uma floresta sem trilha, com sessenta léguas de cada lado.
Entre estes dois castelos paira a grande questão: Como pode Michael tornar-se o doador do impulso que conduzirá a uma compreensão mais profunda das verdades do Cristianismo?
Ora, não seria correto dizer que os cavaleiros do Rei Arthur não lutavam por Cristo e pelo verdadeiro impulso Crístico. Simplesmente acontece que eles traziam em si um impulso para buscar o Cristo no Sol e não abandonariam sua convicção de que o Sol era a fonte do Cristianismo. Daí seu sentimento de estarem trazendo o Céu para a Terra, de que as batalhas de Michael eram travadas por Cristo que atua desde os raios do Sol. Mas na corrente do Graal, o impulso Crístico é expresso de forma diferente. Ali as pessoas tomam consciência de que o impulso Crístico, tendo descido à Terra, deve daí em diante ser levado a efeito por meio dos corações humanos. Pois elas estavam convencidas de que a Essência espiritual do Sol se unira à evolução terrestre.
Eu já lhes falei em outras ocasiões de indivíduos que no século XII ensinavam e atuavam na Escola de Chartres, onde ensinamentos, ainda inspirados por uma elevada e sublime espiritualidade, eram transmitidos. Falei-lhes em particular dos mestres da Escola de Chartres, entre eles, Bernardus Sylvestris, Bernard de Chartres, Alanus ab Insulis – e ainda havia outros, também rodeados por um grande círculo de pupilos. Recordando-nos do que era especialmente característico destes mestres em Chartres, poderíamos dizer: Em certa medida eles ainda preservavam consigo as antigas tradições da natureza de vitalidade fecundante em oposição a uma natureza material abstrata e sem vida. E esta era a razão pela qual ainda pairavam sobre a Escola de Chartres elementos daquele Cristianismo Solar que os heróis da Távola Redonda, como cavaleiros de Michael, lutavam para implantar como impulso no mundo.
De maneira notável a Escola de Chartres encontrava-se a meio caminho entre o princípio Arturiano do Norte e o princípio do Graal mais ao Sul. E como imagens lançadas pelo castelo do Rei Arthur e pelo castelo do Graal, impulsos invisíveis, supra-sensíveis abriram caminho, não tanto para o cerne dos ensinamentos, senão que para toda a atitude e disposição de alma reinante entre os pupilos que se reuniam com grande entusiasmo nos salões de conferência de Chartres– como seriam hoje chamados. Naqueles tempos o Cristianismo apresentado por estes mestres era tal que Cristo era concebido como o sublime Espírito Solar que aparecera em Jesus de Nazaré. De sorte que quando os mestres falavam do Cristo eles viam seu impulso em ação na evolução terrena nos termos da idéia do Graal, e ao mesmo tempo também viam n’Ele o impulso que descera do Sol.
O que é revelado à observação espiritual como essência e nota chave dos ensinamentos dados em Chartres não pode ser descoberto a partir dos textos literários que sobreviveram ao tempo e foram atribuídos aos conhecidos Mestres desta Escola. Para um moderno estudioso tais escritos parecem não passar de glossários de nomes. Mas nas breves sentenças que se interpõem entre as incontáveis designações, nomes, definições, aqueles que lêem com penetração espiritual poderão discernir a profunda espiritualidade, o profundo insight que ainda possuíam os Mestres de Chartres.
Em direção ao final do século XII, estes professores passaram através do portal da morte para o mundo supra-sensível. E lá eles se uniram a uma outra corrente, a qual também estava ligada à antiga era de Michael, mas que considerava plenamente como verdade central do Cristianismo, que o impulso do Cristo descera dos Céus à Terra. No mundo espiritual, os mestres de Chartres entraram em contato com tudo o que os antigos Aristotélicos haviam alcançado em preparação para o Cristianismo como resultado das expedições de Alexandre à Ásia. Eles inclusive entraram em contato com a própria individualidade que vivera como Aristóteles, bem como a de Alexandre – que estavam então no mundo espiritual. O impulso do qual estas duas individualidades eram portadoras não podia se manifestar na Terra naquele tempo porque para isso era necessário o abandono do antigo Cristianismo inspirado pela natureza, que ainda se refletia nos ensinamentos de Chartres, nos quais, assim como na Távola Redonda de Arthur, o Cristianismo pagão, pré-cristão prevalecia. Nos dias de Chartres não era possível para os Aristotélicos – aqueles que haviam estabelecido e promovido o Alexandrismo – estar na Terra. Seu tempo viria mais tarde, começando no século XIII.
No intervalo que se deu, entretanto, sucedeu algo de grande significado. Quando os mestres de Chartres e os que estavam associados a eles passaram pelo umbral da morte ao mundo espiritual, eles se reuniram com as almas daqueles que se preparavam para descer ã Terra e que seriam levados por seu carma à Ordem que, sobretudo, estava conectada com o cultivo do conhecimento em sua forma Aristotélica __ os Dominicanos. Os representantes de Chartres se juntaram então àqueles que se preparavam para uma nova existência.
Usando palavras triviais da linguagem contemporânea, eu vou então descrever-lhes o que se passou. Na virada do século XII para XIII, ou no início do século XIII – uma espécie de conferência teve lugar entra as almas dos que acabavam de chegar ao mundo espiritual e aquelas que estavam prestes a descer. E chegaram a um solene acordo, no qual o Cristianismo Solar tal como expresso, por exemplo, no princípio do Graal e também nos ensinamentos de Chartres deveria agora unir-se com o Aristotelismo. Aqueles que desceram à Terra tornaram-se os fundadores da Escolástica, cujo significado espiritual jamais foi realmente acessado, e no qual, a princípio, as pessoas esperavam ganhar o dia por sua visão de imortalidade pessoal no sentido cristão advogando-a da maneira mais extrema e radical. Os mestres de Chartres punham menos ênfase sobre este princípio da imortalidade humana pessoal. Eles falavam menos de uma imortalidade pessoal, individual, do que faziam os Dominicanos Escolásticos. Eles ainda se inclinavam à visão segundo a qual a alma tendo passado pelo portal da morte retorna ao seio do Divino.
Muitos acontecimentos significativos estiveram ligados ao que aqui se passou. Por exemplo: Quando um dos Escolásticos descera à Terra do mundo espiritual para trabalhar em prol da disseminação do Cristianismo em forma Aristotélica, ele ainda não era, a princípio, plenamente capaz de compreender a essência do princípio do Graal. O carma o havia predisposto a isto. E esta é a razão para o aparecimento relativamente tardio da versão de Wolfram Von Eschenbach da história do Graal. Outra alma que desceu à Terra um pouco depois desta primeira trouxe consigo o impulso que era necessário e dentro da Ordem Dominicana, deliberações foram tomadas entre o dominicano mais jovem e o mais velho acerca da forma como o Aristotelismo poderia se unir com o Cristianismo que, inspirado na natureza, prevalecia na corrente dos mistérios Arturianos.
Então veio o tempo em que aquelas individualidades que viveram como mestres na Ordem Dominicana deviam retornar ao mundo espiritual. E agora um grande acordo se deu sob a liderança do próprio Michael que, olhando para a Inteligência que ora se encontrava na Terra, reuniu em torno de si Seres Espirituais pertencentes aos mundos supra-sensíveis, uma grande legião de seres elementais e muitas, muitas almas humanas desencarnadas que ansiavam por uma renovação do Cristianismo.
Porém era ainda muito cedo para que isto se realizasse no mundo fisico. Assim uma grande e poderosa Escola supra-sensível foi instituída sob a direção de Michael, abarcando todas aquelas almas em quem os impulsos do paganismo ainda ecoavam, mas não obstante ansiavam pelo Cristianismo, e aquelas almas que haviam vivido na Terra durante os primeiros séculos da cristandade e que traziam consigo em seu íntimo o cristianismo na forma que ele assumira então. Uma legião de seres michaélicos reuniu-se em reinos supra-sensíveis recebendo no mundo espiritual os ensinamentos que haviam sido transmitidos pelos mestres Michaelitas no tempo de Alexandre, o grande, no tempo da tradição do Graal e que também se fizeram sentir nos impulsos que emanaram da Távola Redonda do Rei Arthur.
As almas cristãs de todo tipo e qualidade sentiram-se atraídas por esta comunidade Michaélica em que, de um lado, profundos ensinamentos eram transmitidos acerca dos antigos mistérios e dos impulsos atuantes em outros tempos enquanto, de outro lado, uma visão do futuro era-lhes descortinada – quando, no último terço do século XIX Michael novamente atuaria como Espírito da época e quando todos os ensinamentos dados em sua Escola Celeste sob sua própria condução deveriam ser levados para a Terra.
Se vocês procurarem as almas que se reuniram em torno desta Escola de Michael naquele tempo, preparando-se para um período posterior quando se encarnariam, vocês as encontrarão entre elas muitos dos que agora sentem um impulso para se vincular ao movimento Antroposófico. O carma guiou estas almas. Na vida entre a morte e um novo nascimento eles se juntaram em torno do Ser de Michael preparando-se para levar à Terra uma vez mais um Cristianismo Cósmico.
O carma de muitas almas que se ligam à Antroposofia com real sinceridade está conectado com estes antecedentes e condições preliminares. É isto que faz do Movimento Antroposófico um verdadeiro movimento Michaélico, um movimento predestinado a levar o Cristianismo a uma renovação. Isto jaz no carma do Movimento Antroposófico. Isto está também no carma de muitos indivíduos que vêm com sinceridade a este movimento. Levar ao mundo o impulso de Michael que pode desta forma ser configurado em sua concreta realidade, e que é anunciado como um sinal na Terra hoje, e também se expressa no maravilhoso intercurso das forças da natureza nas imediações das ruínas do Castelo de Arthur – esta é a tarefa do Movimento Antroposófico num sentido muito especial. Pois, ao longo dos séculos, o impulso de Michael deve encontrar seu caminho para o mundo dos seres humanos, se não quisermos que a civilização pereça na Terra.
Rudolf Steiner – GA 240 – Torquay, 21 de Agosto de 1924
GA 236 – Dornach, em 04 de junho de 1924, Leitura:
A IDEIA DE PENTECOSTES COMO BASE NO SENTIMENTO PARA A COMPREENSÃO DO CARMA
Quando observamos o modo como atua o carma, precisamos dirigir nossa atenção ao fato de que o Eu do homem, que representa o verdadeiro carma, a mais profunda essência do homem, possui de certa forma três instrumentos, através dos quais se manifesta no mundo: o corpo físico, o corpo etérico e o corpo astral. O homem, no fundo, apenas se reveste do corpo físico, do corpo etérico e do corpo astral. Ele não é nenhum destes corpos, pois ele, no fundo, é o Eu. E é o Eu também que sofre o carma e forma o carma.
O que importa, no entanto, é levar em consideração a relação do homem como Eu para estas três, por assim dizer, formações instrumentais, com os corpos físicos, etérico e astral, a fim de obter, justamente com base nisto, uma compreensão da essência do carma. E conseguiremos obter um ponto de vista a observação do físico, do etérico, do astral no homem, um ponto de vista válido em relação ao carma, se levarmos em conta o seguinte:
O físico, como o vemos no reino mineral, o etérico, como o encontramos atuante no reino animal, tudo isto encontramos ao redor do homem na terra.
Temos no cosmo ao redor da terra, por assim dizer, aquele universo para o qual a terra se estende em todas as direções. É verdade que sentimos um certo parentesco entre aquilo que se passa na terra e aquilo que se passa no cosmo circundante. Mas a pergunta surge, de qualquer maneira, para a ciência espiritual: este parentesco é tão, digamos, trivial como a ciência natural contemporânea o imagina?
A ciência natural contemporânea examina as propriedades físicas daquilo que, com vida ou sem vida, existe na terra. Ela pesquisa, em seguida, as estrelas, o sol, a lua, etc., e ela acha – está especialmente orgulhosa por ter descoberto isto: que, no fundo, estes corpos celestes seriam o mesmo que a terra.
A este modo de ver chega-se, no entanto, somente através de um processo cognitivo que em parte alguma abrange o próprio homem, que, no fundo, só abrange o extrahumano. No momento em que compreendemos realmente o homem como parte integrante do universo, neste momento podemos encontrar a relação que existe entre cada um dos membros instrumentais do homem, o corpo físico, o corpo etérico, o corpo astral – e as respectivas entidades, aquilo que, no ser cósmico, lhes corresponde.
Encontramos então, para o corpo etérico, lá fora no cosmo, em toda parte, o éter universal. É verdade: o corpo etérico do homem tem uma forma humana específica, ele contem certas formas de movimento, etc.- estas são diferentes no éter universal. Mas, de qualquer maneira, é verdade que o éter universal é da mesma espécie que aquilo que se encontra no corpo etérico do homem.
Da mesma forma, podemos falar de uma semelhança entre aquilo que se encontra no corpo astral do homem e um certo astral que lá fora no cosmo atua através de todas as coisas e de todos os seres.
Chegamos a descobrir assim algo extremamente importante, algo que, em sua essência, é, no fundo totalmente estranho ao homem contemporâneo.
Vamos a partir de uma idéia esquemática: imaginemos na terra o homem com seu corpo etérico, ao redor da terra então o éter universal, que é da mesma espécie que o éter humano. Entretanto, temos no homem também o corpo astral; no cosmo ao redor, também há astralidade. Mas onde a encontraremos? Onde está ele? Pode-se encontrá-la, só que primeiro é preciso descobrir o que, no cosmo, revela astralidade: em algum lugar, temos que dizer, está a astralidade. Mas será que a astralidade no cosmo é totalmente invisível, totalmente imperceptível, ou será que é perceptível, de alguma maneira? Naturalmente, o éter, no fundo, também é, de início, imperceptível para os sentidos físicos. Se os senhores contemplarem um pequeno pedaço de éter – se permitem que use essa expressão, – então os senhores, com os sentidos físicos, não verão nada, simplesmente olharão através dela, o éter parecerá nada. Se contudo considerarem o éter circundante em seu todo, então os Senhores enxergarão o céu azul, que, no fundo, também não existe, justamente porque percebem o fim do éter. Quer dizer, os Senhores percebem o éter como azul do céu. A percepção do azul celeste é, em realidade, a percepção do éter. De modo que vale dizer: enquanto percebemos o azul do céu, estamos percebendo o éter ao nosso redor.
De início, olhamos através do éter. Isto ele tolera, de início, mas ele, de qualquer maneira, fez com que o percebamos no azul celeste. Portanto, a existência do céu azul para a percepção do homem é caracterizada corretamente quando se diz: é verdade que o éter não é perceptível, porem ele se eleva até a perceptibilidade pela grande majestade com que se coloca no mundo, anunciando-se, revelando-se no azul do céu.
Na ciência física pensa-se de maneira materialista sobre o azul do céu. Acontece que, para a ciência física, é difícil refletir de maneira sensata sobre o azul celeste, simplesmente porque a ciência física precisa compreender: lá, onde se encontra o azul do céu, não há nada de físico. Mas, mesmo assim, faz-se de toda espécie de acrobacia mental, a fim de explicar como raios de luz são refratados de um modo todo especial para provocar este azul do céu. Aqui, no entanto, já começa o domínio do suprassensorial. E no cosmo as coisas são de tal natureza que o suprassensorial torna-se perceptível, só que precisamos descobrir onde é que ele se torna perceptível.
O éter, portanto, torna-se perceptível através do azul do céu. E agora, em algum lugar está o astral no cosmo. O éter, através do azul celeste, transparece no sensorial. Onde é que o astral do cosmo transparece no visível, no perceptível?
Pois vejam bem, na verdade, cada estrela que vemos brilhar no céu é um portal de entrada para o astral. De modo que, em toda parte, onde estrelas reluzem, é o astral que reluz para dentro do nosso mundo. Quando, portanto, os Senhores vêem o céu em sua multiplicidade, aqui as estrelas amontoadas em grupos, aí mais dispersas, mais distantes uma da outra, então os Senhores precisam dizer a si mesmos: nessa maravilhosa configuração luminosa, o corpo astral invisível, suprassensorial do cosmo faz com que o enxerguemos.
Daí também não é lícito encarar o mundo das estrelas da forma não espiritual. Erguer o olhar para o mundo das estrelas e falar de mundos de gás incandescente, é a mesma coisa – desculpem a comparação paradoxa, mas ela é correta em todos os detalhes – como se alguém acariciasse os Senhores e, ao acariciá-los com a mão, mantivesse os dedos um pouco afastados um do outro, e os senhores dissesem: aquilo que sentem aí, são pequenas fitas que estão sendo colocadas sobre suas faces. Assim como não estão sendo colocadas pequenas fitas sobre suas faces, quando alguém os acaricia, assim também não se encontram lá em cima aquelas coisas das quais a física fala; o corpo astral do universo que exerça permanentemente sua influência sobre a organização etérica, da mesma forma como o acariciar age sobre as suas faces.
Só que é organizado para uma duração muito longa. Daí a permanência de uma estrela, que sempre significa uma influência do mundo astral sobre o éter universal, ser mais duradoura que o acariciar; o acariciar, o homem não o suportaria por tanto tempo. Mas acontece que, no universo, isto dura mais, porque as proporções no universo são gigantescas. De modo que o céu estrelado deve ser visto como uma manifestação anímica do astral universal.
Ao encará-lo assim, o cosmo torna-se para nós repleto de vida, até de vida anímica, realmente vida anímica. Pensem tão somente uma vez em como o cosmo está morto quando se olha para fora e se imaginam corpos de gás incandescente. Pense quanta vida tudo adquire quando se sabe: estas estrelas são a expressão do amor com que o cosmo astral atua sobre o cosmo etérico. Esta é uma expressão inteiramente correta.
Mas agora pensem naqueles fenômenos enigmáticos que não podem ser explicados apenas através de coisas físicas, pois estas, no fundo, não levam a compreensão alguma, nos fenômenos do resplandecer repentino de cartas estrelas, em determinadas épocas. Estrelas que ainda não estavam aí, aparecem, desaparecem novamente. Quer dizer que um acariciar breve também existe no universo. Em épocas quando, eu diria, os Deuses querem agir do mundo astral para dentro do mundo etérico, a gente vê tais estrelas que resplandecem e logo perdem novamente a luminosidade.
Assim temos dentro de nós, através de nosso corpo astral, as mais variadas sensações de bem-estar; assim, temos no cosmo, através do corpo astral, as configurações do céu estrelado. Não é de admirar, pois, que uma ciência antiga, instintivamente vidente, chamava este terceiro membro do homem de corpo astral, já que ele é da mesma natureza que aquilo que nas estrelas se revela. Só o Eu não encontramos revelando-se neste universo circundante. Por quê?
Bem, descobriremos por que é assim, se dirigirmos nossa atenção ao fato de que Eu do homem em sua manifestação na terra – isto é no cosmo que, no fundo, é um mundo trimembrado, físico, etérico e astral é uma repetição de vidas terrenas passadas. E ele também passa sempre por novos períodos de vida entra a morte e um novo nascimento.
Aí (nestes períodos) constatamos que o mundo etérico que circunda o mundo físico não tem para este Eu nenhum significado. Pois o corpo etérico, conforme sabemos, é deixado para trás, pouco tempo após a morte. Só o mundo astral, que reluz através das estrelas, tem um significado para o Eu durante a vida entre a morte e um novo nascimento. E neste mundo, que reluz através das estrelas, neste mundo vivem então os seres das hierarquias superiores, com as quais o homem, entre a morte e um novo nascimento, forma seu carma.
Entretanto, observando este Eu, ao passar pelo nascimento e pela morte, e entre a morte e um novo nascimento, não podemos permanecer no espaço. Duas vidas terrenas eu se seguem não podem, obviamente, acontecer no mesmo espaço, quer dizer naquele universo que depende da existência simultânea no espaço. Aí estamos saindo do espaço e entrando no tempo. E de fato, saímos do espaço, entramos no fluxo puramente temporal, quando observamos o Eu em suas subseqüentes vidas terrenas.
Agora pensem porém: no espaço, naturalmente, existe o tempo, mas não há meios, dentro do espaço, para vivenciar o tempo como tal. Não há meios. Somos forçados a vivenciar o tempo sempre através do espaço e dos fenômenos que neste ocorrem. Os Senhores, quando querem vivenciar o tempo, olham por exemplo ao relógio, ou então, se quiserem, olham para a trajetória do sol – o relógio é, na verdade, apenas um reflexo terreno da trajetória solar. Mas o que os senhores vêem aí? Os senhores vêem posições dos ponteiros ou posições do sol, fenômenos especiais. Pela mudança de lugar dos ponteiros ou do sol, isto é, pelo fato de termos perante nós alterações no espaço, temos uma noção do tempo. Mas, no fundo, não há, no espaço, nada do tempo. Há tão somente ordenações espaciais diferentes, posições diferentes dos ponteiros, posições diferentes do sol. O tempo, os Senhores o vivenciam somente depois de passarem para o vivenciar anímico. Aí, porém, vivenciam-no realmente, – e aí os Senhores também saem do espaço. Aí, o tempo é uma realidade. O tempo, no âmbito terrestre, não é realidade, absolutamente.
O que é preciso vivenciar, portanto, se do espaço, no qual vivemos entre o nascimento o nascimento e a morte, quisermos passar para o estado onde não há espaço, estado em que vivemos entre a morte e um novo nascimento, o que é preciso para tal? Bem, meus caros amigos, precisamos morrer. E considerem, em toda sua nitidez, em toda sua profundidade, o fato de que, na terra, o tempo só pode ser vivenciado através do espaço, através de localizações no espaço, através de objetos espaciais; que o tempo, na terra, não pode absolutamente ser vivenciado em sua realidade: encontrarão então, no fundo, uma outra palavra para designar a realidade contida na constatação: a fim de entrar no tempo em sua realidade, temos que sair do espaço, eliminar tudo que é espacial. Isto quer dizer: morrer. Significa morrer!
Cumpre-nos agora dirigir o olhar a este mundo cósmico que nos circunda em volta da terra, com o qual nos assemelhamos através do nosso corpo etérico, com o qual nos assemelhamos através do nosso corpo astral, e olharemos então ao espiritual deste mundo cósmico. Houve povos, houve grupos que olhava, só para o espiritual deste mundo cósmico em seu aspecto espacial. Privam-se assim de pensamentos sobre as subseqüentes vidas terrenas. Pois só aqueles homens, só aqueles grupos que conseguiam imaginar o tempo em seu aspecto puro, em seu aspecto não espacial, podiam ter pensamentos sobre as subseqüentes vidas terrenas.
E se conseguirmos abstrair aquilo que representa o nosso mundo terrenos e seu redor, isto é: o nosso cosmo, o nosso universo, e se avisarmos o espiritual que lhe corresponde, então teremos mais ou monos aquilo de que podemos dizer: é preciso que exista, para que possamos entrar para a existência como homens terrenos. É preciso que exista.
Sim, esta idéia: que tudo aquilo que acabo de caracterizar tem que existir, para que possamos entrar para a existência na Terra como homens terrenos, esta idéia tem um enorme alcance. Enorme sobretudo quando imaginamos o espiritual de tudo que assim foi caracterizado. E quando imaginamos este espiritual nesta sua – eu diria – forma puríssima e exclusiva, então teremos mais ou menos aquilo que era chamado de Deus por aqueles povos que se limitavam á contemplação do espaço.
Esses povos, em seus ensinamentos de sabedoria, pelo menos sentiam: o cosmo é permeado e transpassado por algo. Divino, e desse Divino distingue-se aquilo que há aqui na Terra ao nosso redor, no mundo físico.
Pode-se distinguir então aquilo que, neste cósmico, Divino, espiritual se manifesta como etérico, olhando para nós no azul do céu: Pode-se distinguir o astral neste divino, que nos olha através do céu estrelado.
Imaginemo-nos bem concretamente nesta situação, que estamos na Terra como homens no universo e dizemos: nós seres humanos temos o corpo físico, – onde está o físico no universo? Aí voltamos aquilo a que já aludi. A ciência física procura encontrar no universo tudo aquilo que também há na Terra. Mas a organização física propriamente dita não está no universo. O homem começa com a organização física, tem então a etérica, depois a astral; o universo já começa com organização etérica. Aí fora, o físico não está em lugar algum. O físico se encontra na Terra, e é completamente ilusório falar do físico no universo. No universo, há o etérico e depois o astral. O que o universo ainda tem como terceiro componente, apresentar-se-á, ainda hoje, perante nossas almas. Porém, a trimembração do cosmo é diferente da trimembração do cosmo qual a Terra faz parte.
Se contudo, nos colocarmos na terra com um tal sentimento; se sentirmos o físico do nosso habitat imediato, aqui na Terra, sentirmos o etérico que há na Terra e no universo, atuando em conjunto a partir da terra e a partir do universo, como etérico, se olharmos para o astral que através das estrelas reluz em direção à terra aqui embaixo, e mais intensamente nos reluz a partir da estrela solar, – quando olhamos para tudo isto e colocamos diante da nossa alma a grandiosidade desta idéia do universo; então achamos muito certo que naqueles tempos, quando, partindo da uma vidência mais ou menos instintiva, a humanidade não pensava só abstratamente, mas tinha a capacidade de sentir a grandiosidade das idéias, os homens foram levados a compreender: uma idéia tão grandiosa, em sua plenitude, não se pode pensá-la o tempo todo, é preciso focalizá-la uma vez, deixá-la agir em toda sua imensa gloriosidade sobre a alma, e em seguida deixar com que atue no íntimo do homem – sem que a consciência a estrague, a corrompa. E se refletirmos acerca da pergunta de como é que a antiga vidência instintiva pôs em prática este modo de pensar, acharemos que, de tudo quanto afluí aí para pôr em prática esta idéia dentro da humanidade, em nossa época temos ainda a instituição da festa de NATAL.
Na noite de Natal, quando o homem imagina como ele, aqui na terra, com seu corpo físico, seu corpo etérico, seu corpo astral, tem afinidade com o cosmo trimembrado que em seu etérico, no azul do céu, tão majestoso, mas ao mesmo tempo tão misteriosamente mágico lhe aparece de noite, – como ele se defronta com o astral do universo, nas estrelas que reluzem: então ele sente, no relacionamento sagrado do universo ao redor com aquilo que está no plano terrestre, como ele, com o carne de sua individualidade, as encontra agora dentro do espacial. E ele pode contemplar então o mistério de Natal, o menino que nasceu, o representante da humanidade na terra, deslocado para este mundo espacial para nele nascer, iniciando sua infância. E ele diz, quando se apercebe da idéia de Natal em sua plenitude e nesta sua grandiosidade, ao contemplar o menino nascido no Natal: EX DEO NASCIMUR. Do divino nasci, do divino que traspassa e permeia o espaço.
Mas então, depois de sentir isto, tendo se compenetrado disto, ele consegue lembrar-se daquilo que, através da Antroposofia, se lhe havia revelado como verdade sobre o sentido da terra. Este menino, para o qual olhamos, é o invólucro externo daquilo que, neste momento, está nascendo no espaço. E de onde ele provém para nascer no espaço? Isto, conforme as nossas explanações de hoje, só pode ser o tempo. É do tempo que ele nasce.
E se acompanharmos, em seguida, a vida deste menino, como ele é compenetrado pelo ser crístico, descobrimos: é do sol que vem este ser, este ser crístico. E erguemos agora o olhar para o sol e dizemos a nos mesmos: ao olhar para o sol, devemos ver nos raios solares o tempo que no espaço permanece oculto. No interior do sol está o tempo. E é deste tempo tecente no interior do sol que o cristo saiu, entrando no espaço, na terra.
E o que represente o Cristo na terra? O Cristo na terra representa aqui que, de fora do espaço, se liga à terra, que provém de fora.
Parem agora para pensar como a nossa idéia do universo, em relação á idéia comum real tudo o que acabamos de colocar diante da nossa alma! Temos aí no universo o sol com o tudo que, de início, se nos apresenta juntamente com o sol no universo, no cosmo, o que está contido no azul celeste, no mundo das estrelas. Em algum lugar, também aparece aí a terra com os seres humanos. Mas, ao erguermos o olhar para o sol, olhamos também para o fluxo do tempo.
Segue-se daí uma conclusão muito importante. A conclusão de que o homem só olha de forma correta para o sol, quando, olhando para o sol, mesmo que o faça apenas mentalmente, esquece o espaço e só leva em consideração o tempo. Assim encarado, o sol não só irradia a luz, mas também o próprio espaço. E quando olhamos para dentro do sol, olhamos para fora do espaço. O sol se distingue como estrela, porque olhamos para fora do espaço. Mas é deste fora-do-espaço que o Cristo veio aos homens. Quando o cristianismo foi fundado na terra por Cristo, o homem já se encontrava por um tempo demasiadamente longo somente no EX DEO NASCIMUR. Tornara-se afim com ele. Perdera o tempo completamente. Tornara-se um ser totalmente espacial.
Temos tanta dificuldade, com a consciência formada pela civilização contemporânea, de compreender as antigas tradições, pois estas, no fundo, sempre levam em conta o tempo e não o espaço, o espaço é considerado apenas um apêndice do tempo.
Veio então o Cristo e trouxe novamente o tempo aos homens. E o coração do homem, a alma do homem, o espírito do homem, ao se ligarem a Cristo, reconquistam a corrente do tempo da eternidade a eternidade. Que outra coisa resta a nós seres humanos quando morremos, quer dizer quando deixamos o mundo espacial, senão agarrar-nos aquilo que então nos devolve o tempo, já que a humanidade, na época do Mistério do Gólgota, havia se tornando um ser espacial a tal ponto que perdeu o tempo! O Cristo trouxe novamente o tempo aos homens.
E se, ao saírem do espaço, os homens não quiserem extinguir-se também com sua alma, é preciso que morram em cristo. Podemos ser homens espaciais, podemos então dizer: EX DEO NASCIMUR; podemos olhar então para o menino que, saindo do tempo, penetra o espaço, a fim de unir o Cristo aos homens.
Não podemos porém pensar no marco final da vida terrena, no morrer, desde o Ministério do Gólgota, se não quisermos pagar com a perda do tempo pela de Cristo, se não quisermos ser banidos para dentro do espaço e ficar no espaço como fantasmas. Aí, temos que morrer em Cristo. Aí, precisamos compenetrar-nos do Mistério do Gólgota. Aí, temos que encontrar e juntar ao EX DEO NASCIMUR o IN CHISTO MORIMUR. Temos que juntar à idéia de Natal a idéia de Páscoa.
E assim, o EX DEO NASCIMUR faz surgir diante da nossa alma a idéia de Natal, assim i IN CHRISTO MORIMUR faz surgir diante da nossa alma a idéia de Páscoa.
Podemos dizer: na terra, o homem tem seu físico, seu etérico, seu astral. O etérico também se encontra lá fora no cosmo; o astral também se encontra lá fora no cosmo; o físico só existe na terra, não há, lá fora no cosmo, nada físico. Assim, temos que dizer: terra = físico, etérico, astral; cosmo = o físico não existe, mas existe sim o etérico e o astral.
O cosmo, entretanto, é trimembrado também. O que ele não tem na parte de baixo, ele o acrescenta na parte de cima. Nele, o etérico é o componente inferior: na terra, o físico é o inferior. Na terra, o astral é o componente superior; no cosmo, o superior é aquilo que o homem, conforme sabemos; só possui hoje de forma rudimentar, aquilo de que um dia estará tecida sua Personalidade Espiritual. Podemos dizer: no cosmo, existe a Espiritualidade universal* como terceiro componente.
E as estrelas nos aparecem agora como manifestação de alguma coisa. Eu as comparei ao ato de acariciar; a Espiritualidade universal que está por trás delas, é o ser que nos acaricia. Só que aí, o ser que acaricia não é uma entidade, mas toso o mundo das hierarquias. Quando olho para um homem, para sua estatura, seus olhos, que brilham ao meu encontro, quando ouço sua voz, esta é a manifestação do homem. quando olho para cima para a imensidão do universo, quando olho para as estrelas, são as manifestações das hierarquias, as manifestações das hierarquias despertando sensações em nós. Quando olho para dentro da infinidade do firmamento azul do universo, vejo manifestar-se externamente seu corpo etérico, que, no entanto, é a parte inferior de todo este mundo hierárquico.
E temos, então, um vago vislumbre, ao olhar para a amplidão do cosmo, de algo que vai para além do terrestre, assim como a terra com suas substâncias e forças físicas desce para aquém do cósmico. E a terra tem um subcosmico no físico, o cosmo tem um supraterrestre na Espiritualidade universal. (obs do digitador: este trecho estava ilegível e pode conter algum erro)
A ciência física fala de um movimento do sol. Ela pode falar assim. Pois, de fato, dentro da imagem espacial que nos circunda como cosmo, certos fenômenos indicam que o sol está em movimento. Esta é, contudo, somente a imagem do movimento solar que aparece no espaço. E quando se fala do verdadeiro sol, é simplesmente sem sentido dizer: o sol se locomove no espaço; pois o espaço é irradiado pelo sol. O sol não só irradia a luz, ele também forma o espaço. E a locomoção do próprio sol é espacial só dentro do espaço, ela é temporal.
O fenômeno que se nos apresenta aí, de o sol correr em direção á constelação de Hercules, – é tão somente o reflexo de uma evolução temporal do ser solar.
Sim, nos seus discípulos íntimos, Cristo disse: olhai para a vida na terra. Ele tem afinidade com a vida do cosmo. Enquanto para a terra e o cosmo circundante, é o Pai que vive neste universo. Deus Pai é o Deus do espaço. Eu porém tenho a mensagem a vos dar que vim do sol, do tempo – do tempo que só recebe o homem quando este morre. Eu trouxe a mim mesmo a vós, de dentro do tempo. Se me recebeis (disse Cristo), recebeis o tempo e não sereis fadados ao espaço. Mas, para tal, também tereis que encontrar a passagem da trindade – do físico, etérico, astral – para a outra trindade: do etérico, astral, Espiritualidade universal. A Espiritualidade universal tão pouco se encontra no plano terrestre, quanto o físico-terrestre se encontra no cosmo. Eu porém vós trago a mensagem, pois eu sou do sol.
Sim, o sol tem um tríplice aspecto. Vivendo dentro do sol e olhando do sol para a terra, o que se vê é o físico, etérico, astral. Ou então, tendo em mira o próprio sol, o que se vê, lembrando-se da terra ou olhando para ela, é sempre o físico. Olhando para o lado oposto, olhamos para a Espiritualidade universal. Faz-se um movimento pendular de vai-e-vem entre o físico e a Espiritualidade universal. Permanece estável, no meio, só o etérico e o astral. Olhando porém para o universo lá fora, o terrestre desaparece totalmente. Está aí o etérico, o astral e a Espiritualidade universal. Esta vista se vos apresentará ao chegarem ao tempo solar entre a morte e um novo nascimento.
Imaginemos, pois, o homem encapsulando-se totalmente em seu estado de espírito próprio á vida terrena: ele poderá sentir o divino, pois ele nasceu do divino: EX DEO NASCIMUR.
Imaginemo-lo agora não se encapsulando dentro do mundo espacial, mas aceitando Cristo que veio do mundo temporal para o mundo
espacial e trouxe o próprio tempo para dentro do espaço terrestre: desta maneira, o homem, ao morrer, vence a morte. EX DEO NASCIMUR. IN CHRISTO MORIMUR.
Cristo, porém, traz a mensagem que, uma vez vencido o espaço e reconhecendo-se o sol como o criador do espaço, quando, através de Cristo, nos sentirmos estando no sol, transferidos para dentro do sol repleto de vida; então o físico-terrestre desaparece, o etérico, o astral está aí. O etérico resplandece, agora não como azul celeste mas como resplandecer róseo-claro do cosmo. E deste esplendor róseo-claro não reluzem as estrelas, as estrelas agora nos tocam com seu amor. E o homem – quando realmente se aprofunda em tudo isto – pode sentir-se como estando na terra, despojando do físico, o etérico perpassando-no e raiando em lilás-róseo; as estrelas não como pontos luminosos, mas sendo radiações de amor, como o acariciar amoroso humano. Mas ao sentir isto, o Divino dentro de si, o fogo Divino universal como essência do homem, ardendo de dentro dele, sentindo-se no universo etérico, vivenciando as manifestações espirituais no raiar astral no universo: isto evoca então no homem a vivência interior do raiar do espírito, que representa a vocação do homem no universo.
Aqueles a quem Cristo havia comunicado isto, após terem se compenetrado desta idéias por um tempo suficientemente longo, passaram a sentir então a atuação desta idéia nas labaredas fogosas da festa de Pentecostes. Sentiram então como o morrer ocorre através do cair e escorrer do físico da terra. Sentiram porém: isto não é a morte, em verdade, no lugar do físico da terra abre-se a Espiritualidade do universo: PER SPIRITUM SANCTUM REVIVISCIMUS.
Assim, pode-se olhar para esta trimembração da primeira metade do ano: a idéia do Natal = EX DEO NASCIMUR: a idéia da Páscoa = IN CHRISTO MIRIMUR; a idéia de pentecostes = PER SPIRITUM SANCTUM REVIVISCIMUS.
E resta a outra metade do ano. Quando a compreendemos as mesma forma, aí também revela-se ao homem o outro lado da vida. Compreendemos aquela relação do físico para com o anímico do homem e para com o suprafísico, que inclui a liberdade da qual o homem participa na terra, compreendamos na correlação do Natal, a Páscoa e Pentecostes o homem livre na terra. E compreendendo-o a partir destas três idéias, da idéia de Natal, da idéia de Páscoa e da idéia de Pentecostes, e servindo-nos esta compreensão de estímulo para tentarmos compreender o restante do ano, apresente-senos então a outra metade da vida humana, à qual aludi dizendo: quando olhamos para o destino do homem – as hierarquias aparecem atrás dele, o trabalho, o tecer das hierarquias. Por isso é tão grandioso olhar da verdade para dentro de um destino humano, porque todas as hierarquias estão atrás dele.
Mas é, no fundo, a linguagem das estrelas que ressoa ao nosso encontro da idéia de Natal, Páscoa e Pentecostes: da idéia de Natal, na medida em que a terra é uma estrela no universo, da idéia de Páscoa, na medida em que a estrela mais brilhosa, o sol, nos oferece a graça de suas dádivas, da idéia de Pentecostes, ao luzir para dentro da nossa alma aquilo que está oculto do outro lado das estrelas e que nas labaredas fogosas retorna luminosamente de dentro da alma para fora.
O que foi apresentado desta maneira a respeito do pai, portador da idéia de Natal, que no entanto envia o Filho, para que se complete a idéia de Páscoa, e então a respeito deste filho, que por sua vez traz a mensagem do espírito, para que, na idéia de Pentecostes, a vida humana na terra se complete numa trindade, – se os senhores meditarem isto a fundo, se refletirem bem sobre isto: então os Senhores obterão, em adição a todas as bases para a compreensão do carma que já lhes dei, também uma base sensitiva.
Tentem uma vez fazer com que a idéia de Natal, Páscoa e Pentecostes, revirada assim como hoje a reviramos, aja em profundidade sobre a emoção humana, sobre o sentimento humano, – tentem isto, aprofundem esta sua sensação, esta sensação que deve continuar vivendo na forma da calorosa, da fogosa idéia de Pentecostes, tragam-se consigo, – e então, quando, após a minha viagem que sou obrigado a empreender, justamente na época de pentecostes, por causa do curso de agricultura, nos reunirmos novamente, poderemos continuar a falar sobre o carma.
E sua compreensão será frutificada de modo significante por aquilo que a idéia de pentecostes representa. Assim como, outrora, ao ser instituída a festa de Pentecostes, na primeira celebração da festa de Pentecoste, luziu algo de dentro de cada apóstolo, assim, no fundo, a idéia de Pentecostes deveria reviver também para a compreensão antroposófica.
Algo deveria começar a luzir de dentro de suas almas. Por isso, lhes dei para levarem consigo como sentimento pentecostal para a continuação dos pensamentos sobre o carma que são a outra metade do ano, aquilo que hoje tenho a dizer a respeito da correlação da idéia de natal, de Páscoa e de Pentecostes.
Rudolf Steiner – GA 236 – Dornach, em 04 de junho de 1924
GA 229, Dornach, 6 de outubro de 1923, Leitura:
A IMAGINAÇÃO DE NATAL
Em verdade, a arte não pode ser senão a reprodução do que o homem sente em conexão com o universo. Naturalmente, isto será possível em diversos graus, e a partir de diversos pontos de vista; mas só poderá ser uma obra de arte o que realmente evoque na sensação humana a impressão que a alma possa se abrir, a partir da obra de arte, para os mistérios do universo. Hoje queremos continuar acompanhando o curso a partir do mesmo espírito com o qual o abordamos ontem, de modo que pudéssemos culminar na apresentação da imagem com o dragão.
A partir da apresentação efetuada até aqui, nós sabemos que, quando se aproxima o outono, de certo modo acontece uma inspiração da Terra, uma inspiração espiritual da Terra; sabemos que os seres elementais são trazidos para o seio da Terra após terem encontrado seu caminho lá fora no auge do verão, e que então se movimentam de volta quando acontece a festa de Micael, continuando a se movimentar até estarem intimamente entremeados ao seio da Terra do inverno mais profundo.
E a partir disto tudo, temos de nos formar a representação de que a Terra, justamente na época do inverno, é o ser mais intensamente fechado em si; ela acolheu, a partir do universo, tudo que deixara fluir para o exterior durante o verão, especialmente em elemento espiritual. Portanto, durante o inverno profundo a Terra é Terra ao máximo; ela é sua própria entidade. Por isto, para poder adquirir uma base para abordagens subsequentes, devemos encarar justamente a essência da Terra na época ao inverno, naturalmente sem esquecer que se para uma metade da Terra é inverno, para a outra metade é verão, e assim por diante. Este fato devemos sempre ter em mente. Mas agora colocamos perante nós uma parte da Terra onde se aproxima a época do inverno profundo. A Terra desenvolve aquilo que é seu próprio ser no sentido mais profundo, aquilo que a torna bem Terra.
Vejamos esta Terra. Ela é o firme núcleo terrestre que para o exterior mostra apenas sua superfície; mas este sólido núcleo terrestre está em grande parte coberto pela hidrosfera, pela massa aquosa da Terra. Os continentes de certo modo apenas estão nadando nesta massa aquosa. Nós até podemos imaginar esta massa aquosa continuando da esfera de ar, pois a atmosfera sempre está preenchida de elemento aquoso, multo mais sutil que a água dos mares e dos rios; mas não existe propriamente um limite firme no aquoso, ao ascendermos do mar à atmosfera. De modo que, ao desenharmos esquematicamente o que é a Terra nesta relação, devemos desenhá-la assim: no meio temos o sólido núcleo terrestre (verde). Em torno deste núcleo terrestre temos o âmbito aquoso (vide desenho, azul). Naturalmente, preciso desenhar os continentes, como eles sobressaem, etc. Tudo está desenhado esquematicamente, pois as saliências não podem dar impressão diferente das saliências de uma laranja, por exemplo. Em torno disto tenho de deixar o que desenhei como hidrosfera, como a massa aquosa no círculo de ar. Olhemos para esta imagem (azul) e indaguemos: o que é isto?
Esta imagem não é formada novamente a partir de si, mas é uma água em todo o cosmo. Esta imagem teria a forma que nos mostra a partir de todo o cosmo. E só porque o cosmo em verdade é uma esfera para todos os lados, é que aquilo que vai para cima como água, como massa aérea, limita-se redonda, em forma de esfera.
Mas isto exerce intensas forças sobre toda a Terra. De tal forma que se fôssemos olhar para a Terra a partir de qualquer planeta estranho, ela nos pareceria uma grande gota d’água no universo, na qual haveria todo tipo de saliência – os continentes – que se comportariam com outra nuance, mas pareceria uma grande gota d’água no Universo.
Falemos cósmicamente acerca de toda a situação de fatos. O que é em verdade essa gota que anda no universo como uma gota d’água? É algo que recebe a forma de gota através de todas as conexões cósmicas.
Aprofundando-se científico-espiritualmente no assunto, ao se penetrar na imaginação e inspiração, recebe-se a experiência do que esta gota é. Vejam, uma gota nada mais é que uma gigantesca gota de mercúrio; em verdade uma gigantesca gota de mercúrio, só que a substância do mercúrio aí se encontra extraordinariamente diluída.
O fato destas diluições serem possíveis foi demonstrado de maneira bastante exata pelo trabalho da Dra. L. Kolisko; em nosso instituto biológico em Stuttgart pela primeira vez foi feita a experiência de trazer isto à fundamentação exata *. Foi possível produzir diluições de substâncias na proporção de um para um trilhão, e de fato se conseguiram constatar exatamente as atuações de cada substância nestas diluições.
* L. Kolisko: Demonstração fisiológica de atuação das menores entidades nos sete metais. Atuação da luz no crescimento vegetal. Trabalhos experimentais do Instituto Biológico no Goetheanum (“Physiologischer Nachweis der Wirksamkeit Kleinster Entitäten”, não traduzido para o português.”)
Portanto, aquilo que na Homeopatia até hoje apenas podia ser mera crença acerca das atuações de cada substância foi elevado à categoria de uma ciência exata. Segundo as curvas executadas não pode haver dúvida de que os efeitos das partículas decorrem ritmicamente. Bem, não quero me aprofundar em detalhes, o trabalho foi publicado e os testes podem ser realizados em toda parte.
Com um recipiente retiramos água do rio ou da fonte, utilizamos esta água. Bem, é água, mas não existe água que seja apenas hidrogênio e oxigênio. Não faz sentido acreditar que exista água constituída apenas de hidrogênio e oxigênio. Em águas minerais ou outras é bem evidente que elas contenham outros componentes. Água composta apenas de hidrogênio e oxigênio não existe, é apenas uma forma aproximada. Toda água que exista em qualquer região está permeada de outros componentes. Água são apenas as pequenas quantidades para nós.
Para o universo esta água não é água, mas mercúrio.
De modo que podemos dizer: a hidrosfera, enquanto aquosa, é uma gota de mercúrio no universo. A esta gota de mercúrio estão agregadas as substâncias metálicas e tudo que é terrestre. Representam aquilo que é a massa sólida da Terra; têm a tendência de adotar suas formas próprias especiais. Assim, ao olharmos a formação, temos de olhar a forma esférica geral, que é a forma de mercúrio; o mercúrio metálico é apenas o símbolo feito pela natureza daquilo que o mercúrio faz; resulta de modo bem determinado a forma esférica. E a ela está incorporado aquilo que se dá formas próprias das maneiras mais diferenciadas: as formas metálicas de cristalização. De modo que podemos afirmar: temos perante nós esta formação – Terra, água, ar – e ela tem a tendência formativa que lhes falei: formas cristalinas diferenciadas individuais no interior, e no todo o anseio de se tornar esférica.
Mesmo com o ar (vermelho escuro) que envolve a Terra como atmosfera, nunca podemos falar de um mero ar, mas este ar tem sempre a tendência de conter calor de qualquer maneira, em qualquer grau. É permeado de calor (violeta). Portanto, nós também temos de ter junto o quarto elemento: o calor, que se incorpora ao ar.
Bem, este calor que vem até o ar a partir de cima é sobretudo aquilo que de certa forma traz em si, a partir do universo, é o intermediário que traz para o interior o processo de enxofre, do súlfur. Ao processo do súlfur se acrescenta o processo mercurial, como lhes apresentei para a água-ar. Ar-calor = processo de súlfur; água-ar = processo mercurial (vide desenho).
Agora, aproximemo-nos mais da Terra, do interior da Terra; com aquilo que a Terra propriamente quer ser, está ligado o processo de formação de ácidos – e como dos ácidos vêm os sais — a formação do sal. Desta forma, ao olharmos para cima, para o universo, temos de olhar o processo de sulfurização. Ao olharmos esta tendência da Terra de se formar em gota cósmica, estamos olhando para dentro do processo mercurial. Ao dirigirmos o olhar para baixo, para o solo terrestre, que na primavera nos envia para cima toda vida crescente, brotante, borbulhante, olhamos o processo do sal.
Este processo do sal também é o mais importante para a vida brotante, borbulhante, pois as raízes das plantas, ao se formarem as sementes, estão totalmente ligadas, em seu crescimento, à relação em que se encontram com as formações salinas no solo terrestre. O teor salino do solo terrestre em sentido amplo, as formações de depósito dentro do solo terrestre, são o que permeia as raízes com uma substância que faz da raiz propriamente uma raiz, isto é, a base terrestre do vegetal.
Portanto, ao chegarmos à Terra, temos o processo salino. É isto que faz a Terra a partir de si na época do inverno profundo; já, por exemplo, no verão é muito misturado o que acontece na Terra. Processos de sulfurização estremecem o ar, no raio e no trovão também vive um processo de sulfurização; este chega até bem embaixo, e é por isto que o que acompanha o curso do ano também se sulfuriza. E na época micaélica recebemos o processo em que o ferro reprime esse processo de sulfurização, como expliquei ontem. E então durante o verão o processo de sal novamente está misturado dentro da atmosfera; pois as plantas, ao se desenvolverem, crescerem, levam para cima os sais através de suas folhas, flores, até as sementes. Os sais naturalmente são encontrados nas mais diversas partes; eles então se eternizam, são depositados em óleos etéricos, etc., aproximam-se do processo de sulfurização. Os sais são levados para cima pelas plantas. Sua essência flui para o exterior, torna-se a essência da atmosfera.
De modo que na época do auge do verão temos uma mistura do mercurial, que sempre está na Terra, com o sulfúreo e o salino. Ao estarmos em pé sobre a Terra no auge do verão, nossa cabeça propriamente mergulha em uma mistura de súlfur, mercúrio e sal; já a chegada da época do inverno profundo significa que cada um destes princípios, sal, mercúrio, enxofre, adota sua própria constituição interna: os sais se recolhem para o interior da Terra; na hidrosfera, no aquoso, penetra o anseio de se alisar em forma esférica, de produzir na cobertura arredondada de neve um sinal exterior para a esfericidade do aquoso. O processo de enxofre se retrai, de forma que nessa época não existe muita necessidade de encarar o processo de enxofre como algo especial. Em lugar do processo de enxofre surge algo diverso nesta época do inverno profundo.
De modo que, ao contemplarmos a Terra no inverno profundo, temos a tendência interior da formação de sal; além disto, temos o processo de formação de mercúrio em sua forma mais clara e definida; e se no verão temos de considerar no cosmo extraterrestre a sulfurização, agora no inverno temos a formação de cinzas.
Formação de sal
Formação de mercúrio
Formação de cinzas
Vejam, isto que de certo modo alcança o ponto mais alto na época do Natal, começa a se preparar a partir da época micaélica. A Terra cada vez mais se consolida a ser um corpo cósmico na época do inverno profundo, a se desenvolver em formação mercurial, formação de sal, formação de cinzas. O que significa isto para o universo?
Bem, meus queridos amigos, se uma pulga se tornasse, digamos, um anatomista, e fosse pesquisar um osso, ela teria à sua frente uma parte óssea extraordinariamente pequena, pois ela mesma é pequena e pesquisaria o osso a partir de sua perspectiva. Então a pulga iria constatar que se tem sal de ácido fosfórico em estado amorfo, ácido carbônico, calcário, etc. Mas se fosse pesquisar o pequeno, permaneceria presa a este pequeno. Mesmo se o homem, sendo geólogo ou mineralogista, pudesse pular como uma grande pulga da terra, isto de nada adiantaria, faria o mesmo que faz em pequeno ao pesquisar a massa de montanha da Terra, que apresenta em sua totalidade um sistema ósseo. A pulga não iria descrever o sistema ósseo, mas iria extrair um pedacinho com o seu martelo. Digamos que com seu pequeno martelo de pulga extraísse um pedacinho de clavícula: nada neste pequeno pedacinho de ácido carbônico, calcário, fosfato de cálcio, etc. iria lhe desvendar que tudo é uma clavícula de ombro, muito menos que pertence a todo o sistema da formação óssea. Teria apenas extraído um pequeno pedacinho com seu pequeno martelo e o descreveria segundo seu ponto de vista de pulga; da mesma forma como o homem descreve a Terra se extrai, por exemplo, um pedacinho de calcário jurássico da montanha de Dornach. Não e assim? Ele então descreve este pedaço e ele é elaborado na mineralogia, na geologia, etc. Permanece – um pouco ampliado – mas permanece este ponto de vista de pulga.
Assim é claro que não se chega à verdade, as coisas não podem ser feitas assim, mas se trata de chegar realmente ao fato da Terra ser uma formação unitária e de estar consolidada ao máximo na época do inverno profundo em sua estruturação de cinzas.
E o que isso significa para todo o ser terrestre, tomando-se o ponto de vista cósmico, não a da pulga? Bem, vejam, tudo que em sentido amplo é formação salina, no sentido de se depositar fisicamente, como por exemplo, o sal de cozinha pode se depositar no pequeno recipiente de água, tudo que é formação de sal em sentido mais amplo (não quero entrar na química, mas esta também daria o mesmo resultado) tem a propriedade de ser de certo modo permeável para o espiritual. Onde há sal, o espiritual tem espaço livre; o espiritual pode penetrar onde há sal. De modo que, pelo fato da Terra se consolidar no inverno profundo em relação a sua formação de sal, os seres elementais que se unem à Terra podem estar confortáveis dentro da Terra; mas também outro elemento espiritual é atraído e pode de certo modo habitar na crosta salina imediatamente abaixo da superfície da Terra. E nesta crosta salina imediatamente abaixo da superfície da Terra são especialmente ativas as forças lunares, e resto das forças lunares das quais lhes tenho falado freqüentemente, as forças lunares que restaram quando a Lua saiu da Terra.
Estas forças lunares se tornam principalmente ativas na Terra pelo fato da Terra abrigar o sal em si. Imediatamente abaixo da superfície da Terra, justamente no consolidante, sob a cobertura de neve, que de um lado tende ao mercurial, mas para baixo continua para o salino – aí temos matéria terrestre – sal permeado de espiritualidade. A Terra na época do inverno realmente se torna espiritual em si através de seu teor em sal que ai se consolida em especial.
A água, isto é, em verdade o mercúrio cósmico, adota a tendência interior de se formar esfericamente, E então em toda parte aparece esta tendência interna a se formar esfericamente. E pelo fato disto acontecer, na época do inverno profundo a Terra está capacitada a não só endurecer no sal e permear este sal endurecido com espírito, mas ela está capacitada a vivificar este material espiritualizado. A Terra desabrocha como um todo na superfície na época do inverno profundo. No princípio salino e espiritual está ativa a tendência a se tornar vivo. Durante o inverno existe um enorme fortalecimento da Terra sob sua superfície para desenvolver vida.
Mas esta vida se tornaria uma vida lunar; pois são principalmente as forças lunares, como eu disse, que estão ativas ai dentro. Tornar-se-ia uma vida lunar. Mas pelo fato da cinza ter caído da semente, de modo que tudo esteja impregnado com a cinza, como descrevi por este fato tudo se encontra numa totalidade com a Terra.
A planta ascendeu ao processo de sulfurização; deste processo de sulfurizaçao caiu à cinza. Isto é o que reconduz a planta à Terra, após ela ter ansiado a ascender ao etérico-espiritual. Assim, na época do inverno profundo tem-se na superfície da Terra a tendência a acolher espírito em si, vivificar-se mas também a transformar o lunar em terrestre. A Lua é forçada pelos restos terrestres de cinza do que caiu a desenvolver o vivo de modo terrestre, não lunar.
Bem, agora passemos do que foi mostrado em relação à superfície da Terra ao que está em torno da Terra, ao aéreo.
Em toda estação do ano, mas em especial para o inverno; é muito significativo para o ar o fato de o sol irradiá-lo com seu calor, com sua luz (mas a luz nos interessa pouco agora nesta abordagem). Vejam, na ciência tudo é observado em separado, como não é em verdade. Ar-assim dizem as pessoas – é oxigênio e hidrogênio e outras coisas. Mas em realidade não é assim; ar não é apenas oxigênio e hidrogênio, mas o ar está sempre irradiado pelo sol. Isto é realidade: ar é sempre o que carrega as atuações solares de dia. O que significa que a atuação solar é carregada pelo ar? Significa que continuamente quer escapar da Terra o que está lá em cima. Se o que descrevi a partir da formação salina, formação mercurial e formação de cinza crescesse e se desenvolvesse por si, existiria apenas o terrestre. Mas pelo fato de lá em cima estar o que quer sair da Terra e ser recebido pela atuação aérea solar, é transformado em formação cósmica o que quer ser atuação terrestre. É retirada da Terra a força de atuar sozinha no vivo-espiritual. O sol faz valer sua atuação em tudo que brota.
Então se observa que, visto espiritualmente, sobre certo trecho da Terra continuamente existe uma tendência bem especial. Sobre a Terra tudo quer se tornar esférico (vermelho). É novamente forçado, novamente se torna esfera; mas em verdade, aquilo que está em cima, sempre quer se tornar plano (vermelho). Em verdade, aquilo que está em cima gostaria de se expandir, desagregar a Terra embaixo, de modo que tudo fosse uma superfície plana no cosmo.
Se isto pudesse vir a acontecer, as atuações terrestres cessariam completamente, e teríamos lá em cima uma espécie de ar no qual atuariam as estrelas. Isto, por exemplo, se expressa muito intensamente no homem. O que recebemos como seres humanos do ar portador de sol que está em cima? Nós o inspiramos; e ao ser inspirada, a atuação solar se estende de certa maneira para baixo, mas principalmente para cima. Com nossa cabeça nós continuamente somos retirados das atuações terrestres. Por isto é que nossa cabeça se coloca na possibilidade de participar de todo o cosmo. Nossa cabeça sempre gostaria de sair para esta formação de planos.
desenho 1
Se nossa cabeça apenas fosse solicitada pela formação terrestre na época do inverno, toda nossa vivência de pensamento seria diferente. Ter-se-ia o sentimento que todos os pensamentos desejariam se tornar redondos. Eles não ficam redondos, têm uma certa leveza, ,maleabilidade, uma certa fluidez. Isto provém desta particular aparição da atuação solar.
Ai vocês têm a segunda tendência, onde o solar intervém no terrestre. É mais fraco no inverno. Se fôssemos ainda tais para fora, ainda se tornaria diferente. Aí no teríamos mais a ver com a atuação solar, mas apenas com a atuação das estrelas, que também têm por sua vez uma grande influencia sobre nossa cabeça, e através disto sobre toda nossa formação humana.
Vejam, isto que lhes descrevi, hoje, não é mais assim, pois o ser humano se emancipou de uma certa maneira das atuações terrestres em seu crescimento, em todo seu desenvolvimento. Mas se voltássemos à antiga época lemúrica, ou à época polar que a precedeu, encontraríamos o assunto bem diferente. Encontraríamos a grande influencia de tudo que acontece na Terra sobre toda a formação humana. Vocês conhecem como apresentei a evolução da Terra em minha “Ciência Oculta”.
Encontraríamos que o ser humano está bem introduzido nas atuações que descrevi. Amanha descreverei como ele se emancipou disto; hoje descreverei o assunto como se o homem ainda estivesse colocado dentro desta formação. E então se nos defronta o seguinte, algo que é bem paradoxo para a situação atual.
Podemos lançar a pergunta: em que se torna a mãe, quando ela se aproxima do desenvolvimento de um novo ser humano? Originalmente, na ligação do ser humano com a Terra é assim: aquelas forças lunares e de formação salina, segundo tudo que tem que acontecer para que um novo ser surja na Terra, preferencialmente exercem influência sobre o organismo feminino enquanto ele se prepara para formar em si o novo ser humano. Portanto, podemos dizer que quando a mulher é humana em geral, no restante, na época em que ela se aproxima do desenvolvimento de um novo ser humano, as forças lunares, enquanto forças salinificantes na Terra, se fortalecem ao Maximo nela. Científico-espiritualmente isto pode ser expresso da seguinte forma: a mulher se torna Lua – assim como a Terra se torna Lua quando o auge do inverno se aproxima – e de maneira mais intensa imediatamente sob sua superfície.
Não é só que a Terra se torne mais Lua quando Vigora o inverno; esta lunificação da Terra acontece novamente da mesma maneira quando a mulher se prepara para receber o novo ser humano. E somente pelo fato da mulher se preparar, tornando-se lunar, para receber o novo ser humano é que a atuação solar se torna diferente; assim como no inverno a atuação solar é diferente que no verão. E a formação do novo ser humano na mulher se encontra totalmente sob a influência da atuação solar.
Pelo fato da mulher acolher tão fortemente em si as atuações lunares, as atuações salinas, ela se torna capaz de acolher em separado as atuações solares. Na vida comum as atuações solares são acolhidas no organismo humano pelo coração e se distribuem por todo o organismo. No momento em que a mulher se volta para trazer um novo ser humano, as atuações solares se concentram sobre as formações deste novo ser. De modo que podemos dizer esquematicamente: a mulher se torna Lua para poder acolher em si as atuações solares. E o novo ser humano que surge como embrião é totalmente atuação solar neste sentido. Ele é o que pode surgir através da concentração das atuações solares.
desenho 2
Antigas cosmovisões instintiva videntes sabiam disto à sua maneira. Pela Europa antiga ia em certa época uma curiosa visão. Tinha em si que a criança era bem diferente ao nascer e ainda não tinha colhido nada de terrestre na alimentação; e mudava com a primeira gota de leite tomada, com o primeiro alimento terrestre, Para estas antigas visões germânicas, a criança recém-nascida e a criança que já tivesse recebido qualquer alimento terrestre fora do corpo da mãe eram serem bem diversos. Eram dois seres diversos, pois se tinha um sentimento instintivo: a criança nascida é sol; torna-se criatura terrestre com o primeiro alimento terrestre; é criatura solar, torna-se criatura terrestre. Por isto, a criança recém-nascida que ainda nas tivesse se alimentado não pertencia à Terra. Conforme leis ocultas que gostaria de abordar em outra ocasião, o pai tenha o direito, segundo a antiga consciência germânica de justiça, ao olhar a criatura que sempre lhe era colocada aos pés ao nascer, de deixá-la crescer ou de destruí-la, pois ainda não era criatura terrestre. Se já tivesse provado uma gotinha de leite não poderia destruí-la, tinha de permanecer criatura terrestre, pois a isto estava determinada natural, universal, terrestre e cosmicamente. Em tais costumes antigos vive algo enorme e profundamente significativo.
Isto, meus queridos amigos, fundamenta a afirmação de que a criança é solar. De modo que agora se tem a possibilidade de olhar para a mulher que deu à luz a criança como um ser profundamente aparentado em sentido mais profundo com todos os processos do terrestre… pois a própria Terra se prepara no inverno de modo a ter o salino, isto é, o lunar… de modo que ela possa melhor entrar na possibilidade de acolher o solar. E então ela assoma do solar ao celeste, ao qual a cabeça humana também pertence.
De modo que podemos dizer: para colocarmos corretamente o Natal perante nossa alma, coloquemo-nos dentro da essência humana. No Natal se expressa o nascimento da criança Jesus, destinada a acolher em si o Cristo. Encaremos isto corretamente. Encaremos isto na figura de Maria: temos inicialmente a premência de apresentar a cabeça de Maria de modo que ela transmita algo celeste em toda sua expressão, em seu olhar. Então temos a esboçar como Maria se prepara a acolher em si o sol, a criança, o sol; o sol como irradia pela atmosfera. E indo mais para baixo temos na figura da Maria o terrestre lunar.
Reflitam se eu o apresentasse: o terrestre lunar é aquilo que paira sob a superfície da Terra. Ao sair para as amplidões do universo, ver-se-ia o que se apresenta lá em cima, onde o homem irradia para o universo, como uma irradiação estelar da Terra tornada celeste, emanada pela Terra no espaço cósmico. A cabeça de Maria também tem de ser radiante como estrela, isto é, na expressão humana; de modo que, na fisionomia, em todo gesto se tem a expressão do radiante de estrela (vide desenho).
Quanto ao peito, devemos ter o que está ligado ao processo respiratório: o solar que se forma a partir das nuvens – que deixam fluir através de si a irradiação solar na atmosfera – o solar, a criança.
E mais embaixo temos o que é expresso pelo formador salino lunar, expresso externamente ao se colocarem os membros na dinâmica do terrestre e deixá-los ascender sobre o formador salino lunar da Terra. Temos a Terra interiormente permeada de lua, se assim posso falar.
Na verdade, isto deveria ser apresentado como uma espécie de cores do arco-íris. Ao se olhar do universo para a Terra isto se apresentaria como se a Terra fosse vista através da radiação das estrelas; como se a Terra brilhasse para dentro, sob sua superfície, em cores do arco-íris. Sobre isto, solicitado pela dinâmica terrestre, pelos membros da Terra, pela gravidade, etc. Aquilo que só pode ser expresso pela roupagem humana, em dobras conforme as forças da Terra. Assim teríamos lá embaixo a roupagem no sentido das forças terrestres. Subiríamos mais e teríamos de desenhar o que se forma em todo terrestre lunar ainda se poderia desenhar a lua, se quiséssemos ser simbólicos, mais este elemento lunar já está expresso na formação terrestre. Subiríamos mais e teríamos de desenhar o que se forma em todo terrestre lunar. Ainda se poderia desenhar a lua, se quiséssemos ser simbólicos, mas este elemento lunar já está expresso na formação terrestre.
desenho 3
Subiríamos mais, acolhemos o que vem do lunar, vemos como as nuvens são permeadas de muitas cabaças humanas que anseiam para baixo; uma das cabeças humanas está condensada no sol sentado no braço de Maria, na criança Jesus. E para cima temas de completar o todo pela face de Maria expressando o radiação de estrelas na fisionomia.
Se compreendermos o inverno como ele nos apresenta a conexão do cosmo com o homem, como homem que acolhe o que há de forças de nascimento na Terra, não existe outra possibilidade de representar a mulher presenteada com as forças da Terra, para baixo com as forças da Lua, para o meio com as forças do Sol, para a cabeça com as forças das estrelas, até na formação a partir das nuvens. A partir do próprio cosmo nos surge esta imagem de Maria com a criancinha Jesus.
Ao compreendermos o cosmo e tudo que nele temos de forças estruturantes tivemos de colocá-lo necessariamente numa imagem artística de Micael com o dragão, como apresentei ontem; da mesma forma, tudo que podemos sentir em torno da época do Natal aflui a nós na imagem da mãe Maria com a criança, que, nos primeiros séculos do cristianismo, em épocas antigas muitas vezes pairava perante os artistas, e cujo último eco na evolução da humanidade ainda esta contido na Madona Sixtina de Rafael.
Esta Madona Sixtina de Rafael ainda nasceu dos grandes conhecimentos ingênuos da natureza e do espírito de uma época antiga. Pois ela é a reprodução daquela imaginação que o homem, que se coloca em visão interior dentro dos mistérios do urdir do Natal, tem de ter de modo que esse urdir do Natal se lhe torne imagem. Assim, podemos dizer: o curso do ano tem de se mostrar para a visão interior na vida de grandiosas imaginações bem determinadas. Ao sair o homem inteiro animicamente para o mundo, o inicio do outono se torna a grandiosa imaginação da luta de Micael com o dragão. E como o dragão só pode ser representado sulfureamente – a massa de enxofre que encontra seu caminho para dentro da forma de dragão, como surge aí a espada de Micael ao pensarmos o ferro meteórico concentrado, unificado, nesta espada, da mesma forma surge-nos do que podemos sentir na época do Natal a imagem da mãe Maria, cuja roupa está dobrada nas forças da Terra, enquanto o manto – até a estes detalhes chega a pintura – o manto tem de se arredondar interiormente, tem de se tornar mercurial, de forma que se tenha uma clausura interior no peito. Mas aí penetram as forças solares. E a criança Jesus, sem culpa, que deve ser pensada como ainda não tendo provado nenhum alimento terrestre, é a própria atuação solar sentada no braço de Maria; em cima a atuação das estrelas. De modo que nós temos de representar, como brilhando a partir de dentro no olho e cabeça, brilhando perante o ser humano, a cabeça de Maria; temos que representar a criança Jesus no braço de Maria, fechado interiormente em arredondamento esférico, vindo como em amorosa suavidade das nuvens; e indo para baixo a roupagem tomada pelo peso da Terra, expressando na roupagem o que se pode tornar peso da Terra (Vide desenho).
E o fazemos melhor ao expressá-lo também em cores. Então temos aquela imagem que se nos desvenda como uma imaginação cósmica na época do Natal, com a qual podemos viver até a época da Páscoa, quando uma imaginação de Páscoa novamente pode se mostrar a nós a partir da conexão cósmica, como falaremos amanhã..
Meus queridos amigos vocês vêem como o homem toma dos céus a arte de sua relação com a Terra. Verdadeira arte é aquilo que o homem vivencia com o universo físico-anímico-espiritual que lhe resulta em grandiosas imaginações. De forma que o homem não pode colocar perante seus olhos toda luta interior necessária para o surgimento da autoconsciência a partir da consciência natural se não tiver a grandiosa imagem da luta de Micael com o dragão, de modo que o homem pode colocar perante sua alma tudo que possa atuar animicamente a partir da natureza na época do inverno; colocar artisticamente, imaginativamente perante sua alma a imagem da mãe com a criança como descrevi agora.
Observar o curso do ano significa: caminhar com a grande artista cósmica e novamente deixar viver dentro de si o que o céu impregna na Terra em poderosas imagens que então se tornam realidades para a índole humana.
Assim o curso do ano pode se desvendar em quatro imaginações:
a imaginação de Micael, imaginação de Maria – e amanhã e nas próximas palestras vamos falar sobre a imaginação de Páscoa e a imaginação joanina.
Rudolf Steiner – GA 229, Dornach, 6 de outubro de 1923
GA 226 – Oslo, 17 de maio de 1923, Leitura:
PENTECOSTES UNIVERSAL – A MENSAGEM DA ANTROPOSOFIA
Quando olhamos para o passado histórico da humanidade, percebemos acontecimentos de maior e menor amplitude que influenciaram a sua vida como um todo. O maior de todos é aquele que chamamos o mistério do Gólgota (**), por meio do qual o cristianismo se inseriu na evolução da humanidade.
Esse mistério do Gólgota, quando ocorreu, foi compreendido de maneira bem diferente do que em tempos posteriores. E em nossa época, deve ser novamente compreendido e assimilado diferentemente. Compreender esse mistério do Gólgota de forma correta no sentido da época atual é a tarefa da Antroposofia.
Devemos retroceder para épocas antigas, em que os homens possuíam uma consciência bem diferente da nossa de hoje. Três ou quatro milênios atrás, os homens possuíam a consciência instintiva de terem vivido num mundo espiritual antes de descer para a Terra num corpo físico. Todo homem sabia, naqueles tempos, que no seu íntimo vivia um ser anímico-espiritual enviado pelos poderes divinos para a existência terrestre.
Também nesses tempos longínquos, tinham os homens uma consciência bem diferente da morte. Eles sabiam que o seu ser espiritual interior, que antes vivera na existência espiritual pré-natal, continua vivendo além da morte.
Naqueles tempos distantes existiam escolas de iniciação, que simultaneamente eram centros religiosos, chamados mistérios. Nessas instituições ensinava-se o que podia ser conhecido sobre a existência pré-natal, ou seja, anterior à descida à Terra. Assim, os homens aprenderam que eles viviam, antes da existência terrestre, entre estrelas e seres espirituais, assim como na Terra viviam entre plantas e animais, montanhas e rios.
O homem dizia para si mesmo: “Desci do mundo estelar para a existência terrestre”. Porém, ele sabia que as estrelas não são apenas algo físico, sabia que cada estrela é habitada por poderes espirituais com os quais ele tinha uma relação no mundo espiritual antes de haver descido à Terra.
E o homem sabia que com a morte, em que devia abandonar o seu corpo físico, ele retornava ao mundo estelar, isto é, ao mundo espiritual. E o sol, com seus seres, entre os quais o mais elevado era chamado o grande ser solar, era visto como o mais importante dos astros.
Dos centros de mistérios chegou aos homens a doutrina de que esse elevado ser solar lhes dava, antes de descer à Terra, a força para, após a morte, retornar aos mundos estelares espirituais. Os mestres dos mistérios diziam aos discípulos e esses, diziam ao povo: “A força espiritual do sol é a luz espiritual que os acompanha para além da morte e que vocês trouxeram consigo, quando, ao nascer, entraram na existência terrestre”.
Os ensinamentos dos mistérios continham muitas orações e grandes conteúdos, todos louvando, exaltando e descrevendo o elevado ser solar. E os mestres ensinavam aos discípulos, e estes à humanidade em geral, que o homem, depois de passar pelo umbral da morte, precisa penetrar na esfera das estrelas, dos seres estelares inferiores, para então se elevar além do Sol. Porém, isto não lhes seria possível, se não lhe fosse dado pelo ser solar a força necessária para isso. Os homens que compreenderam isto sentiam o calor no seu coração, quando podiam elevar-se em oração ao espírito solar, que lhes dava a imortalidade.
Os textos e exercícios de devoção dirigidos ao Sol agiam sobre os sentimentos e as afeições dos homens. Eles se sentiam ligados ao deus do cosmo, quando podiam realizar o culto ao Sol. Nos povos em que a veneração do Sol era tradição, existiam rituais de sacrifício e cerimônias organizadas para esse fim.
Esse ritual solar consistia, em geral, de uma cerimônia em que a imagem do deus era enterrada e, depois de alguns dias, retirada do túmulo novamente, como um sinal de que no cosmo existe um deus, o deus solar, que ressuscitará o homem para a vida toda vez que ele sucumbir à morte.
Durante o ritual os sacerdotes diziam aos discípulos o que estes deviam proclamar à humanidade: “Este é o sinal de que vocês, antes de descerem à terra, viviam no reino espiritual em que está o deus do Sol.”
Diziam aos fiéis desse ritual solar: “Se vocês elevarem o seu olhar, verão o sol brilhando; porém, isto é apenas a manifestação externa do ser solar. Atrás deste brilho está o deus solar, que vos assegura a imortalidade.”
Assim, os homens, ao aprenderem essa mensagem, sabiam que tinham descido dos mundos espirituais para o mundo terrestre, esquecendo o mundo em que se encontra o deus solar.
“Vocês abandonaram o reino do deus do Sol ao nascer. Deverão reencontrá-lo, por meio da força que ele colocou em seus corações, quando passarem pela morte.” – Isto diziam os sacerdotes aos seus fiéis.
Os sacerdotes iniciados nesses mistérios sabiam que o grande ser solar de que falavam aos discípulos era aquele que no futuro seria conhecido como o Cristo. Porém, antes o mistério do Gólgota esses sacerdotes precisavam falar aos fiéis da seguinte forma: “Se vocês quiserem saber algo sobre o Cristo, não poderão encontrar este ensinamento na Terra; é necessário que vocês se elevem aos mistérios do sol, que só se encontram fora da Terra.”
Em geral, para os homens que ainda possuíam uma lembrança instintiva do reino do Cristo, não eram difícil aceitar tais doutrinas.
Mas, no desenvolvimento da humanidade, os homens foram perdendo gradualmente a lembrança instintiva da sua vida espiritual pré-terrestre. Oitocentos anos antes do mistério do
Gólgota só pouquíssimas pessoas ainda conservavam a lembrança instintiva da vida espiritual pré-terrestre.
Imaginem, meus caros amigos, o homem passando pela morte. Ele entra nas amplidões estrelares, passando por regiões em que vê as estrelas pelo outro lado; quer dizer, também o Sol é visto do outro lado. Nós nos acostumamos a ver o Sol do ponto de vista da Terra. Quando morremos, partindo para o espaço cósmico, podemos perceber o sol do lado oposto.
Então não veremos um disco físico, mas um reino de seres espirituais. E, antes do mistério do Gólgota, víamos, depois da morte e antes do nascimento, o Cristo no outro lado do sol. E esta visão do Cristo os mestres dos mistérios podiam fazer os discípulos relembrar, porque tinham a capacidade de despertar a seguinte imagem: “Antes de viver na Terra, eu via o Sol do outro lado.”
Assim era nos tempos antigos, antes do mistério do Gólgota. Começou então uma época em que já não era possível despertar essa lembrança nos homens. Em torno do oitavo século antes do mistério do Gólgota, foi ficando cada vez mais difícil despertar essa lembrança da visão do Cristo no sol espiritual, vivenciada na existência pré-terrestre.
E, assim, os mestres dos mistérios não podiam mais dizer aos homens para elevar o olhar ao Sol, onde se revela o Cristo. Estes já não o entenderiam. E a vivência dos homens na Terra era como se estivessem abandonados pela força do Cristo, não lhes sendo mais possível reavivar a lembrança da vida no mundo espiritual.
E, vejam, só então se espalhou entre os homens aquilo que se pode chamar o medo da morte. Pois, anteriormente, eles viam morrer o corpo físico; porém, sabiam que, como almas, eram moradores do reino do Cristo e não morriam.
Cresceu então nos homens a preocupação com o próprio destino do seu ser eterno interior e imortal. Parecia que a relação entre o Cristo e os homens tinha sido rompida. Isso porque os homens não mais conseguiam elevar o olhar aos mundos espirituais e, na Terra, o Cristo não podia ser encontrado.
Vejam, meus caros, justamente no tempo em que os homens não mais podiam encontrar o Cristo além do Sol, no supra-terrestre, ele, por sua infinita graça e infinita misericórdia, desceu à Terra, para que eles pudessem encontrá-Lo na vida terrestre.
Com isso aconteceu na evolução do universo algo que não se compara com nada que o homem possa conhecer. Pois todos os seres superiores ao homem – dos anjos, arcanjos, arqueus, etc, aos seres divinos mais elevados – passam no mundo espiritual somente por transformações, metamorfoses. Não nascem e morrem. Dizia-se nos mistérios, naqueles tempos: “Apenas os homens conhecem o nascimento e a morte: os deuses só conhecem a metamorfose, eles não conhecem o nascimento e a morte.”
Como, então, os homens não mais podiam alcançar o Cristo Ele veio viver com os homens na Terra. Para realizar isto, foi necessário que ele vivenciasse o nascimento e a morte, o que até então nenhum deus fizera. O Cristo se tornou alma de um homem, Jesus de Nazaré, e passou pelo nascimento e a morte. Isto é, pela primeira vez um deus passou pela existência da morte humana.
O aspecto essencial do mistério do Gólgota é ser um assunto dos deuses e não apenas dos homens. Os deuses decidiram que um deles, o grande ser solar, deveria ligar o seu destino ao da humanidade, até o ponto de passar pelo nascimento e a morte.
E, a partir dessa época, os homens sempre podem contemplar os acontecimentos do mistério do Gólgota e, assim, encontrar o Cristo, que perderiam em função da evolução de sua consciência, que não alcançava os céus.
Os discípulos e apóstolos de Cristo, que vivenciaram em primeiro lugar esses mistérios do Gólgota, ainda possuíam uma pequena herança de uma consciência instintiva sobre aquilo que tinha acontecido ali. Eles sabiam que o mesmo ser, que antigamente só podia ser alcançado por uma elevação capaz de alcançar a esfera espiritual do Sol, este mesmo ser encontramos agora, quando compreendemos de forma correta o nascimento, a vida, a paixão de Jesus Cristo.
No tempo do mistério do Gólgota existiam, poucas pessoas que ainda sabiam que aquele que viveu em Jesus de Nazaré como o Cristo era o grande ser solar que descera à Terra.
Até o quarto século depois do mistério do Gólgota havia ainda pessoas que sabiam que o Cristo
Que viveu em Jesus de Nazaré eram a mesma entidade.
E é especialmente comovente saber pela ciência Espiritual como nos primeiros séculos da era cristã os homens assim rezavam com fervor: “agradecemos ao Deus Cristo, do qual viveríamos afastados, por ter ele descido do mundo espiritual até nós aqui na Terra!”
Nos tempos que seguiram ao fim do quarto século da era cristã, não se poderia mais conceber que o grande ser solar, o Cristo, fosse a divindade que assegurava a imortalidade a cada homem. Desde esse quarto século até os nossos dias existia então apenas o testemunho escrito dos evangelhos, que conta de forma histórica que aconteceu o mistério do Gólgota. Mas este testemunho dos evangelhos teve durante esses séculos um efeito tal, que os homens podiam voltar o seu coração para o mistério do Gólgota.
Hoje, porém, estamos numa época em que os homens, tendo aprendido tantos conhecimentos sobre os mistérios da natureza, perderiam qualquer relação com a palavra dos evangelhos, se não houvesse um novo caminho para nos aproximar do Cristo. Este caminho a Antroposofia quer abrir, levando os homens novamente ao conhecimento do mundo espiritual. Pois, vejam, o acontecimento do Cristo só pode ser compreendido como algo espiritual, como um fato espiritual. Quem não puder compreender o acontecimento do Cristo como um fato espiritual, não o entenderá mesmo.
Com os conhecimentos antroposóficos podemos novamente retornar ao tempo em que Jesus Cristo caminhava na Palestina, a realizar o seu destino terrestre. Podemos penetrar na vivência anímica dos discípulos e apóstolos, que sabiam, conforme seus conhecimentos instintivos: “o ser que outrora só vivia no Sol, desceu à Terra e caminhou entre nós. Esse ser, que viveu entre nós como Jesus Cristo e dessa forma caminhou pela Terra, só podia ser encontrado anteriormente no Sol.”
Portanto, os discípulos diziam o seguinte: “pelos olhos de Jesus de Nazaré brilha a luz do sol; pelas palavras pronunciadas por Jesus de Nazaré fala-nos a força do Sol que nos aquece; quando Jesus de Nazaré caminha entre nós, é o próprio Sol que envia a sua luz e sua força para o mundo.”
E assim pensavam aqueles que podiam compreender estas coisas: “então caminha entre nós num homem o ser solar que outrora só podia ser alcançado quando a contemplação era dirigida da Terra para cima, para o próprio mundo espiritual.”
E, pelo fato de os discípulos e apóstolos terem podido pensar dessa forma, tinham eles uma correta relação e uma correta compreensão da morte do Cristo. Por isso, eles continuaram sendo discípulos de Cristo Jesus, mesmo depois que Ele já tinha atravessado a morte na Terra.
E sabemos, pelos conhecimentos da Ciência Espiritual, que o Cristo depois de abandonar o corpo de Jesus de Nazaré, continuou entre os seus discípulos, ensinando-lhes.
A força que os discípulos e apóstolos receberam, para que o Cristo, quando Este lhes aparecia somente em seu corpo espiritual, pudesse continuar a lhes ensinar, essa força eles perderam depois de algum tempo. Houve um momento na vida dos discípulos de Jesus Cristo em que esses diziam para si mesmos: “nós O vimos, mas não O vemos mais. Ele desceu para estar entre nós na Terra, para onde Ele foi agora?”
O momento em que os discípulos pensaram ter perdido novamente a presença de Cristo se comemora com a festa cristã da Ascensão do Senhor. Ficou conservado na lembrança o fato de que desaparecera da visão dos discípulos o grande espírito solar, que viveu na Terra, no homem Jesus de Nazaré.
Esta experiência trouxe para os discípulos do Cristo uma tristeza tão profunda, que não se pode comparar com nada que possa existir como tristeza na Terra.
Nos antigos mistérios, quando a imagem do deus era enterrada, na celebração do ritual solar, para só reaparecer depois de três dias, as almas dos fiéis também eram dominadas por uma grande tristeza pela morte do deus. Mas essa dor não se compara em intensidade com aquela que invadira então os corações dos discípulos do Cristo.
Vejam, meus caros amigos, todo grande e verdadeiro conhecimento nasce da dor e da tristeza. Se alguém quiser, por meio dos exercícios iniciáticos descritos na ciência espiritual antroposófica, tentar trilhar o caminho que conduz aos mundos superiores, só alcançará a meta se passar pela dor. Sem ter sofrido, e sofrido muito e, por isso, ter-se libertado do peso opressor da dor, não é possível conhecer o mundo espiritual.
Os discípulos passaram por um imenso sofrimento, por terem perdido a visão do Cristo durante os dez dias que seguiram à Ascensão do Senhor. E dessa dor, dessa infinita tristeza, surgiu o que chamamos o Mistério de Pentecostes. Os discípulos que, para a clarividência instintiva externa, perderam a visão do Cristo, conseguiram encontrá-Lo outra vez na experiência interior, no sentimento, na vivência, graças à tristeza e à dor que sofreram.
Voltemos ainda aos tempos antigos. Os homens que viviam antes do mistério do Gólgota possuíam uma lembrança da sua existência pré-terrestre. Eles sabiam que haviam conseguido nessa existência, antes de vir à Terra, a força do Cristo para conquistar a imortalidade.
Sabia-se então que, por meio da própria força humana, não era possível olhar retrospectivamente para os mundos espirituais da existência pré-terrestre. Os discípulos concentraram então a sua atenção em tudo aquilo que existia em sua memória, sobre os acontecimentos do Gólgota.
E dessa memória, acrescida por aquela dor, ressurgiu-lhes na alma a visão daquele que o ser humano perdera, ao desaparecer a sua clarividência instintiva.
Os homens da antiguidade podiam dizer: ”nós estivemos com o Cristo antes de nosso nascimento na Terra. Dele recebemos a imortalidade.”
E dez dias depois de terem perdido a visão exterior do Cristo, os discípulos puderam dizer: “nós vivenciamos o mistério do Gólgota. Isto nos dá a força para sentir novamente o nosso ser imortal.” Este acontecimento é expressado simbolicamente pela imagem das línguas de fogo.
Daí podermos, por meio da ciência espiritual, entender também que, com o mistério de Pentecostes, o mistério do Gógolta substituiu o antigo mistério do mito solar.
Que o Cristo é o deus solar tornou-se especialmente claro a Paulo, quando da sua visão em Damasco. Paulo era discípulo dos iniciados dos antigos mistérios. Ele aprendeu que só podemos encontrar o Cristo quando alcançarmos o mundo espiritual através da clarividência.
E ele dizia: “Eis que existem discípulos que afirmam ter o ser solar vivido num homem e ter passado pela morte. Isto não pode ser correto, pois o ser solar só é visto fora da Terra.” Enquanto se manteve fiel ao seu conhecimento dos mistérios, Paulo lutou contra o Cristianismo.
Por meio da revelação vivida em Damasco, Paulo compreendeu que é possível contemplar o Cristo sem se elevar aos mundos espirituais, pois ele realmente descera à Terra. E a partir desse momento ele sabia que os discípulos de Jesus Cristo diziam a verdade, porque o grande ser solar havia descido do céu à Terra.
Se o Cristo não tivesse aparecido na Terra, se só continuasse apenas como deus do Sol, a humanidade teria entrado em decadência. Os homens teriam, cada vez mais, acreditado que só existem as coisas materiais, que o Sol é apenas matéria, as estrelas apenas são formadas por matéria. Porque os homens se esqueceram totalmente do fato de que eles mesmos desceram da existência pré-terrestre, do mundo espiritual estelar.
Porém, a vida da humanidade só suportaria durante um tempo limitado mais que uma certa soma de pensamentos materialistas. Tal soma de pensamentos que dizem tudo é “material” só pode durar por um tempo definido. Se, por exemplo, todos os homens acreditassem durante um século inteiro que tudo era constituído apenas de matéria, eles perderiam a força do espírito no seu interior e se tornariam doentes, paralisados. Isto aconteceria, se o Cristo não tivesse em sua infinita compaixão descido do mundo espiritual à Terra.
Vocês dirão que muitas pessoas ainda não querem saber nada sobre o Cristo, não seguem uma religião cristã. O que acontecerá com eles? Por que não estão paralisados, fracos, doentes?
Vejam, meus caros amigos, o Cristo apareceu na Terra, no acontecimento do mistério do Gólgota, não apenas para dar uma doutrina aos homens, mas para realizar o fato da sua aparição na Terra. Ele morreu para todos os homens. A constituição física de todos os homens foi melhorada e salva por meio do mistério do Gólgota, também daqueles que não acreditaram em Cristo.
Até agora não importava que alguém fosse chinês, japonês, hindu e não quisesse saber nada sobre o Cristo: pois o Cristo morreu para todos os homens.
Isto não será possível da mesma forma no futuro, porque para a humanidade será cada vez mais decisivo, em comparação ao que foi até agora, qual o conhecimento que se tem. Com a evolução da humanidade, surgirá mais e mais a necessidade de todos os homens adquirirem um certo conhecimento dos seres espirituais e da Vida espiritual.
Esse conhecimento, que leva todos os homens a penetrar no mundo espiritual, é aquele a que aspira a pesquisa antroposófica. E com esse conhecimento poder-se-á também reconhecer o Cristo.
Quando a Antroposofia for assimilada corretamente, poder-se-á falar sobre o Cristo de maneira tal que a descrição seja compreensível para todos os homens.
Com a forma usada até hoje para anunciar o Cristianismo, os missionários que foram à África, à Ásia, conseguiram talvez converter algumas pessoas, mas as grandes massas o rejeitaram, porque não podiam entendê-los.
Que tipo de religião tinham os povos? Eram religiões que tinham surgido dentro de um povo e só podiam ser compreendidas por esse mesmo povo, porque veneravam algum lugar sagrado ou uma personalidade santa dentro do próprio povo. Enquanto os egípcios veneraram o deus de Tebas era obrigatório peregrinar a Tebas, onde se podia venerar esse Deus em seu santuário. Enquanto Zeus foi venerado em Olímpia, devia-se ir a Olímpia, para nesse lugar venerar o Zeus. Da mesma forma deve o muçulmano viajar para Meca.
Algo disso se conservou também no próprio cristianismo. Quando entendermos corretamente o cristianismo, saberemos que o Sol brilha para todos os homens. Ele brilha sobre Tebas, sobre Olímpia, sobre Meca. Pode-se ver fisicamente o sol de qualquer lugar e por isso também o grande ser solar, o Cristo, pode ser venerado espiritualmente.
E assim, a Antroposofia mostrará aos homens que aquele ser, que antes do mistério do Gólgota só podia ser alcançado mediante capacidades supra-sensíveis, pode, a partir do mistério do Gólgota, ser alcançado pela força cognitiva, que deve ser conquistada na própria terra.
Será novamente compreendida a palavra que diz: “os reinos dos céus desceram à Terra”. Não mais se falará de forma mística sobre o reino milenar, mas será compreendido que o que se procurava antigamente no sol, agora se encontra na Terra. “ E diremos: “o Cristo está entre nós desde o mistério do Gólgota, porque desceu à Terra e mora entre os homens na Terra.”
O que os discípulos sentiram como o mistério de Pentecostes, poderemos sempre sentir novamente: “ o Cristo desceu à Terra e em nosso coração nasce aquela força que assegura aos homens a imortalidade.” Porém, deveremos levar a sério as palavras do Cristo em sua verdade profunda, por exemplo: “eu estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos.” E quando pudermos levar a sério essas palavras em sua profundidade espiritual, também nos será possível adquirir o seguinte conhecimento: “o Cristo não esteve aqui na terra apenas no começo da nossa era, ele está aqui sempre, e Ele fala conosco se queremos ouvi-Lo.”
Para isso, deveremos aprender novamente, por meio da ciência espiritual, a ver o espiritual em qualquer objeto material. O espiritual por trás da pedra, o espiritual por trás da planta, o espiritual por trás dos animais, dos homens, das nuvens, das estrelas, por trás do Sol. Se encontrarmos novamente, através da matéria, o espírito em sua realidade, abriremos a nossa alma humana para a voz do Cristo que quer falar conosco, se quisermos ouvi-lo.
E a Antroposofia pode falar sobre o espírito que permeia toda a natureza. Por isso ela pode também afirmar que o espírito atua em toda a história terrestre da humanidade, e pode dizer que a Terra só recebeu o seu sentido através do mistério do Gólgota.
O sentido da Terra estava no Sol antes do mistério do Gólgota. Desde o mistério do Gólgota o sentido da Terra está unido com a própria Terra. Isto, a Antroposofia gostaria de levar à humanidade como um mistério pentecostal sempre presente.
E os homens, se estiverem dispostos a procurar o mundo espiritual com a Antroposofia, poderão então, de forma adequada aos tempos atuais, reencontrar também o Cristo como o onipresente.
Se em nossos tempos não se inclinarem para o conhecimento espiritual, os homens irão perder o Cristo. Até agora o cristianismo não precisou do conhecimento. O Cristo morreu para todos os homens. Ele não renegou os homens. Se hoje os homens rejeitarem o Cristo no conhecimento, eles então renegarão o Cristo.
Como o nosso encontro aqui em Oslo foi nesta época da festa de Pentecostes, eu queria lhes falar sobre o mistério do Cristo, relacionando-o com o mistério de Pentecostes.
Às vezes há quem opine que a Antroposofia é uma inimiga do cristianismo. Quem perceber realmente o espírito da Antroposofia, descobrirá que será ela justamente que abrirá novamente os ouvidos, o coração e a alma do homem como um todo para o mistério do Cristo.
Meus caros amigos, o destino da Antroposofia quer se ligar ao do cristianismo. Para isso é necessário que os homens de hoje se elevem, além da palavra morta que lhes fala do Cristo, para aspirar a um conhecimento que os conduza à própria luz do Cristo vivo, não daquele histórico que séculos atrás vivera na Terra, mas daquele que hoje e em cada momento do futuro vive e viverá na Terra entre os homens, porque se transformou de deus em seu irmão divino.
Assim, queremos receber em nossos pensamentos pentecostais o anseio de procurar através da Antroposofia o caminho ao Cristo vivo e sentir como em cada antropósofo pode ser renovado o mistério primordial de Pentecostes. Que em seus corações surja o conhecimento do Cristo que aquece e ilumina nas línguas de fogo do conhecimento cristão universal.
Façamos com que o nosso caminho em direção ao espírito através da Antroposofia seja ao mesmo tempo o caminho em direção ao Cristo através do espírito. E se isto for assumido por uma minoria de pessoas com seriedade então será cada vez maior o número de homens em que esse mistério de Pentecostes criará raízes no presente e especialmente no futuro.
Então acontecerá o que a humanidade tanto precisa para a sua saúde e para a sua cura: falará então, para uma nova compreensão humana, o espírito salvador que Cristo enviou para curar as doenças das almas dos homens. Então, meus caros amigos, virá aquilo que a humanidade precisa:
O Pentecostes Universal!
(*) Nota do tradutor: Rudolf Steiner proferiu esta palestra em Oslo, por ocasião da fundação da Sociedade Antroposófica na Noruega. Ele deve ter usado este estilo simples de freses curtas para facilitar a tradução para o norueguês, o que facilitou também a tradução para o português.
(**) Observação da remetente: Calvário (em aramaico Gólgota) é o nome dado à colina que na época de Cristo ficava fora da cidade de Jerusalém, onde Jesus foi crucificado. Calvaria em latim, ??a???? ??p?? (Kraniou Topos) em grego e Gûlgaltâ em transliteração do aramaico. O termo significa “caveira”, referindo-se a uma colina ou platô que contém uma pilha de crânios ou a um acidente geográfico que se assemelha a um crânio. O Novo Testamento descreve o Calvário como perto de Jerusalém (João 19:20), e fora das muralhas da cidade (Epístola aos Hebreus 13:12). Isso está de acordo com a tradição judia, em que Jesus foi também enterrado perto do lugar de sua execução.
O imperador romano Constantino, o Grande construiu a Igreja do Santo Sepulcro sobre o que se pensava ser o sepulcro de Jesus em 326 –335, perto do lugar do Calvário. De acordo com a tradição cristã, o Sepulcro de Jesus e a Verdadeira Cruz foram descobertos pela imperatriz Helena de Constantinopla, mãe de Constantino, em 325. A igreja está hoje dentro das muralhas da Cidade Antiga de Jerusalém, após a expansão feita por Herodes Agripa em 41-44, mas o Santo Sepulcro estava provavelmente além das muralhas, na época dos eventos relacionados com a vida de Cristo.
Dentro da Igreja do Santo Sepulcro há uma elevação rochosa com cerca de 5m de altura, que se acredita ser o que resta visível do Calvário. A igreja é aceita como o Sepulcro de Jesus pela maioria dos historiadores e a pequena rocha dentro da igreja como o local exato do Monte Calvário, onde a cruz foi elevada para a crucificação de Jesus.
Rudolf Steiner – GA 226 – Oslo, 17 de maio de 1923
Tradução: Leonore Bertalot
GA 219 – 31 de dezembro de 1922, Leitura:
O COMEÇO DE UM CULTO CÓSMICO PARA O HOMEM ATUAL
Anteontem falei de como também no homem se pode encontrar o desuso de translação anual. Eu chamei a atenção para o fato de como os efeitos da natureza, que estão ao nosso redor, de certo modo se desenrolam durante o curso de um ano, de forma que se pode ver uma espécie de atuar conjunto, de confluência, daquilo que usualmente é visto desenrolando-se como processos naturais, como fatos naturais, no decurso de um ano. Porem, a diferença essencial entre este decurso de translação anual e seu espelhamento no ser humano, é aquilo que para uma determinada região se passa sucessivamente, no ser humano é simultâneo. Em verdade, o humano como também é semelhante em todo terrestre, pelo fato de quando num dos hemisférios é verão, no outro é inverno, etc. Porém no caso da Terra é assim que os respectivos efeitos invernais de uma região e os efeitos estiveis de uma outra região, de certo modo, se colocam separadamente perante o amplo espaço cósmico. Assim, se tornamos os efeitos invernais de uma região, os efeitos estiveis de uma outra região em sua simultaneidade, eles se dispersam, eles portanto, não se enfraquecem, não se atrapalham mutuamente em sua existência.
No entanto no ser humano á assim que, quando ela está dormindo, o seu corpo físico e também o seu corpo estão em uma espécie de estado estival, em uma vida que germina, que brota. A evidencia espiritual mostre-nos, no caso do sono, quando o eu e o corpo astral estão separados dos corpos físicos e etérico, este estado estival dos corpos físico e etérico que germina e brota. Pode-se dizer que, enquanto o ser humano dorme, lá sucessivamente uma espécie de estado primaveril e estivel em seu organismo físico – etérico abandonado. Porém, seu corpo astral e seu eu, que continuam numa ação recíproca com este organismo humano total, ao mesmo tempo estão numa espécie de estado invernal, nas que eles confluem, que portanto não desviam um do outro. O mesmo se dá no estado físico e etérico encontram-se numa espécie de estado outonal e invernal. Em contraposição, estimulados pelas impressões do ambiente, estimulados pelos pensamentos que o ser humano desenvolve a respeito deste ambiente, o corpo astral e a organização do eu estão em pleno estado estival ou primaveril. Também neste caso, a primavera interior, o verão interior e o inverno interior atuam conjuntamente, não desviam um do outro, porem irradiam-se mutuamente.
É isto que realmente resulta para pesquisa cientifico – espiritual. De certo modo, se quiséssemos comparar a totalidade da Terra com o ser humano com relação aos processos do inverno e do verão, teríamos que virar os dois hemisférios opostos. No ser humano é assim como se deixássemos o verão de uma dos hemisférios cair diretamente sobre o inverno do outro hemisfério através de uma virada da Terra. Porém, através disso, de fato surgiria algo, que poderá ser caracterizado dizendo-se: os efeitos invernais, levando uma espécie de estado de equilíbrio. Isto é um resultado muito importante, ao qual a ciência exterior até agora não chegou. Por isso, no fundo, ela não pode reconhecer a natureza que vive essencialmente no ser humano. Mo ser humano o atuar da natureza é, de fato, assim, que inverno e verão se assim posso expressar-me, pois estes termos referem-se realmente a um acontecimento justificável, que estados de verão e inverno anulam-se mutuamente.
De fato, o ser humano carrega dentro de si a natureza que o rodeia, porém os efeitos anulam-se mutuamente e sobrevém um estado que, no fundo, realmente acalma a atuação da natureza no ser humano. Tal como numa balança, quando ambos os lados são carregados com pesos, no meio do travessão há um ponto de repouso, sobre o qual não atua nem a geração de forças do lado direito, nem a do lado esquerdo, há um estado de equilíbrio relativo àquilo que de outro modo atua sobre o travessão. No ser humano há realmente um equilíbrio dos efeitos antagônicos da natureza.
Quem observar o ser humano trimembrado, assim como o esbocei no suplemento do meu livro “Dos enigmas da alma”, quem realmente o observar com exatidão, como hoje ainda não se está acostumado a fazê-lo, de fato irá encontrar o seguinte: dividimos o ser humano em uma organização neuro-sensorial, uma organização rítmica a uma organização metabólica-motora.
Estas três organizações atuam uma dentro da outra. Pode-se dizer que a organização neuro-sensorial atua principalmente na cabeça; mas todo o ser humano é, em um certo sentido, funcionalmente outra vez cabeça. O mesmo se passa com outros sistemas, a organização rítmica, a organização metabólico-motora.
Podemos representar o ser humano esquematicamente da seguinte maneira, se levarmos em consideração sua entidade trimembrada. Temos, pois, a organização neuro-sensorial, e organização rítmica e a organização metabólico-motora.
Se tomarmos os dois sistemas organizacionais externos, a organização neuro-sensorial e a organização metabólico-motora, de fato há uma oposição entre ambas que se mostrem nitidamente a uma anatomia e uma fisiologia cientifico-espirituais. Por exemplo, quando andamos, temos um movimento em nosso organismo motor, que é até um movimento no espaço. A este movimento corresponde um repouso em determinada parte da nossa organização neuro-sensorial, em determinada parte da nossa organização cerebral, na mesma proporção em que a organização motora está em movimento. Eu lhes pelo fazerem a tentativa de antecederem isto corretamente. Eu disse “na mesma proporção em que está em repouso”. Geralmente considera-se “repouso” um conceito absoluto. Quem senta, está sentado e não se faz uma diferenciação entre estar sentado com mais ou menos intensidade. Para a vida comum isto, num certo sentido até que está certo. Aí estas coisas não diferenciam-se muito umas das outras.
Porém com a nossa organização neuro-sensorial, isto é diferente. Quando corremos mais depressa com nossa organização motora, então há uma certa tendência ao repouso, como querer estar em repouso, é mais forte do que quando andamos devagar. E a tudo que se passa em nossa organização motora, mas também aquilo que se passa em nossa organização metabólica, quando, por exemplo, os sucos alimentares percorrem seu caminho através do movimento dos intestinos, corresponde uma tendência de repouso em nosso organismo neuro-sensorial. Isto também se expressa exteriormente. A cabeça, que é a sede principal do organismo neuro-sensorial, com relação À nossa organização motora é, no fundo, uma preguiçosa. A cabeça comportasse aproximadamente como alguém que senta comodamente em uma carruagem, e deixa-se levar pelo cavalo. Esta pessoa fica em repouso. Assim, nossa cabeça sente-se repousando sobre o resto do nosso organismo. Ela não se interessa sequer, quando eu, por exemplo, gesticulo com os braços. Aí o gesticular com meu braço esquerdo causa uma tendência de repouso no hemisfério direito da minha cabeça, quando gesticulo com o braço direito isto causa uma tendência de repouso no hemisfério esquerdo da minha cabeça. E através desta tendência de repouso, torna-se possível acompanharmos nossos movimentos com pensamentos.
Está completamente errado, quando uma cosmovisão materialista porventura acha que representações dependem de movimentos dos nervos. Ao contrário, elas dependem, quando se trata de representações de algum movimento no espaço, das tendências ao repouso do sistema nervoso. O sistema nervoso acalma-se, chegando até a abafar a sua atividade vital; os pensamentos penetram nesse repouso, tornam-se reais. Quem consegue observar de modo cientifico-espiritual o que se passa no pensar, no representar do ser humano, jamais poderá tornar-se materialista, pois sabe que na mesma medida em que os pensamentos tornam-se móveis e ativos como substância anímico-espiritual, justamente os nervos acalmam-se até perdem sua intensidade, chegando mesmo a paralisar-se. Através do cessar da atividade material, o sistema nervoso deve dar lugar ao anímico-espiritual dos pensamentos. É exatamente nessas coisas que vemos porque nós temos um materialismo. Temos um materialismo desde a época em que a ciência na conhece a matéria. É característico da ciência materialista, que ela não tem idéia da essência dos processos materiais e inventa uma porção de coisas que não estão aí.
Já podemos ver então, como no ser humano existem condições opostas, que, no entanto, tendem a um equilíbrio. Da mesma forma como no verão há efeitos da natureza opostos às circunstâncias invernais, assim também no organismo humano distribuem-se efeitos opostos que, porém, mantém um equilíbrio mútuo. Porém, somente estaremos pensando de modo correto sobre estes efeitos opostos que se mantêm mutuamente em equilíbrio, se ainda desmembrarmos o ser humano do seguinte modo. Se dividirmos em duas partes o seu sistema central, seu sistema rítmico, então distinguiremos essencialmente (não é bem exato) o ritmo de respiração e o ritmo da circulação sanguínea e então falamos de um sistema rítmico central superior e um sistema rítmico central inferior, há aquela parte do ser humano que mais tende para o equilíbrio, por estar perpassada, influenciada, impressionada de modo polar por efeitos naturais vindos de cima e de baixo.
Portanto, se eu quiser acrescentar ao meu desenho esquemático o fato dos efeitos da natureza opostos no ser humano, então devo complementar o desenho das seguintes maneiras (vermelho): na parte superior deste oito eu tenho delineado esquematicamente os efeitos da natureza que estão em direção oposta aos efeitos da natureza que delineei na parte inferior do oito.
Assim, de certo modo, o ser humano divide-se em duas metades, uma em cima e uma embaixo. A parte de cima engloba o sistema neuro-sensorial, que naturalmente se estende sobre todo o ser humano. O desenho é esquemático. Às vezes devemos procurar o “em cima” no dedão do pé, porque lá também há órgãos sensoriais. Portanto, o desenho é esquemático, porém os senhores facilmente conseguirão imaginar este desenho esquemático aplicando à realidade. Devo, portanto, representar-me como um lado do sistema neuro-sensorial e, pertencendo a ele, essencialmente, o sistema respiratório, como do outro lado, o sistema circulatório e o sistema metabólico-motor têm efeitos naturais opostos. Eles suprimem-se mutuamente.
O órgão do ser humano, no qual tem lugar a compunção, no qual, de fato, é visado o equilíbrio de baixo para cima e de cima para baixo, é o coração humano. Ele não é uma bomba no sentido da fisiologia moderna, que bombeia o sangue através do corpo. Representa o órgão do equilíbrio entre os sistemas superior e inferior do ser humano. De modo que também no organismo físico externo do ser humano expressa-se aquilo que nele é realizado espiritualmente: no fato de que nele sempre efeitos estivais e invernais anulam-se simultaneamente.
Em qualquer região da Terra só pode ser inverno pelo fato de não ser verão ao mesmo tempo, senão o verão levaria o inverno para um estado de equilíbrio, ou seja, não haveria verão nem inverno, mas um estado de equilíbrio. O ser humano em si é um pedaço de natureza, mas devido ao fato dos efeitos da natureza no ser humano estarem mutuamente dirigidos em sentido oposto, eles anulam-se e o ser humano é, como se ele não fosse da natureza. Mas por isso o ser humano é uma entidade livre. Não se lhe pode aplicar as leis da necessidade natural e sim dois efeitos naturais mutuamente orientados em direção oposta, e estes anulam-se no ser humano. E neste âmbito dos efeitos da natureza que se anulam, está então o anímico-espiritual do ser humano, independente dos efeitos da natureza, e que deve ser reconhecido a partir de suas próprias leis. Daí os senhores podem ver como vamos chegar à abrangência fundamental da observação, quando queremos entender o ser humano e como, na verdade, a mera aplicação das leis da natureza exterior, que sempre estão orientadas para uma única direção, não é admissível para o ser humano.
Agora porém, depois que de um lado colocamos diante de nossa alma a verdadeira entidade humana, observamos as conseqüências que isto tem. Somente chegamos a conhecer o ser humano, quando o observamos do seguinte modo: ele carrega dentro de si um pedaço da natureza, de modo que os efeitos naturais opostos se anulam. Se, no entanto, vamos conhecer este pedaço de natureza através da observação cientifico-espiritual, então, para o estado de sono do ser humano, com relação aos corpos físico e etérico, isto se apresenta como perpassado de efeitos minerais e vegetais que, se olharmos apenas para aquilo que nosso ser humano dorme, fica para trás na cama, representa o estado estival. Somente agora, no entanto, pelo fato de podermos observar corretamente esta vida que germina e brota, podemos conhecer seu verdadeiro significado. Quando germina quando brota? Quando o eu e o corpo astral não participam, quando o eu e o corpo astral estão fora durante o sono. E da onde vem o germinar e brotar? Isto se torna evidente através da observação cientifico-espiritual.
Se eu quisesse desenhar-lhes isso esquematicamente, teria que fazê-lo do seguinte modo. Este seria o esquema do ser humano dormindo (claro, verde, amarelo, vermelho). A linha inferior claro verde são os corpos físico e etérico deitados na cama, que para a observação cientifico-espiritual se mostram como solo, como mineral do qual brota a vida vegetal. Naturalmente ela se mostra como outra forma, mas reconhecível para a observação cientifico-espiritual. Acima arde qual uma chama, que não consegue aproximar-se, o eu e o corpo astral, representado pela linha amarelo-vermelha, que está acima. De certo modo, quando observamos o ser humano em seu sono, temos então na cama um pedaço de solo germinando e brotando e a ele pertencente, mas separados, o astral e os ardentes.
Como é na vigília? Ai eu teria que estruturar o esquema do seguinte modo (claro, vermelho, verde, amarelo): mineral, vegetal murchando sucumbindo e o astral e eu como que queimando este mineral e vegetal, como que enviando chamas para dentro deles. Portanto, temos aí o ser humano acordado tendo em si o anímico e o vegetal desmoronando, o vegetal murchando. O mineral desmorona no ser humano durante a vigília. A atuação vegetal dá a impressão, mesmo que não tenha exatamente essa aparência, qual árvore no outono, como as folhas das árvores pendentes murchando, tudo fenecendo, diminuindo, mas como que permeado por chamas, pequenas chamas que ardem que põe em brasa. Estas chamas e chaminhas que ardem e põem em brasa são o corpo astral e o eu que vivem nos corpos físico e etérico. E surge então a pergunta:sim, e como é que é então com o arder flamejante durante o sono, ande ele está no eu e no corpo astral, separados dos corpos físico e etérico?
Se nos aproximarmos disso com a pesquisa cientifico-espiritual e conseguirmos isso através do confronto de diversas exposições que dei ao longo do tempo, que de certa forma no permitem chegar a essa conseqüência, então chegamos ao seguinte. Aquilo que inicialmente, expele principalmente, o flamejar e arder do eu e o corpo astral e que depois estimula a vida vegetal do corpo físico estival que dorme germinado e brotando, como também o mineral, que desenvolve em si uma espécie de vida, aquilo que causa que as partículas, o atomizante do mineral do corpo físico, tenha a aparência de como se os átomos fossem dissolver-se, de como a partir desse todo se formasse uma massa mineral liquido aérea, continuamente móvel em si, ativa, permeada de vida germinate – o que é pois esta força interior que ocasiona isso? Bem, aquilo que vibra lá dentro, enquanto dormimos nos corpos físico e etérico, é a repercussão da onda da nossa vida anterior À existência terrestre. Esta nós paralisamos durante nossa vida vígil.
Quando este cintilar flamejante do corpo astral e do eu tornam-se unos com os corpos físico e etérico, então levamos ao repouso aqueles estímulos que durante o sono presentes, vindos de uma vida pré-natal. É só agora aprendermos, atreves daquilo que aprendemos sobre nós mesmos, de olhar para a natureza exterior de maneira correta, de modo que dizemos: tudo que na natureza exterior atua como leis naturais, como forças naturais na vida mineral e vegetal isto é igual àquilo que em nós é vida mineral e vegetal durante o sono, é vida estival, germinante e brotante. Isto significa que, do mesmo modo como nós, ao observarmos nosso corpos físico e etérico adormecidos, somos reportados ao nosso passado, à vida espiritual que tivemos em nossa existência pré-natal, assim a natureza exterior, com quanto é mineral e vegetal, nos indica o passado.
Se quisermos entender corretamente as forças naturais e as leis naturais atuantes da natureza que nos circunda, exceptuando o animal e o físico humano, então devemos dizer: as leis naturais e as forças naturais remetem-nos para o passado da Terra, para o parecer da Terra. Portanto, quando pensamos a respeito da natureza exterior, então estes pensamentos dedicam-se ao elemento da existência terrestre que está parecendo. Se esta existência terrestre deve ser novamente vivificada, ter em si impulsos futuros, então isto só poderá acontecer do mesmo modo como ocorre no ser humano, ou seja; através do fato que algo anímico e espiritual seja introduzido no mineral e vegetal. O anímico se introduz nos animais, o espiritual no ser humano.
Com isto, porém, toda a entidade do cosmo, de fato, divide-se em dois membros. Olhamos para fora, para dentro da natureza exterior e à medida que ela é da espécie mineral e vegetal (e é principalmente isto que está na natureza exterior), só podemos compará-la com os nosso corpos físico e etérico quando dorme. Quando olhamos para os efeitos físicos exteriores, então devemos dizer que destes efeitos físicos. Pois quando olhamos para os efeitos físicos ligados à alimentação dos seres, então devemos dizer: a alimentação começa com a ingestão de matérias, minerais e vegetais. O animal continua a digeri-las com a alimentação para o ser humano. Mas inicialmente, tudo que é natureza exterior, com seus efeitos físicos exteriores e também etéricos, depende de uma entidade dessas, que encontramos em nosso organismo físico etérico. Mas aquilo que temos dentro de nós como eu e organismo astral, aquilo que, por exemplo durante a vigília ( onde o organismo físico e etérico se encontram em seu sono invernal, se assim posso expressar-me, pois isto é um paradoxo em relação à realidade, como os senhores podem sentir) encontra-se em estado estival, estimulado pelos efeitos sensoriais externos e pelos pensamentos que através deles se formam, isto cria um equilíbrio com o estado invernal dos corpos físico e etérico.
Mas que põe à obra num sentido cientifico-espiritual, encontrará (se bem que aquilo que ele deve imaginar como sendo concomitante no ser humano, no decurso anual das estações está separado) que ao estado invernal da Terra corresponde um estado estival, um estado invernal espiritual. Só que estes não formam um estado de equilíbrio na Terra, mas que se manifestam no hemisfério oposto, de modo que na Terra é assim, que o estado invernal físico é fortalecido pelo estado invernal anímico-espiritual, o estado estival físico é fortalecido pelo estado estival espiritual. Com isto está indicado o fato de que, assim como o ser humano carrega em si o seu passado e seu presente.
No fundo, com relação à atividade e às leis que o permeiam durante a vigília, temos o presente apenas em nosso corpo físico. Temos a atuação do passado, um passado vivido no âmbito espiritual, no organismo físico e etérico no estado de sono. Também vamos encontrar correspondente na natureza mineral e vegetal presente, que atua sobre nós: no fundo são os resultados da existência passada e que se tornam presente apenas pelo fato da Terra estar envolvida pelo anímico-espiritual, assim como o ser humano é penetrado pelo anímico-espiritual. E no presente já o germe para o futuro.
Mas se for verdade, e o que lhes expus, é verdade, que no organismo físico e etérico temos efeitos do passado justamente quando está independente da atividade anímico-espiritual, então podemos procurar os efeitos que atuam em direção ao futuro apenas no nosso eu e no nosso corpo astral, mas também para a Terra só podemos procurar o futuro no espiritual.
O homem chegou hoje ao ponto de ter acrescentado o organismo físico e etérico o eu e o corpo astral através de evidentes poderes elementares. Os mundos terrestre mineral e vegetal ainda não acrescentaram isto. Eles evolvem a Terra anímica e espiritualmente, mas eles não penetram o modo de atuar mineral e vegetal da Terra. A entidade mineral da Terra mostra-se, assim como a temos perante nós, como algo que não permite o espírito e a alma de penetrá-los, mas que apenas se deixa circundar pelas chamas e envolver pelo espírito e pela alma.
A natureza vegetal apresenta-se de tal modo que também não permite a entrada do anímico, mas que em suas partes superiores, de certo modo eu diria, todo o anímico-espiritual. Pois para a pesquisa cientifico-espiritual, na planta apresenta-se o seguinte: se em baixo tenho a raiz, no meio o caule e em cima a flor da planta, então devo encarar a flor de tal modo , que na flor, a planta que aspira para cima, toca o astral que não a penetra, mas a toca. A flor surge pelo fato de ocorrer um contato entre a parte superior da planta e o astral que envolve a Terra. Por diversas vezes expressei isto através de uma comparação, que naturalmente deve ser entendida decentemente, de que o florescer da planta é essencialmente o beijo que o sol, a luz do sol, troca com a planta. Isto é um efeito astral, que porém é um mero contato.
Quando então olhamos para a natureza que nos rodeia, não vemos no elemento mineral, na planta, diretamente a mesma coisa que vemos em nós como seres humanos. Em nós, como seres humanos, vemos relacionadas uma natureza mineral, uma natureza vegetal, uma natureza astral e uma natureza do eu. Por ora teremos que descontar os animais. Futuramente ainda falaremos sobre eles. Mas devemos encontrar no mundo mineral e vegetal aquilo, do qual os efeitos físicos dependem essencialmente. Este mundo, eu diria se nos apresenta na natureza exterior despojada do pensamental-anímico e daquilo que é vivência do eu: o sentido do espírito auto-consciente. Estes não estão fora, não estão no elemento mineral nem no elemento vegetal. O elemento mineral e o elemento vegetal são, no fundo, resultados do passado.
Quem observar corretamente na Terra o solo mineral, a planta que brota, deve dizer perante a vida terrestre: em vocês formas cristalinas, em vocês formações montanhosas, em vocês, plantas que germinam e brotam, vejo os monumentos daquilo que foi criativo, o criador de vida, e que está parecendo, aquilo que emana com força da existência pré-natal e que no corpo físico e etérico está sendo paralisado e perecendo – vemos o organismo físico e etérico impregnado por aquilo que brilha em direção ao futuro a partir da entidade astral e do eu, aquilo que se desenrole livremente no ser humano como vida pensante e representativa, na posição de equilíbrio dos efeitos da natureza.
De certo modo, no ser humano vemos passado e futuro lado a lado. Quando unimos para dentro da natureza, na medida em que ela é mineral e vegetal, vemos mero passado. Aquilo que no ser humano já atua como futuro no presente, exatamente isso lhe dá a entidade da liberdade não existe na natureza exterior. Se a natureza exterior estivesse condenada a permanecer assim como é através do seu reino mineral e vegetal, então também estaria condenada a morrer, assim como o mero organismo físico e etérico do ser humano parece perece no cosmo. O organismo físico e etérico morre, o ser humano não morre, porque as entidades astral e do eu nele não carregam em si a morte e sim o vir a ser, o nascer.
Para que a natureza exterior não mora, tem que lhe ser dado aquilo que o ser humano possui através do seu corpo astral e do seu corpo do eu. Isto significa, que através do seu corpo astral e do seu corpo do eu ele tem representações auto-conscientes. Assim, se o ser humano quiser garantir o futuro da Terra moribunda, ele deve colocar no mundo a mesma coisa, que nele é suprasensível e invisível, a reencarnação numa próxima existência terrestre, ele não pode esperar que isso lhe venha do seu corpo físico e corpo etérico moribundo, assim também não pode surgir um futuro da Terra a partir daquilo que é globo terrestre mineral e vegetal que nos envolve. Apenas se conseguirmos colocar algo neta Terra que ela não tem, é que poderá surgir a Terra futura. Mas aquilo que não existe de por si na Terra são, em primeiro lugar, os pensamentos ativos do ser humano que engendram e vivem em seu organismo natural autônomo, independente do seu estado de equilíbrio. Realizando estes pensamentos autônomos, ele dá à Terra o futuro. Mas para isso, primeiro ele mesmo terá que ter estes pensamentos autônomos, pois todos os pensamentos que tecemos a respeito daquilo que está moribundo no conhecimento da natureza comum, são pensamentos espelhados, não são realidades. Os pensamentos que escolhemos da pesquisa espiritual são vivificados em imaginação, inspiração, intuição. Se nós os acolhermos, então são formações autônomas existentes na vida da Terra.
Em meu livrinho sobre a teoria do conhecimento da cosmovisão de Goethe eu pude dizer o seguinte a respeito desses pensamentos criativos: este pensar representa a forma espiritual da comunhão da humanidade. Pois, ao se entregar aos seus pensamentos espelhados sobre a natureza exterior, o ser humano apenas deseja o passado, vive em cadáveres do divino. Ao vivificar ele próprio os pensamentos, ele une-se através de sua própria entidade, comungando, recebendo comunhão, com o divino-espiritual que penetra o cosmo, garantindo o futuro do mesmo.
Assim o conhecimento espiritual é uma verdadeira comunhão, o inicio de um culto cósmico adequado à humanidade do presente. Este culto pode então crescer pelo fato de o homem agora perceber como ele perpassa seu organismo físico-mineral e vegetal com a sua organização astral e do eu; como ele, pelo fato dele, tornar vivo o espírito em si mesmo, agora também cativa o espírito em si mesmo, agora também cativa o espírito naquilo que de outro modo o envolve como algo morte, moribundo.
Aí então o ser humano vivencia que, olhando para o seu organismo, o atuante em estado sólido, ele neste sente-se unido ao mundo estelar, à medida em que ao mundo estelar é um ser em repouso, por exemplo, nas constelações zodiacais, com relação à Terra, ele comporta-se calmamente no espaço cósmico através do seu organismo físico. Porém, ao fazer fluir para dentro dessas configurações o seu anímico-espiritual, ele mesmo transforma o cosmo.
O ser humano é igualmente atravessado por um fluxo de humores. Nestes já vive o organismo etérico. Aquilo que faz com que o sangue circule em nós, que põe em movimento os humores, é o organismo etérico. Com este organismo etérico o ser humano está em contato, eu diria, com os atos estelares, com os movimentos dos planetas. Exatamente como as constelações do zodíaco atuam sobre a forma do organismo humano ou ela estão relacionadas, assim o fluxo humoral está relacionado aos movimentos planetários do sistema planetário ao qual pertencemos.
Mas visto diretamente, isto é um cosmo morto. O ser humano o transforma a partir do seu próprio elemento espiritual, quando ele o comunica ao cosmo, vivificando os pensamentos até a imaginação, inspiração, intuição, realizando assim a comunhão espiritual da humanidade.
É disso que o ser humano deve ter consciência em primeiro lugar. Esta consciência deve ser mantida cada vez mais viva e ativa e então o ser humano encontrará mais e mais o caminho para esta comunhão espiritual.
Hoje pretendo dar-lhes apenas uma base, participando-lhes inicialmente aquelas palavras que, se a deixarmos atuar de modo correto sobre a alma, se a vivificarmos sempre novamente na alma, de modo a vivenciarmos na alma seu sentido pleno, seu destino móvel, vão fazer surgir na alma algo, através do qual o morto no mundo, com o qual o passado é vivificado, para que do seu estado morto possa vir a ser relacionamento com o cosmo do seguinte modo. Vou anotar uma primeira fórmula que nos leva nesta direção.
Aproxima-se de mim na atuação terrestre
– represento-me a matéria terrestre que assimilo com aquilo que forma a configuração sólida do meu organismo.
Aproxima-se de mim na atuação terrestre.
Dada a mim na imagem da matéria.
A entidade celestial das estrelas.
É assim, que quando olhamos para qualquer formação da Terra, que acolhemos como nosso alimento, nós nele temos então uma imagem dos agrupamentos estelares fixos. É isso que acolhemos em nós a entidade estelar, a entidade estelar, a entidade celeste através da matéria da Terra, que está contida na atuação terrestre. Mas devemos ter consciência de que, como seres humanos, retransformamos em espírito, no nosso querer, no nosso querer perpassado de amor, aquilo que se tornou matéria da Terra, que está contida na atuação terrestre. Mas devemos ter consciência de que, como seres humanos, retransformamos em espírito, no nosso querer, no nosso querer perpassado de amor, aquilo que se tornou matéria; que realizamos uma verdadeira transubstanciação, quando temos consciência de estarmos dentro do universo, de modo que a vida pensamental-anímica se torna viva dentro de nós.
Aproxima-se de mim na atuação terrestre,
Dada a mim na imagem da ateria,
A entidade celestial das estrelas:
Vejo-as transformarem-se amorosamente no querer.
E se pensarmos naquilo que assim ingerimos, de modo que perpasse a parte líquida do nosso organismo, a atuação dos humores, a circulação sangüínea, então, desde que provenha da Terra, isto é uma imagem, agora não da entidade celeste ou da entidade estelar, mas das ações das estrelas, ou seja, dos movimentos dos planetas. E posso tornar-me consciente, como aí espiritualizado isto, quando me coloco corretamente no cosmo através da formula seguinte:
Penetram em mim na vida aquosa,
Formando-me na força poder da matéria
Os atos celestes das estrelas
Isto significa as ações dos movimentos dos planetas. E agora:
Vejo-os transformarem-se sabiamente no sentir.
Enquanto posso ver a entidade e o engendrar das estrelas no querer, transformando-se, sabiamente, aquilo que me é dado aqui na Terra, ao acolher a imagem dos atos celestes através daquilo que perpassa meu organismo humoral. Assim colocado, o ser humano pode vivenciar-se querendo e sentindo. Entregue ao domínio universal da existência cósmica, ele pode vivenciar aquilo, que através dele é realizado no grande templo do cosmo, como transubstanciação, sacrificando, encontrando-se dentro dele de modo puramente espiritual.
O que seria apenas conhecimento abstrato torna-se uma relação de sentimento e vontade com o cosmo. O cosmo torna-se um templo, o universo torna-se a casa de Deus. O ser humano cognitivo, elevando-se no sentir e querer torna-se uma entidade sacrificante. A relação fundamental do ser humano para com o cosmo eleva-se do conhecer para um culto cósmico. Que tudo aquilo que é nossa relação para com o cosmo, primeiramente se reconheça no ser humano como culto cósmico, isto é um primeiro inicio daquilo que deve acontecer, se a antroposofia deve realizar sua missão no cosmo.
Isto é o que eu lhes queria dizer como um início. Na próxima sexta-feira continuarei isto que é a essência do cúltico em relação ao conhecimento da natureza. Hoje eu queria dizer especialmente isto. Direcionei esta palestra para o dia de hoje, a fim de que viesse à tona este conteúdo, pois acho que assim, quando novamente surge perante nossa alma aquela entidade do tempo que nos é dada pela translação anual, quando uma translação anula se completa, pelo menos para a observação exterior, para a vivência exterior, nos venha à consciência como deve configurar-se nossa relação para com o tempo, como devemos procurar o futuro a partir do passado, como devemos saber atuar para o futuro a fim de criar o espiritual.
Esta tarde, uma das poesias recitadas iniciou assim: cada novo ano encontra novas sepulturas. Isto é profundamente verdadeiro! Mas tão verdadeiro também é: cada novo ano encontra novos berços. Como encontrão passado, também encontra o futuro. Hoje depende principalmente do ser humano, captar este futuro, pensando que esta vida germinante e brotante, que se nos depara exteriormente, contém em si a morte, mas que devemos procurar a vida a partir de nossa própria energia. E cada renovação anual nos é um símbolo para isto. Mesmo que com razão de um lado olhamos para as sepulturas, olhamos do outro lado para a vida que se renova, que aguarda receber em si o germe para o futuro.
Rudolf Steiner – GA 219 – 31 de dezembro de 1922
GA 187 – Palestra de Natal, Basel, 22 de dezembro de 1918, Leitura:
O NASCIMENTO DO CRISTO NA ALMA HUMANA
Como dois poderosos pilares do espírito têm as duas festas anuais, as festas de Natal e Páscoa, estabelecidas pelo sentimento cósmico cristão no decorrer do ano, que deveriam ser um símbolo do curso da vida do homem. Podemos dizer que na concepção do Natal e na concepção da Páscoa estão diante da alma humana aqueles dois pilares espirituais sobre os quais estão inscritos os dois grandes mistérios da existência física do homem, que ele deve olhar de maneira muito diferente da maneira como ele vê outros eventos no curso de sua vida física.
É verdade que um elemento supersensível é projetado nesta vida física – por meio da observação dos sentidos, por meio de julgamentos intelectuais, por meio do conteúdo do sentimento e da vontade. Mas este elemento supersensível é em outros casos claramente manifesto como tal – por exemplo, quando o sentimento cósmico cristão se compromete a simbolizá-lo na festa de Pentecostes. Na concepção do Natal, no entanto, e da Páscoa, a atenção é chamada para aqueles dois eventos que ocorrem no curso da vida física que são em sua aparência externa puramente física, mas que – em contraste com todos os outros eventos físicos – não se manifestam imediatamente se como eventos físicos. Podemos olhar para a vida física do homem como olhamos para a natureza; podemos, portanto, olhar para o lado externo da vida física, a manifestação externa do espiritual.
Mas nunca podemos ver com nossa visão física as duas experiências de fronteira do curso da vida humana – nem mesmo o aspecto externo, a manifestação externa – sem sermos colocados face a face, mesmo através de nossa visão física, com o enigma tremendo, o elemento de mistério, nesses dois eventos. Eles são os eventos de nascimento e morte . E na vida de Cristo Jesus estão estes dois eventos da vida física do homem – e também nas concepções de Natal e Páscoa, lembrando-nos deles – confrontando o coração cristão sensível.
No pensamento do Natal e no pensamento da Páscoa, a alma do homem deseja contemplar os dois grandes mistérios. E, ao que parece, encontra nesta contemplação força cheia de luz para o pensamento do homem, conteúdo cheio de poder para a vontade, uma elevação ereta de todo o homem, seja qual for a situação em que necessite desta elevação. Ao nos confrontarem dessa maneira, esses dois pilares do espírito – o pensamento do Natal e o pensamento da Páscoa – possuem um valor eterno.
Mas, no curso da evolução do homem, suas capacidades de concepção aproximaram-se de múltiplas maneiras do grande pensamento do Natal e do grande pensamento da Páscoa. Durante os primeiros tempos da evolução do Cristianismo, quando o Evento do Gólgota penetrou com efeito destruidor nas emoções humanas, os homens gradualmente encontraram o caminho para a visão do Redentor morrendo no Gólgota, como vieram durante os primeiros séculos cristãos para sentir o Crucificado pendurado na cruz o pensamento da Redenção, e gradualmente formaram para si a grande e poderosa imaginação do Cristo morrendo na cruz. Mas nos últimos tempos, especialmente desde o início da era moderna, o sentimento cristão – adaptando-se ao materialismo que surge na evolução humana – voltou-se para a imagem do elemento infantil entrando no mundo no Jesus recém-nascido.
Certamente, podemos dizer que um sentimento sensível encontrará no modo como o sentimento cristão da Europa se voltou, durante os últimos séculos, para a manjedoura de Natal, algo de um cristianismo materialista. O desejo – isso não é dito em um mau sentido – de acariciar o menino Jesus tornou-se trivial ao longo dos séculos. E muitas canções sobre o menino Jesus sentidas em nossos dias como belas – ou encantadoras, como muitos o expressam – não nos parecerão possuir uma seriedade suficientemente profunda na presença desses tempos mais sérios.
Mas o pensamento da Páscoa e o pensamento do Natal, meus queridos amigos, são dois pilares eternos, pilares memoriais eternos, do coração humano. E podemos realmente dizer que nossa era de novas revelações espirituais lançará uma nova luz sobre o pensamento do Natal; que o pensamento do Natal gradualmente passará a ser sentido de uma nova forma e de uma maneira gloriosa. Será nossa tarefa ouvir nos acontecimentos do mundo atual o apelo à renovação de muitas concepções antigas, o apelo a uma nova revelação do espírito. Será nossa tarefa compreender como uma nova concepção do Natal, para o fortalecimento e a elevação da alma humana, está avançando no curso atual dos eventos mundiais.
O nascimento e a morte do ser humano, por mais que possamos analisá-los, quão intensamente possamos olhar para eles, manifestam-se como eventos que desempenham seu papel diretamente no plano físico, e nos quais o espiritual é tão dominante que ninguém aqueles que refletem seriamente sobre as coisas podem negar que esses dois eventos, esses eventos terrestres da vida humana, dão evidência, ao agirem sobre o ser humano, de que o homem é o cidadão de um mundo espiritual. Nenhuma visão do mundo natural pode jamais conseguir – em meio ao que pode ser percebido pelos sentidos, compreendido pelo intelecto – em encontrar no nascimento e na morte qualquer coisa que não seja eventos nos quais a intervenção do espírito se manifesta diretamente no corpo físico . Somente esses dois eventos se manifestam assim ao coração humano.
Também quanto ao acontecimento do Natal, o acontecimento do nascimento, o coração humano e cristão deve ter um sentido de mistério cada vez mais profundo. Podemos dizer que os homens raramente alcançaram o nível de onde poderiam, no verdadeiro sentido, dirigir seu olhar para a natureza misteriosa do nascimento. Muito raramente, na verdade, mas então em conceitos que falam às profundezas do coração humano.
Assim é, meus queridos amigos, na concepção associada à vida espiritual da Suíça do século XV, com Nicholas von der Flue . É relatado dele – e ele mesmo relatou isso – que, antes de seu nascimento, antes que pudesse respirar o ar exterior, ele viu sua própria forma humana, aquilo que ele usaria após seu nascimento deveria ter ocorrido e sua vida deveria começar seu curso. E ele tinha visto antes de seu nascimento a cerimônia de seu próprio batizado, as pessoas que estavam presentes no batismo e que compartilharam suas primeiras experiências. Com exceção de um idoso que estava presente e que não conhecia, ele reconheceu os outros porque já os tinha visto antes de contemplar a luz do mundo.
Por mais que vejamos esta narração, não podemos escapar à impressão de que ela aponta de certa forma para o mistério do nascimento humano, que se confronta com a história do mundo tão magnificamente simbolizada na concepção natalícia. Na história de Nicholas von der Flue, encontraremos a sugestão de que está relacionado com nossa entrada na vida física algo que está oculto da visão cotidiana da humanidade apenas por uma parede divisória muito fina; por uma parede que pode ser quebrada quando existe uma situação cármica como a que estava presente no caso de Nicholas von der Flue.
Uma alusão tão surpreendente ao mistério do nascimento e do Natal ainda nos encontra aqui e ali; mas devemos dizer que a humanidade ainda se tornou muito pouco consciente do fato de que o nascimento e a morte, os dois pilares de fronteira da vida humana que enfrentamos no meio do mundo físico, revelam-se mesmo em sua manifestação física como eventos espirituais, tais como nunca poderiam ocorrer dentro do mero curso da natureza; como eventos nos quais, ao contrário, os poderes divinos espirituais intervêm, como fica evidente no próprio fato de que ambas as experiências limítrofes do curso da vida humana ainda devem permanecer mistérios, mesmo em sua manifestação física.
A nova revelação do Cristo agora nos leva a contemplar o curso da vida do homem – assim podemos dizer com segurança – como Cristo deseja que o contemplemos no século XX. Recordemos hoje, ao desejarmos entrar profundamente no pensamento do Natal, uma frase que se diz ter sido proferida por Cristo Jesus e que pode muito bem nos conduzir à concepção natalícia.
O ditado é o seguinte: “A menos que se tornem crianças, não entrarão no Reino dos Céus”. “A não ser que se tornem como crianças” – esta não é realmente uma exortação para retirar todo o caráter misterioso da concepção do Natal e arrastá-la para a trivialidade do “querido Jesus”, como muitas canções folclóricas e canções artísticas têm feito – mas as canções folclóricas menos do que as artísticas – no curso da evolução materialista do cristianismo. Este mesmo ditado – “A menos que se tornem crianças, não entrarão no Reino dos Céus” – nos impele a olhar para cima, para os impulsos poderosos surgindo através da corrente da evolução humana. E em nosso tempo presente, quando tudo o que está acontecendo no mundo certamente não dá ocasião para cair em concepções triviais do Natal, quando o coração humano está cheio de tantas coisas dolorosas, quando este coração humano deve refletir sobre isso.
Muitos milhões de seres humanos que encontraram a morte nos últimos anos, devem refletir sobre incontáveis ??multidões que têm fome de comida, – neste tempo certamente nada nos é apropriado, exceto contemplar os pensamentos poderosos dentro da história mundial que impelem a humanidade em sua curso progressivo, pensamentos aos quais podemos ser guiados pelo ditado: “A menos que se tornem como crianças,” que podemos complementar com este outro ditado: “A menos que você viva sua vida à luz deste pensamento, você não pode entrar no Reino dos Céus”.
Meus queridos amigos, no exato momento em que o ser humano entra no mundo como uma criança, ele se retira do mundo do espírito. Pois o que ocorre no mundo físico, a procriação e o crescimento de seu corpo físico, é apenas o embasamento daquele evento que não pode ser descrito de outra forma senão dizendo que o homem em seu ser mais profundo se retira do mundo espiritual. O homem nasce do espírito em um corpo. Quando o Rosacruz disse: “ Ex deo nascimur ”, ele se referia ao ser humano na medida em que ele entra no mundo físico. Pois aquilo que constitui o invólucro em torno do ser humano, que o torna uma totalidade física aqui no globo terrestre, é o que se indica com o ditado: Ex deo nascimur. Se olharmos para o centro do ser humano, para a entidade mais interna, devemos dizer que o homem viaja do espírito para o mundo físico. Através do que ocorre no mundo físico, aquilo para o qual ele olhou para baixo da terra do espírito antes de sua concepção ou nascimento, ele é envolvido em seu corpo físico, a fim de que possa experimentar em seu corpo físico coisas que não podem ser experimentado exceto em tal corpo. Mas, em seu ser mais central, o homem sai do mundo espiritual. E ele é de tal natureza que em seus primeiros anos – aos olhos daqueles que querem ver as coisas como elas são no mundo, que não estão cegos pela ilusão do materialismo – ele é dessa natureza, este ser humano , que ele revela mesmo em seus primeiros anos como ele saiu do espírito.
É a esse mistério que narrações como a associada ao nome de Nicholas von der Flue pretendem aludir. Uma visão trivial, fortemente influenciada por um modo de pensar materialista, declara em sua simplicidade que o ser humano desenvolve gradualmente seu ego ao longo de sua vida, do nascimento à morte; que esse ego se torna cada vez mais poderoso e poderoso, cada vez mais distintamente manifesto. Esta é uma maneira ingênua de pensar, meus queridos amigos. Pois, se olharmos para o verdadeiro ego do homem, para aquele que vem em um invólucro físico no nascimento do ser humano fora do mundo espiritual, então nos expressamos de maneira muito diferente sobre toda a evolução física do homem. Ou seja, sabemos então que, à medida que o ser humano se desenvolve progressivamente no corpo físico, o verdadeiro ego realmente desaparece da forma física, que se torna cada vez menos manifesto; e que o que se desenvolve aqui no mundo físico entre o nascimento e a morte é apenas um reflexo espelhado de ocorrências espirituais, um reflexo morto de uma vida superior. A forma correta de expressão seria declarar que toda a plenitude do ser do homem gradualmente desaparece no corpo, tornando-se cada vez menos manifesto. À medida que o ser humano vive sua vida física aqui na terra, ele gradualmente se perde em seu corpo, para se encontrar novamente no espírito após a morte. Da mesma forma, quem conhece os fatos se expressa. Mas quem ignora os fatos declara que a criança é incompleta e que o ego aos poucos se desenvolve em uma perfeição cada vez maior, crescendo a partir dos níveis subconscientes indefinidos da existência do homem.
Assim o homem entra no mundo como um ser espiritual. Sua natureza corporal, enquanto ele era uma criança, ainda é indefinida; ainda não reivindicou a natureza espiritual, que entra na existência física como se caísse no sono – mas nos parecendo tão pouco cheios de conteúdo apenas porque podemos perceber este ser espiritual, na vida física comum,tão pouco quanto podemos perceber o ego adormecido e o corpo astral quando estão separados dos corpos físico e etérico.
Mas o fato de não percebermos um ser não o torna menos perfeito. É isso que o ser humano deve adquirir por meio de seu corpo físico – que se sepultará cada vez mais no corpo físico com o propósito de alcançar por meio desse sepultamento no corpo capacidades que só podem ser adquiridas desta forma, somente pelo fato de que o espírito e a alma por um tempo se perdem na existência física. Para que possamos sempre nos lembrar de nossa origem espiritual, para que possamos crescer fortes no pensamento de que viajamos do espírito para o mundo físico – é por esta razão que a concepção do Natal permanece como um poderoso pilar de luz no meio o sentimento cósmico cristão.
Este pensamento, como um pensamento de Natal, deve crescer cada vez mais forte na futura evolução espiritual da humanidade. Então a concepção do Natal se tornará poderosa novamente para a humanidade; então a humanidade mais uma vez se aproximará da festa do Natal de forma a extrair forças para a vida física da concepção natalina, que pode nos lembrar de maneira correta de nossa origem espiritual. Raramente este pensamento de Natal pode ser tão poderoso no presente como será então nos corações humanos. Pois é um fato estranho, mas enraizado nas próprias leis da existência espiritual, que o que vem à luz no mundo – levando a humanidade para a frente, útil para a humanidade – não aparece imediatamente em sua forma última: que aparece primeiro, como foram, tumultuosamente, como se tivessem sido gerados prematuramente por espíritos ilegais na evolução mundial.
Compreendemos a evolução histórica da humanidade em seu verdadeiro significado apenas quando sabemos que as verdades não devem ser entendidas apenas como aparecem pela primeira vez na história do mundo, mas que devemos considerar em relação às verdades o momento certo para sua entrada na evolução humana em sua verdadeira luz .
Entre muitos tipos de pensamentos que entraram na evolução da humanidade moderna – certamente inspirados pelo impulso de Cristo, mas a princípio de forma prematura – está a concepção da igualdade da humanidade perante Deus e o mundo, a igualdade de todos os homens, um pensamento profundamente cristão, mas capaz de uma profundidade cada vez maior. Mas não devemos colocar esse pensamento antes dos corações dos homens em uma generalização como a que lhe foi dada pela Revolução Francesa, quando apareceu pela primeira vez tumultuosamente na evolução humana. Devemos estar cientes do fato de que esta vida do homem, do nascimento à morte, está envolvida em um processo de evolução, e que os impulsos primários que atuam sobre ela são distribuídos em tempo. Reflitamos sobre o ser humano como ele entra na existência sensível: ele entra na vida cheio do impulso da igualdade da natureza humana em todos os homens. Sentimos a natureza infantil com maior intensidade quando vemos uma criança permeada em todo o seu ser pela concepção da igualdade de todos os homens. Nada que crie desigualdade entre os homens, nada que organize os homens de tal maneira que eles se sintam diferentes dos outros homens – nada de tudo isso entra primeiro na natureza da criança. Tudo isso é comunicado ao ser humano no decorrer da vida física. A desigualdade é criada pela existência física; do espírito os seres humanos surgem iguais perante o mundo e Deus e perante os outros seres humanos. Assim declara o mistério da criança.
E a este mistério da criança se une a concepção de Natal, que deve encontrar seu significado mais profundo na nova revelação cristã. Pois esta nova revelação cristã levará em conta a nova Trindade: o ser humano , visto que representa diretamente a humanidade; o Ahrimanic ; e o luciférico . E, à medida que se vai sabendo como o ser humano é colocado no mundo em uma relação de equilíbrio entre o arimânico e o luciférico, entender-se-á também o que este ser humano realmente é na existência física externa.
Acima de tudo, a compreensão deve surgir, a compreensão cristã, em referência a um certo aspecto da vida humana. É claro que o pensamento cristão proclamará no futuro o que já foi afirmado por certos espíritos desde meados do século XIX, embora com acentos gaguejantes e nunca de forma muito distinta. Quando apreendemos que o pensamento da igualdade entra no mundo na criança, mas que depois as forças da desigualdade se desenvolvem no homem, como se do fato de ele ter nascido, forças que não parecem pertencer a esta terra, então apenas no que diz respeito à concepção de igualdade, outro mistério profundo nos confronta. Ver este mistério e, por meio dele, obter uma verdadeira concepção do homem, pertencerá a partir de agora entre as necessidades importantes e essenciais na evolução futura da vida da alma.tornam-se diferentes , ainda que não o sejam na infância, por algo que nasce dentro deles, que está no sangue: seus dons e capacidades variadas.
A questão dos dons e das capacidades, que tantas desigualdades entre os homens, nos coloca diante do pensamento do Natal. E a festa de Natal do futuro sempre admoestará os homens com mais seriedade, lembrando-os da origem daquilo que os diferencia tão amplamente na Terra, a origem de seus dons, capacidades, talentos, até mesmo o dom do gênio. Eles terão que perguntar sobre a origem deles. E um verdadeiro equilíbrio dentro da existência física só será alcançado quando o ser humano puder apontar corretamente para a origem das capacidades que o diferenciam dos outros homens. A luz do Natal, ou as velas do Natal, deve dar à humanidade em evolução uma explicação dessas capacidades; deve responder à pergunta profunda: Os seres humanos individuais sofrem injustiça entre o nascimento e a morte sob a ordem do universo? Qual é a verdade sobre faculdades e dons?
Agora, meus queridos amigos, muitas coisas serão vistas sob uma luz diferente quando a humanidade tiver sido permeada pelo novo sentimento cristão. Mais particularmente, será compreendido por que a concepção oculta do Antigo Testamento possuía uma visão especial da natureza do dom profético. Quais foram os profetas que aparecem no Antigo Testamento? Eles eram personalidades que haviam sido santificadas por Javé; eram aquelas personalidades que tinham permissão de empregar da maneira correta dons espirituais especiais que alcançavam muito mais do que os do homem comum. Javé teve que primeiro santificar suas capacidades, que nascem nos homens como que por causa de seu sangue. E sabemos que Jahve atua nos seres humanos entre o adormecimento e o despertar. Sabemos que Jahve não atua na vida consciente. Todo verdadeiro crente do Antigo Testamento disse em seu coração:
Apontamos aqui para um profundo mistério da concepção do Antigo Testamento. A visão do Antigo Testamento, incluindo aquela com respeito à natureza do profeta, deve desaparecer. Novas concepções devem, para a redenção da humanidade, entrar na evolução histórica cósmica. Aquilo que o antigo hebraico acreditava ser santificado por Javé no estado de sono inconsciente, o ser humano deve se tornar capaz de santificar na era moderna enquanto está acordado , em um estado de consciência clara . Mas ele só pode fazer isso se souber, por um lado, que todos os dons naturais, capacidades, talentos, até mesmo o gênio, são dons luciféricos e trabalham no mundo de maneira luciferiana. a menos que sejam santificados e permeados por tudo o que pode entrar no mundo como impulso do Cristo. Tocamos em um mistério tremendamente importante da evolução da humanidade moderna quando apreendemos o cerne da concepção do Natal e chamamos a atenção para o fato de que o Cristo deve ser compreendido e sentido pelos homens em seus corações para que permaneçam como Novos. Testam os seres humanos diante de Cristo e dizem: “Além da inclinação da criança, sua aspiração, à igualdade, fui dotado de várias capacidades e talentos. Mas podem levar permanentemente a bons resultados, ao bem-estar da humanidade, apenas desde que esses dons, esses talentos, são dedicados ao serviço de Cristo Jesus; somente se o ser humano se esforçar para permear toda a sua natureza com o Cristo, a fim de que os dons, talentos e gênios humanos sejam libertados das garras de Lúcifer. ”
O coração permeado pelo Cristo tira de Lúcifer o que funciona de outra forma Lucifericamente na existência física do homem. Esse pensamento deve influenciar poderosamente a evolução futura da alma humana. Este é o pensamento do Novo Natal, a nova anunciação da influência de Cristo em nossas almas, trazendo a transformação do Luciférico – que não entra em nós porque caminhamos fora do espírito, mas se encontra em nós porque estamos vestidos com um corpo físico impregnado de sangue que nos confere capacidades derivadas da linha da hereditariedade. Dentro da corrente Luciférica, dentro daquela que opera na corrente da hereditariedade, essas características aparecem, mas elas devem ser conquistadas e dominadas durante a vida física por aquilo que o ser humano pode sentir em conexão com o impulso de Cristo,
“Dirige-te, ó cristão, ao pensamento do Natal” – assim fala o novo Cristianismo – “e põe ali sobre o altar erguido para o Natal todas as diferenciações que recebeste do teu sangue como ser humano, e santifica as tuas capacidades, santifica seus dons, santifique até mesmo o seu gênio ao vê-lo iluminado pela luz que vem da árvore de Natal. ”
A nova anunciação do espírito deve falar uma nova linguagem, e não devemos ser mudos e desatentos à nova revelação do espírito que nos fala nesta época profundamente séria em que vivemos. Quando somos sensíveis a tais pensamentos, estamos vivendo com a força com que o homem deve viver neste tempo, a fim de cumprir os grandes deveres que devem ser atribuídos à humanidade nesta época. Deve-se experimentar toda a gravidade do pensamento de Natal: que em nossos dias deve entrar na consciência desperta da humanidade o que o Cristo quis dizer aos homens ao proferir as palavras: o Reino dos Céus. ” O pensamento de igualdade que a criança manifesta, se olharmos para ela da maneira certa, não é condenada de falsidade por causa dessas palavras, pois aquele Menino cujo nascimento comemoramos na véspera de Natal, proclama ao ser humano, no decurso da sua evolução ao longo da história do mundo – revelando pensamentos sempre novos – de forma clara e distinta, que os dons diferenciadores que possuímos devem ser colocados à luz do Cristo que animou esta Criança; que tudo o que esses dons diferenciadores trazem dentro de nós, seres humanos, deve ser colocado sobre o altar desta Criança.
Você pode agora perguntar sob a inspiração do pensamento de Natal: “Como posso experimentar o impulso de Cristo em minha própria alma?” Infelizmente, esse pensamento costuma ser um fardo pesado no coração dos homens.
Agora, meus queridos amigos, aquilo que podemos chamar de impulso de Cristo não se enraíza em nossas almas em um momento, de maneira imediata e tempestuosa. E em diferentes idades ele se enraíza de maneira diferente no homem. Em nossos dias, o homem deve incorporar em si mesmo, em plena consciência desperta, os pensamentos cósmicos que foram transmitidos de maneira gagueira pelo conhecimento espiritual orientado pela Antroposofia, à qual pertencemos. À medida que esses pensamentos são proclamados a ele – desde que ele realmente os compreenda – eles podem despertar nele a certeza de que a nova revelação , o novo impulso de Cristo de nossa época, realmente entra nele nas asas desses pensamentos. E tal pessoa sentirá o novo impulso se ao menos prestar atenção a ele.
Esforce-se, no sentido em que pretendemos, na realidade viva e apropriada à nossa época, tomar para si os pensamentos espirituais da direção do mundo; procurem tomá-los para dentro de vocês mesmos, não como mero ensino, não meramente como teoria – procure assim embebê-los para que movam suas almas até suas próprias profundezas, aquecendo, iluminando, permeando-os – que os carregue vivos dentro de você. Procure sentir esses pensamentos tão intensamente que eles se tornem para você algo que parece passar do seu corpo para a sua alma e mudar o seu próprio corpo. Procure tirar desses pensamentos todas as abstrações, qualquer coisa teórica. Esforce-se para descobrir por si mesmo que esses pensamentos constituem um verdadeiro alimento para a alma. Procure descobrir por si mesmo que, com esses pensamentos, não apenas os pensamentos entram em sua alma, mas a vida espiritual que vem do mundo espiritual.
Entre na mais íntima união interior com esses pensamentos e você observará três coisas. Você observará que esses pensamentos gradualmente eliminam algo de dentro de você, que aparece tão claramente nos corações humanos em nossa era da alma da consciência: que esses pensamentos, como quer que sejam expressos, eliminam a busca pessoal da alma humana. Quando vocês começarem a perceber que esses pensamentos matam o egoísmo, destroem a força do egoísmo, vocês então, meus queridos amigos, perceberam o caráter permeado por Cristo do pensamento espiritual guiado pela Antroposofia.
Em segundo lugar, quando você observa que, no momento em que a mentira se aproxima de você em qualquer lugar do mundo, não importa se você mesmo é tentado a ser muito descuidado com a verdade ou se a mentira se aproxima de você de outra direção – se você observar isso no momento em que a mentira entra na esfera da sua vida, um impulso se faz sentir por você, avisando-o, apontando para a verdade, um impulso que não permitirá que a mentira entre em sua vida, sempre advertindo-o e impelindo-o a se apegar à verdade, então você sente, em contraste com a vida de hoje, tão fortemente inclinado para a mera aparência, o impulso vivo do Cristo. Ninguém achará fácil mentir na presença de pensamentos espirituais guiados pela Antroposofia, ou não ter qualquer sentimento de mera aparência e inverdade. Um sinal que indica o seu caminho para o sentido da verdade – à parte de todos os outros conhecimentos – você sentirá nos pensamentos da nova revelação de Cristo. Quando, meus queridos amigos, vocês tiverem alcançado o ponto em que não se esforçam por uma mera compreensão teórica da ciência espiritual, como esta é buscada em relação a qualquer outra ciência, mas quando vocês atingirem o estágio em que os pensamentos assim os penetram que você diga a si mesmo: “Quando esses pensamentos se tornam intimamente unidos à minha alma, é como se uma força da consciência estivesse ao meu lado me advertindo, apontando-me para a verdade,” – então você terá encontrado o impulso de Cristo na segunda forma .
Em terceiro lugar, quando você sente que algo flui desses pensamentos que atua até mesmo no seu corpo, mas especialmente na alma, vencendo a doença, tornando o ser humano saudável e vital, quando você sente o poder rejuvenescedor e revigorante desses pensamentos, o adversário da doença, então você terá sentido a terceira parte do impulso de Cristo nesses pensamentos. Pois este é o objetivo pelo qual a humanidade se esforça por meio da nova sabedoria, no novo espírito – encontrar no próprio espírito o poder de superar a busca de si mesmo: superar a busca de si mesma por meio do amor, a mera aparência da vida pela verdade, a força da doença por meio de pensamentos doadores de saúde que nos trazem em uníssono imediato com as harmonias do universo, porque eles fluem das harmonias do universo.
Nem tudo o que foi indicado pode ser alcançado no momento, pois o homem traz dentro de si uma herança ancestral. É uma mera falta de compreensão quando um político como a Ciência Cristã distorce em uma caricatura o pensamento do poder de cura do espírito. No entanto, embora nossa herança ancestral torne impossível para o pensamento se tornar suficientemente potente no presente para alcançar o que o ser humano anseia por alcançar – talvez, por um motivo egoísta -, o pensamento possui poder de cura. Em tais coisas, o pensamento humano está sempre pervertido. Alguém que entende essas coisas pode dizer a você que certos pensamentos dão saúde, e a pessoa que ouve isso pode em um determinado momento ser afetada por esta ou aquela doença. Na verdade, meus queridos amigos, o fato de que no momento não podemos ser aliviados de todas as doenças pelo mero poder do pensamento é devido a uma herança antiga. Mas você é capaz de dizer que doenças o teriam acometido se não tivesse possuído os pensamentos? Você poderia dizer que sua vida teria passado com o seu atual grau de saúde se você não tivesse esses pensamentos? No caso de uma pessoa que se aplicou à ciência espiritual orientada pela Antroposofia e que morre aos 45 anos, você pode provar que, sem esses pensamentos, ela não teria morrido aos 42 ou 40 anos? Os seres humanos tendem sempre a pensar na direção errada quando lidam com esses pensamentos. Eles direcionam sua atenção para o que não pode ser concedido a eles por causa de seu carma, mas não prestam atenção ao que é concedido a eles por causa de seu carma. Mas se, apesar de tudo contraditório no mundo físico externo, você dirige seu olhar com o poder da confiança interior que você adquiriu através da familiaridade íntima com os pensamentos da ciência espiritual, você então começa a sentir o poder de cura, um poder de cura que penetra até mesmo no corpo físico, refrescando, rejuvenescendo – o terceiro elemento, que o Cristo como o Curador traz com suas revelações incessantes na alma humana.
Queridos amigos, quisemos entrar mais profundamente no pensamento do Natal, tão intimamente ligado ao mistério do nascimento humano. O que é revelado a nós hoje fora do espírito como a extensão contínua do pensamento de Natal que desejamos apresentar em breve esboço antes de nossas mentes. Podemos sentir que dá força e apoio às nossas vidas. Podemos sentir que ela nos coloca em meio aos impulsos da evolução cósmica, aconteça o que acontecer, para que possamos nos sentir em uníssono com esses impulsos divinos na evolução do mundo; que podemos entendê-los e extrair poder para nossa vontade desse entendimento e luz para nossa vida de pensamento. O homem está evoluindo; seria errado negar essa evolução. O único caminho certo é seguir em frente com essa evolução.
Além disso, Cristo declarou: “Estou sempre convosco, até ao fim do mundo”. Esta não é uma frase; é verdade. Cristo se revelou não apenas nos Evangelhos; Cristo está conosco; Cristo se revela continuamente. Devemos ter ouvidos para ouvir o que Ele está sempre revelando na era moderna. A fraqueza nos vencerá se não tivermos fé nessas novas revelações; mas a força será nossa se tivermos tal fé.
A força virá sobre nós se tivermos fé nas novas revelações, mesmo que elas falem sobre o sofrimento e infortúnio aparentemente contraditórios da vida. Com nossas próprias almas, passamos por repetidas vidas terrenas durante as quais nosso destino vem a ser cumprido. Mesmo esse pensamento, que nos capacita a sentir o espiritual por trás da vida física externa, só podemos perceber quando incorporamos em nós mesmos, no sentido verdadeiramente cristão, as revelações que se sucedem umas às outras. O cristão – o verdadeiro cristão – quando está diante das velas da árvore de Natal, deve começar a trabalhar com os pensamentos fortalecedores que podem vir a ele hoje a partir da nova revelação cósmica, para dar força à sua vontade, iluminação para sua vida de pensamento. E o seu sentimento deve ser tal que a força e a luz deste pensamento lhe permitam, no decorrer do ano cristão, aproximar-se daquele outro pensamento que admoesta o mistério da morte – o pensamento pascal, que traz a experiência final da vida terrena do homem antes de nossas almas como uma experiência espiritual. Pois sentiremos o Cristo mais e mais se formos capazes de colocar nossa própria existência na relação correta com a Sua existência. O Rosacruz medieval, unindo seu pensamento ao Cristianismo, declarou: Ex deo nascimur ; em Christo morimur ; per spiritum sanctum reviviscinius . Do Divino nascemos enquanto nos contemplamos como seres humanos aqui no globo terrestre. Em Cristo morremos. No Espírito Santo seremos novamente despertados. Isso realmente pertence a nossa vida, nossa vida humana. Se desviarmos nosso olhar de nossa vida para a vida de Cristo, então o que é representado em nossa vida é um reflexo espelhado. Do Divino nascemos; em Cristo morremos; no Espírito Santo seremos novamente despertados. Este ditado, que é verdadeiro para nosso irmão primogênito, o Cristo que vive em nosso meio, podemos afirmar que devemos sentir que é o Cristo-verdade que irradia Dele e se reflete em nossa natureza humana: Do Espírito Ele foi gerado – como isto é representado no Evangelho de Lucas no símbolo da pomba que desce – do Espírito Ele foi gerado; no corpo humano Ele morreu; no Divino Ele ressuscitará.
Verdades que são eternas podemos levar em nós mesmos no caminho certo somente quando os vemos em sua reflexão contemporânea – não transformado em algo absoluto, fez resumo em um único Formato. E se nos sentimos como seres humanos, não apenas em sentido abstrato, mas como seres humanos existindo de fato em um determinado tempo em que é nosso dever agir e pensar em harmonia com este tempo, então procuraremos compreender o Cristo, que está conosco sempre até o fim do mundo, em sua linguagem contemporânea como Ele nos ensina e nos dá luz sobre o pensamento natalino, nos enchendo com a força do pensamento natalino. Teremos o desejo de receber este Cristo em nossa nova linguagem. Pois o Cristo deve se tornar intimamente relacionado a nós. Então seremos capacitados a cumprir em nós mesmos a verdadeira missão de Cristo no globo terrestre e além da morte. O ser humano em cada época deve acolher o Cristo em si na sua maneira. Este tem sido o sentimento do ser humano ao olhar bem os dois grandes pilares do espírito: o pensamento do Natal e o pensamento da Páscoa. Assim, o profundo místico alemão, o Silésia, Angelus Silesius, contemplando o pensamento do Natal, declarou:
Se Cristo nascer mil vezes em Belém,
e não em ti, então ainda estarias abandonado.
E, contemplando o pensamento pascal, disse:
A cruz do Gólgota deve ser erguida em ti
Antes de teu pecado, seu poder te libertará.
Verdadeiramente, o Cristo deve viver em nós, pois não somos seres humanos em sentido absoluto, mas seres humanos de uma época determinada. O Cristo deve nascer dentro de nós segundo o som de Suas palavras em nossa época. Devemos buscar fazer nascer o Cristo dentro de nós, para nosso fortalecimento, para nossa iluminação, pois Ele tem permanecido conosco até agora, pois Ele permanecerá com a humanidade por todos os tempos até o fim dos tempos terrestres, como Ele deseja agora nascer em nossas almas. Ou seja, se buscarmos experimentar o nascimento de Cristo dentro de nós em nossa época, à medida que esse evento se torna uma luz e um poder em nossas almas – o poder eterno e a vida eterna entrando no tempo – então contemplamos da maneira verdadeira o histórico nascimento de Cristo em Belém e sua contrapartida em nossas próprias almas.
Se Cristo nascer mil vezes em Belém,
e não em ti, então ainda estarias desamparado.
À medida que Ele cria o impulso em nossos corações hoje para olhar para Seu nascimento – Seu nascimento em eventos humanos, Seu nascimento em nossas próprias almas – assim aprofundamos o pensamento de Natal dentro de nós. E então olhamos para aquela noite de consagração que devemos sentir chegando a passar dentro de nós para o fortalecimento e iluminação dos seres humanos para a resistência de muitos males e tristezas que eles tiveram que viver e ainda terão que viver. .
“Meu Reino”, disse Cristo, “não é deste mundo”. É um ditado que nos desafia, se olharmos para o Seu nascimento da maneira certa, a encontrar dentro de nós o caminho para o Reino onde Ele habita para nos dar forças, onde habita para nos dar luz em meio às nossas trevas e desamparo através do impulsos vindos do mundo de que Ele mesmo falou, dos quais o Seu aparecimento no Natal será sempre uma manifestação. “Meu reino não é deste mundo.” Mas Ele trouxe esse Reino a este mundo, para que possamos sempre encontrar força, conforto, confiança e esperança neste Reino em todas as circunstâncias da vida, se apenas formos a Ele, levando a sério Suas palavras – tais palavras como estas:
“A menos que se tornem como crianças, não entrarão no Reino dos Céus .”
Rudolf Steiner – GA 187 – Palestra de Natal, Basel, 22 de dezembro de 1918
GA 152 – Pforzheim, 07 de março de 1914, Leitura:
O IMPULSO CRÍSTICO ATRAVÉS DOS TEMPOS
Em conferências recentes comentamos, sob diversos aspectos, sobre os antecedentes espirituais do Ministério do Gólgota, isto é, que este ministério é a culminação de uma série de acontecimentos anteriores. Vocês sabem, também, meus amigos, que este ministério inclui como sua condição medular, a fusão da entidade Cristo, com o corpo de Jesus de Nazaré: fusão símbolo de que, uma entidade cósmica, Cristo, se uniu com nossa existência terrena. Objetivando-se, assim, no plano físico.
Sabemos da mesma forma, que, como preparação prévia do ministério Gólgota, nasceram dois meninos Jesus(*): um deles, descendente de Salomão, como portador do eu de Zaratustra; outro, procedente da linha natânica, da estirpe de Davi, como ser muito peculiar. Sabemos, também, que, aos 12 anos, o eu de Zaratustra transmigrou, do menino Jesus salomônico, para o menino Jesus natânico e que, entre os 12 e os 30 anos o Jesus natânico, animado pelo eu de Zaratustra, se preparou para receber, através do acontecimento simbolizado pelo batismo no Jordão, a Entidade Cristo que, desde então penetrou a individualidade de Jesus de Nazaré, difundida, depois de sua morte, na esfera espiritual, que circunda a Terra, com o qual a humanidade pode se fazer participante das forças espirituais que, partindo do ministério Gólgota, fluem para todas as almas e os corações.
(*) veja-se: “A direção espiritual do homem e da humanidade”
Em ocasião anterior eu já disse que este ministério do Gólgota, como antecipação, já havia acontecido em 3 ocasiões anteriores, para salvar ao gênero humano: a primeira, na antiga época lemúrica, a segunda na atlante e a terceira até o final desta. A quarta é a que, já dentro da época pós-atlante, corresponde aos começos da nossa era. Sem dúvida, este 4º evento, que nós chamamos de ministério do Gólgota, é o único que aconteceu no plano físico; os 3 anteriores se desenvolveram somente no mundo espiritual. Mas, as forças efetivas geradas em virtude destes acontecimentos e enviadas para a salvação da humanidade, animaram almas e corpos terrestres. E, em cada um desses eventos, a entidade de Cristo penetrou na mesma entidade que, posteriormente, nasceu como menino Jesus natânico.
Já disse que o decisivo do ministério do Gólgota consiste em que, no chamado Jesus, da estirpe natânica, penetrou a entidade Cristo; mas, essa entidade natânica, esteve presente, também, nos 3 eventos anteriores, embora não encarnado em nenhum homem físico: viva como entidade arcangélica nos mundos espirituais, de onde ficou impregnada da entidade Cristo, uma vez na época lumúrica e 2 na atlante, como etapas precursoras do Ministério do Gólgota. Reconhecemos, pois, 3 vidas arcangélicas no mundo espiritual; a entidade que as viveu era mesma que, posteriormente, nasceu como menino Jesus, do qual nos fala no evangelho de São Lucas. Três vezes essa entidade arcangélica, que mais tarde se sacrificou como homem, se imolou para a penetração do impulso Crístico. Assim como Jesus Cristo foi um homem, impregnado desse impulso Crístico. E, assim, como os efeitos do ministério do Gólgota se verteram na atmosfera espiritual da Terra, do mesmo modo se difundiram nela, embora procedentes do cosmos, os efeitos dos primeiros 3 eventos. Já sabemos que o ministério do Gólgota ocupa o lugar central da evolução terrestre; tudo o que precede aponta, qual premunição, para tal ministério. E todo o posterior corresponde a uma paulatina instilação de suas forças nas almas e nos corações humanos.
Qual dos membros constitutivos do homem recebeu a força emanada do ministério do Gólgota? Aquele que, quando se abre, é capaz de desenvolver sua consciência no plano físico. Acaso não é assim? Não podemos falar, ao recém-nascido, de Jesus Cristo; não há maneira de explicar. E, se deixássemos qual a visão da criança pousasse em algum quadro, como por exemplo, o da Madona Sixtina com o menino Jesus, ou ainda, no crucificado e, se pudéssemos olhar em sua alma, notaríamos eu, na primeira etapa da vida infantil não nos é possível acercar-nos dele, com os recursos educativos do plano físico. É certo que, já desde os dias de seus primeiros balbucios, podemos acostumá-lo a pronunciar o nome de Cristo; conceitos que nada dizem dele; mas, nessa primeira etapa da vida infantil, não podemos esperar que brote de seu coração, alguma compreensão. E, se os recursos da ciência espiritual, investigamos o ânimo infantil, resulta óbvio que, os primeiros rudimentos de sua captação de Cristo, não podem despontar, por meios educativos exteriores, até o primeiro momento da infância, que o homem poderá recordar, posteriormente, Istoé, até o momento em que nasce sua consciência do eu. Não resta dúvida de que essa captação infantil do Cristo, que lhe transmitimos, sem introduzir nenhum dogmatismo, simplesmente tratando que, em nossas palavras e representações sobre algo do impulso Crístico, o beneficiarão por todo o resto de sua vida. Uma vez despertada a consciência do eu ainda que esta consciência esteja, em seus primeiros rudimentos, já podemos fazer algo: por exemplo, ainda que não possamos influenciá-la com meios externos, a criança já pode levantar o olhar para Madona Sixtina ou para o Crucificado, em atitude muito diferente de como os via antes.
Compreenda-se que o Ministério do Gólgota, pela sua forma de incorporar-se na evolução terrena da humanidade, acha-se destinado a propiciar o progresso da vida espiritual, no plano físico; e, em realidade, o homem só entra conscientemente neste plano uma vez que tenha despertado do seu eu.
E, o que é o que precede isso?
Já mencionei, em conferencias anteriores, 3 etapas que precedem o despertar do eu, de extrema importância para acriança. Quando aprende a andar, isto é, a levantar-se, da posição horizontal para se orientar para as alturas celestes do cosmos.
Então, aprende a passar, de uma posição para outra e, nosso se apóia a principal diferença entre o homem e o animal: aprende a adotar, por seu próprio esforço, a posição ereta, afastando seu olhar do terreno, para o qual o animal se dirige, em virtude de toda sua natureza e sua forma, pois são só aparentes as exceções. A criança consegue esta posição ereta, antes que nasça, nela, a consciência do eu.
Na nossa atual vida pós-atlante, não fazemos senão recapitular certas atitudes que a humanidade não possui sempre, mas que adquiriu no transcorrer do tempo: aprendizagem de se equilibrar e andar ereto, conquistado paulatinamente na antiga época lemúrica, a criança o repete numa idade que precede ao consciente despertar do eu. Esta recapitulação individual se realiza, pois, de forma massiva, numa idade em que este aprendizado não depende, todavia, da consciência: é um impulso inconsciente para erguer-se. Existem animais que têm um modo de andar quase vertical, quase orientado para cima; seu organismo se acha estruturado de maneira tal que, alcançam naturalmente, essa posição. Não necessitam de aprendizagem nenhuma. Sem dúvida, igual a muitas outras comparações, também esta poderia resultar errônea. O homem está chamado para que, mas graças à sua potencialidade latente, se coloque em posição vertical, subtraindo-se à posição que ainda se encontrava na antiga época lunar, quando sua coluna vertebral era paralela à superfície da Lua, isto é, horizontal. Na antiga época lemúrica, o homem aprendeu a transformar a direção lunar na terrestre, graças ao que, durante o ciclo terrestre, os Espíritos da Forma começaram a oferecer ao homem, algo de sua própria substancia e a instilar-lhe o Eu.
A primeira manifestação desta instalação é a força interna que permite ao homem erguer-se. A própria Terra contém forças espirituais que podem percorrer a extensão da coluna vertebral, enquanto esta, em seu crescimento natural, permanece em posição horizontal, como o corpo do animal. Mas, a Terra carece de energias que possam servir, diretamente, ao ser humano, uma vez que este comece a se orientar em direção vertical, graças ao seu Eu e, ainda que a consciência deste não nasça senão mais tarde.
Para que o homem possa se desenvolver harmoniosamente, com seu andar ereto e vertical, é necessário que nele atuem as forças extra-terrestres, procedentes do cosmos.
Como conseqüência de o homem, por sua posição ereta, ter se subtraído ao amparo das forças espirituais da Terra, Lúcifer e Ahriman teriam podido perturbar toda a evolução humana, se não tivesse acontecido o Primeiro Evento de Cristo, na antiga época lemúrica.
Foi em tal época que aconteceu no reino espiritual imediato ao terreno, a penetração do Cristo, na entidade que, posteriormente, se converteria no Jesus natânico, embora, simplesmente numa espécie de existência angélica. Eis aqui uma etapa precursora ao Ministério do Gólgota. A conseqüência disso foi que, o posterior Jesus natânico, que do contrário, teria conservado sua figura angélica, adotou a figura humana, não em sentido carnal, mas etérico, posto que o vento aconteceu nas alturas espirituais etéricas.
Na mais próxima das regiões supra-terrestres, Jesus Nazareno pode ser encontrado, como figura angelical etérea: pela impregnação de Cristo, adotou figura humana etérea. Com isto, se introduziu um novo elemento no Cosmos: a energia que irradia para a Terra e que permitia ao homem ou, falando com mais precisão, a sua forma física humana, proteger-se da destruição de que teria sido vítima, ao não existir a possibilidade de que irradiasse, para ele, do Cosmos, e nele penetrasse, a força plasmadora, que lhe permitia converter-se em ser ereto. A desordem teria prevalecido, ao faltar a irradiação desta força plasmadora que, graças ao primeiro evento, aproximou da Terra, nas asas da força solar física.
Na presença de uma criança que, pela primeira vez, se levanta do seu estado de desamparo, arrastando-se, e resvalando-se, para equilibrar-se e andar, convém que recordemos que isto só pode acontecer porque, na antiga época lemúrica, ocorreu o Primeiro Evento Crístico, isto é, a que o Jesus natânico, impregando da Entidade Cristo, passou de uma condição etéreo-espiritual, para uma condição etérreo-humana.
Na verdade, amigos, a ciência espiritual tem por objeto dar conteúdo substancial à nossos sentimentos; e o sentimento que nos embarga ao observar uma criança, que aprende a suster-se sobre seus pés e andar, enraizada, certamente, num solo de profunda religiosidade: a criança caminha erguida, graças ao Impulso Crístico. Assim, a Ciência Espiritual enriquece nossa concepção de mundo, ao dotá-la de um sentimento do ambiente externo, que não poderíamos ter obtido de outra maneira. Damo-nos conta de que existem guardiões do desenvolvimento e do crescimento infantil e de que, os raios da força de Cristo, envolvem o ser e o crescer da criança.
Pelas descrições que fiz da época atlante, segundo os Anais Akashicos, vocês sabem que nossos antepassados atlantes mudos à princípio, adquiriram a linguagem nessa época. Eis aqui a segunda das faculdades, que a criança adquire antes de que desperte sua consciência do eu, propriamente. Aprende a falar. Este aprendizado se apóia, meramente, numa espécie de imitação, ainda que, certamente, provenha de profundas raízes da natureza humana. A fala é, pois outra das faculdades que se depositaram no homem terreno, em virtude de seu próprio progresso. Graças a que se instalaram nele os Espíritos da Forma, o homem á capaz de falar e de viver no plano físico. Eis aqui, pois, o segundo dos elementos, pelos quais o homem se subtrai às forças puramente terrestres. Os animais não aprendem, realmente, a falar; neles as energias da fala não passam do nível orgânico vegetativo. Inclusive, a eloqüência que no impressiona em alguns animais, não corresponde a fala humana e se, por meio de adestramento ou outro procedimento, conseguimos que o animal profira palavras, se produzem efeitos extra-corporais dos quais a Ciência Espiritual poderia se ocupar, mas que hoje ficam fora do nosso tema. O que agora nos interessa é a evolução normal do homem e fazemos constar que a fala já era predisposta no ser humano, desde as alturas divinas, por meio do que vejamos como o homem deu o passo da condição muda para a falante.
Assim como, pela conquista da posição ereta, o homem se emancipou da primeira corrente, do mesmo modo, pela conquista da fala, se emancipou de outras forças que, também, circulam na Terra, qual seiva espiritual.
Devido às influências luciférica e ahrimânica, a linguagem teria se pervertido, se o homem tivesse ficado abandonado unicamente à Terra, isto é, se não se tivessem vertido nele influências cósmico-espirituais, que desciam a ela. Sem a intervenção do Cristo, o homem da época atlântica, teria desenvolvido todo seu aparelho vital: laringe, língua, garganta e inclusive os órgãos mais profundos, que têm a ver com a fala, como o coração, por exemplo, só até o ponto de poder expressar, por um misero balbucio, similar ao das profetizas ou dos médiuns, seus egoístas sentimentos de dor, alegria, prazer, sensualidade. Ainda que o homem tivesse podido preferir sons muito mais articulados que o animal, não poderia expressar, por seu meio, senão o que vive em seu interior; toda a palavra teria se limitado aos processos, que acontecem em seu próprio organismo; a linguagem teria se limitado a um conjunto de interjeições. Hoje em dia, estas vozes emotivas, ficam reduzidas a um número muito pequeno. O perigo de que a complexidade da fala humana não tivesse transcendido o nível das interjeições e que, a desordem na elocução humana tivesse impedido a expressão da interioridade do homem, ficou afastado, graças ao Segundo Evento Crístico, isto é, graças À que a entidade, que posteriormente nasceria como o menino Jesus natânico, se impregnou, nas alturas etéreas, da entidade Cristo e, assim, penetrou os órgãos corpóreos do homem, dotando-o da capacidade de proferir palavras mais articuladas, que as meramente emotivas. Como conseqüência, pois, do Segundo Evento Crístico o homem adquiriu a capacidade de abranger e expressar o objetivo.
Ainda assim, a linguagem, como faculdade de trocar em palavras as emoções humanas, se achava ainda, ante um perigo. Como conseqüência do Segundo Evento Crístico, teria sido possível acontecer que o homem, não só encontrasse sons, interjeições, palavras emotivas, mas também que, de certo modo, o intimo movimento da fala, provocado por ele, exposto às influências luciféricas e ahrimânicas que continuaram substituindo até bem no começo da época atlante não se ajustara a uma realidade substancial, isto é, que o homem não saberia designar os objetos exteriores, com palavras que pudessem simbolizá-los adequadamente. Então aconteceu o Terceiro Evento Crístico. Pela 3ª vez, a entidade que, posteriormente nasceria com Jesus natânico, se uniu, nas alturas espirituais, com Cristo e, com as energias assim adquiridas, outorgou um novo nível capacidade humana de falar esta 3ª incorporação foi, por sua vez, a 2ª em que a energia da Entidade Cristo Jesus penetrou certos órgãos do corpo humano, naqueles que manifestam a fala, e com isso a força de falar foi dotada da possibilidade de criar autênticos signos verbais e assim poder expressar o circuncidante; a linguagem pode se constituir em meio de comunicação universal, mais além de toda limitação geográfica ou étnica. Nunca teria sido possível à criança aprender a falar, se não tivessem acontecido esse dois Eventos Crísticos, na época atlante. E uma vez mais, preenchemos de conteúdo nossa vida emotiva, através da Ciência espiritual se, na presença da criança, que começa a falar e que vai aperfeiçoando esta arte, tivemos presente que, em seu inconsciente, anima o impulso de Cristo, protegendo e fermentando essa faculdade de se expressar por meio de palavras.
Depois de acontecer aqueles Eventos Crísticos, cuja influencia sobre a evolução da humanidade voltei a destacar hoje, deste determinado ponto de vista, sobreveio a época pós-atlante.
Durante esta época, os povos afiliados a chamada cultura egípcio-caldaica, tiveram por missão reviver, mas penetrado de consciência, aquilo que aconteceu para o bem da humanidade, na antiga época lemúrica. Inconscientemente, o homem havia aprendido a conquistar a posição ereta na época lemúrica e se converter em ser falante, na época atlante. Totalmente inconsciente, por não haver nascido ainda sua faculdade discursiva, o homem fez seu o Impulso Crístico. Na época pós-atlante, foi necessário conduzi-lo, lentamente, a compreender aquilo que havia assimilado, inconscientemente, nos tempos anteriores.
O que as alturas cósmicas lhe permitiu contemplar, ereto? O Impulso Crístico. O homem da época lemúrica vivia sob certo imperativo. Depois, embora não com Lena consciência, mas em processo de aquisição dela, os povos do Egito seriam conduzidos a venerar aquele que palpitava nesse erguimento. Disso se ocuparam os iniciados, cuja influência na cultura egípcia se potencializou com a construção das pirâmides, que se erguem da Terra para o Cosmos e cuja forma de situação atestam esse impulso ascendente, devido à ação das forças cósmicas. Ergueram-se, também, os obeliscos e, assim, o homem começou a tomar consciência das forças que presidiam sua postura ereta; além disso, os maravilhosos hieróglifos, nesses monumentos, ao serem alusões veladas a Cristo, evocavam as forças supra-terrenas da época lemúrica.
Sem dúvida, em relação à capacidade da fala, os egípcios não puderam alcançar o mesmo nível de compreensão nublada, que alcançaram no tocante a capacidade de erguimento. Com relação àquela, a alma egípcia teve de passar, primeiro por uma disciplina emotiva adequada, com o fim de que a humanidade posterior chegasse a compreender o enigma da presença de Cristo na faculdade verbal do homem. A alma humana, em vias de maturação, haveria de acolher esse enigma na atitude do mais profundo temor reverencial e de disso de ocuparam de forma maravilhosa os hirofantes, iniciados da cultura egípcia, os quais deram ao mundo a esfinge, enigmática e muda, cuja pétrea efígie só se tornou sonora sob a influência cósmica, em certos momentos de êxtase humano. Diante da esfinge silenciosa, que só em determinadas condições adquirida sonoridade, pela ação do sol nascente, nasceu aquele temor reverencial da alma, que a conduziria para compreensão da linguagem, que se falaria quando, mais tarde, se elevasse à consciência superior a penetração paulatina do Impulso Crístico na evolução terrena da humanidade; essa humanidade que receberia a mensagem, que as esfinges não podiam dar-lhe, ainda, mas, para cuja captação, era preparada. Na formação do movimento verbal estimula o Impulso Crístico. Isto foi dito à humanidade, com as seguintes palavras:
No princípio era o verbo
E o verbo era com Deus
E o Verbo era um Deus.
Este era no princípio com Deus.
Ali estava, onde tudo foi feito,
E nada foi feito
Senão pelo Verbo.
No Verbo estava a Vida
E a Vida era a luz dos homens.
“No verbo estava a Vida, e a Vida era a luza dos homens”. Esta passagem corresponde ao momento em que o Evangelho nascia, do seio do 4º período pós-atlante e no qual os homens, graças a sua preparação feita pela cultura Greco-latina, haviam chegado ao ponto de poder reviver, dentro de tal período, o que havia acontecido em épocas anteriores. Assim como na época egípcia se recapitulou a veneração do erguimento, assim se recapitulou, na época grega, a veneração do verbo da palavra. Eis aqui, como as forças espirituais sobre humanas, intervém na evolução da humanidade.
Finalmente, como 3º logro, antes de despertar para consciência do eu, a criança tem que aprender a formar idéias, a pensar. Este pensar havia sido reservado para a humanidade pós-atlante ou, falando com mais precisão, para sua 4ª época. Antes, pensava-se em imagens, a semelhança de como, ainda hoje, toda a criança começa por pensar em imagens, a semelhança de como, ainda hoje, toda criança começa por pensar em imagens. (Deste pensamento imaginativo me ocupo no meu livro “Os enigmas da filosofia”. A faculdade de criar pensamentos não nasceu senão até o 7º ou 6º século a.C., para logo ir se aperfeiçoando; agora já nos encontramos perfeitamente identificados com ela. Considerando que a evolução do pensamento discursivo tem a característica de envolver o Eu, o Quarto Evento Crístico, o mistério do Gólgota, teve como um dos objetivos o vincular também o pensamento com o impulso Crístico e, assim, evitar que se introduzisse a desordem, em sua relação com o Eu, antes que a ordem fosse inserida, progressivamente, no pensar humano, que seus pensamentos deixassem de mesclar-se caoticamente e que, penetrados de sentimentos e sensações internas, se desenvolve, mais e mais, um sadio pensar ligado à realidade. Tudo isto se deve a que, graças ao 4º evento Crístico, mistério do Gólgota, nosso pensar adquiriu o impulso necessário, derramado por Cristo, na atmosfera espiritual da Terra.
Como resumo, pois, podemos dizer que, pela primeira vez isto aconteceu na época lemúrica, quando Lúcifer ameaçava a entidade ereta do homem; que pela 2ª vez, aconteceu na época atlante, quando o homem foi subtraído ao perigo de que a linguagem fosse expressão desordenada de sua interioridade.
A 3ª vez, tal penetração teve lugar nos fins da época atlante quando Cristo, ao impregnar a entidade espiritual que posteriormente seria Jesus de Nazaré, salvou-se o dom lingüístico, que havia de ser o símbolo dos objetos exteriores.
A 4ª intervenção de Cristo, finalmente, salvou o pensar do perigo de que não pudesse visualizar-se interiormente. O homem pode transcender este perigo, objetivando seus pensamentos em formas internas, que se derramaram na atmosfera espiritual da Terra, graças ao mistério de Gólgota, e, para tal objetivação, nossa ciência espiritual moderna oferece enfoques particularmente adequados.
Meus amigos, a evolução da humanidade chegou a um ponto em que já é, também, admissível pronunciar as primeiras palavras do Evangelho de São João, de forma distinta:
No princípio é o pensamento,
E o pensamento é com Deus,
E o pensamento é algo divino.
Nele está a vida
E a vida deve gerar a luz do meu Eu.
E o pensamento divino há de resplandecer em meu Eu
Para que as trevas de meu Eu
Aprendam o pensamento divino
Mesmo que o que antecede nunca tenha sido formulado com toda a clareza nestes termos, assim corresponderia como autêntica aspiração da evolução humana.
No século VIII a.C. começou a 4ª época cultural pós-atlante; uns 3 séculos e meio depois, o pensamento discursivo havia alcançado a maturidade suficiente para que pudesse ser concebido com a clareza, que culminou na filosofia platônica. Poucos séculos depois, o Impulso Crístico veio a enriquecer a vida dos homens. No princípio do século XV d.C., começou a 5ª época pós-atlante e nela teve lugar algo assim como uma réplica do que havia acontecido no princípio da 4ª época, culminando na compreensão na compreensão platônica do pensamento: ….( perdeu-se aqui uma linha do texto)….quase exatamente 3 séculos e ½ depois da entrada da 5ª época, aparece Hegel, com seu enunciado consciente da natureza do pensamento. O pensamento humano chegou ao clímax, em Hegel, com a afirmação: É o espírito ativo e a vida e o palpitar do pensamento na verdade. Isso Hegel enuncia, em forma aparentemente incompreensível, pode-se enunciar com as seguintes palavras:
No princípio é o pensamento,
E algo infinito é o pensamento,
E a vida do pensamento é a luz do EU.
Que o pensamento resplandecente preencha as trevas do meu Eu,
Para que essas trevas apreendam o pensamento vivo,
E para que viva e palpite em seu princípio divino.
Assim é como progride, normalmente, a humanidade.
Até agora, sem dúvida, não fez muitos progressos, porque, precisamente Hegel foi vítima de muitas calúnias. Mas, certo seria dizer:
“E o pensamento resplandecente penetrou nas trevas, mas as trevas nada queriam saber dele”.
Se aprendemos a compreender a vida do pensamento, compreendemos, da mesma forma, o que incumbe à humanidade no futuro.
Ao mesmo tempo, com base na ciência espiritual, algo mais temos de levar em conta: as épocas posteriores sempre surgem das anteriores. Assim, encontrando-nos em plena 5ª época pós-atlante, participamos, por sua vez, na 6ª, na medida em que cultivamos a ciência espiritual e nos capacitamos para contribuir para a compreensão do pensamento vivo, que se vai tornando clarividente.
Assim como o impulso Crístico se infunde em nossos pensamentos, do mesmo modo chegará a se infundir em outro aspecto da nossa alma, que não deve se confundir com o mero pensamento. Recordemos que a criança, quando começa a desenvolver suas faculdades, partindo do inconsciente logra sua consciência do Eu, com o que entra na esfera, onde pode fazer suas objetivações, graças ao impulso Crístico. Este impulso Crístico consciente, incorporado ao mundo pelo mistério do Gólgota, atua sobre a criança que, tendo aprendido a andar e a falr, começa a pensar e assim caminha até o descobrimento de seu Eu. Nossa herança cultural, através dos milênios, oferece, pois, a possibilidade de incorporar esse impulso no andar ereto, no falar e no pensar. Sem dúvida, existe uma 4ª potência da alma, ainda não sensível ao impulso Crístico: a recordação. A potência Crística, que já impregna nosso andar ereto, nosso falar o nosso pensar, se dispõe a entrar, também, na faculdade humana de recordar o passado, de evocar lembranças.
Já somos capazes de compreender a Cristo, quando nos fala através dos Evangelhos; mas, ainda nos achamos nos primeiros passos para que Ele se introduza, também, no pensar que, posteriormente, há de viver em nós como recordações ou representações.
Chegará o tempo em que os homens poderão contemplar a recordação de suas experiências e vivencias e se dar conta de que o Cristo está presente em sua faculdade reminiscente. Já se anuncia esse tempo futuro, cuja plenitude de desenvolvimento corresponderá à 6ª das grandes épocas da humanidade.
Então o Cristo poderá se manifestar para nós, inclusive através de nossas representações recordativas, são intimamente ligados a nós. O homem poderá olhar para trás, para o vivido e dizer: o impulso de Cristo se infundiu em minha memória e vive em minhas funções recordativas, o caminho que se nos assinala é o realiza, mais e mais, as palavras: “Não vivo eu, mas Cristo vive em mim”: caminho que se alarga, graças a que o impulso Crístico vai penetrando na faculdade de recordar. Entretanto, ainda não está nela; uma vez que ali se aloje, uma vez que já não palpite tão só o entendimento humano, senão que se derrame sobre todo o panorama das recordações, o homem já não dependerá do documento externo, para o aprendizado da história, porque sua capacidade recordativa se ampliará e Cristo viverá na recordação.
Graças a esse alojamento, o homem terá conhecimento da atuação extra-terrestre de Cristo, antes do mistério do Gólgota, preparando-o para depois sofrê-lo e terá, da mesma forma,conhecimento do efeito irradiador deste impulso, através da historia. De tudo isso o homem terá uma visão tão verídica e plena, como a que hoje possui de suas recordações ordinárias. Quando o olhar interior abarcar a evolução terrestre da humanidade, não deixará de divisar, em seu centro, o impulso Crístico e toda a força recordativa estará impregnada e fortalecida pela penetração de seu impulso. Portanto, no sentido de uma viva captação do cristianismo, terá valor no futuro, também o seguinte:
No princípio é a recordação
E a recordação continua vivendo,
E divina é a recordação,
E a recordação é Vida,
E esta Vida é o Eu do homem
Que palpita no próprio homem.
Não é só, mas Cristo nele.
Se ele recorda a vida divina,
Cristo está em sua recordação,
E como radiante Vida recordativa
Resplandecerá Cristo
Em todas as trevas presentes.
Chegará o dia em que poderemos sentir a presença de Cristo em nossa vida anímica. Assim o sentiremos alguns de nós, quando tenham aprendido a se unir ao impulso Crístico, Ed mesmo modo que a criança aprendeu a erguer-se e a falar, graças ao efeito desse impulso.
Há também entre nós quem, por considerar que o estado atual de nossa reminiscência é simples preparação de uma futura condição muito mais perfeita, reconhece que ela estaria exposta no perigo de não alcançar essa perfeição e desviar-se, de não cultivar a atitude de se deixar penetrar pelo impulso Crístico. Se na Terra se alastrasse um materialismo que renegasse o Cristo, a recordação cairia em desordem e iria aumentando o número de pessoas, cuja auto-consciência adormecida cada vez mais. Nessa faculdade recordativa só pode se desenvolver corretamente, se corretamente se intui o impulso Crístico. For ser assim, a história se fará presente em nós, como recordação viva, saturada de compreensão dos acontecimentos verdadeiros e a mente humana saberá compreender. Quem ocupa o centro do acontecer universal. Chegada esta condição, a evidência será efetiva para o homem, isto em, que a recordação ordinária não será enfocada sobre uma só vida mas que se estenderá à encarnações passadas. A faculdade de recordar, tal como a possuímos hoje, é uma etapa preparatória que tem de receber sua configuração graças a Cristo.
Já seja que observemos exteriormente o desenvolvimento inconsciente de nossa infância, ou que penetramos em nosso interior e, por progressivo aprofundamento alcancemos o núcleo interno, conservado na lembrança: sempre e em qualquer lugar, registramos a força e a atividade viva do impulso Crístico.
O vindouro evento Crístico, que se aproxima, não física, mas etéricamente se relaciona com o 1º desprendimento da cristificação da recordação: Cristo se aproximará de nós, como atitude angélica. Para este evento, temos de nos preparar.
A ciência espiritual não deve enriquecer-nos unicamente com teorias, mas coloca-nos algo que nos torne capazes de assimilar, com novos sentimentos e sensações, tanto o que se nos aproxime do exterior, como o que nós mesmos somos. Nossa vida efetiva e intuitiva pode crescer se, com a ajuda da ciência espiritual, penetramos corretamente na verdadeira índole do impulso Crístico e, em sua atividade, dentro da entidade espiritual do homem. Para isso contribuirá que pensemos, freqüentemente, no seguinte verso:
No Princípio era a força da recordação.
A força da recordação deve se tornar divina,
E em algo divino deve se converter a força da recordação.
Tudo o que nasce, no Eu deve nascer
De modo que tenha nascido
Da recordação cristificada e deificada.
Nela deve estar a Vida
E nela deve estar a luz radiante
Que, do pensamento recordativo,
Resplandece nas trevas do presente.
E as trevas, tais como são na atualidade,
Deverão compreender a luz da recordação feita divina.
Se assimilarmos o significado de palavras como estas, acolhemos algo que convém À humanidade. Assim como a planta produz o germe, para o próximo ciclo vegetal, do mesmo modo aprendemos a sentir-nos, não só como portadores dos frutos, procedentes das encarnações anteriores, senão como seres que se preparam para a transição a encarnações subseqüentes. Ficaria estagnada nossa faculdade recordativa, das próximas encarnações, se não nos pensássemos com o impulso Crístico. Nem bem esse impulso penetra, mesmo que em escassíssima medida, no pensar, começa sua ação sobre a reminiscência. Aprendemos, da ciência espiritual, a viver, não só para o homem temporal, entre o nascimento e a morte, mas para o homem, em seu eterno devir, através de sucessivas encarnações, e aprendamos da ciência espiritual, quão importante é, para o pleno crescer da alma humana, a correta compreensão, a correta captação emotiva, do mais poderoso dos impulsos que intervém na evolução da humanidade: O Impulso Crístico.
Rudolf Steiner – GA 152 – Pforzheim, 07 de março de 1914
A verdadeira natureza e o ser do homem é essencialmente o esforço para manter o equilíbrio entre os poderes de Lúcifer e Áhriman; o impulso do Cristo ajuda a humanidade do presente a estabelecer este equilíbrio.
LÚCIFER, CRISTO E ÁHRIMAN – O PONTO DE EQUILÍBRIO
“Deve-se compreender que em um pólo se ergue a encarnação luciférica, no centro, a encarnação do Cristo, e no outro polo a encarnação ahrimânica. Lúcifer é o poder suscita no homem todo fanatismo, toda força mística falsa, tudo o que fisiologicamente tende a desordenar o sangue e assim eleva o homem por cima e para fora de si mesmo. Ahriman é o poder que faz o homem seco, prosaico, filisteu – que o ossifica e o traz para a superstição do materialismo. Mas a verdadeira natureza e o ser do homem é essencialmente o esforço para manter o equilíbrio entre os poderes de Lúcifer e Ahriman; o impulso do Cristo ajuda a humanidade do presente a estabelecer este equilíbrio.
Aqueles dois pólos – o luciférico e o ahrimânico – estão continuamente presentes no homem. Visto historicamente, achamos que o luciférico prevalece em certas correntes de desenvolvimento cultural dos tempos pré-cristãos, e continuam até os primeiros séculos da nossa era. Por outro lado, a influência ahrimânica tem vindo a trabalhar desde a metade do século XV e vai aumentar em força ”
LÚCIFER
– Falsos misticismos, fanatismo
– Incita o homem a todas exaltações
– Orgulho de elevar-se sem fronteira
– Possibilidade de fazer o mal, de sucumbir a todas as paixões e desejos do mundo dos sentidos
AHRIMAN
– Incita as supertições materialistas segundo as quais não existe a Alma ou Espírito no mundo
– É o inspirador do materialismo amoral, ateísta, mecanicista e o tipo de pensamento racionalista
– Mente com pensamento rígido e automático
– Palavras que facilmente se tornam vazias e por sua vez a mentira
CRISTO – O Equilíbrio entre Lúcifer e Ahriman
Rudolf Steiner
Tradução Livre: Leonardo Maia
GA 108 – Berlin, 22 de dezembro de 1908, Leitura:
O MISTÉRIO DO NATAL, NOVALIS, O VIDENTE
Indivíduos que aparecem no mundo de tempos em tempos são capazes de ver em visão direta o que foi realizado por meio do Sentir por milhares e milhares de almas e corações no decorrer dos séculos. Mas na era moderna, apenas aqueles que estão familiarizados com as descobertas da “visão clara” espiritual sabem que os efeitos do evento do Mistério do Gólgota sobre a evolução são sempre perceptíveis para o verdadeiro vidente.
Toda a esfera espiritual da Terra foi mudada por meio do que aconteceu no Gólgota. E desde então, se o olho da alma foi aberto através da contemplação deste Evento, o vidente contempla a presença do poder eterno de Cristo na esfera espiritual da Terra. Outros homens ficam impressionados com o poder do impulso procedente do Mistério do Gólgota e as grandes verdades relacionadas com aquele Evento; eles percebem, também, que desde então o coração humano tem sido capaz de experimentar algo que nunca poderia ter sido experimentado ou sentido anteriormente na Terra. Mas para um vidente, essa é uma realidade perceptível.
O jovem poeta alemão Novalis tornou-se um vidente – poderíamos quase dizer “milagrosamente” – pela graça dos poderes divino-espirituais. Por meio de um acontecimento profundamente arrasador que o tornou ciente, como por um golpe de magia, da conexão entre a vida e a morte, seus olhos do espírito foram abertos e também uma grande vista das eras passadas da Terra e do Cosmos, o Cristo Ser ele mesmo apareceu diante dele. Ele foi capaz de dizer de si mesmo que era alguém que com os olhos do espírito realmente viu o que é revelado quando ‘a pedra é levantada’ e o Ser que forneceu a existência terrena com a prova de que a vida no espírito superará para sempre a morte , se torna visível.
No caso de Novalis, não podemos realmente falar de uma vida autocontida no sentido comum, pois a sua era como uma lembrança de uma encarnação anterior. A iniciação conferida a ele por assim dizer através da Graça, trouxe à vida dentro dele suas realizações e experiências em encarnações anteriores; houve uma espécie de consolidação de intuições e percepções que haviam pertencido a ele em uma vida anterior. E porque ele olhou para trás através dos tempos com seus próprios olhos do espírito despertos, ele foi capaz de afirmar que nada em sua vida era comparável em importância com a experiência de ter descoberto Cristo como uma realidade viva. Tal experiência é como uma repetição do que aconteceu em Damasco, quando Paulo, que até então perseguia os seguidores de Cristo Jesus e rejeitava sua proclamação, recebeu em visão superior a prova direta de que Cristo vive, que Ele está presente e que o Evento do Gólgota é único em todo o processo de evolução da humanidade. Aqueles cujos olhos do espírito estão abertos podem eles próprios contemplar este Evento, pois na verdade Cristo não estava apenas presente no Corpo que uma vez foi Sua morada. Ele permaneceu com a Terra; por meio dele, o poder solar se uniu à Terra.
Novalis fala da revelação que lhe veio como ‘única’ e afirma que só aqueles que com toda a alma estão dispostos a se relacionar com este Evento são homens no verdadeiro sentido. Ele diz com razão que o antigo índio, com sua espiritualidade sublime, teria se aliado a Cristo se ele apenas o conhecesse. Não por qualquer vaga noção ou fé cega, mas por conhecimento real, Novalis diz que o Cristo que ele viu com os olhos do espírito é um Poder que permeia todos os seres. Este poder pode ser reconhecido pelo olho no qual está trabalhando. O olho que contempla o Cristo foi formado pelo Poder de Cristo. O poder de Cristo dentro dos olhos contempla o Cristo fora dos olhos.
Estas são palavras verdadeiramente maravilhosas! Novalis também está ciente da estupenda verdade de que, desde o evento do Gólgota, o Ser que chamamos de Cristo tem sido o Espírito planetário da Terra, o Espírito pelo qual o corpo da Terra será gradualmente transformado. Uma vista maravilhosa do futuro se abre diante de Novalis. Ele vê a Terra transfigurada; ele vê a Terra atual, na qual o resíduo dos tempos antigos ainda está contido, transformada no Corpo de Cristo; ele vê as águas da Terra permeadas com o Sangue de Cristo e vê as rochas sólidas como a Carne de Cristo. Ele vê o corpo da Terra gradualmente se tornando o Corpo de Cristo; ele vê a Terra e Cristo milagrosamente feito um; ele vê a Terra no futuro como um grande organismo que consagra o homem, um organismo cuja alma é Cristo.
Nesse sentido, e a partir de sua compreensão profunda das verdades ocultas, Novalis fala de Cristo como o Filho do Homem. Assim como em certo sentido os homens são os ‘Filhos dos Deuses’, isto é, dos antigos Deuses que através de incontáveis ??milhões de anos moldaram e deram forma ao nosso planeta, que construíram os corpos em que vivemos e a base sobre que movemos, portanto, superando as coisas terrenas, a tarefa do homem é construir, através de suas próprias forças, uma Terra que será o corpo do novo Deus, o Deus do futuro. E enquanto os homens da antiguidade olhavam para os deuses primitivos, desejando unir-se a eles na morte, Novalis reconhece o Deus que no futuro terá como corpo tudo o que há de melhor em nós e que lhe podemos oferecer. Em Cristo ele vê o Ser ao qual a humanidade se oferece para que esse Ser tenha um corpo. Ele reconhece Cristo como o ‘Filho do Homem’ neste sentido cosmológico superior. Ele fala de Cristo como o ‘Deus do futuro’.
Todas essas experiências e percepções estão tão carregadas de significado que são capazes de despertar o verdadeiro clima de Natal em nossas almas. E assim, deixaremos quem viveu uma breve vida no final do século XVIII, morrendo aos 29 anos, descrever as experiências associadas ao maior acontecimento de sua vida – a visão sublime do Ser Cristo.
(Marie von Sivers (Marie Steiner) aqui recitou um poema das Músicas espirituais de Novalis.)
A árvore de Natal não é o símbolo do Festival de Natal há muito tempo. Não encontraremos nenhum poema na Árvore de Natal entre, digamos, as obras de um poeta como Schiller, embora se tal costume existisse em sua época, ele certamente teria reconhecido suas possibilidades poéticas e não teria tido dificuldade em escrever. um poema sobre o assunto. Mas na época de Schiller, a árvore de Natal em sua forma agora familiar era desconhecida. É uma instituição jovem e bastante recente. Em épocas anteriores, os homens celebravam esse festival de uma maneira diferente. Por mais que olhemos para as eras passadas, desde que se possa falar dos seres humanos em sua forma atual ou possuindo os rudimentos dessa forma, encontraremos em todos os lugares uma instituição que é semelhante à nossa Festa de Natal;
O próprio fato de que o próprio festival é tão antigo e nosso símbolo atual dele tão recente, é indicativo de um elemento de eternidade, de uma realidade eterna da qual novas formas sempre brotam. Este Festival de Cristo e todos os sentimentos e experiências que ele simboliza são tão antigos quanto a humanidade na Terra. Mas o homem sempre poderá encontrar novos símbolos, símbolos condizentes com a época, como formas exteriores de expressão desta festa. Assim como a própria Natureza é rejuvenescida a cada ano e suas forças eternas brotam em formas que são sempre novas, o mesmo ocorre com os símbolos da piedade natalina; em seu rejuvenescimento constante, eles revelam a realidade eterna deste festival.
Como alunos da Ciência Espiritual, podemos enviar nossos pensamentos de volta a eras no muito, muito passado, para começar aos tempos em que nossas almas estavam encarnadas em corpos atlantes, corpos muito diferentes dos de hoje. Naquela época existiam grandes Mestres que também eram os Líderes da humanidade. Os homens olhavam para um mundo diferente, onde não havia luz do sol brilhante para revelar a eles em contornos claros as formas dos objetos nos reinos da Natureza. Tudo ao redor deles estava como se envolto em névoa – não apenas porque grande parte da Atlântida estava realmente coberta com névoa e névoa através da qual a luz do sol não poderia penetrar na mesma extensão que mais tarde, mas também porque a faculdade de percepção do homem ainda não havia se desenvolvido para o palco onde os objetos externos apareceram em um contorno claro.
Quando os homens foram dormir nos dias da Atlântida, eles viram os seres divino-espirituais que eram seus companheiros; eles viram aqueles Seres divinos que uma vez foram experimentados como realidades e que em tempos posteriores foram preservados como memórias em diferentes regiões da Terra, tendo diferentes nomes: Wotan, Thor, Baldur, na Europa Central; os nomes de Zeus, Pallas Atena, Ares e assim por diante, foram dados àquelas figuras divinas que antes eram visíveis aos olhos da alma do homem na velha Atlântida. Mas nos tempos da Atlântida, os mundos divinos não eram mais os mundos mais elevados e criativos de onde o homem surgira na era da Lemúria. Nossas almas já nasceram do ventre de Seres divinos, de cuja sublimidade e majestade só pode haver uma vaga noção hoje. Esses mesmos Seres divinos enviaram as orbes cósmicas e todas as forças que nos cercam. O homem estava dentro do ventre de Seres divinos, cujas expressões externas vemos nos corpos celestes; eles eram os seres que brilham no ar em relâmpagos e trovões, cujas expressões são as plantas e animais e cujos órgãos dos sentidos são os cristais. Todo o calor que chega até nós, todas as forças em jogo ao nosso redor – tudo isso constitui o corpo dos Seres divino-espirituais dos quais o homem saiu.
Quanto mais profundamente o homem desceu à Terra, quanto mais se uniu às substâncias materiais, quanto mais integrou em si as substâncias da Terra, menos capaz se tornou de contemplar os grandes deuses.
Nos tempos primitivos, o homem ainda não tinha faculdade para conhecer o mundo material; ele não podia ver com os olhos nem ouvir com os ouvidos; imagens que não eram imagens de minerais, animais ou plantas, mas de seres divino-espirituais acima dele, surgiram em sua alma. Em idades posteriores, ele viveu mais e mais no plano físico, aprendendo por meio dos órgãos dos sentidos externos a conhecer o mundo físico. Nos dias da Atlântida, a visão no plano físico alternava-se com uma forma de clarividência que permaneceu como uma relíquia do antigo estado de espiritualidade sublime em que o homem viveu. Mas os Deuses que ele ainda era capaz de contemplar no plano astral, quando à noite ele desfrutava da bem-aventurança de viver como um ser espiritual entre outros seres espirituais, eram inferiores em classificação do que os deuses mais elevados.
À medida que o plano físico ficava mais claro, a visão do homem nos planos espirituais ficava turva. Mas, na antiga Atlântida, houve Iniciados que, além de transmitirem os ensinamentos mais profundos a respeito dos Deuses da antiguidade, de onde os homens surgiram, proclamaram uma verdade que apresentaram da seguinte maneira.
‘Olhe para a semente de uma planta; veja como essa semente se desenvolve em uma planta. Ela cresce, envia folhas, sépalas, flores e frutos. Quem observa a planta dessa maneira pode dizer a si mesmo: eu olho para trás, para a semente; a semente é a criadora das folhas e da flor que vejo diante de mim, e essa flor contém em si a semente de uma nova planta; a flor se transforma em uma nova semente. E também se pode olhar para o futuro. ‘ – Assim falaram os grandes Iniciados Atlantes a seus alunos e, por meio deles, a todo o povo. Eles disseram: ‘Você pode olhar para trás, para as sementes dos deuses de onde os homens surgiram. As realidades espirituais e físicas que você vê ao seu redor são todas folhas que brotaram das sementes dos Deuses primitivos. Veja neles as forças daquelas sementes divinas, assim como as forças da semente da qual a planta surgiu podem ser vistas em suas folhas. Mas podemos apontar para algo mais: no futuro espalhar-se-á ao redor do homem algo que será semelhante à flor de uma planta, algo que, é verdade, provém dos antigos deuses, mas – à medida que a flor amadurece um semente – contém uma semente na qual onovo Deus se revela! ‘
O mundo nasceu dos Deuses – tal era o antigo ensinamento. Que o mundo dará à luz um Deus, o grande Deus do futuro – tal foi a profecia feita pelos Iniciados da Atlântida aos seus alunos e através deles ao povo. Pois, como todos os Iniciados, os da Atlântida viram o futuro, previram os grandes eventos do futuro. A visão deles foi além da época do grande dilúvio atlante, além daquele acontecimento estupendo pelo qual a face da Terra foi mudada. Eles previram as civilizações que surgiriam no futuro, na terra dos santos Rishis, na terra de Zaratustra; eles previram a cultura egípcia antiga fundada por Hermes, as condições anunciadas e inauguradas por Moisés, a felicidade que prevalecia na Grécia, o poder e a força de Roma. Tudo isso os Iniciados Atlantes viram com antecedência, e sua visão se estendeu a nosso tempo e até mesmo além dele. E aos seus alunos íntimos davam esperança, dizendo-lhes: ‘É verdade, vocês devem deixar as terras espirituais onde agora vocês moram, devem ser enredados na matéria, devem se revestir de invólucros tecidos de substâncias físicas. Chegará o momento em que você deverá trabalhar no plano físico, quando parecerá que os antigos Deuses desapareceram de sua vista. Mas seus olhos serão capazes de se voltar para onde a nova estrela pode aparecer para você, para onde a nova semente ganha vida, onde surgirá o novo Deus do futuro, o Deus que esperou através dos tempos para apareça na humanidade no tempo certo e adequado! ‘ você deve deixar as terras espirituais onde agora você mora, você deve ser enredado na matéria, você deve se vestir com invólucros tecidos de substâncias físicas. Chegará o momento em que você deverá trabalhar no plano físico, quando parecerá que os antigos Deuses desapareceram de sua vista.
Quando os Iniciados Atlantes quiseram explicar a seus alunos e a todas as pessoas por que o homem estava destinado a descer ao vale da Terra, eles lhes disseram que todas as almas em algum momento futuro veriam e experimentariam Aquele que estava por vir, que ainda estava oculto de sua vista, habitando em um reino invisível aos olhos físicos, bem como aos olhos do espírito que, enquanto o homem ainda estava descansando no ventre dos deuses, tinha olhado para ele.
Então veio o dilúvio atlante. Em um tempo comparativamente curto, a face da Terra mudou e, após as migrações dos povos do Ocidente para o Oriente, surgiram as grandes civilizações pós-Atlantes, começando com a da Índia antiga.
Os grandes Mestres daquela época, os sete santos Rishis, ensinaram a seus alunos, e de fato a todo o povo indiano, a realidade de um mundo espiritual, pois sua vida agora era vivida no plano físico e eles precisavam ser ensinados. Seus olhos agora podiam ver apenas a forma externa do mundo físico como a expressão do Espiritual, mas o próprio Espiritual eles não podiam ver. Ainda assim, vivia na alma de cada indiano algo que pode ser chamado de uma vaga lembrança do que a alma experimentou uma vez entre os deuses na era da velha Atlântida. Essa lembrança despertou um anseio de tal intensidade pelo que havia sido perdido, que a alma não poderia estabelecer nenhuma relação íntima com o plano físico, apenas poderia considerá-lo como maya, ilusão, irrealidade. Nem poderiam as almas ter suportado tais condições no plano físico, não os Rishis, cheios do fogo da inspiração espiritual, sendo capazes de ensiná-los sobre as glórias do mundo antigo que deles se foram. Os ensinamentos dados pelos Rishis a respeito do Cosmos ainda são muito pouco compreendidos hoje; eram ensinamentos baseados em uma sabedoria primordial, porque os Rishis foram iniciados naquilo que o homem experimentou quando ainda estava no ventre dos Deuses.
Pois o homem estava presente quando os Deuses separaram o Sol da Terra e ordenaram os caminhos das orbes celestes – mas durante sua posterior peregrinação terrena ele se esqueceu disso!
Essa sabedoria foi ensinada pelos Rishis. E algo mais também foi ensinado àqueles que eram os mais avançados e capazes de sentir seu significado. Para eles foi dito: ‘Do mundo em que o homem está agora colocado, o mundo que ele agora vê como maya, surgirá o Ser que ainda não pode ser visível neste mundo porque a alma humana não atingiu o estágio em que pode desdobrar o poder de conhecer este Ser. Mas Aquele que ainda está além do seu mundo aparecerá! ‘ Vicva karmanera o nome do Ser proclamado pelos antigos Mestres da Índia como o grande Espírito do futuro. Ao povo indiano foi dito: ‘Você ainda não pode vê-lo, assim como não pode ver na flor a semente da nova planta. Mas tão verdadeiramente quanto a flor contém a semente, como realmente o faz maya revela o poder germinativo que tornará a vida no mundo físico uma existência digna. O Ser conhecido em tempos posteriores como o Cristo foi proclamado com antecedência pelos Mestres da Índia antiga; eles, em verdadeira humildade, foram seus profetas. Seu olhar espiritual poderia se voltar em duas direções – de volta à sabedoria primordial de acordo com a qual o mundo foi formado, e adiante no futuro.
Não houve época em que Ele não fosse proclamado, sempre que se pudesse falar da cultura humana e da compreensão humana. Se em tempos posteriores os homens se esqueceram das proclamações, isso não é culpa dos grandes Instrutores de uma humanidade anterior.
Então veio a antiga civilização persa da qual Zaratustra era o líder. Aos seus alunos íntimos, e novamente a todo o povo, Zaratustra proclamava que em tudo o que o homem está rodeado, nas forças que fluem do Sol e dos outros corpos celestes à Terra, em tudo o que preenche a vastidão do ar, vive um Sendo agora revelado ao homem apenas na forma velada. – E aos seus Iniciados, Zaratustra pôde falar do grande Sol-Aura, de Ahura Mazdao, do Deus do Bem. O que ele disse a seus alunos pode ser traduzido da seguinte maneira. – ‘Olhe para a planta. Ela cresce a partir da semente, desenvolve folhas e flores. Mas a planta é permeada por uma força misteriosa que surge no coração da flor como a nova semente. O que envolve a semente cairá; mas a força mais íntima que pode ser percebida no coração da flor permite que você sinta que uma nova planta surgirá da velha. Se você refletir sobre o poder e a força da luz do Sol, Sentindo que nela você está contemplando apenas a expressão física de uma realidade espiritual e se deixando inspirar pelo poder espiritual do Sol, então você começará a entender o que é profético anúncio do Fruto Divino que há de nascer da Terra! ‘
Quando esses alunos íntimos atingiam um estágio muito avançado, podiam, em certos momentos, ouvir ensinamentos ainda mais secretos. E nas horas consagradas Zaratustra falava-lhes de Alguém que viria quando os homens estivessem prontos para recebê-Lo em seu meio com entendimento. Imagens poderosas daquele que viria foram apresentadas por Zaratustra a seus alunos. Para um aluno ele poderia revelar a própria imagem, para um segundo uma espécie de reflexo apenas; para os outros, só foi possível dar um quadro geral do que aconteceria no futuro. – Assim, Aquele que se chamava Cristo também foi proclamado na civilização de Zaratustra na antiga Pérsia.
Assim também foi na civilização egípcia. Hermes também tinha seus iniciados egípcios e, por meio deles, havia proclamado o Cristo de uma certa maneira a todo o povo do antigo Egito. Na lenda de Osíris pode ser visto um reflexo da proclamação de Cristo.
O que foi que a lenda de Osíris transmitiu aos homens? A lenda é que nos tempos antigos o povo era abençoado porque Osíris governava a Terra do Egito em verdadeira união com Ísis, sua esposa. Seu irmão malvado, Set ou Typhon, resolveu destruir Osíris. Para este fim, ele construiu um baú no qual Osíris estava preso e o lançou ao mar. Ísis finalmente encontrou o baú, mas não conseguiu trazer Osíris para a vida novamente na Terra. Ele havia sido transportado para reinos mais elevados e, desde então, só poderia ser visto pelos homens depois de terem passado pelo portão da morte. A todo egípcio foi dito: Após a morte, você pode se unir a Osíris tão verdadeiramente quanto sua mão está unida a você aqui na Terra. Após a morte, você pode fazer parte de Osíris e chamá-lo de seu próprio Eu superior, mas apenas desde que tenha merecido isso no plano físico.
Para aquele que era um Iniciado, algo mais poderia ser revelado. Quando ele passou por todas as provações e testes, quando ele recebeu todos os ensinamentos que devem preceder a visão dos mundos superiores, então, mesmo durante a vida física entre o nascimento e a morte, a imagem de Osíris foi revelada a ele – a imagem que veio antes de outras homens somente após a morte. O Ser com o qual o discípulo dos Iniciados egípcios deve sentir-se unido veio antes dele quando ele estava fora de seu corpo, quando seu corpo etérico, corpo astral e ego foram elevados fora do corpo físico; e então, aquele que ainda em vida havia contemplado Osíris poderia proclamar aos outros: – Osíris vive! Mas nunca poderia ter sido proclamado no antigo Egito: Osíris mora entre nós! Isso foi expresso na lenda ao dizer: Osíris é um rei que nunca foi visto na Terra! O ‘tórax’ nada mais é do que o corpo físico. No momento em que Osíris é colocado no corpo físico, as forças inimigas do mundo físico, forças que ainda não estão prontas para receber Deus, afirmam-se com tal força que levam Deus à destruição. O mundo físico ainda não está pronto para receber o Deus com quem o homem deve estar unido. ‘Mas’ – assim falaram aqueles que poderiam dar testemunho pessoal de que Osíris vive – ’embora digamos a vocês que o Deus vive na verdade, é apenas o Iniciado que pode vê-lo, quando ele (o Iniciado) está longe do mundo físico. O Deus com quem o homem deve se tornar um em seu ser, vive, mas ele vive no mundo espiritual. Só aquele que deixa o mundo físico pode se unir a Deus! ‘
Ao mesmo tempo, os homens estavam começando a amar cada vez mais o mundo físico; pois era sua tarefa e missão trabalhar no mundo físico, estabelecer uma cultura após a outra no mundo físico. Na mesma medida em que os olhos olhavam com uma visão mais clara, e a inteligência era mais capaz de compreender os acontecimentos do mundo físico, na mesma medida em que aumentava o conhecimento do homem, permitindo-lhe fazer descobertas e invenções úteis para os fins de vida física – na mesma medida, tornou-se constantemente mais difícil para ele durante a vida entre o nascimento e a morte olhar para o mundo espiritual. Pôde ouvir dos Iniciados que o Deus com quem deve se unir vive na verdade; mas do mundo físico ele pouco poderia trazer que tornasse possível a comunhão definitiva com Osíris para ele no mundo distante. Escuridão cada vez maior se espalhou pela vida no mundo que o homem supôs ser o lar do Deus com quem ele deve se tornar um.
Então veio a era da Grécia, quando com todo o seu deleite no mundo físico, os homens alcançaram aquele casamento entre o espírito e a matéria que produziu frutos tão gloriosos no plano físico. Nas maravilhosas obras-primas da Grécia antiga, temos um quadro de como, na época em que ocorreria o Evento do Gólgota, os homens se relacionavam com o mundo espiritual. É difícil conceber, mas é verdade, no entanto, que a realização suprema da arquitetura – o templo grego – corresponde ao ponto mais baixo na relação do homem com o mundo espiritual.
Vamos imaginar um templo grego elevando-se diante de nós. Em suas formas, em sua perfeição e inteireza, é a expressão mais pura e nobre do Espiritual – de modo que uma vez poderia ser dito, e dito com verdade: o próprio Deus mora no templo grego. O Deus estava presente no templo, pois as linhas tecidas pelo material estavam em toda parte em harmonia com a ordem espiritual do Cosmos e com as linhas que permeiam o plano físico como as direções do espaço. Não há exemplo mais belo e nobre da interpenetração do espírito do homem e da matéria física do que um templo grego. É o exemplo incomparável de união entre os mundos superiores e a matéria física.
Por meio de suas obras de arte e dos princípios expressos em sua criação, os gregos conseguiram fazer os antigos deuses descerem entre eles. E mesmo que os gregos não tenham realmente visto Zeus ou Palas Atena quando eles desceram, mesmo assim os Deuses estavam lá, atraídos e encantados por essas obras de arte – os Deuses que uma vez foram visíveis aos homens e entre os quais viveram os tempos da Atlântida. Os homens foram capazes de fornecer uma morada gloriosa para os deuses antigos.
E agora vamos ver o que o templo grego representa em outro aspecto. Suponha que a consciência clarividente tenha diante de si um templo grego. O que agora será dito vale até mesmo para os escassos restos ainda sobreviventes da arquitetura do templo grego. – Pense no que acontece quando a consciência clarividente tem diante de si uma relíquia, como um dos templos de Paestum. A harmonia das linhas apresentadas pelas colunas e coberturas pode literalmente encher uma pessoa de êxtase. Essa perfeição está lá que se pode imaginar e sentir a própria presença da divindade na própria estrutura física. A mesma sensação pode surgir quando a arquitetura grega é vista através dos olhos do corpo físico.
E agora pense na consciência clarividente transportada para o mundo espiritual. É como se uma tela negra fosse desenhada sobre o que pode ser visto no mundo físico; o que se vê ali é como que obliterado. Nada de todos esses esplendores do plano físico pode ser transportado para o mundo espiritual. A beleza suprema – quando de fato é – alcançada no plano físico, é obliterada no mundo espiritual. E então percebemos que não é um mito quando, ao encontrar um Iniciado, alguém que era uma figura importante na Grécia proferiu as palavras: Melhor é ser um mendigo no mundo superior do que um rei no reino das Sombras! (Homer: Odisséia, Canção XI, versículo 488-491) – Na Grécia, onde o homem poderia encontrar tal bem-aventurança no mundo físico, as almas entraram em uma existência sombria quando passaram para o mundo dos mortos. Esplendor no mundo físico – esterilidade equivalente no mundo espiritual.
Façamos agora duas outras comparações com a experiência despertada por um templo grego. – Pense na Madona Sistina de Rafael ou na Última Ceia de Leonardo da Vinci – obras criadas após o Evento do Gólgota e influenciadas por seus mistérios. A visão dessas imagens pode encher a alma de êxtase, e isso também é verdade para a consciência clarividente.
Quando os olhos da consciência clarividente repousam sobre essas imagens no plano físico e essa consciência então sobe para o mundo espiritual, o homem percebe, embora o físico não seja mais visto: O que levo para o mundo espiritual a partir da experiência despertada por essas imagens não é simplesmente um eco do físico; aqui não há apenas o êxtase que experimentei ao vê-los, mas agora, pela primeira vez, percebo toda a sua glória; no mundo físico, simplesmente lancei a semente do que agora experimento em majestade e esplendor infinitamente maiores! – Quando um homem contempla tais imagens nas quais estão contidos os mistérios ligados ao Gólgota, está lançando a semente – mas apenas a semente – para um maior conhecimento no mundo espiritual. O que tornou isso possível? Tornou-se possível porque o Poder espiritual, proclamado com tanta antecedência, realmente apareceu na Terra. A humanidade conseguiu desabrochar uma flor na qual a semente do Deus do futuro poderia amadurecer. Através do Evento do Gólgota, algo foi comunicado à existência na Terra que o homem não só pode levar consigo para o mundo espiritual, mas que nos mundos espirituais aparece em maior glória e sublimidade.
No momento em que o corpo físico de Cristo Jesus morreu no Gólgota, Cristo apareceu entre aqueles que viviam entre a morte e o novo nascimento. Ele poderia proclamar a eles o que nenhum dos primeiros Iniciados, quando eles passaram para o mundo espiritual, poderia ter proclamado. Quando os primeiros Iniciados – digamos dos Mistérios de Elêusis – passaram deste mundo físico para o mundo daqueles que viviam entre a morte e um novo nascimento, o que os Iniciados de Elêusis poderiam dizer a essas almas? Eles poderiam ter contado a eles acontecimentos no plano físico, mas isso não lhes causaria nada além de saudade e tristeza. Pois a vida deles se enraizou inteiramente no plano físico e no mundo distante, onde nada físico poderia ser encontrado e a escuridão prevalecia, as almas não podiam compartilhar o Sentimento que fazia um homem importante no plano físico exclamar: Melhor é ser um mendigo no plano físico do que um rei no reino das Sombras! Os Iniciados que poderiam trazer tais tesouros para aqueles que viviam no plano físico não poderiam ter trazido nada para as almas que então viviam no outro mundo. Então veio o Evento do Gólgota. Cristo apareceu entre os mortos – e pela primeira vez pode ser proclamado no mundo espiritual um evento do mundo físico que constitui o início de uma ponte que conduz do mundo físico ao espiritual. Quando Cristo apareceu no mundo inferior, foi como se uma luz brilhasse nos mundos espirituais. Pois no próprio mundo físico prova incontestável foi fornecida de que o espiritual pode vencer para sempre a morte!
Isso vale ainda mais para o Evangelho de São João e também para os outros Evangelhos que falam do Evento do Gólgota. Um homem que estuda o Evangelho de São João no plano físico, experimenta alegria intelectual com a leitura deste grande registro; mas quando ele passa para o mundo espiritual, ele sabe que o que ele foi capaz de experimentar no mundo físico foi apenas um antegozo do que ele agora pode perceber e contemplar. O fato de suprema importância é que o homem agora pode levar seus tesouros com ele do plano físico para o mundo espiritual .
Desde o evento do Gólgota, o mundo espiritual foi iluminado com uma luz cada vez mais brilhante e clara. Tudo o que existe no mundo físico saiu do mundo espiritual. Quando ele passou do mundo físico para o espiritual, o homem pré-cristão poderia dizer: Aqui está a fonte e origem de tudo o que o mundo físico contém. O que saiu do mundo espiritual são apenas os efeitos. Mas desde o evento do Gólgota, o homem pode dizer quando ele passa do mundo físico para o espiritual: No mundo físico também há causalidade e o que é experimentado no plano físico passa para o mundo espiritual.
E assim continuará – em uma medida cada vez maior. Tudo o que procede da obra dos antigos Deuses morrerá e o que florescer crescerá no futuro, como a obra do Deus do futuro. Isso é o que passará para o mundo espiritual. É como quando um homem, olhando para a semente de uma nova planta, diz a si mesmo: Verdade, ela surgiu de uma planta velha, de uma semente anterior, mas agora a velha caiu, desapareceu, e agora a nova semente está aí, a semente que se desenvolverá na nova planta, na nova flor. – Nós também vivemos em um mundo onde as folhas e as flores brotaram das sementes nascidas dos antigos deuses. Mas cada vez mais o novo fruto, o fruto de Cristo, está se revelando e tudo o mais cairá. O que é realizado aqui no mundo físico terá valor para o futuro, na medida em que for transportado para o mundo espiritual. Diante dos olhos do Espírito, um mundo surge no futuro, um mundo que tem suas raízes no físico, como nosso mundo já teve suas raízes no espiritual. Assim como os homens são filhos dos deuses, também, a partir do que os homens no mundo físico experimentam, elevando-se à compreensão do Evento do Gólgota, o corpo será formado para aqueles novos Deuses do futuro, dos quais Cristo é o Líder. Da mesma forma, os velhos mundos vivem no novo; o velho morre completamente, e o novo brota do velho. Mas isso só pôde acontecer porque a humanidade foi capaz de desabrochar um desabrochar para aquele Ser espiritual que se tornaria o Deus do futuro. Diante dos olhos do Espírito, um mundo surge no futuro, um mundo que tem suas raízes no físico, como nosso mundo já teve suas raízes no espiritual. Esta flor que poderia desabrochar dentro dela a semente do Deus do futuro só poderia ser uma bainha humana tríplice consistindo de corpo físico, corpo etérico e corpo astral, uma bainha limpa e purificada por tudo o que poderia ser alcançado pelo homem na Terra. E este invólucro de Jesus de Nazaré que se sacrificou para que a Semente de Cristo pudesse ser recebida, esta flor da humanidade, representa a essência mais pura que os esforços espirituais da humanidade em evolução foram capazes de produzir. Não até que a terra estivesse pronta para produzir seu mais belo desabrochar, a semente do novo Deus poderia aparecer. E o nascimento desta flor é comemorado no nosso Festival de Natal. Em nossa Festa de Natal, celebramos o nascimento da flor que receberia a Semente de Cristo.
O Natal é uma festa em que os homens podem olhar para o passado e também para o futuro. Pois do passado brotou a flor da qual se desenvolve a semente para o futuro. O envoltório triplo de Cristo foi um produto da velha Terra – tecido e nascido do mais alto que estava ao alcance do homem. E nenhuma apresentação externa de um mistério pode causar uma impressão mais poderosa sobre nós do que a apresentação do mistério de como a mais bela flor da humanidade poderia brotar do cálice mais puro.
Essa humanidade uma vez saiu do ventre da Divindade, que o homem já foi um ser espiritual e desceu à existência material – como isso pode ser mais belamente apresentado do que indicando como o Espiritual gradualmente se densifica, como o próprio homem se densificou fora da névoa informe do espiritual? Como um prenúncio profético, o antigo egípcio descreveu a Deusa com cabeça de leão, ainda totalmente espiritual, pertencente à época em que o homem ainda era pouco material, ainda descansando como um ser etérico-espiritual no útero da Divindade. Então, antecipando a posterior ‘Madona Sistina’, temos a representação egípcia de outra forma feminina: Ísis com o filho Hórus. Aí vemos como o que nasce das nuvens, isto é, do Espírito, se adensou no cálice, naquilo que representa o ser humano desenvolvendo-se no futuro.
Com suprema pureza e delicadeza, Raphael deu forma a esse mistério em seu retrato da Madona. O ser humano se cristaliza na cabeça dos anjos e, por sua vez, dá à luz Jesus de Nazaré, a flor na qual a Semente do Cristo deve ser recebida. Toda a história da evolução da humanidade está contida da maneira mais maravilhosa nesta imagem da Madonna. Não é de admirar que, enquanto ele estava diante de Nossa Senhora, tenha surgido naquele cujas palavras ouvimos hoje, a gloriosa lembrança da encarnação da qual sua última encarnação foi novamente uma lembrança, e que trouxe à vida dentro de si todo o insight sublime que este mistério retratado da humanidade poderia despertar; não é de se admirar que esses sentimentos fluíram para o ser de quem Cristo nasceu,
E assim vemos como no supremamente talentoso Novalis, os sentimentos livres de todo preconceito denominacional ganham vida ao retratar este santo Mistério que foi decretado no primeiro Natal e se repete em cada Natal. É o Mistério dos antigos Iniciados, representados pelos Magos, trazendo suas oferendas ao novo Mistério. Os Reis Magos, que são portadores da sabedoria de tempos passados, fazem suas oferendas àquilo que deve avançar para o futuro, aquilo que, em um ser humano, um dia abrigará o poder pelo qual todos os mundos conectados com a Terra estão impregnados.
Novalis experimentou o mistério de Cristo, o mistério de Maria, em relação ao mistério cósmico, cuja luz brilhou diante de seus olhos da alma como brilhava no primeiro Natal, quando os seres que não haviam descido ao plano físico proclamaram a união entre uma força cósmica e terrestre, que pode tornar-se realidade nos corações humanos e no próprio Cosmos quando o coração humano se une a Cristo. A proclamação egípcia: ‘O Deus com o qual você deve estar unido, mora no mundo que só pode ser alcançado após a morte’, não é mais válida. Pois agora o Deus com o qual o homem deve estar unido vive entre nós aqui, entre o nascimento e a morte; e os homens podem encontrá-Lo quando unem seus corações e almas a Ele neste mundo. Assim, na primeira Noite Santa da Cristandade, a tensão ressoou:
Revelação pelas alturas a Deus,
paz e tranquilidade pela terra,
bem-aventurança nas pessoas.
Revelação nas alturas a Deus,
Silêncio e paz por toda a Terra,
Bendita alegria nos Homens. [ 1 ]
Poemas de Novalis (‘Marienlieder’) foram recitados por Marie von Sivers (Marie Steiner) no final desta palestra.
Rudolf Steiner – GA 108, Berlin, 22 de dezembro de 1908
GA 98 – Colônia, 7 de junho de 1908, Leitura:
A VERDADE DOS GNOMOS, ONDINAS, SILFOS E SALAMANDRAS
Em diversas ocasiões já foi dada a ênfase, que aquele desenvolvimento espiritual que é almejado pelo movimento cientifico-espiritual, tem que cevar o homem a um relacionamento vivo com todo o mundo ambiente. Muitas coisas do mundo ambiente que ainda preenchiam nossos antepassados com devoção, se tornaram mortas e sóbrias para o homem. Por ex. um grande número de pessoas se confronta com as festas anuais de forma fria e estranha. Principalmente as pessoas citadinas têm apenas uma vaga lembrança do significado das festas de natal, páscoa ou pentecostes.
Aquele grande preenchimento de sentimentos que unia nossos antepassados às épocas das festas, que tinham, por saberem do relacionamento entre os grandes fatos do mundo espiritual, a humanidade de hoje não tem mais. De forma fria e sombria, os homens de hoje se situam perante a festa natalina, a festa pascoal, e principalmente perante a festa pentecostal. O fluir do espírito vindo de cima se tornou um acontecimento abstrato para a humanidade de hoje. Mas isto só vai se modificar, vai se tornar vida e verdade, quando os homens chegarem a um reconhecimento verdadeiro espiritual do Mundo todo.
Hoje em dia fala-se muito em forças da natureza, mas fala-se muito pouco sobre seres que se situam por detrás das forças da natureza. Quando se fala de seres da natureza, o homem atual fala de um requentamento de uma superstição antiga. Aquelas palavras que nossos antepassados usavam baseando-se sobre uma realidade quando alguém afirma que gnomos, ondinas, silfos e salamandras têm um significado real, – são todas como superstição. As teorias representações que as pessoas têm, são até certo grau, sem importância. Mas quando estas pessoas são induzidas por estas teorias a não ver certas coisas, e aplicam estas teorias na vida prática, então a coisa começa a assumir sua importância plena.
Vamos pegar um exemplo grotesco. Quem é que acredita em seres que têm existência ligada ao ar ou são incorporados na água? Se por exemplo alguém diz: ”Nossos antepassados acreditavam em certos seres, em gnomos, ondinas, silfos e salamandras, mas tudo isto são coisas fantasiosas.” Gostaria de responder: “Pergunte às abelhas.” E se estas teriam condições de falar, responderiam: “Para nós os silfos não são superstição, porque sabemos muito bem o que devemos aos silfos!” e aquele cujo olhar espiritual está aberto, pode seguir a força que leva a abelha até a flor. Instinto, impulso natural, são palavras vazias que os homens usam como resposta. São seres, que levam as abelhas ao cálice da flor para que possam procurar lá seu alimento. Em toda a colméia que sai a procura de alimento, estão ativos seres que eram denominados por nossos antepassados de silfos.
Em todo lugar onde diferentes reinos da natureza se tocam, é oferecida uma situação onde certos seres se podem revelar. Por exemplo, na profundeza da terra onde a pedra se toca com os veios de metal, estão assentados estes seres. Onde o animal e o vegetal se tocam, na corola das flores, no tocar da abelha com a flor, se incorporam certos seres, e o mesmo se dá onde o homem se toca com o reino animal. Isto não acontece num tocar comum, quando por exemplo o matador mata o gado ou quando o homem come a carne do animal, não é no decorrer normal da vida que esta situação é criada.
E no acontecimento fora do normal (superficial?) como na abelha e a flor que se tocam os reinos dentro de um excesso de vida, que estes seres se incorporam. Em especial lá onde o sentimento do homem, seu intelecto, se engajam de forma especial no convívio com os animais, como por exemplo no relacionamento do pastor com suas ovelhas, num relacionamento através do sentir é que tais seres se incorporam.
Tais relacionamentos mais íntimos entre o homem e o animal, vamos encontrar com mais freqüência quando retrocedemos aos velhos tempos. Nas épocas das culturas primitivas encontramos com mais freqüência um tal relacionamento como o árabe tem com seu cavalo, não como o dono de um haras o tem com seus cavalos. Aqui encontramos as formas de índole que fluem de reino para reino, assim como o é o pastor e suas ovelhas. Ou onde são desenvolvidas forças de olfato e paladar que interagem como na abelha e a flor, é criada a possibilidade para que seres específicos se possam incorporar. Quando a abelha suga na flor, o clarividente observa como se forma uma pequena aura em torno da flor. Isto é o efeito do paladar, pois a picada da abelha no cálice da flor se tornou uma certa forma de paladar, – a abelha sente o gosto – e irradia em torno da flor algo como uma ura que é o alimento para seres da categoria dos silfos. Da mesma forma, o elemento do sentimento que surge entre pastor e ovelhas, é alimento para salamandras.
Esta pergunta, por exemplo, não é válida para aqueles que compreendem o mundo espiritual. Porque é que os seres se apresentam só aqui e não em outro lugar? Não devemos perguntar pela origem, pois esta reside no cosmos, mas quando se apresenta uma situação que lhes sirva de alimento, então estes seres se mostram presentes. Os maus pensamentos que são exalados por homens, por exemplo, atraem seres maus para dentro da aura do homem, onde encontramos seu alimento. Desta forma, certos seres se incorporam em sua aura.
Em todo lugar onde dois reinos se tocam é dada a oportunidade para que certos seres se incorporem. Onde o metal se amalga à pedra, no interior da terra, o vidente vê vários lugares, onde o mineiro corta o reino da terra, seres acocorados e exprimidos num monte, dentro de um espaço muito apertado. Quando a terra é retirada, eles se dispersam, chispam para fora, desfazendo o monte. São seres estranhos que têm por exemplo certa aparência com o homem. Eles não têm um corpo físico, mas têm um intelecto. Só que a diferença entre estes seres e o homem está no fato deles terem um intelecto sem senso de responsabilidade. Por isto eles também não têm o sentimento de estarem errados ao pregarem uma peça ao homem.
Estes seres chamam-se gnomos, e um grande número deles, de diferentes espécies, se hospedam na terra, estando em casa lá onde a pedra toca o metal. Nas minas antigas eles foram muito servis dos homens, não nas minas de carvão, mas nas minas de minérios. A mineira que na antiguidade as minas eram construídas, o conhecimento de como se situam as camadas, eram adquiridos por intermédio destes seres. Estes seres conheciam os melhores veios, sabiam de como se situavam as diversas camadas no interior da terra e portanto podiam das as melhores indicações para a forma de trabalhar. Se não quisermos trabalhar em conjunto com estes seres espirituais, só nos apoiamos sobre o sensorial, acabaremos entrando num beco sem saída. É necessário que se aprenda destes seres espirituais um método certo para se pesquisar a terra.
Da mesma forma, existe uma incorporação nas minas de água. Onde a pedra toca a fonte, se incorporam seres que estão ligados ao elemento água, as ondinas. Lá onde o animal e a flor se tocam, os silfos estão atuando. Os silfos são ligados ao elemento ar e guiam as abelhas para as flores. E graças às tradições antigas que temos quase todos os conhecimentos sobre a apicultura, e é justamente na apicultura que podemos aprender muito deles. O que existe hoje na ciência sobre abelhas, é permeado por um equívoco total, e é por esse motivo que a velha sabedoria que se manteve através de tradições é deturpada. Aqui a ciência se mostra como algo inapta. São de utilidade, os manuseios cujas origens são desconhecidas, porque naquela época o homem era guiado pelas indicações de seres espirituais.
As salamandras são conhecidas também pelo homem atual, pois quando alguém diz: “Alguma coisa flui para mim, eu não sei de onde” então isto é geralmente a atuação das salamandras.
Quando o homem tem um relacionamento íntimo com os animais como o pastor com suas ovelhas, então lhe são sussurrados os conhecimentos por seres que vivem em seu meio ambiente. O conhecimento do pastor sobre seu rebanho e suas ovelhas lhe foi sussurrados pelas salamandras do seu meio ambiente. Estes velhos conhecimentos sumiram hoje em dia e devem ser readquiridos por um conhecimento oculto bem examinado.
Se continuarmos raciocinando nesta linha de pensamentos, então temos que nos dizer: Somos totalmente envolvidos por seres espirituais. Andamos através do ar, e isto não é apenas uma substância química, porém cada brisa de ar, cada corrente de ar é uma revelação de seres espirituais. Somos envoltos e totalmente permeados por estes seres espirituais, e se o homem não quiser vivenciar no futuro um destino triste e ressecante terá que adquirir um conhecimento daquilo que vive em seu redor. Sem este conhecimento ele não poderá mais chegar muito longe. O homem tem que se perguntar de onde se originam estes seres e de onde provêm estes seres.
Esta pergunta nos leva a um conhecimento muito importante e para termos uma opinião a respeito, temos que (nos) esclarecer como se desenrolam certos fatos em mundos superiores, onde por determinadas forças, aquilo que é prejudicial e mal é transformado para o bem por uma direção sábia.
Vamos pegar, por exemplo, restos, esterco que é jogado e aproveitado sabiamente pela economia como base para a germinação posterior. Coisas que aparentemente se desligaram de algo mais evoluído, são abarcadas e transformadas por forças superiores. Isto se mostra claramente nos seres dos quais falamos, e o (re) conhecemos de forma especial quando pesquisamos a origem destes seres.
Como surgem estes seres salamandras? Vamos pesquisá-lo agora. Salamandras são seres que necessitam um determinado relacionamento entre homens e animais, que não têm um Eu assim como os homens. Um Eu destes só existe na Terra, no homem atual. Estes Eus humanos são assim, que cada homem tem um Eu inserido em si. Nos animais é diferente. Os animais têm um Eu grupal, uma alma grupal. O que significa isto? Um grupo de animais da mesma forma, da mesma espécie tem um Eu conjunto. Por exemplo, todos os leões têm um Eu comum, todos os tigres, todos os
Lúcios (peixe-hecht).
Os animais têm o seu Eu no mundo astral. É assim, como se o homem estivesse atrás de uma parede com dez furos e enfiasse seus dez dedos nestes furos. O homem portanto não é visível, mas qualquer pessoa capaz de raciocinar, irá deduzir que ali atrás existe um poder central ao qual pertencem estes dez dedos. É a mesma coisa com o Eu grupal.
Os animais individuais são apenas membros e aquilo ao que pertencem, está no mundo astral. Estes Eus animais não são parecidos ao homem, apesar que podem ser comparados de um ponto de vista espiritual, porque um Eu grupal de um animal é um ser muito, muito sábio. O homem com sua alma individual está muito distante desta sabedoria. É só pensar em certas espécies de aves. Quão grande sabedoria é esta que as faz voar numa determinada altura para uma determinada direção, para fugir do inverno, na primavera elas voltam ao mesmo lugar por outro caminho. Neste vôo das aves reconhecemos as forças sábias do Eu grupal. Podemos encontrá-la em toda a parte no reino animal.
Os homens são bastante mesquinhos sob este aspecto, quando observamos a evolução humana. Lembremo-nos da época escolar, quando aprendemos quão lentamente surgiram na idade média às correntes desta época nova. É certo que a idade média nos pode mostrar coisas significativas, como o descobrimento da América, a descoberta da pólvora, a arte da imprensa e finalmente também o papel (de linho). Certamente foi uma grande evolução em se poder usar este produto no lugar do pergaminho. Mas a alma grupal das vespas já produziu o mesmo a milênios, pois a casa das vespas é feita do mesmo material com que o homem produz o papel; é composto por papel.
O homem só vai descobrir lentamente como certas combinações que ele faz em seu espírito têm relação com aquilo que as almas grupais já trouxeram para dentro do Mundo.
As almas grupais estão em constante movimento. O vidente vê acompanhando a espinha dorsal do animal, um flamejar constante. A medula espinal é como que envolta por um luzir flamejante. Os animais são permeados por correntes que passam por toda a terra em todas as direções, em número infinito e que atuam sobre o animal ao refluir em torno da medula espinal. Estas almas grupais dos animais estão sempre em movimentos circulares em todas as direções e alturas. As almas grupais são muito sábias, mas uma coisa lhes falta, é aquilo que na terra é denominado de amor. O amor só existe no homem unido à sabedoria dentro de sua individualidade.
A alma grupal é sábia, mas o amor só existe no animal individual como amor sexual e amor paternal. No animal individual há o amor, mas a ordem sábia, a sabedoria do Eu grupal ainda é isenta do amor. O homem tem o amor e a sabedoria unidos, enquanto que o animal tem o amor na existência física e a sabedoria no plano astral. Com este reconhecimento vão se tornar claras para o homem muitas coisas.
O homem, porém, chegou muito lentamente ao seu Eu atual. Antigamente o homem também tinha um Eu grupal e só paulatinamente a alma individual se desenvolveu a partir dele. Vamos percorrer uma vez a evolução da humanidade retroativamente até a antiga Atlântida. Antigamente o homem vivia na Atlântida, um continente que agora está encoberto pelo Oceano Atlântico. Naquela época as grandes planícies da Sibéria eram cobertos por grandes mares. O Mar Mediterrâneo era distribuído de forma bem diferente naquela época. Também em nossas regiões européias existiam vastos mares. Quanto mais retrocedermos na época atlântica, tanto mais se modificam a situação do estado de vigília e do estado de sono do homem.
Atualmente, quando o homem dorme, fica sobre a cama o corpo físico com o corpo etérico. O corpo astral e o Eu se desprendem, a consciência escurece, tudo fica escuro e mudo. Na época da Atlântica a diferença ainda não era tão grande. No estado desperto, o homem ainda não via delimitações tão compactas, margens tão definidas cores tão ligadas aos objetos. Quando acordava de manhã ele entrava como numa neblina. Não havia uma nitidez mais clara do que temos hoje, quando vemos através da neblina uma luz com sua aura. Em compensação, sua consciência não se obscurecia tanto no sono e ele via as coisas espirituais.
No desenvolvimento do homem, o mundo físico foi adquirindo sempre mais contornos, mas em compensação o homem foi perdendo sua clarividência. A diferenciação foi se tornando cada vez maior. Lá em cima, no mundo espiritual foi ficando cada vez mais escuro e em baixo no mundo físico cada vez mais claro. Daquela época, em que o homem ainda tinha percepção lá em cima, no mundo astral, é que se originam todos os mitos e sagas. Quando ele chegava lá em cima, ao mundo espiritual, chegava a conhecer Votan, Tor, Baldur e Loki e mais seres que ainda não haviam descido ao plano físico. Eram estas as vivências de antigamente, e todos os mitos são lembranças de verdades vivas.
Todas as mitologias são tais lembranças. Estas verdades simplesmente se perderam para o homem. quando naquela época o homem imergia de manhã em seu corpo físico, tinha o seguinte sentimento: Você é um solitário, um único, – mas quando de noite voltava ao mundo espiritual era assolado pelo pensamento: – Você não é um solitário, você apenas é um membro de um grande todo, você pertence a uma grande comunidade.
Tácito ainda conta, que os povos antigos, os hérules, os queruscos, se sentiam mais como uma tribo do que como homens individuais. É deste sentimento, de que o indivíduo pertence ao grupo tribal, se contava como pertencente à sociedade grupal, que se originam certos hábitos como a vingança mortal. Tudo era um corpo que pertencia a alma grupal da tribo. Na evolução tudo acontece gradativamente. Desta consciência grupal, tribal absoluta, foi se desenvolvendo gradativamente a consciência individual.
Também nos relatos das épocas patriarcais, ainda temos restos da transição da alma grupal para a alma individual. Antes da época de Noé, a memória era bem diferente. Ela atingia os atos feitos pelo pai, pelo avô, pelo bisavô. O limiar do nascimento não era um limite. A memória continuava fluindo no mesmo sangue até gerações longínquas dos antepassados. Hoje as autoridades querem saber o nome do indivíduo. Naquela época em que o homem ainda tinha na memória os feitos de seu pai, seu avô, tudo era unido em um único nome comum. O que naquela época tinha uma correlação pelo mesmo sangue e da mesma memória era denominado como uma unidade. Chamava-se isto de “Adão” ou “Noé”. Nomes como Adão e Noé não significam uma vida entre nascimento e morte de uma pessoa, mas sim uma corrente de memórias que viviam no tempo. Os nomes antigos abrangem toda uma comunidade humana que vive num espaço de tempo.
Como é então, se nós compararmos certos seres como os macacos primatas com o homem? A grande diferença é que o macaco tem uma alma grupal e o homem uma alma individual, ou pelo menos a tendência para a desenvolver. A alma grupal dos macacos se encontra numa situação especial.
Imaginemo-nos a terra (é feito um desenho). Acima, no mundo astral flutuam, como nuvem, as almas grupais dos animais que se espalham por nosso mundo físico. Peguemos o Eu grupal do leão e o Eu grupal do macaco. Cada leão é um membro dentro do qual a alma grupal deixa fluir parte de sua substância. Quando morre um leão, o físico exterior se desprende da alma grupal, como uma unha do ser humano. A alma grupal busca de volta o que tinha deixado fluir para dentro dele e o dá para um leão recém-nascido. a alma grupal fica lá em cima e estende para baixo tentáculos que se solidificam no físico, depois se desprendem e são repostos.
Por esse motivo, a alma grupal não conhece nascimento e morte. Cada animal é algo que se desprende e nasce, mas a alma grupal não é tocada por vida ou morte. Para os leões é assim, que cada vez que um leão morre, todo o que foi enviado pela alma grupal volta a ela. Mas com o macaco não é bem assim. Existem alguns animais que arrancam algo da alma grupal, que depois não volta mais. Quando um macaco morre, uma parte essencial volta para a alma grupal, mas uma parte é desprendida dela. O macaco solidifica demais aquilo que é enviado, e quando ele morre, uma parte se desprende da alma grupal, de forma que uma parte se desliga dela e não volta mais. Desta forma acontecem desprendimentos da alma grupal. Em todas as espécies de macacos acontecem desprendimentos da alma grupal.
Da forma idêntica, encontramos estes mesmos fatos em alguns anfíbios, em certas espécies de aves e de forma bem marcante nos cangurus. Através destes desligamentos, fica uma sombra de substância da alma grupal, e aquilo que sobra dos animais de sangue quente, desta forma se torna um ser elementar, um espírito da natureza, a salamandra. Estes seres elementares, estes espíritos da natureza, são portanto resíduos, produtos residuais, desligados de mundos superiores, que são empregados por entidades superiores. Se ficassem sem direção iriam perturbar o cosmos. Desta forma a sabedoria suprema dirige por exemplo os silfos para que guiem as abelhas para as flores. Assim o grande exército dos seres elementares está sob a elevada direção sábia para transformar suas atividades maléficas em atividades produtivas.
É assim que as coisas acontecem nos reinos que estão abaixo dos homens. Não pode acontecer também que o próprio homem desliga de sua alma grupal e não tem possibilidade de continuar se desenvolvendo como alma individual, pois enquanto era membro de sua alma grupal, era guiado e dirigido por seres mais elevados, e posteriormente é entregue à sua própria direção. Se o homem não absorve determinados conhecimentos espirituais, ele corre o perigo de se desligar. E isto sussita uma questão.
O que é então que preserva o homem do desligamento, do estar perdido sem direção e rumo, enquanto que antigamente lhe era dado a direção pela alma grupal espiritual? Tem que nos ficar claro que o homem tende a individualizar cada vez mais, e que no futuro ele terá que encontrar, cada vez mais, voluntariamente, a união com outras pessoas. Antigamente o relacionamento existia através da consangüinidade, através de tribos e raças. Mas esta ligação está se desfazendo cada vez mais. Tudo no homem vai em direção de torná-lo um homem individual. Agora só é possível andarmos um caminho contrário. Imaginem-se um número de pessoas sobre a terra, que se dizem: Nós vamos trilhar os nossos próprios caminhos, queremos encontrar a direção e a meta do caminho em nosso interior, estamos todos a caminho de nos tornarmos homens individuais. – Aqui reside o perigo da desunião (dispersão).
Agora os homens já nem mais aturam coesões (uniões, fusões) espirituais. Hoje já vamos tão longe, que cada um tem sua religião própria, e coloca sua opinião como o ideal mais elevado. Mas se os homens interiorizam seus ideais, serão levados a um consenso, a uma opinião comum. Reconhecemos interiormente que 3X3=9, ou que a soma dos três ângulos de um triângulo é igual a 180º. Isto é um reconhecimento interior. Não é necessário fazer julgamento sobre reconhecimentos interiores, não existem divergências de opiniões sobre reconhecimentos interiores, eles levam à união. Todas as verdades espirituais são desta espécie. O que é ensinado ao homem pela ciência espiritual, ele encontrará através de suas forças interiores e estas o levarão para a concórdia, para a paz e a harmonia. Não existem duas opiniões sobre uma verdade sem que uma esteja errada. O ideal é a interiorização máxima que leva em direção à (união) concórdia, à paz.
Primeiro existia uma alma grupal. Depois, a humanidade no passado foi liberada (superou) da alma de grupo/grupal. Mas para o futuro da evolução humana é necessário propor uma meta definida, a qual ela persegue. Quando homens se unem em sabedoria superior, então desce dos mundos superiores novamente uma alma grupal – se das comunidades naturalmente ligadas surgem comunidades livres. O que é desejado pelos dirigentes do movimento da ciência espiritual, é que nele encontremos uma sociedade, na qual os corações fiquem em direção à sabedoria, assim como as plantas anseiam pela luz do sol. Onde a verdade comum une os diversos Eus, damos oportunidade à alma grupal à descida. Nós criamos, de certa forma o berço, o ambiente no qual a alma grupal pode-se encarnar. Os homens enriquecerão a vida terrena ao desenvolver algo, que permita a descida de entidades espirituais de mundos mais elevados. Esta é a meta do movimento da ciência espiritual.
Tudo isto foi colocado uma vez de forma imponente, poderosa diante a humanidade, para mostrar que o homem sem este ideal espiritualmente vivo, passaria para outra circunstância (relação): é um símbolo, que pode mostrar ao homem, com força imponente, como a humanidade pode encontrar o caminho, como pode oferecer, dentro de uma comunhão anímica ao espírito comum, um local para se incorporar. Este símbolo nos é apresentado na comunidade pentecostal, onde no sentimento comum de profundo amor e na entrega devota ao ato comum. Ali tem um grupo de homens cujas almas ainda atrepidavam por um acontecimento emocionante (abalador), da forma que em todos vivia a mesma coisa. Por confluência deste sentimento unitário, eles ofereceram aquilo, no qual algo superior, uma alma comum, se pudesse incorporar. Isto é mencionado naquelas palavras que dizem, que o ESPIRITO SANTO, a alma grupal, desceu e se dividiu como línguas flamejantes. Este é o grande símbolo para a humanidade do futuro.
Se o homem não tivesse encontrado esta conexão, passaria ao ser elementar, agora a humanidade deve encontrar um lugar para os seres que se inclinam de mundos superiores. No acontecimento pascoal foi dado ao homem a força para que possa assimilar em si (captar) representações (imaginações) tão poderosas e se dirigir (ambicionar, espirar) em direção a UM espírito. A festa pentecostal é o fruto do desenvolvimento desta força.
Sempre deverá se concretizar, através do confluir das almas em direção à sabedoria em comum, aquilo que efetua um relacionamento vivo com forças e seres do mundo superior e para aquilo que ainda tão pouca importância tem para o homem, como a festa pentecostal. Através da ciência espiritual isto poderá ser compreendido dentro da devida importância de novo para a humanidade. Quando os homens souberem o que significa para o futuro da humanidade a descida do Espírito Santo, então a festa pentecostal viverá novamente. Será então não só uma lembrança daquele acontecimento em Jerusalém, mas surgirá para o homem aquela permanente FESTA PENTECOSTAL DO CONFLUIR ANÍMICO (festa pentecostal do confluir do anímico). Será um símbolo para a grande comunidade pentecostal de então (no futuro, daquela época), quando a humanidade se encontrar numa verdade comum, para dar a oportunidade de incorporação de entidades superiores. Dependerá do próprio homem quão valorosas será a terra no futuro e quão eficazes tais ideais poderão ser para o homem. Se a humanidade almeja nesta forma correta a sabedoria, então espíritos superiores se unirão/ligarão ao homem.
Rudolf Steiner – GA 98 – Colônia, 7 de junho de 1908
REPRESENTAÇÕES DO PASSADO
Enquanto forma representações mentais, o homem não vive com sua alma da consciência, em algo que tem existência real, mas sim, numa existência de imagem ou seja, na não existência. Isso o liberta de uma convivência com o cosmo. Imagens não coagem. Só coage o que tem existência real. Se o homem, não obstante, deixa se determinar por imagens, ele não o faz por depender delas, mas em completa liberdade do mundo.
No momento em que forma representações desse tipo, o homem só está ligado com a existência do mundo por meio daquilo que veio a ser, a partir do passado das suas vidas terrestres anteriores e das suas existências entre a morte e o novo nascimento.
Esse salto por cima da não existência frente ao cosmo, o homem só pode dá lo graças à atividade de Micael e ao impulso do Cristo.
Rudolf Steiner – 22/02/1925
ONDE SE ENCONTRA O HOMEM COMO SER QUE PENSA E SE RECORDA
Com o representar (pensar) e a vivência de recordações, o homem se encontra dentro do mundo físico. Mas para onde quer que ele dirija o olhar neste mundo físico, com seus sentidos, não encontrará, em lugar algum, nada que lhe pudesse dar as forças para representar e recordar.
No representar aparece a auto-consciência. Esta, no sentido das abordagens precedentes, é uma conquista que o homem tem pelas forças do terrestre. Mas estas forças terrestres são tais que permanecem ocultas à visão sensorial. É certo que o homem, na vida terrena, só pensa o que seus sentidos lhe transmitem; mas nada de tudo que ele assim pensa, lhe dá a força para o pensar.
Onde se encontra essa força que forma o representar (pensar) e as imagens de recordação a partir do terrestre?
Ela pode ser encontrada quando se dirige o olhar espiritual para o que o homem traz consigo das vidas terrestres anteriores. A consciência habitual não conhece isto. Inicialmente vive inconscientemente no homem. Mas, quando o homem chega à Terra após a existência espiritual, mostra-se afim com aquelas forças terrestres que não caem no âmbito de observação sensorial e pensar sensorial.
0 homem não se encontra neste âmbito com o representar (pensar), mas com o querer, que se desenrola no sentido do destino.
Considerando que a Terra contém forças que caem fora do âmbito sensorial, pode se falar da “Terra espiritual” como polo contrário à física. Então resulta que o homem vive, como ser volitivo, dentro e com a “Terra espiritual”, mas que ele como ser que representa (pensante) está dentro da Terra física, mas que não vive como tal com ela.
0 homem como ser pensante traz forças do mundo espiritual ao físico; mas com estas forças ele permanece ser espiritual que apenas aparece no mundo físico, porém não entra em nenhuma comunidade com ele.
Durante a existência terrestre o homem que representa (pensante) só entra em comunidade com a “Terra espiritual” e, a partir desta comunidade, cresce lhe sua auto-consciência.
Seu surgimento se dá, portanto, graças a tais processos que se desenrolam como espirituais na vida terrena com o homem.
Ao se abarcar com a visão espiritual o que aqui se descreve, tem se o “eu humano” diante desta visão.
Com as vivências de recordação chega se ao âmbito do corpo astral humano. No recordar não afluem, meramente como no representar (pensar), os resultados de vidas terrestres anteriores para dentro do eu atual, mas, para o seu interior, afluem às forças do mundo espiritual, que o homem vivência entre morte e novo nascimento. Este afluir acontece no corpo astral.
Contudo, tampouco há dentro da Terra física algum âmbito para a acolhida direta das forças assim afluentes. Enquanto ser que se recorda, o homem tampouco pode se ligar com as coisas e processos percebidos por seus sentidos, como consegue se ligar a estes enquanto ser que representa.
Porém, ele entra em comunidade com o que não é físico, mas transforma o físico em processos, em acontecimentos. São estes processos rítmicos na vida humana e da natureza. Na natureza alternam se ritmicamente dia e noite, estações do ano seguem se ritmicamente, e assim por diante. No homem, a respiração e a circulação do sangue sucedem em ritmo. Também assim se processa a alternância de sono e vigília e assim por diante.
Os processos rítmicos não são físicos nem na natureza nem no homem. Poder se iam chamá los semi espirituais. 0 físico desaparece como coisa no processo rítmico. No recordar, o homem está colocado com seu ser em seu ritmo e no da natureza. Ele vive em seu corpo astral.
A ioga hindu quer abrir se totalmente à vivência do ritmo. Quer abandonar o âmbito do representar, do eu, e em uma vivência interna, semelhante ao recordar, quer olhar para o mundo que se encontra por trás do que a consciência habitual pode conhecer.
A vida espiritual ocidental não pode reprimir o eu para o processo cognitivo. Deve aproximar o eu da percepção do espiritual.
Não pode acontecer que se vivencie no ritmo apenas o tornar se semi-espiritual do físico, quando se for penetrando do mundo sensorial ao mundo rítmico. Deve se encontrar a esfera do mundo espiritual que se revela no ritmo.
Portanto, duas coisas são possíveis. Primeiro: vivenciar o físico no rítmico, como este físico se torna semi espiritual. Este é um caminho mais antigo, que hoje não se trilha mais. Segundo: Vivenciar o mundo espiritual que tem o ritmo cósmico dentro e fora do homem tão dentro de sua esfera como o homem tem o mundo terrestre com seus seres e processos físicos.
A este mundo espiritual pertence tudo que acontece através de Micael no momento cósmico atual. Um espírito como Micael traz aquilo que se encontraria no âmbito luciférico para o âmbito da evolução puramente humana que não é influenciado por Lúcifer ao escolher o mundo rítmico como sua morada.
Tudo isso pode ser visto quando o homem penetra na imaginação. Pois, com a imaginação, a alma vive no ritmo; e o mundo de Micael é aquele que se revela no ritmo.
Recordação, memória já se encontra dentro deste mundo, mas ainda não profundamente. A consciência habitual não vivência nada disto. Porém, ao se penetrar na imaginação, do mundo do ritmo sobressai, inicialmente, o mundo das recordações subjetivas; mas este passa logo às imagens primordiais, viventes no etérico, criadas pelo mundo divino espiritual para o mundo físico. Vivência o éter luzente em imagens cósmicas, que guarda em si a criação do mundo. E as forças solares que urdem neste éter não irradiam meramente ali, desencantam da luz imagens primordiais do universo. 0 Sol aparece como o pintor cósmico do mundo. Ele é a contra imagem cósmica dos impulsos que pintam no homem as imagens da representação (do pensar).
Rudolf Steiner – Goetheanum, janeiro de 1925
O PENSAR E O RECORDAR
Na verdade, como ser pensante o homem vive no âmbito da Terra física; porém ele não entra em comunhão com esta. Como ser espiritual, ele vive de modo a perceber o físico; mas ele recebe as forças para pensar da “Terra Espiritual” do mesmo modo como vivência o destino no resultado das vidas terrenas precedentes.
O que é vivenciado na recordação (na memória), já está no mundo onde no ritmo o físico se torna semi espiritual e onde se desenrolam processos espirituais como aqueles que acontecem através de Micael no momento cósmico atual.
Quem vem a conhecer corretamente o pensar e a recordação, a ele se descerra à compreensão de como o homem vive dentro do âmbito da Terra como ser terrestre, mas não penetra completamente neste âmbito com seu ser, porém, como ser extra terreno, através da comunhão com a “Terra espiritual”, busca sua auto-consciência como sendo a perfeição do eu.
Rudolf Steiner – 01/03/1925
O HOMEM EM SUA ESSÊNCIA MACROCÓSMICA
O cosmo revela-se ao homem inicialmente do lado da Terra e do lado do mundo extra terrestre, do mundo das estrelas.
O homem se sente aparentado com a Terra e suas forças. A própria vida instrui-o claramente a respeito desse parentesco.
O homem não sente, na era atual, igual parentesco para com o mundo das estrelas. Mas isso dura apenas enquanto não tem consciência de seu corpo etérico. Apreender este por meio de imaginações equivale a desenvolver uma sensação de comunhão com o mundo das estrelas, da mesma forma que se recebe da Terra a consciência do corpo físico.
As forças que colocam o corpo etérico no mundo, provém da periferia do mundo, assim como as relativas ao corpo físico, irradiam do centro da Terra.
Mas junto com as forças etéricas que fluem da periferia do cosmo para a Terra, vêm também os impulsos cósmicos que atuam no corpo astral.
O éter é como um oceano sobre o qual flutuam de todas as direções às forças astrais em direção a Terra.
Na era cósmica atual, só os reinos mineral e vegetal podem relacionar se diretamente com o astral que flui à Terra sobre as ondas do éter. Os reinos animal e humano não o podem.
A visão espiritual revela, quanto ao reino animal, que não atua, durante o período embrional, o astral que atualmente flui à Terra, mas aquele que fluiu na época da antiga Lua.
Quanto ao reino vegetal, suas maravilhosas e inúmeras formas têm sua origem no astral que se separa do éter e atua em todo o mundo das plantas.
No mundo animal revela se como o astral que atuava na antiga Lua ficou conservado espiritualmente; permaneceu no mundo espiritual e não passou ao mundo etérico.
São também as forças lunares que transmitem a atuação desses impulsos astrais; elas também são um resto da encarnação da Terra.
Atuam, pois, no reino animal impulsos que se manifestavam exteriormente, como algo natural, no ciclo anterior da Terra, enquanto se retiraram, na era atual, para o mundo espiritual que atua sobre a Terra permeando a.
A visão espiritual constata, com referência ao reino animal, que só as forças astrais conservadas do passado são relevantes, na era presente, para permear os corpos físico e etérico com o corpo astral. Uma vez formado o corpo astral, os impulsos solares passam a atuar sobre ele. As forças solares não podem doar ao animal nada de astral; mas têm de promover o crescimento, a alimentação etc. depois que esse astral veio a morar no animal.
A situação é diferente no que se refere ao reino humano. Originalmente, este também recebe sua astralidade das forças lunares conservadas. Contudo, as forças solares contém impulsos astrais que não atuam sobre os animais, mas continuam atuando na astralidade humana da mesma forma como fizeram as forças lunares quando começaram a permear o homem com astralidade.
Vemos no corpo astral dos animais a atuação do mundo lunar; no corpo astral do homem, os mundos solar e lunar atuam em conjunto de maneira harmônica.
Esse elemento solar no corpo astral é a causa pela qual o homem pode usar o espiritual que irradia da Terra, para formar sua auto-consciência. 0 astral flui da periferia do universo. Atua como algo que flui no presente, ou como algo que fluiu no passado e ficou conservado. Mas tudo que se refere à formação do Eu como suporte da auto-consciência deve irradiar de um centro estelar. 0 astral atua a partir da periferia, aquilo que se refere a um Eu, a partir de um centro. A Terra, como estrela, impulsiona a partir de seu centro o Eu humano. Toda estrela irradia do seu centro forças que dão origem ao Eu de uma entidade qualquer.
E dessa maneira que se apresenta a polaridade entre centro estelar e periferia cósmica.
Isso explica que o reino animal é hoje o resultado de forças evolutivas passadas da Terra, que ele gasta as forças astrais conservadas e é fadado a desaparecer, quando estas tiverem sido gastas. E no homem essas forças astrais são adquiridas do Sol. Elas o capacitam para levar sua evolução adiante, ao futuro.
Como se vê, a essência do homem não pode ser compreendida se não for discernida sua relação com o mundo das estrelas da mesma forma como aquela com a Terra.
Tudo aquilo que o homem recebe da Terra para desenvolver sua auto-consciência, também provém do mundo espiritual, que atua no âmbito da Terra. 0 fato de o homem receber do Sol aquilo do qual necessita para seu corpo astral, decorre de influências ocorridas durante o ciclo do antigo Sol. Ai a Terra adquiriu capacidade de desenvolver os impulsos referentes ao Eu da humanidade. É o elemento espiritual daquela época que a Terra conserva do Sol; a influência solar atual o preserva contra a morte.
A própria Terra era outrora um Sol. Ela espiritualizou se e na época cósmica atual, o elemento solar atua de fora, rejuvenescendo constantemente o elemento espiritual que ficou do passado e tende a envelhecer. Ao mesmo tempo, o elemento solar presente impede o elemento solar anterior de cair na esfera de Lúcifer. Pois tudo que atua desde o passado sem ser acolhido nas forças do presente, cai no poder de Lúcifer.
Na época cósmica presente, o sentimento de sua afinidade com o cosmo extra terrestre é tão abafado no homem, que não o percebe com sua consciência normal. E não é apenas abafado, ele é superado pelo sentimento da sua afinidade com a Terra. Como ele precisa desenvolver sua auto-consciência na Terra, ele se une com ela, no inicio da era da alma da consciência, de maneira tal que a auto-consciência atua sobre ele mesmo mais fortemente do que convém para o desempenho sadio de sua vida anímica. De certa maneira, o homem é atordoado pelas impressões do mundo sensorial. Não consegue impor seu pensar livre e autônomo dentro desse atordoamento.
Toda a época a partir da metade do século XIX foi caracterizada por esse atordoamento causado pelas impressões dos sentidos. Foi a grande ilusão dessa época, de considerar como vida anímica legítima, aquela dominada, de forma excessiva, pelos sentidos. Essa vida nas impressões sensoriais tinha a tendência de abafar completamente qualquer vida no cosmo extra-terrestre.
É dentro desse atordoamento que os seres arimânicos puderam desenvolver sua atividade. Lúcifer mais do que Arimã era rechaçado pelos impulsos solares; justamente nos homens de mentalidade científica, Arimã provoca a sensação perigosa de que as idéias só podem ser aplicadas às impressões sensoriais. E por isso que a Antroposofia encontra pouca compreensão justamente nesses círculos. Os homens que a eles pertencem, ao serem confrontados com os resultados da pesquisa espiritual, procuram compreendê los com suas idéias, mas essas não são capazes de captar o espiritual, pois o vivenciar dessas pessoas é dominado pela cognição arimanizada, limitada aos sentidos. Daí o medo de se cair num autoritarismo cego, quando se admite os resultados conseguidos por aqueles que possuem a visão espiritual.
Na segunda metade do século XIX, o cosmo extra terrestre tornou se cada vez mais tenebroso para a consciência humana.
Se o homem voltar à capacidade de vivenciar as idéias, seu olhar receberá do cosmo extra terrestre uma impressão de clareza, mesmo se essas idéias não se apoiarem no mundo sensorial. Isso significa conhecer Micael em seu próprio reino.
Quando a festa de Micael for, futuramente, algo autêntico e mútuo, os homens que a celebrarão terão a sensação e a consciência deste “Leitmotiv”: a alma vivenciará a luz do espírito repleta de idéias, quando as impressões sensoriais estiverem ecoando no homem apenas como recordações.
Se for capaz de ter essa sensação, o homem poderá, depois da elevação anímica da festa, voltar a mergulhar no mundo dos sentidos de forma correta. E Arimã não lhe poderá fazer mal.
Rudolf Steiner – Goetheanum, janeiro de 1925
A COMUNHÃO DO HOMEM E DO COSMO
No início da época da alma da consciência, o sentimento de comunhão do homem com o cosmo extra terrestre ficou mais abafado. De outro lado, a vivência das impressões sensórias fez com que o sentimento de comunhão com a Terra se tornar-se tão forte justamente no homem de ciência, que constitui uma obnubilação (obscurecimento do pensamento/da consciência).
Em meio a essa obnubilação, a atuação das potências arimânicas se torna particularmente perigosa porque o homem nutre a ilusão de que a vivência excessiva e atordoadora das impressões sensórias seria legítima e constituiria um verdadeiro progresso na evolução.
O homem deverá encontrar a força para iluminar o mundo das suas idéias e vivenciá-lo iluminado, mesmo se não se apoiar, com suas idéias, no mundo atordoante dos sentidos. Através dessa vivência do mundo autônomo das idéias, iluminado em sua autonomia, o sentimento de comunhão com o cosmo extra-terrestre despertará. Disso nascerá o fundamento para futuras festas micaélicas.
Rudolf Steiner – 08/03/1925
A RELAÇÃO ENTRE A ORGANIZAÇÃO SENSORIAL E INTELECTIVA DO HOMEM E O MUNDO
Quando o homem usa a cognição imaginativa para contemplar sua própria entidade, ele se desfaz, enquanto observa, do seu sistema sensório. Para a contemplação de si mesmo, ele se torna um ser desprovido desse sistema. Não deixa de ter diante da sua alma imagens que eram anteriormente veiculadas pelos órgãos sensórios, mas cessa de se sentir ligado por eles com o mundo físico exterior. As imagens desse mundo que ele tem ante a alma, não são mais veiculadas pelos órgãos dos sentidos; demonstram, porém, de forma direta, que o homem se relaciona sensorialmente com seu ambiente natural de uma maneira diferente que prescinde dos próprios sentidos; trata se da relação com o espírito que está incorporado ao mundo ambiente natural.
Nessa maneira de considerar as coisas, o mundo físico se desprende do homem. 0 elemento terreno o deixa, e o homem não o sente mais como parte dele.
Alguém poderia pensar que a auto-consciência deve apagar se nessas condições. Isso parece ser a conseqüência das considerações precedentes que revelaram ser a auto-consciência o resultado do relacionamento do homem com a Terra. Mas não é assim. 0 que o homem conquistou pela sua ligação com o terrestre permanece, mesmo quando se liberta do elemento terreno depois dessa aquisição através de uma cognição viva.
A contemplação espiritual imaginativa que acabamos de descrever, revela que o homem não se ligou, no fundo, tão intensivamente com o sistema sensorial. Não é ele quem vive nesse sistema, mas o seu mundo ambiente. Foi este que veio a integrar, com sua essência, a organização sensorial.
Por isso, o homem dotado de visão imaginativa, considera a organização sensorial como uma porção do mundo exterior. Um pedaço de mundo exterior que está muito mais próximo dele, do que o ambiente da natureza mas, nem por isso, deixa de ser exterior. A diferença do resto do mundo ambiente é a seguinte: ele precisa da percepção sensorial para conhecê lo, enquanto mergulha em sua organização sensorial vivenciando a. A organização sensorial é um mundo exterior, mas o homem penetra nesse mundo exterior com sua atividade anímico espiritual a qual ele traz consigo ao penetrar na Terra, provindo do mundo espiritual.
Excetuando se o fato de o homem preencher sua organização sensorial com sua entidade anímico espiritual, essa organização é uma parte do mundo exterior como o é o mundo das plantas. 0 olho pertence, em última análise, ao mundo e não ao homem, assim como a rosa, percebida pelo homem, não pertence a este, mas ao mundo.
Na era que o homem acaba de atravessar no desenvolvimento cósmico, houve pessoas que, em sua busca de conhecimento, afirmaram que a cor, o som, as impressões de calor na realidade não estavam no mundo, mas no homem. A “cor vermelha”, disseram, não existiria no mundo circundante, mas seria antes, o efeito de algo desconhecido sobre o homem. Mas a verdade é o oposto dessa interpretação. Não é a cor que, juntamente com o olho, pertence ao ser humano, mas é o olho que, com a cor, pertence ao mundo. 0 homem não deixa o ambiente terrestre fluir para dentro enquanto vive; é ele que se expande em direção a esse mundo entre o nascimento e a morte.
É significativo que a interpretação correta da relação entre o homem e seu mundo ambiente, ter se virado ao contrário, no fim da era tenebrosa na qual o homem fita o mundo exterior em que vive, sem ter nem uma vaga sensação da luz do espírito.
Depois de se desprender daquele mundo exterior em que vive com sua organização sensorial, o homem dotado da cognição imaginativa vivência uma organização que produz o pensar da mesma maneira como a organização sensorial faculta a percepção sensorial de imagens.
Nessa altura, o homem se sente relacionado com o mundo exterior das estrelas pela organização do pensar, da mesma forma como antes se havia sentido relacionado com a natureza terrestre pela sua organização sensorial. Reconhece a si próprio como ser cósmico. Os pensamentos deixam de ser sombras: são imbuídos de realidade, como o eram as imagens sensoriais da percepção sensorial. Se o indivíduo chega, com sua cognição, ao nível da inspiração, ele percebe que pode se desfazer desse mundo que se apoia na organização do pensar, da mesma forma como se desfez do ambiente terreno. Ele perscruta, que também com sua organização do pensar, não pertence a ele próprio, mas ao mundo. Ele descobre que são os pensamentos cósmicos que reinam dentro dele por intermédio de sua própria organização do pensar. Ele percebe que enquanto pensa, não recebe nele imagens do mundo, mas cresce para fora penetrando com sua organização pensante no pensar do universo.
0 homem é, pois, mundo, no que se refere tanto à organização sensorial quanto ao sistema do pensar. E o mundo cuja estrutura penetra para dentro dele. Percebendo pelos sentidos e pensando, o homem não é ele mesmo, mas é conteúdo do mundo.
Mas o homem envia a parte divino espiritual de sua entidade para dentro da sua organização do pensar; essa parte não pertence nem ao mundo terreno nem àquele das estrelas; ela é de natureza inteiramente espiritual e vive no homem de uma vida terrestre a outra. Esse divino-espiritual só é acessível à inspiração.
Assim o ser humano se desprende de sua organização terrestre e cósmica para erguer se, diante de si próprio, como um ente puramente divino-espiritual.
Percebe então em sua própria entidade o reinar do destino.
Com sua organização sensorial, o homem vive no corpo físico; com a organização do pensar, no corpo etérico. Liberto de ambas as organizações graças à vivência cognitiva, ele está em seu corpo astral.
Cada vez que o homem se liberta de alguma parte de sua entidade, o seu conteúdo anímico fica, de um lado, mais pobre; de outro, ele fica, ao mesmo tempo mais rico. Se enxerga, depois de se libertar do seu corpo físico, a beleza das plantas sensoriais, apenas de forma muito pálida, em compensação, todo o mundo dos seres elementais domiciliado no reino vegetal, se apresenta à sua alma.
Por ser essa a realidade, o indivíduo que tem a visão espiritual, não se transforma em asceta com relação ao que seus sentidos percebem. Enquanto vivência espiritualmente, ele sente o vivo desejo de perceber também pelos sentidos o que vivência em espírito. Assim como a percepção sensorial produz no homem total o qual busca a realidade total, a nostalgia do polo oposto, isto é, o mundo dos seres elementais, a visão dos seres elementais desperta, por sua vez, a ânsia pelo conteúdo da percepção sensorial.
Na vida humana global, o espírito sente falta do sensorial, e o sensorial requer o espírito. A existência espiritual seria vazia se nela não pairassem, como recordação, as vivências da vida sensorial; a vida sensorial seria escura se nela não atuasse de forma luminosa, embora inconscientemente, a força do espiritual.
Quando se tiver tornado maduro para vivenciar a atividade de Micael, o homem não sentirá um empobrecimento da alma no entrar em contato com a natureza, mas sim, um enriquecimento. E sua vida sentimental não tenderá a retrair se das impressões sensoriais, mas sentirá uma alegre inclinação para acolher na alma todas as maravilhas do mundo dos sentidos.
Rudolf Steiner – Goetheanum, fevereiro de 1925
CONHECIMENTO DO HOMEM X CONHECIMENTO DO MUNDO
A organização dos sentidos não faz parte da entidade humana, mas foi implantada nela pelo mundo ambiente durante a vida na Terra. Do ponto de vista do espaço, o olho que vê, se acha dentro do homem; pela sua essência ele está no mundo. E o homem estende sua entidade anímico-espiritual para dentro daquilo que o mundo nele vivencia por meio dos sentidos humanos. Durante sua vida terrestre, o homem não acolhe o ambiente físico dentro de si, mas penetra nesse ambiente com sua entidade anímico espiritual.
Algo semelhante acontece com a organização do pensar. Através dela, o homem se estende para dentro do mundo das estrelas. Reconhece a si próprio como mundo das estrelas. 0 homem vive nos pensamentos cósmicos depois de se ter despido da organização dos sentidos através de um conhecer acompanhado de um vivenciar.
Depois de se ter libertado de ambos, do mundo terrestre e do mundo das estrelas, o homem se confronta consigo mesmo, como ser anímico-espiritual. Ai ele não é mais mundo, ele é, no verdadeiro sentido, homem. Perceber o que ele aí vivencia, chama se auto conhecimento, assim como as percepções feitas através da organização dos sentidos e do pensar, constituem o conhecimento do mundo.
Rudolf Steiner – 15/03/1925
Se não conseguimos atingir o cerne do pensamento alheio, todo julgamento será baseado em pré-concepções superficiais de comportamento, padronização e generalização e não no que se apresenta verdadeiramente na individualidade, no EU. Isso é o oposto da concepção real e pontual da realidade, que é o que a Era da Consciência nos exige hoje.
GENERALIZAÇÃO X CONCEPÇÃO PONTUAL DA REALIDADE VIVA
Hoje em dia, o tempo espremido e o excesso de informações e compromissos trouxeram uma grande dificuldade: a falta de profundidade. Temos que estar a margem de muitas coisas e isto acaba nos impedindo de nos aprofundar verdadeiramente em todas elas, ou até mesmo, em quaisquer uma delas.
Para isso deveríamos abrir mão muitas coisas, mas isso é uma tarefa muito difícil, pois a sociedade atual acaba nos pressionando a “navegar” por entre esse excesso de informações. Mas existe um aspecto social crucial que necessita de profundidade: o outro ser humano.
Cada ser humano é uma entidade única e singular e só concebemos isso a partir de uma relação mais profunda com os seus propósitos, seu modo de pensar, sua história de vida e suas maneiras de se relacionar com o mundo, ou seja, permitir que sua alma nos toque.
Essa dificuldade em adentrarmos o outro nos faz entrar no campo da generalização e rotulação do comportamento alheio:
Quem é o João? Ele é um médico, ateu, machista, vegano e de esquerda.
Quem é a Maria? Ela é uma artista, feminista, lésbica e de esquerda.
Quem é a Carolina? Ela é advogada, evangélica e de direita.
Então desenhamos o perfil dessas pessoas e criamos suas imagens a partir de nossas próprias considerações dos adjetivos, fazendo que eu tenha uma simpatia ou antipatia premeditada.
E isso vai além, todas as qualidades e defeitos do rótulo vão agregadas ao perfil, mesmo que o indivíduo não as possua.
Todos os adjetivos do indivíduo, não vem deles, e sim de uma gama de concepções padronizadas externas pré-estabelecidas . E vamos além, julgamos uns aos outros em cima desses rótulos e de nossas pré-concepções generalizadas em cima deles.
E, em muitos casos, inicia-se uma inquisição em cima dos indivíduos baseada em aspectos generalizados. Essa inquisição parte de todos os lados, como se não houvesse possibilidade de sensatez, coerência e respeito à partir do momento que indentifico um aspecto específico que destoa de minhas ideologias.
Como eu contribuo com isso? Generalizando… julgando o outro por contextos generalizados. Se não conseguimos atingir o cerne do pensamento alheio, todo julgamento será baseado em pré-concepções superficiais de comportamento e pensamentos padronizados.
Não que a individualidade não possa ser diluída em tais padrões coletivos, aspecto extremamente comum hoje devido ao contexto de mecanização e superficialização do pensar impostos pela atual estrutura social contemporânea, porém tal perspectiva deve ser apontada apenas no âmbito da concepção real e pontual de tal aspecto no indivíduo em questão, caso contrário é, na verdade, um aspecto espelhado, ou seja, reflete a dissolução da minha própria individualidade num padrão coletivo de julgamento através da suposição (mesmo que tal suposição possa ser verdadeira) – o próprio julgamento é um mergulho no padrão coletivo e na incapacidade de perceber a realidade viva.
Tal concepção real e pontual da realidade é o que a Era da Consciência nos exige hoje.
Este aspecto de generalização e rótulos realmente é algo muito perigoso, pois socialmente já passamos processos terríveis em cima deste tipo de contexto, como a Escravidão em relação aos negros, a Inquisição em relação a crenças e o Nazismo em relação aos judeus.
Hoje ela se mostra em ideologias. O que vc pensa, pode lhe inserir aqui ou ali em um grupo na linha de fogo, o que fará vc esconder, ocultar o que vc realmente pensa para evitar ser julgado premeditadamente. E a máscara social estará em uso, pois somos incapazes de respeitar ideologias diferentes ou opostas, especificamente se esta ideologia é de âmbito estritamente pessoal e não reflete uma imposição que transcende tal âmbito, ou seja, mantém o respeito e o espaço de liberdade do outro (minha liberdade termina onde começa a do outro).
Se nos abrirmos ao outro, perceberemos que existe uma profunda singularidade em cada um, somos muito mais do que rótulos e generalizações, mesmo que, muitas vezes, tenhamos escolhas e opiniões similares, alguns comportamentos padronizados e etc…
Respeito leva à liberdade, mas exigir do outro uma conduta e forma de pensar baseados em uma moralidade específica é inquisição e aprisionamento.
Leonardo Maia
O PRÍNCIPE E A PRINCESA
Houve, uma vez, um rei que tinha um filhinho e as estrelas diziam que aos dezesseis anos seria morto por um veado.
O príncipe, tendo completado os dezesseis anos, foi certo dia caçar na floresta, junto com os seus monteiros, e na floresta separou-se dêles, tendo avistado um enorme veado, ao qual apontou a espingarda; atirou mas não atingiu o alvo. O veado pôs-se a correr sem parar, perseguido pelo príncipe; depois de muito correr, o veado saiu fora da floresta e de repente, no lugar dele, apareceu um homem muito grande.
– Ainda bem que te apanhei – disse ele – já gastei seis pares de patins de vidro sem nunca te poder pegar!
Assim dizendo, pegou o príncipe e levou-o para a outra margem de um enorme lago, além do qual havia um castelo. No castelo, o príncipe teve que sentar-se à mesa com o homem e comer em sua companhia. Finda a refeição, o homem, que era um rei, disse-lhe:
– Eu tenho três filhas; tens que velar uma noite junto da mais velha, desde as nove horas da noite às seis da manhã; cada vez que soarem as horas, virei e te chamarei; se não me responderes, amanhã cedo serás morto; mas se responderes tôdas as vêzes que eu te chamar, terás minha filha por esposa.
Daí a pouco, o príncipe subiu para o quarto com a princesa. Na porta do quarto, havia um São Cristóvão de pedra e, ao passar por êle, a princesa disse-lhe:
– Meu pai virá às nove horas, e nas outras sucessivas, até bater três horas. Se, por acaso, êle chamar o príncipe, responde-lhe em seu lugar.
São Cristóvão acenou que sim com a cabeça, muito depressa; depois, sempre mais devagar, até que parou de uma vez. O príncipe deitou-se perto da porta e dormiu tranqüilamente; e tôdas as vêzes que o rei chamou, São Cristóvão lhe respondeu, como se fôsse o príncipe.
Na manhã seguinte o rei disse:
– Saiste muito bem desta prova, mas ainda não posso dar-te minha filha; tens que velar uma noite inteira junto da segunda filha; depois disso verei se podes casar-te com a primeira. Mas virei chamar-te a tôdas as horas e tu tens que me responder; caso contrário, perderás a vida.
Como na noite precedente, o príncipe subiu para o quarto junto com a segunda princesa. Na porta do quarto, havia um São Cristóvão de pedra, ainda maior do que o primeiro, e a princesa, ao passar por êle, disse-lhe:
– Se meu pai chamar o príncipe, responde por êle.
A estátua de pedra acenou com a cabeça, muito depressa; depois, sempre mais devagar, até parar de todo. O príncipe deitou-se perto da porta e adormeceu.
Na manhã seguinte, veio o rei e disse-lhe:
– Realmente, saiste muito bem, mas ainda não posso dar-te a minha filha; tens que velar ainda uma noite junto da terceira, depois verei se podes casar com a segunda. Mas eu virei cada vez que soarem as horas e te chamarei; se não me responderes, teu sangue correrá.
O príncipe subiu com a môça para o quarto e lá havia outro São Cristóvão, muito maior que os precedentes. Ao passar por êle, a princesa disse-lhe:
– Se meu pai chamar o príncipe, responde tu por êle.
São Cristóvão, grande como era, pôs-se a abanar afirmativamente a cabeça, muito ligeiro, depois mais devagar, até parar de todo. O príncipe deitou-se junto da porta e adormeceu. No dia seguinte, o rei disse-lhe:
– Na realidade, te portaste muito bem; mas ainda não posso dar-te a minha filha. Eu possuo uma grande floresta; se conseguires abatê-la tôda desde as seis horas da manhã até as seis horas da tarde do dia de hoje, verei o que posso fazer.
Em seguida, deu-lhe um machado de vidro, uma cunha de vidro e um malho também de vidro. Ao chegar à floresta, o príncipe deu o primeiro golpe com o machado e êste se quebrou; pegou a cunha e bateu com o malho e logo ficou tudo reduzido a migalhas. O príncipe ficou desesperado, certo que teria de morrer; sentou-se no chão e pôs-se a chorar.
Ao meio dia, o rei disse às filhas:
– E’ preciso que uma de vós, meninas, leve alguma coisa de comer ao rapaz.
– Não, – responderam as duas mais velhas – nós não levaremos nada; que leve a que êle velou por último.
Por conseguinte, a princesa mais môça teve de ir à floresta e levar comida ao rapaz. Lá chegando, perguntou-lhe em que pé estavam as coisas.
– Oh, – respondeu êle – muito mal. – E mostrou-lhe os instrumentos quebrados.
Ela convidou-o a comer alguma coisa mas o rapaz não aceitou.
– Não quero, – disse êle – sei que devo morrer, portanto, não quero comer mais nada.
A princesa insistiu amàvelmente e tão bem falou que o príncipe se aproximou e comeu. Depois ela disse:
– Deita-te aí; eu farei cafuné para espantar êsses tristes pensamentos.
O príncipe deitou-se e a môça começou a fazer-lhe cafuné; nisso o rapaz sentiu uma grande moleza e não tardou a adormecer. Então a princesa pegou no lenço, deu-lhe um nó na ponta e bateu com êle três vêzes no chão, dizendo:
– Saiam para fora, meus pequenos operários!
Imediatamente, surgiu uma multidão de gnomos perguntando-lhe o que desejava.
– Dentro de três horas, quero que esta floresta esteja tôda abatida, – disse ela – e a lenha amontoada.
Os gnomos espalharam-se por todos os lados, chamaram também todos os parentes para que os ajudassem, e quando deram três horas, estava tudo pronto. Foram ter com a princesa e comunicaram-lhe que haviam terminado o serviço; ela então pegou novamente no lenço e batendo com êle no chão, disse:
– Meus pequenos operários, voltem para suas casas.
E os gnomos todos desapareceram. Ela, então, despertou o príncipe, que ficou louco de alegria ao ver o trabalho feito.
– Quando bateram as seis horas, vem para casa, – disse a môça.
O rapaz obedeceu e, lá o rei perguntou-lhe:
– Abateste tôdas as árvores da floresta?
– Sim, – disse o príncipe – está pronto.
Foram jantar e na mesa o rei disse:
– Ainda não posso dar-te minha filha por esposa. Tens antes de prestar-me outro serviço. Tenho por aí um grande charco; é preciso que vás amanhã cedo limpá-lo bem, que fique brilhando como um espelho e que dentro dêle haja tôda espécie de peixes.
Na manhã seguinte, entregou-lhe uma pá e uma enxada de vidro, dizendo:
– Até às seis horas da tarde, o charco deve estar limpo e em ordem.
O príncipe encaminhou-se rumo ao charco e, lá chegando, afundou a pá no lodo e esta se quebrou. Êle então tentou com a enxada, mas esta também se quebrou. Então o rapaz ficou desesperado sabendo que teria de morrer.
Ao meio-dia voltou novamente a princesa mais môça, trazendo comida, e perguntou-lhe como ia o trabalho. O príncipe respondeu, desconsolado, que ia muito mal e que isso lhe custaria a vida.
– Vem comer qualquer coisa, – disse a môça – depois mudarás de idéias.
Mas êle não queria comer nada, estava desesperado e só desejava morrer. A princesa, porém, persuadiu-o, gentilmente, a comer, o que, por fim, êle aceitou. Quando acabou de comer, tornou a deitar-se para descansar um pouco e a princesa pôs-se a fazer-lhe cafuné até êle dormir. Depois pegou no lenço, fêz um nó no canto e bateu com êle três vêzes no chão, dizendo:
– Saiam para fora, meus pequenos operários.
No mesmo instante, surgiram os gnomos, perguntan- do-lhe o que desejava. Ela disse:
– Quero que, dentro de três horas, limpem êste charco e o deixem brilhando como um espelho e que dentro dêle haja tôda espécie de peixes.
Os gnomos chamaram todos os parentes em seu auxílio e, no prazo de duas horas, deram cabo do trabalho. Foram ter com a princesa e disseram-lhe:
– Já fizemos o que nos ordenaste.
A princesa pegou no lenço, bateu com êle três vêzes no chão, dizendo:
– Meus pequenos operários, voltem todos para casa. – No mesmo instante os gnomos desapareceram.
Quando o príncipe acordou, o trabalho estava concluído e a princesa recomendou-lhe que às seis horas fosse para o castelo. Quando lá chegou, o rei perguntou-lhe:
– Então o charco está pronto?
– Sim, – disse o príncipe – já está pronto.
Ao jantar, o rei disse-lhe:
– Na verdade, deixaste o charco em ordem, mesmo assim, não posso ainda dar-te minha filha; é preciso que me faças outra coisa.
– Que devo fazer? – perguntou o rapaz.
– Eu tenho um morro que está todo coberto de espinheiros, tens que arrancá-los todos e, no alto do morro construir um castelo, o mais lindo que possa existir, com tudo o que é necessário dentro dêle.
Na manhã seguinte o rei entregou-lhe uma foice e uma pua de vidro, dizendo:
– Quero que tudo fique pronto até às seis horas.
O rapaz foi ao morro, mas, ao dar o primeiro golpe com a foice, esta partiu-se em mil pedaços e a pua também vôou em migalhas. Desesperado, êle sentou-se e ficou à espera da sua amada; talvez viesse e então o tiraria dessa situação.
Ao meio-dia, ela chegou, trazendo-lhe o almoço; êle foi-lhe ao encontro e contou-lhe o que havia acontecido. Depois almoçou, deitou-se, deixou que lhe fizesse cafuné, e logo dormiu.
A princesa então bateu com o nó de seu lenço no chão, dizendo:
– Saiam para fora meus pequenos operários.
Logo surgiu a multidão de gnomos perguntando o que desejava. Ela disse-lhes:
– Dentro de três horas, quero que êste morro esteja completamente limpo de todos os espinheiros, e lá no tôpo devem construir um castelo tão magnífico como nenhum outro, e dentro dêle deve haver tudo o que é necessário.
Os gnomos convocaram todos os seus parentes e, ao cabo de três horas, o trabalho ficou pronto. Depois foram comunicar à princesa, que, pegando no lenço, bateu três vêzes no chão, dizendo:
– Meus pequenos operários, voltem para casa.
Num instante os gnomos desapareceram. Ao acordar, o príncipe viu que tudo estava pronto e ficou alegre como um passarinho. E ao baterem seis horas, voltaram ambos para casa. O rei perguntou-lhe:
– Está pronto o castelo?
– Sim, majestade, – respondeu o príncipe.
E à hora do jantar, quando estavam à mesa, o rei disse-lhe:
– Não posso dar-te minha filha mais môça em casamento, enquanto não casarem as duas mais velhas.
O príncipe e a princesa ficaram consternados e não sabiam mais para que santo apelar. Assim, durante a noite, êle foi buscar a princesa em seu quarto e fugiram juntos. Mas não tardou muito e a princesa viu que o pai lhes vinha no encalço.
– Oh, – disse ela – que vamos fazer? Meu pai está nos perseguindo e nos quer agarrar! Escuta, vou te transformar numa roseira e eu serei uma rosa; assim estarei protegida entre os espinhos.
E os dois ficaram transformados em roseiral e rosa. E foi isso que o rei encontrou ao chegar; então tentou colher a rosa mas os espinhos pungiram-no de tal modo que êle teve que voltar para casa sem nada. A esposa do rei perguntou-lhe por que não trouxera de volta a filha; êle explicou que, quando ia alcançá-la, a perdera subitamente de vista, mas tendo encontrado um roseiral com uma linda rosa, quis apanhá-la para trazê-la. A rainha então disse-lhe:
Devias ter trazido a rosa, que o roseiral viria junto.
O rei saiu disposto a apanhar a rosa; enquanto isso, porém, os dois fugitivos já iam longe e êle tornou a persegui-los. A filha, virando para trás e vendo o pai que já vinha perto, exclamou:
– Ah, que vamos fazer? Olha aqui, vou transformar-te numa igreja e eu serei o padre; ficarei no púlpito fazendo o sermão.
E assim, quando o rei chegou, só viu a igreja e dentro dela, no púlpito, o padre que estava fazendo o sermão; o rei ouviu o que êle dizia e depois regressou para casa.
A rainha perguntou-lhe se desta vez trazia a filha e o marido respondeu-lhe:
– Segui-a durante um longo trecho e, quando pensei que ia agarrá-la, deparei com uma igreja e nela um padre fazendo o sermão.
– Devias ter trazido o padre, – disse a rainha – e a igreja logo viria atrás. E inútil que te mande apanhá-los, não consegues nada; é preciso que vá eu mesma.
Assim, pois, a rainha saiu em perseguição dos fugitivos. Depois de andar um bom trecho, viu na estrada os dois que iam longe; nisso a princesa virou para trás e percebeu a mãe, que os vinha alcançando.
– Ai de nós, desta vez é minha própria mãe quem vem aí, que vamos fazer? Escuta, vou transformar-te num lago e eu me transformarei num peixe.
E a rainha, ao aproximar-se, não viu mais a filha, viu somente o lago e dentro dêle um peixe saltando e espichando a cabecinha fora da água, muito alegre e feliz.
A rainha fêz o possível para apanhar o peixe, mas em vão. Então enfureceu-se e bebeu tôda a água do lago, pensando com isso apanhar o peixe. Infolizmento, porém, começou a sentir-se mal e a vomitar; vomitou tôda a água que tinha bebido o acabou dizendo:
– Vejo que não posso mesmo fazer nada.
Então, pediu-lhes que voltassem para casa, que ela não lhes faria nenhum mal. Os fugitivos resolveram ir com a rainha e esta entregou à filha três nozes, dizendo: Guarda-as com cuidado, elas te servirão nos momentos de angústia.
Depois, os dois jovens despediram-se da rainha e foram-se embora. Após dez horas de caminho, chegaram ao castelo do príncipe, perto do qual havia uma aldeia, e nessa aldeia o príncipe disse à princesa:
– Espera-me aqui, minha querida, vou ao castelo de meu pai e depois virei buscar-te com a carruagem e os criados.
No castelo, todo mundo ficou radiante ao ver de volta o príncipe; êle então contou que havia deixado a noiva na aldeia e queria que fôssem buscá-la com uma carruagem. Foi imediatamente atendido e muitos criados subiram à carruagem; no momento em que o príncipe ia subir também, sua mãe deu-lhe um beijo e com êste beijo êle esqueceu tudo o que havia acontecido e o que estava para fazer.
A mãe aproveitou-se disso e mandou que desatrelassem os cavalos e voltassem todos para o castelo.
Entretanto, a princesa estava esperando na aldeia e espera, espera, espera; mas, vendo que ninguém ia buscá-la, julgou que o príncipe a havia esquecido. Não tendo com que viver, empregou-se no moinho, que pertencia ao castelo; entre outras coisas, devia todos os dias lavar os talheres no rio.
Certo dia, a rainha, que já tinha arranjado outra noiva para o filho e cujas bodas estavam anunciadas para breve, foi passear perto do rio e viu a linda jovem lavando os talheres.
– Oh,que linda môça, – disse ela – como me agrada!
Perguntou a todos quem era, mas ninguém a conhecia.
A princesa serviu lealmente o moleiro durante muito tempo. No castelo, aguardava-se a chegada da outra noiva do príncipe, que morava longe daí; quando finalmente esta chegou, começaram os preparativos para as bodas.
De tôda parte vinha gente, convidada ou não, para assistir aos festejos e a môça pediu permissão ao moleiro para ir também; êste consentiu. Então a môça se foi preparar e partiu uma das nozes que lhe dera a mãe, encontrando dentro dela um magnífico vestido. Vestiu-se, penteou-se e foi à igreja, postando-se perto do altar. Nisso, chegaram os noivos e tomaram lugar nas cadeiras diante do altar. O padre já começara a cerimônia quando a noiva deu com a jovem aí ao lado. Pôs-se de pé e declarou que não se casaria se não lhe dessem também um vestido igual ao daquela dama.
Voltaram todos para casa e mandaram perguntar à dama se queria vender aquêle belo vestido. Ela respondeu que não queria vendê-lo, mas a noiva podia ganhá- lo, se quisesse. Bastava que lhe permitisse dormir uma noite na soleira da porta do quarto do príncipe e ela lhe daria o vestido.
A noiva concordou, mas ordenou aos criados que dessem um narcótico ao noivo. A môça foi postar-se à soleira da porta e durante a noite tôda lamentou-se, dizendo que: por amor a êle mandara abater a floresta, limpar o charco, construir o castelo; depois, para salvá-lo, o transformara em roseiral, depois numa igreja e por fim num lago e, depois disso tudo, êle a esquecia e casava-se com outra!
O príncipe, porém, sob o efeito do narcotico, nada ouviu, mas os criados, que permaneceram acordados, ouviram tudo mas não sabiam o que aquilo significava.
Na manhã seguinte, a noiva vestiu o rico traje e foram todos para a igreja. A môça, entretanto, partiu a segunda noz e tirou dela um vestido ainda mais belo e suntuoso; vestiu-o e foi para a igreja, postando-se no mesmo lugar da outra vez. Antes mesmo que começasse a cerimônia, a noiva viu-a e ficou louca de vontade de possuir aquele vestido. Não quis ainda casar-se e mandou perguntar à dama se lhe vendia o vestido. A resposta foi igual à da vez anterior e, também nesse noite, a môça foi postar-se à soleira da porta do príncipe. Quando ficou só começou a lamentar o que tinha feito por êle.
Mas o criado particular do príncipe, que fôra encarregado de dar-lhe o narcótico, não gostava da noiva e estava penalizado pela môça; resolveu jogar fora c narcótico e assim o príncipe não dormiu e ouviu tudo o que a môça dizia. A princípio ficou muito triste, depois foi paulatinamente se lembrando de tudo o que havia esquecido e levantou-se para ir ter com ela. Mas a mãe havia trancado a porta e êle foi obrigado a esperar até o dia seguinte.
Mal se levantou, na manhã do dia seguinte, foi correndo para junto da sua amada e contou-lhe o que se havia passado, dizendo-lhe que não lhe guardasse rancor por êsse longo esquecimento involuntário.
A princesa então partiu a terceira noz e tirou dela outro vestido, ainda mais fulgurante que os precedentes; vestiu-o e foi para a igreja com o seu noivo. Chegaram também muitas crianças, com flores, estendendo fitas de tôdas as côres à sua passagem. Depois veio o padre, que abençoou as núpcias e êles fizeram uma grande festa, enquanto que a outra noiva e a perversa mãe tiveram que arrumar as malas e ir-se embora.
E a quem por último esta história contou, ainda a boca não se lhe esfriou.
Conto dos Irmãos Grimm
O MANGUAL DO CÉU
Um dia, um camponês saiu com uma junta de bois para arar a terra. Quando chegou ao campo, ele viu com espanto que os chifres dos bois começavam a crescer. E cresceram, cresceram tanto, que, quando levou os bois para casa, os chifres destes estavam tão compridos que não passavam pelo portão.
Por felicidade, justamente nesse momento, ia passando um açougueiro e o camponês vendeu-lhe os bois; o negócio foi realizado mediante o compromisso de que o camponês levaria ao açougueiro uma medida de semente de rábanos e o açougueiro lhe daria uma moeda por semente. Isto ó que se chama um ótimo negócio!
O camponês foi para casa, daí a pouco saiu com uma medida de sementes nas costas e foi levá-la ao açougueiro; mas no caminho perdeu uma. Então o açougueiro pagou-lhe conforme o trato, menos uma moeda. Se o camponês não tivesse perdido aquela semente, teria recebido uma moeda a mais.
Entretanto, quando vinha de volta, aquela semente já havia brotado e crescera uma árvore tão alta que chegava até ao céu. O camponês disse com seus botões:
– Não percas esta oportunidade; vai ver o que estão fazendo os anjos lá em cima. Ao menos uma vez na vida poderás vê-los com teus olhos.
Trepou pela árvore acima e viu que os anjos estavam debulhando aveia; ficou a olhar para eles e, enquanto estava assim entretido, percebeu que a árvore sobre a qual estava, oscilava perigosamente; olhou para baixo e viu alguém tentando abatê-la.
– Se eu cair desta altura, será um caso sério! – pensou ele.
E, nesse aperto, não viu outra solução senão agarrar um feixe de palha de aveia e fazer uma corda; pegou, também, uma enxada e um mangual, que havia lá no céu, e deixou-se escorregar pela corda abaixo.
Infelizmente, porém, ao chegar na torra foi cair justamente dentro de um buraco fundo, fundo, e sua sorte foi ter trazido a enxada, pois com ela pôde cavar os degraus que lhe permitiram sair de lá. Voltando à superfície, levou o mangual como prova para que ninguém duvidasse do que ele estava contando.
Conto dos Irmãos Grimm
O CAÇADOR HABILITADO
Houve, uma vez, um rapaz que aprendera o ofício de serralheiro. Certo dia, disse ao pai que agora, sabendo trabalhar, queria ganhar o pão de cada dia e conhecer o mundo.
– Está bem, – disse o pai – nada tenho a opor.
Deu-lhe algum dinheiro para a viagem e o rapaz foi de um lugar para outro à procura de trabalho. Passou assim um pouco de tempo, depois perdeu o gôsto pelo ofício e pensou em abandoná-lo; ficou com vontade de tornar-se caçador.
Ia perambulando à toa, quando encontrou um caçador vestido de verde, que lhe perguntou de onde vinha e para onde ia. O rapaz respondeu-lhe que era serralheiro de profissão, mas que já não gostava dèsse ofício e desejava tornar-se caçador. Não querería êle recebê-lo como aprendiz?
– Oh, se quiseres vir comigo, vem! – respondeu o homem vestido de verde.
O rapaz acompanhou-o, ficou trabalhando para êle durante alguns anos e aprendeu o ofício de monteiro. Depois quis tentar a vida novamente; como pagamento do trabalho, o caçador deu-lhe apenas uma espingarda, a qual, porém, possuia o poder de acertar em qualquer alvo.
O rapaz despediu-se e foi andando; chegou a uma grande floresta, tão grande que não se podia ver-lhe o fim num dia. Portanto, ao anoitecer, êle trepou numa árvore bem alta a fim de se precaver contra as feras. Mais ou menos à meia-noite, pareceu-lhe ver uma luzinha brilhando ao longe; olhou atentamente através dos galhos para certificar-se de onde vinha.
Mas, para marcar a direção da luz, atirou o chapéu que o orientaria ao descer da árvore.
Depois desceu, foi direito aonde estava o chapéu, tornou a pô-lo na cabeça e seguiu em linha reta para o lado da luzinha. Quanto mais andava, maior se tomava a luz e, ao aproximar-se mais, viu que era uma enorme fogueira, ao redor da qual estavam sentados três gigantes assando um boi no espêto. Um dêles disse:
– Quero provar se a carne já está cozida.
Arrancou um pedaço e ia pô-lo na bôca, quando o caçador lho tirou da mão, com um tiro.
– Veja só, – exclamou o gigante – o vento me carregou a carne.
Pegou outro pedaço e estava para ferrar-lhe os dentes, quando o caçador tornou a tirar-lho; então, o gigante deu uma botefada no que lhe estava sentado perto, dizendo:
– Por que me tiras os pedaços de carne da mão?
– Não fui eu! Eu não tirei nada! – exclamou o segundo gigante. – Deve ter sido provàvelmente um tiro de espingarda.
O gigante pegou um terceiro pedaço de carne, mas nem mesmo chegou a apertá-lo com os dedos e o caçador se apoderava dêle como das outras vezes. Então os três gigantes disseram:
– Este deve ser um bom atirador, se consegue levar-te a carne da bôca; um assim nos poderia ser muito útil.
E chamaram:
– Vem cá, atirador; vem sentar conosco perto do fogo e come à vontade, não te faremos mal algum. Se porém não vieres e te agarrarmos à fôrça, estarás perdido.
O rapaz foi-se aproximando e explicou que era um caçador habilitado; qualquer alvo que apontasse com sua espingarda, acertaria sem falhar.
Os gigantes perguntaram-lhe se queria ficar com êles que não se arrependería. E contaram-lhe que defronte da floresta havia um grande lago, e, além dêsse lago, uma tórre, dentro da qual estava uma princesa que êles queriam raptar.
– Pois bem, dito e feito! – respondeu o rapaz.
Os gigantes acrescentaram:
– Há, porém, uma dificuldade. Lá na tôrre está um cãozinho que se põe a latir furiosamente assim que se aproxima alguém, por isso não podemos entrar, pois com seu latido acorda todo o pessoal do castelo; serias capaz de matar êsse cãozinho?
– Claro que sim, é apenas uma brincadeira para mim.
Em seguida meteu-se num barquinho, atravessou o lago, e, já estava chegando à outra margem, quando chegou o cãozinho correndo; antes que abrisse a bôca para latir, já o caçador atirava nêle com a sua espingarda, prostrando-o morto.
Vendo isso, os gigantes ficaram alegríssimos e pensavam que já tinham a princesa nas mãos.
Mas o caçador quis antes ver o que se passava lá; mandou os gigantes esperar fora até que os chamasse. Depois penetrou no castelo, onde reinava silêncio absoluto e tudo dormia. Abriu a porta da primeira sala e viu pendurada na parede uma espada de prata maciça, por cima da qual havia uma estrela de ouro e o nome do rei; sôbre uma mesa ao lado havia uma carta lacrada, que êle abriu para ver o que continha. Na carta estava escrito que, quem possuísse essa espada de prata, podia matar tudo o que lhe aparecesse na frente.
O rapaz retirou a espada da parede e prendeu-a no cinto, depois continuou a inspeção. Chegou a uma sala, onde viu a princesa dormindo; era tão linda que êle ficou parado a contemplá-la, sem respirar, e pensando:
– Como poderei dar uma criatura inocente e tão maravilhosa às mãos daqueles gigantes ferozes, movidos pelo pior instinto?
Correu os olhos para todos os lados e viu debaixo da cama um par de chinelos; no direito estava bordado o nome do pai, encimado por uma estrela, e, no esquerdo, o nome da princesa, também encimado por uma estrela.
A princesa trazia nos ombros um belo fichu de sêda bordado a ouro, e no canto direito do fichu estava o nome do pai e no esquerdo o nome dela, também bordado a ouro. O caçador pegou uma tesoura e cortou a ponta do canto direito e guardou no bôlso; fêz o mesmo com o chinelo direito, aquêle com o nome do rei.
Enquanto isso a jovem continuava adormecida, bem agasalhada na sua camisola. O rapaz cortou um pedacinho da camisola e guardou-o junto às outras coisas, mas fêz tudo isso sem tocar sequer de leve na jovem. Depois, foi-se embora, deixando a môça dormir tranqüilamente, e, ao chegar à porta, viu os gigantes lá fora à sua espera, certos de que êle lhes traria a princesa. Mas o rapaz mandou que entrassem no castelo que teriam a princesa nas mãos, só que não lhe era possível abrir-lhes a porta: êles teriam que entrar por um buraco lá existente.
O primeiro gigante se aventurou e enfiou a cabeça pelo buraco, procurando entrar no castelo; o caçador, mais que depressa, agarrou-o pelos cabelos, enrolou-os firmemente na mão puxando bem a cabeça; depois, com um golpe certeiro da espada de prata, decepou-a. Feito isto, puxou o corpo do gigante para dentro. Depois chamou o segundo e fêz a mesma coisa com êle, e assim também com o terceiro, ficando muito satisfeito por ter livrado a princesa de cair nessas mãos inimigas. Cortou as três línguas, guardou-as na mochila e pensou: “Agora volto para a casa de meu pai e lhe mostrarei o que já fiz; depois vou correr mundo; a sorte que Deus me destina, não pode falhar.”
Enquanto isso, no castelo, o rei acordou c viu os três gigantes mortos. Foi ao quarto da filha, despertou-a e perguntou quem os teria matado; ela respondeu:
Não sei, meu querido pai; eu estava dormindo.
A princesa levantou-se e quis calçar os chinelos, mas não achou o pé direito; havia desaparecido. Olhou para o fichu e viu que fôra cortado e faltava o canto direito; olhou para a camisola e viu que faltava um pedacinho. Então o rei mandou reunir tôda a côrte, os soldados e todos os vassalos, perguntando a todos quem tinha matado os gigantes e libertado sua filha.
Entre os soldados do rei, havia um comandante cego de um ôlho e feio como a fome, o qual logo se apressou a dizer que fôra êle. Então o rei disse que se realmente era êle o autor dessa façanha, como recompensa teria sua filha por esposa. Mas a jovem exclamou:
– Querido paizinho, antes de casar com êsse tipo, prefiro ir pelo mundo a fora, até onde me levarem as pernas.
O rei, então, disse que, se não queria casar com o comandante, tinha que despojar-se de seus atavios reais e vestir uma simples roupa de camponesa, e ir para a casa do oleiro, vender utensílios de barro.
A princesa assim fêz. Despojou-se de seus adornos reais e foi à casa do oleiro pedir a crédito alguns utensílios, prometendo pagar-lhos logo que os tivesse vendido. O rei ordenara-lhe que se postasse numa esquina para vender suas coisas, depois mandou que algumas carroças passassem por lá, em cima das vasilhas, e quebrassem tudo em mil pedaços.
Portanto, quando a princesa tinha arrumado os utensílios de barro, na esquina, para os vender, passaram as carroças e esmigalharam tudo. Ela prorrompeu em soluços, dizendo:
– Ah, meu Deus, como poderei pagar o oleiro?
Com esta atitude, o rei queria obrigá-la a casar com o comandante; mas ela voltou novamente ao oleiro e pediu que lhe cedesse mais alguma coisa para vender. O oleiro disse que não, devia pagar antes o que já havia levado. Então a princesa foi ter com o pai, chorando e soluçando, e disse que queria ir-se embora pelo mundo.
– Bem, – respondeu o rei – mandarei construir para ti uma casinha na floresta, e lá ficarás pelo resto da vida. Terás de fazer comida para quem bater à tua porta, seja lá quem fôr, mas sem aceitar nunca dinheiro.
Assim que a casinha ficou pronta, pregaram no alto da porta uma tabuleta com as seguintes palavras: “Hoje de graça, amanhã a dinheiro.”
A princesa ficou lá muito tempo; logo se propalou a notícia de que uma jovem na floresta dava comida de graça, tal como dizia a tabuleta pregada na sua porta. A notícia chegou também aos ouvidos do caçador, que logo pensou: “E’ o de que estás precisando, pobre e sem vintém como és.”
Com a espingarda e mochila, dentro da qual guardava cuidadosamente tudo o que trouxera do castelo, como prova de sua estada lá, dirigiu-se para a floresta e não tardou a encontrar a casinha com a tabuleta: “Hoje de graça, amanhã a dinheiro.” Com a espada que tirara do castelo, balançando ao lado, a mesma que decepara as cabeças dos gigantes, êle entrou na casinha e pediu comida. Contemplava com vivo prazer aquela linda jovem, tão linda como o sol; e ela fêz-lhe muitas perguntas, entre outras:
– De onde vens e para onde vais?
– Ando a correr mundo – respondeu êle.
A jovem, então, perguntou-lhe onde havia achado aquela espada, na qual estava gravado o nome de seu pai. Êle, muito admirado, perguntou se ela era filha do rei.
– Sim, – respondeu ela.
– Pois, com esta espada, matei três gigantes, por isso guardo-a como lembrança.
Para provar que dizia a verdade, abriu a mochila e mostrou-lhe as três línguas, o chinelo, a ponta do fichu e o pedacinho da camisola.
No auge da alegria, a princesa exclamou que êle era o seu salvador. Então combinaram ir juntos à presença do rei. Lá o pai acompanhou os dois até ao quarto da jovem, que lhe disse ser êsse caçador o que havia matado os gigantes e libertado a ela do sono. Vendo tôdas as provas, o rei não pôde duvidar. Contudo, disse, gostaria de saber como se haviam passado as coisas; depois lhe daria a filha por esposa, o que proporcionou grande prazer à princesa.
O rei mandou que vestissem o jovem como fidalgo estrangeiro e ordenou um grande banquete em sua honra. Na mesa, o comandante sentou-se à esquerda da princesa e o caçador à direita; o comandante estava persuadido de que era realmente um fidalgo estrangeiro que viera de visita.
Depois de se terem regalado com boas comidas e boas bebidas, o rei disse ao comandante que gostaria de vê-lo decifrar um enigma. O enigma era o seguinte:
“Se um indivíduo afirmasse ter matado três gigantes e alguém lhe pedisse para ver as três línguas dêles, e o indivíduo fôsse forçado a constatar que nas cabeças dos gigantes não estavam mais as línguas, como êle se sairia dêsse embaraço?”
O comandante respondeu prontamente:
– Talvez nunca as tiveram!
– Nada disso, – replicou o rei – todo animal, racional ou irracional, tem sua língua.
E perguntou, ainda, que castigo merecería o tal indivíduo, depois de provada a sua mentira. O comandante respondeu tranqüilamente:
– Merecería ser estraçalhado vivo.
Então, o rei exclamou:
– Pronunciaste tua própria sentença.
E, sem demora, o comandante foi atirado à prisão e esquartejado, enquanto a princesa casava com o caçador.
Algum tempo depois, o rapaz foi buscar seus pais e trouxe-os para o castelo, onde viveram todos em doce harmonia e felicidade. E quando o rei faleceu, o rapaz sucedeu-o no trono.
Conto dos Irmãos Grimm
A MEMÓRIA E A CONSCIÊNCIA MORAL
Durante o sono o homem está entregue ao cosmo. Leva a ele o resultado de vidas anteriores, que possui ao descer do mundo anímico espiritual ao mundo terrestre. Durante o estado de vigília, ele priva o cosmo desse conteúdo de sua entidade.
A vida entre o nascimento e a morte decorre nesse ritmo entre entregar-se ao cosmo, e subtrair se a ele.
Subtrair se ao cosmo significa, ao mesmo tempo, estar a organização neuro sensorial acolhendo o homem anímico espiritual. Este se une durante o período de vigília com os processos físicos e vitais que nela se desenrolam, para atuar de uma maneira uniforme. Tal atuação engloba a percepção sensorial, a formação das imagens da recordação e a vida da fantasia. Estas atividades estão ligadas ao corpo físico. Em compensação, as representações mentais e o pensar nos quais o homem se torna consciente do que ocorre, semi inconscientemente, na percepção, na fantasia e na recordação estão relacionados com a organização do pensar.
Encontra se também nessa organização do pensar propriamente dita, a região pela qual o homem vivência sua auto-consciência. A organização do pensar é uma organização estelar. Se ela se manifestasse exclusivamente como organização estelar, o homem carregaria em si não uma consciência de si próprio, mas uma consciência dos deuses. Mas a organização do pensar é uma organização estelar separada do cosmo das estrelas e transferida a Terra. Vivenciando o mundo das estrelas no âmbito da Terra, o homem vem a ser auto consciente.
Eis, pois, a região da vida íntima do homem: o mundo divino espiritual, vinculado ao homem, demite o para que possa tornar se homem no pleno sentido da palavra.
Mas logo abaixo da organização do pensar, na região onde se realizam a percepção sensorial, a fantasia, a formação de recordação, o mundo divino espiritual vive integrado à vida humana. Pode se dizer que o divino espiritual participa no estado de vigília do homem enquanto a memória se desenvolve. Pois as duas outras atividades, a percepção sensorial e a fantasia, são apenas modificações do processo de formação de imagens da recordação. Na percepção sensorial a formação do conteúdo da recordação está em sua fase inicial; no conteúdo da fantasia vemos refulgir na alma o que, desse conteúdo, fica conservado na existência da alma.
0 estado de sono leva o elemento anímico espiritual do homem ao cosmo. 0 homem como que mergulha no cosmo anímico espiritual com a atividade do seu corpo astral e seu Eu. Não está apenas fora do mundo físico, mas também do mundo das estrelas. Todavia, encontra se dentro dos seres divino espirituais que deram origem à sua existência.
No momento atual da evolução cósmica esses seres divino espirituais atuam da seguinte forma: gravam durante o estado de sono o conteúdo moral do mundo no corpo astral e no Eu. Tudo o que acontece durante o sono do indivíduo, em âmbito cósmico, tem realidade moral e não se parece de maneira alguma com os processos da natureza.
0 homem leva os pós efeitos desses processos do estado de sono para o estado de vigília, mas eles permanecem em estado de sono. Pois o homem está acordado apenas naquela parte de sua existência que tende para a região do pensar. Aquilo que ocorre na esfera da vontade está envolto, mesmo durante o estado de vigília, numa inconsciência igual àquela que caracteriza toda a vida anímica durante o sono. Mas o divino espiritual continua impregnando a vida volitiva adormecida, durante o estado de vigília. A moralidade do indivíduo é tão boa ou tão má quanto é possível de acordo com a proximidade dos seres divino espirituais que pode alcançar enquanto dorme. E ele chega mais perto ou fica mais distante de acordo com a moralidade das vidas terrestres anteriores.
Das profundezas da alma acordada soa aquilo que nela implantou durante o sono, com a participação do mundo espiritual. 0 que assim soa, é a voz da consciência moral.
Vemos assim, que aquilo que uma cosmovisão materialista mais tende a explicar apenas por processos materiais, é algo moral quando considerado pela cognição espiritual.
0 mundo divino espiritual atua no homem acordado diretamente na memória; e atua indiretamente, como pós efeito, na consciência moral.
A formação da memória ocorre na organização neuro sensorial; a formação da consciência moral ocorre como processo puramente anímico espiritual, porém dentro da organização do metabolismo e dos membros.
A organização rítmica situa se no meio entre as duas. Exerce uma atuação dupla, orientada em dois sentidos opostos. Como ritmo da respiração, ela está intimamente ligada com a percepção sensorial e com o pensar. Esse processo é mais grosseiro na respiração pulmonar, passando a ficar mais refinado e transformando se, como respirar mais sutil, em perceber sensorial e em pensar. A percepção sensorial ainda está próxima da respiração; ela é um respirar pelos sentidos e não pelos pulmões. Formar representações e pensamentos já está mais longe da respiração pulmonar; ai intervém o apoio dado pela organização do pensar. Há algo que se aproxima do ritmo da circulação sangüínea e constitui um respirar interiorizado que se liga com a organização do metabolismo e dos membros; manifesta se na atividade da fantasia.
Esta se estende, animicamente, até a esfera da vontade, da mesma forma como o ritmo da circulação chega até a organização do metabolismo e dos membros.
Na atividade da fantasia, a organização do pensar aproxima se da organização da vontade. 0 homem mergulha em sua esfera de sono da vontade, que nesse lugar está acordada. Em pessoas que apresentam esse tipo de organização, os conteúdos da alma manifestam se como sonhos em estado de vigília. Tal organização vivia em Goethe. Por isso ele fala que Schiller deveria lhe interpretar os sonhos poéticos.
No próprio Schiller era a outra organização que atuava. Ele era inspirado pelo conteúdo de suas vidas anteriores, e tinha de procurar conteúdos de fantasia, para a sua forte vontade.
A potência arimânica conta, para realizar seus intentos cósmicos, com pessoas que tendem a viver principalmente na esfera da fantasia, de modo que a contemplação da realidade sensorial se lhes transforma como que espontaneamente em visão de fantasia. Ela acredita poder cortar, com a ajuda de tais pessoas, a evolução da humanidade das suas raízes passadas e levá la para o rumo que ela quer.
A potência luciférica conta com indivíduos nos quais a esfera mais organizada é a da vontade, mas que dão à contemplação sensorial uma pronunciada conotação de imagens da fantasia, por amor íntimo a uma cosmovisão ideal. Ela pretende manter na evolução da humanidade os impulsos do passado, servindo se de tais indivíduos. Poderia prevenir a humanidade de mergulhar na esfera dentro da qual a potência arimânica precisa ser vencida.
Na existência terrena encontramos dois pólos opostos. Em cima espalham-se as estrelas. De lá irradiam as forças afins com tudo que pode ser calculado e que segue regras. A alternância regular do dia e da noite, as estações do ano, períodos cósmicos maiores, tudo isso é o reflexo terrestre dos acontecimentos do mundo das estrelas.
0 polo oposto irradia do interior da Terra. Ele vive em irregularidades.
0 vento e o tempo, o raio e trovão, terremotos e erupções vulcânicas refletem essa atividade interior da Terra.
0 homem é uma imagem da existência estelar e da terrena. A ordem das estrelas vive em sua organização do pensar, o caos terrestre vive na organização volitiva de seus membros. 0 ser humano terrestre, elemento harmonizador entre ambos, é vivenciado na organização rítmica.
Rudolf Steiner – Goetheanum, fevereiro de 1925
ORGANIZAÇÃO RITMICA – FÍSICO/ETÉRICO E ASTRAL/EU
O homem recebe sua organização corpóreo espiritual de duas direções. Primeiro, do universo físico etérico. Aquilo que irradia para a entidade humana nessa organização da essência divino espiritual vive nesta como forma de percepção sensória, de capacidade de memória e de atividade da fantasia.
Em segundo lugar, o homem recebe sua organização de suas vidas passadas. Essa organização é inteiramente anímico espiritual e existe no homem por meio do corpo astral e do Eu. É efeito daquilo que, de seres divino espirituais, permeia essa entidade humana, resplandece no homem como luz da consciência moral, e tudo que lhe é afim.
Em sua organização rítmica o homem encontra a ligação continua entre os dois tipos de impulsos divino espirituais. Na vivência do ritmo, a força da memória é transmitida à vontade, e o poder da consciência moral ao mundo das idéias.
Rudolf Steiner – 22/03/1925
A APARENTE EXTINÇÃO DO CONHECIMENTO ESPIRITUAL NA ÉPOCA MODERNA
Quem quiser fazer uma avaliação correta da relação entre a Antroposofia e a evolução da alma da consciência, deve sempre de novo enfocar o estado de espírito da humanidade culta que começa com o desabrochar das ciências naturais e atinge seu auge no século XIX.
Dirijamos o olhar anímico para a característica dessa época e comparemo la com aquela de épocas anteriores. Em todos os tempos da evolução consciente da humanidade, considerava se como conhecimento aquilo que aproximava o homem do mundo espiritual. 0 conhecimento determinava a relação com o espírito e esse conhecimento vivia na arte e na religião.
Isso mudou com a aurora da época da alma da consciência. Aí o conhecimento deixou de interessar se por grande parte da vida anímica humana. Ele queria pesquisar a relação entre o homem e a existência quando esta dirige seus sentidos e sua inteligência crítica à “natureza”; não queria mais ocupar se com o que o homem desenvolve como relacionamento com o mundo espiritual, quando usa sua capacidade de percepção interior a exemplo de seus sentidos.
Resultou dai a necessidade de relacionar a vida espiritual dos homens não com a cognição do presente, mas com tradições e conhecimentos válidos no passado.
A vida anímica humana ficou cindida. De um lado, o homem tinha diante de si o conhecimento da natureza que ia evoluindo, desabrochando na atualidade viva. De outro, vivenciava uma relação com o mundo espiritual que resultava de conhecimentos acumulados no passado. Essa vivência ia perdendo toda noção de como o conhecimento se realizava no passado. Existia a tradição, mas faltava o caminho pelo qual as verdades acumuladas tinham sido conhecidas. Existia apenas a possibilidade de se acreditar na tradição.
Um indivíduo que refletisse, ao redor do meio do século XIX, serenamente sobre a situação espiritual da época, teria de reconhecer que a humanidade tinha chegado a ponto de apenas se considerar capaz de desenvolver um conhecimento totalmente desvinculado do espiritual. Uma humanidade anterior foi capaz de pesquisar tudo o que se pode saber a respeito do espírito; mas a alma humana perdeu a capacidade dessa pesquisa.
As pessoas não concebiam então todo o significado dessa situação. Limitavam se a constatar que a cognição simplesmente não podia alcançar o mundo espiritual; este só pode ser objeto da fé.
Para ter noções mais claras a respeito dessa situação, olhava se para as épocas em que a sabedoria grega teve de recuar diante da civilização romana impregnada pelo cristianismo. Depois de terem as últimas escolas de filosofia grega sido fechadas pelo imperador Justiniano, também os últimos conservadores da antiga sabedoria emigraram das regiões onde a nova mentalidade européia passou a se desenvolver. Esses sábios foram acolhidos na academia de Gondishapur, na Ásia, um dos lugares onde a tradição da antiga sabedoria ficou mantida no oriente, em conseqüência dos feitos de Alexandre Magno; ela continuava vivendo ali na forma que recebera de Aristóteles.
Mas essa sabedoria antiga foi assimilada pela corrente oriental que pode ser designada arabismo. Sob um certo aspecto, o arabismo constitui um desabrochar prematuro da alma da consciência. 0 arabismo fez com que a vida anímica, prematuramente permeada pela alma da consciência, pudesse inundar a África e a Europa meridional e ocidental através de uma onda espiritual que, partindo da Ásia, preenchia certos indivíduos na Europa com um intelectualismo que normalmente devia ter aparecido somente mais tarde; nos séculos VII e VIII a Europa meridional e ocidental recebeu impulsos espirituais que deveriam ter chegado apenas na época da alma da consciência.
Essa onda espiritual conseguiu despertar o intelectual no homem, mas não a vivência mais profunda que leva a alma a submergir no mundo espiritual.
Quando o homem nos séculos XV a XIX passou a usar sua capacidade cognitiva, ele só pôde chegar a uma profundeza anímica em que ainda não se defrontava com o mundo espiritual.
Ao penetrar na vida espiritual européia, o arabismo impediu as almas sedentas de conhecimento de penetrar no mundo do espírito. Ele fez funcionar de maneira prematura o intelecto que só é capaz de apreender a natureza exterior.
E esse arabismo revelou possuir um imenso poder. Os que foram tomados por ele, tiveram a alma dominada por um orgulho interior, em grande parte inconsciente. Sentiam o poder do intelectualismo, mas não a incapacidade do mero intelecto de penetrar na realidade. Entregaram se à realidade sensorial exterior, que se erguia naturalmente diante deles, mas não se interessavam em aproximar se da realidade espiritual.
Essa era a situação com a qual a vida espiritual da Idade Média se confrontava. Ela ainda possuía as imponentes tradições do mundo espiritual; mas a vida anímica estava a tal ponto impregnada intelectualmente pelo arabismo que atuava, poderíamos dizer, de uma forma oculta, que a busca cognitiva não conseguiu chegar às fontes onde o conteúdo dessas tradições tinha sua origem.
Desde os primórdios da Idade Média havia, então, uma luta entre as correlações espirituais que os homens ainda sentiam instintivamente e a forma assumida pelo pensar devido ao arabismo.
Os homens sentiam dentro deles o mundo das idéias, vivenciando as como algo real. Mas suas almas não tinham a força de vivenciar o espírito nas idéias. Nasceu assim o realismo que tinha a sensação da realidade nas idéias, mas não conseguia captar essa realidade. 0 realismo ouvia o verbo cósmico que falava no mundo das idéias, mas não era capaz de entender sua linguagem.
Ao realismo opunha se o nominalismo; como a linguagem não podia ser compreendida, sua própria existência foi contestada. Para o nominalismo, o mundo das idéias não passava de uma soma de fórmulas na alma humana, sem qualquer raiz que o unisse com uma realidade espiritual.
Os conteúdos dessas correntes continuaram atuando até o século XIX. 0 nominalismo veio a ser a maneira de pensar das ciências naturais que elaboraram um sistema grandioso de opiniões sobre o mundo sensorial, mas destruíram toda compreensão da essência do mundo das idéias. 0 realismo era algo morto. Ele sabia da realidade do mundo das idéias, mas era incapaz de chegar a ela por uma cognição viva.
Podemos chegar a ela, quando a Antroposofia encontrar o caminho que conduz das idéias à vivência espiritual nas idéias. Num realismo sadiamente desenvolvido, o nominalismo científico deve ser completado por um caminho cognitivo, o qual demonstra que o conhecimento do espiritual não se apagou na humanidade, mas pode voltar a fazer parte da evolução humana, quando novos mananciais anímicos permitirem uma nova ascensão.
Rudolf Steiner – Goetheanum, março de 1925
DESCRENÇA NO CONTEÚDO ESPIRITUAL
A quem observa, com o olhar da alma, a evolução da humanidade na época das ciências naturais, inicialmente revela se uma perspectiva triste. Os conhecimentos humanos são brilhantes, no que se refere a tudo que é mundo exterior. Mas de outro lado, aparece um tipo de consciência como se fosse impossível de se ter qualquer conhecimento do mundo espiritual.
Parece que só em tempos remotos, os homens tinham conhecimento deste tipo de conhecimento e que, com relação ao mundo espiritual, só nos resta aceitar as velhas tradições e fazer delas um objeto de fé.
Na Idade Média essa crença relativa à relação do homem com o mundo espiritual, produz uma falta de segurança, que gera a descrença no conteúdo espiritual das idéias sob forma do nominalismo cuja continuação é a ciência natural moderna; e, como saber da realidade das idéias, um realismo, o qual, porém, só pode encontrar seu cumprimento por meio da Antroposofia.
Rudolf Steiner – 29/03/1925
OS ABALOS HISTÓRICOS NO DESABROCHAR DA ALMA DA CONSCIÊNCIA
O ocaso do Império Romano, relacionado com o aparecimento de povos chegados do leste a assim chamada migração dos povos é um fenômeno histórico que sempre precisa ser considerado pelo pesquisador, pois o presente ainda contém muitas repercussões daqueles eventos comoventes.
Mas uma contemplação histórica exterior não pode chegar a uma compreensão desses fatos. E necessário estudar as almas dos indivíduos que participaram da “migração dos povos” e do ocaso do Império Romano.
As civilizações grega e romana floresceram na época em que a humanidade desenvolvia a alma da razão ou da índole; os gregos e romanos eram os verdadeiros portadores desse desenvolvimento. Mas a evolução dessa forma anímica nesses dois povos não continha o gérmen que pudesse dar, de forma correta, origem à alma da consciência a partir dela mesma. 0 conteúdo espiritual e anímico da alma da razão ou da índole manifesta se na riqueza da cultura grega e romana; mas não pode, baseado em sua força própria, fluir para a formação da alma da consciência.
Não obstante, a fase da alma da consciência surge naturalmente. Mas parece que a alma da consciência não nasce da personalidade do homem grego ou romano; porém como algo que lhe é implantado de fora.
A ligação com os seres divino espirituais e a separação deles, tantas vezes mencionadas nestas considerações, realizaram se no decorrer dos tempos com intensidade variável. Em épocas antigas, era uma força que atuava vigorosamente na evolução da humanidade. Na experiência dos gregos e romanos, durante os primeiros séculos cristãos, a força atuante era menor; mas existia. Enquanto desenvolviam plenamente a alma da razão ou da índole, os gregos e os romanos sentiam de forma inconsciente mas significativa para a alma que estavam se desprendendo da essencialidade divino espiritual e que o elemento humano estava se tornando autônomo. Esse processo terminou nos primeiros séculos cristãos. As primeiras manifestações surdas da alma da consciência eram sentidas como um relacionamento com o divino espiritual. A evolução levou de uma maior autonomia da alma para uma autonomia menor. 0 conteúdo do cristianismo não podia ser acolhido pela alma da consciência porque esta não podia ser recebida pela entidade humana.
Por esse motivo, o conteúdo cristão era sentido como algo recebido do mundo espiritual exterior, mas não como algo com o qual se pudesse unir-se pelas forças cognitivas.
A situação era diferente nos povos vindos do nordeste que estavam fazendo sua entrada na história. Eles tinham atravessado a época da alma da razão ou da índole num estado que sentiam como dependência dos mundos espirituais. Só começaram a sentir algo da autonomia humana quando as primeiras forças da alma da consciência vieram a manifestar se nos primórdios do cristianismo. Eles sentiam a alma da consciência como algo ligado à entidade humana; quando ela refulgia neles, eles sentiam em si o alegre desabrochar de uma energia interior.
0 conteúdo do cristianismo veio juntar se, nesses povos, ao alvorecer da alma da consciência. Sentiam esse conteúdo como algo que lhes brotava na alma, e não como algo recebido de fora.
Foi nesse estado de espírito que esses povos entraram em contato com o Império Romano e tudo o que a ele se relacionava; era a mentalidade do arianismo, em oposição ao atanasianismo, divergência da qual resultou um profundo contraste interior na evolução da história universal.
0 que atuava na alma da consciência dos gregos e romanos, exterior ao homem, era a essência divino espiritual que não conseguiu unir se totalmente com a vida terrena para a qual ela apenas irradiava de fora. 0 elemento divino espiritual que conseguiu unir se com a humanidade atuava de maneira ainda fraca na alma da consciência dos francos, germanos, etc. e ali germinava apenas muito de leve.
0 passo seguinte foi que o conteúdo cristão que vivia na alma da consciência pairando acima do homem, passou a espalhar se na vida; aquele elemento que se tinha unido com a alma, permaneceu no interior do homem como anseio ou impulso na expectativa de um desabrochar, que só podia acontecer quando a alma da consciência tinha atingido uma determinada fase do seu desenvolvimento.
Durante o período entre os primeiros séculos cristãos e o desabrochar da alma da consciência, vemos pairar acima da humanidade, como vida espiritual relevante, um conteúdo espiritual com o qual o homem não consegue ligar se pelo conhecimento. Liga se então de uma maneira exterior; procura “explicá lo” e reflete sobre a incapacidade das forças anímicas de estabelecer uma ligação por meio do conhecimento. Distingue uma região que o conhecimento alcança, de outra onde não consegue chegar. E passa a renunciar à perspectiva de usar forças anímicas que fossem capazes de elevar se, pelo conhecimento, ao mundo espiritual. Chega então a época, na virada dos séculos XVII e XVIII, na qual as forças cognitivas dirigidas ao espiritual passaram a abandonar a idéia de conhecê lo. Os homens começam então a dirigir suas forças anímicas apenas àquilo que pode ser percebido pelos sentidos.
Foi principalmente no século XVIII que as forças cognitivas se tornam impróprias para captar o espiritual.
Os pensadores perdem então, em suas idéias, o conteúdo espiritual. Afirmam, no idealismo da primeira metade do século XIX, que as idéias em que não havia espírito presente são o conteúdo criador do mundo. É a maneira de pensar de Fichte, Schelling, Hegel, ou apontam para algo supra sensível que perde toda consistência, por carecer de conteúdo espiritual; assim fazem Spencer, John Stuart Mill, etc. As idéias são mortas quando não procuram o espírito vivo.
A visão do espiritual perde se, pois irremediavelmente.
Não é possível “continuar” com a antiga maneira de se conhecer o espiritual. As forças anímicas, nas quais se desenvolve a alma da consciência, têm de almejar uma nova união, elementar e imediata, com o mundo espiritual. A Antroposofia pretende constituir essa busca.
Na vida espiritual da nossa época, as pessoas lideres são justamente aquelas que não compreendem o que a Antroposofia almeja. Isso mantém afastados dela, também amplos círculos que seguem a esses líderes. Estes perderam o hábito de usar suas forças espirituais. É como se pedíssemos a um indivíduo de usar um órgão que ficou paralisado. Pois as capacidades cognitivas superiores ficaram paralisadas do século XVI até a segunda metade do século XIX. A humanidade não teve consciência disso, pois considerava o uso unilateral das forças cognitivas dirigidas exclusivamente ao mundo sensorial, como um grande progresso.
Rudolf Steiner – Goetheanum, março de 1925
O DESABROCHAR DA ALMA DA CONSCIÊNCIA
Os gregos e os romanos são os povos com a melhor disposição para o desenvolvimento da alma da razão ou da índole, desenvolvimento que neles atinge sua perfeição. Mas esses povos não possuem os germes para progredir em linha reta até a alma da consciência. Sua vida anímica submerge na alma da razão ou da índole.
Contudo, no período que se estende do nascimento do cristianismo até a época da alma da consciência, existe um mundo espiritual que não se une com as forças anímicas do homem; estas “explicam” o mundo espiritual mas não o vivenciam.
Entre esses povos que investem contra o Império Romano, partindo do nordeste, durante a chamada “migração dos povos”, ocorre uma apreensão da alma do intelecto ou da índole por meio dos sentimentos. Em compensação, forma se, em suas almas, a alma da consciência. A vida íntima desses povos aguarda a época em que uma plena união da alma com o mundo do espírito seja novamente possível.
Rudolf Steiner – 05/04/1925
DA NATUREZA À SUB-NATUREZA
Fala se que, com a superação da era da filosofia, aproximou se à era das ciências naturais, em meados do século XIX. Afirma se também que essa era cientifica ainda perdura hoje, havendo todavia muitos indivíduos afirmando que se voltou a certas intenções filosóficas.
Tudo isso corresponde aos caminhos do conhecimento, seguidos pela época mais recente, mas não aos caminhos da vida. Com suas representações mentais o homem ainda vive na natureza, embora leve também o pensar mecanicista a suas concepções sobre a natureza. Mas, com sua vontade, vive tão intensamente numa mecânica de processos técnicos que isso deu, há muito tempo, à era das ciências, uma nuança totalmente nova.
Se quisermos compreender a vida humana, temos de enfocá la de dois lados. 0 homem traz de suas vidas passadas a capacidade de formar conceitos a respeito do elemento cósmico que atua a partir da periferia da Terra e dentro do âmbito da Terra. Pelos sentidos percebe o cósmico que atua na Terra, e ele pensa, pela sua organização intelectiva o cósmico que atua sobre a Terra a partir do mundo que a circunda.
Vive dessa forma no perceber pelo seu corpo físico; e no pensar pelo seu corpo etérico.
Aquilo que ocorre no corpo astral e no Eu, reina em regiões mais escondidas da alma. Reina, por exemplo, no destino. Mas não se deve logo procurá lo em relações complicadas do destino, porém nos processos vitais simples e elementares. 0 homem une se com certas forças da Terra, dirigindo seu organismo em direção a elas. Aprende a manter se na vertical e a locomover se, aprende a colocar se com seus braços e mãos no equilíbrio das forças terrestres.
Essas forças, porém, não atuam a partir do cosmo; são meramente terrestres.
Na realidade, nada do que o homem vivência é abstrato. Só que ele não discerne de onde vem a vivência e por isso leva as idéias acerca da realidade à abstração. Ele fala em regularidades mecânicas, acreditando tê las abstraído do contexto da natureza. Todavia tal não é o caso; as leis mecânicas que o homem vivência na alma, ele as experimentou no seu relacionamento com o mundo terrestre (pela posição ereta, pelo andar, etc.).
Logo, a regularidade mecânica se caracteriza como algo meramente terrestre. Pois as regularidades que se manifestam na natureza nas cores, nos sons, etc., fluíram para o âmbito terrestre a partir do cosmo. É só no âmbito terrestre que o elemento mecânico também implantado naquilo que existe de acordo com a natureza, da mesma forma como o homem também tem a vivência do mecânico apenas no âmbito da Terra.
A maior parte daquilo que atua na civilização através da técnica e se acha intimamente ligado à vida humana, não faz parte da natureza mas de uma sub natureza. É um mundo que se emancipou para baixo da natureza.
Vemos o homem oriental que procura chegar ao espiritual, esforçar se para desprender se dos estados de equilíbrio que são determinados apenas pelas forças da Terra. Ele se coloca, na meditação, numa posição que o integra em um equilíbrio meramente cósmico; ai a Terra não atua mais sobre a orientação do seu organismo (Menciono isso não como algo a ser imitado, mas para tornar claro o que acaba de ser dito. Quem conhece meus escritos, sabe como se diferenciam, a esse respeito, a vida espiritual oriental e aquela do ocidente).
0 homem necessitava relacionar se com o elemento meramente terrestre, para desenvolver a alma da consciência. Nasceu daí a tendência, presente nos tempos mais recentes, de levar também para o fazer aquilo que deve impregnar a sua maneira de ser. Entrosando se no que é exclusivamente terreno, ele se defronta com Arimã. É necessário que estabeleça, entre seu próprio ser e esse elemento arimânico, uma relação correta.
Mas na evolução que a era da técnica tem seguido até agora, o homem não teve a possibilidade de relacionar se corretamente com a cultura arimânica. 0 homem precisa encontrar a energia e a força do conhecimento interior que o capacitem para não ser subjugado por Arimã em meio à civilização técnica. Ele tem de compreender a sub natureza como tal. Só o conseguirá elevando se, pela cognição espiritual, pelo menos, tão alto na supra natureza extra terrestre quanto desceu, na técnica à sub-natureza. Essa era necessita de um conhecimento que transcenda a natureza, pois tem de superar, interiormente, um conteúdo existencial que desceu abaixo da natureza e atua de uma maneira bem perigosa. Não pretendemos, naturalmente, que se volte a fases anteriores da civilização; opinamos que o homem deve encontrar o caminho que estabeleça uma relação certa das novas convicções da civilização, para com ele próprio e com o cosmo.
São pouquíssimas as pessoas que sentem hoje em dia as importantes tarefas espirituais que estão se concretizando para o homem. É necessário reconhecer que a eletricidade a qual foi elogiada, depois de sua descoberta, como a alma de toda existência natural – é intrinsecamente a força que conduz da natureza à sub natureza. 0 importante é que o homem não a acompanhe nessa descida.
Nos tempos em que ainda não existia uma técnica independente da natureza propriamente dita, o homem encontrava o espírito na contemplação da natureza. Na medida em que se tornou autônoma, a técnica fez com que o homem fixasse seu olhar no mundo material e mecânico como se fosse o único que satisfizesse a ciência. Ora, não havia lugar, nesse mundo, para o divino espiritual onde a humanidade teve sua origem. Essa esfera o dominava exclusivamente pelo elemento arimânico.
Uma ciência do espírito cria a esfera oposta na qual nada de arimânico existe. Acolhendo, pelo conhecimento, aquela espiritualidade à qual as potências arimânicas não tem acesso, o homem adquire forças para opor se a Arimã no mundo.
Rudolf Steiner – Goetheanum, março de 1925
CIVILIZAÇÃO TÉCNICA – A NATUREZA E A SUB-NATUREZA
Na época das ciências naturais que começa em meados do século XIX, a atividade cultural dos homens desliza não só para as regiões mais baixas da natureza, mas abaixo da natureza. A técnica vem a ser sub-natureza.
Isso faz necessário que o homem chegue a vivenciar uma cognição espiritual por meio da qual se eleva tão alto na super natureza quanto desceu abaixo da natureza, devido à atividade técnica sub natural. 0 homem cria dessa forma em seu interior a força para não afundar.
Uma concepção mais antiga da natureza ainda continha em si o espírito com o qual se relacionava a origem da evolução humana; pouco a pouco, esse espírito desapareceu da ciência e o espírito meramente arimânico penetrou a e fluiu dela para a civilização técnica.
Rudolf Steiner – A Natureza e a Sub Natureza
MICAEL, ARTHUR E O GRAAL
(…) Em nossa época o impulso do Ser conhecido na terminologia cristã como arcanjo Michael é responsável pela condução espiritual de nossa civilização. Esta direção Michaélica da vida espiritual – se assim a pudermos chamar –teve seu início por volta de 1870 e foi precedida pela regência de Gabriel, como já lhes disse. Eu agora vou falar-lhes algo acerca de alguns aspectos da presente época Michaélica.
Sempre que Michael envia seus impulsos à evolução humana terrena ele é o portador de forças solares, das forças espirituais do Sol. Isto está conectado com o fato de os homens receberem durante o estado de consciência de vigília estas forças solares em seus corpos físico e etérico.
Na presente época de regência Michaélica – que principiou há relativamente pouco tempo e que durará por três ou quatro séculos – isto significa que as forças cósmicas do Sol penetram diretamente nos corpos físico e etérico humanos. Aqui poderíamos perguntar: Que espécie de forças, que tipo de impulsos são estas forças cósmicas solares?
Michael é essencialmente um espírito solar. E ele é o Espírito cuja tarefa em nossa época é suscitar um entendimento mais profundo e esotérico das verdades do Cristianismo.
Cristo veio do Sol. Cristo, o Ser do Sol, habitou na Terra no corpo de Jesus e vive desde então em comunhão supra-sensível com o mundo dos seres humanos. Porém, antes que o Mistério ligado ao Cristo possa revelar-se à alma, a humanidade precisa estar suficientemente madura. Este necessário aprofundamento será em grande extensão, atingido durante a presente era de Michael.
Ora, sempre que forças solares atuam sobre a Terra, elas estão invariavelmente ligadas ao impulso que flui à civilização terrestre como uma onda transbordante de intelectualidade, pois em nossa esfera de existência tudo o que os seres humanos possuam em termos de intelectualidade ou inteligência deriva do Sol. O Sol é a fonte de toda a vida intelectual que opera a serviço do Espírito.
O pronunciamento desta verdade pode evocar certa resistência hoje, pois as pessoas corretamente não atribuem um grande valor ao intelecto em sua presente forma. Aqueles que têm algum entendimento da vida espiritual não dão grande importância à intelectualidade prevalente na era moderna. Ela é abstrata e formal, enchendo a mente humana com idéias e conceitos inteiramente distantes da realidade viva. Comparada à cálida, radiante e pulsante vida através do mundo e da humanidade, ela é fria, seca e infrutífera.
No que diz respeito à inteligência, entretanto, isto somente se aplica ao tempo presente, uma vez que estamos no início da época de Michael e o que possuímos como inteligência está apenas no começo de seu desenvolvimento na consciência humana geral. Com o tempo, essa inteligência assumirá um caráter totalmente diferente. A fim de perceber como a natureza da inteligência muda durante o curso da evolução humana, recordemos que na época medieval o filósofo cristão Tomás de Aquino ainda falava de Seres, de “Inteligências Planetárias”, inteligências habitando as estrelas. Em contraste com a visão materialista que hoje vigora, nós mesmos também consideramos as estrelas como colônias de seres espirituais. Isto pode parecer estranho e artificial aos ouvidos do homem moderno que não tem a mais remota idéia de que ao contemplar as estrelas olha para Seres que se relacionam de certo modo com sua própria vida, e que habitam as estrelas da mesma forma como nós habitamos a Terra.
No século treze, quando Tomás de Aquino falou de Seres nas estrelas, ele atribuiu a cada estrela um Ser Único, da mesma forma como a humanidade terrena poderia ser considerada como uma unidade se a Terra fosse observada de algum corpo celeste distante. Nós mesmos sabemos que as estrelas devem ser concebidas como colônias de Seres no Cosmo. Tomás de Aquino não falava de seres específicos ou números de seres habitando as estrelas, mas quando se referia às “Inteligências” das estrelas, esta autoridade da doutrina cristã medieval estava dando continuidade a uma tradição que naquele tempo já estava quase morrendo. Isto é uma indicação de que o que é compreendido por inteligência hoje foi outrora compreendido de maneira inteiramente diferente.
Em tempos muito antigos os seres humanos não produziam seus pensamentos a partir de si mesmos. Quando eles pensavam sobre as coisas do mundo, seus pensamentos não eram produto de sua própria atividade interior. A faculdade do pensar, a propriedade de formar os pensamentos só veio a se desenvolver plenamente a partir do século XV, desde a entrada da Alma da Consciência na evolução da humanidade. Em tempos mais remotos, pré-cristãos, jamais teria ocorrido às pessoas acreditar que pudessem formar seus próprios pensamentos; elas não se sentiam responsáveis pela formação de seus pensamentos, mas antes, que eles lhes eram revelados a partir das coisas do mundo. Elas sentiam: a inteligência é universal, cósmica; ela está contida nas coisas do mundo; o conteúdo inteligente das coisas, o pensamento vivente nas coisas do mundo é percebido, tal como as cores são percebidas; o mundo é pleno de inteligência, permeado em toda parte pela Inteligência. No curso da evolução a humanidade adquiriu uma gota da Inteligência que se espalha e permeia todo o universo. Esta era a concepção de antigos tempos.
E assim os seres humanos estavam conscientes todo o tempo de que seus pensamentos eram revelados a eles, eram-lhes inspirados. Ou seja, as pessoas atribuíam Inteligência somente ao Universo, não a si mesmas.
Através das eras, o regente da Inteligência Cósmica, que se derrama como luz sobre todo o mundo, foi sempre o Espírito conhecido pelo nome de Michael. Michael é o Regente da Inteligência Cósmica. Contudo, após o Mistério do Golgotha ocorreu algo de profundo significado para o domínio de Michael sobre a Inteligência Cósmica, fazendo com que ela gradualmente deixasse sua esfera. Desde os primórdios da Terra, Michael tem administrado a Inteligência Cósmica. E no tempo de Alexandre e Aristóteles quando os seres humanos tinham consciência dos pensamentos – isto é, do conteúdo da inteligência dentro deles — eles não consideravam estes pensamentos como seus próprios, como pensamentos auto-forjados. Eles os sentiam como revelação dada a eles pelo poder de Michael, embora naquela era pagã este ser fosse conhecido por um nome diferente. Este conteúdo que lhes preenchia o pensamento então gradualmente deixou a esfera de Michael. E se nós olharmos dentro do mundo espiritual veremos que por volta do século VIII/ IX, a descida da Inteligência do Sol para a Terra se consumou. No século IX as pessoas já começavam aqui e ali, como precursores dos que viriam mais tarde, a desenvolver uma inteligência pessoal própria. A inteligência começou a criar raízes nas almas de seres humanos individuais. E assim, olhando desde o Sol para a Terra, Michael e suas hostes podiam dizer: “Aquilo que regemos através dos tempos retirou-se de nosso domínio, fluiu para baixo e pode agora ser encontrado nas almas humanas na Terra.”
Tal era a atmosfera, o sentimento prevalente na comunidade Michaélica sobre o Sol. Durante a era de Alexandre e por uns poucos séculos antes dela, Michael exercera sua regência prévia. Por ocasião do Mistério do Golgotha, entretanto, Michael e suas hostes estavam na esfera solar e de lá testemunharam a partida do Cristo do Sol; eles não testemunharam, como aqueles que se encontravam embaixo, a chegada do Cristo à Terra. Michael e suas hostes testemunharam a partida do Cristo e ao mesmo tempo viram que seu domínio sobre a Inteligência foi gradualmente se retirando de seu alcance.
Logo após o Mistério do Golgotha, portanto, o curso do desenvolvimento se deu da seguinte forma: Cristo desceu à Terra e viveu em união com ela. Até o século VIII ou IX a Inteligência Cósmica foi pouco a pouco descendo à Terra; e as pessoas começaram a atribuir o que elas chamavam de conhecimento – o que elas desenvolviam em seus pensamentos – à sua própria inteligência. Michael viu que aquilo que ele administrara por tempos encontrava-se agora nas almas humanas. E assim a comunidade michaélica compreendeu: “Durante nosso próximo período de regência – que se iniciará no último terço do século XIX – quando nossos impulsos uma vez mais serão lançados sobre a civilização terrestre, nós teremos de buscar sobre a terra a Inteligência que desceu dos céus, a fim de podermos novamente administrar – agora nos corações e almas humanos – o que por anos regemos desde o Sol”. Deste modo a comunidade michaélica preparou-se para encontrar nos corações humanos o que caíra de seu domínio e que sob a influência do Mistério do Golgotha também tomara o caminho, embora lentamente, do céu para a Terra.
Eu agora gostaria de indicar brevemente como Michael e suas hostes se empenharam para que, com o início de sua nova era de regência, eles pudessem uma vez mais retomar o domínio sobre a Inteligência que descera dos céus. Desse momento em diante, Michael que buscava desde o Sol aqueles que na Terra percebiam o espiritual no cosmo, desejava estabelecer sua cidadela nas almas e corações dos seres humanos terrenos. Isto deve acontecer em nossa época. O Cristianismo deve ser conduzido a um reino de verdades mais profundas, visto que o entendimento do Cristo como Ser Solar deve surgir entre os homens com a ajuda de Michael, o Espírito Solar que foi sempre o regente da Inteligência cósmica, e que já não pode agora administrá-la do Cosmos, mas deseja no futuro regê-la através dos corações humanos.
Ao procurar descobrir a origem e a fonte da Inteligência qualquer que seja a forma em que ela se revele, as pessoas olham hoje para a cabeça humana porque tendo descido dos céus para a Terra, a Inteligência tece dentro da alma e se manifesta internamente por meio da cabeça. Não foi sempre este o caso; houve tempo em que os seres humanos buscavam a Inteligência ou sua essência tal como ela se revelava desde o Cosmos. Em tempos antigos as pessoas procuravam a inteligência não pelo desenvolvimento das faculdades da cabeça, mas buscando as inspirações transmitidas a elas pelas forças cósmicas.
Um exemplo de como a humanidade de outras épocas buscava a Inteligência Cósmica pode ser encontrado quando se visita, como fizemos nós no último domingo, aquele local em Tintagel que foi uma vez o sítio do Castelo do Rei Arthur e onde Arthur e seus companheiros exerceram um poder de enorme significado para a Europa.
A partir dos relatos contidos em documentos históricos não será fácil formar uma verdadeira concepção das tarefas e missão do Rei Arthur e sua Távola Redonda, como era chamada. Isto, no entanto, torna-se possível quando se permanece no real sítio do castelo e se contempla com o olho do espírito toda a extensão do mar que o rochedo de permeio parece dividir em dois. Ali, por um lapso de tempo relativamente curto, pode-se perceber o maravilhoso relacionamento entre a luz e o ar, e também os seres elementais viventes na luz e no ar. Pode-se ver seres espirituais fluindo à Terra nos raios de sol, pode-se vê-los refletidos nas cintilantes gotas de chuva, pode-se ver o que se encontra sob o domínio da gravidade aparecendo no ar como espíritos do ar mais densos. E novamente, quando a chuva para, e os raios de sol voltam a brilhar através do ar cristalino, pode-se perceber os espíritos elementais entremesclando-se de maneira bem diferente. Ali se pode testemunhar como o sol atua sobre a substância terrestre, e observando tudo isso de um lugar como este, é como se fôssemos tomados de uma espécie de piedade pagã – não cristã, mas pagã, que é algo totalmente diferente. A piedade pagã é uma entrega do coração e dos sentimentos à multiplicidade de seres atuantes nos processos da natureza.
Em meio às condições da vida social moderna não é possível para as pessoas, de um modo geral, aperceber-se dos processos que vêm à expressão no curso das forças da natureza. Estas coisas só podem ser penetradas pelo conhecimento iniciático. Mas vocês devem compreender que cada conquista e avanço espiritual dependem fundamentalmente de alguma condição essencial.
No exemplo que lhes dei esta manhã para ilustrar como o conhecimento do fenômeno material pode ser incrementado e expandido, eu falei do entretecimento e da harmonização do carma de dois seres humanos como um fator necessário. E nos dias do Rei Arthur e aqueles à sua volta, condições especiais também eram requeridas para que a espiritualidade tão maravilhosamente revelada e nascida pelo movimento do mar nos rochedos pudesse fluir para suas tarefas e missão.
Este inter-relacionamento entre o ar transpenetrado pela luz do sol e as ondas espumantes se mantém ainda hoje. Sobre o mar e as rochas deste lugar, a natureza ainda transborda de espírito. Mas apoderar-se das forças espirituais atuantes na natureza estaria além das possibilidades de um único indivíduo. Um grupo era necessário, um grupo cujo membro que se sentisse representante do sol deveria estar no centro, e cujos doze companheiros eram treinados de sorte que no temperamento, disposição e maneira de agir, todos juntos formassem um todo duodécuplo: doze indivíduos reunidos como as constelações zodiacais agrupadas ao redor do sol. Tal era a Távola Redonda: o Rei Arthur ao centro, circundado pelos doze, sendo que acima de cada um deles um símbolo zodiacal estava disposto, indicando a qualidade particular da influência cósmica com a qual estava associado. Forças civilizatórias partiram deste lugar para a Europa. Foi aqui que o Rei Arthur e seus doze Cavaleiros extraíram do Sol para dentro de suas almas as forças para apresentar em suas poderosas expedições através da Europa em batalhas contra os poderes selvagens e demoníacos que ainda dominavam grandes massas da população, expulsando-os dos seres humanos. Sob a direção do Rei Arthur estes Doze batalhavam pela civilização exterior.
Para compreender o que os doze sentiam acerca de si mesmos e sua missão, devemos lembrar que naqueles tempos as pessoas não se reconheciam como portadoras de uma inteligência pessoal própria. Elas não diziam: “Eu formo meus pensamentos; meus pensamentos estão preenchidos com minha própria inteligência”. As pessoas experimentavam a inteligência como revelação, e buscavam esta revelação mediante a formação de grupos como o que acabei de descrever – um grupo de doze ou treze. Ali eles assimilavam a Inteligência que lhes possibilitava dar direção e definição aos impulsos necessários à civilização. E este grupo também sentia que realizava seus feitos a serviço do poder conhecido na terminologia hebraico-cristã como Michael. Toda a configuração do castelo de Tintagel indica que os doze sob a direção de Arthur eram essencialmente uma comunidade Michaélica, pertencendo à era em que Michael ainda regia a Inteligência Cósmica.
Esta foi comunidade que verdadeiramente por mais tempo que qualquer outra trabalhou para assegurar que Michael mantivesse seu domínio sobre a Inteligência Cósmica. Nas ruínas do castelo do Rei Arthur hoje, a crônica do Akasha ainda preserva as imagens das pedras caindo daqueles que haviam sido tão poderosos portais, e estas pedras caindo tornam-se uma imagem para a queda da Inteligência Cósmica, retirando-se das mãos de Michael para as mentes e corações dos seres humanos.
Num outro lugar, esta corrente Arturiano-Michaélica tem seu contraste polar na corrente do Graal, da qual nos fala a lenda de Parsival. Esta outra corrente veio à existência em um lugar onde uma forma mais íntima de Cristianismo buscara refúgio. Na corrente do Graal também, nós temos Doze ao redor de Um, mas neste caso, considera-se que a Inteligência – os pensamentos preenchidos pela Inteligência – já não fluem como revelação do Céu para a Terra. O que agora flui descendentemente, quando comparado aos pensamentos terrenos, se parece com o puro tolo, Parsival. Assim, a corrente do Graal entende que a Inteligência deve agora ser buscada dentro da esfera terrena apenas.
Lá ao norte, fica o Castelo de Arthur, onde os seres humanos ainda se votam à Inteligência Cósmica, esforçando-se para imprimir a Inteligência pertencente ao Universo na civilização terrena. E mais ao sul, encontra-se o outro castelo, o Castelo do Graal, no qual a Inteligência já não é absorvida do Céu, onde se compreende que o que é sabedoria ante a humanidade é tolice diante de Deus e o que é sabedoria diante de Deus é tolice perante os homens. O impulso procedente deste outro castelo ao sul, busca penetrar a Inteligência que já não é Inteligência Cósmica.
E assim, em tempos antigos e prosseguindo para a era em que o Mistério do Golgotha ocorreu na Ásia, encontramos na corrente de Arthur um esforço intenso para assegurar o domínio Michaélico sobre a Inteligência, enquanto na corrente do Graal, que emergiu da Espanha, encontramos um esforço que leva em conta o fato de que a Inteligência deve no futuro ser encontrada na Terra, uma vez que já não flui do Céu. A importância do que acabei de descrever-lhes transparece em toda a lenda do Graal.
O estudo destas duas correntes traz à luz a grande questão surgida da situação histórica daquele tempo. Os seres humanos são confrontados com as conseqüências – os pós-efeitos – de ambos os princípios: o Arturiano e o do Graal. A questão é : Como é que o próprio Michael, não um ser humano como Parsival, mas o próprio Michael, pode encontrar o caminho que leva dos cavaleiros de Arthur que procuram assegurar-lhe a soberania cósmica, para os cavaleiros do Graal, que intentam preparar o caminho para Ele nos corações e almas humanos a fim de que Ele possa desse modo retomar a Inteligência? Aqui o grande problema de nossa era toma forma: Como pode a nova era de Michael produzir um entendimento mais profundo do Cristianismo? De forma arrebatadora esta questão nos confronta, marcada pelo contraste entre os dois castelos: aquele do qual as ruínas podem ser vistas ainda hoje em Tintagel, e o outro castelo que não será facilmente visto por olhos humanos, uma vez que no reino espiritual ele está envolto como que por uma floresta sem trilha, com sessenta léguas de cada lado.
Entre estes dois castelos paira a grande questão: Como pode Michael tornar-se o doador do impulso que conduzirá a uma compreensão mais profunda das verdades do Cristianismo?
Ora, não seria correto dizer que os cavaleiros do Rei Arthur não lutavam por Cristo e pelo verdadeiro impulso Crístico. Simplesmente acontece que eles traziam em si um impulso para buscar o Cristo no Sol e não abandonariam sua convicção de que o Sol era a fonte do Cristianismo. Daí seu sentimento de estarem trazendo o Céu para a Terra, de que as batalhas de Michael eram travadas por Cristo que atua desde os raios do Sol. Mas na corrente do Graal, o impulso Crístico é expresso de forma diferente. Ali as pessoas tomam consciência de que o impulso Crístico, tendo descido à Terra, deve daí em diante ser levado a efeito por meio dos corações humanos. Pois elas estavam convencidas de que a Essência espiritual do Sol se unira à evolução terrestre.
Eu já lhes falei em outras ocasiões de indivíduos que no século XII ensinavam e atuavam na Escola de Chartres, onde ensinamentos, ainda inspirados por uma elevada e sublime espiritualidade, eram transmitidos. Falei-lhes em particular dos mestres da Escola de Chartres, entre eles, Bernardus Sylvestris, Bernard de Chartres, Alanus ab Insulis – e ainda havia outros, também rodeados por um grande círculo de pupilos. Recordando-nos do que era especialmente característico destes mestres em Chartres, poderíamos dizer: Em certa medida eles ainda preservavam consigo as antigas tradições da natureza de vitalidade fecundante em oposição a uma natureza material abstrata e sem vida. E esta era a razão pela qual ainda pairavam sobre a Escola de Chartres elementos daquele Cristianismo Solar que os heróis da Távola Redonda, como cavaleiros de Michael, lutavam para implantar como impulso no mundo.
De maneira notável a Escola de Chartres encontrava-se a meio caminho entre o princípio Arturiano do Norte e o princípio do Graal mais ao Sul. E como imagens lançadas pelo castelo do Rei Arthur e pelo castelo do Graal, impulsos invisíveis, supra-sensíveis abriram caminho, não tanto para o cerne dos ensinamentos, senão que para toda a atitude e disposição de alma reinante entre os pupilos que se reuniam com grande entusiasmo nos salões de conferência de Chartres– como seriam hoje chamados. Naqueles tempos o Cristianismo apresentado por estes mestres era tal que Cristo era concebido como o sublime Espírito Solar que aparecera em Jesus de Nazaré. De sorte que quando os mestres falavam do Cristo eles viam seu impulso em ação na evolução terrena nos termos da idéia do Graal, e ao mesmo tempo também viam n’Ele o impulso que descera do Sol.
O que é revelado à observação espiritual como essência e nota chave dos ensinamentos dados em Chartres não pode ser descoberto a partir dos textos literários que sobreviveram ao tempo e foram atribuídos aos conhecidos Mestres desta Escola. Para um moderno estudioso tais escritos parecem não passar de glossários de nomes. Mas nas breves sentenças que se interpõem entre as incontáveis designações, nomes, definições, aqueles que lêem com penetração espiritual poderão discernir a profunda espiritualidade, o profundo insight que ainda possuíam os Mestres de Chartres.
Em direção ao final do século XII, estes professores passaram através do portal da morte para o mundo supra-sensível. E lá eles se uniram a uma outra corrente, a qual também estava ligada à antiga era de Michael, mas que considerava plenamente como verdade central do Cristianismo, que o impulso do Cristo descera dos Céus à Terra. No mundo espiritual, os mestres de Chartres entraram em contato com tudo o que os antigos Aristotélicos haviam alcançado em preparação para o Cristianismo como resultado das expedições de Alexandre à Ásia. Eles inclusive entraram em contato com a própria individualidade que vivera como Aristóteles, bem como a de Alexandre – que estavam então no mundo espiritual. O impulso do qual estas duas individualidades eram portadoras não podia se manifestar na Terra naquele tempo porque para isso era necessário o abandono do antigo Cristianismo inspirado pela natureza, que ainda se refletia nos ensinamentos de Chartres, nos quais, assim como na Távola Redonda de Arthur, o Cristianismo pagão, pré-cristão prevalecia. Nos dias de Chartres não era possível para os Aristotélicos – aqueles que haviam estabelecido e promovido o Alexandrismo – estar na Terra. Seu tempo viria mais tarde, começando no século XIII.
No intervalo que se deu, entretanto, sucedeu algo de grande significado. Quando os mestres de Chartres e os que estavam associados a eles passaram pelo umbral da morte ao mundo espiritual, eles se reuniram com as almas daqueles que se preparavam para descer ã Terra e que seriam levados por seu carma à Ordem que, sobretudo, estava conectada com o cultivo do conhecimento em sua forma Aristotélica __ os Dominicanos. Os representantes de Chartres se juntaram então àqueles que se preparavam para uma nova existência.
Usando palavras triviais da linguagem contemporânea, eu vou então descrever-lhes o que se passou. Na virada do século XII para XIII, ou no início do século XIII – uma espécie de conferência teve lugar entra as almas dos que acabavam de chegar ao mundo espiritual e aquelas que estavam prestes a descer. E chegaram a um solene acordo, no qual o Cristianismo Solar tal como expresso, por exemplo, no princípio do Graal e também nos ensinamentos de Chartres deveria agora unir-se com o Aristotelismo. Aqueles que desceram à Terra tornaram-se os fundadores da Escolástica, cujo significado espiritual jamais foi realmente acessado, e no qual, a princípio, as pessoas esperavam ganhar o dia por sua visão de imortalidade pessoal no sentido cristão advogando-a da maneira mais extrema e radical. Os mestres de Chartres punham menos ênfase sobre este princípio da imortalidade humana pessoal. Eles falavam menos de uma imortalidade pessoal, individual, do que faziam os Dominicanos Escolásticos. Eles ainda se inclinavam à visão segundo a qual a alma tendo passado pelo portal da morte retorna ao seio do Divino.
Muitos acontecimentos significativos estiveram ligados ao que aqui se passou. Por exemplo: Quando um dos Escolásticos descera à Terra do mundo espiritual para trabalhar em prol da disseminação do Cristianismo em forma Aristotélica, ele ainda não era, a princípio, plenamente capaz de compreender a essência do princípio do Graal. O carma o havia predisposto a isto. E esta é a razão para o aparecimento relativamente tardio da versão de Wolfram Von Eschenbach da história do Graal. Outra alma que desceu à Terra um pouco depois desta primeira trouxe consigo o impulso que era necessário e dentro da Ordem Dominicana, deliberações foram tomadas entre o dominicano mais jovem e o mais velho acerca da forma como o Aristotelismo poderia se unir com o Cristianismo que, inspirado na natureza, prevalecia na corrente dos mistérios Arturianos.
Então veio o tempo em que aquelas individualidades que viveram como mestres na Ordem Dominicana deviam retornar ao mundo espiritual. E agora um grande acordo se deu sob a liderança do próprio Michael que, olhando para a Inteligência que ora se encontrava na Terra, reuniu em torno de si Seres Espirituais pertencentes aos mundos supra-sensíveis, uma grande legião de seres elementais e muitas, muitas almas humanas desencarnadas que ansiavam por uma renovação do Cristianismo.
Porém era ainda muito cedo para que isto se realizasse no mundo fisico. Assim uma grande e poderosa Escola supra-sensível foi instituída sob a direção de Michael, abarcando todas aquelas almas em quem os impulsos do paganismo ainda ecoavam, mas não obstante ansiavam pelo Cristianismo, e aquelas almas que haviam vivido na Terra durante os primeiros séculos da cristandade e que traziam consigo em seu íntimo o cristianismo na forma que ele assumira então. Uma legião de seres michaélicos reuniu-se em reinos supra-sensíveis recebendo no mundo espiritual os ensinamentos que haviam sido transmitidos pelos mestres Michaelitas no tempo de Alexandre, o grande, no tempo da tradição do Graal e que também se fizeram sentir nos impulsos que emanaram da Távola Redonda do Rei Arthur.
As almas cristãs de todo tipo e qualidade sentiram-se atraídas por esta comunidade Michaélica em que, de um lado, profundos ensinamentos eram transmitidos acerca dos antigos mistérios e dos impulsos atuantes em outros tempos enquanto, de outro lado, uma visão do futuro era-lhes descortinada – quando, no último terço do século XIX Michael novamente atuaria como Espírito da época e quando todos os ensinamentos dados em sua Escola Celeste sob sua própria condução deveriam ser levados para a Terra.
Se vocês procurarem as almas que se reuniram em torno desta Escola de Michael naquele tempo, preparando-se para um período posterior quando se encarnariam, vocês as encontrarão entre elas muitos dos que agora sentem um impulso para se vincular ao movimento Antroposófico. O carma guiou estas almas. Na vida entre a morte e um novo nascimento eles se juntaram em torno do Ser de Michael preparando-se para levar à Terra uma vez mais um Cristianismo Cósmico.
O carma de muitas almas que se ligam à Antroposofia com real sinceridade está conectado com estes antecedentes e condições preliminares. É isto que faz do Movimento Antroposófico um verdadeiro movimento Michaélico, um movimento predestinado a levar o Cristianismo a uma renovação. Isto jaz no carma do Movimento Antroposófico. Isto está também no carma de muitos indivíduos que vêm com sinceridade a este movimento. Levar ao mundo o impulso de Michael que pode desta forma ser configurado em sua concreta realidade, e que é anunciado como um sinal na Terra hoje, e também se expressa no maravilhoso intercurso das forças da natureza nas imediações das ruínas do Castelo de Arthur – esta é a tarefa do Movimento Antroposófico num sentido muito especial. Pois, ao longo dos séculos, o impulso de Michael deve encontrar seu caminho para o mundo dos seres humanos, se não quisermos que a civilização pereça na Terra.
Rudolf Steiner – GA 240 – Torquay, 21 de Agosto de 1924
TEATRO DA MENINA DA LANTERNA
Música: Eu vou com minha lanterna e ela comigo vai
No céu brilham estrelas, na Terra brilhamos nós
Minha luz se apagou, pra casa eu vou,
Com minha lanterna na mão. ( bis )
Era uma vez uma menina que alegremente carregava sua lanterna pelas ruas.
Menina: Eu vou com minha lanterna…
De repente chegou o vento e com grande ímpeto, apagou sua luz.
Menina: Ah! Quem poderá reascender a minha lanterna ?
Olhou para todos os lados mas não achou ninguém
( aparece o ouriço)
Que animal mais estranho, com espinhos nas costas,
olhos vivos, tão ligeiro, entre as pedras se esconde?
Ah, um ouriço aparece!
Menina: Querido ouriço! O vento apagou a minha luz; será que você sabe quem poderá acender a minha lanterna?
Ouriço: Não sei dizer-lhe, pergunte a outro! Não posso demorar.
Corro para casa , dos filhos cuidar!
Melodia 1
( aparece o urso)
Cabeça enorme, pesada, corpão peludo, desajeitado em lenta caminhada.
Grunindo, resmungando, assim surge o urso na floresta!
Menina: Querido urso, o vento apagou a minha luz; será que você sabe quem poderá acender a minha lanterna?
Urso: Não sei dizer-lhe, pergunte a outro.
Estou com sono, vou dormir e repousar. Hum, hum, hum…
Melodia 1
( aparece a raposa )
Quem, de pelo ruço, de passo furtivo, entre o capim se esgueira? É a raposa ! Seu focinho levanta e farejando, a menina descobre.
Raposa: Que fazes aqui na floresta? Volte já para casa. Estou caçando e você me afugenta os ratinhos!
Com tristeza, a menina percebeu que ninguém queria ajudá-la. Sentou-se sobre uma pedra e chorou.
Menina: Será que ninguém quer me ajudar ?
Melodia II
Estrelas: Pergunte ao sol. Ele poderá lhe ajudar.
Melodia II
Depois de ouvir o conselho das estrelas, a menina criou coragem para continuar seu caminho.
Melodia I
Finalmente chegou a uma casinha, dentro da qual, avistou uma mulher muito velha, sentada, fiando em sua roca. A menina abriu a porta.
Menina: Bom dia querida vovó!
Velha: Bom dia.
Menina: Será que a senhora sabe o caminho até o sol?
Venha comigo procurar o sol.
Velha: Não posso acompanhá-la. A roca não pode parar, eu fio sem cessar. Descanse um pouco, pois seu caminho é muito longo.
Melodia III
Depois que descansou, a menina pegou sua lanterna, despediu-se e continuou sua caminhada. A menina encontrou outra casinha no seu caminho: a casa do sapateiro. Este estava sentado em sua oficina consertando muitos sapatos. A menina abriu a porta.
Menina: Bom dia querido sapateiro.
Sapateiro: Bom dia.
Menina: Será que o senhor conhece o caminho até o sol? Venha comigo procurar o sol!
Sapateiro: Não posso acompanhá-la, tenho muitos sapatos para consertar. Descanse um pouco, pois seu caminho é muito longo.
Melodia III
Depois que descansou a menina pegou sua lanterna, despediu-se e continuou sua caminhada…Lá ao longe avistou uma montanha muito alta.
Menina: Com certeza, o sol mora lá em cima
E pôs-se a correr rápida como uma corça…No meio do caminho encontrou uma criança que brincava com uma bola.
Menina: Venha comigo, vamos até o sol!
Mas a criança nem respondeu, preferindo brincar com sua bola e afastou-se saltitante pelos campos. Então, a menina da lanterna continuou sozinha seu caminho. Foi subindo pela encosta da montanha.(melodia I).Quando chegou ao topo, não encontrou o sol.
Menina: Vou esperar aqui até o sol chegar.
Como estava muito cansada de sua caminhada, seus olhos se fecharam e ela adormeceu. ( Melodia IV 2x).O sol já tinha avistado a menina há muito tempo… Ao entardecer, o sol desceu até ela e acendeu sua lanterna.(Melodia IV).Depois que o sol voltou para o céu, a menina acordou.
Menina: Ah! A minha lanterna está acesa!
E com um salto, pôs-se alegremente a caminhar.( Melodia I ). Na volta reencontrou a criança da bola que lhe disse:
Criança: Perdi a minha bola e não a encontro mais no escuro.
Menina: Vou ajudá-la com a minha luz.
Música: Minha luz vou levando
Sempre dela cuidando
Se alguém precisar
Dela posso lhe dar.
Criança: Encontrei a bola!
A criança e afastou-se rapidamente. A menina da lanterna continuou seu caminho até o vale e chegou à casinha do sapateiro. O sapateiro estava sentado, muito triste na sua oficina.
Sapateiro: O fogo se apagou e agora minhas mãos estão duras de frio. Não consigo trabalhar mais.
Menina: Eu acenderei nova luz para você.
Música: Minha luz vou levando…
O sapateiro agradeceu, aqueceu as mãos e pôde novamente martelar e costurar com todo afinco os seus sapatos. A menina continuou sua caminhada até chegar a casa da velha fiandeira. O seu quartinho estava escuro.
Velha: Minha luz se apagou e não posso mais fiar,
disse a velha fiandeira.
Menina: Eu acenderei nova luz para você.
Música: Minha luz vou levando…
A fiandeira agradeceu e logo sua roca começou a girar, fiando, fiando…sem cessar. Depois de algum tempo, a menina chegou ao campo e todos os animais acordaram com o brilho da sua lanterna.
A raposinha ofuscada farejou para descobrir de onde vinha tanta luz.
O urso bocejou, grunhiu e tropeçando desajeitado foi atrás da menina.
O ouriço, muito curioso, aproximou-se da menina e perguntou:
Ouriço: De onde vem este vaga-lume tão grande?
Assim a menina voltou muito contente para casa, sempre cantando a sua canção:
Música: Minha luz vou levando…
Personagens: Menina da lanterna, Raposa, Urso, Ouriço, Menina da bola, Fiandeira, Sapateiro, Vento, 3 estrelas, Sol, Narrador
Peça Teatral
O INVERNO – SÃO JOÃO
O inverno , época em que a mente está naturalmente voltadas para o pensar .
As velas acesas são como flores do inverno. Elas falam de luz acesa por seres humanos, em contraste com a crescente escuridão do mundo exterior. Elas não duram mais que as flores. Elas trazem mais preocupação e precisam de mais cuidados que as lâmpadas elétricas e por isso podem ser relacionadas mais fortemente com a vivência humana do que qualquer mecanismo.
Elas espelham a atividade interior do pensar que se renova por si mesmo durante o inverno. As velas são testemunho de que há luz acesa nas mentes humanas para encontrarmos a inspiração enviada dos céus.
Na superfície da terra reina quietude, as plantas recolheram-se com suas sementes para debaixo da terra, sol está baixo o ar está frio, e o regente do inverno O Arcanjo Gabriel se movimenta neste período, ele promete que a luz celestial irá nascer novamente na terra. Ele traz para a alma humana a sabedoria que fala do nascimento do que é espiritual dentro do mundo terrestre.
O mistério da época de João é o da alma humana preenchida com devoção para com a graça do Cristo ; esta alma é dotada de luz e calor do espírito individual que nele vive.
Na festa de São João o fogo do espírito penetra na vontade humana com o objetivo de ter a coragem criativa necessária para se tomar o caminho de uma futura ressurreição e ascensão
Fogueira: calor que acende nossos corações para dar os impulsos do entusiasmo e do calor que acompanham os nossos atos.
Jardim Waldorf Colibri de São Paulo
A FESTA DE SÃO JOÃO – A FESTA DA HUMANIDADE
O sol no inverno aparece menos até surgir o dia mais curto e a noite mais longa, depois ele começa a aparecer cada vez mais, aumentando o dia e diminuindo a noite.
O sol surge como uma entidade espiritual no dia mais escuro do inverno, em nossos corações. Nesses dias escuros é quando procuramos ansiosamente a luz fora e dentro de nós.
O espírito da Terra através da inspiração, no seu recolhimento durante o inverno, chama pela nova vida, por um crescimento fresco e novo da Natureza.
Todas as sementes no inverno esperam na terra a luz solar, para depois do recolhimento surgir com mais força. Assim na época Romana a Terra vivia um grande recolhimento, um momento de secura de vida e esperava pela Luz de Cristo, que seria anunciada por São João. Pois a terra naquela época vivia um grande inverno.
Na época de São João aqui no hemisfério sul, a Terra faz a sua grande interiorização.
São João é a festa da Humanidade, do “Ser Homem”, na concepção cósmica do seu alto ideal.
Agora todas as criaturas da Natureza clamam pelas forças do Céu. A matéria procura o espírito, retornando à sua origem em expansão para o alto, para o mundo espiritual.
A qualidade que deve surgir na festa de São João no coração do Ser Humano é a Consciência.
A consciência que devemos ter através de São João é menos pessoal e é mais Universal, quando cada Ser Humano realiza que é um indivíduo que integra a Humanidade, que é membro da raça humana e responsável pela Terra. O Humano como parte de uma ordem Universal. A natureza cósmica da Terra em comunhão com as estrelas e com os seres vivos.
A capacidade que precisamos para reavivar a Consciência Universal é aquela através da imaginação no sentido cósmico. A mente deve expandir e sentir a vida do Universo.
No meio das festas Cristãs está a figura de São João Baptista. No círculo das festas, esta é a única que tem no centro a figura de um Ser Humano. É essencialmente a festa do HOMEM.
Após o presente celeste de Deus Pai, a chegada do “Espírito Santo” aos Homens em “Pentecostes”, em seguida vem a Festa do Homem – São João. Então ocorre nesse período um enorme desejo do Homem em realizar a sua Humanidade. Isso quer dizer a procura do Homem pela sua dignidade, a qual cada um aspira: “Homem torne-se o que você é!”. O Homem como criatura do Universo, nascido na mente de Deus, é um tesouro escondido, que vive como semente e ainda tem que crescer e maturar!
O que somos ainda é pequeno e os anjos e todo o céu esperam por aquilo que podemos ser no nosso desenvolvimento.
João Baptista foi o anunciador da vinda de Cristo. Ele realizou o batismo do Espírito Santo no Ser Jesus. Ele foi aquele que teve o conhecimento de Cristo. Os céus se abriram e Deus Pai, o filho e o Homem João Batista estavam unidos na trindade através do ato do qual o espírito de Cristo desceu em um Homem.
A festa de São João é o momento quando os olhos dos homens devem se erguer para ver o céu e reconhecer como Deus e o Homem estão inter-relacionados e relacionados com o Universo, de como somos seres Universais. A figura de São João nos lembra que o destino Cristão do Homem é se tornar o Filho de Deus!
João quer dizer: aquele que pertence ao “Ser Humano/Humanidade” e também aquele que nasceu do poder de Deus, o revelador do Divino em nós.
Tanto João o evangelista como João Baptista, ambos se tornaram aquele que reconheceram a verdadeira natureza de Cristo Jesus. Eles foram os primeiros onde o novo padrão Cristão de Ser Humano pode se tornar realidade. Por isso a nova Humanidade deve nascer deles, pois eles passaram pela transformação, morte e renascimento.
João Baptista disse aos seus seguidores: “Mudem seus corações e suas mentes, para se prepararem para o grande evento que está por vir; precisam verdadeiramente mudar a direção dos seus pensamentos e sentimentos!”.
João, representando naquele momento toda a Humanidade, realizou como Homem o ato que era necessário para que o Filho de Deus pudesse se realizar como Filho do Homem na Terra.
O João Baptista foi o anunciador de Cristo e o outro João o primeiro apóstolo. Os dois tiveram o mesmo nome. João Baptista foi enviado de Deus, representava o Divino no Homem que foi dado no ato da Criação. João Evangelista foi enviado por Cristo, pois na ressurreição de Lázaro, ele passou pela iniciação e recebeu em seu ser o Divino poder dado pelo Cristo e então recebeu o nome de João. João apóstolo terminou o que João Baptista iniciou, o que foi profetizado em um foi encerrado e completado pelo outro.
Eles foram os pioneiros no grande processo que continua para o futuro até o fim da evolução, a realização de Cristo nas almas Humanas.
Maria Chantal Amarante
A FESTA DA LANTERNA – WALDORF
Uma das épocas que é intensamente vivenciada pelas crianças do Maternal e Jardim de infância, em nossa Escola, é a Festa da lanterna que antecede a festa de São João.
No final do outono, quando as noites vão ficando mais longas e tanto a natureza como o próprio homem iniciam um impulso de contração, uma interiorização, as crianças da Educação Infantil começam a preparar-se para esta festa, cujo sentido está na imagem da busca da luz interior.
Durante várias semanas todo um clima propício é vivenciado nas classes, enquanto as professoras e crianças pintam, recortam e montam lanternas. São cantadas canções que falam de seu brilho e como ele ilumina o coração dos homens e afasta a escuridão.
A estória da “Menina da Lanterna” que é encenada por professores ou alunos do Ensino Médio é contada às crianças e trabalhada na roda rítmica e pela Euritmia.
Esta estória traz vários elementos de significado espiritual representados por cada personagem. E num todo o conto mostra a trajetória da alma humana em busca da consciência de si mesma, em busca da luz do Sol (Luz Crística) para sua transformação interior, abrindo caminhos ao doar-se.
Este conteúdo pode ser vivenciado pelas crianças como um belo conto de fadas num nível imaginativo e numa atmosfera de sonho.
Finalizada a peça, que é encenada no Teatro da escola, as famílias dirigem-se às classes, onde as lanternas são cerimoniosamente acesas e as crianças, familiares e professores, deixando o ambiente aconchegante das salas, dão inicio ao passeio. Pequenas procissões dos participantes, levando suas lanternas pela mão, iluminando os caminhos pela escola envolta em total penumbra e cantando lindas canções.
De todos os cantos do jardim aparecem os grupos que, como cordões de vaga-lumes, se encontram, se cruzam, explorando os lugares mais escuros, formam rodas, passam por túneis formados pelos adultos, para finalmente voltarem aos seus lares.
O ideal é que esta atmosfera especial possa ter continuidade em casa! Que a última refeição do dia já esteja preparada em cada lar e as luzes não precisem ser acesas. As próprias lanternas iluminarão o ambiente, lembrando assim o clima do qual todos acabaram de sair, propiciando uma harmonia união familiar.
Desta forma as crianças poderão dormir preenchidas pelas imagens da buscar da luz e da manutenção desta dentro de si.
Doar esta luz tão especial será então um segundo passo, que poderá transformar-se num impulso social na vida futura de cada um.
Carmen Silvia Zietemann
O IMPORTANTE PAPEL DAS FESTAS JUNINAS
As festas juninas têm um papel preponderante no folclore brasileiro. Estão ligadas a elas tradições e uma ampla execução de crendices e simpatias. Em nossa Escola, damos ênfase à festa em homenagem a São João Batista pelo papel importante que lhe coube na concretização do impulso crístico na Terra.
São João é mencionado no Novo Testamento pelos quatro Evangelistas. Lá nos é relatado que João foi anunciado a seu pai Zacarias pelo mesmo arcanjo, Gabriel, que também anunciou à Maria o nascimento de Jesus. O sacerdote Zacarias preparava o altar quando lhe apareceu Gabriel anunciando que ele e sua mulher Isabel iriam ter um filho ao qual deveriam dar o nome de João. Zacarias mostrou-se admirado e incrédulo, pois ele e Isabel já tinham uma idade muito avançada e Isabel era tida como estéril. Por sua incredulidade Zacarias foi castigado com mudez que só se desfez quando seu filho foi circuncizado e recebeu o nome de João, e não o seu próprio, Zacarias, como era o costume daquela época. Outro fato peculiar e significativo nos é relatado: quando Maria, grávida de Jesus, foi visitar Isabel que se encontrava no sexto mês de gravidez, a criança de Isabel deu um pulo em seu ventre no momento em que Maria a saudava.
João tornou-se um grande profeta que vivia como eremita no deserto onde recebeu a revelação da vinda do Messias e a incumbência de ensinar e batizar os homens para estarem preparados a reconhecer o Cristo. Muitos de seus seguidores o consideravam o próprio Cristo, o que sempre negava dizendo ser ele apenas aquele que preparava o caminho para o Cristo. Ele também era comparado com o grande profeta Elias. No evangelho de Lucas, suas palavras são as seguintes: “Eu batizo com água, mas já está entre vós aquele que não conheceis que virá depois de mim, mas já era antes de mim. Ele irá batizar-vos com o Espírito Santo e o fogo. Não sou digno de desatar a correia de seu sapato.”
João reconheceu Jesus Cristo quando viu os sinais profetizados, quando o céu se abriu e desceu uma pomba que pairou sobre a cabeça de Jesus.
Depois do batismo de Jesus, os seguidores de João passaram a seguir Jesus Cristo. A morte de João foi trágica. Por desejo de Salomé, que foi induzida por sua mãe a fazer este pedido, João foi decapitado.
Rudolf Steiner pôde, através de suas pesquisas espirituais, ampliar bastante a compreensão dos evangelhos. Sobre João Batista ele fala que, de fato, era um grande profeta, comparável com Elias, que era portador de toda a sabedoria espiritual conquistada na era pré-cristã: o reconhecimento e profecia da vinda do Messias. Concentrava-se em João toda a sabedoria iniciática pré-cristã que teria de passar por transformações a partir da vinda e encarnação do Cristo. Foi no batismo de Jesus que o espírito divino, o Cristo, uniu-se ao homem Jesus, e fez-se ouvir a voz do Pai: “Este é meu filho amado, nele quero me revelar.”
Como cristãos podemos nos sentir chamados, por ocasião da festa de São João, a refletir sobre o quanto de “pré-cristão” ainda existe em nós, e que deve ser superado para podermos nos abrir ao impulso crístico. Deveríamos jogar todas estas coisas como as crendices, o egoísmo, o egocentrismo, etc., na fogueira e guardar em nossos corações o calor do qual pode nascer o amor universal, o altruísmo, a fraternidade. Destas reflexões vamos descobrir uma infinidade de fatos, leis e costumes da sociedade que pertencem ao passado. Temos um exemplo ocorrido na Argentina, onde um homem O responsável pela tortura e morte de muitos seres humanos foi considerado inocente pela lei porque apenas estava cumprindo ordens. Ele não é responsável por seus atos? Será que ele iria executar as ordens dos superiores com a mesma segurança e lealdade se o mandassem se deixar torturar em praça pública para dar exemplo ao povo? Jesus Cristo indicou uma nova ordem social que apela para a consciência e responsabilidade individual em função do todo. Enquanto isso não acontecer, o problema social universal não será sanado.
… São João, São João acende a fogueira do meu coração!
Christa Glass
HINO À SÃO JOÃO
Desde os tempos remotos, a música e criação da humanidade com intuito de comunicar-se com poderes superiores acalmando a sua força, de harmonizar e purificar as almas, de expressar sentimentos de alegria e sofrimento e promover um intenso contato social entre os homens pelos ritos e festas do ano.
Enquanto a música consistiu apenas de uma linha melódica única, não houve necessidade de registrá-la e o repertório era transmitido de pais para filhos. Desse modo, a humanidade manteve viva os seus cantos e danças e com eles seus valores.
Foi a propagação da religião cristã que provocou o desenvolvimento da notação musical, pois quando o Imperador Teodósio proclamou o Cristianismo como religião oficial do Império Romano no ano de 391 d.C., a música litúrgica foi incorporando elementos de origem tradicional sagrados e profanos de todos os lugares onde se expandia.
O papa São Gregório, o Grande, ajudou a reunir uma intensa colação da primeira musica litúrgica em 600 d.C. e determinou que fossem sistematizadas as variações do modo musical. Identificou-as, utilizando-se das letras do alfabeto e deu-lhes o nome a partir de designações gregas antigas. Como era então a profissão de músico? Um rapaz musicalmente dotado esperaria por uma carreira, primeiro como corista. Se fosse descoberto, receberia educação esmerada em todos os domínios, principalmente na música. Era sua única oportunidade de tornar-se músico profissional. Muitas vezes para prolongar sua carreira, fazia-se monge, ou professor. Assim foi com o monge Guido D’Arezzo, em Toscana, encarregado do coro da escola por volta de 1030.
Conhecendo bem os processos musicais, sendo músico inventivo e excelente professor, Guido concebeu um sistema para aprender música de ouvido, com um guia visual, a mão. Descobriu o maravilhoso Hino a São João, escrito por Paulo Diacono, que tinha no início se cada estrofe os nomes das notas que hoje conhecemos; DO, RÉ, MI, FÁ, SOL, LA, SI, adaptou-lhe então uma melodia que seguia a escala musical fixando-a na forma da mão humana.
Cada articulação da mão de Guido foi associada a um intervalo da escala de tal modo que os meninos do coro de Arezzo sabiam exatamente qual nota deviam cantar. O Manosolfa ou Solfejo, como ficou conhecido esse sistema, foi rapidamente adotado pelos estudantes de canto para a memorização dos exercícios vocais. Guido D’Arezzo também escreveu bastante acerca do novo sistema de notação, usando uma pauta com várias linhas e deu início ao desenvolvimento da escrita e leitura musical em composições mais elaboradas. Eis o Hino a São João Batista no original e sua tradução:
(do) UT queant laxis – Para que possam
(re) REsonare fibris – Teus servos expandir
(mi) Mira gestórum – A largos pulmões
(fa) FAmulti tuorum – A maravilha de teus milagres,
(sol) SOLve polluti – Absolve do crime
(La) LAbii reatum – O lábio impuro
(si) Sancte Ioanne – Ó São João
Podemos considerar esse hino um marco no desenvolvimento da notação e da pedagogia de ensino da música, de maneira metódica e ordenada, no ocidente, além de expressar o mais singelo e profundo significado espiritual da Festa de São João: a purificação da lama e a união dos homens pelo fogo do entusiasmo da sua individualidade, diante do espírito. Essa é, em essência, atarefa da educação musical que nos tempos atuais devemos recriar sempre de novo em nossos filhos e alunos e que, a cada ano, cantos e danças, da música da nossa Festa de São João, com muita alegria.
Meca Vargas
JOÃO BATISTA, PORTAL ENTRE O MUNDO FÍSICO E O ESPIRITUAL
Todos os anos, nesta época, quando me coloco a refletir sobre João Batista sou tocado por um forte sentimento de devoção. A vida de João é uma grandeza tão imensa, de uma dimensão indescritível, só menor do que os acontecimentos que ele anuncia.
A imagem que surge é a de que João representa o portal por onde Cristo penetrou no ambiente histórico universal, dentro da esfera humana. Imagine-se um portal que une o mundo físico ao espiritual, o mundo dos homens ao divino.
A tarefa de João era preparar a terra e os homens para a vinda do Cristo. João viveu única e exclusivamente em função desta tarefa até as últimas conseqüências. João era um homem em que a encarnação no físico era plena, com total domínio da sua corporalidade. João viveu no mesmo ambiente e percorreu a mesma região que o cristo percorreria em sua peregrinação. João cultivava uma intima relação com o espaço físico e etérico daquela região e, principalmente, João batizava. O batismo que realizava conduzia a que o batizado pudesse ter uma visão do que estava por vir, isto tinha o objetivo de preparar um grupo de almas, tal como os doze apóstolos que comporiam o círculo mais íntimo em torno do cristo. Então podemos dizer que João preparou o ambiente físico, etérico e anímico, onde o Cristo atuaria. João era o portal por onde o Cristo penetraria na Terra. O portal físico, etérico e astral que purificaria o espaço para o mais supremo espírito se revelar.
João viveu exclusivamente em torno da sua tarefa, transbordando em humildade e coragem. João atuou como um ser livre e por isso perturba aos que não compreendiam que um novo tempo estava por vir.
Quando João batizava, ele dizia: ”eu batizo com água, mas Aquele que virá depois de mim batizará com o fogo do espírito, pois Ele é maior do que eu. Ele já vivia antes de mim e viverá depois de mim.”. Esta declaração dá a indicação da íntima relação que existe entre a individualidade de João e a manifestação do Cristo que ele anunciava.
Somente João viu o espírito divino aproximar-se sob a forma de uma pomba branca.
Mesmo tendo vivido entre os essênios,João respeitava os essênios pela sua espiritualidade, porém não se tornou um deles. João era livre, viveu pela sua missão e por isso foi decapitado.
Ainda no livro com o ciclo denominado “Quinto Evangelho” R. Steiner relata os encontros que Jesus de Nazaré teve com João no período em que ambos transitavam entre os essênios. Num desses encontros Jesus viu Elias, o grande profeta representante do espírito do povo hebreu, em João. João era, realmente, o Elias reencarnado.
Grandes mistérios residem nesta personalidade. R. Steiner em diversas vezes apontou para isto e indicou que aí vivia uma personalidade de dimensão que abrangia em espírito toda a humanidade. Já doente em 1924, Steiner reuniu forças para se colocar de pé e pronunciar, aquela que foi talvez a sua mais curta palestra,foi a última alocução. Nessa palestra R. Steiner percorre uma parte do caminho de João nos mundos espirituais e surpreende quando faz a ligação entre Elias-João-Lázaro. R. Steiner mostra que aquela personalidade que preparou o caminho terreno de Cristo Jesus, continuou presente em João Evangelista, o discípulo amado. Sabemos ainda que João continuou entre ao apóstolos, formamos amado. Sabemos ainda que João continuou presente entre os apóstolos, formando a mais sagrada comunidade que atuou na Terra.
Quando os apóstolos perguntaram ao Cristo sobre Elias ele respondeu que Elias já havia vindo e fizeram tudo com ele. “Então João era Elias?”, perguntam os apóstolos. E Cristo responder: “não há entre os nascidos de mulher neste mundo ninguém que seja maior do que ele”.
Para conhecermos algo sobre Elias precisamos recorrer ao livro de Reis no Velho Testamento. Descobrimos que Elias era o grande sacerdote de Jeová que sozinho lutou para preservar a fé de seu povo no Deus único. Elias era como um espírito de povo.
Já nos evangelhos, somente após a morte de João Batista faz-se alusão ao milagre da multiplicação dos pães. Após sua morte João passa a ser, como Elias à sua época, o espírito que permeava os apóstolos em torno do Cristo, o espírito de João se multiplicava como espírito do grupo. Assim como somente após o milagre da ressurreição de Lázaro os evangelhos falam da existência de um apóstolo João, que passa a ser um dos doze após a separação de Judas.
Em lázaro ocorre algo ainda mais sutil. Quando Cristo é chamado à casa da família de Betânia onde já há três dias jazia o corpo de Lázaro, Cristo se postou à porta do local onde estava lazaro e disse:”Lazaro levanta-te e sai”. A ressurreição de lázaro foi feito que levou à condenação de Cristo. Cristo tornou público o mistério da iniciação. Revelar segredos dos Mistérios era um ato que se pagava com a morte. Cristo sabia inteiramente disto. As escrituras tinham que ser cumpridas.
Então podemos entender que João Batista representou o portal de encarnação do Cristo através do Mistério do batismo e em Lázaro o portal de excarnação, através do Mistério do Gólgota.
Uma luz para esclarecer o mistério Elias-Lázaro-João podemos encontrar nas obras “O cristianismo como fato místico” e no ciclo o “Evangelho de João”, no final da sétima conferência deste ultimo livro encontramos: “Qual a razão de que até o momento da ressurreição de Lazaro, não havia nos evangelhos qualquer alusão ao discípulo “João”?
É o fato de que, aquele que está por trás do ‘discípulo amado’ ser o mesmo que o Senhor já amava antes… A individualidade de Lázaro foi tão transformada pela iniciação conduzida pelas mãos do próprio Cristo Jesus. É como se Lázaro tivesse transformado e recebido em sua alma e individualidade de João, porém no sentido do mais elevado cristianismo. Assim, vemos realizar-se em Lázaro, no mais alto sentido, um batismo segundo o novo impulso crístico.
Como disse no início deste pequeno texto, todos esses fatos têm o caráter do mais sagrado ineditismo, são como portas do mundo espiritual que se abriram para impulsionar a humanidade para o futuro, desde sempre.
SAB – Sociedade Antroposófica no Brasil
LEMBRANDO SÃO JOÃO
Várias vezes, na história da humanidade, surgem aqueles que prevêem a vinda de seres especiais, que ocasionam uma grande transformação no mundo. Assim vários profetas previam a vinda de Jesus como Messias, e também São João Batista a previu e, além disso, preparou o caminho para a chegada do mestre. O nascimento de João foi também algo especial, pois Isabel e Zacarias eram já dois velhos. No entanto, Zacarias recebeu espiritualmente o aviso do nascimento de um filho e a ordem de lhe dar o nome de João. Isso causou grande espanto no lugar, porque João não era nome dado a hebreu algum. O nome João designa um grau de sabedoria.
Achei que cabe incluir aqui os versos que fiz a pedido da escola Waldorf Rudolf Steiner, e que foram ditos por alunos como Introdução à Festa de São João de 1999:
“Aqui
Na noite antiga de garoa e frio fino,
Subiam balões de luz
Em honra do primo de Jesus,
São João Menino.
E, em nosso coração,
Cada balão,
Subindo rápido e em linha reta,
Era o próprio João Menino
Se transformando em João Profeta.
Era o profeta
Que parecia o clarão da madrugada,
Antecedendo a chegada
Do grande sol nascente, da maior luz:
O Cristo Jesus.”
O nascimento de São João batista é comemorado em 24 de junho. No hemisfério norte é o solstício de verão, em que a força do sol, chegando ao máximo, começa a descrever até chegar o inverno, quando nasce Jesus. Os antigos acreditavam que no verão, a força física do sol atingia o máximo, ao passo que, no inverno, era a força espiritual do sol que atuava através de seus raios. Por isso, os mais devotos abriam suas vestes diante do sol do inverno, a fim de receber uma benção espiritual, ou a fim de rogar pela vinda do messias.
A festa de São João, na Europa, por cair no verão, era feira ao ar livre. E o natal, por sua vez, sempre foi uma festa de dentro de casa, por cair no inverno. Como explica Rudolf Steiner, o planeta expira e se extroverte no verão junino do hemisfério norte, e inspira e se introverte em seu inverno natalino, para a gestação da primavera. Dá-se o contrário no hemisfério sul, mas festejamos as duas datas da mesma maneira. O aspecto da natureza “perpetuamente em festa” – como disse nosso poeta Olavo Bilac – nos permite comemorar São João fora das casas também, e expansivamente.
Também é curioso haver sempre a brincadeira de um casamento na Festa de São João. Será isso o resultado semiconsciente de uma sabedoria milenar? A de que São João Batista representa o último dos profetas antigos, ligados a um estado de êxtase, de transe, e que abre caminho para o homem novo, o Cristo, que veio acordar o ser humano para a descoberta de ser Eu? Une-se assim o estado antigo (êxtase) ao novo (desperto). Ou seria porque nosso pequeno eu descobre que abriga o verdadeiro Eu e se une a essa descoberta para poder crescer?
É dito de João que ele vivia no deserto, em grande ascetismo, e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre. Seu batismo era para os que já estavam preparados para a vinda do Messias. Segundo Rudolf Steiner, esse batismo constituía num mergulho demorado nas águas do Jordão, quando a pessoa, num quase afogamento, relembrava toda a sua vida e percebia a realidade da vida espiritual. A água, elemento primordial da formação da terra (“… e o Espírito de Deus pairava sobre as águas” Gênesis, 1), purificava profundamente aquele que João batizava, e que emergia com impulso para mudar o próprio rumo.
Sobre a pregação de João Batista e o que foi dito dele nas profecias de Isaías, incluo aqui um poema que adaptei do evangelho de São Lucas, capítulo 3:
Da Pregação De João Batista
No décimo quinto ano de reinado de Tibério Cesar,
Sendo Pôncio Pilatos governador da Judéia,
Herodes, tetrarca da Galiléia,
Sendo sumos sacerdotes Anás e Caifás,
Veio, no deserto, a palavra do Senhor a João,
Filho de Zacarias.
Ele percorreu toda a circunvizinhança do Jordão
Pregando o arrependimento,
Tal como está escrito no livro de Isaías.
E o povo clamou: “Que havemos de fazer agora?”
Respondeu João:
“Aquele que tem duas túnicas
Dê uma ao que não a tem;
E aquele que tem o que comer faça o mesmo;
E que não haja entre vós violência alguma.”
No fundo de seus corações,
Todos perguntavam se João não seria o Cristo.
Ele, porém, tomou a palavra e disse:
“eu, na verdade, vos batizo com água,
Mas ies que vem Aquele que é mais poderoso que eu,
E não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias;
Ele vos batizará com o Espírito Santo e com o fogo.
A sua pá Ele a tem na mão, para limpar sua eira e recolher o trigo ao seu celeiro.”
Assim, e com muitas outras exortações,
João anunciou a boa nova ao povo,
Tal como está escrito no livro de Isaías:
“Voz do que clama no deserto,
Preparai o caminho do Senhor,
Endireitai suas veredas.
Os caminhos tortos ficarão direitos
E os escabrosos, planos
Todo homem verá a salvação de Deus!”
Ruth Salles
CONFERÊNCIA : A ÉPOCA DE SÃO JOÃO
Um bom ponte de partida para uma reflexão sobre a “época de João” é justamente a observação das características climáticas deste período do ano. O clima típico é formado por dias curtos e ensolarados com um belo céu azul acompanhados por noites límpidas com céu estrelado podendo ser muito frias. A seqüência de muitos dias assim pode levar a uma intensificação do calor, ocorrendo os chamados “veranicos” (períodos de calor durante o inverno) em que são freqüentes as inversões térmicas (ar mais frio e mais quente nas camadas mais baixas e mais quentes nas camadas mais altas da atmosfera impede a circulação atmosférica normal, que dispersa poeira e poluentes).
Durante estes veranicos com inversão térmica esperamos ansiosamente que uma frente fria (massa de ar polar) consiga chegar e a chuva e os ventos limpem a atmosfera e restabeleça e umidade do ar. Estas frentes frias podem chegar rápida e bruscamente causando queda de temperatura de até 10ºC em poucas horas. Nestas ocasiões e durante toda esta época os agricultores aguardam e se preparam para a possibilidade de ocorrerem geadas.
Nesta época do ano estamos mais predispostos a tomas consciência dos processos climáticos que são manifestações dos elementos (calor, ar e água) que formam o organismo da Terra.
Esta época, particularmente o mês de Junho, é caracterizada pelas famosas festas juninas ou festas de São João. Na realidade, em Junho se comemoram as festas de três santos com características próprias, mas que tiveram suas comemorações reunidas nas festas juninas.
No dia 13de Junho se comemora o dia de Santo Antonio, que é considerado o padroeiro dos casamentos. Nas missas do dia de Santo Antonio as igrejas distribuem pãezinhos abençoados, os chamados pãezinhos de Santo Antonio, que as pessoas colocam dentro das latas de mantimentos para terem fartura o ano todo.
O dia de São João, comemorado no dia 24 de Junho, é o mais festejado dos três e bem apropriadamente cedeu seu nome à época. Na festa tradicional de São João, depois de se rezar o terço, festeja-se com alimentos típicos da época e do lugar: milho, e seus derivados (pipoca, canjica, bolo de fubá), amendoim, batata doce, pinhão, bebidas quentes à base de gengibre. Os alimentos são consumidos ao redor de uma fogueira, estouram-se fogos de artifícios, dança-se a quadrilha e nas quermesses existem as brincadeiras de tiro ao alvo e pescaria. Toda a festa lembra a terra, os produtos da terra, as pessoas que trabalham na terra (os “caipiras”) e a dissolução desta terra transformando-se me calor e luz ( a fogueira).
No dia 29 de Junho se comemora o dia de São Pedro e a ela se atribui o controle do clima, justamente do clima de cujos processos estamos mais conscientes nesta época.
Devemos nos lembrar de que o São João desta época é o João batista que anunciou a vinda co Cristo que realizou o Batismo no Jordão, que propiciou a incorporação da entidade do cristo no corpo de Jesus de Nazaré. E então nos lembramos de mais uma festa que ocorreu nesta época: a festa de Corpus Christi ou Corpo de Cristo.
É, das festas religiosas, uma das mais fascinantes e intrigantes. É muito comemorada nas pequenas cidades do interior onde as ruas são entidades para a procissão de Corpus Christi.
Tradicionalmente utilizavam-se nestes enfeites de rua materiais naturais arranjados artisticamente formando figuras geométricas ou quadros religiosos. Entre os materiais destacava-se a flor de São João, um cipó trepadeira de flores cor de laranja que cobre os barrancos e beiras de estradas de quase todo o Centro-Sul do Brasil nesta época do ano. Esta planta pertence à família das Bignoniáceas (família dos ipês roxo e amarelo, que também caracterizam a paisagem desta época) e tem o nome científico de Bignomia ígnea ou Pyrostegia ignea, que lembra bem apropriadamente sua semelhança com o fogo, que também nesta época costuma se alastrar pelas beiras da estrada.
Atualmente, muitas cidades realizam estes enfeites utilizando-se dos mais diversos materiais, desde os naturais como flores e areias coloridas, até serragens coloridas artificialmente. Toda a comunidade do lugar se junta para socialmente executar uma obra de arte popular efêmera. O trabalho é feito na noite e na madrugada do dia de Corpus Christi, fica pronto pelo meio da manhã, é admirado pelas pessoas da cidade e pelos visitantes (hoje turistas) até ás 5 horas da tarde quando acontece a procissão e todo o trabalho é desmanchado em poucas horas.
Na procissão de Corpus Christi, o Santíssimo Sacramento ou o cibário (um recipiente dourado onde se encontra uma hóstia consagrada e do qual irradiam raios solares) que fica sempre dentro do Sacrário no altar da igreja sendo retirado durante a missa no ato da consagração ou transubstanciação, é retirado do altar e sai, não somente do altar mas sai do próprio templo, sendo levado nas mãos de um sacerdote, através das ruas das cidades; ruas estas que são preparadas para recebê-lo com materiais da terra transformados em obra de arte pelo trabalho social humano.
Podemos ter uma compreensão mais abrangente do significado desta festa através da obra de Rudolf Steiner, particularmente em “O Evangelho de João” XIV Conferência (07/07/1909 – Kassel) pág. 248-250.
“No momento da evolução dos nossos tempos, em que a era cristã começa com um novo “I”, acontece algo que é do mais alto significado para toda a evolução da Terra, e também para a evolução cósmica, na medida que a evolução cósmica está ligada à Terra. Sim, foi criado um novo centro com o acontecimento da Gólgota. O Espírito de cristo está desde então ligado à Terra. Ele aproximou-se pouco a pouco, e agora está na Terra desde esse momento. Trata-se portanto de os homens aprenderem a reconhecer que o espírito de cristo se encontra na Terra desde esse momento, que o Espírito se encontra em qualquer produto da Terra. E trata-se de os homens reconhecerem todas as coisas sob o ponto de vista da morte, quando não lhes vem implícito o Espírito de Cristo, mas reconhecerem todas as coisas sob o ponto de vista da vida, quando o Espírito De Cristo lhe é inerente.
Estamos apenas no princípio daquela evolução, que é a evolução cristã. O futuro desta evolução consiste em vermos o corpo de cristo em toda a Terra. Porque Cristo entrou desde esse momento da Terra, e criou um novo ponto central de luz. Ele penetra a Terra, ilumina o mundo e está entretecido para a eternidade na aura terrestre. Por isso, ver hoje a Terra sem o Espírito de Cristo, que lhe está na origem, é ver o apodrecer e o decompor da Terra, o corpo em decomposição. Por todo lado onde se veja apenas matéria, temos a ver com falsidade”.
“Tomai agora qualquer coisa da Terra. Quando a reconhecereis corretamente? Quando disserdes: “Isto é uma parte do corpo de Cristo!”Que podia Cristo dizer àqueles que o queriam reconhecer? Na medida em que partiu o pão feito com trigo da terra, Cristo pôde dizer-lhes:”Isto é meu corpo!”Que podia dizer-lhes quando lhes deu sumo da videira, que vem do sumo das plantas? “Isto é meu sangue!”Porque Ele se tornara a alma da Terra. Pode dizer daquilo que era sólido: “Isto é minha carne”, e do sumo das plantas: “Isto é meu sangue”, tal como vós dizeis da vossa carne: isto é minha carne, e do vosso sangue: isto é o meu sangue. E aqueles homens capazes de compreender o sentido correto destas palavras de Cristo formam imagens do pensamento para si próprios, e atraem o corpo e o sangue de Cristo para o pão e o sumo da videira; eles atraem para estes últimos o Espírito de Cristo. Assim o símbolo da última Ceia tornou-se realidade.”
Compreendendo através do conhecimento antroposófico que a Terra é o próprio corpo de Cristo, então temos o elemento chave para compreendermos todo o significado e o sentido desta época joanina.
Nesta época nos tornamos mais conscientes do clima, ou seja do organismo vivo da Terra, lembramos que a terra os alimenta, lembramos dos que trabalham na terra e por fim lembramos que a Terra é o próprio corpo do Cristo, que começou a se transformar num novo Sol por ocasião do evento da Gólgota.
Esta situação nos leva um pouco mais próximos de compreendermos quando Rudolf Steiner diz no ciclo “O decorrer do ano em quatro imaginações cósmicas” que a imaginação na trindade, é a imaginação joanina propriamente dita: O Filho entre O Espírito-Pai (Cosmos) e a Mãe-Substância (Terra).
Espero ter trazido nesta ocasião uma colaboração para a compreensão e adequada comemoração desta época de João, na forma de subsídios para um trabalho que deve ser continuado.
Marilda Milanese
(RESUMO DA CONFERÊNCIA DADA POR MARILDA MILANESE EM COMEMORAÇÃO A ÉPOCA JOANINA (21/06/95)
ÉPOCA DE JOÃO RENASCER
A festa de São João fecha o primeiro semestre do ano, é a época em que, naturalmente, revisamos as metas projetadas na virada do ano anterior e fazemos um balanço do que conseguimos realizar. São João é o marco do que está por vir. Ao revermos nossos projetos externos e internos, ressoa fortemente na alma a voz da consciência; tornamo-nos sensíveis aos nossos padrões de comportamento repetitivos, aos erros reincidentes que funcionam como um freio na atuação individual que expressa mais limpidamente o nosso próprio ser. “Mudem seus corações e suas metas e preparem-se para a nova era”- clamava João às margens do Rio Jordão. Em grego, Joanes, era um título atribuído ao ser humano que conseguia expressar seu ser espiritual no mundo. Em suas pregações João apelava diretamente ao senso individual do que é certo e errado, presente em cada pessoa, independente de nacionalidade ou religião.
Muitos de nós a esta altura do ano, sentem-se pequenos diante do que está por vir, com medo da própria sorte – sertanejos olhando cheios de esperança o céu estrelado de junho. Elevar os olhos ao céu é um ato que, em si, é uma oração; o coração também se eleva e na imensidão do azul que nos envolve sentimos a presença de algo maior que nos acolhe e que nos enche de esperanças.
“Homem, torne-se o que você é”. Após ser batizado por João indivíduo enfrenta seu destino pessoal, como parte do destino da Humanidade. O que acontece além das fronteiras do meu cotidiano, também é minha responsabilidade, concluía e assim sentia-se membro de uma ordem universal.
O chamado individual, nesta época de São João, é forte. Em relação aos compromissos, que tudo vai depender do que seremos capazes. Renascer nas pequenas ações ordinárias do dia a dia, eis a Iniciação moderna. Tão contemporânea que na luta diária não nos damos conta do esforço que fazemos para manter a presença de espírito e para manter a presença de espírito e para não desviar nossa atenção procurando por grandes promessas de transformação. Respirando fundo, podemos reunir na alma, forças novas: de um lado, o stress é uma maneira de ser e lidar com as coisas. Reunimos coragem e pulamos a fogueira de São João. Do outro lado com a força individual intensificada, renovamos a disposição para o que, ainda antes do final do ano, queremos alcançar.
SAB – Sociedade Antroposófica no Brasil
DESERTOS, A CELEBRAÇÃO DE SÃO JOÃO
Reunimo-nos para celebrar a época de São João o Batista.
No início do evangelho de Marcos aponta-se para uma de suas características mais fortes, segundo a qual ele é descrito como a “Voz do que clama no deserto”; “E todo o povo foi até ele”.
João surge do deserto, da solidão. O que fazia ele no deserto, porque buscava a solidão? Ele buscava o conhecimento do Espírito, que só pode ser alcançado e amadurecido, pelo próprio esforço individual. Ele buscava ouvir a voz daquele que fala no silêncio do coração. O que se manifesta como força na palavra de João, é o divino que pertence ao homem, seu espírito, que não pode habitar nele se não é buscado, conhecido. Em nossa época, tão superficial, acelerada e imediatista, torna-se ainda maior o significado e a importância do “deserto”.
Nós andamos no deserto. Não no deserto físico, mas no deserto interior. Na época de Cristo, o povo de Israel estava em decadência, enfraquecido por sucessivas desilusões com os falsos messias que apareciam, e tinha a mente cética. A religião perdera toda a força dos mistérios, tendo-se tornado o templo, burocrático e vazio, andando ao lado do poder temporal. Em nosso tempo vivemos uma situação parecida em muitos aspectos.
De certo modo essa foi a herança do desenvolvimento científico unilateral, que o mundo conheceu desde a segunda metade do séc. XVII. Uma das alavancas desse desenvolvimento foi a visão mecanicista de Descartes a respeito do mundo. A física avançou a partir desta importante visão que tratava o mundo como uma grande máquina, um mecanismo. As pessoas passaram a ver-se a si próprios como egos existindo isoladamente dentro de seus corpos.
Em conseqüência passaram a enxergar o mundo também como um amontoado de objetos e fatos isolados, sem relação entre si.
Para os budistas isso é avidya- (ignorância).
“Quando a mente é perturbada, produz-se a multiplicidade das coisas.
Quando a mente é aquietada, a multiplicidade desaparece”.
Existem enfim, os desertos interiores. Deles é que temos de falar, sabendo reconhecer os que apresentam de doloroso e tórrido, mas tentando também descobrir aí, a fonte escondida, o oásis, a presença inesperada que nos recebe, debaixo de uma palmeira sorridente, em redor de uma fogueira onde a dança dos passantes se junta às das estrelas. Pois o deserto não constitui uma meta; é sim, um lugar de passagem, uma travessia. Cada um, então, tem sua própria terra prometida, sua expectativa que poderá ser frustrada, sua esperança a ser confirmada.
Algumas pessoas vivem esta experiência do deserto no próprio corpo; quer isto se chame envelhecer, adoecer, sofrer as conseqüências de um acidente. Esse deserto às vezes demora muito a atravessar.
Outras pessoas vivem o deserto no coração de suas relações, deserto do desejo ou do amor, das secas ou dos sofrimentos que não se aprendeu a partilhar.
Há também os desertos da inteligência, onde o mais sábio vai esbarrar no incompreensível e o mais consciente, no impensável. Conhecer o mundo e suas matérias conhecer a si mesmo e às suas memórias, isso só se consegue atravessando desertos.
Temos finalmente, os desertos da fé o crepúsculo das idéias e dos ídolos, que havíamos transformado em deuses ou num Deus para dar segurança às nossas impotências e abafar nossas mais vivas perguntas.
Cada um de nós tem seu próprio deserto a atravessar. E sempre de novo será necessário desmascarar-lhe as miragens, mas também contemplar seus milagres: o instante, a aliança, a douta ignorância e a fecunda vacuidade.
Lembremo-nos de que também Jesus após acolher em si o germe do Espírito Crístico com o Batismo no Jordão, dirigiu-se ao deserto, onde enfrentou e venceu o tentador partindo para sua missão redentora.
No deserto, a criatura humana se despoja de si, enfrenta seus demônios e forja a própria identidade.
João é para nós um mestre do deserto. Neste quase não havida; o calor extremo do dia contrasta com o frio rigoroso da noite. Mas João conhece o deserto e não se desespera, sabe procurar a água escondida, encontrar o oásis de milagres e surpresas, buscar alimentos para manter o corpo. Sabe apreciar o grande espetáculo que chega todas as noites: um céu imensurável recheado de estrelas, que são os grandes amigos e companheiros de jornada. E para aqueles de nós que puderem aprender com João sobre o vazio, a imensidão e o silêncio do deserto, sempre haverá a recompensa do encontro consigo mesmo e com Aquele que É em tudo o que É.
Ana Paula Cury
(Baseado em reflexões de Marcus Piedade e em fragmentos do livro Desertos de Jean Yves-Leloup)
FESTAS JUNINAS
“Com a filha de João,
Antonio ia se casar,
Mas Pedro fugiu com a noiva,
Na hora de ir pro altar.”
Antonio, santo casamenteiro, com fama de homem bonito; João Batista, um dos patronos do cristianismo; e Pedro, que aparece aqui mais pelo seu lado “duvidoso” – foi ele quem renegou Cristo três vezes – estão imortalizados no cancioneiro popular. Os dias atribuídos ao aniversário de nascimento dos três, respectivamente 13, 24 e 29 Junho, assinalam um dos mais ricos e alegres ciclos de festividades populares cristãs.
Com suas fogueiras, fogos de artifício, comidas típicas, danças e cantigas, métodos de adivinhação do futuro, e um sem número de outros cerimoniais, as festas juninas chegaram ao Brasil na bagagem cultural dos primeiros portugueses. Permanecem vivas e ativas até os dias de hoje, principalmente nas pequenas cidades distantes dos grandes centros.
Nas metrópoles, como quase tudo o mais que diz respeito as nossas tradições, estão infelizmente, sendo submergidas pela maré dos rituais de discotecas, novelas de televisão e corridas de automóvel que assola o País. Pouca gente sabe que essas festas, hoje consideradas puramente cristãs, deitam suas origens em termos muito anteriores a nossa era, ultrapassando mesmo os limites da história conhecida. Faziam parte dos ritos agrários das primeiras civilizações européias e adquiriram definitiva na cultura dos celtas, povo “primitivo” europeu do qual os portugueses, principalmente os do norte de Portugal justamente os que mais emigraram para o Brasil, são descendentes diretos.
O dia 24 de junho, por exemplo, hoje dedicado a São João Batista, assinalava uma das máximas festas célticas, com características muito especiais. Este é o dia do solstício de verão no hemisfério norte, fenômeno astronômico que significa o grande momento da viagem do sol quando, depois de ir subindo dia a dia, cada vez mais alto no céu para, e a partir de então faz de volta o caminho celeste que havia trilhado. Essa data era vista com reverência e preocupação por aqueles homens antigos. Toda a vida daquelas comunidades essencialmente agrárias era regida por fenômenos astronômicos, e a mudança do ciclo solar representava na verdade o começo de um novo ano, evento fundamental para as crenças religiosas dos primeiros europeus.
Acreditava-se que, nesses momentos, abriram-se as portas que comunicam o reino da terra com o reino dos céus. Por um lado, as almas dos mortos podiam revisitar seus velhos lares para se aquecerem junto às fogueiras e se reconfortarem com as homenagens que lhes eram prestadas pelos velhos amigos e parentes. Assim, quando o celta de antigamente dançava ao redor da fogueira, comia, bebia e cantava, ele não fazia apenas para si, mas também para todas àquelas almas amigas que, acreditava, estavam a seu redor.
A importância dessas festas era tão grande entre os primeiros europeus, e o significado a elas atribuído estava tão fortemente arraigado nas pessoas, que a Igreja Cristã dos primeiros séculos, embora as considerando pagãs, não conseguiu acabar com elas. Foi, ao contrário, obrigada a inventar para elas um significado cristão. Confirmou-se assim, a 25 de dezembro, o aniversário de Jesus, e a 24 de junho o de São João Batista. Foi lançado sobre elas um véu cristão, declarando-se que as fogueiras e a alegria geral aconteciam em sinal de regozijo pelo aniversário do santo que batizara Jesus.
Melo Morais Filho, em seu livro Festas e Tradições Populares do Brasil descreve os preparativos para as Festas Juninas que testemunhara em várias localidades brasileiras, principalmente em Minas Gerais e em Estados do Nordeste: “aos primeiros clarões do dia, diversas árvores com especialidades palmeiras, barulhavam, arrastadas por foliões em tropas, que cavando oportunamente a terra as plantavam, amarrando-lhes em volta do topo carás, milho, cocos e feixes de cana, ao mesmo tempo em que tabaréus possantes arriavam do ombro pesados troncos e a precisa lenha, contornando-as em fogueiras.”
Os mastros de São João, longos troncos de madeira fincados no chão, no alto dos quais colocavam-se as efígies dos santos, reproduziam, por sua vez, a crença céltica nas árvores – principalmente o carvalho – sagradas, símbolos da ligação entre a terra e o céu.
Para se chegar até a morada dos santos era preciso escalar, usando as unhas e se necessário, os dentes, o pau de sebo que representava a própria existência humana com todas as suas experiências. As comidas e bebidas, em geral fortes e afrodisíacas, estimulavam os sentidos e favoreciam as práticas da fertilidade. Não é, portanto, á toa que o pé-de-moleque, feito com muito amendoim e açúcar queimado, e o quentão, a base de cachaça e gengibre, fazem parte das iguarias consumidas nas festas juninas.
Para terminar, Permanecem até hoje a vontade de adivinhar o futuro que toma as pessoas nessas noites de festa. Qual moça do interior não fez a consulta da clara do ovo na noite de Santo Antônio para saber como será o rosto do homem com quem irá casar? Ou do jogo da chave, ou dos dados, das cartas do baralho, ou a leitura de tantos livros da sorte como o antigo Oráculo das Damas?
A identificação das festas juninas com as belas figuras dos santos católicos nada veio alterar ou perturbar o sentido original desses rituais. Assim nas noites de Antônio, Pedro e João, faça seu pedido a estes santos benignos. Mas se tiver a oportunidade este ano de pular uma fogueira, queimar um fogo de artifício, beber um quentão ou comer seu pé-de-moleque, lembre-se que tudo isso faz parte de nossa identidade atávica mais profunda. Tudo isso está introjetado em nossa antiga alma céltica. Desconhecê-lo seria saber um pouco menos a respeito de nós mesmos.
Luís Pellegrini
A FESTA DA LANTERNA – O QUE É?
A Festa da Lanterna é uma festa de origem européia. Lá, é comemorada no dia 11 de Novembro, dia de São Martinho. Foi introduzida no Brasil pela primeira Escola Waldorf de São Paulo, para o Jardim da Infância, na época de São João.
No hemisfério Sul, em Junho, estamos entrando no Inverno. Portanto, podemos dizer que essa é uma festa que prepara para a chegada do inverno, época que percebemos uma grande inspiração da terra, uma aquietação da natureza. O clima fica mais frio, a noite chega mais cedo, tudo favorece uma atitude de recolhimento e interiorização, de uma busca para dentro de nós mesmos, da luz que vive no nosso interior.
Em toda chegada de uma nova estação, buscamos direcionar novas atividades e assumir uma postura coerente com as qualidades que a época inspira. Imbuídos de sentimentos verdadeiros tornamos quase que tradutores dessas qualidades que a natureza emana.
Quanto menores as crianças, mais sutis serão nossos gestos, mais plenos de imagens serão os conteúdos trabalhados no dia a dia. O professor de Educação Infantil pode ser um grande poeta que utiliza intensamente as figuras de linguagem a favor das crianças, metaforizando aquilo que os pequenos só podem apreender (e aprender) pelas imagens.
Precisamos cuidar para que a cada época, a cada celebração possamos despertar aquilo que já está impregnado na alma humana e precisa, aos poucos, ser “acordado”.
Esse despertar é um processo natural da criança resultando num desenvolvimento individual, à medida que, repetidamente, povoamos de imagens seus corações. A celebração das festas anuais são ótimos recursos de que nos valemos para possibilitar aos pequenos essas vivências que lhes alimentam a alma proporcionando sentimentos de alegria, amor, coragem, confiança e segurança diante do mundo.
A festa é preparada por integrantes da escola, inclusive pais e amigos. As crianças presenciam e participam com muito entusiasmo a alegria da confecção das lanternas, aprender músicas e escutam pequenas estórias e poesias relacionadas ao tema.
Os professores contem e podem até presentear as crianças com um lindo teatro da história “A menina da Lanterna”, cujas imagens mostram o caminho individual do homem em busca de luz interior. Os personagens do texto nos revelam âmbitos do ser humano que necessitem ser dominados, transformados e renovados. Lembremos que o fogo, desde os tempos mais remotos, é o elemento da natureza mais usado por todos os povos para simbolizar a transformação.
Durante a festa as crianças carregam suas lanternas passeando pelas áreas abertas da escola simbolizando essa luz interior: o fogo divino e transformador que todo o ser humano tem dentro de si, Trilhar esse caminho é uma prova de coragem, e a lanterna acessa é um estímulo que pode ajudar os pequeninos. Caminhando juntos, todos cantam canções folclóricas que nos falam sobre o homem, sobre a natureza, sobre o céu e a Terra e suas relações.
É dever tarefa dos adultos, pais e professores, vivenciar a Festa da Lanterna com plena consciência trazendo as crianças, com veneração, os sentimentos belos, bons e verdadeiros pertinentes a essa época do ano.
Sônia Maria Ruella
JOÃO BATISTA
No nosso Mundo Terra é um organismo vivo e, como tal, efetua espiritualmente um lento inspirar e expirar: no ponto máximo do verão atinge o expirar mais completo e no ponto mais baixo do inverno, o inspirar. Durante a primavera e o verão a Terra está num estado como o do sono do ser humano, isto é, fora de seu corpo físico e no inverno, ao inspirar, estaria na situação do ser humano acordado. A humanidade era completa composta de seres cósmicos que acompanhavam este ritmo da Terra: no verão se exaltavam, saíam de si.
No hemisfério norte, os costumes do solstício em volta de uma fogueira, em pontos culminantes das montanhas, traduzem o êxtase, o extrapolar-se das almas humanas. Neste ponto máximo, a Terra tem a sua matéria elevada para o espiritual. No inverno acontece o inverso: o espiritual se infiltra na matéria terrena quando a terra inspira. (Isto ocorre agora no hemisfério sul!). Mas, hoje em dia, a humanidade conseguiu interferir em grande escala neste processo, porque ela não acompanha mais espontaneamente este ritmo, (distanciamento das mudanças na natureza, viagens rápidas de um hemisfério a outro, etc.)
João Batista ainda é o homem arquetípico, que vivia nesta relação com a Terra. Lá onde nasceu, no hemisfério norte, o verão atingia o ponto alto, e sua formação no ventre materno se deu durante o sol crescente, na expiração da Terra. Sua alma também se exteriorizara e ele surgia como imensamente grande e misterioso aos homens aos quais falava. (Isto se pode verificar em ilustrações em que João Batista aparece quase gigante.) Trazia ele em si a tendência cósmica original da humanidade daquela época, que é o estar em êxtase, em transe.
Em relação a este fato, João batista era o oposto de Jesus Cristo, cujo nascimento caiu no inverno mais profundo e seu corpo se desenvolveu no ventre materno, quando o sol se recolhia e a terra inspirava. Assim, Jesus tornou-se o representante arquetípico do outro princípio do mundo que é: o homem terreno pode se tornar um recipiente de um ser espiritual superior.
Resumindo temos então João batista, o antigo ser humano cósmico, encarnação do princípio do êxtase, do sair fora de si. E Jesus Nazareno, o novo ser humano terrestre, que encarna o ser que, mesmo sendo pequeno, pode crescer ao receber o Eu crístico no seu eu humano.
Duas vezes, João Batista foi o maior e o último dos profetas. Ele sabia que o antigo modo da humanidade de se ligar com a respiração da Terra ia terminado e que esta ligação estava ressecando e fenecendo. Ele via o desligamento da proximidade de Deus e o céu que os humanos haviam tido espontaneamente.
E o que via se traduz nas suas palavras: “Já o machado está nas raízes das árvores”. Mas também sabia que algo novo surgia. Também profetizou a nova messiânica, a vida nova resultante de um conteúdo espiritual novo, no íntimo mais profundo de cada ser humano. E de si dizia João Batista: ”Eu devo diminuir, ele deve crescer.” Eu devo diminuir significa que aquela força dada pela natureza de crescer para fora de si é que deve diminuir e Ele deve crescer significa o que não traz mais força espontânea. Deste ponto em diante, a fogueira do êxtase se transformou em oferenda, em sacrifício, num sinal de que o velho Adão se sacrificava, para que pudesse crescer e surgir um Adão novo.
E como tal é preciso que também os festejos juninos se tornes cristãos. Um tempo virá em que será festa de intensa elevação a dimensões novamente cósmicas, porque ainda hoje nos prendemos muito facilmente a contextos antigos.
Mas temos que começar aos poucos. Se refletirmos, veremos que o dia 24, São João, não é mais o ponto alto do verão no hemisfério norte (inverno aqui no sul) como o era há 2000 anos atrás, antes das várias reformas de calendários. Se pensarmos também nas festas realizadas em fins-de-semana, antes e após o dia 24 (que não é feriado), veremos que a distância da hora certa de festejar o solstício é bem grande e variável. É importante, pois, sabermos que se trata de uma época e não apenas de um certo dia.
Deste modo vamos, entender que a época de São João é muito mais do que a festa em que o cristianismo recebe o seu caráter cósmico, dado pela natureza. A festa em que isto se dá é a ascensão de Cristo, pois é nesta que podemos entender que Cristo se une ou liga com todo o mundo terrestre. Temos ai o ressureto que transforma o antigo, velho cosmo em um cosmo novo, pois se uniu a ela, transformando-o. este é o grande e desconhecido mistério da Ascensão: Cristo é Senhor dos elementos: no inverno (terra se endurece, a água se cristaliza) na primavera (água= a terra amolece, as plantas desabrocham) no verão (fogo = o calor da época) no outono (ar = as ventanias). Explicando: a terra como um corpo de elementos, materiais vitais, de alma e espírito. Na matéria, o corpo físico, em tudo fluído é a sua vida que flui. Sua respiração e o ar em que tece a sua alma. E o calor que vem de tão longe, de fora da esfera terrestre, nos deixa adivinhar uma parte espiritual.
Da ascensão passamos para o Pentecostes quando o ser humano, através da sua possibilidade de se unir com o ressureto, adquire a capacidade de se unir também ao novo cosmo. Ao ser batizado com água, o corpo humano fica preparado para ser um receptáculo puro e limpo e, quando em Pentecostes o Espírito Santo veio para batizar com língua de fogo recebemos a possibilidade de abrigar em nossa alma um conteúdo celestial superior.
Nesta época de São João podemos reviver a vida tão dramática e cheia de pontos altos que teve João Batista. No dia 06 de janeiro batizou um ser humano que não reagiu como o haviam feito os outros, extasiando-se: nele se deu pela primeira vez a moradia do Cristo em um ser humano! Aconteceu o imenso milagre de Jesus Nazareno receber a entidade do cristo, um ente solar. O maior representante do antigo cosmo ajudou a uma entidade nova chegar à terra, iniciando uma nova era.
João Batista ainda continuou em grande evidencia, porém logo se inicia sua vida de sacrifícios: seu destino desenrolou-se e o grande batizador é encarcerado e não pode mais exercer a sua grande atividade. Quem o substitui? Os discípulos se tornaram discípulos de Jesus Cristo, mas todos ainda ficavam bem retraídos. E aconteceu então o trágico desfecho no dia 29 de agosto como nos diz a tradição em que a cabeça de João Batista é trazida ao salão em que Herodes dava uma festa.
Este foi o sinal para serem procurados novos caminhos e, 3 anos após, levaram ao Mistério da Morte e Ressurreição, da Ascensão e Pentecostes.
Mais uma ajuda para facilitar a compreensão das palavras de João batista: ”Eu devo diminuir, ele deve crescer”. Vejamos que a Terra no outono e no inverno não fica mais pobre, ela não perde o que o verão trouxe para o exterior e a visão, o que são bênçãos e presentes divinos! A Terra absorve, interioriza, tornando tudo o seu corpo, ela sim, incorpora tudo! E é no outono que os frutos amadurecidos são ofertas e dádivas. “Eu preciso diminuir” sem me tornar pequeno e mesquinho moralmente, devo tentar trazer para dentro de mim o que nos rodeia espiritualmente. Isto com toda a modéstia) possível, trazendo a imensa riqueza celestial para ser incorporada corretamente em minha forma humana.
Nós não podemos ter perdido tudo o que, quando crianças, trouxemos de imenso e maravilhoso em forças celestiais para a terra! Nós não perdemos esta riqueza ao nos tornarmos adultos! Só não sabemos o que fazer com ela e por isso ela fica bem no fundo, nos recônditos mais profundos, em carne, ossos e sangue. Mas, podemos trazê-la à tona podemos trabalhá-la e descobrir novamente esta magia da riqueza espiritual e celeste. Então: é de noite, quando dormimos, que nos tornamos maiores que o nosso corpo físico, e quando estamos acordados voltamos aos limites deste corpo; porém trazemos conosco o que nos foi presenteado pelos céus noturnos. Só que não sabemos mais aproveitar logo no dia seguinte o que lá trouxemos.
Vamos pensar na situação do batismo do rio Jordão. João Batista com a sua enorme alma, e com isto o representante máximo da humanidade antiga, não pelo físico (apesar de muitas vezes, ser representado assim), mas por tudo o que traz em sua volta. E vem alguém para ser batizado, alguém que nasceu meio ano após ele ter nascido. E é um ser humano completo, com sofrimento e desavenças que o amarguram, tornando-o menor (pois esta amargura diminui o ser). Então, este ser é pequeno e João Batista é tão imenso. Mas ao ser Jesus, batizado por João, Jesus vai crescer e muito. Como assim? Ele cresce imensamente, porque o pequeno ser humano Jesus recebe o Cristo, uma entidade solar. Jesus incorpora um conteúdo celeste infinito. E assim surge um novo conceito de tamanho, que não é o que João Batista possui, dado espontaneamente pela natureza.
Por isso, o ser humano pequeno pode dizer: “Não eu, mas o Cristo em mim.” E quando João Batista diz: “Ele deve crescer” nós entendemos que devemos diminuir para que Cristo em nós possa crescer e com Ele também cresce o nosso Eu superior.
Esta é a visão que devemos ter da época festiva de São João: que novamente surja uma grandeza no ser humano. Não aquela grandeza atávica, mas aquela grandeza que pode surgir como uma chama que aquece e purifica, o nosso interior. O contrário dela, seria a chama transe ou êxtase que exterioriza o ser humano, o deixa fora de si.
Não é necessário esperarmos esta época de São João para tentarmos acender e atiçar este fogo interior. Através dessa interiorização, podemos novamente ter inspiração: deixando para trás tudo o que foi como transe, (o que antigamente se considera como enriquecedor da alma), tudo o que foi herdado; “eu devo diminuir” (ficar pequeno, colocar dentro de mim, absorver) para poder ser um ser humano acordado desperto. Nossa alma deve estar sempre de prontidão para podermos nos interiorizarmos, deixar de procurar no exterior riquezas, distrações e passatempos.
Emil Bock
PENTECOSTES – A FESTA DO FUTURO
Pentecostes vem do grego e significa o qüinquagésimo dia. Esta festa acontece sempre 50 dias após o domingo de Páscoa e 10 dias após a Ascensão de Cristo.
Os apóstolos e discípulos receberam os ensinamentos do Cristo através de uma consciência imaginativa, como em estado de sonho. Todos os conhecimentos ocultos do mundo espiritual que já estavam ancorados em suas almas ainda não emergiam na consciência de vigília.
Os apóstolos vivenciavam o Cristo como portados da plenitude das forças macro-cósmicas no âmbito da esfera terrena, mas essas forças ainda não estavam presentes na consciência do Eu. Eles olhavam os acontecimentos como algo externo a eles. Tinham o conhecimento da nova relação entre o macro e o microcosmo e reconheciam a força Divina solar trazida à esfera terrena através do Cristo, mas ainda não a vivenciavam dentro de si mesmos. Também o Cristo até a Ressurreição e a Ascensão atuava na esfera terrena e não ainda nos indivíduos. Através do Mistério de Gólgota o Cristo permeou a Terra com forças cósmicas mas ainda não permeara a consciência do eu individual.
Pentecostes é a festa do verter do Espírito Santo nos Apóstolos e a fecundação do Amor Cósmico ao “eu humano” através da consciência individual. Neste evento o Cristo uniu-se definitivamente à humanidade e permeou-se dentro de cada individualidade, trazendo para dentro de cada um o que pairava nas esferas espirituais. O Ser Crístico permeou totalmente a esfera terrena, trazendo o Céu à Terra e desde então Ele está unido à alma humana da Terra.
Nos antigos Mistérios, a possibilidade de união do micro ao macrocosmo só era possível ao homem através de um estado de sono profundo sem a presença consciente do eu. Pentecostes traz uma nova relação do terreno com o divino de maneira interiorizada individualmente e na presença da consciência do eu.
A partir da experiência espiritual de Pentecostes, os discípulos puderam anuncia aos homens a presença do Cristo e despertar neles experiências semelhantes. Por isso esta festa é da comunidade dos cristãos, do homem tocado interiormente pelo Ser do cristo.
As forças de Pentecostes atuam na alma de cada indivíduo, permite a cada um de nós reconhecer a singularidade de cada ser humano e a compreensão que é através da diversidade de cada um que encontra-se a qualidade do Amor Cósmico que une toda a Humanidade. Em Pentecostes o que importa é aquilo que é criado em conjunto, que se procure e que se ache o que é unificador.
Cultivemos as Forças Crísticas em nossas almas para solidificarmos uma comunidade na qual todos os homens independente de família, nação, religião vivam na plenitude do amor fraternal com uma nova consciência cósmica.
Gabriele Kuehn – Vera Orgolini
A VIVÊNCIA DE PENTECOSTES PARA AS NOSSAS CRIANÇAS
Festa do Espírito Santo. Pentecostes não se compreendia quando criança. (…)
Naqueles tempos de educação infantil muito mais severa, a criança não atrevia a perguntar muitas coisas!
Na igreja, acima do público, pairava uma pomba branca de pezinhos rosados encolhidos, como se quisesse descer para pousar. Ali estava aquele Espírito Santo que naquele dia vinha a ter o seu significado máximo. Mas porque não descia e ficava escondido em um pássaro e não se parecia com um ser humano? As canções e orações transmitiam algo sobre ele e suas dádivas. Sabedoria era a mais bela delas. Rezava-se por todas, também para que descessem e pudessem apoiar seus pezinhos. Mesmo com todo fervor infantil permanecia a pergunta sem resposta: o que isto era para nós crianças? Nós também precisávamos de um apoio para abarcar este mistério.
Ao nos tornarmos pais e termos nossos filhos, tentamos construir este “apoio”. (Foi uma tentativa e talvez outros pais tenham idéias melhores). Preparei secretamente “árvores de Pentecostes” com pequenas bétulas (N. T. no Brasil o mais semelhante é o eucalipto…) ou galhos grandes. Foram enfeitadas com faixas, de meio metro de comprimento, de papel de seda rosa escuro – todo ano a mesma cor, pois para as crianças estas repetições são importantes. Prendiam-se várias faixas juntas para esvoaçarem nos galhos. Como as festas para as crianças precisam passar pela língua, eu assei biscoitinhos em forma de pombos e sóis, que também foram dependurados na “arvorezinha”. Cada criança recebeu sua árvore de Pentecostes amarrada ao pé da cama e era delicioso acordar pela manhã com estes odores. A mesa do café fora enfeitada com folhagens verdes. Havia ainda com um bolo decorado com pequenas rosas (profanos macarrões em forma de conchas, mas quem se atrevia a dizê-lo?) que só se comia em pentecostes. Como além disso, uma festa para criança passa pela pele e a renovação que esta festa significa deve ser sentida, havia uma roupa nova, a roupa de Pentecostes.
Já as crianças maiores devem ouviam o evangelho de Pentecostes na igreja (onde não era possível, o pai deveria lê-lo pela manhã, festivamente com uma vela acesa). E para que houvesse uma imagem, na cômoda por onde passavam os acontecimentos anuais, havia a descida do Espírito Santo sobre Maria e os doze apóstolos. (…)
E depois era feito um encontro ou um passeio. Pois a comunidade humana é o que, antes de tudo, deve ser vivenciado em Pentecostes, como cantar, jogar e caminhar em comunidade. A natureza pertence a Pentecostes e onde não for possível sair a seu encontro, ela deve ser trazida para dentro de casa.
A isto se pode juntar um conto de fadas, que talvez possa contar-se sempre e novamente neste dia. O conto do rei do mar e Wassilissa, a décima terceira pomba. É um conto de fadas puro para Pentecostes, o mais puro contado na Europa Central. E através dele passamos às crianças uma imagem verdadeira daquela espiritualidade futura do qual fala o evangelho, quando o espírito Santo desceu para cima doze que tinham em seu meio a décima – terceira – é uma imagem verdadeira para que cada um se assemelhe ao apóstolo João e adquira a completa abrangência da sabedoria anímica da pomba, cuja imagem primordial era a Maria.
Além disso – agora como adulta devo dizer – talvez seja justamente importante que Pentecostes não seja “compreendido” inteiramente pela criança. Se nós próprios voltamos a saber o que aconteceu, e aquele acontecimento for nosso e o tivermos conosco continuamente, a criança o vivenciará através do adulto.
Nossa postura e aquilo que nos preenche é o que fará a festividade para a criança.
Fridel Lenz
A FESTA DE PENTECOSTES
A DATA DE PENTECOSTES
Pentecostes vem do grego e significa o qüinquagésimo dia (50 dias depois da Ressurreição do Cristo). Assim a festa de Pentecostes sempre acontece 50 dias depois da Páscoa ou 10 dias depois da Ascensão do Cristo.
HISTÓRIA DE PENTECOSTES
As pessoas que possuem fé reúnem-se para comemorar a festa da comunidade em Cristo. É um acontecimento que exige “almas preparadas”.
Depois da Ascensão do Cristo, os discípulos reuniram-se e, rezaram e meditaram em conjunto (História dos Apóstolos capitulo 2), então o Espírito Santo os alcançou e os iluminou. Eles perceberam: “nós não estamos sós, Cristo uniu-se conosco e vive em cada um de nós”. E assim entusiasmados eles foram capazes de se comunicar em outras línguas e se espalharam pelo mundo, proclamando o Cristianismo como Cristo os tinha orientado.
Antigos quadros mostram isso em forma de chamas acima das cabeças dos apóstolos. Á preparação de suas almas respondeu, dos mundos celestiais, o Espírito Santo.
O Espírito Santo muitas vezes é simbolizado por uma pomba branca.
Apesar de Pentecostes ser uma festa bem antiga (antes do Cristo eram festejadas nesta data as primeiras dádivas da natureza, dá para se dizer, que é uma festa do futuro. Primeiro, cada pessoa tem que fazer o esforço de preparar a sua próprio alma através de oração e meditações (veja Ascensão do Cristo), assim Pentecostes pode acontecer para ela e ela receberá as primeiras dádivas do Cristo. E assim se concretizará o mais nobre dos mandamentos (Lucas 10,27 e Marcus 12,28-34 e Mateus 22,36-40 trata-se do amor a Deus e do amor ao próximo), construindo-se uma comunidade em Cristo na qual todos os homens serão irmãos independentemente de famílias, nações ou religiões. Para mim a nona sinfonia de Ludwig van Beethoven representa isso muito bem. Coro final de Friedrich Von Schillers Ode “Na die Freude”:
Ò alegria, centelha divina tão bela
Filha do Elísio provinda
Nós adentramos, inebriados de fogo,
Ó divina, o teu santuário,
Tua magia une de novo
O que a moda com rigor separou
Todos os homens serão irmãos,
Onde a tua tênue asa pairar.
Festas Cristãs
SÍMBOLOS DE PENTECOSTES
SIGNIFICADO
Significa, em grego: qüinquagésimo (dia após a Páscoa). Neste dia estavam reunidos os Apóstolos e, através da fusão de seus pensamentos e seus sentimentos e a prática conjunta de exercícios religiosos, ocorreu à ligação com o Espírito Santo. Eles conscientizam sua mais profunda ligação com o Cristo. Com esta consciência eles agora podem se dirigir aos seres humanos e transmitir e provocar acontecimentos semelhantes. Desta forma, Pentecostes é a festa de associação cristã.
A MESA DE PENTECOSTES
Um quadro de Pentecostes é pendurado na parede sobre a mesa. Na mesa uma vela branca circundada por doze velas brancas menores. As crianças podem produzir os castiçais com argila e pintá-los com doze cores diferentes. Colocar flores que se compõe de vários indivíduos, mas que nascem num mesmo espaço, como por exemplo, margaridas.
O ACENDER DAS VELAS
No dia de Pentecostes, de manhã, quando as crianças entrarem na sala, a vela do meio já deve estar acesa. Após uma canção e um verso, cada criança e os adultos acendem uma vela na vela do meio. As velas restantes são acesas, da mesma forma, pelas crianças em nome de pessoas a elas ligadas, como por exemplo, padrinhos, avós, amigos, parentes, doentes ou falecidos. A criança vivencia uma associação de pessoas para a qual também pode fazer alguma coisa.
O acender das velas deveria acontecer pelo menos três vezes: no domingo de Pentecostes, na segunda – feira e no domingo seguinte, com a inclusão de novas pessoas no rol dos lembrados.
CONTOS RELACIONADOS
A Gata Borralheira: as pombas ajudam na separação entre o bem e o mal e sabem quem é a noiva correta.
As Três Línguas: devido à sabedoria das pombas, pode ser lida a missa.
Para crianças à partir dos 10 anos pode ser contada a saga de Lohengrin, que pode ser contada em capítulos. O cavaleiro-cisne enviado pelo Graal traz à alma humana ameaçada e ao povo, paz e liberdade.
SIGNIFICADO DAS FESTAS:
Micael, conduz o homem á manjedoura;
Natal, representa o nascimento da luz divina na Terra;
Páscoa, simboliza a Luz de Natal que vence as forças da morte;
Em Pentecostes, a luz se torna para o homem o fruto do seu agir.
Em Pentecostes a Terra se enfeita como uma noiva com flores e verde para se casar com o céu. Mas a natureza não para e Terra e Céu ficam cada vez mais pesados, até a época de João, quando termina o processo de expansão e crescimento do sol. Pentecostes é a última festa da expansão e de crescimento do sol.
Enquanto Pentecostes é o fruto da ação de Cristo, João é o primeiro broto na alma humana para crescer e evoluir. Uma fita dourada liga desta forma as duas festas. A chama de João que sobe da Terra para o Céu, somente pode ser um fogo espiritual como resposta do homem às línguas de fogo de Pentecostes que descem das alturas e batizam o homem preparado, com fogo e espírito.
Festas Cristãs
PENTECOSTES – A FESTIVIDADE DA INDIVIDUALIDADE LIVRE
No ciclo anual encontramos três festas cristãs de extrema importância para a nossa vida espiritual, são as festas de Natal, de Páscoa e Pentecostes.
Estas festas são como despertadores das memórias antigas, ativam os nossos pensamentos e sentimentos em direção ao passado e nos fazem contemplar para tudo de sagrado que acumulamos nas vidas passadas.
Mas outros pensamentos também são despertados, através do entendimento do conteúdo desses festivais, pensamentos estes que levam o nosso olhar para o futuro da humanidade, que em ultima análise, significa o futuro das nossas almas.
Esses sentimentos despertados nos fornecem entusiasmos para viver em direção ao futuro, e inspiram a nossa vontade com forças para trabalhos, as quais nos levam a realizá-los cada vez mais de forma adequada para cumprir as nossas tarefas futuras.
Com essa visão do passado e do futuro tornamo-nos capazes para compreender o verdadeiro significado da natureza da festa de Pentecostes.
Para nós do mundo ocidental, estas festas significam colocar diante de nós poderosas imagens que penetram profundamente nas almas.
O fundador do Cristianismo após a consumação do Mistério de Gólgota, assumiu uma nova forma corpórea, entre os discípulos, ministrando ensinamentos.
Ao fim destes 40 dias, manifestou-se visivelmente aos seus primeiros discípulos e enquanto falava com eles, dissolveu a tal forma corpórea e ascendeu aos céus. Este dia ficou conhecido como o dia da Ascensão.
Após esta data, os primeiros discípulos perderam totalmente o contato com o mestre e se sentiram desorientados e nesse estado de extrema dor pela perda, fizeram um apelo veemente em conjunto para que o Cristo os orientasse.
Passados dez dias da Ascensão, e estando eles reunidos, com profunda devoção, no dia de Pentecostes – a tradicional festa do seu povo, – presenciou um “súbito e impetuoso vento’ que se manifestou tanto fora como dentro di recinto, que soou como um “som de uma trombeta”.
Através dessa imagem, as almas dos primeiros discípulos foram despertadas para a visão superior. Eles foram chamados a contemplar, o que iria ocorrer na vida futura da humanidade na Terra. E tudo aquilo que eles aprenderam com o mestre, tornou-se claramente consciente e sentiram o poderoso impulso em seus corações, compreendendo que Ele entrou na corrente evolutiva da humanidade.
Em seguida ocorre a chegada do Espírito Santo na forma da ‘língua de fogo”, que desceu e pairou sobre a cabeça de cada um dos doze discípulos.
Eles sentiram os seus corações nascendo longe, muito longe, entre diferentes povos da esfera terrestre e em diferentes épocas. Sentiram também que algo novo penetrou em seus corações, que permitiu-os a expressar de tal forma que todos pudessem entender além da barreira da língua, sendo a comunicação de coração. E nesse estado, Pedro pode falar de forma que pessoas de diversas nacionalidades presentes pudessem compreender.
Viram que estavam com forças para proclamar o Evangelho em palavras que seriam compreensíveis a todos, não somente àqueles que tiveram contato direto no tempo e no espaço, mas para todos os seres humanos do presente e do futuro.
Estas imagens têm profundo significado no Cristianismo esotérico. O espírito, também corretamente denominado por “Espírito Santo”, enviou suas forças para a Terra, na primeira descida de Cristo quando, Jesus de Nazaré foi batizado por João Batista.
Deve ficar bem claro em nossas mentes, o significado das palavras “espírito” e “Espírito Santo”, tal como são utilizados nos Evangelhos.
Nos tempos antigos, a palavra “espírito” era estendida de muitas formas, mas uma era particularmente diferente. Porém, para entendermos este significado, devemos compreender que a nossa natureza corpora possui duas funções a cumprir: uma, que nos faz tornar um ser humano individualizado, e a outra, que nos faz ser membros de um povo, ou de uma raça, ou de uma família.
Na época anterior a vinda de Cristo, os seres humanos tinham fortes sentimentos que eram membros de um povo, tribo ou raça. Isto é expresso certamente na antiga religião dos hindus, na sua crença de que somente aqueles que tinham ligações através do sangue, eram hindus legítimos.
Estas forças inerentes à esses dois princípios são atribuídas pelos dois genitores. O principio que faz pertencer ao povo, à comunidade racial, é transmitido através da hereditariedade pela mãe.
A mãe está preenchida com Espírito do povo, e transmite para a sua prole as qualidades comuns do seu povo. Isto permite que cada povo tenha qualidades uniformes para realizar determinadas tarefas. Assim pode-se dizer que na mãe mora o espírito do povo, e que há conexão com o espírito derramando estas forças para o povo.
Do pai recebemos a capacidade que nos permite desenvolver a individualidade, as características pessoais do ser humano.
Entretanto, a humanidade estava muito tempo nesse estado de desenvolvimento, e o espírito do povo havia atingido o final da sua missão. E então Cristo veio para dar novo impulso nessa evolução.
Rudolf Steiner, respondendo à pergunta do que poderia ter ocorrido se Cristo não tivesse vindo na época que de fato veio, disse que a humanidade se desenvolveria por mais três a seis séculos e depois estagnaria por completo e, portanto, deixaria de evoluir.
Cristo elevou o nível do espírito do povo e nos Evangelhos esse novo espírito foi denominado por “Espírito Santo”. Assim, a partir da vinda de Cristo, os homens não mais pertencem ao espírito do povo, mas ao Espírito Santo. E, portanto, não sentem como pertencentes a um povo, mas pertencente a humanidade universal, e isso independente do povo ou raça a que pertence.
A chegada do Espírito Santo na Terra foi feita de forma bastante criativa, trazendo forças para a evolução humana, e para entendermos, recordemos que no Evangelho de Lucas a mãe de Jesus de Nazaré recebeu a anunciação. Assim nasce Jesus de Nazaré, o primeiro com Espírito Santo e ao atingir 30 anos recebe durante o batismo no Rio Jordão, o Cristo.
Nesta união formou o modelo ideal do homem terrestre, ou seja, nascido com o Espírito Santo e permeado com Cristo. Esta imagem Steiner esculpiu em madeira e deu o nome de “representante da humanidade”.
Contudo, podemos entender que a força do Espírito Santo veio substituir o espírito do povo, porém ao analisar a imagem de Pentecostes em que o Espírito Santo desde em forma de “língua de fogo” e atinge individualmente cada discípulo, pode-nos levar a entender que aparentemente há uma contradição. Steiner confirma que o Espírito Santo atua tanto naquilo que recebemos através da hereditariedade via mãe, como também na capacidade para desenvolver a individualidade que recebemos do pai.
No dia de Pentecostes, Cristo retornou e penetrou nos corações de cada um dos discípulos de forma individualizada. Nesse dia, Cristo reapareceu em forma múltipla, permitindo que cada um dos primeiros discípulos se tornasse portador e pregador da mensagem Dele.
Assim, nos primórdios do inicio da história do cristianismo foi implantado um poderoso símbolo do evento, que nos diz: “os primeiros discípulos receberam cada um o impulso de Cristo dentro de si”.
Para entender melhor recordemos o Evangelho de Matheus. Aqui quem recebe a anunciação foi José. E ele compreende que a mãe do seu filho estava preenchida, pela força de um espírito que não era apenas um espírito do povo, mas, um Espírito Universal da humanidade! José compreende que se fosse seu filho, nasceria com individualidade igual a qualquer outro do seu povo. Jesus, do Evangelho de Matheus, nasce com uma forte individualidade, a de Zaratustra. Esta individualidade passa para Jesus de Nazaré quando este atingiu 12 anos de idade, e passa a prepará-lo para receber Cristo.
O ciclo de desenvolvimento do Jesus de Nazaré foi de 6 anos. Nos primeiros seis anos desenvolveu o físico e depois corpo etérico até 12 e, recebendo Zaratustra aos 12 anos, desenvolve o astral até 18, a alma da sensação até 24 e alma da índole até 30 anos, para poder receber o Cristo no batismo no Rio Jordão.
Quanto mais o homem adquire a perfeição interna, mais sentira o Espírito Santo falando para o nosso interior, permeando o pensar, sentir e querer, que através da divisão em multiplicidade é também um espírito individual, e atua na individualidade humana.
O homem é livre somente quando descobre o seu espírito, e quando esse espírito de torna senhor da natureza corporal, pois do contrário é escravo da natureza corporal no qual o espírito reside.
O símbolo de Pentecostes é para nós o mais precioso dos nossos ideais, constitui a meta para o desenvolvimento da alma livre dentro do envoltório da individualidade livre.
A verdadeira ação do impulso de Cristo não se revela enquanto age na alma individual humana. Cristo só estará presente quando agirmos praticando atos para outrem. Cristo desceu para a Terra porque o poder da ação de Gólgota teve que agir sobre o corpo físico dos homens. Somente quando o ser humano recebe o impulso de Cristo no corpo físico, consegue trabalhar mais tarde, quando atravessa o portal da morte.
O homem deve se esforçar para completar aquilo que recebeu, quando retorna outra vez a Terra, e somente em suas vidas terrenas sucessivas pode aprender para compreender com a consciência física o que vive no impulso de Cristo.
Jamais o ser humano poderia compreender o impulso de Cristo, se vivesse apenas uma vez na Terra. Assim, nós vemos que o pensamento que deve ser adicionado a cristiandade é o pensamento da reencarnação. Vamos a fusão do leste e do oeste, das duas revelações poderosas, a do Cristianismo e da doutrina da reencarnação do budismo. E com a compreensão correta do pensamento de Pentecostes cristão podemos justificar o fluir conjunto das duas maiores religiões hoje atuantes na Terra.
Para que isso possa acontecer, será necessária uma nova revelação: “deixe o Cristo, que está sempre conosco, fale dentro de nós.”
Vivemos em uma época importante da evolução humana. Novas forças deverão se desenvolver na alma humana antes do final deste século, que conduzirá o ser humano ao desabrochar da clarividência etérica, será um desenvolvimento natural, e determinados seres humanos vivenciarão o evento que Paulo teve em Damasco. Desta maneira, serão elevados os poderes espirituais do ser humano. Cristo retornará em roupagem etérica. Maior número de almas compartilharão o que Paulo experimentou em Damasco.
Somente aqueles que acreditam na nova corrente da vida espiritual de Cristo, compreenderão a revelação e continuarão vivendo para todos os tempos, até o fim dos tempos.
Aqueles que compreenderem o evento de Pentecostes evoluirão cada vez mais, e comunicarão com seus semelhantes de forma sempre inovadora; e assim poderão estar sempre presentes no mundo das almas individualizadas do Espírito Santo, conduzindo de maneira renovada do impulso da alma humana. Nós podemos acreditar no futuro do cristianismo quando entendermos realmente a idéia de Pentecostes. Sentiremos o pensamento da paz, do amor, e da harmonia, que se encontra no pensamento de Pentecostes. E nós sentimos este pensamento Pentecostes vivificando o nosso festival de Pentecostes, como garantia para nossa esperança da liberdade e da eternidade.
Por sentirmos o espírito individualizado acordando em nossas almas, que acorda em nós o elemento mais significativo, o elemento do espírito: “a imortalidade espiritual”.
Ao compartilhar o mundo espiritual, o ser humano pode-se tornar consciente da sua imortalidade e da sua eternidade. No pensamento de Pentecostes nós realizamos verdadeiramente o poder daquelas palavras primitivas que iniciam e continuam implantar, e que nos revelam o significado da sabedoria e da eternidade.
Elizeu Takase
O JUDEU NO MEIO DOS ESPINHOS
Houve, uma vez, um homem muito rico, que tinha um criado zeloso e honesto, como não havia outro igual.
Todas as manhãs, o criado, que se chamava Martinho, levantava-se primeiro e era o último a deitar-se; quando havia trabalho demasiadamente pesado, em que ninguém queria meter as mãos, era sempre ele quem o desempenhava com coragem. E nunca se queixava, estava sempre alegre e de bom humor.
Terminado o primeiro ano de serviço, o amo nada lhe deu, pensando que, deste modo, economizaria bom dinheiro e Martinho não se iria embora, mas continuaria a trabalhar para ele. Martinho não disse nada, continuou a trabalhar como até aí e, após o término do segundo ano, quando o amo não lhe deu salário algum, também não disse nada.
Ao cabo do terceiro ano, o amo, um pouco hesitante, meteu a mão no bolso mas, refletindo, retirou a mão vazia. Então o criado disse-lhe:
– Senhor, eu vos servi, honestamente, durante três anos; tende a bondade de dar-me agora o que me é devido; quero ir-me embora e conhecer um pouco o mundo.
– Está bem, meu caro, – respondeu o sovina do patrão, – tu me serviste com grande zelo e fidelidade, portanto, quero recompensar-te generosamente.
Tornou a meter a mão no bolso e deu-lhe três moedas novas em folha, contando uma a uma.
– Aqui tens uma moeda para cada ano de serviço, – disse o sovina; – é um ótimo salário, como bem poucos te dariam igual.
O bom Martinho, que em matéria de dinheiro não era lá muito entendido, guardou o seu capital pensando com seus botões: “Agora que tens os bolsos bem sortidos, por quê hás de te amofinar com trabalhos grosseiros?”
Despediu-se do amo e foi-se por montes e vales, expandindo a alegria a cantar e a dançar.
Ao passar por um matagal, surgiu dele um anãozinho que o interpelou:
– Aonde vais, compadre folgozão? Pelo que vejo não tens muitos aborrecimentos!
– Por que hei de estar triste? – respondeu Martinho, – tenho no bolso o salário de três anos de trabalho!
– E a quanto se eleva o teu tesouro? – perguntou o anão.
– A quanto? Nem mais nem menos do que a três moedas novas em folha.
– Escuta aqui, – disse o anão, – eu sou um pobre homem indigente, dá-me as tuas três moedas. Eu já não tenho força para trabalhar; tu ainda és moço e forte e podes, facilmente, ganhar a vida.
Martinho, que tinha bom coração, ficou com dó do anão e entregou-lhe as suas três lindas moedas novas, dizendo:
– Com a vontade de Deus, não me farão falta!
– Como és tão caridoso, – disse então o anãozinho – concedo-te o que exprimires em três desejos, um para cada moeda.
– Ah, tu és então um desses que pode assobiar azul! Pois bem, se assim tem de ser, em primeiro lugar, desejo uma espingarda com a qual poderei acertar em tudo quanto eu apontar; em segundo lugar, um violino que obrigue a dançar todos os que me ouvirem, e, em terceiro lugar, quando eu pedir qualquer coisa, ninguém possa recusar.
– Terás tudo isso! – disse o anão.
Depois foi procurar dentro da moita e, imaginem, lá estavam a espingarda e o violino à espera, como se encomendados. O anão entregou os objetos a Martinho, dizendo:
– Tudo o que pedires no mundo, jamais te será negado.
– Coraçãozinho, que mais podes desejar? – disse o criado de si para si e continuou o caminho.
Pouco depois, encontrou um judeu com uma barba muito comprida, parecendo um bode, que estava parado boquiaberto a ouvir cantar um pintassilgo pousado no topo de uma árvore.
– Maravilha de Deus! – exclamou ele – um animalzinho tão pequenino com uma voz tão forte! Ah, se fosse meu! Se alguém pudesse botar-lhe sal no rabo!
– Se é só o que desejas, – disse Martinho – posso satisfazer teu desejo.
Apontou a espingarda para o pássaro e este caiu no meio do espinheiro.
– Vai, tinhoso, – disse ao judeu, – vai buscar o passarinho!
– Não me chameis de tinhoso, Senhoria, – disse o judeu – aí vem chegando um cachorro; vou apanhar depressa o passarinho, uma vez que o derrubastes.
Pôs-se de gatinhas no chão e meteu-se por entre o espinheiro. Justamente quando chegou bem no meio dele, Martinho teve uma ideia divertida: pegou no violino e começou a tocar. Imediatamente o judeu levantou as pernas e pôs-se a saltar; quanto mais depressa Martinho tocava, mais velozmente o judeu pulava e saracoteava; os espinhos raspavam-lhe a roupa, arrancavam-lhe os fios da barba de bode e laceravam-lhe o pobre corpo contorcido.
– Ai, tem piedade de mim! – gritava o judeu – Não toqueis mais esse maldito violino; parai com isso. Senhoria, não tenho vontade de dançar.
Mas o criado não parava, pensando lá consigo.
– Êste judeu esfolou tanta gente durante a sua vida, deixa que os espinhos o esfolem também.
E pôs-se a tocar o violino cada vez mais depressa, fazendo o judeu pular sempre mais alto, até que a roupa dele ficou em farrapos e a cara escorrendo sangue.
– Em nome de Deus, – gritava ele – darei a Vossa Senhoria o que quiser, contanto que pareis de tocar… Darei uma bolsa cheia de dinheiro…
– Bem, se és tão pródigo, – disse Martinho, paro de tocar, mas deixa-me felicitar-te, na tua idade danças admiravelmente. – Depois pegou a bolsa e foi-se embora.
O judeu ficou parado, seguindo-o com o olhar até quase perdê-lo de vista; então gritou com toda a força: – Miserável músico, arranhador de rebeca, hei de te pegar! Eu te perseguirei até perderes as solas dos sapatos; vagabundo! Para valeres um vintém era preciso que to metessem na boca! E continuou a vomitar todas as injúrias que sabia. Tendo, enfim, desabafado a raiva, tomou pelos atalhos e chegou primeiro que Martinho à cidade e correu à casa do Juiz. Caindo-lhe aos pés, disse-lhe:
– Ai de mim, senhor Juiz! Vede em que estado me deixou um patife sem Deus que, em plena estrada, me assaltou, roubando-me a bolsa cheia de dinheiro. Vede minha roupa em frangalhos, a cara, as mãos, escorrendo sangue de causar dó a uma pedra. O pouco dinheiro que trazia, as economias de toda a minha vida, tudo quanto possuo, ele roubou. Pelo amor de Deus, senhor Juiz, mandai levar esse homem para a prisão!
– Foi um soldado com sua espada quem te reduziu assim? – perguntou o Juiz.
– Deus me livre! – respondeu o judeu – ele não tinha nem um canivete, mas apenas uma espingarda a tiracolo e um violino; é fácil reconhecer esse malvado.
O juiz mandou os soldados à procura de Martinho e estes logo o encontraram, pois vinha vindo calmamente pelo caminho; detiveram-no e encontraram com ele a bolsa cheia de dinheiro. Quando se apresentou perante o tribunal, onde se encontrou com o judeu que renovou a acusação, o bom criado disse:
– Não toquei nesse homem e, também, não lhe tirei à força o dinheiro; ele mesmo mo ofereceu, espontaneamente, para que parasse de tocar o violino, cujos sons lhe eram insuportáveis.
– Justo Deus, – gritou o judeu – esse aí prega mentiras como se pegam moscas na parede.
O juiz, também, não acreditou e disse:
– E’ uma desculpa muito esfarrapada; nunca se viu um judeu entregar, voluntariamente, a bolsa.
E condenou o bom criado à forca, por crime de rapina em plena estrada pública. E quando iam levando o condenado, o judeu ainda gritou, mostrando-lhe o punho fechado:
– Vagabundo! Tocador de meia tigela, agora vais ser recompensado como mereces.
Martinho subiu, tranquilamente, a escada do patíbulo; ao chegar lá em cima, voltou-se para o juiz e disse-lhe:
– Antes de morrer, concedei-me um derradeiro pedido, sim?
– Pois não, – disse o juiz, – contanto que me não peças para te poupar a vida.
– Não peço a vida, – disse Martinho, – quero apenas tocar pela última vez o meu violino.
Ouvindo tais palavras, o judeu soltou um grito de terror:
– Pelo amor de Deus, senhor Juiz, não lho permitais.
Mas o juiz redarguiu:
– Por qué nfio devo permitir? Por qué devo negar- lhe esta última alegria? Tem direito a ela e pronto.
Aliás, mesmo que o quisesse, não poderia negar nada a Martinho, por causa daquele dom que lhe fora concedido pelo anãozinho.
– Ai, ai, – gritava o judeu – amarrai-me, amarrai-me bem forte!
Martinho pegou no violino, afinou-o, e quando deu a primeira arcada todos os espectadores começaram a bambolear o corpo: o juiz, o escrivão, os oficiais de justiça, o judeu, o carrasco, todos enfim, os que estavam lá presentes. A corda caiu das mãos daquele que estava amarrando o judeu e, na segunda arcada, todos levantaram as perna, e o carrasco largou o criado e se pôs em posição de dança; na terceira arcada, todos, de um salto, começaram a dançar, tendo o juiz e o judeu na frente a saltar como danados. A multidão, também, saltava e dava cambalhotas. Jovens e velhos, gordos e magros, todos entravam na dança, até mesmo os cães se levantavam nas patas traseiras e dançavam como gente grande. Quanto mais o violinista tocava, mais depressa saltavam os dançarinos, empurrando-se uns aos outros e chocando as cabeças, tanto que, estando todos machucados, começaram a gritar lamentavelmente. O juiz, já quase sem fôlego, gritou como pôde:
– Eu te perdoo, te perdoo! Mas para de tocar!
Martinho, achando que o divertimento durara o suficiente, pôs o violino a tiracolo e desceu a escada, vindo colocar-se defronte do judeu, que jazia estirado no chão, exausto e esfalfado.
– Velhaco, vagabundo, confessa agora de onde provém a bolsa de dinheiro. Não mintas, senão pego outra vez no violino e recomeço a tocar.
– Roubei-a, roubei-a! – gritou o judeu, – tu ganhaste-a honestamente.
Diante disso, o juiz mandou enforcar o mau judeu como ladrão. E Martinho continuou a perambular, indo ao encontro de quem sabe lá quais aventuras!
Conto dos Irmãos Grimm
A MORTALHA DO MENINO
Uma mulher tinha um filhinho de sete anos, tão lindo e gracioso, que ninguém podia olhar para ele sem ficar logo cativado. A mãe amava o filho mais que tudo no mundo.
Ora, o menino adoeceu, imprevistamente, e o bom Deus levou-o para o céu. A pobre mãe não se conformava e chorava dia e noite sem parar.
Logo depois de sepultado, o menino todas as noites aparecia no lugar em que costumava brincar quando era vivo; se a mãe chorava, ele também chorava e, logo que raiava o dia, ele desaparecia.
Como, porém, a mãe não cessava de chorar, certa noite ele apareceu-lhe vestido com a mortalha branca com que fora posto no caixão e, na cabeça, trazia uma grinalda. Sentou-se aos pés da cama da mãe e disse:
– Oh, mamãe, não chores mais, senão não poderei dormir no meu caixão. A minha mortalha está sempre molhada de tuas lágrimas que, incessantemente, caem sobre ela.
Ouvindo isso, a mãe impressionou-se e, desde esse dia, não chorou mais. E, na noite seguinte, o menino apareceu-lhe com uma velinha na mão.
– Vês, mamãe? – disse ele – a minha mortalha está quase enxuta; agora durmo sossegado na minha sepultura.
Então a mãe ofereceu seu sofrimento a Deus e passou a suportá-lo com resignação e silenciosamente; assim, o menino não voltou mais e pôde dormir, tranquilamente, na sua caminha embaixo da terra.
Conto dos Irmãos Grimm
JOÃO OURIÇO
Houve, uma vez, um campônio, possuidor de muitas terras e bastante dinheiro. Contudo, embora sendo tão rico, sua felicidade não era completa, porque a mulher não lhe dera filhos.
Sempre que ia à cidade, em companhia de outros camponeses, estes zombavam dele e perguntavam maliciosamente por que era que não tinha filhos. Tanto zombaram que ele acabou por se irritar e, ao regressar à casa de mau humor, disse para a mulher.
– Quero ter um filho, de qualquer maneira, mesmo que seja um ouriço.
Passado algum tempo, a mulher deu à luz um menino, que nasceu metade gente e metade ouriço. A mãe, ao ver a criança monstruosa, ficou horrorizada e disse:
– Estás vendo! Tu rogaste uma praga e ela pegou!
O marido respondeu:
– Que se há de fazer? Agora temos de o batizar, mas não conseguiremos arranjar-lhe um padrinho!
– E, também não poderemos dar-lhe outro nome senão o de João-Ouriço, – retorquiu a mulher.
Após o batizado, o vigário exclamou:
– Este pobrezinho, por causa dos espinhos, nem poderá dormir numa cama comum.
Por conseguinte, tiveram que lhe arrumar uma cama atrás do fogão, com um pouco de palha, e lá deitaram João- Ouriço. O pequeno, também, não podia mamar no seio da mãe, pois os espinhos poderiam feri-la. Assim, a criança ficou atrás do fogão durante oito anos. O pai não suportava mais ver esse mostrengo e desejava de coração que ele morresse; mas o menino não morria nunca; continuava deitado quietinho no leito de palhas, atrás do fogão.
Por essa ocasião, houve uma grande feira na cidade e o camponês fez questão de ir. Ao sair, perguntou à mulher o que desejava que lhe trouxesse.
– Um pouco de carne e alguns pãezinhos, o necessário para a casa; – disse ela.
Depois perguntou à criada o que queria de lá. e esta pediu que lhe trouxesse um par de sapatos e um par de meias xadrez.
– E tu, João-Ouriço, que queres? – perguntou o pai.
– Quero que me tragas uma gaita de fole, paizinho.
Voltando da feira, o camponês entregou à mulher o que esta lhe encomendara: carne e pãezinhos sovados; à criada deu os sapatos e as meias xadrez, depois foi atrás do fogão e entregou a gaita de fole a João-Ouriço que, ao recebê-la, disse:
– Paizinho, agora leva meu galo ao ferreiro para ser ferrado; depois irei embora daqui e não voltarei nunca mais.
O pai ficou felicíssimo ao saber que ficaria livre dele; mandou ferrar o galo e, quando ficou pronto, João-Ou- riço montou nele e foi-se embora. Levou consigo alguns porcos e alguns asnos, que pretendia criar na floresta.
Chegando na floresta, o galo, com o menino nas costas, teve de voar até um galho no alto de uma árvore; e lá ficou João-Ouriço guardando o rebando de asnos e porcos durante muitos anos, enquanto a bicharada se ia multiplicando.
O pai nunca mais soube dele e João-Ouriço passava o tempo lá na árvore a tocar a gaita de fole maravilhosamente.
Certo dia, calhou passar por lá um rei que se extraviara na floresta e ouviu aquela doce música. Ficou tão encantado que mandou um dos criados ver de onde provinha. O criado olhou para todos os lados e só viu um animalzinho encarapitado no alto da árvore. Pareceu-lhe um galo com um ouriço nas costas e a música provinha deste. O rei mandou que fossem perguntar por que estavam lá em cima e se, por acaso, conhecia o caminho que levava ao seu reino.
João-Ouriço desceu da árvore e disse ao rei que lhe indicaria o caminho, mas pedia em troca que lhe prometesse, por escrito, dar-lhe a primeira coisa que lhe corresse ao encontro quando chegasse em casa. O rei pensou consigo mesmo: “Isto não me custa. Posso fazê-lo sem receio, pois este pobre Ouriço não sabe ler; escreverei o que bem me aprouver.”
Pegou a pena e o tinteiro e traçou algumas linhas num papel; depois disso, João-Ouriço indicou-lhe o caminho certo e o rei chegou sem dificuldade à sua casa.
Quando ia chegando, a filha viu-o de longe e correu alegremente ao seu encontro, abraçando-o e beijando carinhosamente. O rei, então, lembrou-se de João-Ouriço. Contou à filha o que se passara na floresta, dizendo que, para sair dela, fora obrigado a assinar um compromisso, mediante o qual teria de entregar a primeira coisa que lhe chegasse ao encontro, a um estranho animal, montado num galo como se fosse cavalo e que tocava maravilhosamente a gaita de fole. Como era muito esperto, porém, escrevera no papel que não lhe daria coisa nenhuma, pois o mostrengo não sabia ler e assim estava isento do compromisso.
A princesa achou que o pai fizera bem iludindo o Ouriço e disse que jamais iria ter com ele na floresta.
Entretanto, João Ouriço continuava a cuidar da bicharada. Vivia no galho da árvore, alegre e feliz, tocando a gaita de fole.
Aconteceu, porém, que apareceu por lá um outro rei numa linda carruagem e acompanhado por vassalos e escudeiros; ele também se tinha extraviado e não achava o caminho para voltar à casa; tão grande era a floresta que o rei se viu em dificuldades.
Ouvindo a suave música ao longe, mandou o escudeiro verificar de onde provinha, e o escudeiro voltou comunicando que vira o galo carregando nas costas João- Ouriço, que tocava a gaita de fole. Tendo-lhe perguntado o que estava fazendo, respondeu-lhe:
– Estou cuidando dos meus animais, e tu, que é que desejas?
O escudeiro explicou-lhe que se haviam extraviado e não conseguiam encontrar o caminho para voltar ao reino e pediu-lhe que os ajudasse. João-Ouriço desceu da árvore com o galo e disse ao velho rei que lhe indicaria o caminho se ele lhe desse a primeira coisa que encontrasse ao chegar ao palácio. O rei aceitou a proposta e assinou um compromisso.
João-Ouriço montou no galo e, precedendo a comitiva, indicou o caminho certo; assim, o velho rei pôde chegar são e salvo ao palácio. Quando o viram chegar, a família e a corte ficaram muito contentes.
O rei tinha uma filha única, de beleza extraordinária, a qual foi a primeira a correr ao encontro do pai, abraçando-o e beijando-o, radiante de alegria por vê-lo de volta. Ela perguntou ao rei por que se demorara tanto e ele contou-lhe que se perdera na floresta c talvez nunca tivesse podido sair dela se, ao passar perto de uma árvore, não tivesse encontrado um homem, metade gente e metade ouriço, sentado num galho e cavalgando um galo. Esse estranho homem tocava maravilhosamente bem gaita de fole, cuja melodia fizera parar a comitiva. Um escudeiro fora enviado para saber qual era o caminho certo e o ouriço descera da árvore e fizera ao rei a proposta de ensinar-lho se, em troca, lhe desse o que primeiro viesse ao encontro no palácio. E fora justamente ela, a filha, a primeira a abraçá-lo, e agora ele teria de entregá-la, por isso estava tão consternado.
A filha, porém, consolou o velho rei, dizendo que, se João-Ouriço viesse buscá-la, ela o seguiria sem hesitar por amor a seu pai.
João-Ouriço, entretanto, pastoreava os porcos, os porcos tiveram mais porcos e estes outros mais ainda, sendo tão numerosos que a floresta inteira ficou cheia deles. Então João-Ouriço cansou-se de viver na floresta; mandou avisar o pai que preparasse todos os chiqueiros da aldeia, que ele chegaria em breve conduzindo tamanha quantidade de porcos que todos os habitantes, se quisessem, podiam matar um.
Ao receber essa notícia, o pai de João-Ouriço ficou aborrecidíssimo, pois o julgava morto desde muito tempo. João-Ouriço montou no galo e dirigiu-se à aldeia natal, conduzindo consigo imensa vara de porcos e lá mandou matar todos.
Oh, foi uma barulheira infernal e a gritaria ouvia- se a duas horas de distância! Depois João-Ouriço disse:
– Meu pai, vai à forja e manda ferrar novamente o meu galo; em seguida, partirei para nunca mais voltar durante a minha vida.
O pai fez o que lhe pedia, muito satisfeito por saber que João Ouriço nunca mais voltaria.
Assim João-Ouriço partiu outra vez. Dirigiu-se ao reino do primeiro rei que lhe prometera o que primeiro encontrasse ao chegar em casa. Mas este rei ordenara aos guardas que, se vissem chegar um indivíduo montado num galo e com uma gaita de fole, atirassem nele para que não entrasse no castelo. Portanto, quando João-Ouriço ia chegando, os guardas o atacaram com baionetas; mas ele, mais que depressa, esporeou o galo que, alçou voo subiu por sobre o portão e foi parar na janela do rei; ali João- Ouriço gritou que viera buscar o que lhe fora prometido; se não cumprisse a promessa matava-o e também à sua filha. Então o rei, amedrontado, pediu à filha que seguisse João-Ouriço a fim de salvar a própria vida e a do pai.
A princesa vestiu-se de branco e o rei deu-lhe um coche com seis cavalos, criados vestidos de libres suntuosas e um grande dote.
A princesa subiu no coche e João-Ouriço, sentou-se ao lado dela com o galo e a gaita de fole. Despediram-se do rei e partiram, enquanto o velho suspirava tristemente ao pensar que nunca mais tornaria a ver a filha.
Mas aconteceu o contrário do que ele pensava: assim que chegaram a certa distância do palácio, João-Ouriço, eriçou-se todo, tirou-lhe as belas roupas e, com os espinhos, pungiu-a toda até deixá-la sangrando.
– Eis a recompensa pela tua maldade, – disse ele; – agora vai-te embora, eu não te quero.
Enxotou-a da sua presença, mandando-a de volta à casa; assim a princesa ficou desonrada pelo resto da vida.
E João-Ouriço continuou o caminho montado no galo e levando a gaita. Dirigiu-se ao segundo reino, à procura do rei a quem havia indicado o caminho. Este rei tinha dado ordens aos guardas que, se por acaso chegasse um tal parecido com um ouriço, lhe apresentassem armas, o acolhessem com grandes vivas e o conduzissem ao paço.
Assim que a princesa viu o jovem, estremeceu de horror, pois ele tinha realmente aspecto monstruoso; mas conteve-se, pensando que não lhe restava outra alternativa desde que prometera ao pai aceitá-lo.
Acolheu-o o melhor que pôde e depois casaram-se. O noivo teve de sentar-se ao lado dela na mesa real, comer e beber em sua companhia. À noite, quando chegou a hora de dormir, ela tremia de medo daqueles espinhos, mas ele tranquilizou-a, dizendo que não lhe faria o menor mal.
Em seguida, pediu ao rei seu sogro que pusesse quatro homens de guarda na porta de seu quarto e que acendessem uma fogueira; entrando no quarto, antes de pôr-se na cama, ele sairia da pele de ouriço e a deixaria ali, ao pé da cama; os quatro guardas deviam apanhá-la o mais depressa possível, atirá-la na fogueira e esperar até que estivesse completamente destruída pelo fogo.
Assim, pois, quando soaram as onze badaladas, ele entrou no quarto, despiu a pele de ouriço e deixou-a perto da cama; os quatro homens agarraram-na rapidamente e a jogaram no fogo; quando o fogo a destruiu completamente, João Ouriço ficou livre da praga que pesava sobre ele. Agora estava deitado no grande leito como um homem normal; só que era preto como carvão, como se o tivessem queimado.
O rei mandou chamar seu médico particular e este lavou-o e besuntou-o todo com unguentos especiais e perfumados e João-Ouriço ficou branco e bonito como um verdadeiro fidalgo.
Vendo isso, a princesa encheu-se de alegria e não teve medo de dormir com ele. No dia seguinte, levantaram- se alegres, comeram e beberam e depois festejaram as núpcias de verdade. João-Ouriço foi nomeado sucessor do velho rei e ficou reinando em seu lugar.
Após alguns anos, o jovem rei foi com a esposa visitar o pai na aldeia distante. Ao chegar lá apresentou- se como seu filho; mas o pai respondeu-lhe que não tinha filhos. O único que tivera era coberto de espinhos como um ouriço e tinha-se ido pelo mundo.
João fez tudo para ser reconhecido, e quando o pai se convenceu, ficou muito feliz e foi viver com ele em seu reino.
Minha história acabou e pela casa um ratinho passou.
Conto dos Irmãos Grimm
OS DOIS COMPANHEIROS DE VIAGEM
Os vales e as montanhas nunca se encontraram, mas apenas os homens, especialmente os bons com os maus. Assim sucedeu que, certa vez, um sapateiro e um alfaiate que haviam saído a correr mundo, se encontraram . O alfaiate era baixinho, simpático, sempre alegre e bem disposto. Ao ver o sapateiro, que se aproximava, vindo de direção oposta e percebendo-lhe o ofício pela sacola que carregava, gritou-lhe estes versinhos zombeteiros:
Sapateiro, não amola!
Bota fora a presunção!
Bata sola, bate sola,
Faz a tua obrigação!
Mas o sapateiro não gostava de brincadeiras e, franzindo a cara como se tivesse tomado vinagre, fez o gesto de quem ia esgoelar o outro. O alfaiatezinho, no entanto, começou a rir e, alcançando-lhe sua garrafa de vinho, disse:
– Não leves a mal. Bebe um pouco que te passará esse mau humor.
O sapateiro tomou um bom gole e seu rosto começou a desanuviar-se. Devolvendo a garrafa ao alfaiate, disse-lhe:
– Prestei boa homenagem ao vinho. Fala-se muito dos que bebem, mas não dos que tem sede. que achas da ideia de seguirmos juntos?
– Estou de acordo, – respondeu-lhe o alfaiate,- desde que queiras ir a uma cidade grande, onde não falte trabalho.
– Era essa, exatamente, a minha vontade, – retrucou o sapateiro. – Num lugarejo qualquer não se ganha nada e, no campo, as pessoas preferem andar descalças.
Assim, prosseguiram juntos seu caminho, sempre em frente, um pé adiante do outro, que o mundo é coisa grande para quem sabe andar.
Tempo, eles tinham de sobra, mas pouca coisa para mastigar. Sempre que chegavam a uma cidade, cada um ia para o seu lado a cumprimentar os mestres de seus respectivos ofícios. O alfaiatezinho, com seu gênio alegre, seu ar saudável, suas bochechas coradas, era bem acolhido em toda parte e todos lhe davam alguma coisa, e até às vezes tinha a sorte de ganhar uma beijoca da filha do mestre, atrás da porta. Quando se encontrava, de novo, com o sapateiro, sua mochila sempre estava mais cheia que a do outro, O sapateiro, com seu ar rabugento, fazia uma cara feia e comentava:
– Quanto mais velhaco, mais sorte!
Mas o alfaiate se punha a rir e a cantar e repartia com seu companheiro tudo o que lhe haviam dado. Se acontecia tilintarem alguma moedas em seu bolso, ele as gastava na taverna e, de tão contente, batia com o punho na mesa, estremecendo os copos. Fazia como diz o povo: ” Fácil de ganhar, fácil de gastar.”
Já tinham viajado juntos por algum tempo, quando chegaram, um dia, a uma floresta muito grande por onde passava o caminho da capital do reino. Tinham de escolher duas estradas: uma que se percorria em sete dias e ao outra em apenas dois. Mas eles não sabiam qual era a mais curta, Os dois andarilhos sentaram-se à sombra de um cavalho para discutir o caso e resolver para quantos dias deveriam levar pão. Disse o sapateiro:
É melhor gemer de peso que de necessidade. Eu vou levar pão para sete dias.
O que?! – exclamou o alfaiate. – Carregar, que nem burro, pão no lombo para sete dias, sem poder ao menos virar a cabeça, para dar uma olhada no caminho? Tenho fé em Deus e não me preocupo. O dinheiro que tenho no bolso vale o mesmo, tanto no verão como no inverno, mas o pão, com este calor, ficará seco e ainda por cima vai embolar. Por que fazer a manga mais comprida que o braço? Por que não iríamos dar no caminho certo? Pão para dois dias, e nada mais!
E, assim, cada qual comprou sua quantidade de pão e embrenharam-se na floresta, contando com a sorte.
No interior da mata havia um silêncio grande como numa igreja. Não corria uma brisa; não se ouvia o rumor de um arroio nem o gorjeio de um pássaro ao menos um raio de sol. O sapateiro não pronunciava uma só palavra, pois a grande carga de pão lhe pesava tanto nos ombros que os suor corria como água pelo seu rosto carrancudo e feio. O alfaiate, porém, caminhava alegremente, pulando e tocando numa folha enrolada, como se fosse uma flauta ou, então, cantava, enquanto ia pensando: “Deus Nosso Senhor deve estar contente por me ver tão alegre.”
Durante dois dias as coisas continuaram assim. Mas quando, ao fim do terceiro, o alfaiate viu que não chegavam ao fim da floresta e que ele já tinha comido toda a sua parte, sentiu um baque no coração. Mesmo assim, não perdeu a coragem: tinha confiança em Deus e na sua boa sorte. Naquela noite deitou-se, faminto, ao pé de uma árvore e, na manhã seguinte, despertou com mais fome ainda. Assim passou também o quarto dia e, quando o sapateiro se sentava no tronco de alguma árvore para fazer sua refeição, a única coisa que restava ao alfaiate era ficar olhando, olhando…Se lhe pedia um pedacinho de pão, o outro ria e lhe retrucava:
– Sempre foste tão alegre! Pois fica sabendo agora o que é a tristeza…Os passarinhos que cantam de madrugada são comidos , à noite, pelo gavião.
– Hoje te darei um pedacinho de pão, mas, em troca, vou tirar-te o olho direito.
O infeliz alfaiate, desejoso de viver mais um pouco não teve outro remédio senão concordar. Chorou, pela ultima vez, com os dois olhos e depois ofereceu-se ao sapateiro, que tinha um coração de pedra e que lhe tirou, com uma faca bem afiada, o direito.
O alfaiate, então, lembrou-se do que a mãe sempre lhe dizia quando o encontrava a empanturrar-se de doces na despensa: ” Come, come, mas depois aguente as consequências!” Assim, pode ter devorado o pão que lhe saíra caro, ele conseguiu pôr-se novamente de pé. E esquecendo sua desgraça, procurou consolar-se com a ideia de que com um olho só ainda enxergava o bastante. Mas no sexto dia, voltou a atormentá-lo a fome que o fazia desfalecer. À noite, caiu junto a uma árvore e, na manhã do sétimo dia, não conseguiu mais erguer-se e sentiu que a morte se aproximava. Disse-lhe, então, o sapateiro:
– Vou ser camarada contigo e te darei outro pão. Mas não o terás de graça. Em troca, vou tirar-te o outro olho.
Diante disso, o alfaiate reconheceu sua conduta leviana e, pedindo perdão a Deus, disse ao seu companheiro:
– Seja o que bem quiseres! Tenho de sofrer as consequências da minha imprevidência. Não te esqueças, porém que Deus Nosso Senhor julga quando menos se espera. Chegará a hora em que terás de prestar contas do que fazes, exatamente a mim, que, durante os dias bons, reparti contigo tudo o que possuía. Para exercer minha profissão é necessário que um ponto siga o outro; uma vez que eu tiver perdido a vista, não poderei mais costurar e não me restará outro recurso senão esmolar o meu pão. Só te peço que, quando cego, não me abandones neste lugar, onde morreria de fome.
O sapateiro, que já não tinha lugar para Deus no seu coração, pegou faca e lhe tirou o outro olho. Feito isso, deu-lhe um pão para comer, alcançou-lhe um bastão e deixou que o alfaiate o seguisse.
Quando o sol ia desaparecer, os dois saíram da floresta. No campo em frente, e erguia-se uma forca. O sapateiro guiou o alfaiate até ali e depois o abandonou, seguindo ele seu caminho. O infeliz adormeceu de cansaço, de dor e fome. Ao despontar do dia, acordou sem saber onde se encontrava. Da forca pendiam os corpos de dois pobres pecadores e sobre a cabeça de cada um deles estava pousado um corvo. De repente, um dos enforcados começou a falar. Disse, dirigindo-se ao outro:
– Irmão, estás acordado?
– Sim – respondeu o companheiro.
– Pois então vou te dizer uma coisa, – prosseguiu o primeiro, – o orvalho que esta noite caiu em cima de nós, eu sei que tem um poder mágico: devolve a vista a quem se lavar com ele. Ah! se os cegos soubessem disso…
Ao ouvir aquelas palavra, o alfaiate pegou o lenço, molhou-o no orvalho que havia sobre o capim e lavou com ele as cavidades dos olhos. No mesmo instante, aconteceu o que acabara de dizer o enforcado e um par de olhos sãos nasceu-lhe no lugar onde só havia os buracos. Pouco depois, o alfaiate viu o sol nascer atrás das montanha e, à sua frente, na planície, a cidade, com seus magníficos portões e centenas de torres encimadas por cruzes de ouro que brilhavam à distância. Pode distinguir cada folha nas árvores. Pode ver os pássaros que passavam voando. E até os pequenos insetos que dançavam no ar. Tirou do bolso uma agulha e viu – ó milagre! – que podia enfiá-la melhor do que antes. Caiu de joelhos, agradecendo a Deus a graça obtida e rezou sua oração da manhã, sem esquecer de encomendar a Nosso Senhor as almas dos dois pobres pecadores ali enforcados e que o vento fazia bater um contra o outro. Em seguida, pôs aos ombros a mochila e, esquecendo as penas passadas, retomou o caminho, cantando e assobiando.
Eis senão, quando, avistou um lindo potro tordilho, que saltava alegremente pelo campo. Agarrando-o pela crina, quis montar nele para entrar a cavalo na cidade. Mas o animal rogou-lhe que não privasse de sua liberdade:
– Sou demasiado jovem, – disse, – e, mesmo um alfaiatezinho leve como tu, me quebraria a espinha. Deixa-me correr livremente pelos campos até que esteja mais forte. Talvez chegue o dia em que eu possa pagar-te.
– Pois sai correndo, – disse -lhe o alfaiate. – Bem vejo que és, também, um maluquinho.
Deu-lhe um golpe de leve no lombo, com a vara, e o animalzinho saiu a galopar, alegre, pelo campo, saltando cercas e valas.
O alfaiate não havia comido nada desde a véspera.
– É verdade que o sol me enche os olhos, – dizia,- mas agora preciso de alguma coisa que me encha a boca. O que eu primeiro encontre para comer, não deixarei escapar!
Nisto, viu uma cegonha que andava, muito sim-senhora, pelo campo.
– Alto, alto! – gritou o alfaiate, pegando-a pela perna. – Não sei se és uma boa comida, mas minha fome não me permite escolha. Tenho de torcer-te o pescoço e transformar-te num assado.
– Não faças isso! – respondeu a cegonha. – Sou uma santa ave que não faz mal a ninguém e que traz grande benefício à humanidade. Se me poupas a vida, talvez um dia eu possa pagar-te.
– Pois, então, vai andando, perna-fina! – disse o alfaiate. E a cegonha, alcançando voo, afastou-se tranquilamente.
– Que farei agora? – perguntou o alfaiate a si mesmo. – Minha fome cresce como um balão e tenho o estômago cada vez mais vazio. O primeiro que cruzar o meu caminho estará perdido.
Nisto, olhou para um lago e viu dois patinhos nadando.
– Vocês vem muito a propósito! – disse ele. E, agarrando um dos bichinhos, dispôs-se a torcer-lhe o pescoço. Naquele momento, uma pata velha, que estava metida entre os juncos, pôs-se a grasnar e, aproximando-se, a nado, lhe implorou que tivesse pena dos seus filhinhos.
– Não pensas – falou – no que sentiria tua mãe se alguém viesse para te comer?
– Tranquiliza-te, respondeu-lhe o bondoso alfaiate. – Fica com teus filhos. – E pôs na água o patinho que havia apanhado.
Ao voltar-se, notou à sua frente uma velha árvore, meio oca, e muitas abelhas silvestres que entravam e saiam do tronco.
– Finalmente recebo o prêmio pela minha boa ação, – disse, – este mel me confortará.
Mas a rainha das abelhas apresentou-se, ameaçado-o:
– Se tocas em meu povo e nos destróis o ninho, nossos ferrões se cravarão em teu corpo como dez mil agulhas de fogo. Em troca, se nos deixares em paz e seguires o teu caminho, nós te prestaremos um serviço quando menos esperares.
O alfaiatezinho viu que também por aquele lado não iria saciar sua fome.
– Três pratos vazios. – disse consigo – e o quarto, sem coisa nenhuma; isto é que se chama fazer dieta!
Arrastou-se até a cidade, sem nada no estômago. Mas, como chegasse justamente ao meio-dia e tivesse algumas moedas, pode afinal matar a fome. Depois, pensou: ” Bem, agora é preciso trabalhar!”
Percorrer a cidade em busca de um mestre- alfaiate e não tardou a encontrar um bom emprego. Como era muito hábil em seu ofício, em pouco tempo estava famoso. Todas as pessoas de importância queriam seus trajes confeccionados pelo alfaziatezinho, que era agora o rei da moda.
– Não posso melhorar mais a minha arte, – dizia ele, – e, no entanto, cada dia as coisas vão melhorando.
Tanto assim, que o rei o nomeou alfaiate da Corte.
Mas vejam como são as coisas neste mundo: no mesmo dia era nomeado sapateiro da Corte o seu velho companheiro de viagem. Este, ao ver alfaiate e notando que havia recuperado os olhos, ficou muito preocupado. ! “Tenho de preparar-lhe uma cilada antes que ele se vingue de mim” – pensou. Mas aquele que faz uma armadilha para outrem, acaba caindo nela.
Certa ocasião, ao anoitecer, depois de terminar o trabalho, o sapateiro apresentou-se ao rei e lhe disse:
– Majestade, o alfaiate é um sujeito atrevido, Ele anda a gabar-se de que seria capaz de encontrar a coroa de ouro que se perdeu há tanto tempo.
– Isso muito me agradaria, – respondeu o rei.
Na manhã seguinte, chamou o alfaiate à sua presença e lhe disse que das duas uma: ou fizesse aparecer a coroa ou então deixasse a cidade para sempre. ” Bem, – pensou o alfaiatezinho, – só um tolo dá mais do que tem. Se o rei exige de mim o que ninguém pode fazer, é melhor que eu nem espere o dia de amanhã e saia da cidade hoje mesmo.” Arrumou sua mochila. E, quando ia atravessando as portas da cidade, sentiu uma grande tristeza por ter de renunciar à sua boa sorte, a abandonando os lugares onde passara tão belos dias. Chegou ao lago onde tinha os patos. Ali estava a pata velha, limpando as penas com o bico. Ela o reconheceu logo e lhe perguntou por que andava tão acabrunhado.
– Não te espantarás quando souberes o motivo, – respondeu o alfaiate e contou-lhe o seu azar.
– Se é só isso, – disse a pata, – poderemos ajudar-te. A coroa caiu na água e está no fundo do lago. Logo a traremos à tona. Estende o teu lenço no chão, junto à margem.
E, junto com os seus doze patinhos, mergulhou para reaparecer dali a cinco minutos com a coroa no lombo, rodeada dos doze pequerruchos que, nadando a seu redor, ajudavam-na a carregar a coroa com os bicos. Nadaram até a margem e depositaram a coroa sobre o lenço. Não podem imaginar como ela era inda! Quando os raios de sol a atingiam, cintilava como cem mil brilhantes. O alfaiate atou o lenço pelas quatro pontas e levou a coroa ao rei. Este, contentíssimo, condecorou ele mesmo ao alfaiate, com um belo colar de ouro.
Quando o sapateiro viu que seu plano havia falhado, pensou noutro e, dirigindo-se ao rei, disse:
– Majestade, o alfaiate continua muito atrevido. Ele anda a gabar-se de que pode reproduzir em cera todo o palácio real, com todos os pertences, por dentro e por fora.
O rei mandou chamar o alfaiate e ordenou-lhe que reproduzisse em cera o palácio, com tudo o que dele fizesse parte, exatamente , tanto no interior como no exterior. Mas avisou-o de que, se não fosse capaz disso e se faltasse um só prego na parede, seria lançado a um calabouço para o resto da vida. Pensou o alfaiate: ” As coisas estão piorando cada vez mais; isso ninguém aguenta.” E, pondo a mochila aos ombros, saiu pela estrada. Quando chegou à árvore oca, sentou-se embaixo para descansar, triste e aborrecido. As abelhas saíram voando e a rainha lhe perguntou se estava sentindo alguma dor, pois nem levantava a cabeça.
– Oh, não! – respondeu o alfaiate, – a minha dor é outra.
E contou o que o rei havia exigido dele. puseram-se as abelhas a zumbir entre si e depois a rainha lhe disse:
– Volta para casa e amanhã, a esta mesma hora, vem aqui, trazendo um pano bem grande, que tudo saíra bem.
Enquanto ele regressava à cidade, as abelhas voaram até o palácio real e, entrando pelas janelas, meteram-se por todos os cantos, observando tudo em seus menores detalhes. Feito isso, de volta à colmeia, fizeram uma reprodução, em cera, do palácio, e isto com uma rapidez que vocês nem podem imaginar. À noite o trabalho estava concluído. E quando, na manhã seguinte, o alfaiate se apresentou, conforme o combinado, viu ali o magnífico palácio, sem que faltasse um prego na parede nem uma telha no telhado. Além disso, era delicado como um bolo de noiva, branco como a neve e desprendia o cheiro suave de mel. o alfaiate o arrumou, cuidadosamente, dentro do pano que trouxera e o levou ao rei. Este não soube como expressar sua admiração. mandou que o colocassem no salão mais espaçosos do palácio. E presentou o alfaiate com uma casa muito grande e muito bonita.
O sapateiro, porém, não desistiu e pela terceira vez foi ao rei, dizendo:
– Majestade, o alfaiate bem sabe que no pátio do palácio não há meios de fazer brotar água. Mas ele anda a gabar-se de que é capaz de fazê-la jorrar no centro do pátio, em um esguicho da altura de um homem, e límpida como um cristal.
O rei ordenou que se apresentasse o alfaiate e lhe disse:
– Se amanhã não jorrar um esguicho de água no pátio, conforme prometeste, mandarei que o carrasco te corte a cabeça ali mesmo.
O pobre alfaiatezinho não se demorou em pensar muito tempo no assunto. Apressou-se a sair da cidade e, como desta vez não se tratava de expulsão nem de prisão, mas de sua própria vida, as lágrimas lhe rolavam pelas faces. Enquanto caminhava, cheio de tristeza, aproximou-se dele, saltando, o antigo potro a quem um dia ele concedera a liberdade e que, já crescido, era agora um belo e forte animal.
– Chegou a hora, – disse ele, – em que poderei pagar tua boa ação. Já sei o se que passa e logo te ajudarei. Monta em mim, pois agora posso carregar dois como tu.
O alfaiate criou alma nova e saltou para o lombo do animal, que entrou a galope na cidade, dirigindo-se, diretamente, ao pátio do palácio. Ali deu três voltas completas com a velocidade do raio e, por fim, deixou-se cair no chão. no mesmo instante ouviu-se um tremendo estalo. Do centro do pátio, saltou um pedaço de terra. Elevou-se um jato de água até a altura de um homem a cavalo. E a água era límpida como um cristal e os raios dos sol dançavam em suas gotas. Quando o rei viu esse maravilhoso espetáculo, levantou-se cheio de da admiração e foi ele mesmo abraçar o alfaiatezinho, na presença de toda a Corte.
A felicidade, porém, durou pouco. O rei tinha várias filhas, cada qual mais linda, mas nenhum filho homem. E, pela quarta vez, o sapateiro maldoso foi ao rei e falou:
– Majestade, o alfaiate continua cada vez mais atrevido. Ele anda agora a gabar-se de que será capaz de fazer com que tragam, pelos ares, um filho para a rainha.
Novamente o rei mandou chamar o alfaiate e lhe disse:
– Se, dentro de nove dias, fizeres com que me tragam um herdeiro menino, eu te darei minha filha mais velha em casamento.
“Realmente, a recompensa é grande” – pensou o alfaiatezinho, – ” e vale a pena fazer um esforço. mas, quando a esmola é demais, o pobre desconfia.”
Foi para casa; instalou-se de pernas cruzadas sobre a sua mesa de trabalho e pôs-se a refletir no assunto. “Não é possível!” – acabou exclamando, – ” eu me vou embora para sempre; aqui não poderei viver em paz”.
Arrumou a mochila e apressou-se a sair da cidade. Quando chegou ao campo, avistou sua velha amiga, a cegonha, que passeava, filosofando, de um lado para outro, e que de vez em quando parava para examinar uma rã, que ela acabava engolindo mesmo. A cegonha aproximou-se e saudou-o.
– Vejo – começou a falar – que tens a mochila às costa. por que pretendes sair da cidade?
O alfaiate contou o que o rei lhe havia exigido e que lhe era impossível satisfazê-lo.
– Não vás criar cabelo branco por tão pouco,- disse a cegonha. – Eu te ajudarei. – Há muito tempo que trago bebes para a cidade e não me custa tirar do poço um pequeno príncipe. Vai para casa descansado. Daqui a nove dias apresenta-te no palácio, que lá estarei também.
O alfaiatezinho voltou para casa e no dia combinado foi ao palácio. Não demorou muito, apresentou-se a cegonha e bateu à janela. O alfaiate abriu e a senhora cegonha entrou, com todo o cuidado caminhando solenemente sobre o mármore liso. Trazia no bico um menininho, lindo com um anjo, que estendia as mãos para a rainha. Depositou o nenê no seu colo e ela pôs-se a beijá-la, doida de alegria. Antes de afastar-se. a cegonha tirou seu saco de viagem e o alcançou à rainha. Dentro havia balas e doces diversos que foram distribuídos entre as princesinhas. Só a mais velha nada recebeu. Já era muito grande para ganhar doces. Deram-lhe, em vez disso, o alegre alfaiate para esposo. ” Sinto-me como se houvesse tirado a sorte grande. Minha mãe sempre dizia que, quem confia em Deus e tem sorte, nada lhe faltará.”
O sapateiro foi obrigado a fazer os sapatos que o nosso alfaiatezinho usaria no baile de casamento. Depois, ordenaram-lhe que abandonasse a cidade. O caminho para o mato passava pela forca. Abafado pelo calor e com a alma cheia de ódio, deitou-se ali. Quando ia fechar as pálpebras para dormir um pouco, os dois corvos que estavam pousados na cabeça dos enforcados atiraram-se, grasnando, sobre ele e lhe arrancaram seus dois olhos. Louco de dor, levantou-se e entrou correndo na floresta, onde decerto morreu ao desamparo, pois nunca mais se viu ou ouviu coisa alguma a seu respeito.
Conto dos Irmãos Grimm
O POBRE APRENDIZ DE MOLEIRO E A GATA
Num antigo moinho vivia um moleiro que não tinha mulher nem filhos. Três rapazes o auxiliavam e estavam com ele havia vários anos. Certo dia, chamou-os e disse-lhes:
– Já estou velho e agora quero ficar tranquilamente sentado ao pé do fogo; aconselho-vos a correr mundo: aquele que me trouxer o melhor cavalo, herdará o moinho, em troca do qual terá que me manter até ao fim de minha vida.
O mais jovem dos rapazes não era moleiro, mas simplesmente o moço do moinho, incumbido de todos os misteres grosseiros. Os outros dois consideravam-no tolo e não queriam que o moinho fosse ter às suas mãos. Ele, também, não o desejava.
Assim, pois, partiram os três juntos e, ao sair da aldeia, disseram ao pobre João-Bobo:
– Tu ficas aqui, porquanto, em toda a tua vida, nunca serás capaz de arranjar um cavalo.
Mas Joãozinho seguiu com eles e, à noite, chegaram a uma furna; entraram e deitaram-se para dormir. Os dois malandros aguardaram que Joãozinho estivesse dormindo, depois saíram da furna e foram-se embora, largando-o aí sozinho. Pensavam ter-se livrado dele para sempre, com sua esperteza. Mas, cuidado, isso poderá acabar mal!
De manhã, ao raiar do sol, Joãozinho acordou e encontrou-se sozinho numa furna profunda; voltou o olhar de um lado e de outro, exclamando:
– Meu Deus, onde estou?
Levantou-se e arrastou-se para fora da furna, seguindo para a floresta. Ia pensando consigo mesmo:
– Estou aqui só e abandonado; que hei de fazer para encontrar um cavalo?
Caminhava muito preocupado, pensando nos seus problemas, quando deparou com uma gatinha malhada, que lhe dirigiu a palavra amavelmente:
– Joãozinho, aonde vais?
– Ah, tu certamente não podes vir em meu auxílio!
– Sei muito bem de que necessitas! – disse a gatinha – é de um bom cavalo. Vem comigo e serve-me durante sete anos com a maior lealdade. Prometo, em troca, dar-te um cavalo tão maravilhoso como nunca viste na vida.
– Eis aí uma gata interessante, – pensou Joãozinho – quero ver mesmo se diz a verdade.
A gatinha conduziu-o ao seu castelo encantado, onde era servida por uma multidão de gatinhos a correr agilmente de um lado para outro, subindo e descendo as escadas muito alegremente.
A noite, quando sentaram à mesa para jantar, três deles incumbiram-se do concerto musical: um tocava violoncelo, o outro violino, e o terceiro assoprava numa trompa, inchando as bochechas até quase estourar. Terminado o jantar, tiraram a mesa e a gata disse:
– Vem, Joãozinho, dança comigo!
– Não, – disse ele – não danço com uma bicha-ninha, nunca o fiz na minha vida.
– Nesse caso, levai-o para a cama, – ordenou ela aos seus gatinhos.
Um deles foi na frente com a luz acesa e os outros levaram-no até o quarto; depois um descalçou-lhe os sapatos, outro as meias e, quando acabaram, um deles apagou a luz.
Na manhã seguinte, apresentaram-se e o ajudaram a sair da cama. Um gatinho calçou-lhe as meias, outro prendeu-lhe as ligas, outro deu-lhe os sapatos, outro lavou-o e outro enxugou-lhe o rosto com a cauda.
– Como é macio! – exclamou Joãozinho.
Em compensação, ele era obrigado a servir a gatinha e rachar lenha todos os santos dias. Para isso ser- via-se de um machado de prata; as cunhas o a sorra também eram de prata e a maceta era de cobre. Assim passava os dias: partia a lenha, ficava em casa, recebia boa alimentação, mas não via ninguém mais além da gatinha malhada e seus criadinhos. Certo dia, a gata disse:
– Vai ao meu campo e ceifa o capim, depois deixa-o secar ao sol.
E deu-lhe um alfanje de prata e uma pedra de amolar do ouro, recomendando-lhe que devolvesse tudo pontualmente.
Joãozinho foi ao campo o executou fielmente suas ordens; terminado o trabalho, levou para casa o alfanje, a pedra de amolar e o feno. Depois foi ter com a gata e perguntou-lhe se já não estava na hora de remunerá-lo.
– Não, — respondeu a gata; antes disso tens de fazer mais um serviço: aqui está esta madeira de prata, uma machadinha, uma esquadria e demais instrumentos de prata; constrói-me uma linda casinha.
Joãozinho pôs-se a trabalhar e construiu a casinha. Quando ficou pronta, foi ter com a gata, dizendo-lhe que havia executado suas ordens, mas que ainda não ganhara o cavalo, embora tivessem passado os sete anos, tão rapidamente como se fossem seis meses. A gata perguntou-lhe se queria ver os seus cavalos.
– Quero, sim. – respondeu Joãozinho.
Ela, então, abriu a porta da casinha e, no mesmo instante, surgiram doze cavalos. Ah, eram realmente soberbos, luzidios como espelhos; o coração do rapaz pulou de alegria. A gatinha deu-lhe ainda o que comer e beber e depois disse:
– Podes voltar para tua casa; ainda não to dou o cavalo, mas dentro de três dias irci pessoalmente levá-lo à tua casa.
Joãozinho despediu-se, ela indicou-lhe o caminho certo e ele seguiu para o moinho.
Não tendo, porém, recebido roupa nova, ele teve do ir vestido com seu velho o esfarrapado blusão que trouxera ao sair de casa e que já ficara pequeno nesses sete anos. Quando chegou a casa, chegaram também os outros dois, trazendo umbros um belo cavalo cada um, só que um estava cego e o outro era coxo. Perguntaram-lhe:
– E teu cavalo, Joãozinho, onde está?
– Vai chegar dentro de três dias.
Os outros caíram em gargalhada, e disseram:
– Justamente tu, João-Bobo, onde queres encontrar um cavalo? Quem sabe lá que obra-prima, será!
Joãozinho entrou na sala, mas o velho moleiro disse-lhe que não podia sentar-se à mesa com os outros; estava tão maltrapilho e sujo a ponto de causar vergonha. Deram-lhe alguma coisa para que fosse comer lá fora. E à noite, na hora de deitar-se, os outros dois não quiseram dar-lhe uma cama e o pobre Joãozinho teve de se meter na casinhola dos gansos e dormir sobre um molho de palha dura.
Pela manhã, quando acordou, já haviam passado os três dias, viu chegar um coche puxado por seis cavalos, luzidios e brilhantes que era um encanto! E um criado trazia pela mão um sétimo cavalo, que era o destinado a Joãozinho. Enquanto isso, do coche desceu uma princesa maravilhosa, que entrou no moinho: era nem mais nem menos que a gatinha malhada, a mesma que o rapaz servira durante sete anos. Perguntou ao moleiro onde estava o moço, o pobre criado. O moleiro explicou:
– Não podemos deixá-lo entrar no moinho porque está muito sujo e esfarrapado; por isso ficou na casinhola dos gansos.
A princesa, então, ordenou que fossem buscá-lo imediatamente. Foram buscá-lo e o coitadinho veio segurando os farrapos do blusão para cobrir-se. O criado da princesa tirou da bagagem por eles trazida, um traje suntuoso, depois lavou e vestiu o moço, o qual, assim lavado e vestido, estava mais belo do que qualquer rei desta terra.
Em seguida, a princesa pediu para ver os cavalos pertencentes aos outros rapazes e notou que um era cego e o outro coxo. Então ela mandou o criado trazer o sétimo cavalo; ao vê-lo, o moleiro ficou encantado e disse que jamais vira um igual.
– Este cavalo pertence ao teu terceiro ajudante, – disse a princesa.
– Nesse caso, ele herdará o moinho – disse o moleiro.
Mas a princesa respondeu-lhe que aí estava o cavalo exigido, e que podia ficar, também, com o moinho. E, pegando na mão de Joãozinho, seu fiel Joãozinho, fê-lo subir no coche e partiu com ele.
Dirigiram-se à casinha por ele construída com as ferramentas de prata, e, eis que, ao entrar, ela transformou- se num magnífico castelo. Dentro do castelo, tudo era de prata e ouro, de uma magnificência nunca vista.
Casaram-se lá mesmo; e Joãozinho ficou rico, tão rico que nada mais lhe faltou durante a vida toda.
Portanto, ninguém deve dizer que um simplório nunca poderá ser nada no mundo.
Conto dos Irmãos Grimm
CONTOS DE RÃS
CONTO I
Era uma vez uma criancinha que, diariamente, ficava sentada no terreiro e a mãe dava-lhe sempre um prato de leite, no qual punha alguns pedacinhos de pão; esse era o seu lanche.
Mas, assim que começava a comer o lanche, de uma frestazinha da parede surgia uma pequena rã, que metia a cabecinha no prato e compartilhava da refeição. A criança ficava muito alegre com essa companhia; se porventura a rã não aparecia logo, punha-se a chamá-la:
– Vem rãzinha pequenina,
vem depressa, bichinha;
vem beber o teu leite
e comer a tua papinha!
A rã vinha correndo e comia com grande apetite. Mostrava-se, porém, muito reconhecida, trazendo à criança uma porção de coisas lindas do seu tesouro escondido: pedras preciosas, pérolas e brinquedos de ouro.
A rã só tomava o leite e sempre deixava o pão; notando isso, a criança um dia pegou a colherinha e bateu-lhe levemente na cabeça censurando-a:
– Vamos, bichinha, come também o pão!
A mãe da criança estava na cozinha e ouviu o filhinho conversando com alguém; saiu a ver quem era e, deparando com a criança a bater com a colher na cabeça do animalzinho, assustou-se; correu para ele e com um pau matou a pobre rãzinha.
Desde esse momento, verificou-se na criança uma radical mudança: enquanto a rã comia junto, a criança desenvolvia-se forte e robusta, mas agora seu rostinho rechonchudo e corado perdia o viço e o pequeno emagrecia cada dia mais. Não demorou muito e a coruja começou a piar durante a noite, o pintarroxo pôs-se a colher galhinhos e folhinhas para fazer a coroa de defunto e logo depois a criança foi levada para o cemitério.
CONTO II
Certa vez, estava uma orfãzinha sentada perto de um muro, fiando tranquilamente; de repente, viu uma rã sair de uma fresta do muro; então, tirou dos ombros um lenço de seda azul e estendeu-o no chão, pois esta é a cor predileta das rãs.
Vendo o lenço azul, a rã voltou para trás e, dai a pouco, retornou trazendo uma minúscula coroa de ouro, que depositou sobre o lenço; em seguida, regressou à toca.
A orfãzinha gostou muito da coroa de filigrana de ouro, ricamente lavrada e que cintilava ao sol; pegou-a e guardou-a para si.
Dali a pouco a rãzinha apareceu pela segunda vez, mas, não vendo mais a coroa de ouro, arrastou-se até ao pé do muro, e tão grande era sua mágoa que bateu tanto e tanto a cabecinha nele até cair morta.
Se a menina não tivesse tocado na coroa, certamente a rãzinha teria trazido mais coisas do seu tesouro.
CONTO III
A rãzinha grita:
– Uuh, Uuh!
O menido diz:
– Sai tu, sai tu!
A rãzinha sai do esconderijo e o menino pergunta pela irmãzinha:
– Não viste, acaso, as meinhas vermelhas?
A rã responde:
– Não vi não; e tu as viste? Uuh, uuh!
Contos dos Irmãos Grimm
OS ESPERTALHÕES
Um dia, um camponês pegou o bordão no canto da sala e disse à sua mulher:
– Catarina, tenho de sair e só voltarei daqui a três dias. Se, nesse entretempo, passar por aqui o negociante de gado e quiser comprar nossas três vacas, podes vendê-las, mas só por duzentas moedas e nem um vintém a menos, compreendeste?
– Vai, em nome de Deus, que assim farei, – respondeu a mulher.
– Sim, mesmo tu! – disse o camponês; – em criança caíste de cabeça para baixo e ainda estás assim até agora! Mas fica sabendo que, se fizeres asneiras, eu te pinto as costas de azul, sem necessidade de tinta, com este pau que tenho na mão; a pintura te durará um ano, não duvides.
Dito isto, o homem partiu para onde devia ir.
No dia seguinte, apareceu o negociante e a mulher não precisou gastar muitas palavras; ele examinou bem as vacas e, depois de perguntar o preço, disse:
– Pago-as de boa vontade, é um preço de amigo. Levo já os animais.
Desprendeu as vacas das correntes e levou-as para fora do estábulo. Quando ia saindo do terreiro, a mulher segurou-o pela manga, dizendo:
– Antes tendes que me dar as duzentas moedas, senão não as deixarei sair.
– É muito justo, – respondeu o homem; – apenas, esqueci de apanhar minha bolsa de dinheiro; mas não vos preocupeis, deixo-vos uma vaca como garantia até o dia do pagamento. Levo duas e a terceira fica aqui; assim tendes um bom penhor.
Isso persuadiu a mulher, que deixou sem mais o negociante levar as duas vacas, e pensou consigo mesma: “Ah, como João vai ficar satisfeito ao ver que fui tão esperta!”
Conforme havia dito, João voltou no terceiro dia e logo perguntou se as vacas tinham sido vendidas.
– Naturalmente, querido João, – respondeu a mulher – e, de acordo com o que disseste, por duzentas moedas. Elas não valiam tanto, mas o negociante levou-as sem discutir o preço.
– Onde está o dinheiro? – perguntou João.
– O dinheiro não recebi, – respondeu a mulher; – ele, justamente, tinha esquecido a bolsa em casa mas prometeu trazê-lo quanto antes; deixou-me um penhor como garantia.
– Que penhor deixou? – perguntou o marido.
– Uma das três vacas; não a levará antes de ter pago as outras. Eu fui esperta, fiquei com a menor porque é a que come menos.
O marido ficou bufando de raiva e levantou o bordão para dar-lhe a prometida pintura nas costas; mas deixou-o cair outra vez, dizendo:
– És a gansa mais estúpida que cacareja neste mundo, mas tenho pena de ti. Por isso irei sentar-me à margem da estrada e esperarei durante três dias para ver se descubro alguém mais tolo do que tu; se o encontrar estás livre, se porém não o encontrar, terás a sova prometida e sem remissão.
João saiu para a estrada e foi sentar-se numa pedra à espera de que passasse alguém. Não tardou muito, viu aproximar-se uma carroça, em cima da qual estava uma mulher de pé, bem no meio, ao invés de sentar no molho de palha que tinha ao lado, ou então de caminhar ao lado dos bois para os guiar. O camponês pensou: “Eis aí o que procuras.” Levantou-se de um salto e pôs-se a correr de um lado para outro bem na frente do carro, exatamente como alguém não muito certo da bola.
– O que desejais, compadre? – disse a mulher. – Eu não vos conheço, de onde vindes?
– Eu cai do céu, – respondeu o camponês. – e agora não sei como voltar para lá; não podeis levar-me?
– Não, – respondeu a mulher; – não conheço o caminho. Mas, se vindes do céu, certamente podeis dizer- me como está meu marido, que se acha lá há três anos; julgo que o vistes, não?
– Sim, vi-o, mas nem a todos correm bem as coisas por lá. Está guardando as ovelhas e aquele bendito rebanho dá-lhe o que fazer: corre de cá para lá entre os morros e perde-se, frequentemente, no mato; vosso marido tem de correr um bocado para reuni-las todas. Por isso está todo esfarrapado, não demora e as roupas lhe cairão aos pedaços. Alfaiates não existem no céu; como sabeis São Pedro não deixa lá entrar nem um, conforme narram as histórias.
– Quem houvera de pensar! – exclamou a mulher, – Quereis saber uma coisa? Vou buscar seu terno domingueiro, ainda novo, que está guardado no armário, assim poderá vesti-lo no céu e não passará vergonha. Podeis fazer-me o favor de levar-lho?
– Impossível! – respondeu o camponês; – não é permitido levar roupas para o céu; são apreendidas na entrada.
– Escutai aqui, – disse a mulher; – ontem vendi meu lindo trigo e recebi uma boa soma de dinheiro por ele, vou mandá-lo a meu marido. Podeis levar o dinheiro no bolso, ninguém perceberá.
– Bem, já que não há outro jeito, – replicou o camponês, – faço-vos este favor.
– Esperai-me aqui, – disse a mulher; – vou até em casa buscar o dinheiro e logo voltarei. Não sentarei no molho de palha no carro, irei de pé mesmo, assim fica mais leve para os animais.
Dizendo isso tocou os bois de volta para casa e o camponês pensou consigo mesmo: “Essa ai tem um parafuso a menos! Se me traz o dinheiro de verdade, minha mulher pode considerar-se feliz, porque escapa de apanhar.”
Não demorou muito e a mulher do carro voltou correndo com o dinheiro e lho enfiou no bolso. Antes de ir-se embora, ainda lhe agradeceu mil vezes pela gentileza.
Quando a coitada voltou para casa, encontrou o filho que acabava de chegar do campo. Contou-lhe tudo o que havia acontecido, acrescentando:
– Estou bem contente por ter tido a oportunidade de mandar alguma coisa ao meu pobre marido. Quem haveria de imaginar que lá no céu lhe faltasse o necessário!
O filho ficou consternado e disse:
– Mãe, não é todos os dias que cai um do céu; vou sair e ver se ainda o encontro; quero que me conte como são as coisas por lá e como se trabalha.
Selou o cavalo e saiu a correr. Conseguiu alcançar o camponês que sentara debaixo de um salgueiro e se dispunha a contar o dinheiro dado pela mulher. O moço perguntou-lhe:
– Não viste por aqui o homem que caiu do céu?
– Vi, sim, – respondeu o camponês; – ele tomou o caminho de volta para o céu e subiu naquela montanha para chegar mais depressa. Ainda podes alcança-lo se vais a todo galope.
– Ah, – disse o moço, – trabalhei duro o dia inteiro e esta corrida cansou-me demais. Vós, que conheceis aquele homem, tende a bondade de montar no meu cavalo e dizer-lhe que venha até aqui.
– “Oh, – disse com os seus botões o camponês, – eis aqui um outro que não tem pavio no seu lampião!” – depois disse alto:
– Por quê não hei de fazer-vos este favor?
Montou no cavalo e afastou-se a trote largo. O moço ficou à sua espera até ao anoitecer, mas o camponês não deu sinal de vida.
“Com certeza, pensou o moço, o homem caído do céu estava com muita pressa e não quis voltar até aqui; o camponês lhe deve ter dado o cavalo para que o leve a meu pai!”
Então, voltou para casa e contou á mãe como correram as coisas, isto é; que mandara o cavalo ao pai para que não tivesse de correr sempre de um lado pura outro.
– Fizeste muito bem, – disse a mãe; – tu ainda tens as pernas fortes e podes andar a pé.
Enquando isso, o camponês chegou em casa; levou o cavalo para a estrebaria, junto da vaca deixada como penhor, depois foi ter com a mulher e disse:
– Catarina, tens sorte, encontrei dois ainda mais tolos do que tu; por esta vez estás livre da sova mas reservo-a para outra ocasião.
Depois acendeu o cachimbo, sentou-se na poltrona do avô e disse:
– Foi um ótimo negócio: ganhei um bom cavalo e ainda por cima uma bolsa cheia de dinheiro em troca de duas vacas magras! Se a estupidez desse sempre tais resultados, que bom seria!
Assim pensava o camponês, mas tu certamente preferes os tolos.
Conto dos Irmãos Grimm
MINGAU DOCE
Houve uma vez, uma moça paupérrima, embora muito piedosa, vivia só com a mãe. Chegou um dia em que não tinha nada para comer, então, a moça foi á floresta á procura de alguma coisa para comer. Uma velha olhou para ela, a velha conhecia a situação da moça, muito penalizada, deu á moça uma panela que bastava dizer: “panelinha, faz mingau” e logo a panelinha preparava um mingau doce, de farinha, que era uma delícia, e bastava dizer “chega panelinha” e a panela parava de fazer mingau.
A moça correu para levar a panela á mãe, desde então, elas ficaram livres da fome e da penúria, e elas comiam mingau doce sempre que queriam. Um dia, a moça teve que sair, aí a mãe disse: “faz mingau panelinha”, a panelinha, pôs se a fazer o delicioso mingau e a mãe comeu, comeu até não aguentar mais; agora, ela quis que a panela parasse, mas ela não sabia a palavra convencional. E a panela continuou fazendo mingau, o mingau foi aumentando, transbordou e encheu toda a casa, a casa da vizinha, a outra casa, a rua e tudo mais, como se quisesse alimentar o mundo inteiro, e ninguém sabia o que fazer para sair dessa entalada.
Faltava apenas encher a última casa, quando, a moça chegou e disse: -Chega panelinha. A panela logo parou de fazer mingau, mas quem quisesse ir á cidade, tinha que abrir caminho comendo mingau.
Conto dos Irmãos Grimm
O URSO E A CARRIÇA
Num belo dia de verão, o urso e o lobo passeavam por uma espessa floresta, na melhor harmonia possível. Eis que o urso ouviu o canto mavioso de um passarinho e perguntou:
-Meu irmão Lobo, que pássaro é esse que canta tão bem?
– É o rei dos pássaros, – disse o lobo, – precisamos saudá-lo! Era a carriça.
– Se é assim, – disse o urso; – eu gostaria de ver o seu palácio; mostra-mo.
– Não é tão fácil como pensas! – disse o lobo. – Ê preciso esperar que a rainha entre.
Nesse momento, chegou Sua Majestade a Rainha. Ela e o rei traziam no bico alguns bichinhos para alimentar os filhotes.
O urso quis segui-los, porém o lobo segurou-o pela manga, dizendo-lhe:
– Ainda não; temos de esperar que o Rei e a Rainha saiam outra vez.
Observaram bem o lugar em que se achava o ninho e foram-se embora. Mas o urso não tinha sossego, queria, por força, ver o palácio do rei dos pássaros, e, pouco depois, regressou àquele lugar. O rei e a rainha acabavam de sair, e ele, espiando com muito jeito, viu três filhotes acomodados no ninho das carriças.
– Ê este o palácio real? – exclamou o urso desdenhosamente. – Que habitação miserável! Quanto a vós, pequenos implumes, não sois nada filhos de rei, e sim ignóbeis criaturas.
Ouvindo isso, os pequenos filhotes ficaram indignados e gritaram, muito furiosos:
– Não, não somos o que dizes; nossos pais são realmente nobres e tu pagarás caro as tuas injúrias.
A esta ameaça, o urso e o lobo ficaram com medo e foram refugiar-se nos seus antros.
As pequenas carriças, porém, continuaram a gritar e a fazer um barulho enorme; quando os pais regressaram com a comida, disseram-lhes:
– Nós não comeremos uma só pata de mosca e não daremos um passo daqui, à custa de mesmo de morrer do fome, até que não nos proveis se somos nobres ou não. pois o urso veio aqui nos insultar.
– Ficai tranquilos, – disse o rei; esta questão será resolvida.
E voando com a rainha até o covil do urso, gritou:
– Velho rabujento, por quê insultaste meus filhinhos? Hás de pagar caro esta afronta, pois vamos fazer-te uma guerra de morte.
Assim foi declarada guerra ao urso. Foram convocados todos os quadrúpedes: o boi, a vaca, o asno, o touro, o veado, o gamo; enfim, todos s animais de quatro.
A carriça, por seu lado, convocou tudo que voa; não só os pássaros grandes e pequenos, mas também os mosquitos ou besouros, as vespas e os zangões.
Ao aproximar-e o dia da batalha, a carriça enviou os seus espiões para saber quem era o comandante supremo do exército inimigo. O mosquito, que era o mais esperto, voou pela floresta até ao lugar onde se reunia o inimigo e ocultou-se debaixo de uma folha da árvore, sob a qual estava o mesmo dando a senha.
O urso chamou o raposo e disse-lhe:
– Raposão, tu que és o mais astuto e velhaco de todos os animais, serás o nosso general e nos conduzirás à batalha.
– De boa vontade, – respondeu o raposão; – mas qual será o sinal convencional que deveremos usar?
Ninguém o sabia.
– Escutai! – exclamou o raposão; – eu tenho uma bela cauda, comprida e basta como um belo penacho vermelho: enquanto eu a conservar levantada, as coisas vão bem e podeis marchar sem susto para dar o assalto; mas, se eu abaixá-la, é sinal que deveis fugir a toda pressa.
Tendo ouvido bem isso tudo, o mosquito saiu voando e foi contar tintim por tintim à carriça.
Ao raiar o dia em que se travaria o combate, os quadrúpedes aproximaram-se a galope, fazendo tal barulho que a terra tremia. Também a carriça chegou escoltada pelo seu exército, que zumbia, gritava, voava e ruflava assustadoramente; e de ambas as partes saíram a combater. A carriça encarregou o zangão de colocar-se debaixo da cauda do raposão e espetá-la com todas as forças.
A primeira ferroada, o raposão estremeceu e levantou uma perna, mas resistiu e manteve a cauda levantada; na segunda, não pôde impedir de abaixá-la um pouco; mas, a terceira, não pôde aguentar e, gritando de dor, meteu a cauda entre as pernas.
Vendo isto, os animais julgaram que tudo estava perdido e deitaram a fugir, correndo cada qual para a sua toca e assim os pássaros venceram a batalha.
Então o rei e a rainha voaram imediatamente para o ninho onde estavam os filhotes, exclamando:
– Alegrai-vos, filhinhos, comei e bebei à vontade; vencemos a batalha!
Mas os filhotes responderam:
– Não, ainda não comeremos; exigimos primeiro que o urso venha até aqui pedir desculpas e declarar que reconhece a nossa nobreza.
A carriça, diante desta nova imposição, voou até o antro do urso e gritou-lhe:
– Velho rabugento, tens de pedir perdão aos meus filhinhos e declarar que reconheces a nossa nobreza; senão, ai de ti, te quebraremos as costelas.
O urso encaminhou-se todo trêmulo de medo, apresentou-se diante do ninho e pediu perdão.
Então as pequenas carriças ficaram satisfeitas, colocaram-se uma ao lado da outra, comeram e beberam alegremente, divertindo-se até altas horas da noite.
Conto dos Irmãos Grimm
PELE DE URSO
Há muito, muito tempo atrás, havia um jovem que se alistou como soldado, e era sempre o primeiro a avançar quando se tratava de chuvas de balas. Enquanto durou a guerra, tudo lhe correu às mil maravilhas; mas assim que se a paz foi assinada, ele foi demitido, e o comandante disse para que ele fosse onde desejasse. Seus pais haviam morrido, e portanto, ele não tinha mais casa, então, ele voltou para a casa de seus irmãos, e pediu para que eles o aceitassem, e ficasse com eles até a próxima guerra.
Os irmãos dele todavia, eram duros de coração e disseram: — “O que você poderia fazer aqui? você não tem utilidade para nós, vá e viva a sua própria vida.” O soldado não possuía nada além de uma carabina, ele a colocou no ombro, e partiu para o mundo. E chegou a um grande matagal, onde não conseguia enxergar nada além de um pequeno círculo de árvores, e debaixo destas árvores ele se sentou triste, e começou a pensar no seu destino.
— “Não tenho dinheiro,” pensou ele, “não tenho profissão, só sei lutar, e agora que só existe paz, eles não precisam mais de mim, então, já estou pressentindo que vou morrer de fome.”
De repente ele ouviu um barulho, e quando ele olhou em volta, uma figura estranha estava diante dele, a criatura usava um casaco verde, tinha um olhar imponente, mas tinha pés rachados que nem de cabra o qual ela ocultava.
— “Eu sei o que você está precisando,” disse o homem, “ouro e muitas riquezas é o que você terá, tanto quanto você desejar, mas primeiro é necessario que você não seja medroso, para que eu não aplique em vão o meu dinheiro.”
— “Soldado e covardia, — como estas coisas podem andar juntas?” perguntou o soldado, “podes me colocar a prova.”
— “Muito bem, então,“ respondeu o desconhecido, “olhe atrás de você.” O soldado se virou, e viu um urso enorme, que vinha rosnando atrás dele.
— “Uau,“ exclamou o soldado, “espera aí que vou dar uma coçadinha no teu nariz, até que você perca a vontade de rosnar,” e foi em direção ao urso e deu um tiro bem no meio do focinho, ele caiu e nunca mais voltou a se mexer.
— “Está provado que não te falta coragem!,” disse o desconhecido, “mas falta ainda outra condição que deves satisfazer.”
— “Desde que isso não ponha em risco a minha vida,” respondeu o soldado, que sabia muito bem diante de quem ele estava.
— “Se a tua vida correr perigo, não serei responsabilizado por isso. Tu deverás fazer tudo sozinho.”, respondeu o homem de casaco verde, que disse “nos próximos sete anos, não deverás tomar banho, nem pentear a tua barba, nem o teu cabelo, nem cortar as tuas unhas, nem rezar o padre nosso.”
— “Eu te darei um casaco e uma capa, os quais deverás usar. Se morreres durante estes sete anos, cairás em meu poder; se, pelo contrario, viveres além desse tempo, conquistarás a liberdade e serás rico o resto de teus dias.”
O soldado pensou no abandono extremo em que ele se encontrava agora, mas que tantas vezes havia enfrentado a morte, que ele decidiu correr novamente esse risco, e aceitou o convite. O diabo tirou o seu casaco verde, e entregou para o soldado, e disse:
— “Enquanto estiveres usando este casaco na tua costa, e colocares as mãos dentro do bolso, sempre os encontrarás cheios de dinheiro.” Então, ele arrancou a pele do urso e disse:
— “Esta será a tua capa, e a tua cama também, pois nela dormirás, e não farás uso de nenhuma outra cama, e por causa desta roupa você será chamado a partir de agora de Pele de Urso.” Dito isto, o diabo desapareceu.
O soldado colocou o casaco, enfiou as mãos dentro do bolso, e percebeu que realmente tudo era verdade. Depois ele vestiu a pele de urso, e partiu em jornada pelo mundo, e estava feliz, e não se abstinha de nada que lhe fizesse bem e lhe trouxesse dinheiro. Durante o primeiro ano tudo veio a contento, porém, no segundo ele começou a ficar feio como um monstro. Os seus cabelos começaram a cobrir quase todo o seu rosto, a sua barba parecia um pedaço de feltro muito grosseiro, seus dedos se transformaram em garras, e o seu rosto ficou tão coberto de sujeira, que dava até para plantar agrião.
Todos aqueles que o viam, corriam dele, mas como ele sempre dava esmolas aos pobres para que orassem para que ele não morresse durante os sete próximos anos, e como ele pagava bem por tudo, ele sempre encontrava abrigo. No quarto ano, ele entrou numa estalagem, onde o próprietário não o queria receber, e não queria nem que ele ficasse no estábulo, porque ele receava que os cavalos ficassem assustados. Mas, quando Pele de Urso enfiou a mão no bolso e tirou um punhado de ducados, o anfitrião mudou de opinião e lhe ofereceu um quarto na parte externa da estalagem. Pele de Urso, no entanto, devia prometer que não seria visto, caso contrário a estalagem ficaria com má fama.
Quando Pele de Urso estava sentado à noite, e desejava do fundo do coração que os sete anos houvessem se passado, ele ouviu queixas e lamentações que vinham de um quarto anexo. Como ele tinha bom coração, ele abriu a porta, e viu que um velhinho chorava amargamente, e até punha as mãos na cabeça. Pele de Urso se aproximou, mas o homem saiu correndo e tentou escapar dele. Finalmente, quando o homem percebeu que Pele de Urso tinha voz humana, ficou mais tranquilo, e conversando amigavelmente, Pele de Urso conseguiu que o velhinho lhe revelasse a causa de sua tristeza.
Os seus recursos estavam minguando a olhos vistos, ele e as suas filhas começariam a passar fome, e ele era tão pobre que não conseguia pagar o estalajadeiro, e por isso ele seria preso.
— “Se o seu problema for somente esse,” disse Pele de Urso, “fique tranquilo, eu tenho muito dinheiro.”
E mandou que o estalajadeiro fosse trazido até ali, pagou o que o velhinho lhe devia, e pôs ainda uma bolsa cheia de dinheiro dentro do bolso do velhinho.
Quando o velhinho se viu livre de todos os seus problemas, ele não tinha palavras para agradecer.
— “Venha comigo,” disse ela a Pele de Urso, “as minhas filhas são verdadeiras maravilhas da natureza, escolha uma delas para ti como esposa.” Quando elas souberem o que você fez por mim, elas não irão te rejeitar.”
— “A princípio você parece estranho, mas elas saberão dar um jeito na sua aparência de novo.” Isto agradou muito ao Pele de Urso, e ele foi.
Quando a filha mais velha o viu, ela ficou muito assustada, com o aspecto dele, e ela gritou e fugiu dele. A segunda ficou parada e o media da cabeça aos pés, mas, então, ela disse:
— “Como é que eu posso aceitar um marido que não tem mais a forma humana e que parece um bicho?” O urso pelado que passou por aqui uma vez e que tinha feições humanas me agradava muito mais, pois, de qualquer jeito ele usava roupas e luvas de um hussardo[1]. Se ele fosse apenas feio eu me acostumaria com isso.”
Porém, a mais jovem disse,
— “Querido pai, ele deve ser um bom homem por tê-lo ajudado a resolver os teus problemas, portanto, se você prometeu que daria uma noiva para ele, a sua promessa deve ser cumprida.”
Era uma pena que o rosto de Pele de Urso estivesse coberto de sujeira e de pelos, pois se não estivesse, elas teriam visto como ele ficou feliz ao ouvir estas palavras.
Ele tirou o anel do dedo, dividiu o anel em dois, e deu a ela a metade, e a outra ele guardou para si. Ele escreveu seu nome, todavia, na metade que ficou com ela, e o nome dela, na metade que guardou para ele, e pediu para que ela guardasse com cuidado a metade dela, e então, ele pediu licença e saiu:
— “Eu tenho de perambular por três anos ainda, e depois disso, se eu não retornar, estarás livre, pois eu estarei morto. Mas ore a Deus para que Ele preserve a minha vida.”
A pobre noiva prometida se vestiu inteiramente de preto, e quando ela pensava no seu futuro noivo, os seus olhos se enchiam de lágrimas. As suas irmãs somente a desprezavam e zombavam dela:
— “Cuidado,” dizia a mais velha, ”se você der a mão pra ele, ele vai machucar você com as suas garras.”
— “Seja esperta,” dizia a segunda, “ursos gostam de doces, se ele simpatizar com você, ele vai devorar você inteirinha.”
— “Deves fazer tudo que ele mandar,” começou a mais velha novamente, “ou então, ele vai começar a rosnar.” E a segunda aproveitou e disse:
— “Mas vocês serão felizes no casamento, porque os ursos gostam de dançar.” A noiva ficava em silêncio, e não permitia que as suas irmãs a entediassem. Pele de Urso, todavia, viajava pelo mundo de um lugar para outro, fazia o bem quando lhe era possível, e gostava de fazer doações aos pobres para que eles pudem orar por ele.
Finalmente, quando raiou o último dia dos sete anos, ele tirou a capa mais uma vez, e se sentou debaixo do círculo de árvores. Não demorou muito e o vento começou a assobiar forte, e o tinhoso apareceu diante dele, e olhava furioso para ele, então, ele jogou o seu casaco velho para o Pele de Urso, e pediu o seu manto verde de volta.
— “Nunca chegamos tão longe em nosso acordo,” falou Pele de Urso, ‘‘tu deves me limpar primeiro.”
Se o filho do cão gostava ou não, ele foi obrigado a buscar água, e a lavar o Pele de Urso, pentear seu cabelo, e cortar suas unhas. Depois disto, ele ficou parecendo um soldado valente, e estava muito mais bonito do que havia estado antes.
Quando o diabo tinha ido embora, Pele de Urso ficou muito aliviado. Ele foi à cidade, vestiu um magnífico casaco de veludo, se sentou numa carruagem puxada por quatro cavalos, e correu para a casa da sua noiva. Ninguém o reconheceu, o pai acreditou que se tratasse de um general muito importante, e o conduziu para o lugar onde as suas filhas estavam esperando. Ele foi obrigado a se colocar no meio das duas mais velhas, que serviram vinho para ele, lhe ofereceram os melhores pedaços de carne, e ficaram pensando que em todo o mundo não existiria homem mais perfeito.
A noiva, no entanto, sentou-se de frente para ele vestida de preto, e não ousava levantar os olhos, nem tinha coragem de dizer palavra alguma. Quando finalmente ele perguntou ao pai se daria como esposa uma de suas filhas, as duas mais velhas pularam, correram para os seus dormitórios, e vestiram roupas maravilhosas, e cada uma delas ficou imaginando que seria ela a escolhida. O desconhecido, assim que ele ficou a sós com a sua noiva, trouxe a metade do anel que havia ficado com ele, e o jogou dentro de um copo de vinho que ele apanhara em cima da mesa para ela.
Ela pegou o vinho, e depois que ela o bebeu, e descobriu a metade do anel no fundo do copo, o coração dela começou a bater forte. Ela pegou a outra metade, que usava num colar ao redor do pescoço, juntou as duas partes, e viu que as duas metades se encaixavam exatamente uma na outra. Então, ele disse:
— “Eu sou o teu noivo prometido, a quem conhecestes como Pele de Urso, mas, com a graça de Deus a forma humana me foi restituída, e mais uma vez estou limpo de novo.”
Ele foi até ela, abraçou—a, e deu—lhe um beijo. Enquanto isso, as duas irmãs voltaram todas enfeitadas e quando elas viram que o belo homem já estava comprometido com a irmã mais jovem, e souberam que ele era o Pele de Urso, fugiram tomadas de ódio e furiosas. Uma delas se atirou no poço, e a outra se enforcou na árvore. À noite, alguém bateu à porta, e quando o noivo a abriu, viu que era o diabo em seu casaco verde, que disse:
— “Veja você, que eu perdi a tua alma, mas, em compensação consegui duas!”
Conto dos Irmãos Grimm
O FULIGINOSO IRMÃO DO DIABO
Houve, uma vez, um pobre soldado aposentado que não possuía nada, nada; nem mesmo o que comer e não sabia como se arrumar.
Certo dia, foi à floresta e, após ter perambulado um pouco por lá, encontrou um anão, o qual não era outro senão o próprio diabo, que lhe perguntou:
– Que tens? Parece estar muito triste!
– Sinto fome, – respondeu o soldado, – e não tenho um níquel sequer.
– Se quiseres empregar-te em minha casa, – disse o diabo, – e ser meu criado, terás o necessário para o resto da vida. Terás de me servir durante sete anos; depois ficarás livre novamente. Mas presta bem atenção: não poderás lavar-te, nem aparar as unhas e os cabelos, e nem limpar o nariz oU enxugar os olhos.
– Está bem, – disse o soldado; – já que não há outro jeito, aceito.
E o anão conduziu-o ao inferno; depois explicou-lhe o que tinha a fazer; atiçar o fogo embaixo dos tachos onde se coziam as almas danadas, manter a casa bem limpa, varrer o lixo atrás da porta e procurar fazer com que tudo estivesse em ordem à sua chegada. Mas, se expiasse uma só vez dentro dos tachos, pagaria caro a curiosidade. O soldado concordou, dizendo:
– Está bem, farei tudo direito.
O velho satã deixou-o e tornou às suas peregrinações; o soldado então começou o trabalho: pós mais lenha no fogo, varreu a casa e levou o lixo atrás da porta, tudo como lhe fora ordenado. De regresso, o velho diabo inspecionou a casa, achando tudo em ordem: um bom fogo embaixo dos tachos e estes ferviam em grande ebulição; mostrou-se satisfeito e depois tornou a sair.
Os tachos estavam colocados em círculo e ferviam bem no inferno, embaixo deles ardia um fogo louco e dentro borbulhavam os ingredientes. Ah, que prazer teria de espiar o que continham, se o diabo não lhe tivesse proibido tão severamente! Por fim, não resistiu mais, ergueu um pouquinho a tampa de um dos tachos e espiou. Então o soldado viu, dentro, um cabo que fora seu superior.
– Ah, lindo pássaro, – disse o soldado, – encontro-te aqui! Antes era eu que estava nas tuas mãos, agora, és tu que estás nas minhas!
Tapou, rapidamente, o tacho e alimentou mais o fogo; depois dirigiu-se ao seguinte, ergueu um pouquinho a tampo espiando dentro e viu o seu tenente.
– Ah, belo pássaro, estás aqui? Eu estive muito tempo nas tuas mãos, agora tu estás nas minhas!
Tapou depressa o tacho e pôs bastante lenha no fogo para avivá-lo bem. Depois quis espiar, também, no seguinte e espantou-se ao ver que lá dentro estava precisamente o seu general.
– Ah, meu belo pássaro, também estás aqui? Antes estava eu nas tuas mãos; agora tenho-te em meu poder.
Pegou no fole e assoprou com força no fogo até aumentar bem as chamas embaixo do caldeirão do general.
Assim, prestou serviço no inferno durante sete anos, e nunca se lavou, nem penteou os cabelos, nem assoou o nariz, nem enxugou os olhos e nem aparou as unhas e cabelos. Os sete anos passaram tão depressa que não lhe pareceram mais que seis meses. Terminado o prazo convencionado, veio o diabo e perguntou:
– Então, João, que fizeste?
– Aticei o fogo sob os caldeirões, varri a casa e levei o lixo atrás da porta conforme me ordenaste.
– E olhaste dentro dos tachos; a tua sorte foi ter acrescentado mais lenha ao fogo, senão a esta hora já estarias liquidado. Agora terminou o teu tempo de serviço aqui, queres regressar à tua casa?
– Sim, – disse o soldado, – gostaria muito de ver o que anda fazendo meu pai.
O diabo então disse:
– Como tens direito a uma remuneração pelo teu trabalho, vai atrás da porta e enche a mochila com quanto lixo nela couber e leva-o para casa. Tens de ir sem te lavar nem pentear, com a barba, os cabelos e as unhas sem cortar e os olhos remelentos. Se alguém te perguntar de onde vens, responde que vens do inferno; quando te perguntarem quem és, deves dizer:
– Sou o fuliginoso irmão do diabo e o rei de mim mesmo.
O soldado ficou calado, fazendo tudo, exatamente, como lhe ordenou o diabo, mas não estava nada satisfeito com essa remuneração.
Assim que se viu, novamente, na floresta, tirou a mochila das costas e quis despejá-la aí mesmo, mas, quando a abriu, o lixo tornara-se ouro puro.
– Estava longe de supor isso! – disse João muito satisfeito, e encaminhou-se para a cidade.
Chegou diante de uma estalagem e o dono dela, que estava na porta, ao avistá-lo, assustou-se tremendamente, porque João tinha um aspecto medonho, mil vezes pior que um espantalho. Assim mesmo perguntou-lhe:
– De onde vens?
– Do inferno.
– Quem és?
– Sou o fuliginoso irmão do diabo e o rei de mim mesmo.
O estalajadeiro não queria deixá-lo entrar em casa, mas quando João lhe mostrou o ouro que trazia, correu a abrir-lhe pessoalmente a porta.
João pediu o melhor quarto e a comida mais fina; comeu e bebeu até fartar-se, mas não se lavou, não se penteou, não fez nada do que lhe proibira o diabo e, por fim, deitou-se para dormir.
Mas a tal mochila cheia de ouro não saía dos olhos do estalajadeiro e não ficou sossegado até que, esgueirando-se cuidadosamente no quarto, não a furtou.
Na manhã seguinte, quando João se levantou e quis pagar a conta antes de continuar o caminho, a mochila tinha desaparecido. Mas dominou-se e pensou: “Não te cabe a culpa por esta infelicidade.” E voltou imediatamente para o inferno, onde foi se queixar ao velho diabo, pedindo-lhe que o socorresse nessa desagradável emergência. O diabo disse:
– Senta-te aí; vou lavar-te, pentear-te, assoar o na- ris; vou aparar-te as unhas e os cabelos e limpar os olhos.
Quando acabou essa tarefa, deu-lhe outra mochila cheia de lixo, dizendo:
– Agora vai dizer ao estalajadeiro que te restitua o ouro; senão irei pessoalmente buscá-lo e aí terá de assumir o teu lugar aqui para atiçar o fogo.
O soldado subiu e foi ter com o estalajadeiro, dizendo-lhe:
– Tu roubaste todo o meu ouro; se não o devolves já, irás para o inferno, ficarás trabalhando no meu lugar e ficarás medonho como eu.
O estalajadeiro, amedrontado, restituiu-lhe o ouro, acrescentando mais algum do seu e suplicou-lhe que nada dissesse ao diabo.
Assim João ficou imensamente rico. Pôs-se a caminho para a casa do pai; numa loja comprou uma túnica branca bastante ordinária, e meteu-se pela estrada tocando alegremente, pois havia aprendido música com o diabo no inferno.
Aconteceu que nesse país havia um Rei e o soldado teve que tocar em sua presença; o Rei ficou tão encantado com a música que prometeu dar-lhe a filha mais velha em casamento. Ouvindo a princesa, que seria dada em casamento a um obscuro plebeu de túnica branca e ordinária, exclamou:
– Prefiro antes atirar-me no poço.
Então o Rei deu-lhe a filha mais moça a qual, para agradar o pai, aceitou de bom grado.
Assim, o fuliginoso irmão do diabo casou-se com a linda princesa e, quando o velho Rei faleceu, ficou reinando sobre o reino todo.
Conto dos Irmãos Grimm
O ESPÍRITO NA GARRAFA
Houve, uma vez, um pobre lenhador que trabalhava de sol a sol. Assim, conseguiu economizar um pouco de dinheiro e, chamando o filho, disse-lhe:
– Tu és meu único filho; o dinheiro que economizei com o amargo suor do meu rosto, quero empregá-lo na tua instrução; se aprenderes tudo bem, poderás manter- me na velhice, quando meus membros estiverem endurecidos e eu for obrigado a ficar em casa sem nada poder fazer.
O jovem foi para a universidade, onde permaneceu algum tempo, aprendendo com grande aplicação, merecendo a admiração e os elogios dos mestres; tinha seguido vários cursos mas ainda não se aperfeiçoara em tudo, quando a mísera soma ganha com tanto sacrifício pelo pai acabou-se e ele teve de voltar para casa.
– Ah, – lastimou-se o pai, – não tenho mais nada que possa dar-te e, nestes tempos ruins como andam, nem posso ganhar um só centavo além do pão de cada dia,
– Não te aborreças, meu querido pai, – respondeu o filho, – se esta é a vontade de Deus, certamente será para o meu bem e eu me conformarei.
Quando o pai se preparava a ir à floresta cortar lenha para vender e assim ganhar alguma coisa, o filho disse-lhe:
– Quero ir contigo e ajudar-te.
– Será muito duro para ti, meu filho, que não estás acostumado com trabalho pesado; não aguentarás. Além disso, só possuo um machado e não tenho dinheiro para comprar outro.
– Vai à casa do vizinho, – respondeu o filho, – e pede-lhe um machado emprestado até eu ganhar o suficiente para comprar outro para mim.
O pai foi ao vizinho e pediu-lhe emprestado um machado; e assim, na manhã seguinte, logo de madrugada, saíram os dois a caminho da floresta. O filho, alegre e desembaraçado, ajudou bem o pai. Quando o sol estava a pique, disse o velho:
– Sentemo-nos um pouco aí e comamos nosso lanche; depois continuaremos com mais vigor.
O filho recebeu a ração de pão e disse:
– Descansa um pouco, meu pai; eu não estou cansado e prefiro dar um passeio pela floresta à cata de ninhos.
– Ó tolinho, – respondeu o pai, – para que queres perambular pela floresta? Ficarás cansado e, depois, não terás força para erguer o braço. Fica aqui e senta-te perto de mim.
O filho, porém, não lhe deu ouvidos e encaminhou-se para a floresta, comendo alegremente o pedaço de pão e olhando por entre os galhos a ver se descobria algum ninho. Andando a esmo, foi longe e chegou ao pé de um carvalho enorme, assustador, que deveria ter muitos séculos de existência, pois o tronco não poderia ser abraçado por cinco homens. Deteve-se a contemplar a árvore, pensando: “Muitos pássaros, certamente, fizeram ninhos lá em cima.” Nisso, prestando ouvido, pareceu-lhe ouvir uma voz abafada a gritar:
– Solte-me daqui! Solte-me daqui!
Olhou para todos os lados mas não viu coisa alguma, parecendo-lhe que a voz saía de dentro do chão. Então perguntou alto:
– Ondes estás? Quem chama assim?
A voz respondeu:
– Estou aqui no chão, entre as raízes do carvalho. Ajuda-me a sair, ajuda-me a sair.
O estudante pôs-se ativamente a revolver a terra debaixo da árvore, procurando entre as raízes, até que, por fim, numa pequena cavidade, descobriu uma garrafa. Erguendo-a e olhando-a contra a luz, ele distinguiu dentro dela uma coisinha em forma de rã, que pulava para cima e para baixo.
– Solta-me daqui, solta-me daqui! – gritou novamente; e o estudante, sem pensar em maldade alguma, destapou a garrafa.
No mesmo instante, saiu de dentro dela um espírito, que começou a crescer, e cresceu tão rapidamente que, em poucos minutos apenas, ergueu-se diante do estudante como um horrendo gigante do tamanho da metade do carvalho.
– Sabes tu o que te aguarda por me haveres salvo? – gritou com voz terrificante.
– Não, – respondeu o estudante, sem sombra de medo; – como haveria de sabê-lo?
– Pois, então, digo-te já, – berrou o espírito; – tenho que torcer-te o pescoço.
– Devias ter-me dito isso antes, – respondeu o estudante; – eu teria deixado que ficasses lá dentro. Mas a minha cabeça ficará firme no pescoço, pois há alguém mais que deve dar parecer no caso.
– Qual alguém ou ninguém, – rugiu o espírito; – terás o que mereces. Achas que foi por misericórdia que fiquei preso tanto tempo? Não; foi por castigo. Eu sou o poderosíssimo Mercúrio; a quem me soltar tenho de lhe quebrar o pescoço.
– Devagar, devagar! – respondeu o estudante; – não tenhas tanta pressa! Antes de mais nada, preciso saber se realmente estavas naquela garrafa e se és na verdade um espírito; se conseguires entrar e sair novamente, acreditarei; então poderás fazer de mim o que quiseres.
– E a coisa mais fácil deste mundo, – disse o espírito, cheio de vaidade e orgulho.
Encolhendo-se mais e mais, tornou-se fininho e pequenino como fora antes, conseguindo passar facilmente pelo gargalo da garrafa. Mal entrou, o estudante tapou bem depressa a garrafa com a rolha e atirou-a outra vez para dentro do buraco, entre as raízes do carvalho. Assim o espírito saiu logrado.
O estudante dispuha-se a voltar para junto do pai, quando ouviu o espírito implorar lamentosamente:
– Solta-me daqui, solta-me daqui!
– Nada, nada, – respondeu o estudante; – nessa não cairei segunda vez. Quem atentou uma vez contra a minha vida, quando o agarrar não o soltarei nunca mais.
– Se me soltares, – disse o espírito; – eu te darei o suficiente para que vivas folgadamente pelo resto da vida.
– Não, não – respondeu o estudante; – vais enganar-me como da primeira vez.
– Estás dando um pontapé na sorte! – retrucou o espírito; – não te farei mal algum, e, ainda por cima eu te recompensarei regiamente.
O estudante refletiu: “Vou arriscar talvez cumpra a palavra e não me faça mal.” Destapou, novamente, a garrafa e o espírito saiu como da outra vez e se foi encompridando e aumentando até voltar a ser o enorme gigante.
– Agora receberás a recompensa – disse o espírito, dando ao estudante um trapo largo como um emplastro, dizendo: – se tocas com uma das pontas deste trapo qualquer ferida, ela sarará imediatamente; se com a outra ponta tocares ferro ou aço, logo esse objeto se converterá em prata.
– Está bem, – disse o estudante, – mas antes tenho de experimentar.
E, aproximando-se de uma árvore, fez uma incisão na casca com o machado, depois aplicou em cima o trapo para ver o resultado. Imediatamente a casca se uniu e sarou, ficando tal como estava antes.
– É! – disse o estudante; – realmente é como dizes. Agora podemos separar-nos.
O espírito agradeceu por ter-lhe dado a liberdade e o estudante também agradeceu pelo seu presente e voltou para junto do pai.
– Estiveste vagabundeando até agora, não é? – disse o pai. – Até esqueceste o trabalho! Eu bem sabia que não farias coisa alguma!
– Não te amofines, meu pai; vou recuperar o tempo perdido.
– Sim, sim; – disse, agastado, o pai, – quero só ver!
– Cuidado, meu pai; vou derrubar aquela árvore aí, que ficará em pedaços.
Pegando no trapo, esfregou com ele o machado e, em seguida, desferiu valente machadada no tronco; mas como o machado se havia transformado em prata, o gume dobrou-se.
– Oh, meu pai, vê que espécie de machado me deste; entortou completamente ao primeiro golpe!
Assustado com aquilo, pois o machado não era seu, o pai exclamou;
– Ah, meu filho, que fizeste! Agora tenho de pagar o machado e não sei como hei de fazê-lo; grande lucro me deu o teu trabalho!
– Não te zangues, meu pai. Eu pagarei logo o machado.
– Sim, seu toleirão, – falou o pai, – com que vais pagá-lo se não tens senão o que eu te dou? Pura fantasia de estudante tens na cabeça; quanto a rachar lenha, nada entendes!
Passados alguns instantes, o estudante disse ao pai:
– Meu pai, eu não posso mais trabalhar; vamos fazer feriado por hoje.
– O que estás dizendo? Achas que quero ficar de mão no bolso como você? Se quiseres, podes voltar para casa, mas eu continuarei aqui trabalhando.
– É a primeira vez que venho a floresta e não conheço ainda o caminho; não posso voltar sozinho. Vem comigo?
Tendo-lhe passado a raiva, o pai deixou-se persuadir pela maneira gentil do filho e acabou por voltar com ele para casa. Aí disse-lhe:
– Trata de vender o machado estragado e vê o que podes alcançar por ele; o que faltar terei que ganhar com o trabalho para compensar o nosso vizinho pelo dano sofrido.
O filho dirigiu-se então à cidade, levando o machado a um ourives que, depois de o medir e pesar cuidadosamente, disse:
– Vale quatrocentas moedas, mas não tenho tanto dinheiro.
– Não faz mal, – disse o estudante, – dai-me o que tiverdes. Confio na vossa honestidade para me pagardes o resto depois.
O ourives deu-lhe trezentas moedas, ficando a dever-lhe cem. O estudante voltou para casa e disse ao pai:
– Já tenho o dinheiro; vai perguntar ao vizinho quanto quer pelo machado.
– Eu já sei – respondeu o pai. – Uma moeda e meia.
– Dá-lhe, então, três moedas; é o dobro do que vale e acho que é mais do que suficiente. Olha quanto dinheiro tenho!
Entregou ao pai as trezentas moedas, dizendo:
– Não te faltará mais nada e poderás viver confortavelmente.
– Santo Deus! – exclamou o pai admirado, – onde arranjaste todo esse dinheiro?
O filho, então, contou o que lhe tinha acontecido e como acertara confiando na Providência Divina.
Com o resto do dinheiro, voltou para a Universidade e continuou a estudar, aprendendo tudo quanto havia para aprender. Mais tarde, como podia curar todas as feridas com o pedaço de trapo, tornou-se o médico mais afamado do mundo inteiro.
Conto dos Irmãos Grimm
O DOUTOR SABETUDO
Houve, uma vez, um campónio chamado Camarão. Certo dia. Camarão levou um carro puxado por uma junta de bois, cheio de lenha, à cidade, e vendeu-a a um doutor. Enquanto recebia o dinheiro, Camarão viu que o doutor estava sentado à mesa comendo e bebendo tão bem que, de todo o coração, desejou ser doutor também. Quedou-se uns instantes a olhar e, depois, perguntou se não lhe seria possível tornar-se doutor.
– Oh, é muito fácil! – disse o doutor.
– Que devo fazer? – perguntou o camponês.
– Em primeiro lugar, compra um abecedário, isto é, um livro que tem um galo no frontispício; em segundo lugar, vende o carro e bois convertendo tudo em dinheiro; em terceiro lugar, manda pintar uma tabuleta com os seguintes dizeres: “Eu sou o doutor Sabetudo,” e manda pregá-la no alto da tua porta.
O camponês executou tudo direitinho. Após ter “doutorado” um pouco, mas não muito, deu-se um furto de dinheiro na casa de um ricaço. Este ouviu falar no doutor Sabetudo, que morava em certa aldeia e que, de acordo com o próprio nome, deveria saber também que fim levara o dinheiro. Sem mais demora, o ricaço mandou atrelar o carro, seguiu para a tal aldeia, informando-se se era ele o doutor Sabetudo.
– Sim, sou eu.
Nesse caso, tinha de acompanhá-lo a fim de encontrar o dinheiro roubado.
Sim, mas a Guida, sua mulher, também tinha que ir junto. O ricaço consentiu, fê-los subir no carro e partiram todos juntos. Quando chegaram ao solar, a mesa estava posta; então o ricaço convidou o doutor Sabetudo para jantar com ele. Sim, disse ele, mas também a Guida, sua mulher; e com ela foi sentar-se à mesa.
Ao aparecer o primeiro criado, trazendo uma linda bandeja cheia de quitutes, o camponês deu uma cotovelada na mulher dizendo:
– Guida, esse é o. primeiro; – referia-se ao primeiro prato.
Mas o criado julgou que ele dizia: este é o primeiro ladrão e, como de fato o era, assustou-se muito e lá fora disse aos seus colegas:
– O doutor sabe tudo, vamos acabar mal; ele disse que eu era o primeiro.
O companheiro não queria entrar na sala, mas não lhe foi possível eximir-se; ao apresentar-se com o prato nas mãos, o camponês deu outra cotovelada na mulher dizendo:
– Guida, esse é o segundo.
O criado começou a tremer de medo e tratou de sair logo. O mesmo aconteceu com o terceiro criado. O quarto criado teve de trazer uma terrina coberta; nisso o ricaço disse ao doutor que desse uma prova de sua arte adivinhando o que ela continha; eram camarões. O camponês olhou para a terrina muito atrapalhado, e não sabendo como sair daquela entalada, exclamou:
– Ah, pobre Camarão!
Ouvindo isso, o ricaço disse:
– Veja só, ele acertou. Então deve saber também onde está o dinheiro.
O criado, que se estava pelando de medo, fez sinal imperceptível ao camponês para que fosse lá fora um instante. Uma vez lá fora, os criados confessaram que os quatro juntos haviam roubado o dinheiro. Estavam dispostos a restituí-lo e dar-lhe uma grande quantia se ele os não denunciasse; caso contrário, lhe cortariam o pescoço.
Levaram-no até onde estava escondido o dinheiro; depois de concordar com tudo, o doutor voltou para a mesa, dizendo:
– Senhor, quero agora ver no meu livro onde está o dinheiro.
Mas o quinto criado acocorou-se num canto da lareira a fim de ouvir se o doutor sabia mais alguma coisa. O doutor abriu o abecedário, folheou-o um pouco, procurando o galo. E não o encontrando logo, disse:
– Sei que estás aqui dentro, tens de sair para fora! O criado escondido na lareira julgou que se referisse a ele; cheio de susto pulou para fora dizendo:
– Ah, esse homem sabe tudo.
O doutor Sabetudo indicou ao ricaço o lugar onde se achava o dinheiro, sem dizer, porém, quem o havia roubado; então recebeu de ambas as partes uma grande recompensa e desse dia em diante, tornou-se famoso.
Conto dos Irmãos Grimm
A ÁGUA DA VIDA
Houve, uma vez, um rei muito poderoso, que vivia feliz e tranquilo em seu reino. Um belo dia, adoeceu gravemente e ninguém tinha esperanças de que escapasse. Ele tinha três filhos, os quais estavam deveras consternados vendo que o estado do pai piorava dia a dia.
Encontravam-se eles no jardim do castelo a chorar e, de repente, viram surgir à sua frente um velho de aspecto venerável, que indagou a causa de tamanha tristeza. Disseram-lhe que estavam aflitos porque o pai estava gravemente enfermo e os médicos já não tinham esperanças de o salvar.
O velho, então, disse-lhe:
– Eu conheço um remédio muito eficaz, que poderá curá-lo; é a famosa Agua da Vida. Mas é muito difícil obtê-la.
O filho mais velho disse:
– Hei de encontrá-la, custe o que custar.
Dirigiu-se, imediatamente, aos aposentos do rei, expôs-lhe o caso e pediu permissão para ir em busca dessa água, a única coisa que poderia salvá-lo.
– Não, – disse o rei; – sei bem que essa água maravilhosa existe, mas há tantos perigos a vencer antes de chegar à fonte, que prefiro morrer a ver um filho meu correndo esses riscos.
O príncipe, porém, insistiu tanto que o pai acabou por consentir. Em seu íntimo, o príncipe ia pensando: “Se conseguir a água, tornar-me-ei o filho predileto e assim herdarei o trono.”
Partiu, pois, montado em rápido corcel, na direção indicada pelo velho. Após alguns dias de viagem, ao atravessar uma floresta, viu um anão mal vestido, que o chamou, perguntando:
– Aonde vais com tanta pressa?
– Que tens tu com isso, homúnculo ridículo? – respondeu altivamente o príncipe sem deter o cavalo, – não é da tua conta.
O anãozinho enfureceu-se e rogou-lhe uma praga. Pouco mais adiante, o príncipe viu-se entalado entre duas barrancas; quanto mais andava, mais se estreitava o caminho, até que, tendo-se o atalho apertado demais, não pode mais avançar, nem recuar, nem voltar o cavalo, nem descer. Ficou ali aprisionado, sofrendo fome e sede, mas sem morrer.
O rei aguardou sua volta durante muitos dias, mas em vão. O segundo filho, julgando que o irmão tivesse morrido, ficou contentíssimo, pois assim seria ele o herdeiro do trono.
Foi ter com o pai e pediu-lhe permissão para ir em busca da Agua da Vida. O rei respondeu o mesmo que havia respondido ao primeiro; por fim, ante a insistência do rapaz, acabou cedendo. O segundo príncipe, então, montou a cavalo e seguiu pelo mesmo caminho. Após alguns dias, quando atravessava a floresta, surgiu-lhe o anão mal vestido, que lhe dirigiu a mesma pergunta:
– Para onde vais com tanta pressa?
– Oh, nojento pedaço de gente! Sai da minha frente se não queres que te espezinhe com o meu cavalo.
O anão afastou-se e rogou-lhe a mesma praga que ao primeiro; assim, o príncipe acabou entalado nas barrancas como o outro irmão, sem poder avançar, recuar ou fazer qualquer movimento, sendo assim castigados os dois orgulhosos.
Passados muitos dias e vendo que os irmãos não voltavam, o filho mais moço foi pedir licença ao pai para ir buscar a Água da Vida. O rei não queria consentir, mas, ante as insistências reiteradas do moço, foi obrigado a ceder. O jovem príncipe montou em seu belo cavalo e partiu; quando encontrou o anão na floresta, que lhe perguntou aonde ia com tanta pressa, o jovem, que era delicado e amável, deteve o cavalo dizendo:
– Vou em busca da Agua da Vida, o único remédio que pode salvar meu pobre pai, que está à morte.
– Sabes onde se encontra? – perguntou o anão.
– Não, – respondeu o príncipe.
– Pois bem; já que me respondeste com tanta amabilidade, – disse o anão, – vou indicar-te o caminho que deves tomar. Ao sair da floresta não te metas pelo desfiladeiro que vires pela frente; vira à esquerda e segue até encontrares uma encruzilhada; aí segue ainda a esquerda. Depois de dois dias de marcha, encontrarás diante de ti um castelo encantado: é no pátio desse castelo que se acha a fonte da Agua da Vida. O castelo está fechado por um grande portão de ferro maciço; mas basta tocá-lo três vezes com esta varinha que te dou para que se abra de par em par. Assim que entrares verás dois leões enormes prestes a lançarem-se sobre ti para te devorar; atira-lhes estes dois bolos para apaziguá-los; aí corre ao parque do castelo e vai buscar a Água da Vida antes que soem as doze badaladas, senão o portão fecha-se e tu ficarás lá preso.
O príncipe agradeceu, gentilmente, ao anão, pegou a varinha e os dois bolos e se pôs a caminho; e conforme as suas indicações chegou diante do castelo. Com a varinha mágica bateu três vezes no imenso portão e este abriu- se; ao entrar, os dois leões arremessaram-se contra ele de bocas escancaradas, mas apaziguou-os, atirando-lhes os bolos, e assim não sofreu mal algum. Antes de dirigir-se à fonte da Água da Vida, o príncipe não resistiu à tentação de ver o que havia no interior do castelo cujas portas estavam abertas; galgou a escadaria e entrou. Viu uma série de salões grandes e luxuosíssimos; no primeiro deles viu, imersos em sono letárgico, uma multidão de fidalgos e criados. Sobre uma mesa avistou uma espada e um saquinho de trigo; teve um pressentimento que esses objetos lhe poderiam ser úteis e levou-os consigo.
Passando de um salão para outro, no último deu com uma princesa de beleza deslumbrante, a qual se levantou e disse-lhe que, tendo conseguido penetrar no castelo, destruira o encanto que pesava sobre ela e todos os súditos do seu reino; mas o efeito do encantamento só cessaria mais tarde.
– Dentro de um ano, dia por dia, – disse ela, – se voltares aqui serás meu esposo.
Depois indicou-lhe onde estava a fonte da Água da Vida e despediu-se dele, recomendando-lhe que se apressasse para poder sair do castelo antes de o relógio da torre bater as doze badaladas do meio-dia, porque nesse momento exato os portões se fechariam.
O príncipe percorreu em sentido inverso os numerosos salões por onde passara, até que um deles viu uma belíssima cama com as roupas muito alvas e rescendentes; como estivesse cansadíssimo da longa caminhada, sentiu-se tentado a descansar um pouco, deitou-se para tomar um breve repouso e adormeceu. Felizmente mexeu- se e fez cair no chão a espada que colocara ao seu lado; o barulho despertou-o em tempo, pois perdendo a hora ficaria prisioneiro no castelo.
Levantou-se depressa; faltava apenas um minuto para o meio-dia e mal teve tempo de correr ao parque, encher um frasco com a preciosa água e fugir.
Transpondo os batentes da entrada, soou o relógio dando meio-dia; o portão fechou-se com estrondo e tão rapidamente que ainda apanhou um tacão do príncipe arrancando-lhe uma espora.
O príncipe estava no auge da felicidade por ter conseguido a água milagrosa que salvaria a vida do seu amado pai; e ansioso de ver-se no palácio pulou sobre a sela e partiu a galope. Na floresta, encontrou o anão no mesmo lugar, o qual, ao ver a espada e o saquinho de trigo, lhe disse:
– Fizeste bem em guardar esse precioso tesouro! Com essa espada poderás sozinho vencer os exércitos mais numerosos; e com o trigo desse saquinho terás todo o pão que quiseres e nunca se lhe verá o fundo.
Encantado por conhecer os dons prodigiosos da espada e do saquinho, estava contudo apoquentado com a ideia da desgraça dos irmãos; perguntou ao anão se não poderia fazer algo por eles.
– Posso, – respondeu o anão; – ambos estão pouco distantes daqui, entalados entre barrancas muito apertadas; amaldiçoei-os por causa do seu orgulho e insolência.
O príncipe rogou, encarecidamente, que lhes perdoasse e os libertasse, e tanto insistiu que o anão cedeu às suas súplicas.
– Mas advirto-te que te arrependerás, – disse o anão. – Não te fies neles; são de mau coração; liberto-os apenas para te ser agradável.
Assim dizendo, o anão fez as barrancas se afastarem deixando os entalados em liberdade; pouco depois reuniram-se ao irmão, que os estava esperando. Muito feliz por os tornar a ver, o príncipe logo lhes narrou as suas aventuras e disse-lhes que daí a um ano voltaria novamente ao castelo para desposar a maravilhosa princesa e reinar com ela sobre um grande país.
Depois puseram-se os três a caminho de regresso para casa. Atravessaram um reino que estava assolado pela fome e pela guerra, estando o rei já desesperado de poder salvar-se e ao seu povo. O bom príncipe então confiou ao rei o saco de trigo e a espada mágica; com esses objetos, o rei conseguiu derrotar os exércitos invasores e encher todos os celeiros, até ao forro, do precioso cereal. O príncipe tornou a receber a espada e o saquinho e os três irmãos continuaram na viagem; para encurtar caminho e rever mais depressa o pai, resolveram tomar um navio.
Durante a travessia, os dois irmãos mais velhos, devorados de ciúmes, começaram a conspirar contra ele:
– Nosso irmão conseguiu a Água da Vida e nós não; com isso nosso pai o promoverá a herdeiro único do trono, que deveria ser nosso, e a nós nada tocará.
Então juraram perdê-lo. De noite, quando ele dormia a sono solto, furtaram-lhe o frasco e substituíram a Água da Vida por outra salgada. Tentaram também roubar-lhe a espada e o saquinho de trigo mas, quando iam apoderar-se deles, os objetos desapareceram de repente.
Quando chegaram em casa, o jovem correu para o pai e apresentou-lhe o frasco para que bebesse e logo ficasse bom. O rei, mal engoliu alguns goles daquela água salgada, achou o gosto horrível e piorou sensivelmente. Estava ele se lastimando quando chegaram os dois filhos mais velhos e acusaram o irmão de ter querido envenenar o pai. Eles, porém, traziam-lhe a verdadeira Agua da Vida e lha ofereceram. Apenas bebeu alguns goles, pôde logo levantar-se do leito, cheio de vida e de saúde, como nos tempos de sua juventude. O pobre príncipe, expulso da presença do pai, entregou-se ao maior pesar. Os dois mais velhos vieram ter com ele e, rindo e mofando, disseram-lhe:
– Pobre tolo! Tu tiveste todo o trabalho e conseguiste encontrar a Agua da Vida, mas nós tivemos o proveito; devias ser mais esperto e manter os olhos abertos; enquanto dormi as a bordo, trocamos o frasco por outro de água salgada. E poderíamos, se, quiséssemos, ter-te atirado ao mar para nos livrarmos de ti, mas tivemos dó. Livra-te, contudo, de reclamar e contar a verdade ao nosso pai, que não te acreditaria; se disseres uma só palavra não nos escapas, perderás a vida. Também não penses em ir desposar a princesa daqui a um ano; ela pertencerá a um de nós dois.
O rei estava muito zangado com o filho mais moço, julgando que o tivesse querido envenenar. Convocou, portanto, os seus ministros, e conselheiros e submeteu- lhes o caso. Foram todos de opinião que o príncipe merecera a morte e o rei decidiu que fosse morto secretamente por um tiro. E partindo o moço para a caça sem suspeitar de nada, um dos criados do rei foi encarregado de o acompanhar e matá-lo na floresta. Quando chegaram ao lugar destinado, o criado, que era o primeiro caçador do rei, estava com um ar tão triste que o príncipe indagou a razão daquilo:
– Que tens, caro caçador?
– Proibiram-me falar, mas devo dizer tudo, – respondeu o caçador,
– Dize então o que há; nada temas.
– Estou aqui por ordem do rei e devo matar-vos.
O príncipe sobressaltou-se, mas disse;
– Meu amigo, deixa-me viver; dar-te-ei meus belos trajes em recompensa e tu me darás os teus, que são mais pobres.
– Da melhor boa vontade, – disse o caçador.
– Ê preciso que o rei julgue que executaste as suas ordens, – disse o príncipe, – senão a sua cólera recairá sobre ti. Vestirei essas roupas feias e tu levarás as minhas como prova de que me mataste. Em seguida, abandonarei para sempre este reino.
Assim fizeram.
Pouco tempo depois, o rei viu chegar uma embaixada faustosa do rei vizinho, incumbida de entregar ao bom príncipe os mais ricos presentes em agradecimento por ter ele salvo o reino da fome e da invasão do inimigo. Diante disso, o rei pôs-se a refletir:
– Meu filho seria inocente? – e comunicou aos que o serviam:
– Como me arrependo de o ter mandado matar! Ah, se ainda estivesse vivo!
Então, encorajado por essas palavras, o caçador revelou a verdade. Disse ao rei que o bom príncipe estava com vida, mas em lugar ignorado. Imediatamente o rei mandou um arauto proclamar em todo o pais que considerava o filho inocente e que desejava, imensamente, que ele voltasse para casa. Mas a notícia não chegou ao príncipe. Encontrara seu amigo anão, que lhe dera ouro suficiente para poder viver como um filho de rei.
Nesse ínterim, a princesa do castelo encantado, que ele livrara do sortilégio, mandara construir uma avenida toda calcetada com chapas de ouro maciço e pedras preciosas, a qual conduzia diretamente ao castelo, explicando aos seus vassalos:
– O filho do rei que será meu esposo não tardará a chegar; virá a galope bem pelo meio da avenida. Mas se outros pretendentes vierem, cavalgando à beira da estrada, expulsem-nos a chicotadas.
Com efeito, dia por dia, um ano depois do jovem príncipe ter penetrado no castelo, o irmão mais velho achou que podia apresentar-se como sendo o salvador e receber a princesa por esposa. Ao atravessar o portão e vendo aquela avenida calçada no meio de ouro e pedrarias, não quis que o cavalo estragasse com as patas tanta riqueza, que ele já considerava suas, e fez passar o animal pelo lado de fora. Mas, quando chegou diante do portão do castelo, dizendo que era o noivo da princesa, todos riram e depois correram-no de lá a chicote.
Pouco tempo depois, vinha também o segundo príncipe e, quando chegou à entrada do castelo, vendo todo aquele ouro e joias, pensou que seria um pecado arruiná-los. Deixou, portanto, o cavalo galopar pelo lado esquerdo e apresentou-se como sendo o noivo da princesa: teve a mesma sorte que o irmão mais velho: foi corrido a chicote.
Estava justamente findando o ano estabelecido e o terceiro príncipe resolveu deixar a floresta para ir ter com sua amada e ao seu lado esquecer suas mágoas.
Pôs-se a caminho, só pensando na felicidade de tornar a ver a linda princesa; ia tão embebido que nem se quer viu que a estrada estava toda coberta de pedras preciosas. Deixou o cavalo galopar pelo meio da avenida e, quando chegou diante do portão do castelo, este foi-lhe aberto de par em par. Soaram alegres fanfarras e uma multidão de fidalgos saiu para recebê-lo. Dentro em pouco, apareceu a princesa, deslumbrante de beleza, que o acolheu cheia de felicidade, declarando a todos que ele era seu salvador e senhor daquele reino. E as núpcias foram imediatamente realizadas em meio a esplêndidas festas.
Depois de terminadas as festas, que duraram muitos dias, ela contou-lhe que seu pai o havia proclamado inocente e desejava vê-lo de novo.
Acompanhado da rainha, sua esposa, ele foi ter com o pai e contou-lhe tudo quanto se passara: como fora traído pelos irmãos e como estes o obrigaram a calar-se.
O rei, extremamente irritado contra eles, mandou que seus arqueiros os trouxessem à sua presença a fim de receberem o castigo merecido; mas, vendo suas maldades descobertas, eles tinham tomado um barco tentando fugir para terras longínquas para aí esconderem sua vergonha. Não o conseguiram. Sobreveio uma tremenda tempestade, que tragou o navio, e eles pereceram miseravelmente.
Conto dos Irmãos Grimm
OS TRÊS PASSARINHOS
Ha mais de mil anos, existiam em nosso país muitos reizinhos de pequenos reinos, e um deles habitava no Monte Agudo. Esse rei gostava muito de caçar e, certa vez, ao sair do castelo com os caçadores, viu ao pé da montanha três moças fazendo pastar algumas vacas; ao verem o rei com a luzida corte, a mais velha disse às outras duas, apontando para o rei;
– Olá! olá, se não casar com aquele lá, não casarei com mais ninguém!
A segunda moça respondeu, indicando o que vinha à direita do rei:
– Olá, olá, se não casar com aquele, não casarei com mais ninguém!
Então a terceira moça apontou para o que vinha à esquerda do rei e disse:
– Olá, olá, se não casar com aquele, não casarei com mais ninguém!
Os dois que ladeavam o rei eram seus ministros.
O rei ouviu tudo o que as moças disseram; ao voltar da caça, mandou chamar as três e perguntou-lhes o que haviam dito no dia anterior quando estavam ao pé da montanha.
Naturalmente, elas não queriam repeti-lo; então o rei perguntou à primeira se queria casar-se com ele. Ela respondeu, prontamente, que sim e também suas irmãs casaram com os dois ministros, pois eram todas belíssimas, principalmente a rainha, que possuia cabelos tão loiros como o linho.
Entretanto, as duas irmãs mais moças não tiveram filhos. Tendo que viajar, o rei mandou que ambas ficassem fazendo companhia à rainha, que esperava um filho, enquanto ele estivesse fora.
Pouco depois, a rainha deu à luz um belo menino, que nasceu com uma estrela vermelha na testa. Invejando a sorte da rainha, as duas irmãs combinaram entre si lançar o menino no rio (creio que era o rio Weser), e nisso um passarinho alçou voo e cantou:
– Pronto para a morte,
Oh, triste sorte.
Vai entre os lírios em paz,
meu belo rapaz!
Ouvindo aquilo, as duas irmãs se espantaram e fugiram. Assim que o rei voltou, elas contaram-lhe que a rainha tivera um cãozinho em vez de um menino. O rei disse serenamente:
– O que Deus faz, está bem feito.
Mas, à margem do rio, habitava um pescador, que retirou da água o menino ainda vivo e, como sua mulher não tinha filhos, resolveram criá-lo.
Transcorrido um ano, o rei teve que fazer outra viagem e nesse ínterim a rainha deu à luz outro menino; as pérfidas irmãs apoderaram-se dele também e o jogaram no rio. Nisso, outro passarinho alçou voo e cantou:
– Pronto para a morte.
Oh, que triste sorte.
Vai entre os lírios em paz,
meu belo rapaz!
E ao regresso do rei, apressaram-se a contar-lhe que a rainha dera à luz um gato. O rei, então, respondeu:
– O que Deus faz, está bem feito.
O pescador recolheu, também, esse menininho e criou-o junto com o outro.
O rei teve de fazer nova viagem e desta vez a rainha deu à luz uma linda menina que, graças às duas irmãs da rainha, teve o mesmo destino dos meninos. Mas um passarinho voou nesse instante, cantando:
– Pronta para a morte.
Oh, que triste sina;
Vai para o berço de rosas,
ó minha linda menina!
E, quando o rei voltou de sua viagem, as cunhadas disseram-lhe que a rainha dera à luz uma gata. Então ele enfureceu-se e mandou jogar a rainha numa masmorra, onde ficou muitos anos.
Enquanto isso, as crianças foram crescendo belas e fortes; certo dia, o mais velho quis ir pescar junto com outros meninos, mas estes não quiseram e responderam- lhe:
– Segue teu caminho; não queremos um enjeitado em nossa companhia.
Profundamente chocado, o menino foi ter com o pescador e perguntou-lhe se era verdade o que ouvira daqueles maus meninos. O pescador contou-lhe, então, como o havia retirado da água. Ante essa revelação, o menino disse que queria procurar seu verdadeiro pai; o pescador tentou dissuadi-lo, pedindo-lhe que ficasse com eles, mas o menino não o atendeu e foi-se embora.
Andou, andou dias e dias, até que, por fim, chegou à margem de um grande rio, onde avistou uma velha pescando.
– Bom dia, avozinha! – disse o rapaz.
– Muito obrigada! – respondeu ela.
– Parece-me que levarás muito tempo até pescar um peixe!
– E tu terás de procurar muito antes de encontrar teu pai! Como farás para atravessar este rio? – disse a velha.
– Ah, só Deus é quem sabe!
Então a velha pegou-o nas costas e baldeou-o para a outra margem e o rapaz continuou a procurar seu pai durante muito tempo ainda.
Decorrido um ano. o segundo menino também partiu em busca do irmão; chegou à margem do rio e sucedeu-lhe tudo como ao irmão. Em casa, portanto, ficara somente a menina, a qual, não se conformando com a ausência dos irmãos, resolveu, depois de um ano de espera ir à procura deles. Chegando à margem do rio, avistou a velha e disse-lhe:
– Bom dia, avozinha!
– Muito obrigada!
– Deus vos ajude a pescar bastante!
Ouvindo essas palavras gentis, a velha tornou-se toda amabilidade e atravessou a menina para a outra margem do rio; aí, deu-lhe uma varinha, dizendo-lhe:
– Segue sempre por este caminho, minha filha, e, ao passares perto de um enorme cão preto, continua andando silenciosamente, sem rir e sem olhar para ele. Mais adiante, encontrarás um castelo; deixa cair esta varinha na soleira da porta; em seguida vai sempre para a frente, atravessa-o todo e sai pelo lado posterior. Lá encontrarás um velho poço, dentro do qual cresceu uma grande árvore, onde verás dependurada uma gaiola com um pássaro dentro; pega essa gaiola, tira do poço um copo de água e volta pelo mesmo caminho já percorrido. Na soleira da porta, torna a pegar a varinha e, quando passares perto do cão preto, bate-lhe no focinho, mas procura acertar-lhe; depois vem comigo aqui.
A menina encontrou tudo exatamente como lhe dissera a velha e, quando ia voltando do castelo, no caminho encontrou os dois irmãos que haviam percorrido meio mundo.
Reuniram-se os três e foram até onde se achava o cão preto deitado no meio da rua; a menina bateu-lhe no focinho e ele, imediatamente, transformou-se num belo príncipe, o qual acompanhou os irmãos até o rio.
A velha ainda estava lá e alegrou-se muito por vê-los todos juntos; transportou-os para a outra margem, depois foi-se embora, também, pois já se havia quebrado o seu encanto. Os moços dirigiram-se todos à casa do pescador, alegres e felizes por estarem novamente reunidos e lá dependuraram a gaiola, com o pássaro dentro, numa parede da casa.
O segundo rapaz, porém, não conseguia ficar sossegado dentro de casa; então pegou o arco e saiu a caçar. Depois de andar de um lado para outro, sentiu-se cansado; sentou-se no chão, tirou do bolso a sua flautinha e tocou uma melodia. O rei, que estava caçando aí por perto, ouviu-o; aproximou-se do jovem e perguntou:
– Quem te deu licença de caçar por estas bandas?
– Oh, ninguém! – respondeu o rapaz.
– Quem és tu?
– Sou filho do pescador.
– Mas o pescador não tem filhos!
– Se não acreditas, vem comigo.
O rei acompanhou-o à casa do pescador; fêz-lhe muitas perguntas e ele contou o que sabia. Nisso o passarinho preso na gaiola pôs-se a cantar:
– A pobre mãe solitária,
trancada está na prisão.
O rei, sangue de heróis;
estes três são filhos teus.
As pérfidas irmãs invejosas.
n’água os atiraram pressurosas.
cada um por sua vez;
mas nenhum se afogou,
pois o bom pescador os salvou!
Todos que estavam aí presentes ficaram horrorizados com a história contada pelo pássaro; então o rei conduziu os filhos, o pássaro e o pescador para o castelo. Mandou buscar a esposa na prisão, aparecendo ela, muito doente e enfraquecida. A filha mais que depressa, deu-lhe a beber a água trazida do poço e ela recuperou, prontamente, as forças e a saúde.
Depois o rei condenou as duas cunhadas, que acabaram a triste vida na fogueira.
E a filha do rei casou-se com o belo príncipe, vivendo todos muito felizes durante longos anos.
Conto dos Irmãos Grimm
PALESTRA SOBRE PENTECOSTES
Cinco meses atrás nós estávamos aqui reunidos para abordar o Natal; esperávamos por algo que estava por vir. E quando esperamos por algo sempre dirigimos o olhar para a direção do que está por vir. Há a esperança, a expectativa; para outros existe até a ansiedade por aquilo que está por vir. Mas para onde comumente nós dirigimos o olhar? Para onde vocês dirigiram o olhar hoje? Para onde vocês dirigiram o olhar ontem?
Será que todas as mães cozeram, costuraram e bordaram todos os retalhos de maneira a fazer uma manta para a família inteira?
Se voltarmos o olhar um pouco mais atrás, veremos de novo o terremoto no Chile.
O que será? Para onde voltamos o olhar quando pensamos no amanhã, e em depois de amanhã?
Como é voltar o olhar para o que ainda não aconteceu? É a mesma situação de voltar o olhar para o dia de hoje, para o dia de ontem?
Há diferenças?
No ato de olhar para o amanhã há uma expectativa, um desejo, uma esperança, uma incerteza, um sonho, uma obrigação. Tem algumas coisas que eu tenho certeza de que eu terei de fazer, de qualquer maneira. E tem outras coisas sobre as quais não temos nenhum controle, portanto, há também uma abertura. Há aquilo que obrigatoriamente sabemos que cumpriremos, como se fosse aquilo que do passado nos direciona; e aí, se eu assumi certas responsabilidades, por dever e por senso de responsabilidade eu cumprirei.
É tão diferente olhar para aquilo que já passou e olhar para o que virá.
Esse que virá vem sempre com um misto de insegurança e esperança, de dever e de abertura. E é tão bonito que no próprio relato bíblico da festa de Pentecostes se olha para o novo dessas duas maneiras. Então, os apóstolos puderam falar de tal maneira que os povos que vinham de todas as regiões vizinhas entendiam o que eles falavam, porque eles falavam como se estivessem falando no idioma em que cada povo falava.
Era um fenômeno novo, isso não era algo costumeiro. E como fenômeno novo aconteceu uma divisão. Uns diziam: “estão embriagados de vinho doce”, e outros diziam “o que vem a ser isso?”. Dessa breve reflexão, entre a insegurança e a esperança, entre o dever e a abertura, podemos pensar que quando julgamos a partir dos padrões do passado, impedimos que a abertura se faça, porém, diante do novo, quando nos colocamos uma pergunta, estamos completamente abertos para o futuro.
Temos isso como preâmbulo.
É importante que atualizemos essas vivências, é muito difícil nós ficarmos com a visão do acontecimento de aproximadamente dois mil anos atrás e não atualizar para a nossa vivência anímica no presente. Porque, senão o fazemos, comemorar festas parece sempre algo artificial ou algo saudosista. E a idéia é que aproveitemos cada um desses momentos– uma vez que eles se repetem a cada ano –como a possibilidade de vivenciá-los sempre com um novo olhar.
Pentecostes só faz sentido porque teve a Páscoa. É como o coroamento da passagem de Cristo na Terra. E essa situação, na verdade, implica em compreender que a humanidade antiga – ou a humanidade de antes do feito do Cristo – tinha de se elevar em contemplação para chegar até a esfera solar e ver de onde vinha esse agraciamento ou essa luminosidade do sol; então, o olhar não podia estar parado para onde nossos pés estão, tinha de se elevar ao máximo para poder chegar às alturas solares, não ver só o disco físico do sol, mas para poder ver o que estava por trás do sol. E os antigos conseguiam ver o que havia por trás do sol quando passavam pelas chamadas escolas de mistérios. Eles conseguiam perceber, por trás do disco físico, o reino ou a morada dos deuses. Tudo isso se modificou porque o grande ser solar deixou a sua morada, o seu reino, e veio morar na Terra. E na Terra ele foi o único que passou por tudo o que um ser humano passa. E onde começa e onde termina a vida humana terrestre? No nascimento e na morte.
Mas se a vida de Cristo na Terra fosse somente nascimento e morte, não haveria Páscoa, nem Ascensão, nem Pentecostes. Porque teve a Ressurreição, pôde ter Ascensão e Pentecostes.E é interessante que para nós, por mais que já saibamos, ou que nos preparemos, quando morre uma pessoa o que vivenciamos? Dor da perda. Por que será? O que falta que ficamos tanto na dor?
Confiança no futuro, a confiança tão difícil de ser vivenciada, até parece que acabou!
Então, o futuro fica muito mais vinculado à insegurança do que à confiança. Lembra que acabamos de localizar isso? Que quando olhamos para o futuro há um misto de insegurança e esperança?
É muito interessante que sob vários pontos de vista podemos olhar para esse passado, presente e futuro. Do ponto de vista daquilo que fundamenta a Pedagogia que nós praticamos na escola e que vocês praticam com seus filhos em casa, existem três exercícios que são exigidos do ser humano como indivíduo para que ele possa ativamente se apropriar do transcurso do tempo. Esses três exercícios estão completamente visíveis naquilo que é chamado pelo fundador da nossa Pedagogia, Rudolf Steiner, de versos da Pedra Fundamental.
Esses versos, na verdade, formaram uma Pedra Fundamental para a segunda sede do Goetheannum, que Rudolf Steiner colocou no coração de cada ser humano que se vincule a esse impulso. Então, são palavras. E em todos os confins do mundo, onde houver alguém que cultive a relação com essas palavras, ali há uma sede, um lar para a Antroposofia.
É bem interessante que esses três exercícios são um apelo ao indivíduo; e o primeiro apelo é “exercita o recordar do espírito”. Cada vez que recordamos estamos dirigindo o olhar ao passado. E ao dirigir o olhar ao passado nós passamos pelo dia de hoje, de ontem, a semana passada, o mês passado, o ano passado e aonde chegamos quando vamos até as últimas conseqüências olhando para o passado?
Chegamos ao nascimento, no mínimo!(escreve na lousa: “Nascimento”) Temos consciência do nascimento? Não. Mas se tivemos uma boa educação na primeira infância, temos gratidão por quem nos cuidou quando nascemos. Além dos pais, temos gratidão pela madrinha, pelos irmãos mais velhos.
Então, no nascimento, podemos dizer que estamos no tempo do Natal (escreve na lousa, Nascimento – Natal). E, na verdade, aqui é a expectativa por tudo o que há de vir. Todos nós que já tivemos filhos passamos pelo menos por nove meses por essa expectativa do que há de vir. E essa expectativa está completamente vinculada à nossa origem. Por quê? Porque se mergulhamos no fenômeno do nascimento, mergulhamos na pergunta “de onde viemos?”. Ou simplesmente nascemos porque teve um pai e uma mãe? Quando ampliamos essa visão de onde nós viemos, chegamos à nossa origem divina. E na origem divina sempre tem esse princípio criador, esse princípio que criou todas as criaturas e também o ser humano, e que nos protege para que essa vida se edifique; estamos completamente na esfera natalina. Para que uma vida se edifique precisa ser nutrida; nutrida não só pelo alimento que entra pela boca, mas pela palavra que ouve, pelo carinho que recebe, pelo ambiente ao redor, pelos seres humanos e comunidades que cuidam dessa criança.
Nós chegamos a esse princípio divino ou origem divina porque recordamos.(Escreve na lousa: Nascimento – Natal –Recordar).
Então, recordar é uma atividade do ser humano que está completamente vinculada ao que podemos chamar de nossa essência mais íntima e mais única: o EU humano. Sabemos disso claramente porque se um acidente ou doença faz com que percamos a memória, qual a consequência? Perda da identidade.
Pela memória eu vou me vinculando aos lacres que eu deixei na minha trajetória, os lacres são as marcas da individualidade, isso é a biografia humana, e é tão maravilhoso estudar biografias! No nosso caso, hoje, estamos tratando da biografia de um ser divino que se tornou humano. E é muito interessante que os grandes mitos e alguns seres humanos que temos notícia, como por exemplo o Rei Davi no relato do Antigo Testamento ou o Gautama Buda, têm relacionados ao nascimento fenômenos muito semelhantes aos da vida de Jesus de Nazaré. Quais são esses fenômenos?
Alguém anunciou: pode ter sido um elefante ou um anjo, mas alguém anunciou. Isso foi recebido com certo assombro, mas depois foi acolhido. Depois foi reconhecido como alguém diferenciado porque fenômenos extraordinários aconteceram nos seu nascimento: ou no céu, em que havia uma estrela que mostrava alguma coisa; ou anjos cantavam de outra maneira; e passou por tentações. E por fim passou pela Iluminação. O Buda passou por isso, o Jesus de Nazaré passou por isso ; com o Cristo não parou aí, e todos os outros pararam. Começam desde a Anunciação até a Iluminação, que é a trajetória comum aos grandes guias da humanidade. Apenas Cristo passou pela morte e ressurreição, celebrada na Páscoa (escreve na lousa: Morte – Páscoa). Mas a trajetória ainda não pára aí.
Pelo fato de nós, como humanidade, termos na vida terrestre o sentimento muito vinculado ao nosso egoísmo de ter a pessoa perto, perceptível sensorialmente acabamos nos ressentindo com a morte, a humanidade se ressente, por isso muitas vezes paramos na Sexta feira Santa e ficamos diante da crucificação. Mas o mais importante da Páscoa é que a morte foi vencida. A humanidade não ficou submetida à morte, como queriam os seres adversários da evolução humana, mas a humanidade ganhou a possibilidade de se desvincular das forças da morte por meio da manhã de Páscoa. E olha que interessante: O Natal é uma festa da noite e a Páscoa é uma festa do amanhecer. Como é que nós nos sentimos à meia-noite e como nos sentimos ao amanhecer?
À meia-noite, depois de um dia de trabalho, estamos exaustos e é preciso que ganhemos um presente muito especial do céu, que possamos olhar as estrelas e ver que há estrelas tão diferenciadas no céu!
Mas ao amanhecer, se dormimos muito bem, vem o sol – para as crianças é uma alegria para os pais nem sempre, pois às vezes continuam exaustos e as crianças já querem se levantar. Mas se eu dormi suficientemente bem, eu desperto com disposição, com leveza. É essa leveza que Cristo devolveu à humanidade quando, na Páscoa, deixou que a morte fosse prenúncio de nova vida, quando proporcionou que a morte trouxesse a possibilidade de uma nova vida.
Se olharmos de novo para a nossa biografia, quanto mais deixamos a esfera da origem divina, portanto quanto mais deixamos a infância e chegamos à maturidade, adquirimos outra qualidade que é a qualidade reflexiva (Escreve na lousa: Morte – Páscoa – Reflexão). Somos capazes de refletir e quando essa reflexão nos leva a perceber momentos cruciais da nossa própria vida, percebemos que somos capazes de morrer e renascer muitas vezes em uma mesma vida. Vocês concordam? Isso faz parte da vida humana.
Existiu um grande místico da Idade Média, Angelus Silesus, com quem eu tenho a maior relação, embora tenha lido pouca coisa porque não há quase nada dele traduzido. Ele tem frases muito intensas e uma delas diz assim: “quando não morremos em vida, pereceremos quando morrer”. Isso é a possibilidade de uma vida; a confiança de uma vida depois da morte só existe porque exercitamos morrer e renascer. Como exercitamos isso diariamente? Tem de ficar bem amigo, íntimo de Gandhi, de Madre Teresa de Calcutá. Aliás, acerca disso – de se sentir totalmente desapegada –, eu me sinto um pouco incompetente. É super importante o desapego, mas estamos engatinhando. Há muita estrada para andar e ainda estamos engatinhando. Mas há uma coisa que praticamos diariamente. Dormir é o que fazemos de mais concreto. O que acontece quando dormimos? Nós morremos! E o que acontece quando morremos? Morre a consciência dos nossos atos. Mas no dia seguinte sabemos: parei o livro nessa página, deixei o jornal no meio do caminho, não passei a roupa que eu queria vestir. Então, eu sou capaz de interromper a consciência e me vincular com ela novamente quando eu acordo. Por que eu sou capaz de fazer isso? O que acontece quando dormimos?
Um lado nosso se despede dos corpos, e é o lado que nos dá consciência; por isso conseguimos nos vitalizar e acordamos leves no dia seguinte. Esse lado da consciência vai para outras regiões; talvez volte lá para o lugar de onde ele veio, lá na tal origem divina, então, de noite é como se batêssemos “pics” nesse lugar de onde viemos, e se fazemos uma sesta e o “pics” é rápido, assim mesmo ele atua. Então, quando é possível fazer uma sesta, ao acordarmos, como é bom!
É a nossa vida consciente o que nos desgasta, porque estou prestando atenção a tudo o que me proponho, a tudo o que é exigido de mim profissionalmente, o que me é exigido porque tenho três filhos, um atrás do outro, porque a professora mandou fazer assim e eu não dou conta, enfim, eu faço um esforço de consciência durante o dia. Mas esse esforço, na maioria das vezes, nos vincula a situações concretas. Concordam?
Nós podemos fazer um ato consciente, que nos revitalize, nos traga leveza, sem ser o sono. E até parece parente do sono, porque quando a gente tenta das primeiras vezes dá uma vontade de dormir! E o que é?
É conseguir pensar em coisas que não são as concretas, que eu não percebo sensorialmente. Eu vou fazer uma analogia que já me ajudou muito a reconhecer isso. É a seguinte: nós ouvimos falar tanto que o feito do Cristo – a sua crucificação, o sangue que foi derramado –, se passou num morro chamado Gólgota, e por isso é chamado o Mistério do Gólgota. Sabem o que quer dizer gólgota? É a caveira, a caveira que é o crânio. Então, na hora que eu penso além do crânio, eu penso aquilo que não me chega por meio dos órgãos do sentido, portanto não vem da origem concreta, vem de uma origem não concreta. Quando eu pratico isso, eu pratico ressurreição. Bem mais fácil do que o desapego, por enquanto.
Vocês estão todos me acompanhando? De vez em quando eu volto para algo concreto para não deixar vocês adormecerem, é de propósito, isso é cacoete de professor. Mas se eu pegasse só a linhagem do que eu quero dizer eu não traria nada de concreto. Estou tratando de pensamentos que dizem respeito a uma realidade que não é essa que pisamos, cheiramos, ou degustamos e nem o que seguramos com as mãos. Estou falando de uma realidade que não é a concreta. Quando eu falei para onde eu volto o olhar, lá no começo, não se trata desse olhar que eu preciso colocar óculos senão vejo vocês todos embaçados, mas sim, é para onde eu dirijo os meus pensamentos, a minha consciência, para onde eu foco aquilo que eu quero refletir.
E muitas vezes eu não foco nas realidades concretas quando eu quero refletir, e aqui é o começo da vida meditativa. Capacidade de reflexão é sinônimo de maturidade na vida. Por quê? O que a reflexão nos traz? Silêncio! E aí eu posso ter acesso a uma percepção de mim mesmo. Enquanto não tenho percepção de mim mesmo eu estou esperando que o mundo de fora me diga o que eu preciso fazer na vida. Na hora em que eu começo a perceber o que me falta para ser um bom profissional, o que me falta para não adoecer toda hora, o que me falta para ser menos gordinha e ficar mais elegante, o que me falta? Aí eu começo a ser autônoma, ter a rédeas da própria vida. Isso é maturidade. Então, maturidade é uma festa de Páscoa. Por isso, com as crianças, o Natal é uma festa que comemoramos muito mais espontaneamente do que a Páscoa. Natal tem o gesto da criança, no Natal o céu chegou à Terra. Esse é o gesto da criança, ela é essa notícia que chega do céu.
E na Páscoa, já se exige essa capacidade de reflexão para perceber :“morri e renasci”. A criança ainda não exercita isso, mas compreende pela linguagem da natureza e é por isso que só falamos de Páscoa para crianças com imagens: é a lagarta que faz seu casulo e torna-se borboleta; é o grão que é plantado e vai para a escuridão da terra, morre como grão e nasce como uma nova planta; é o pão, alimento sagrado, em que o grão também morre para virar farinha; todas essas são imagens que mostram para a criança que existe morte e renascimento. Talvez a transformação da lagarta, primeiramente em casulo e depois em borboleta seja a mais arquetípica de todas e por isso ela é tão usada. Vocês já devem ter ouvido isso dos professores dos filhos ou pelo menos dos próprios filhos, com versinhos, canções e histórias.
Aqui (mostra na lousa: Morte – Páscoa/Ressurreição- Reflexão)eu não estou no âmbito da origem divina, aqui estou no âmbito da vida terrena, ou no âmbito do espiritual na Terra. E isso é o grande feito do Cristo, a questão crística começa verdadeiramente aqui (na lousa: Ressurreição) e aquilo que ele proporcionou para a humanidade como um todo, independentemente da humanidade conhecer seu nome, sua doutrina e seus feitos na Terra. Foi a possibilidade de manter o nosso corpo com vida e com saúde para fazermos o processo de consciência. Porque o processo de consciência só e possível porque existe esse corpo que oferece resistência. Isso Cristo fez para todos os homens, e a humanidade inteira, não importa onde viveu ou viva, foi beneficiada com isso. Mas agora nós vivemos em um tempo em que é preciso um novo conhecimento, uma nova consciência da questão crística para poder fazer disso o caminho que eu decido trilhar por conta própria. E daí nós vamos da Ressurreição até a Ascensão e Pentecostes. (Escreve na lousa: Ascensão/Pentecostes)
Se viemos da origem divina, passando pelo Cristo, aonde é que nós estamos chegando? Ao princípio do três, que faz parte de muitas origens, que há em muitas mitologias, muitas doutrinas religiosas. Tem um Pai, um Filho e um Espírito Santo. E é uma maravilha como a nossa cultura popular entende o que é o Espírito Santo. Eles falam bem tranquilamente assim: “Santo é o são”. Santo é o saudável. Ele está são, ele está saudável. O que é quando o espírito se torna são? Quando o ser humano é saudável? Quando está com o equilíbrio do corpo, da saúde; quando ele é consciente; quando ele ficar puro, quando conseguir se desapegar completamente. Isso nos remete a quê? Àquilo que já somos agora? Não. Nos remete ao futuro.
Podemos dizer que o espírito será são quando for inteiro, quando for pleno. Se ele é pleno, ele dá conta de ser saudável no corpo, dá conta de desapegar, de se manter consciente, não vai dormir no monte Getsêmani, como Cristo exigiu dos discípulos e eles dormiram. Então, aqui (mostra na lousa – Nascimento, Pai)nós poderíamos dizer que nós estamos no passado; aqui (mostra na lousa, Ressurreição – Filho) estamos no presente – e presente nos dois sentidos, tanto o presente que o Cristo nos deu, que é a possibilidade de nos mantermos vivos e saudáveis, mas também a possibilidade do Eu estar presente nesse momento –; e aqui ( na lousa, Ascensão/Pentecostes – Espírito Santo) é o futuro.
Esse espírito são ou Espírito Santo é muito festejado no Brasil. E a origem dessa festa é muito especial, porque vem sempre com a bandeira da pomba. Quem conhece a pomba? Ela acompanha o Cristo desde o batismo. Ela apareceu, o céu se abriu, e uma pomba desceu sobre a cabeça e ouviu-se a voz do Pai que dizia: “este é o meu Filho muito amado, hoje eu o gerei”. É a pomba que traz essa notícia. Mais corriqueiramente, a pomba é uma mensageira. E uma coisa bem interessante que eu fiquei sabendo recentemente – apesar de ter nascido numa fazenda, nunca ninguém me falou disso e eu nunca havia observado: a pomba, apesar de ser uma ave, ela digere tanto os grãos que ela come – vai pro papo e volta pra boca – que os transforma em leite;e é leite o que ela pinga no bico do filhote! O que é isso, gente? A vaca tem uma “cozinhona” para gerar leite . Mas a pomba não tem essa “cozinha” tão grande. Que capacidade de transformação incrível, não é? E uma transformação que ocorre justamente na região onde vive o canto do pássaro e a fala do ser humano, pois vai do papo para o bico e do bico para o papo, não vai até o aparelho digestivo como é o caso da vaca.
Desde os tempos remotos a pomba é a mensageira. Também o animal que todos podiam sacrificar. Noé soltou a pomba e ela voltou com o raminho verde da oliveira, um sinal de que então era possível que todos os seres descessem da arca. Ela traz mensagens de nova vida, mensagens de algo que pode se abrir para o futuro. Na verdade, no Brasil, além de todas essas pombinhas que vemos –esculpida em madeira, feita em cerâmica e tudo isso – as festas do Divino tem três características que vêm muito fortemente da origem portuguesa: a primeira é a que não pode faltar comida para ninguém; a segunda é que, nesse dia em que se comemora o Divino, os presos são soltos, e a terceira é que uma criança é coroada imperador. Olha que interessante! Se não olharmos só para o concreto, o que veremos por trás dessas três características?
O futuro. Porque o alimento para o espírito, para ele ser são, não é só o que pomos na boca, mas tudo o que nos alimenta interiormente, para nos deixar cada vez mais plenos e isso não pode faltar para ninguém. E quando nos aprisionamos? Quando estamos atrás das celas? Há depoimentos maravilhosos de grandes seres humanos que foram aprisionados e dentro das celas eles tiveram as vivências mais grandiosas. Então, o que nos aprisiona? As nossas necessidades, nossos julgamentos, as amarras que nós mesmos nos colocamos. Isso, no tempo do espírito são não vai existir mais, todos os presos serão libertados.
E “coroar a criança como imperador” – para mim, que sou educadora, isso é o máximo! –, por quê? O que está por trás disso? Está que, no futuro, “deixai vir a mim as criancinhas porque delas é o reino dos céus”. O que é a criança em nós? Por que a criança ameaça tanto a humanidade, por que a humanidade quer pôr a criança completamente minimizada? O que a criança é capaz de ser e nós não somos mais capazes de ser? Pura, plena, espontânea, criativa, tudo o que nos deixa são! Então, é a criança que nos indica o futuro. Ela é mesmo uma fé no futuro. A festa do futuro diz respeito a esse indivíduo que é capaz de se alimentar, capaz de não se fazer amarras e capaz de trazer todas essas qualidades plenamente humanas como a criança tem. E aí podemos voltar a Schiller que diz: “a criança só brinca quando é ser humano plenamente; o ser humano só é pleno quando brinca.”
Essa situação mostra que se o indivíduo não trabalhar em si próprio – não exatamente do ponto de vista concreto –, se não trabalhar naquilo que é o “olhar por trás”, ele não pode ouvir a voz do Cristo.
Agora, voltarei ao relato bíblico. Então, Cristo ressuscitou, e o anjo aparece e diz à Maria Madalena: “Vá adiante e diga que eu os encontrarei na Galiléia”. Lembremos que na paisagem natural dessa região há uma dualidade muito impactante. Eu nunca fui lá, mas eu já olhei muitas figuras e obras de arte. A Galiléia é onde tudo viceja e a Judéia é onde tudo é morto, então: “vá onde tudo viceja, que lá eu estarei com eles”. E ele passa quarenta dias com eles até a Ascensão, e eles passam a ter compreensão de muito mais coisas do que tiveram antes, nos três anos anteriores, e essa compreensão durou quarenta dias. Quarenta é uma data importante de se guardar. Quarenta é um número importante e se repete muitas vezes, é o número que indica transformação. Para um indivíduo, 40 dias. Para um povo, são anos – por isso o povo hebreu passou 40 anos no deserto – para haver uma real transformação. Por isso se falava de quarentena para a mulher depois que tinha bebê. Será que conseguimos fazer quarentena quando tivemos nossos filhos?
Quarenta dias eles estiveram juntos, os discípulos ganharam a confiança de que poderiam cumprir porque ele estava ao lado. Mas ele desaparece nas nuvens! O que nos aconteceria se uma pessoa tão querida, que está nos ensinando tanto, desaparecesse nas nuvens? Como nos sentiríamos? Abandonados! E aí surge uma tristeza imensa. Uma tristeza que não conseguimos nem medir, porque nunca estivemos tão próximos de alguém que pudesse nos dar indicações tão precisas e tão preciosas. E eles realmente ficaram desolados e se isolaram em oração por 10 dias – da Ascensão até Pentecostes. (Como sabemos, 40 dias depois da Páscoa temos a Ascensão, e 50 dias depois, Pentecostes.)
Em oração estavam de novo os 12, Mathias era o 12º, pois Judas já havia morrido. Os 12 apóstolos e uma pessoa que era a 13ª. E tudo o que direi daqui para frente está em Atos dos Apóstolos e não nos evangelhos: com a morte de Judas, eles ficaram em busca de alguém para ser o 12º. Por quê? Porque o número 12 forma uma coesão grupal que é semelhante à coesão que há no mundo das estrelas fixas. E esse 12 – e muitos grupos importantes foram 12, como os 12 cavaleiros do rei Artur, as 12 tarefas de Hércules – forma a expressão do mais alto do céu na Terra. Só que aí tem o 13º, o Cristo foi o 13º, em vida, junto com os 12 apóstolos; Arthur foi o 13º na Távola Redonda, e quem foi a 13º pessoa em Pentecostes? A Virgem Maria, vejam que coisa maravilhosa!
Desde o Natal ela acompanhou todo o processo, mas em Pentecostes ela é a 13ª. Ela não só fez parte como ela é retratada por esses grandes pintores como a figura central, que está ereta e recebendo esse fogo do espírito com toda a intensidade (*).
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Por qual caminho ela passou para vir desde a Anunciação até aqui! O caminho dela começa antes do Natal, e antes do Natal ela é anunciada. E, por que é anunciada, essa percepção lhe causa um assombro e um temor, porque é algo maior do que ela pode vislumbrar e acolher, e ela faz todo um esforço para acolher. Isso foi um pouco antes do Natal. Podemos chamar isso de percepção. Essa percepção causou sentimentos e os dois sentimentos para os quais eu consigo achar palavras mais próximas são os de assombro, por algo completamente inusitado; e temor, que veio junto com “não sou digna de tudo isso, não consigo abarcar tudo isso”, mas é sempre no âmbito da percepção.
E daí, entre episódios ocorridos depois do nascimento, teve um do qual ela se admirou muitíssimo, em que o seu filho tão simples, tão ingênuo, conseguiu discutir com os doutores da lei e isso foi razão para ela refletir muito. Ela teve de refletir muito. Por quê? O que será que está acontecendo que eu não consegui abarcar com aquela minha primeira percepção? A trajetória da mãe não termina com a Anunciação. Esses episódios que aconteceram – também o relatado no Evangelho de Lucas, durante a circuncisão, em que Simeão, aquele velhinho que estava lá, disse: “a sua alma será perpassada por uma espada” – foram motivos para ela cismar muito até que ela pôde estar ao pé da cruz.
Nos evangelhos, ela desaparece e só aparece ao pé da Cruz. Alí, ela desenvolve o sentimento máximo que um ser humano antes de Cristo pôde desenvolver que é a compaixão, a grande virtude de Buda, assim o budismo conflui para dentro do cristianismo; o Buda chamou os homens à compaixão. Toda a doutrina budista se vincula fortemente à essa vertente da compaixão. E ao pé da cruz Maria vivenciou a compaixão máxima. Para chegar em Pentecostes e ser o quê? Qual a capacidade que ela conquistou estando como essa figura central, tão ereta, tão presente? Ela estava dormindo? Não, estava bem desperta. Ela conquistou a possibilidade de uma consciência que é capaz de direcionar os próprios atos; como podemos chamar essa consciência? Em muitos textos eu achei um termo: “consciência moral”. Temos uma visão de moral como ética imposta de fora, dos códigos que temos de cumprir, mas não é dessa consciência moral que se trata aqui, mas sim, de uma consciência capaz de, com autonomia, dirigir a própria vida. Isso é o que Rudolf Steiner chama de “individualismo ético”, como o indivíduo conquista a possibilidade de, a partir de si, ter uma conduta ética, com consciência lúcida. Mas essa consciência não a isolou do mundo, ao contrário, ela está no centro da comunidade que vai levar a mensagem para o mundo. Essa consciência é a base, é a ferramenta indispensável para uma vida social sadia. E aí podemos dizer aquele aforismo de Rudolf Steiner:
“Salutar só é quando no espelho da alma humana se forma toda a comunidade, e na comunidade vive a força da alma individual.”
Isso é Pentecostes.
Vejam que interessante: no Natal, duas comunidades visitaram a criança divina. Na Páscoa, na manhãzinha, quem conseguiu chegar lá em busca do ressurrecto? As mulheres. Ficaram sabendo, confusas, não sabiam se era ele ou não, parecia a imagem de um anjo, depois um jardineiro, mas tiveram a notícia da Ressurreição. E depois se formou uma comunidade muito ativa e presente entre a Ressurreição e a Ascensão, uma comunidade formada por 12, que é essa expressão da comunidade celeste na comunidade terrestre, com um 13º, o próprio Cristo, impulsionador. Depois ele desaparece e a comunidade fica um pouco assustada e amedrontada. Com Pentecostes essa força é recobrada e aí quem impulsiona como 13º é a própria Maria. A Maria como a imagem da alma que acolheu o Divino em si. Então, toda a trajetória da Maria, e essas são qualidades dessa trajetória, faz com que a nossa alma acolha o Espírito Santo. Eu espero que a Virgem Maria possa nos dar as mãos e nos proteger, cobrindo com o seu manto todas as noites, para acordarmos revigorados no dia seguinte e praticarmos que o Espírito Santo viva em nós e em nossas comunidades.
Pergunta:
Nesse momento de Pentecostes, consciência não tem relação com o ser crístico em nós, o Eu interior?
Luiza:
Se pegarmos pelo caminho de Paulo, diremos “Não Eu, mas o Cristo em mim”. É isso mesmo, exatamente. É que há tantos pontos de vista para se falar de Pentecostes que eu elegi um. Mas, certamente, – e considerando a trajetória entre o ressurrecto e Pentecostes –Paulo, que não fazia parte do grupo de discípulos e que não pôde presenciar nada concreto, mas que vivenciou no não- concreto, foi o primeiro que pôde dizer “Não eu, mas o Cristo em mim”.
E essa é uma vivência que cada vez mais a humanidade poderá ter: a mesma que Paulo teve às portas de Damasco. E há relatos muito bonitos de seres humanos que vivenciaram isso durante as guerras. Relatos muito especiais; e esses relatos, junto com o de Paulo, lógico – pois o dele é o primeiro e precursor nessa direção –, nos remete ao fato de que essa vivência não pode ser concreta. Por quê? Porque se ela fosse concreta não nos deixaria livres. Porque ficaria comprovado concretamente “tem de ser por aqui”. Como não está comprovado, cada um pode ou não almejar querer ir por aí. Essa é uma vivência da liberdade.
Aqui (na lousa) eu escrevi Recordar, Refletir, mas não escrevi nada aqui ao lado. E a palavra chave, eu até vou escrever com letra maiúscula, é: Contemplar, no sentido de olhar o futuro. Quando comecei eu pedi para vocês olharem e era para começarmos a perceber de que olhar se trata quando eu me coloco metas, me coloco alvos. E quanto mais nos colocamos nossas próprias metas, mais autônomos nós somos, porque senão dependemos das metas que o mundo de fora nos coloca. E essa é a autonomia necessária para o espírito estar são dentro de nós.
Então, esse Contemplar, esse olhar para o futuro pode ser colocado aqui como: metas, alvos, objetivos (escreve na lousa). Coisas bem da nossa vida concreta. Mas se eu me coloco essas metas a partir de mim mesma, eu sou dona da minha trajetória. Se eu deixo que os outros me coloquem, eu perco a possibilidade de autonomia. Na Pedra Fundamental a qual eu me referi no começo, Rudolf Steiner diz assim: “exercita o Contemplar ou olhar do espírito na quietude dos pensamentos onde as metas eternas dos deuses, luz, essência cósmica, ao próprio Eu humano, para o livre querer doam.”
Se eu reconheço as metas dos deuses e as escolho com autonomia, eu ganhei a possibilidade da liberdade. Mas só se eu escolhi com autonomia, se não fui coagida.
Comentário
É interessante que recordar é contar com o coração. Eu não sei o refletir, mas contemplar é ir para o templo, ir para esse espaço sagrado.
Luiza:
Todas essas palavras – Recordar, Refletir, Contemplar – dizem respeito ao coração. Só que uma– Recordar –é o coração que vai lá para o passado e busca; em Refletir, é um coração que eu mergulho dentro, esse “refletir” não é o refletir de um espelho para fora, mas como se eu me olhasse a partir de dentro. E o Contemplar faz com que eu saia de dentro, em direção ao que eu quero almejar para o futuro.
Então, esses três exercícios nos remetem ao Passado, Presente e Futuro. Se pensarmos na trajetória de vida, podemos diferenciar. Eu faço aquilo que devo, mas eu também tenho tarefas, e eu também tenho minha própria missão de vida. Parecem sinônimos essas palavras –deveres, tarefas, missão de vida – , mas vocês percebem uma sutil intensificação aí, não?
O que eu faço por dever, eu sou coagido por algo que eu mesmo me impus no passado ou alguém me impôs; as minhas próprias tarefas é aquilo que eu faço nesse momento, aquilo que a vida está me pedindo agora. Mas a minha missão diz respeito ao que eu mais almejo, mais quero realizar. É sutil a diferença. Então, junto com Passado, Presente e Futuro podemos colocar: dever, tarefas e missão.
Passado – Dever
Presente – Tarefa
Futuro – Missão
Na verdade, temos a chance, a cada ano, passando por essas três festas, de ser agraciado com o impulso para diferenciar, na nossa própria vida, quais as coisas que eu faço por dever – porque eu assumi e vou fazer porque tenho responsabilidade; as tarefas – que são as realizações do momento atual, mas que daqui a pouco eu posso transformar; e o que é a missão de vida. Tatear qual é a minha própria missão exige uma enorme capacidade de tomar decisões por si mesmo. E aí temos nas perguntas que nos colocamos uma grande ferramenta, como abordei inicialmente: não julgue imediatamente, mas se pergunte: “O que vem a ser isto?” (Ato dos Apóstolos2:12)
Natal – Pai – Nascimento – Recordar – Passado – Dever
Páscoa – Filho – Morte e Ressurreição – Refletir – Presente – Tarefas
Ascensão/Pentecostes – Espírito Santo – Vida – Contemplar – Futuro – Missão de Vida
Luiza Lameirão
Palestra proferida pela professora Luiza Lameirão no dia 10 de maio de 2010, para pais e professores do Colégio Waldorf Micael
OS SETE DONS DO ESPÍRITO
Ao nos aproximarmos da época de Pentecostes, podemos mais uma vez, olharmos para o acontecimento passado de Pentecostes, assim como nos está descrito no Ato dos Apóstolos, no 2º capítulo, versos 1 a 13. Esse acontecimento, não é algo que ocorre num instante da vida dos apóstolos, caindo dos Céus. Já antes desse acontecimento a cena da escolha de um novo apóstolo para o lugar de Judas, sendo nos descritos a qualidade que deveria ter aquilo que ocuparia o seu lugar:
“É necessário, pois, que, dentre estes homens que nos acompanharam todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu em nosso meio, a começar do batismo de João até o dia em que dentre nós foi arrebatado, um destes se torne conosco testemunha da sua ressurreição.” (Atos, 1, 21-22)
Com isso nos são indicados dois motivos necessários, que precedem e preparam o acontecimento de Pentecostes:
1. A necessidade de uma Comunidade unida, como órgão, como morada e acolhida dos dons do Espírito Santo;
2. Que essa Comunidade seja formada por homens que são testemunhas vivas; trazem em si, vivos, os acontecimentos da vida de Cristo, do batismo do Jordão até a Ascensão; isto é, fizeram um caminho anterior, se preparando para acolherem o espírito Santo.
Já que vimos essa necessidade do Caminho interior, e a necessidade de que esses homens formem uma comunidade, que será a casa do espírito santo na Terra, podemos agora olhar as estações desse caminho, com os dons do Espírito Santo que são a resposta ao amadurecimento da alma humana no caminho do exercício religioso:
1. Estação: O discípulo se esforça para aprender o máximo possível dos acontecimentos de sua vida (destino).
Dom: Espírito da Sabedoria nas experiências da vida.
2. Estação: Das amplas experiências que são trabalhadas na alma e se transformam em Sabedoria de vida, surge à visão clara.
Dom: Espírito da Capacidade de Juízo.
3. Estação: Depois da Capacidade de Juízo, se coloca o discípulo dentro da vida atual, com suas necessidades e decisões.
Dom: Espírito da Capacidade de Decisão
4. Estação: As Decisões do discípulo precisam ser consumadas na Terra, no Espaço e no Tempo.
Dom: Espírito da Capacidade de Consumação das Decisões.
5. Estação: Vivendo dessa forma acorda o discípulo para a atuação do Espírito no Mundo.
Dom: Espírito do Conhecimento.
6. Estação: O discípulo aprende a amar e venerar o Espírito.
Dom: Espírito de Devoção.
7. Estação: Aqui alcança o discípulo sua relação mais profunda com o Espírito de sua atuação no mundo. A Vontade Humana e a Vontade de Deus se harmonizam.
Dom: Espírito do Temor a Deus. (Espírito da santa timidez a Deus).
Assim podemos ter uma visão clara do que nós na atualidade queremos, quando festejamos Pentecostes, todos os anos, em nossa Comunidade Religiosa. Percorremos um caminho longo e ao mesmo tempo difícil e que fazemos individualmente e comunitariamente, acompanhando e nos tornando a cada ano um pouco mais Testemunhas Vivas do Cristo, do Batismo no Jordão até a Ascensão, e mais ainda da sua atualidade, através de nosso caminhar com o Ato de Consagração do Homem.
Assim procuramos criar com nossa atividade religiosa, os primeiros alicerces daquela que poderá ser no futuro a morada do Espírito Santo, que doa aos homens os dons que lhes correspondem ao grau de maturidade da alma em sua caminhada pela Terra.
Com as melhores saudações pela época de Pentecostes, também em nome de meus colegas.
Pastor Marcos Piedade
PENTECOSTES – A VERDADE DOS GNOMOS, ONDINAS, SILFOS E SALAMANDRAS
Em diversas ocasiões já foi dada a ênfase, que aquele desenvolvimento espiritual que é almejado pelo movimento cientifico-espiritual, tem que cevar o homem a um relacionamento vivo com todo o mundo ambiente. Muitas coisas do mundo ambiente que ainda preenchiam nossos antepassados com devoção, se tornaram mortas e sóbrias para o homem. Por ex. um grande número de pessoas se confronta com as festas anuais de forma fria e estranha. Principalmente as pessoas citadinas têm apenas uma vaga lembrança do significado das festas de natal, páscoa ou pentecostes.
Aquele grande preenchimento de sentimentos que unia nossos antepassados às épocas das festas, que tinham, por saberem do relacionamento entre os grandes fatos do mundo espiritual, a humanidade de hoje não tem mais. De forma fria e sombria, os homens de hoje se situam perante a festa natalina, a festa pascoal, e principalmente perante a festa pentecostal. O fluir do espírito vindo de cima se tornou um acontecimento abstrato para a humanidade de hoje. Mas isto só vai se modificar, vai se tornar vida e verdade, quando os homens chegarem a um reconhecimento verdadeiro espiritual do Mundo todo.
Hoje em dia fala-se muito em forças da natureza, mas fala-se muito pouco sobre seres que se situam por detrás das forças da natureza. Quando se fala de seres da natureza, o homem atual fala de um requentamento de uma superstição antiga. Aquelas palavras que nossos antepassados usavam baseando-se sobre uma realidade quando alguém afirma que gnomos, ondinas, silfos e salamandras têm um significado real, – são todas como superstição. As teorias representações que as pessoas têm, são até certo grau, sem importância. Mas quando estas pessoas são induzidas por estas teorias a não ver certas coisas, e aplicam estas teorias na vida prática, então a coisa começa a assumir sua importância plena.
Vamos pegar um exemplo grotesco. Quem é que acredita em seres que têm existência ligada ao ar ou são incorporados na água? Se por exemplo alguém diz: ”Nossos antepassados acreditavam em certos seres, em gnomos, ondinas, silfos e salamandras, mas tudo isto são coisas fantasiosas.” Gostaria de responder: “Pergunte às abelhas.” E se estas teriam condições de falar, responderiam: “Para nós os silfos não são superstição, porque sabemos muito bem o que devemos aos silfos!” e aquele cujo olhar espiritual está aberto, pode seguir a força que leva a abelha até a flor. Instinto, impulso natural, são palavras vazias que os homens usam como resposta. São seres, que levam as abelhas ao cálice da flor para que possam procurar lá seu alimento. Em toda a colméia que sai a procura de alimento, estão ativos seres que eram denominados por nossos antepassados de silfos.
Em todo lugar onde diferentes reinos da natureza se tocam, é oferecida uma situação onde certos seres se podem revelar. Por exemplo, na profundeza da terra onde a pedra se toca com os veios de metal, estão assentados estes seres. Onde o animal e o vegetal se tocam, na corola das flores, no tocar da abelha com a flor, se incorporam certos seres, e o mesmo se dá onde o homem se toca com o reino animal. Isto não acontece num tocar comum, quando por exemplo o matador mata o gado ou quando o homem come a carne do animal, não é no decorrer normal da vida que esta situação é criada.
E no acontecimento fora do normal (superficial?) como na abelha e a flor que se tocam os reinos dentro de um excesso de vida, que estes seres se incorporam. Em especial lá onde o sentimento do homem, seu intelecto, se engajam de forma especial no convívio com os animais, como por exemplo no relacionamento do pastor com suas ovelhas, num relacionamento através do sentir é que tais seres se incorporam.
Tais relacionamentos mais íntimos entre o homem e o animal, vamos encontrar com mais freqüência quando retrocedemos aos velhos tempos. Nas épocas das culturas primitivas encontramos com mais freqüência um tal relacionamento como o árabe tem com seu cavalo, não como o dono de um haras o tem com seus cavalos. Aqui encontramos as formas de índole que fluem de reino para reino, assim como o é o pastor e suas ovelhas. Ou onde são desenvolvidas forças de olfato e paladar que interagem como na abelha e a flor, é criada a possibilidade para que seres específicos se possam incorporar. Quando a abelha suga na flor, o clarividente observa como se forma uma pequena aura em torno da flor. Isto é o efeito do paladar, pois a picada da abelha no cálice da flor se tornou uma certa forma de paladar, – a abelha sente o gosto – e irradia em torno da flor algo como uma ura que é o alimento para seres da categoria dos silfos. Da mesma forma, o elemento do sentimento que surge entre pastor e ovelhas, é alimento para salamandras.
Esta pergunta, por exemplo, não é válida para aqueles que compreendem o mundo espiritual. Porque é que os seres se apresentam só aqui e não em outro lugar? Não devemos perguntar pela origem, pois esta reside no cosmos, mas quando se apresenta uma situação que lhes sirva de alimento, então estes seres se mostram presentes. Os maus pensamentos que são exalados por homens, por exemplo, atraem seres maus para dentro da aura do homem, onde encontramos seu alimento. Desta forma, certos seres se incorporam em sua aura.
Em todo lugar onde dois reinos se tocam é dada a oportunidade para que certos seres se incorporem. Onde o metal se amalga à pedra, no interior da terra, o vidente vê vários lugares, onde o mineiro corta o reino da terra, seres acocorados e exprimidos num monte, dentro de um espaço muito apertado. Quando a terra é retirada, eles se dispersam, chispam para fora, desfazendo o monte. São seres estranhos que têm por exemplo certa aparência com o homem. Eles não têm um corpo físico, mas têm um intelecto. Só que a diferença entre estes seres e o homem está no fato deles terem um intelecto sem senso de responsabilidade. Por isto eles também não têm o sentimento de estarem errados ao pregarem uma peça ao homem.
Estes seres chamam-se gnomos, e um grande número deles, de diferentes espécies, se hospedam na terra, estando em casa lá onde a pedra toca o metal. Nas minas antigas eles foram muito servis dos homens, não nas minas de carvão, mas nas minas de minérios. A mineira que na antiguidade as minas eram construídas, o conhecimento de como se situam as camadas, eram adquiridos por intermédio destes seres. Estes seres conheciam os melhores veios, sabiam de como se situavam as diversas camadas no interior da terra e portanto podiam das as melhores indicações para a forma de trabalhar. Se não quisermos trabalhar em conjunto com estes seres espirituais, só nos apoiamos sobre o sensorial, acabaremos entrando num beco sem saída. É necessário que se aprenda destes seres espirituais um método certo para se pesquisar a terra.
Da mesma forma, existe uma incorporação nas minas de água. Onde a pedra toca a fonte, se incorporam seres que estão ligados ao elemento água, as ondinas. Lá onde o animal e a flor se tocam, os silfos estão atuando. Os silfos são ligados ao elemento ar e guiam as abelhas para as flores. E graças às tradições antigas que temos quase todos os conhecimentos sobre a apicultura, e é justamente na apicultura que podemos aprender muito deles. O que existe hoje na ciência sobre abelhas, é permeado por um equívoco total, e é por esse motivo que a velha sabedoria que se manteve através de tradições é deturpada. Aqui a ciência se mostra como algo inapta. São de utilidade, os manuseios cujas origens são desconhecidas, porque naquela época o homem era guiado pelas indicações de seres espirituais.
As salamandras são conhecidas também pelo homem atual, pois quando alguém diz: “Alguma coisa flui para mim, eu não sei de onde” então isto é geralmente a atuação das salamandras.
Quando o homem tem um relacionamento íntimo com os animais como o pastor com suas ovelhas, então lhe são sussurrados os conhecimentos por seres que vivem em seu meio ambiente. O conhecimento do pastor sobre seu rebanho e suas ovelhas lhe foi sussurrados pelas salamandras do seu meio ambiente. Estes velhos conhecimentos sumiram hoje em dia e devem ser readquiridos por um conhecimento oculto bem examinado.
Se continuarmos raciocinando nesta linha de pensamentos, então temos que nos dizer: Somos totalmente envolvidos por seres espirituais. Andamos através do ar, e isto não é apenas uma substância química, porém cada brisa de ar, cada corrente de ar é uma revelação de seres espirituais. Somos envoltos e totalmente permeados por estes seres espirituais, e se o homem não quiser vivenciar no futuro um destino triste e ressecante terá que adquirir um conhecimento daquilo que vive em seu redor. Sem este conhecimento ele não poderá mais chegar muito longe. O homem tem que se perguntar de onde se originam estes seres e de onde provêm estes seres.
Esta pergunta nos leva a um conhecimento muito importante e para termos uma opinião a respeito, temos que (nos) esclarecer como se desenrolam certos fatos em mundos superiores, onde por determinadas forças, aquilo que é prejudicial e mal é transformado para o bem por uma direção sábia.
Vamos pegar, por exemplo, restos, esterco que é jogado e aproveitado sabiamente pela economia como base para a germinação posterior. Coisas que aparentemente se desligaram de algo mais evoluído, são abarcadas e transformadas por forças superiores. Isto se mostra claramente nos seres dos quais falamos, e o (re) conhecemos de forma especial quando pesquisamos a origem destes seres.
Como surgem estes seres salamandras? Vamos pesquisá-lo agora. Salamandras são seres que necessitam um determinado relacionamento entre homens e animais, que não têm um Eu assim como os homens. Um Eu destes só existe na Terra, no homem atual. Estes Eus humanos são assim, que cada homem tem um Eu inserido em si. Nos animais é diferente. Os animais têm um Eu grupal, uma alma grupal. O que significa isto? Um grupo de animais da mesma forma, da mesma espécie tem um Eu conjunto. Por exemplo, todos os leões têm um Eu comum, todos os tigres, todos os
Lúcios (peixe-hecht).
Os animais têm o seu Eu no mundo astral. É assim, como se o homem estivesse atrás de uma parede com dez furos e enfiasse seus dez dedos nestes furos. O homem portanto não é visível, mas qualquer pessoa capaz de raciocinar, irá deduzir que ali atrás existe um poder central ao qual pertencem estes dez dedos. É a mesma coisa com o Eu grupal.
Os animais individuais são apenas membros e aquilo ao que pertencem, está no mundo astral. Estes Eus animais não são parecidos ao homem, apesar que podem ser comparados de um ponto de vista espiritual, porque um Eu grupal de um animal é um ser muito, muito sábio. O homem com sua alma individual está muito distante desta sabedoria. É só pensar em certas espécies de aves. Quão grande sabedoria é esta que as faz voar numa determinada altura para uma determinada direção, para fugir do inverno, na primavera elas voltam ao mesmo lugar por outro caminho. Neste vôo das aves reconhecemos as forças sábias do Eu grupal. Podemos encontrá-la em toda a parte no reino animal.
Os homens são bastante mesquinhos sob este aspecto, quando observamos a evolução humana. Lembremo-nos da época escolar, quando aprendemos quão lentamente surgiram na idade média às correntes desta época nova. É certo que a idade média nos pode mostrar coisas significativas, como o descobrimento da América, a descoberta da pólvora, a arte da imprensa e finalmente também o papel (de linho). Certamente foi uma grande evolução em se poder usar este produto no lugar do pergaminho. Mas a alma grupal das vespas já produziu o mesmo a milênios, pois a casa das vespas é feita do mesmo material com que o homem produz o papel; é composto por papel.
O homem só vai descobrir lentamente como certas combinações que ele faz em seu espírito têm relação com aquilo que as almas grupais já trouxeram para dentro do Mundo.
As almas grupais estão em constante movimento. O vidente vê acompanhando a espinha dorsal do animal, um flamejar constante. A medula espinal é como que envolta por um luzir flamejante. Os animais são permeados por correntes que passam por toda a terra em todas as direções, em número infinito e que atuam sobre o animal ao refluir em torno da medula espinal. Estas almas grupais dos animais estão sempre em movimentos circulares em todas as direções e alturas. As almas grupais são muito sábias, mas uma coisa lhes falta, é aquilo que na terra é denominado de amor. O amor só existe no homem unido à sabedoria dentro de sua individualidade.
A alma grupal é sábia, mas o amor só existe no animal individual como amor sexual e amor paternal. No animal individual há o amor, mas a ordem sábia, a sabedoria do Eu grupal ainda é isenta do amor. O homem tem o amor e a sabedoria unidos, enquanto que o animal tem o amor na existência física e a sabedoria no plano astral. Com este reconhecimento vão se tornar claras para o homem muitas coisas.
O homem, porém, chegou muito lentamente ao seu Eu atual. Antigamente o homem também tinha um Eu grupal e só paulatinamente a alma individual se desenvolveu a partir dele. Vamos percorrer uma vez a evolução da humanidade retroativamente até a antiga Atlântida. Antigamente o homem vivia na Atlântida, um continente que agora está encoberto pelo Oceano Atlântico. Naquela época as grandes planícies da Sibéria eram cobertos por grandes mares. O Mar Mediterrâneo era distribuído de forma bem diferente naquela época. Também em nossas regiões européias existiam vastos mares. Quanto mais retrocedermos na época atlântica, tanto mais se modificam a situação do estado de vigília e do estado de sono do homem.
Atualmente, quando o homem dorme, fica sobre a cama o corpo físico com o corpo etérico. O corpo astral e o Eu se desprendem, a consciência escurece, tudo fica escuro e mudo. Na época da Atlântica a diferença ainda não era tão grande. No estado desperto, o homem ainda não via delimitações tão compactas, margens tão definidas cores tão ligadas aos objetos. Quando acordava de manhã ele entrava como numa neblina. Não havia uma nitidez mais clara do que temos hoje, quando vemos através da neblina uma luz com sua aura. Em compensação, sua consciência não se obscurecia tanto no sono e ele via as coisas espirituais.
No desenvolvimento do homem, o mundo físico foi adquirindo sempre mais contornos, mas em compensação o homem foi perdendo sua clarividência. A diferenciação foi se tornando cada vez maior. Lá em cima, no mundo espiritual foi ficando cada vez mais escuro e em baixo no mundo físico cada vez mais claro. Daquela época, em que o homem ainda tinha percepção lá em cima, no mundo astral, é que se originam todos os mitos e sagas. Quando ele chegava lá em cima, ao mundo espiritual, chegava a conhecer Votan, Tor, Baldur e Loki e mais seres que ainda não haviam descido ao plano físico. Eram estas as vivências de antigamente, e todos os mitos são lembranças de verdades vivas.
Todas as mitologias são tais lembranças. Estas verdades simplesmente se perderam para o homem. quando naquela época o homem imergia de manhã em seu corpo físico, tinha o seguinte sentimento: Você é um solitário, um único, – mas quando de noite voltava ao mundo espiritual era assolado pelo pensamento: – Você não é um solitário, você apenas é um membro de um grande todo, você pertence a uma grande comunidade.
Tácito ainda conta, que os povos antigos, os hérules, os queruscos, se sentiam mais como uma tribo do que como homens individuais. É deste sentimento, de que o indivíduo pertence ao grupo tribal, se contava como pertencente à sociedade grupal, que se originam certos hábitos como a vingança mortal. Tudo era um corpo que pertencia a alma grupal da tribo. Na evolução tudo acontece gradativamente. Desta consciência grupal, tribal absoluta, foi se desenvolvendo gradativamente a consciência individual.
Também nos relatos das épocas patriarcais, ainda temos restos da transição da alma grupal para a alma individual. Antes da época de Noé, a memória era bem diferente. Ela atingia os atos feitos pelo pai, pelo avô, pelo bisavô. O limiar do nascimento não era um limite. A memória continuava fluindo no mesmo sangue até gerações longínquas dos antepassados. Hoje as autoridades querem saber o nome do indivíduo. Naquela época em que o homem ainda tinha na memória os feitos de seu pai, seu avô, tudo era unido em um único nome comum. O que naquela época tinha uma correlação pelo mesmo sangue e da mesma memória era denominado como uma unidade. Chamava-se isto de “Adão” ou “Noé”. Nomes como Adão e Noé não significam uma vida entre nascimento e morte de uma pessoa, mas sim uma corrente de memórias que viviam no tempo. Os nomes antigos abrangem toda uma comunidade humana que vive num espaço de tempo.
Como é então, se nós compararmos certos seres como os macacos primatas com o homem? A grande diferença é que o macaco tem uma alma grupal e o homem uma alma individual, ou pelo menos a tendência para a desenvolver. A alma grupal dos macacos se encontra numa situação especial.
Imaginemo-nos a terra (é feito um desenho). Acima, no mundo astral flutuam, como nuvem, as almas grupais dos animais que se espalham por nosso mundo físico. Peguemos o Eu grupal do leão e o Eu grupal do macaco. Cada leão é um membro dentro do qual a alma grupal deixa fluir parte de sua substância. Quando morre um leão, o físico exterior se desprende da alma grupal, como uma unha do ser humano. A alma grupal busca de volta o que tinha deixado fluir para dentro dele e o dá para um leão recém-nascido. a alma grupal fica lá em cima e estende para baixo tentáculos que se solidificam no físico, depois se desprendem e são repostos.
Por esse motivo, a alma grupal não conhece nascimento e morte. Cada animal é algo que se desprende e nasce, mas a alma grupal não é tocada por vida ou morte. Para os leões é assim, que cada vez que um leão morre, todo o que foi enviado pela alma grupal volta a ela. Mas com o macaco não é bem assim. Existem alguns animais que arrancam algo da alma grupal, que depois não volta mais. Quando um macaco morre, uma parte essencial volta para a alma grupal, mas uma parte é desprendida dela. O macaco solidifica demais aquilo que é enviado, e quando ele morre, uma parte se desprende da alma grupal, de forma que uma parte se desliga dela e não volta mais. Desta forma acontecem desprendimentos da alma grupal. Em todas as espécies de macacos acontecem desprendimentos da alma grupal.
Da forma idêntica, encontramos estes mesmos fatos em alguns anfíbios, em certas espécies de aves e de forma bem marcante nos cangurus. Através destes desligamentos, fica uma sombra de substância da alma grupal, e aquilo que sobra dos animais de sangue quente, desta forma se torna um ser elementar, um espírito da natureza, a salamandra. Estes seres elementares, estes espíritos da natureza, são portanto resíduos, produtos residuais, desligados de mundos superiores, que são empregados por entidades superiores. Se ficassem sem direção iriam perturbar o cosmos. Desta forma a sabedoria suprema dirige por exemplo os silfos para que guiem as abelhas para as flores. Assim o grande exército dos seres elementares está sob a elevada direção sábia para transformar suas atividades maléficas em atividades produtivas.
É assim que as coisas acontecem nos reinos que estão abaixo dos homens. Não pode acontecer também que o próprio homem desliga de sua alma grupal e não tem possibilidade de continuar se desenvolvendo como alma individual, pois enquanto era membro de sua alma grupal, era guiado e dirigido por seres mais elevados, e posteriormente é entregue à sua própria direção. Se o homem não absorve determinados conhecimentos espirituais, ele corre o perigo de se desligar. E isto sussita uma questão.
O que é então que preserva o homem do desligamento, do estar perdido sem direção e rumo, enquanto que antigamente lhe era dado a direção pela alma grupal espiritual? Tem que nos ficar claro que o homem tende a individualizar cada vez mais, e que no futuro ele terá que encontrar, cada vez mais, voluntariamente, a união com outras pessoas. Antigamente o relacionamento existia através da consangüinidade, através de tribos e raças. Mas esta ligação está se desfazendo cada vez mais. Tudo no homem vai em direção de torná-lo um homem individual. Agora só é possível andarmos um caminho contrário. Imaginem-se um número de pessoas sobre a terra, que se dizem: Nós vamos trilhar os nossos próprios caminhos, queremos encontrar a direção e a meta do caminho em nosso interior, estamos todos a caminho de nos tornarmos homens individuais. – Aqui reside o perigo da desunião (dispersão).
Agora os homens já nem mais aturam coesões (uniões, fusões) espirituais. Hoje já vamos tão longe, que cada um tem sua religião própria, e coloca sua opinião como o ideal mais elevado. Mas se os homens interiorizam seus ideais, serão levados a um consenso, a uma opinião comum. Reconhecemos interiormente que 3X3=9, ou que a soma dos três ângulos de um triângulo é igual a 180º. Isto é um reconhecimento interior. Não é necessário fazer julgamento sobre reconhecimentos interiores, não existem divergências de opiniões sobre reconhecimentos interiores, eles levam à união. Todas as verdades espirituais são desta espécie. O que é ensinado ao homem pela ciência espiritual, ele encontrará através de suas forças interiores e estas o levarão para a concórdia, para a paz e a harmonia. Não existem duas opiniões sobre uma verdade sem que uma esteja errada. O ideal é a interiorização máxima que leva em direção à (união) concórdia, à paz.
Primeiro existia uma alma grupal. Depois, a humanidade no passado foi liberada (superou) da alma de grupo/grupal. Mas para o futuro da evolução humana é necessário propor uma meta definida, a qual ela persegue. Quando homens se unem em sabedoria superior, então desce dos mundos superiores novamente uma alma grupal – se das comunidades naturalmente ligadas surgem comunidades livres. O que é desejado pelos dirigentes do movimento da ciência espiritual, é que nele encontremos uma sociedade, na qual os corações fiquem em direção à sabedoria, assim como as plantas anseiam pela luz do sol. Onde a verdade comum une os diversos Eus, damos oportunidade à alma grupal à descida. Nós criamos, de certa forma o berço, o ambiente no qual a alma grupal pode-se encarnar. Os homens enriquecerão a vida terrena ao desenvolver algo, que permita a descida de entidades espirituais de mundos mais elevados. Esta é a meta do movimento da ciência espiritual.
Tudo isto foi colocado uma vez de forma imponente, poderosa diante a humanidade, para mostrar que o homem sem este ideal espiritualmente vivo, passaria para outra circunstância (relação): é um símbolo, que pode mostrar ao homem, com força imponente, como a humanidade pode encontrar o caminho, como pode oferecer, dentro de uma comunhão anímica ao espírito comum, um local para se incorporar. Este símbolo nos é apresentado na comunidade pentecostal, onde no sentimento comum de profundo amor e na entrega devota ao ato comum. Ali tem um grupo de homens cujas almas ainda atrepidavam por um acontecimento emocionante (abalador), da forma que em todos vivia a mesma coisa. Por confluência deste sentimento unitário, eles ofereceram aquilo, no qual algo superior, uma alma comum, se pudesse incorporar. Isto é mencionado naquelas palavras que dizem, que o ESPIRITO SANTO, a alma grupal, desceu e se dividiu como línguas flamejantes. Este é o grande símbolo para a humanidade do futuro.
Se o homem não tivesse encontrado esta conexão, passaria ao ser elementar, agora a humanidade deve encontrar um lugar para os seres que se inclinam de mundos superiores. No acontecimento pascoal foi dado ao homem a força para que possa assimilar em si (captar) representações (imaginações) tão poderosas e se dirigir (ambicionar, espirar) em direção a UM espírito. A festa pentecostal é o fruto do desenvolvimento desta força.
Sempre deverá se concretizar, através do confluir das almas em direção à sabedoria em comum, aquilo que efetua um relacionamento vivo com forças e seres do mundo superior e para aquilo que ainda tão pouca importância tem para o homem, como a festa pentecostal. Através da ciência espiritual isto poderá ser compreendido dentro da devida importância de novo para a humanidade. Quando os homens souberem o que significa para o futuro da humanidade a descida do Espírito Santo, então a festa pentecostal viverá novamente. Será então não só uma lembrança daquele acontecimento em Jerusalém, mas surgirá para o homem aquela permanente FESTA PENTECOSTAL DO CONFLUIR ANÍMICO (festa pentecostal do confluir do anímico). Será um símbolo para a grande comunidade pentecostal de então (no futuro, daquela época), quando a humanidade se encontrar numa verdade comum, para dar a oportunidade de incorporação de entidades superiores. Dependerá do próprio homem quão valorosas será a terra no futuro e quão eficazes tais ideais poderão ser para o homem. Se a humanidade almeja nesta forma correta a sabedoria, então espíritos superiores se unirão/ligarão ao homem.
Rudolf Steiner – GA 98 – Colônia, 7 de junho de 1908
A FESTA PENTECOSTAL DO CONFLUIR ANÍMICO DA ESPIRITUALIZAÇÃO DO MUNDO
Na última palestra chegamos a conhecer alguns seres espirituais, que se situam abaixo do homem, dos quais alguns têm capacidades que podem ser corporadas com as capacidades dos homens, só que lhes falta o sentimento de responsabilidade. Nós vimos como eles podem ser focalizados como restos da evolução e que seriam inconvenientes se ficassem entregues a si mas que são usados sob a direção de entidades superiores. Desta forma os seres prejudiciais são transformados em seres bons.
Hoje vamos aumentar esta multidão de seres com mais outros que vamos contemplar para mostrar como se efetua a colaboração do homem com estes seres. Vamos partir primeiramente do fato, de que cada vez que chega a noite o homem passa, cada vez de novo, por uma transição de estado de vigília para o catado de sono. Sabemos que quando o homem está desperto no estado diurno, seus quatro membros estão ligados entre si, se permeiam espiritualmente. Depois, lembramo-nos de que todas as noites, o corpo astral e o eu se retiram do corpo físico e do corpo etérico. Então vamos surgir, desta união humana do ser quadrimembrado, duas entidades diferentes entre si durante a noite. Na cama ficam deitados o corpo físico e o corpo etérico, e fora dele ficam o corpo astral e o eu.
Para o homem atual surgem na noite, situações bem diferentes do que durante o dia. Podemos comparar e estado de consciência do homem atual durante a noite com o estado de consciência dos vegetais. A planta tem o estado de consciência do sono isento de sonhos. Os homens possuem uma espécie de consciência vegetal em seu sono. E num sono isento de sonhos, o homem também está no mundo espiritual.
Ampliando esta representação, vamos ver que cada membro da entidade humana tem sua manifestação no corpo físico. O corpo físico é, por assim dizer, o resultado dos membros básicos do homem. o eu se manifesta no sangue, o corpo astral se manifesta no sistema nervoso, o corpo etérico se manifesta no sistema glandular e o sistema sensório é a manifestação do corpo físico. Se vemos o corpo físico do homem como a expressão da revelação dos diversos membros, então temos que nos dizer que a circulação sanguínea existe através do eu individual. Não é possível existir um sistema nervoso sem que o corpo astral crie e estruture este sistema nervoso. À noite retiramos do corpo físico, o corpo astral e o eu, mas não retiramos o sistema nervoso e o sangue. Mas o sangue e o eu se pertencem, e o corpo astral e o sistema nervoso se pertencem.
À noite, o homem se comporta displicentemente em relação a seu corpo físico. O sangue e o sistema nervoso tiveram que surgir para que o homem pudesse ter instrumentos para o eu e o corpo astral. No entanto, à noite, ele abandona o sangue e o sistema nervoso. É impossível um corpo físico, com sangue e o sistema nervoso se manter, mesmo por um segundo, sem o eu e o corpo astral. A planta pode existir sem ales porque não tem sistema nervoso nem sistema sanguíneo. Se estivessem dependendo apenas de nós, então, de manhã, iríamos encontrar nosso corpo físico morto. Nós lhes tiramos as forças superiores, o corpo astral e o eu, que devem cuidar do corpo físico. Isto que deixamos de fazer durante a noite, outras entidades tem que fazer por nós. À noite estas entidades penetram para dentro do corpo físico e etérico, elas baixam para dentro do corpo físico e corpo etérico.
Todas as noites, entidades espirituais elevadas, penetram no corpo físico e corpo etérico e assumem o trabalho que é executado durante a vida diurna pelo próprio eu e corpo astral. Trata-se de entidades muito elevadas e dignas, que criaram, em tempo idos, o corpo físico e corpo etérico do homem, que o reassumem de novo durante à noite. Durante a noite, o corpo astral e o eu ficam lá em cima no mundo superior e o corpo físico e o corpo etérico ficam embaixo. Eles são abandonados durante a noite pelo corpo astral e pelo eu. Na medida em que são abandonados pelo corpo astral e pelo eu, forças de entidades superiores vão se introduzindo neles.
O corpo etérico do homem não é o mesmo como o da planta. No corpo físico e etérico do homem penetram durante a noite, forças vindas de um mundo superior. Pode acontecer o seguinte: Em sua consciência diurna, o homem atua constantemente sobre o corpo físico e o corpo etérico. Quando o homem pensa e sente, isto se desenrola no corpo astral mas passa para o corpo etérico e o corpo físico. Isto se imprime neles. Antigamente o corpo físico e o corpo etérico surgiram simplesmente através do querer de entidades superiores. Mas na medida em que o homem foi se tornando consciente do eu, estas influências saíram do corpo etérico e do corpo físico. Isto que vive na alma, deixa de provocar sua influência sobre o corpo físico. Não é possível constatar, através de um exame de anatomia, quais são as modificações que ocorrem no corpo físico e no corpo etérico humano, mas elas ocorrem. Quando o homem mente, provoca um efeito sobre o corpo físico e o corpo etérico. Mentira e dissimulação, são processos que ocorrem na alma e no eu. Do ponto de vista materialista pode-se acreditar que a mentira só se manifesta no interior, mas a visão ocular sabe que através dela se dão mudanças de estrutura que vão até o corpo físico. Tais modificações também ocorrem com as múltiplas mentiras convenientes que vivem no mundo.
Vamos olhar para a realidade material. Sabemos como nossa vida está repleta de inverdades. Quando as pessoas se dizem coisas que não correspondem inteiramente ao que pensam, então isto se apresenta como uma impressão sobre o lacre. Esta impressão permanece. Toda dissimulação, a inverdade, a calúnia, fica impressa no corpo físico. Quando à noite, o homem abandona seu corpo físico e corpo etérico, então as tais impressões ficam visíveis. Agora vem as entidades do mundo superior e encontram as impressões que não são compatíveis com o mundo superior. Com isto, algo novo acontece, é criado algo novo. Das entidades superiores são desprendidos seres por intermédio do corpo físico, que passam a viver uma existência autônoma entre nossos mundos. Na ciência oculta eles são denominados de fantasmas (1). São denominados de fantasmas porque estão próximos da percepção física e, além do mais, são seres com leis físicas. Eles esvoaçam em nosso espaço e freiam a evolução humana. Eles pioram as coisas existentes no mundo do que seria se eles não existissem. Estes fantasmas são seres criados pelos homens através de mentiras, dissimulações, etc., e que freiam o desenvolvimento.
O fato de conhecermos a atuação destes seres espirituais nos ajuda mais do que prédicas morais. Uma humanidade futura vai saber o que ela cria através de mentiras, dissimulações e calúnias, ao se conhecer os fatos, cria-se uma moral eficaz do que através de princípios morais. Através da fundamentação da ciência espiritual referente ao existir, são criados mais fortes impulsos e motivações morais. Os fantasmas também são uma espécie de seres da natureza criados através das atitudes humanas. À noite, o homem abandona seu corpo e deixa impresso nele as impressões lacradas, provenientes da mentira, dissimilações e etc. De manhã, antes do homem entrar em seu corpo, fluem para fora dele, os fantasmas.
O corpo etérico também pode ser influenciado desta forma, que dele se desprendem seres. São novamente certos processos humanos que provocam desligamentos do corpo etérico. Todas as coisas como leis mal feitas e injustas que castigam erroneamente, instituições mal elaboradas dentro de uma comunidade social, retroagem sobre o corpo etérico de tal forma que dele se desprendem seres, que são ridicularizados em nossa época supersticiosa.
Estes seres são espectros, fantasmas. Fantasmas verdadeiros são aqueles que pertencem a esta classe ou ordem de seres. Os homens deveriam se esforçar para constituírem suas instituições da melhor forma possível para não criarem este tipo de seres.
Agora vamos dirigir nosso olhar para o eu e o corpo astral durante a noite. Consideremos que o eu e o corpo astral do homem também se encontram numa situação especial. Eles se adaptaram à vida do sangue e dos nervos. Sobre o corpo astral e o eu também fluem forças superiores dos mundos superiores, durante a noite. Quando o homem leva consigo certas coisa, também acontecem processos de desligamento. São novamente fatos da vida anímica que provocam o desligamento. Imaginemos duas pessoas que tem duas opiniões diferentes. Um tenta convencer o outro, tem o anseio de convencê-la. Este anseio é muito difundido entre os homens de hoje em dia. Os homens deveriam expor suas opiniões e esperar que no outro se movam as forças através das quais ele aceita a opinião. Existem tantos fanáticos por suas opiniões que não ficam satisfeitos enquanto não conseguirem impor suas opiniões. Se acontece algo assim, então os dois corpos astral são prejudicados. Eles levam consigo o convencer e os conselhos errados. O que é imposto ao corpo astral provoca que durante a noite se desprendem dele seres que são denominados de demônios.
Estes seres demoniacais tem uma influência especialmente perniciosa sobre nosso desenvolvimento humano. Eles esvoaçam pelo espaço espiritual e reprimem os homens no desenvolver de seus próprios pontos de vista. Reflitam, o quanto se peca neste sentido nas casas de chá e nas mesas de bar! Daqui são levadas, constantemente, forças para a formação de demônios. Eles se rastejam para dentro da alma humana.
Pergunta-se o quanto acontece neste ou naquele julgamento tribunal, na forma de como os homens testemunham! Eles estão convictos, e na verdade não fazem um juramento falso por estarem convictos. Foi criado uma vez uma série de acontecimentos programados, e trinta pessoas o deveriam descrever. Duas pessoas descreveram corretamente o processo, e todas as outras vinte e oito acrescentaram fatos que não haviam ocorrido. É deste modo que se manifestam as diversas influências destes seres demoniacais que são criados desta forma. Não existe outro meio para o se homem preservar da influência destes seres prejudiciais, do que o conhecimento destes fatos em relação às suas atitudes. Em todo o lugar onde se oferece uma situação propícia para que estes seres possam exercitar sua influência perniciosa, eles estão presentes.
A visão oculta pode constatar sua presença nos tribunais. Todos estes seres sempre atuam no sentido a partir do qual se original.
Os seres que surgiram por leis mal feitas, atuam novamente assim, que induzem os homens para criarem leis ruins.
O homem deve olhar para dentro do mundo espiritual, para atuar de forma prática e não criar constantemente obstáculos. Se olharmos para tudo isto que ocupou nossa atenção até agora, temos que constatar que o homem cria durante sua vida diurna, a oportunidade para que surjam uma multidão de seres espirituais, seres elementares temos que nos perguntar sobre o significado que estes seres tem para a futura evolução da humanidade. Olhemos para trás, para épocas antigas onde nossos antepassados viviam no mundo atlântico.
Se nós retrocedermos o suficiente na evolução da antiga Atlântida, chegaríamos a encontrar, sucessivamente, homens com uma configuração bem diferente. Vamos retroceder até aproximadamente a metade da época Atlântida. Aqui temos que imaginar os homens de tal forma, que esta parte do corpo etérico que hoje está em nossa cabeça, era sobresaliente da cabeça física, assim como hoje ainda é percebido, pela visão oculta, no cavalo. De forma surpreendente isto pode ser observado no elefante. Ele tem uma grande sobressaliência perante e acima de sua cabeça física atual. Este também era o caso no homem de Atlântida. O caminho do desenvolvimento consistiu em que estas partes se aproximassem cada vez mais, assim que hoje a cabeça etérica e a cabeça física do homem quase que se cobrem.
Antigamente o homem tinha uma vidência crepuscular. Quando o homem energia em seu corpo durante o dia, ele não via os limites concretos mos via as coisas envoltas por uma aura. Durante a noite não se via nenhum limite, mas sim apenas a espiritualidade das coisas. Na época pós-atlântica nós temos que diferenciar até agora, cinco épocas culturais. Na antiga Índia, na primeira época cultural pós-atlâtica, os homens eram constituídos assim, que a ligação da cabeça etérica com a cabeça física era muito tênue. A união da cabeça etérica com a cabeça física foi se tornando cada vez mais intensa. A maior união se apresenta em nossa época, a 5ª pós-atlântica, onde os homes desceram para o mundo físico material, onde os homens se infiltraram o mais profundamente para dentro da matéria. Nestas múltiplas encarnações dentro das diversas épocas, o homem aprendeu muitas coisas até os dias desta sua encarnação atual. Tudo o que acontece neste mundo, acontece numa linha decrescente e ascendente. Tão real quanto o fato que a cabeça etérica se uniu cada vez mais com a cabeça física, tão real é o fato, que lentamente se dará um afrouxamento. Nós chegamos na época em que a cabeça etérica começa a se desprender novamente. Aqui temos que fazer uma diferenciação entre desenvolvimento de raças e o desenvolvimento anímico. No futuro irão existir almas que não foram suficientemente ativas durante o período em que a cabeça etérica estava unida com a cabeça física. Hoje muitas pessoas se recusam, por conseqüência da união da cabeça etérica com a cabeça física, em aceitar as verdades espirituais.
As pessoas que agora aceitam as verdades espirituais, irão, mais tarde, quando voltarem novamente, encontrar uma conexão, se aprenderam o suficiente nesta encarnação. Aquelas pessoas que negligenciam agora, o que deve acontecer, não encontrarão no futuro os corpos que condizem com eles. O desenvolvimento das raças vai criar corpos normais que condizem com as almas que não foram negligentes. As outras serão assim, que com o corpo etérico afrouxado, não terão condições de captar qualquer coisa. Estes homens serão uma espécie humana que cai fora do prosseguimento do desenvolvimento humano.
Serão necessárias muitas coisas para se adaptar a um futuro corpo. Imaginem uma alma que terá que viver num corpo físico com o corpo etérico levemente desligado. Esta alma não irá compreender nada se lhe falar dos demônios e etc. Hoje, chegamos no ponto em que se pode falar destas coisas. Uma vez que o corpo etérico tenha se afrouxado, isto não é mais possível. Aí o corpo etérico está designado para percepções bem diferentes.
Futuramente, o corpo etérico vai viver no mundo espiritual que é habitado por demônios e etc. então este mundo de seres espirituais estará em volta do homem, e se ele não se preparar agora através destes ensinamentos, estará, mais tarde, perdido perante estes seres. Aqueles porém que levam desta encarnação o saber sobre estes seres, vão saber como se comportar perante eles. Estes homens que os conhecem são designados no futuro, para transformarem estes seres em servidores de um desenvolvimento progressivo. Assim podemos ver como os homens podem perder a hora certa para a execução de suas tarefas dentro da evolução humana e dos outros seres.
Todos estes demônios, fantasmas e fantomas são, hoje em dia, prejudiciais, mas no futuro nós os vamos transformar em servidores do desenvolvimento da humanidade. Mas o homem tem que se preparar para isto. O desenvolvimento de almas e raças não segue paralelo naturalmente.
No futuro os homens irão se dividir em bons e maus, sendo que uma parte se desenvolve de forma correta para poder transformar, no futuro, os demônios, fantasmas e fantomas. A outra parte que será impelida para baixo, serão os maus. O que o espírito do homem cria, tem um significado real. Sempre foi assim no desenvolvimento humano.
Deverá ser dado mais um outro exemplo de como os homens colaboram no Mundo. Vamos fixar nossa observação na quarta época cultural, sobre a época grega. A idéia do templo teve sua origem na alma humana. As idéias do templo baseada naquilo que denominamos de colunas e sobre o que a coluna sustenta. Nunca mais se chegou tão longe como naquilo que a humanidade conseguiu naquela situação, ou seja, se por na situação de um espaço sustentado. Comparemos um templo grego com ima construção moderna. Quando uma coluna se torna decorativa, ela deixa de ser a mesma coluna, que aquela que está livre e sustentando realmente. O homem tem que ter a sensação de que a coluna deve consistir do material certo. Se pintamos uma coluna de ferro, que é fina e sustenta o mesmo peso como uma coluna grossa de pedra, então ela nos mente.
Um templo grego é uma idéia grega de espaço. Isto os homens podem compreender quando forem capazes de se representarem forças que vem de cima para baixo e da direita para esquerda o que tem sua forma de manifestação. Podemos nos imaginar três anjos que estão pairando no ar, pintados de tal forma que sabemos que eles se sustentem mutuamente. Nos pintores antigos ainda encontramos este sentimento de espaço. Hoje não o encontramos mais, nem mesmo em Boooklin (obs do digitador: palavra não legível no original). Em sua Pietá, tem um anjo onde se tem a sensação que ele vai cair a qualquer instante.
O sentimento de espaço, pode faltar até para o maior gênio, se lhe falta a cultura espiritual. Cada vez em que o homem produz uma idéia de espaço real, isto oferece a oportunidade para que o espaço seja preenchido por entidades. Desta forma atraímos para baixo entidades, prendendo-as no espaço.
Entidades diferentes são atraídas para baixo pelas colunas gregas com o vigamento fazendo horizontalmente sobre elas, as entidades bem diferentes, para a catedral gótica com seus arcos ogivais. A catedral gótica se diferencia espiritualmente do templo grego da seguinte forma. No templo grego o homem introduziu a idéia de espaço de tal forma que o templo é uma idéia de espaço cristalizado.
Pelo fato do templo ser assim como ele é, ele é a moradia de entidades superiores, de um deus, mesmo que esteja abandonado pelo homem. mas da catedral gótica, os homens fazem parte. A ela tem que ser acrescentado o homem devoto com as mãos unidas para a prece. O templo grego é uma moradia de Deus. A catedral gótica é um lugar para cultos e uma moradia de Deus quando os homens estão presentes. O templo grego também é uma moradia de uma entidade espiritual, mesmo quando o homem está ausente. Assim vamos que os homens estão em harmonia com o mundo espiritual quando ele colabora com o mundo espiritual. Assim vamos no capítulo, como através das atividades dos homens pode se trabalhar sempre mais para chamar entidades superiores para baixo.
Novamente surge em nossa alma a idéia pentecostal. A idéia pentecostal transmite um símbolo que podemos reconhecer através das seguintes observações: Os homens criam, através do seu trabalho, espaços para a descida de entidades espirituais, ou seja, que eles trabalhem na espiritualização do mundo.
Temos que compreender a idéia espiritual, científica-espiritual, de tal maneira, para que ela penetre em cada ramificação da vida. Em nossa época materialista, a vida externa quase não é mais a manifestação do interior. Antigamente, cada trinco de porta, cada chave era manifestação de algo espiritual. Comparando com hoje, tudo é tão inexpressivo. O homem vai aprender a criar novamente de tal forma que o exterior seja uma expressão do interior. Daí também a estação de trem vai surgir com uma idéia TAM qual a idéia do templo grego o da catedral gótica. Nossa época também tem seu estilo arquitetônico correspondente. Este é o mercado. Ele é a estampa do pensamento utilitário, a estampa do egoísmo humano. A ora da utilidade criou o mercado como seu único estilo original.
Antigamente os homens punham suas sensações anímicas dentro do estilo arquitetônico. O mercado é a expressão das sensações do século 19. Mas agora já existe um movimento espiritual que prepara uma futura espiritualização. As pessoas que compreendem o movimento antroposófico desta maneira, concretizam a idéia pentecostal. Vamos ver no futuro a odeia antroposófica cristalizada naquilo que cobro a Terra.
Rudolf Steiner – GA 98 – Colônia, 9 de junho de 1908
A IDEIA DE PENTECOSTES COMO BASE NO SENTIMENTO PARA A COMPREENSÃO DO CARMA
Quando observamos o modo como atua o carma, precisamos dirigir nossa atenção ao fato de que o Eu do homem, que representa o verdadeiro carma, a mais profunda essência do homem, possui de certa forma três instrumentos, através dos quais se manifesta no mundo: o corpo físico, o corpo etérico e o corpo astral. O homem, no fundo, apenas se reveste do corpo físico, do corpo etérico e do corpo astral. Ele não é nenhum destes corpos, pois ele, no fundo, é o Eu. E é o Eu também que sofre o carma e forma o carma.
O que importa, no entanto, é levar em consideração a relação do homem como Eu para estas três, por assim dizer, formações instrumentais, com os corpos físicos, etérico e astral, a fim de obter, justamente com base nisto, uma compreensão da essência do carma. E conseguiremos obter um ponto de vista a observação do físico, do etérico, do astral no homem, um ponto de vista válido em relação ao carma, se levarmos em conta o seguinte:
O físico, como o vemos no reino mineral, o etérico, como o encontramos atuante no reino animal, tudo isto encontramos ao redor do homem na terra.
Temos no cosmo ao redor da terra, por assim dizer, aquele universo para o qual a terra se estende em todas as direções. É verdade que sentimos um certo parentesco entre aquilo que se passa na terra e aquilo que se passa no cosmo circundante. Mas a pergunta surge, de qualquer maneira, para a ciência espiritual: este parentesco é tão, digamos, trivial como a ciência natural contemporânea o imagina?
A ciência natural contemporânea examina as propriedades físicas daquilo que, com vida ou sem vida, existe na terra. Ela pesquisa, em seguida, as estrelas, o sol, a lua, etc., e ela acha – está especialmente orgulhosa por ter descoberto isto: que, no fundo, estes corpos celestes seriam o mesmo que a terra.
A este modo de ver chega-se, no entanto, somente através de um processo cognitivo que em parte alguma abrange o próprio homem, que, no fundo, só abrange o extrahumano. No momento em que compreendemos realmente o homem como parte integrante do universo, neste momento podemos encontrar a relação que existe entre cada um dos membros instrumentais do homem, o corpo físico, o corpo etérico, o corpo astral – e as respectivas entidades, aquilo que, no ser cósmico, lhes corresponde.
Encontramos então, para o corpo etérico, lá fora no cosmo, em toda parte, o éter universal. É verdade: o corpo etérico do homem tem uma forma humana específica, ele contem certas formas de movimento, etc.- estas são diferentes no éter universal. Mas, de qualquer maneira, é verdade que o éter universal é da mesma espécie que aquilo que se encontra no corpo etérico do homem.
Da mesma forma, podemos falar de uma semelhança entre aquilo que se encontra no corpo astral do homem e um certo astral que lá fora no cosmo atua através de todas as coisas e de todos os seres.
Chegamos a descobrir assim algo extremamente importante, algo que, em sua essência, é, no fundo totalmente estranho ao homem contemporâneo.
Vamos a partir de uma idéia esquemática: imaginemos na terra o homem com seu corpo etérico, ao redor da terra então o éter universal, que é da mesma espécie que o éter humano. Entretanto, temos no homem também o corpo astral; no cosmo ao redor, também há astralidade. Mas onde a encontraremos? Onde está ele? Pode-se encontrá-la, só que primeiro é preciso descobrir o que, no cosmo, revela astralidade: em algum lugar, temos que dizer, está a astralidade. Mas será que a astralidade no cosmo é totalmente invisível, totalmente imperceptível, ou será que é perceptível, de alguma maneira? Naturalmente, o éter, no fundo, também é, de início, imperceptível para os sentidos físicos. Se os senhores contemplarem um pequeno pedaço de éter – se permitem que use essa expressão, – então os senhores, com os sentidos físicos, não verão nada, simplesmente olharão através dela, o éter parecerá nada. Se contudo considerarem o éter circundante em seu todo, então os Senhores enxergarão o céu azul, que, no fundo, também não existe, justamente porque percebem o fim do éter. Quer dizer, os Senhores percebem o éter como azul do céu. A percepção do azul celeste é, em realidade, a percepção do éter. De modo que vale dizer: enquanto percebemos o azul do céu, estamos percebendo o éter ao nosso redor.
De início, olhamos através do éter. Isto ele tolera, de início, mas ele, de qualquer maneira, fez com que o percebamos no azul celeste. Portanto, a existência do céu azul para a percepção do homem é caracterizada corretamente quando se diz: é verdade que o éter não é perceptível, porem ele se eleva até a perceptibilidade pela grande majestade com que se coloca no mundo, anunciando-se, revelando-se no azul do céu.
Na ciência física pensa-se de maneira materialista sobre o azul do céu. Acontece que, para a ciência física, é difícil refletir de maneira sensata sobre o azul celeste, simplesmente porque a ciência física precisa compreender: lá, onde se encontra o azul do céu, não há nada de físico. Mas, mesmo assim, faz-se de toda espécie de acrobacia mental, a fim de explicar como raios de luz são refratados de um modo todo especial para provocar este azul do céu. Aqui, no entanto, já começa o domínio do suprassensorial. E no cosmo as coisas são de tal natureza que o suprassensorial torna-se perceptível, só que precisamos descobrir onde é que ele se torna perceptível.
O éter, portanto, torna-se perceptível através do azul do céu. E agora, em algum lugar está o astral no cosmo. O éter, através do azul celeste, transparece no sensorial. Onde é que o astral do cosmo transparece no visível, no perceptível?
Pois vejam bem, na verdade, cada estrela que vemos brilhar no céu é um portal de entrada para o astral. De modo que, em toda parte, onde estrelas reluzem, é o astral que reluz para dentro do nosso mundo. Quando, portanto, os Senhores vêem o céu em sua multiplicidade, aqui as estrelas amontoadas em grupos, aí mais dispersas, mais distantes uma da outra, então os Senhores precisam dizer a si mesmos: nessa maravilhosa configuração luminosa, o corpo astral invisível, suprassensorial do cosmo faz com que o enxerguemos.
Daí também não é lícito encarar o mundo das estrelas da forma não espiritual. Erguer o olhar para o mundo das estrelas e falar de mundos de gás incandescente, é a mesma coisa – desculpem a comparação paradoxa, mas ela é correta em todos os detalhes – como se alguém acariciasse os Senhores e, ao acariciá-los com a mão, mantivesse os dedos um pouco afastados um do outro, e os senhores dissesem: aquilo que sentem aí, são pequenas fitas que estão sendo colocadas sobre suas faces. Assim como não estão sendo colocadas pequenas fitas sobre suas faces, quando alguém os acaricia, assim também não se encontram lá em cima aquelas coisas das quais a física fala; o corpo astral do universo que exerça permanentemente sua influência sobre a organização etérica, da mesma forma como o acariciar age sobre as suas faces.
Só que é organizado para uma duração muito longa. Daí a permanência de uma estrela, que sempre significa uma influência do mundo astral sobre o éter universal, ser mais duradoura que o acariciar; o acariciar, o homem não o suportaria por tanto tempo. Mas acontece que, no universo, isto dura mais, porque as proporções no universo são gigantescas. De modo que o céu estrelado deve ser visto como uma manifestação anímica do astral universal.
Ao encará-lo assim, o cosmo torna-se para nós repleto de vida, até de vida anímica, realmente vida anímica. Pensem tão somente uma vez em como o cosmo está morto quando se olha para fora e se imaginam corpos de gás incandescente. Pense quanta vida tudo adquire quando se sabe: estas estrelas são a expressão do amor com que o cosmo astral atua sobre o cosmo etérico. Esta é uma expressão inteiramente correta.
Mas agora pensem naqueles fenômenos enigmáticos que não podem ser explicados apenas através de coisas físicas, pois estas, no fundo, não levam a compreensão alguma, nos fenômenos do resplandecer repentino de cartas estrelas, em determinadas épocas. Estrelas que ainda não estavam aí, aparecem, desaparecem novamente. Quer dizer que um acariciar breve também existe no universo. Em épocas quando, eu diria, os Deuses querem agir do mundo astral para dentro do mundo etérico, a gente vê tais estrelas que resplandecem e logo perdem novamente a luminosidade.
Assim temos dentro de nós, através de nosso corpo astral, as mais variadas sensações de bem-estar; assim, temos no cosmo, através do corpo astral, as configurações do céu estrelado. Não é de admirar, pois, que uma ciência antiga, instintivamente vidente, chamava este terceiro membro do homem de corpo astral, já que ele é da mesma natureza que aquilo que nas estrelas se revela. Só o Eu não encontramos revelando-se neste universo circundante. Por quê?
Bem, descobriremos por que é assim, se dirigirmos nossa atenção ao fato de que Eu do homem em sua manifestação na terra – isto é no cosmo que, no fundo, é um mundo trimembrado, físico, etérico e astral é uma repetição de vidas terrenas passadas. E ele também passa sempre por novos períodos de vida entra a morte e um novo nascimento.
Aí (nestes períodos) constatamos que o mundo etérico que circunda o mundo físico não tem para este Eu nenhum significado. Pois o corpo etérico, conforme sabemos, é deixado para trás, pouco tempo após a morte. Só o mundo astral, que reluz através das estrelas, tem um significado para o Eu durante a vida entre a morte e um novo nascimento. E neste mundo, que reluz através das estrelas, neste mundo vivem então os seres das hierarquias superiores, com as quais o homem, entre a morte e um novo nascimento, forma seu carma.
Entretanto, observando este Eu, ao passar pelo nascimento e pela morte, e entre a morte e um novo nascimento, não podemos permanecer no espaço. Duas vidas terrenas eu se seguem não podem, obviamente, acontecer no mesmo espaço, quer dizer naquele universo que depende da existência simultânea no espaço. Aí estamos saindo do espaço e entrando no tempo. E de fato, saímos do espaço, entramos no fluxo puramente temporal, quando observamos o Eu em suas subseqüentes vidas terrenas.
Agora pensem porém: no espaço, naturalmente, existe o tempo, mas não há meios, dentro do espaço, para vivenciar o tempo como tal. Não há meios. Somos forçados a vivenciar o tempo sempre através do espaço e dos fenômenos que neste ocorrem. Os Senhores, quando querem vivenciar o tempo, olham por exemplo ao relógio, ou então, se quiserem, olham para a trajetória do sol – o relógio é, na verdade, apenas um reflexo terreno da trajetória solar. Mas o que os senhores vêem aí? Os senhores vêem posições dos ponteiros ou posições do sol, fenômenos especiais. Pela mudança de lugar dos ponteiros ou do sol, isto é, pelo fato de termos perante nós alterações no espaço, temos uma noção do tempo. Mas, no fundo, não há, no espaço, nada do tempo. Há tão somente ordenações espaciais diferentes, posições diferentes dos ponteiros, posições diferentes do sol. O tempo, os Senhores o vivenciam somente depois de passarem para o vivenciar anímico. Aí, porém, vivenciam-no realmente, – e aí os Senhores também saem do espaço. Aí, o tempo é uma realidade. O tempo, no âmbito terrestre, não é realidade, absolutamente.
O que é preciso vivenciar, portanto, se do espaço, no qual vivemos entre o nascimento o nascimento e a morte, quisermos passar para o estado onde não há espaço, estado em que vivemos entre a morte e um novo nascimento, o que é preciso para tal? Bem, meus caros amigos, precisamos morrer. E considerem, em toda sua nitidez, em toda sua profundidade, o fato de que, na terra, o tempo só pode ser vivenciado através do espaço, através de localizações no espaço, através de objetos espaciais; que o tempo, na terra, não pode absolutamente ser vivenciado em sua realidade: encontrarão então, no fundo, uma outra palavra para designar a realidade contida na constatação: a fim de entrar no tempo em sua realidade, temos que sair do espaço, eliminar tudo que é espacial. Isto quer dizer: morrer. Significa morrer!
Cumpre-nos agora dirigir o olhar a este mundo cósmico que nos circunda em volta da terra, com o qual nos assemelhamos através do nosso corpo etérico, com o qual nos assemelhamos através do nosso corpo astral, e olharemos então ao espiritual deste mundo cósmico. Houve povos, houve grupos que olhava, só para o espiritual deste mundo cósmico em seu aspecto espacial. Privam-se assim de pensamentos sobre as subseqüentes vidas terrenas. Pois só aqueles homens, só aqueles grupos que conseguiam imaginar o tempo em seu aspecto puro, em seu aspecto não espacial, podiam ter pensamentos sobre as subseqüentes vidas terrenas.
E se conseguirmos abstrair aquilo que representa o nosso mundo terrenos e seu redor, isto é: o nosso cosmo, o nosso universo, e se avisarmos o espiritual que lhe corresponde, então teremos mais ou monos aquilo de que podemos dizer: é preciso que exista, para que possamos entrar para a existência como homens terrenos. É preciso que exista.
Sim, esta idéia: que tudo aquilo que acabo de caracterizar tem que existir, para que possamos entrar para a existência na Terra como homens terrenos, esta idéia tem um enorme alcance. Enorme sobretudo quando imaginamos o espiritual de tudo que assim foi caracterizado. E quando imaginamos este espiritual nesta sua – eu diria – forma puríssima e exclusiva, então teremos mais ou menos aquilo que era chamado de Deus por aqueles povos que se limitavam á contemplação do espaço.
Esses povos, em seus ensinamentos de sabedoria, pelo menos sentiam: o cosmo é permeado e transpassado por algo. Divino, e desse Divino distingue-se aquilo que há aqui na Terra ao nosso redor, no mundo físico.
Pode-se distinguir então aquilo que, neste cósmico, Divino, espiritual se manifesta como etérico, olhando para nós no azul do céu: Pode-se distinguir o astral neste divino, que nos olha através do céu estrelado.
Imaginemo-nos bem concretamente nesta situação, que estamos na Terra como homens no universo e dizemos: nós seres humanos temos o corpo físico, – onde está o físico no universo? Aí voltamos aquilo a que já aludi. A ciência física procura encontrar no universo tudo aquilo que também há na Terra. Mas a organização física propriamente dita não está no universo. O homem começa com a organização física, tem então a etérica, depois a astral; o universo já começa com organização etérica. Aí fora, o físico não está em lugar algum. O físico se encontra na Terra, e é completamente ilusório falar do físico no universo. No universo, há o etérico e depois o astral. O que o universo ainda tem como terceiro componente, apresentar-se-á, ainda hoje, perante nossas almas. Porém, a trimembração do cosmo é diferente da trimembração do cosmo qual a Terra faz parte.
Se contudo, nos colocarmos na terra com um tal sentimento; se sentirmos o físico do nosso habitat imediato, aqui na Terra, sentirmos o etérico que há na Terra e no universo, atuando em conjunto a partir da terra e a partir do universo, como etérico, se olharmos para o astral que através das estrelas reluz em direção à terra aqui embaixo, e mais intensamente nos reluz a partir da estrela solar, – quando olhamos para tudo isto e colocamos diante da nossa alma a grandiosidade desta idéia do universo; então achamos muito certo que naqueles tempos, quando, partindo da uma vidência mais ou menos instintiva, a humanidade não pensava só abstratamente, mas tinha a capacidade de sentir a grandiosidade das idéias, os homens foram levados a compreender: uma idéia tão grandiosa, em sua plenitude, não se pode pensá-la o tempo todo, é preciso focalizá-la uma vez, deixá-la agir em toda sua imensa gloriosidade sobre a alma, e em seguida deixar com que atue no íntimo do homem – sem que a consciência a estrague, a corrompa. E se refletirmos acerca da pergunta de como é que a antiga vidência instintiva pôs em prática este modo de pensar, acharemos que, de tudo quanto afluí aí para pôr em prática esta idéia dentro da humanidade, em nossa época temos ainda a instituição da festa de NATAL.
Na noite de Natal, quando o homem imagina como ele, aqui na terra, com seu corpo físico, seu corpo etérico, seu corpo astral, tem afinidade com o cosmo trimembrado que em seu etérico, no azul do céu, tão majestoso, mas ao mesmo tempo tão misteriosamente mágico lhe aparece de noite, – como ele se defronta com o astral do universo, nas estrelas que reluzem: então ele sente, no relacionamento sagrado do universo ao redor com aquilo que está no plano terrestre, como ele, com o carne de sua individualidade, as encontra agora dentro do espacial. E ele pode contemplar então o mistério de Natal, o menino que nasceu, o representante da humanidade na terra, deslocado para este mundo espacial para nele nascer, iniciando sua infância. E ele diz, quando se apercebe da idéia de Natal em sua plenitude e nesta sua grandiosidade, ao contemplar o menino nascido no Natal: EX DEO NASCIMUR. Do divino nasci, do divino que traspassa e permeia o espaço.
Mas então, depois de sentir isto, tendo se compenetrado disto, ele consegue lembrar-se daquilo que, através da Antroposofia, se lhe havia revelado como verdade sobre o sentido da terra. Este menino, para o qual olhamos, é o invólucro externo daquilo que, neste momento, está nascendo no espaço. E de onde ele provém para nascer no espaço? Isto, conforme as nossas explanações de hoje, só pode ser o tempo. É do tempo que ele nasce.
E se acompanharmos, em seguida, a vida deste menino, como ele é compenetrado pelo ser crístico, descobrimos: é do sol que vem este ser, este ser crístico. E erguemos agora o olhar para o sol e dizemos a nos mesmos: ao olhar para o sol, devemos ver nos raios solares o tempo que no espaço permanece oculto. No interior do sol está o tempo. E é deste tempo tecente no interior do sol que o cristo saiu, entrando no espaço, na terra.
E o que represente o Cristo na terra? O Cristo na terra representa aqui que, de fora do espaço, se liga à terra, que provém de fora.
Parem agora para pensar como a nossa idéia do universo, em relação á idéia comum real tudo o que acabamos de colocar diante da nossa alma! Temos aí no universo o sol com o tudo que, de início, se nos apresenta juntamente com o sol no universo, no cosmo, o que está contido no azul celeste, no mundo das estrelas. Em algum lugar, também aparece aí a terra com os seres humanos. Mas, ao erguermos o olhar para o sol, olhamos também para o fluxo do tempo.
Segue-se daí uma conclusão muito importante. A conclusão de que o homem só olha de forma correta para o sol, quando, olhando para o sol, mesmo que o faça apenas mentalmente, esquece o espaço e só leva em consideração o tempo. Assim encarado, o sol não só irradia a luz, mas também o próprio espaço. E quando olhamos para dentro do sol, olhamos para fora do espaço. O sol se distingue como estrela, porque olhamos para fora do espaço. Mas é deste fora-do-espaço que o Cristo veio aos homens. Quando o cristianismo foi fundado na terra por Cristo, o homem já se encontrava por um tempo demasiadamente longo somente no EX DEO NASCIMUR. Tornara-se afim com ele. Perdera o tempo completamente. Tornara-se um ser totalmente espacial.
Temos tanta dificuldade, com a consciência formada pela civilização contemporânea, de compreender as antigas tradições, pois estas, no fundo, sempre levam em conta o tempo e não o espaço, o espaço é considerado apenas um apêndice do tempo.
Veio então o Cristo e trouxe novamente o tempo aos homens. E o coração do homem, a alma do homem, o espírito do homem, ao se ligarem a Cristo, reconquistam a corrente do tempo da eternidade a eternidade. Que outra coisa resta a nós seres humanos quando morremos, quer dizer quando deixamos o mundo espacial, senão agarrar-nos aquilo que então nos devolve o tempo, já que a humanidade, na época do Mistério do Gólgota, havia se tornando um ser espacial a tal ponto que perdeu o tempo! O Cristo trouxe novamente o tempo aos homens.
E se, ao saírem do espaço, os homens não quiserem extinguir-se também com sua alma, é preciso que morram em cristo. Podemos ser homens espaciais, podemos então dizer: EX DEO NASCIMUR; podemos olhar então para o menino que, saindo do tempo, penetra o espaço, a fim de unir o Cristo aos homens.
Não podemos porém pensar no marco final da vida terrena, no morrer, desde o Ministério do Gólgota, se não quisermos pagar com a perda do tempo pela de Cristo, se não quisermos ser banidos para dentro do espaço e ficar no espaço como fantasmas. Aí, temos que morrer em Cristo. Aí, precisamos compenetrar-nos do Mistério do Gólgota. Aí, temos que encontrar e juntar ao EX DEO NASCIMUR o IN CHISTO MORIMUR. Temos que juntar à idéia de Natal a idéia de Páscoa.
E assim, o EX DEO NASCIMUR faz surgir diante da nossa alma a idéia de Natal, assim i IN CHRISTO MORIMUR faz surgir diante da nossa alma a idéia de Páscoa.
Podemos dizer: na terra, o homem tem seu físico, seu etérico, seu astral. O etérico também se encontra lá fora no cosmo; o astral também se encontra lá fora no cosmo; o físico só existe na terra, não há, lá fora no cosmo, nada físico. Assim, temos que dizer: terra = físico, etérico, astral; cosmo = o físico não existe, mas existe sim o etérico e o astral.
O cosmo, entretanto, é trimembrado também. O que ele não tem na parte de baixo, ele o acrescenta na parte de cima. Nele, o etérico é o componente inferior: na terra, o físico é o inferior. Na terra, o astral é o componente superior; no cosmo, o superior é aquilo que o homem, conforme sabemos; só possui hoje de forma rudimentar, aquilo de que um dia estará tecida sua Personalidade Espiritual. Podemos dizer: no cosmo, existe a Espiritualidade universal* como terceiro componente.
E as estrelas nos aparecem agora como manifestação de alguma coisa. Eu as comparei ao ato de acariciar; a Espiritualidade universal que está por trás delas, é o ser que nos acaricia. Só que aí, o ser que acaricia não é uma entidade, mas toso o mundo das hierarquias. Quando olho para um homem, para sua estatura, seus olhos, que brilham ao meu encontro, quando ouço sua voz, esta é a manifestação do homem. quando olho para cima para a imensidão do universo, quando olho para as estrelas, são as manifestações das hierarquias, as manifestações das hierarquias despertando sensações em nós. Quando olho para dentro da infinidade do firmamento azul do universo, vejo manifestar-se externamente seu corpo etérico, que, no entanto, é a parte inferior de todo este mundo hierárquico.
E temos, então, um vago vislumbre, ao olhar para a amplidão do cosmo, de algo que vai para além do terrestre, assim como a terra com suas substâncias e forças físicas desce para aquém do cósmico. E a terra tem um subcosmico no físico, o cosmo tem um supraterrestre na Espiritualidade universal. (obs do digitador: este trecho estava ilegível e pode conter algum erro)
A ciência física fala de um movimento do sol. Ela pode falar assim. Pois, de fato, dentro da imagem espacial que nos circunda como cosmo, certos fenômenos indicam que o sol está em movimento. Esta é, contudo, somente a imagem do movimento solar que aparece no espaço. E quando se fala do verdadeiro sol, é simplesmente sem sentido dizer: o sol se locomove no espaço; pois o espaço é irradiado pelo sol. O sol não só irradia a luz, ele também forma o espaço. E a locomoção do próprio sol é espacial só dentro do espaço, ela é temporal.
O fenômeno que se nos apresenta aí, de o sol correr em direção á constelação de Hercules, – é tão somente o reflexo de uma evolução temporal do ser solar.
Sim, nos seus discípulos íntimos, Cristo disse: olhai para a vida na terra. Ele tem afinidade com a vida do cosmo. Enquanto para a terra e o cosmo circundante, é o Pai que vive neste universo. Deus Pai é o Deus do espaço. Eu porém tenho a mensagem a vos dar que vim do sol, do tempo – do tempo que só recebe o homem quando este morre. Eu trouxe a mim mesmo a vós, de dentro do tempo. Se me recebeis (disse Cristo), recebeis o tempo e não sereis fadados ao espaço. Mas, para tal, também tereis que encontrar a passagem da trindade – do físico, etérico, astral – para a outra trindade: do etérico, astral, Espiritualidade universal. A Espiritualidade universal tão pouco se encontra no plano terrestre, quanto o físico-terrestre se encontra no cosmo. Eu porém vós trago a mensagem, pois eu sou do sol.
Sim, o sol tem um tríplice aspecto. Vivendo dentro do sol e olhando do sol para a terra, o que se vê é o físico, etérico, astral. Ou então, tendo em mira o próprio sol, o que se vê, lembrando-se da terra ou olhando para ela, é sempre o físico. Olhando para o lado oposto, olhamos para a Espiritualidade universal. Faz-se um movimento pendular de vai-e-vem entre o físico e a Espiritualidade universal. Permanece estável, no meio, só o etérico e o astral. Olhando porém para o universo lá fora, o terrestre desaparece totalmente. Está aí o etérico, o astral e a Espiritualidade universal. Esta vista se vos apresentará ao chegarem ao tempo solar entre a morte e um novo nascimento.
Imaginemos, pois, o homem encapsulando-se totalmente em seu estado de espírito próprio á vida terrena: ele poderá sentir o divino, pois ele nasceu do divino: EX DEO NASCIMUR.
Imaginemo-lo agora não se encapsulando dentro do mundo espacial, mas aceitando Cristo que veio do mundo temporal para o mundo
espacial e trouxe o próprio tempo para dentro do espaço terrestre: desta maneira, o homem, ao morrer, vence a morte. EX DEO NASCIMUR. IN CHRISTO MORIMUR.
Cristo, porém, traz a mensagem que, uma vez vencido o espaço e reconhecendo-se o sol como o criador do espaço, quando, através de Cristo, nos sentirmos estando no sol, transferidos para dentro do sol repleto de vida; então o físico-terrestre desaparece, o etérico, o astral está aí. O etérico resplandece, agora não como azul celeste mas como resplandecer róseo-claro do cosmo. E deste esplendor róseo-claro não reluzem as estrelas, as estrelas agora nos tocam com seu amor. E o homem – quando realmente se aprofunda em tudo isto – pode sentir-se como estando na terra, despojando do físico, o etérico perpassando-no e raiando em lilás-róseo; as estrelas não como pontos luminosos, mas sendo radiações de amor, como o acariciar amoroso humano. Mas ao sentir isto, o Divino dentro de si, o fogo Divino universal como essência do homem, ardendo de dentro dele, sentindo-se no universo etérico, vivenciando as manifestações espirituais no raiar astral no universo: isto evoca então no homem a vivência interior do raiar do espírito, que representa a vocação do homem no universo.
Aqueles a quem Cristo havia comunicado isto, após terem se compenetrado desta idéias por um tempo suficientemente longo, passaram a sentir então a atuação desta idéia nas labaredas fogosas da festa de Pentecostes. Sentiram então como o morrer ocorre através do cair e escorrer do físico da terra. Sentiram porém: isto não é a morte, em verdade, no lugar do físico da terra abre-se a Espiritualidade do universo: PER SPIRITUM SANCTUM REVIVISCIMUS.
Assim, pode-se olhar para esta trimembração da primeira metade do ano: a idéia do Natal = EX DEO NASCIMUR: a idéia da Páscoa = IN CHRISTO MIRIMUR; a idéia de pentecostes = PER SPIRITUM SANCTUM REVIVISCIMUS.
E resta a outra metade do ano. Quando a compreendemos as mesma forma, aí também revela-se ao homem o outro lado da vida. Compreendemos aquela relação do físico para com o anímico do homem e para com o suprafísico, que inclui a liberdade da qual o homem participa na terra, compreendamos na correlação do Natal, a Páscoa e Pentecostes o homem livre na terra. E compreendendo-o a partir destas três idéias, da idéia de Natal, da idéia de Páscoa e da idéia de Pentecostes, e servindo-nos esta compreensão de estímulo para tentarmos compreender o restante do ano, apresente-senos então a outra metade da vida humana, à qual aludi dizendo: quando olhamos para o destino do homem – as hierarquias aparecem atrás dele, o trabalho, o tecer das hierarquias. Por isso é tão grandioso olhar da verdade para dentro de um destino humano, porque todas as hierarquias estão atrás dele.
Mas é, no fundo, a linguagem das estrelas que ressoa ao nosso encontro da idéia de Natal, Páscoa e Pentecostes: da idéia de Natal, na medida em que a terra é uma estrela no universo, da idéia de Páscoa, na medida em que a estrela mais brilhosa, o sol, nos oferece a graça de suas dádivas, da idéia de Pentecostes, ao luzir para dentro da nossa alma aquilo que está oculto do outro lado das estrelas e que nas labaredas fogosas retorna luminosamente de dentro da alma para fora.
O que foi apresentado desta maneira a respeito do pai, portador da idéia de Natal, que no entanto envia o Filho, para que se complete a idéia de Páscoa, e então a respeito deste filho, que por sua vez traz a mensagem do espírito, para que, na idéia de Pentecostes, a vida humana na terra se complete numa trindade, – se os senhores meditarem isto a fundo, se refletirem bem sobre isto: então os Senhores obterão, em adição a todas as bases para a compreensão do carma que já lhes dei, também uma base sensitiva.
Tentem uma vez fazer com que a idéia de Natal, Páscoa e Pentecostes, revirada assim como hoje a reviramos, aja em profundidade sobre a emoção humana, sobre o sentimento humano, – tentem isto, aprofundem esta sua sensação, esta sensação que deve continuar vivendo na forma da calorosa, da fogosa idéia de Pentecostes, tragam-se consigo, – e então, quando, após a minha viagem que sou obrigado a empreender, justamente na época de pentecostes, por causa do curso de agricultura, nos reunirmos novamente, poderemos continuar a falar sobre o carma.
E sua compreensão será frutificada de modo significante por aquilo que a idéia de pentecostes representa. Assim como, outrora, ao ser instituída a festa de Pentecostes, na primeira celebração da festa de Pentecoste, luziu algo de dentro de cada apóstolo, assim, no fundo, a idéia de Pentecostes deveria reviver também para a compreensão antroposófica.
Algo deveria começar a luzir de dentro de suas almas. Por isso, lhes dei para levarem consigo como sentimento pentecostal para a continuação dos pensamentos sobre o carma que são a outra metade do ano, aquilo que hoje tenho a dizer a respeito da correlação da idéia de natal, de Páscoa e de Pentecostes.
Rudolf Steiner – GA 236 – Dornach, em 04 de junho de 1924
PENTECOSTES – TRECHOS DE RUDOLF STEINER
“O Humano em toda a sua abrangência não chega de fato a se manifestar através de qualquer ser humano isolado, nem dos membros de um povo sozinho. Manifesta-se apenas através da humanidade inteira.
E se quiseres, o Homem, reconhecer o que tu és quando completo, percorre então as particularidades dos distintos povos da Terra. Recolhe tudo aquilo que por ti mesmo não podes ter; só então te tornarás o homem completo, o qual já tens em ti.
Faz-te atento, apenas, ao que há em teu interior. O que no outro se revela, tu não o tens: no outro precisas buscá-lo. Disse tens, porém, necessidade. Tu o sentes e sabes, quando encontras no outro o que é nele o grande, o que lhe é particular, e isso atua sobre ti profundamente, pois é uma necessidade, que tu não possa ser sem aquilo que do outro recebes, pois que responde a teu desejo anímico-espiritual interior. A constituição básica para Ser Humano completo já existe em cada um; o preenchimento, porém, temos de encontrá-lo ao peregrinarmos através das particularidades do Ser dos distintos povos, espalhados como estão por sobre a Terra.
(…) esse Pleno-Homem completo existe em nós apenas como necessidade, e, portanto em nós essa necessidade deveria madurificar-se em amor pela Entidade Humana toda, pela Entidade Humana que nós não temos, que podemos adquirir quando buscamos com dedicação reconhecer a Ser que vive, justamente com o nosso povo, nos outros povos da Terra.”
Rudolf Steiner
PENTECOSTES UNIVERSAL – A MENSAGEM DA ANTROPOSOFIA
Quando olhamos para o passado histórico da humanidade, percebemos acontecimentos de maior e menor amplitude que influenciaram a sua vida como um todo. O maior de todos é aquele que chamamos o mistério do Gólgota (**), por meio do qual o cristianismo se inseriu na evolução da humanidade.
Esse mistério do Gólgota, quando ocorreu, foi compreendido de maneira bem diferente do que em tempos posteriores. E em nossa época, deve ser novamente compreendido e assimilado diferentemente. Compreender esse mistério do Gólgota de forma correta no sentido da época atual é a tarefa da Antroposofia.
Devemos retroceder para épocas antigas, em que os homens possuíam uma consciência bem diferente da nossa de hoje. Três ou quatro milênios atrás, os homens possuíam a consciência instintiva de terem vivido num mundo espiritual antes de descer para a Terra num corpo físico. Todo homem sabia, naqueles tempos, que no seu íntimo vivia um ser anímico-espiritual enviado pelos poderes divinos para a existência terrestre.
Também nesses tempos longínquos, tinham os homens uma consciência bem diferente da morte. Eles sabiam que o seu ser espiritual interior, que antes vivera na existência espiritual pré-natal, continua vivendo além da morte.
Naqueles tempos distantes existiam escolas de iniciação, que simultaneamente eram centros religiosos, chamados mistérios. Nessas instituições ensinava-se o que podia ser conhecido sobre a existência pré-natal, ou seja, anterior à descida à Terra. Assim, os homens aprenderam que eles viviam, antes da existência terrestre, entre estrelas e seres espirituais, assim como na Terra viviam entre plantas e animais, montanhas e rios.
O homem dizia para si mesmo: “Desci do mundo estelar para a existência terrestre”. Porém, ele sabia que as estrelas não são apenas algo físico, sabia que cada estrela é habitada por poderes espirituais com os quais ele tinha uma relação no mundo espiritual antes de haver descido à Terra.
E o homem sabia que com a morte, em que devia abandonar o seu corpo físico, ele retornava ao mundo estelar, isto é, ao mundo espiritual. E o sol, com seus seres, entre os quais o mais elevado era chamado o grande ser solar, era visto como o mais importante dos astros.
Dos centros de mistérios chegou aos homens a doutrina de que esse elevado ser solar lhes dava, antes de descer à Terra, a força para, após a morte, retornar aos mundos estelares espirituais. Os mestres dos mistérios diziam aos discípulos e esses, diziam ao povo: “A força espiritual do sol é a luz espiritual que os acompanha para além da morte e que vocês trouxeram consigo, quando, ao nascer, entraram na existência terrestre”.
Os ensinamentos dos mistérios continham muitas orações e grandes conteúdos, todos louvando, exaltando e descrevendo o elevado ser solar. E os mestres ensinavam aos discípulos, e estes à humanidade em geral, que o homem, depois de passar pelo umbral da morte, precisa penetrar na esfera das estrelas, dos seres estelares inferiores, para então se elevar além do Sol. Porém, isto não lhes seria possível, se não lhe fosse dado pelo ser solar a força necessária para isso. Os homens que compreenderam isto sentiam o calor no seu coração, quando podiam elevar-se em oração ao espírito solar, que lhes dava a imortalidade.
Os textos e exercícios de devoção dirigidos ao Sol agiam sobre os sentimentos e as afeições dos homens. Eles se sentiam ligados ao deus do cosmo, quando podiam realizar o culto ao Sol. Nos povos em que a veneração do Sol era tradição, existiam rituais de sacrifício e cerimônias organizadas para esse fim.
Esse ritual solar consistia, em geral, de uma cerimônia em que a imagem do deus era enterrada e, depois de alguns dias, retirada do túmulo novamente, como um sinal de que no cosmo existe um deus, o deus solar, que ressuscitará o homem para a vida toda vez que ele sucumbir à morte.
Durante o ritual os sacerdotes diziam aos discípulos o que estes deviam proclamar à humanidade: “Este é o sinal de que vocês, antes de descerem à terra, viviam no reino espiritual em que está o deus do Sol.”
Diziam aos fiéis desse ritual solar: “Se vocês elevarem o seu olhar, verão o sol brilhando; porém, isto é apenas a manifestação externa do ser solar. Atrás deste brilho está o deus solar, que vos assegura a imortalidade.”
Assim, os homens, ao aprenderem essa mensagem, sabiam que tinham descido dos mundos espirituais para o mundo terrestre, esquecendo o mundo em que se encontra o deus solar.
“Vocês abandonaram o reino do deus do Sol ao nascer. Deverão reencontrá-lo, por meio da força que ele colocou em seus corações, quando passarem pela morte.” – Isto diziam os sacerdotes aos seus fiéis.
Os sacerdotes iniciados nesses mistérios sabiam que o grande ser solar de que falavam aos discípulos era aquele que no futuro seria conhecido como o Cristo. Porém, antes o mistério do Gólgota esses sacerdotes precisavam falar aos fiéis da seguinte forma: “Se vocês quiserem saber algo sobre o Cristo, não poderão encontrar este ensinamento na Terra; é necessário que vocês se elevem aos mistérios do sol, que só se encontram fora da Terra.”
Em geral, para os homens que ainda possuíam uma lembrança instintiva do reino do Cristo, não eram difícil aceitar tais doutrinas.
Mas, no desenvolvimento da humanidade, os homens foram perdendo gradualmente a lembrança instintiva da sua vida espiritual pré-terrestre. Oitocentos anos antes do mistério do
Gólgota só pouquíssimas pessoas ainda conservavam a lembrança instintiva da vida espiritual pré-terrestre.
Imaginem, meus caros amigos, o homem passando pela morte. Ele entra nas amplidões estrelares, passando por regiões em que vê as estrelas pelo outro lado; quer dizer, também o Sol é visto do outro lado. Nós nos acostumamos a ver o Sol do ponto de vista da Terra. Quando morremos, partindo para o espaço cósmico, podemos perceber o sol do lado oposto.
Então não veremos um disco físico, mas um reino de seres espirituais. E, antes do mistério do Gólgota, víamos, depois da morte e antes do nascimento, o Cristo no outro lado do sol. E esta visão do Cristo os mestres dos mistérios podiam fazer os discípulos relembrar, porque tinham a capacidade de despertar a seguinte imagem: “Antes de viver na Terra, eu via o Sol do outro lado.”
Assim era nos tempos antigos, antes do mistério do Gólgota. Começou então uma época em que já não era possível despertar essa lembrança nos homens. Em torno do oitavo século antes do mistério do Gólgota, foi ficando cada vez mais difícil despertar essa lembrança da visão do Cristo no sol espiritual, vivenciada na existência pré-terrestre.
E, assim, os mestres dos mistérios não podiam mais dizer aos homens para elevar o olhar ao Sol, onde se revela o Cristo. Estes já não o entenderiam. E a vivência dos homens na Terra era como se estivessem abandonados pela força do Cristo, não lhes sendo mais possível reavivar a lembrança da vida no mundo espiritual.
E, vejam, só então se espalhou entre os homens aquilo que se pode chamar o medo da morte. Pois, anteriormente, eles viam morrer o corpo físico; porém, sabiam que, como almas, eram moradores do reino do Cristo e não morriam.
Cresceu então nos homens a preocupação com o próprio destino do seu ser eterno interior e imortal. Parecia que a relação entre o Cristo e os homens tinha sido rompida. Isso porque os homens não mais conseguiam elevar o olhar aos mundos espirituais e, na Terra, o Cristo não podia ser encontrado.
Vejam, meus caros, justamente no tempo em que os homens não mais podiam encontrar o Cristo além do Sol, no supra-terrestre, ele, por sua infinita graça e infinita misericórdia, desceu à Terra, para que eles pudessem encontrá-Lo na vida terrestre.
Com isso aconteceu na evolução do universo algo que não se compara com nada que o homem possa conhecer. Pois todos os seres superiores ao homem – dos anjos, arcanjos, arqueus, etc, aos seres divinos mais elevados – passam no mundo espiritual somente por transformações, metamorfoses. Não nascem e morrem. Dizia-se nos mistérios, naqueles tempos: “Apenas os homens conhecem o nascimento e a morte: os deuses só conhecem a metamorfose, eles não conhecem o nascimento e a morte.”
Como, então, os homens não mais podiam alcançar o Cristo Ele veio viver com os homens na Terra. Para realizar isto, foi necessário que ele vivenciasse o nascimento e a morte, o que até então nenhum deus fizera. O Cristo se tornou alma de um homem, Jesus de Nazaré, e passou pelo nascimento e a morte. Isto é, pela primeira vez um deus passou pela existência da morte humana.
O aspecto essencial do mistério do Gólgota é ser um assunto dos deuses e não apenas dos homens. Os deuses decidiram que um deles, o grande ser solar, deveria ligar o seu destino ao da humanidade, até o ponto de passar pelo nascimento e a morte.
E, a partir dessa época, os homens sempre podem contemplar os acontecimentos do mistério do Gólgota e, assim, encontrar o Cristo, que perderiam em função da evolução de sua consciência, que não alcançava os céus.
Os discípulos e apóstolos de Cristo, que vivenciaram em primeiro lugar esses mistérios do Gólgota, ainda possuíam uma pequena herança de uma consciência instintiva sobre aquilo que tinha acontecido ali. Eles sabiam que o mesmo ser, que antigamente só podia ser alcançado por uma elevação capaz de alcançar a esfera espiritual do Sol, este mesmo ser encontramos agora, quando compreendemos de forma correta o nascimento, a vida, a paixão de Jesus Cristo.
No tempo do mistério do Gólgota existiam, poucas pessoas que ainda sabiam que aquele que viveu em Jesus de Nazaré como o Cristo era o grande ser solar que descera à Terra.
Até o quarto século depois do mistério do Gólgota havia ainda pessoas que sabiam que o Cristo
Que viveu em Jesus de Nazaré eram a mesma entidade.
E é especialmente comovente saber pela ciência Espiritual como nos primeiros séculos da era cristã os homens assim rezavam com fervor: “agradecemos ao Deus Cristo, do qual viveríamos afastados, por ter ele descido do mundo espiritual até nós aqui na Terra!”
Nos tempos que seguiram ao fim do quarto século da era cristã, não se poderia mais conceber que o grande ser solar, o Cristo, fosse a divindade que assegurava a imortalidade a cada homem. Desde esse quarto século até os nossos dias existia então apenas o testemunho escrito dos evangelhos, que conta de forma histórica que aconteceu o mistério do Gólgota. Mas este testemunho dos evangelhos teve durante esses séculos um efeito tal, que os homens podiam voltar o seu coração para o mistério do Gólgota.
Hoje, porém, estamos numa época em que os homens, tendo aprendido tantos conhecimentos sobre os mistérios da natureza, perderiam qualquer relação com a palavra dos evangelhos, se não houvesse um novo caminho para nos aproximar do Cristo. Este caminho a Antroposofia quer abrir, levando os homens novamente ao conhecimento do mundo espiritual. Pois, vejam, o acontecimento do Cristo só pode ser compreendido como algo espiritual, como um fato espiritual. Quem não puder compreender o acontecimento do Cristo como um fato espiritual, não o entenderá mesmo.
Com os conhecimentos antroposóficos podemos novamente retornar ao tempo em que Jesus Cristo caminhava na Palestina, a realizar o seu destino terrestre. Podemos penetrar na vivência anímica dos discípulos e apóstolos, que sabiam, conforme seus conhecimentos instintivos: “o ser que outrora só vivia no Sol, desceu à Terra e caminhou entre nós. Esse ser, que viveu entre nós como Jesus Cristo e dessa forma caminhou pela Terra, só podia ser encontrado anteriormente no Sol.”
Portanto, os discípulos diziam o seguinte: “pelos olhos de Jesus de Nazaré brilha a luz do sol; pelas palavras pronunciadas por Jesus de Nazaré fala-nos a força do Sol que nos aquece; quando Jesus de Nazaré caminha entre nós, é o próprio Sol que envia a sua luz e sua força para o mundo.”
E assim pensavam aqueles que podiam compreender estas coisas: “então caminha entre nós num homem o ser solar que outrora só podia ser alcançado quando a contemplação era dirigida da Terra para cima, para o próprio mundo espiritual.”
E, pelo fato de os discípulos e apóstolos terem podido pensar dessa forma, tinham eles uma correta relação e uma correta compreensão da morte do Cristo. Por isso, eles continuaram sendo discípulos de Cristo Jesus, mesmo depois que Ele já tinha atravessado a morte na Terra.
E sabemos, pelos conhecimentos da Ciência Espiritual, que o Cristo depois de abandonar o corpo de Jesus de Nazaré, continuou entre os seus discípulos, ensinando-lhes.
A força que os discípulos e apóstolos receberam, para que o Cristo, quando Este lhes aparecia somente em seu corpo espiritual, pudesse continuar a lhes ensinar, essa força eles perderam depois de algum tempo. Houve um momento na vida dos discípulos de Jesus Cristo em que esses diziam para si mesmos: “nós O vimos, mas não O vemos mais. Ele desceu para estar entre nós na Terra, para onde Ele foi agora?”
O momento em que os discípulos pensaram ter perdido novamente a presença de Cristo se comemora com a festa cristã da Ascensão do Senhor. Ficou conservado na lembrança o fato de que desaparecera da visão dos discípulos o grande espírito solar, que viveu na Terra, no homem Jesus de Nazaré.
Esta experiência trouxe para os discípulos do Cristo uma tristeza tão profunda, que não se pode comparar com nada que possa existir como tristeza na Terra.
Nos antigos mistérios, quando a imagem do deus era enterrada, na celebração do ritual solar, para só reaparecer depois de três dias, as almas dos fiéis também eram dominadas por uma grande tristeza pela morte do deus. Mas essa dor não se compara em intensidade com aquela que invadira então os corações dos discípulos do Cristo.
Vejam, meus caros amigos, todo grande e verdadeiro conhecimento nasce da dor e da tristeza. Se alguém quiser, por meio dos exercícios iniciáticos descritos na ciência espiritual antroposófica, tentar trilhar o caminho que conduz aos mundos superiores, só alcançará a meta se passar pela dor. Sem ter sofrido, e sofrido muito e, por isso, ter-se libertado do peso opressor da dor, não é possível conhecer o mundo espiritual.
Os discípulos passaram por um imenso sofrimento, por terem perdido a visão do Cristo durante os dez dias que seguiram à Ascensão do Senhor. E dessa dor, dessa infinita tristeza, surgiu o que chamamos o Mistério de Pentecostes. Os discípulos que, para a clarividência instintiva externa, perderam a visão do Cristo, conseguiram encontrá-Lo outra vez na experiência interior, no sentimento, na vivência, graças à tristeza e à dor que sofreram.
Voltemos ainda aos tempos antigos. Os homens que viviam antes do mistério do Gólgota possuíam uma lembrança da sua existência pré-terrestre. Eles sabiam que haviam conseguido nessa existência, antes de vir à Terra, a força do Cristo para conquistar a imortalidade.
Sabia-se então que, por meio da própria força humana, não era possível olhar retrospectivamente para os mundos espirituais da existência pré-terrestre. Os discípulos concentraram então a sua atenção em tudo aquilo que existia em sua memória, sobre os acontecimentos do Gólgota.
E dessa memória, acrescida por aquela dor, ressurgiu-lhes na alma a visão daquele que o ser humano perdera, ao desaparecer a sua clarividência instintiva.
Os homens da antiguidade podiam dizer: ”nós estivemos com o Cristo antes de nosso nascimento na Terra. Dele recebemos a imortalidade.”
E dez dias depois de terem perdido a visão exterior do Cristo, os discípulos puderam dizer: “nós vivenciamos o mistério do Gólgota. Isto nos dá a força para sentir novamente o nosso ser imortal.” Este acontecimento é expressado simbolicamente pela imagem das línguas de fogo.
Daí podermos, por meio da ciência espiritual, entender também que, com o mistério de Pentecostes, o mistério do Gógolta substituiu o antigo mistério do mito solar.
Que o Cristo é o deus solar tornou-se especialmente claro a Paulo, quando da sua visão em Damasco. Paulo era discípulo dos iniciados dos antigos mistérios. Ele aprendeu que só podemos encontrar o Cristo quando alcançarmos o mundo espiritual através da clarividência.
E ele dizia: “Eis que existem discípulos que afirmam ter o ser solar vivido num homem e ter passado pela morte. Isto não pode ser correto, pois o ser solar só é visto fora da Terra.” Enquanto se manteve fiel ao seu conhecimento dos mistérios, Paulo lutou contra o Cristianismo.
Por meio da revelação vivida em Damasco, Paulo compreendeu que é possível contemplar o Cristo sem se elevar aos mundos espirituais, pois ele realmente descera à Terra. E a partir desse momento ele sabia que os discípulos de Jesus Cristo diziam a verdade, porque o grande ser solar havia descido do céu à Terra.
Se o Cristo não tivesse aparecido na Terra, se só continuasse apenas como deus do Sol, a humanidade teria entrado em decadência. Os homens teriam, cada vez mais, acreditado que só existem as coisas materiais, que o Sol é apenas matéria, as estrelas apenas são formadas por matéria. Porque os homens se esqueceram totalmente do fato de que eles mesmos desceram da existência pré-terrestre, do mundo espiritual estelar.
Porém, a vida da humanidade só suportaria durante um tempo limitado mais que uma certa soma de pensamentos materialistas. Tal soma de pensamentos que dizem tudo é “material” só pode durar por um tempo definido. Se, por exemplo, todos os homens acreditassem durante um século inteiro que tudo era constituído apenas de matéria, eles perderiam a força do espírito no seu interior e se tornariam doentes, paralisados. Isto aconteceria, se o Cristo não tivesse em sua infinita compaixão descido do mundo espiritual à Terra.
Vocês dirão que muitas pessoas ainda não querem saber nada sobre o Cristo, não seguem uma religião cristã. O que acontecerá com eles? Por que não estão paralisados, fracos, doentes?
Vejam, meus caros amigos, o Cristo apareceu na Terra, no acontecimento do mistério do Gólgota, não apenas para dar uma doutrina aos homens, mas para realizar o fato da sua aparição na Terra. Ele morreu para todos os homens. A constituição física de todos os homens foi melhorada e salva por meio do mistério do Gólgota, também daqueles que não acreditaram em Cristo.
Até agora não importava que alguém fosse chinês, japonês, hindu e não quisesse saber nada sobre o Cristo: pois o Cristo morreu para todos os homens.
Isto não será possível da mesma forma no futuro, porque para a humanidade será cada vez mais decisivo, em comparação ao que foi até agora, qual o conhecimento que se tem. Com a evolução da humanidade, surgirá mais e mais a necessidade de todos os homens adquirirem um certo conhecimento dos seres espirituais e da Vida espiritual.
Esse conhecimento, que leva todos os homens a penetrar no mundo espiritual, é aquele a que aspira a pesquisa antroposófica. E com esse conhecimento poder-se-á também reconhecer o Cristo.
Quando a Antroposofia for assimilada corretamente, poder-se-á falar sobre o Cristo de maneira tal que a descrição seja compreensível para todos os homens.
Com a forma usada até hoje para anunciar o Cristianismo, os missionários que foram à África, à Ásia, conseguiram talvez converter algumas pessoas, mas as grandes massas o rejeitaram, porque não podiam entendê-los.
Que tipo de religião tinham os povos? Eram religiões que tinham surgido dentro de um povo e só podiam ser compreendidas por esse mesmo povo, porque veneravam algum lugar sagrado ou uma personalidade santa dentro do próprio povo. Enquanto os egípcios veneraram o deus de Tebas era obrigatório peregrinar a Tebas, onde se podia venerar esse Deus em seu santuário. Enquanto Zeus foi venerado em Olímpia, devia-se ir a Olímpia, para nesse lugar venerar o Zeus. Da mesma forma deve o muçulmano viajar para Meca.
Algo disso se conservou também no próprio cristianismo. Quando entendermos corretamente o cristianismo, saberemos que o Sol brilha para todos os homens. Ele brilha sobre Tebas, sobre Olímpia, sobre Meca. Pode-se ver fisicamente o sol de qualquer lugar e por isso também o grande ser solar, o Cristo, pode ser venerado espiritualmente.
E assim, a Antroposofia mostrará aos homens que aquele ser, que antes do mistério do Gólgota só podia ser alcançado mediante capacidades supra-sensíveis, pode, a partir do mistério do Gólgota, ser alcançado pela força cognitiva, que deve ser conquistada na própria terra.
Será novamente compreendida a palavra que diz: “os reinos dos céus desceram à Terra”. Não mais se falará de forma mística sobre o reino milenar, mas será compreendido que o que se procurava antigamente no sol, agora se encontra na Terra. “ E diremos: “o Cristo está entre nós desde o mistério do Gólgota, porque desceu à Terra e mora entre os homens na Terra.”
O que os discípulos sentiram como o mistério de Pentecostes, poderemos sempre sentir novamente: “ o Cristo desceu à Terra e em nosso coração nasce aquela força que assegura aos homens a imortalidade.” Porém, deveremos levar a sério as palavras do Cristo em sua verdade profunda, por exemplo: “eu estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos.” E quando pudermos levar a sério essas palavras em sua profundidade espiritual, também nos será possível adquirir o seguinte conhecimento: “o Cristo não esteve aqui na terra apenas no começo da nossa era, ele está aqui sempre, e Ele fala conosco se queremos ouvi-Lo.”
Para isso, deveremos aprender novamente, por meio da ciência espiritual, a ver o espiritual em qualquer objeto material. O espiritual por trás da pedra, o espiritual por trás da planta, o espiritual por trás dos animais, dos homens, das nuvens, das estrelas, por trás do Sol. Se encontrarmos novamente, através da matéria, o espírito em sua realidade, abriremos a nossa alma humana para a voz do Cristo que quer falar conosco, se quisermos ouvi-lo.
E a Antroposofia pode falar sobre o espírito que permeia toda a natureza. Por isso ela pode também afirmar que o espírito atua em toda a história terrestre da humanidade, e pode dizer que a Terra só recebeu o seu sentido através do mistério do Gólgota.
O sentido da Terra estava no Sol antes do mistério do Gólgota. Desde o mistério do Gólgota o sentido da Terra está unido com a própria Terra. Isto, a Antroposofia gostaria de levar à humanidade como um mistério pentecostal sempre presente.
E os homens, se estiverem dispostos a procurar o mundo espiritual com a Antroposofia, poderão então, de forma adequada aos tempos atuais, reencontrar também o Cristo como o onipresente.
Se em nossos tempos não se inclinarem para o conhecimento espiritual, os homens irão perder o Cristo. Até agora o cristianismo não precisou do conhecimento. O Cristo morreu para todos os homens. Ele não renegou os homens. Se hoje os homens rejeitarem o Cristo no conhecimento, eles então renegarão o Cristo.
Como o nosso encontro aqui em Oslo foi nesta época da festa de Pentecostes, eu queria lhes falar sobre o mistério do Cristo, relacionando-o com o mistério de Pentecostes.
Às vezes há quem opine que a Antroposofia é uma inimiga do cristianismo. Quem perceber realmente o espírito da Antroposofia, descobrirá que será ela justamente que abrirá novamente os ouvidos, o coração e a alma do homem como um todo para o mistério do Cristo.
Meus caros amigos, o destino da Antroposofia quer se ligar ao do cristianismo. Para isso é necessário que os homens de hoje se elevem, além da palavra morta que lhes fala do Cristo, para aspirar a um conhecimento que os conduza à própria luz do Cristo vivo, não daquele histórico que séculos atrás vivera na Terra, mas daquele que hoje e em cada momento do futuro vive e viverá na Terra entre os homens, porque se transformou de deus em seu irmão divino.
Assim, queremos receber em nossos pensamentos pentecostais o anseio de procurar através da Antroposofia o caminho ao Cristo vivo e sentir como em cada antropósofo pode ser renovado o mistério primordial de Pentecostes. Que em seus corações surja o conhecimento do Cristo que aquece e ilumina nas línguas de fogo do conhecimento cristão universal.
Façamos com que o nosso caminho em direção ao espírito através da Antroposofia seja ao mesmo tempo o caminho em direção ao Cristo através do espírito. E se isto for assumido por uma minoria de pessoas com seriedade então será cada vez maior o número de homens em que esse mistério de Pentecostes criará raízes no presente e especialmente no futuro.
Então acontecerá o que a humanidade tanto precisa para a sua saúde e para a sua cura: falará então, para uma nova compreensão humana, o espírito salvador que Cristo enviou para curar as doenças das almas dos homens. Então, meus caros amigos, virá aquilo que a humanidade precisa:
O Pentecostes Universal!
(*) Nota do tradutor: Rudolf Steiner proferiu esta palestra em Oslo, por ocasião da fundação da Sociedade Antroposófica na Noruega. Ele deve ter usado este estilo simples de freses curtas para facilitar a tradução para o norueguês, o que facilitou também a tradução para o português.
(**) Observação da remetente: Calvário (em aramaico Gólgota) é o nome dado à colina que na época de Cristo ficava fora da cidade de Jerusalém, onde Jesus foi crucificado. Calvaria em latim, Κρανιου Τοπος (Kraniou Topos) em grego e Gûlgaltâ em transliteração do aramaico. O termo significa “caveira”, referindo-se a uma colina ou platô que contém uma pilha de crânios ou a um acidente geográfico que se assemelha a um crânio. O Novo Testamento descreve o Calvário como perto de Jerusalém (João 19:20), e fora das muralhas da cidade (Epístola aos Hebreus 13:12). Isso está de acordo com a tradição judia, em que Jesus foi também enterrado perto do lugar de sua execução.
O imperador romano Constantino, o Grande construiu a Igreja do Santo Sepulcro sobre o que se pensava ser o sepulcro de Jesus em 326 –335, perto do lugar do Calvário. De acordo com a tradição cristã, o Sepulcro de Jesus e a Verdadeira Cruz foram descobertos pela imperatriz Helena de Constantinopla, mãe de Constantino, em 325. A igreja está hoje dentro das muralhas da Cidade Antiga de Jerusalém, após a expansão feita por Herodes Agripa em 41-44, mas o Santo Sepulcro estava provavelmente além das muralhas, na época dos eventos relacionados com a vida de Cristo.
Dentro da Igreja do Santo Sepulcro há uma elevação rochosa com cerca de 5m de altura, que se acredita ser o que resta visível do Calvário. A igreja é aceita como o Sepulcro de Jesus pela maioria dos historiadores e a pequena rocha dentro da igreja como o local exato do Monte Calvário, onde a cruz foi elevada para a crucificação de Jesus.
Rudolf Steiner – GA 226 – Oslo, 17 de maio de 1923
Tradução: Leonore Bertalot
A FORTE PRESENÇA DO ESPÍRITO
O tempo entre a Ascensão e Pentecostes, nos traz a lembrança dos dez dias especiais, durante os quais os discípulos do Cristo se prepararam para a vinda do Espírito Santo. Durante quarenta dias conviveram eles com o ressurgido da morte, que lhes ensinou a respeito do Reino de Deus. E esse ensinamento talvez fosse como uma continuação das palavras de despedida, conhecidas através do Evangelho de João.
Depois veio o acontecimento que chamamos de Ascensão do Cristo. Porém nos Atos dos Apóstolos, onde esse acontecimento é narrado, não nos é descrito que o Cristo “deixou” a Terra, senão que ele “entrou” no Céu. Ele foi ao Pai. Ele foi a caminho da Galiléia, a frente de seus discípulos. Sua “ida”, seu “caminhar a frente”, é caracterizado mais como um “ser acolhido”. Ali é dito: “… e uma nuvem o acolheu diante de seus olhos (discípulos), acobertando-o”. Isso porém não quer dizer que o Cristo deixou a Terra, pois estaria em contradição com o que diz aos discípulos, como consolação e promessa: “… e vide, Eu estarei convosco até o final dos Ciclos dos Tempos”. Isso quer dizer que Ele estará sempre com eles e com a Terra. O mundo das nuvens, que o acolheram, pertencem também a Terra, envolve-a como um manto vivente, como um manto de fertilidade. O Cristo abarca com o seu ser o Céu e a Terra. “A Mim foi dado todo o Poder, no Céu e na Terra”.
O fato de que os discípulos não mais o conseguem enxergar, a partir disso, é resultado de suas fracas capacidades de visão espiritual. Eles não conseguem mais vê-LO, por que não conseguem acompanhá-LO em sua transformação, pois Ele se transforma constantemente, elevando-se a uma existência espiritual. Os discípulos necessitam para vê-LO novamente, formar um órgão espiritual de visão muito mais sutil. Eles precisam conseguir se elevar a si mesmos para o âmbito de existência das nuvens, onde Ele habita. Só então poderão vê-LO novamente. E esse reencontro seria um “surgir de novo”, seria como uma “vinda”. Os anjos dizem:
“Esse Jesus, que foi acolhido no Céu, virá outra vez, assim como O vistes ser acolhido ao Céu”. – Atos dos Apóstolos 1,11
Cristo mesmo disse essas palavras:
“Eu sai do Pai e vim ao mundo; e outra vez deixo o mundo e volto ao Pai” – João 16,28
Ele deixa o mundo da visão dos sentidos, da sensorialidade. Ele volta ao Pai.
Porém o que significa isso exatamente? Quem, ou o que é o Pai?
O Pai é “o Fundamento da Existência do Céu e da Terra”, Ele é o Fundamento de todos os seres e de todas as coisas. Quem vai a Ele, vem muito mais próximo a todos os seres e coisas, pois vai ao fundamento, ao cerne, no mais profundo de todos os seres. Estranhas e distantes nos são todas as coisas na superficialidade. O mundo da sensorialidade e da materialidade é estranho e distante. A nossa corporalidade nos separa uns dos outros. No cerne espiritual porém, todas as coisas são muito próximas. Por isso, a expressão “ir para o Pai” é em verdade o contrário de um afastar-se, é exatamente um “se aproximar mais”.
Uma de nossas orações de Ascensão possui essa expressão misteriosa de “ir ao cerne”:
“O Cristo habita em nós, enquanto habita no Pai. O Pai, o Filho e a Humanidade se tornam um só. O Pai, para o qual o Cristo vai, é o mais profundo fundamento do nosso ser. Nós todos temos nossas raízes no Pai. E agora, não existe Nele nenhuma separação mais. A separação terminou, e nunca mais seremos expulsos de sua existência.” – Christian Morgenstern
Essa verdade da Ascensão é uma fonte de consôlo. Ela nos assegura a força e a presença do Espírito. Ela porta em si algo que vence o medo. O abandono e a separação do mundo sensório nos amedronta. Agora porém, podemos acolher em nosso coração a força do Espírito do Cristo, que une, que fortalece com a sua paz.
“Isso vos disse, para que tenhais a Paz em Mim. No mundo tereis medo, porém tomai coragem, Eu venci o mundo” – João 16,33
PENSAMENTO:
“A verdadeira religião não é somente reflexão e pensamentos, senão que atividade… e ela não é uma atividade que se cultiva na solidão, separado de outras pessoas, em certas horas ou dias; Ela é justamente a realidade do Espírito em nosso interior, que se manifesta como uma extensão para o mundo, mergulhando, permeando e vivificando nossos pensamentos, nossas palavras e nossos atos”. – João GottLiebe Fichte
Texto de Willy Nüesch
HISTÓRICO DA ASCENSÃO DO CRISTO
A festa da Ascensão sempre acontece 40 dias depois de Páscoa.
HISTÓRICO DA ASCENSÃO
A época de Páscoa desemboca na festa de Ascensão do Cristo.
A humanidade da época em que Jesus Cristo viveu na terra precisava de uma salvação.
Desde da queda do Paraíso, os homens tinham se afastado cada vez mais das forças celestiais. O abismo entre eles e Deus era irreconciliável. A continuação da vida na terra se tornou quase impossível. Com o mistério do Gólgota e a Ressurreição, Cristo triunfou da morte e assim rejuvenesceu a terra e o homem. Isso aconteceu para todas as pessoas igualmente, quer acreditem em Cristo ou não, isso não importa.
40 dias depois da Páscoa, Cristo, seus discípulos e outras pessoas estavam juntos numa montanha. Cristo os abençoava e à terra, quando os discípulos puderam observar um enorme crescimento contínuo do Cristo, e até mesmo eles que tinham as almas bem preparadas, não podiam acompanhar mais esse crescimento e uma nuvem o tirou da vista deles (Lucas 24,50-53) (Historia dos Apóstolos 1,1-12).
Desde aquele momento ele preenche aquele espaço entre a terra e os céus. Ele é a “ponte” entre os homens e o mundo celestial, cobrindo o abismo que existe entre Deus e os homens, desde a queda do Paraíso. Essa “ponte” pode ser encontrada e caminhada por aqueles que querem procurar e seguir o Cristo.
Desde a Ascensão, isso é possível para os homens. Cristo é a ponte que leva ao Deus-Pai. Mas esse esforço de procurar o Cristo no mundo tem que ser feito por cada um individualmente. Cristo está conosco até o fim dos tempos (Math. 28,20), Quem quer pode encontrá-lo, levar uma vida em Cristo e receber o Espírito Santo (Pentecostes). Para isso os discípulos prepararam as suas almas nesses 10 dias de Ascensão.
Como podemos ver nitidamente no hemisfério norte, no inverno a alma da terra se recolhe. Com a chegada da primavera, tudo brota novamente e é como se a terra elevasse sua alma aos céus, esperando sua benção através dos elementos (chuva, sol). Isso acontece a cada ano, caso contrario não teríamos as frutas e sementes no outono. Mas também aqui no Brasil dá para ver árvores com flores lindas se abrindo para o céu nessa época. Assim a terra eleva a sua alma para receber a benção e nós elevamos a nossa alma para o céu através das orações. Podemos ainda preparar a nossa alma e receber a benção de viver em Cristo, que nos levará até o Pai (João l 4,6).
Festas Cristãs
O SIMBOLISMO DAS FESTAS DE ASCENSÃO E PENTECOSTES
Ao contrário das festas da época fria, cheias de imagens simbólicas, as festas da época quente são pobres em imagens simbólicas. Por exemplo, a Páscoa é simbolizada por ovos.
O entendimento das festas de Ascensão e Pentecostes depende do ressuscitar do pensamento humano das trevas do pensamento materialista. Ascensão marca a saída de Cristo da proximidade sensitiva dos Apóstolos. Cristo desaparece por entre as nuvens.
O simbolismo das nuvens é utilizado pois, o calor gera vapor, que se condensa formando nuvens, que produzem chuvas que são o início da vida.
Cristo salvou a Terra das forças da morte; Ele ata a Terra de novo nas forças da vida. Para tanto, Ele se expande tanto que se torna invisível perante os Apóstolos. Pela imagem das nuvens, a Bíblia insinua que Cristo, à partir daí, envolve a Terra e a permeia.
A paixão e a Páscoa atraem nossa visão para a ligação de Cristo com as substâncias minerais da Terra (túmulo de pedra), bem como o reino vegetal e a água. Nos 40 dias seguintes, Cristo se liga com os organismos fisicamente vivos.
A Ascensão é a época das flores na natureza, principalmente das árvores frutíferas. Significa a aproximação da espiritualidade terrena com a espiritualidade cósmica. Maio parece lembrar a época do Paraíso.
A Ascensão marca o término da missão de Cristo na Terra. Já Pentecostes marca a época em que os Apóstolos recebem o fruto desta missão terrena.
Eles encontravam-se reclusos na dor, quando, após 10 dias da Ascensão, foram batizados com fogo e espírito. À partir disso foram capazes de falar sobre Cristo de forma que atingiam todo ser humano. Este é o início da disseminação do Cristianismo. E este impulso do Eu humano é melhor representado pela imagem do fogo.
No “dente-de-leão”, este processo é muito claro: as flores se abrem como um sol; após alguns dias as pétalas se fecham novamente para reabrir como uma esfera de sementes finíssimas que se espalham com o vento e se depositam na terra para gerar uma nova planta. A planta necessita fechar-se diante da luz assim como a consciência dos Apóstolos se fechou para a presença de Cristo.
Enquanto a Ascensão é simbolizada pelas floradas, Pentecostes é simbolizada pelos frutos e sementes, coroando o ciclo anual.
ASCENSÃO
Os 40 dias de Páscoa desembocam na Ascensão quando o Ressuscitado ultrapassa a capacidade dos Apóstolos de presenciá-lo. Ele se torna senhor das forças divinas que agem na Terra.
A MESA DA ASCENSÃO
Um quadro da Ascensão, emoldurado com cartolina dourada, pendurado na parede sobre a mesa. Uma toalha verde; uma vela branca. Ao lado, um vaso com flores do campo. Sobre a toalha verde, debaixo das flores, colocar muitas estrelas pequenas douradas.
AS NUVENS
Nesta época existe uma grande formação de nuvens, de formatos impressionantes. Num passeio com as crianças observar as nuvens, pois as mudanças constantes nos seus formatos podem dar asas à imaginação.
O “DENTE DE LEÃO”
Durante um passeio com as crianças, colher esta planta e fazer as crianças soprarem as sementes que se espalham pela terra. O melhor lugar é uma colina e a favor do vento.
Festas Cristãs
O ATUAR DO CRISTO SOBRE A TERRA
Transfiguração – Ascensão – Segundo Advento
Transfiguração sobre o monte: Formação de Nuvem. Podemos lembrar talvez, no plano sensorial, como metáfora, os maravilhosos germens de nuvens que descrevi ontem à tarde. No céu azul da primavera se formam as pequenas nuvens de “cúmulo humilis”, arredondadas, luminosas, às vezes em grandes grupos, que debaixo de certas circunstâncias podem converter-se em uma gigantesca nuvem de tormenta elétrica. Se forma algo no âmbito intermediário, no reino dos céus, que está destinado para a terra.
Agora sabemos pois, que o seguinte acontecimento cristológico é a entrada em Jerusalém, o Domingo de Ramos. Alguns gregos apresentam a pergunta decisiva para a essência de Cristo. Querem que Ele se lhes revele. O querem ver. Então suplica Ele pela glorificação do nome do Deus Pai. E das alturas resona a voz do Pai. Alguns dos presentes dizem que trovejou (São João 12, 29). O gérmen da nuvem que se formou durante a transfiguração se condensou entretanto, adquiriu uma potência que os homens não percebem, mas que podem ouvir. Uma tormenta se desencadeia nas alturas cósmicas e baixa os seus efeitos de modo especial até a constituição física de Jesus na Terra. Agora Ele pode dizer que o Príncipe deste mundo foi expulso do âmbito que antes acreditou possuir, o âmbito da corporalidade humana.
Distintos presentes, neste instante lançamos uma olhada retrospectiva para a tentação do poder luciférico, oferecendo a Cristo todas as glórias dos reinos – já ocupados – deste mundo, somente adorando este poder luciférico. Mas a resposta do Cristo era que Ele considerava como sua tarefa, entrar na Terra mesma, para trabalhar aí entre os seres e entre as regiões de sua estrutura. Pois só assim pode Ele ajudar ao mundo sem intervir em sua liberdade.
O outro poder adversário o “Príncipe deste mundo”, vê como Cristo entrou em seu reino. Este reino é também o reino da morte, cuja capacidade universal consiste em separar o unido; é o oposto do que quer Cristo, que quer viver entre um e outro ser para unir, para mediar, para ser o agente da “suave transição”; a morte desenvolve sua eficácia em desunir o composto até o pó da matéria. O poder da morte não consiste somente em separar o unido – isso acontece no falecimento de todo indivíduo – mas sim também quando separa algo de sua origem a qual realmente pertence. Ela é capaz de alienar um ser de si mesmo provocando a atrofia e morte de seu desígnio. Se tem a impressão de que também a ação das forças da morte trabalha de certo modo entre as linhas da existência, mas em sentido oposto, separando e cortando; ela isola, endurece, contrai; gela e pulveriza.
Que ocorre agora quando o ser da morte tem que experimentar que o Cristo baixa ao precipício da decomposição, da desunião e separação? Cristo até afirma que é seu reino que o adversário ocupou ilegitimamente. O adversário já cumpriu seu serviço no mundo, e Ele entra no reino que era seu desde a origem. Entra no reino intermediário da morte.
No mistério central do Gólgota penetra a entidade divina de Cristo na esfera da morte, no processo mesmo da morte que cria distâncias, separações. Ele aprende estas distâncias, estes precipícios, entra neles e os incorpora em si. E ao incorporá-los transforma a morte, a separação, na “transição, o suave”, as transforma no que une, media, sana e liga. A morte mesma é apreendida e vencida em sua essência mais profunda. Só Cristo pode realizar isto, pois seu ser forma parte substancial desde a origem das origens dos “âmbitos intermediários” em que se havia instalado a morte.
Rudolf Steiner expressou uma vez que a luta com a morte, a penetração na esfera da morte, este recolher do nada, do espaço e o alcançar o espaço intermediário com vida que une e cura, foi algo tão fundamental que no começo o resultado ainda foi indefinido. Mas Cristo venceu. Em que consiste esta vitória? Cristo venceu a morte mantendo unidas a matéria antes lançada para a morte para abaixo da desintegração – e a vida – antes arrancada para as alturas do mundo espiritual com o falecimento de uma pessoa; e isso passou de tal modo que a força deste corpo vital, purificado e à volta do luminoso e solar na transfiguração, havia adquirido a capacidade de apoderar-se da matéria e transubstanciar-la. A matéria era espiritualizada por Ele e incorporada a seu ser, de maneira que Ele só deixava o pó, as cinzas deste fogo nas profundidades da Terra. A luta pela ressurreição foi um processo substancial-corporal, em cujo transcurso Ele penetrou na esfera da morte, para desenvolver aí a força que cura, une e cria vida e para espiritualizar a matéria deste corpo humano com o fim de que lhe seja restituída a figura arquetípica da corporalidade humana. A matéria voltou a ser luminosa.
Não creio que alguém pintou esta transformação melhor que Matthias Grünewald em seu altar de Isenheim. Neste podemos observar com nossos próprios olhos como a aura, a aura consciente do Ressuscitado – esverdeado no exterior, depois vermelho, amarelo, rosa e púrpura – dá a impressão de que o rosto, os olhos, também a barba parecem estar em contínua formação, e ao mesmo tempo é como se não existissem. Este mestre conseguiu realmente pintar o acontecimento com cores físicas de maneira que se fez perceptível para a vista: o Ressuscitado não é só o “Ressuscitado”, mas é a força da ressurreição mesma; é a potência, capaz de conservar a figura humana, o poder capaz de espiritualizar a matéria para dentro desta figura humana mediante uma consciência que nunca havia perdido a ligação com o Pai.
Esta ligação foi fundamento de sua vitória. Embora tivesse que penetrar na esfera da morte, não se produziu nunca uma alienação de sua essência espiritual para com o Pai; e devido a isto o adversário já não teve poder sobre ele.
Depois de observar no quadro de Grünewald como pinta a aura solar, que, pode-se dizer assim, representa a consciência universal de Cristo, dirigimos nosso olhar também às cores que recebem o vestido elevado da sepultura pelo vento. Aí não há verde, mas púrpura, aí há vermelho, amarelo dourado, laranja, violeta azulado, toda a plenitude anímica deste ser, que conseguiu a vitória por ter sido capaz de sentir compreensão até com a morte mesma.
Não há, em realidade, nenhuma nuance de sentimento que não foi conhecido por Cristo, até o da morte mesma. Quer dizer: Ele transformou a morte em vida: Ele venceu a morte desde dentro, porque foi capaz de sentir com ela. Logo observamos a corporeidade dos estigmas. Precisamente as feridas são o lugar em que atua o pleno poder da ressurreição, o pleno poder de formar e de dissolver corporalidade. Precisamente aqueles pontos em que o corpo físico sofreu feridas, foram os lugares em que a formação do corpo, a condensação das forças espirituais, puderam ser tão fortes que o discípulo Tomás conseguiu palpá-las fisicamente.
Foi criado um centro próprio de gravidade cósmica totalmente novo; não o absorvem nem as distâncias espirituais, nem o sujeita o peso das profundidades terrestres; Ele se sustenta totalmente livre, uma consciência universal que está unida com o Pai, um sentir universal que até compreende o adversário, a morte. Cristo salva a figura humana da morte, de tal modo que possui poder para formar um corpo e para desintegrar um corpo, coma as nuvens no âmbito sensorial: formação de nuvens – dissolução de nuvens; da mesma maneira se forma e dissolve agora o corpo do Ressuscitado, que é em verdade a ressurreição mesma.
O Ressuscitado é a ressurreição, e a ressurreição é o verdadeiro: o mistério real do reino dos céus, do reino de Cristo que chegou a terra. Este reino não tem só sol, também tem nuvens. Tudo o que Ele viveu, fez, ensinou, sofreu sobre a terra, não se distanciou Dele depois dos três dias, mas ao contrário; se condensou ao redor Dele nas cenas de sua vida sobre a terra – o verdadeiro Evangelho. Ao redor Dele se mantém intactas estas cenas, como nuvens ao redor do sol. São as “figuras das nuvens” de seu caminho terrenal e de seus feitos sobre a terra que Ele confirmou e agora este é seu reino, o reino de Cristo sobre a terra: entre fogo, ar, água, terra, mineral, planta, flor, mariposa, animal, homem, nuvem, pai, mãe, criança, irmão, irmã, pensar, sentir e querer em todas as partes.
Assim entendemos a expressão de Novalis: “Penetre Ele a estrutura de nossa Terra.” Onde podíamos sentir a presença de Cristo, mas aí aonde está? “Que ele lhe falte, sinta, forme.” Para captar este reino misterioso que uma vez se chama Galiléia, outra vez o reino dos céus, uma terceira vez o reino de Deus, uma quarta vez o reino das idéias eternas, uma quinta vez o país Shambala, devemos desenvolver a vidência do coração. Este reino existiu sempre, mas ainda não se havia concretizado. Pois depois dos 40 dias em que o Ressuscitado realizava continuamente a ressurreição, aparece de novo a nuvem. Os discípulos observam desde o alto do monte como se forma. O Ressuscitado se eleva a nuvem; com outras palavras, a ressurreição passa agora a ser das nuvens. A ressurreição em sua conseqüência é como força, se transforma agora dentro da vida das nuvens no domínio das forças celestiais na Terra. O Ressuscitado, depois dos 40 dias, entra no âmbito espiritual e germinante da formação das nuvens que já começou na transfiguração, e agora está novamente presente. Esta formação o acolhe para fazer-lo acessível a toda a humanidade, a toda a terra até os confins do mundo. Ele passa a ser das nuvens, “aos céus” (Atos dos Apóstolos), o que de repente o faz invisível aos homens, mas os faz experimentar as conseqüências deste fato espiritual. E os testemunhos contidos nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos assinalam às cenas e imagens diferentes do mesmo âmbito. A realidade espiritual da montanha alta na Galiléia em São Mateus, a fonte de todo poder nos céus e sobre a terra, o lugar a direita de Deus em São Marcos, a ascensão ao céu junto com a benção em São Lucas e os livros que não cabem no mundo em São João, todos são aspectos espirituais diferentes do mesmo âmbito que nos Atos dos Apóstolos se chama nuvem. A diversidade das versões se relaciona com os homens que experimentaram os acontecimentos e os relataram.
A primeira conseqüência que tem a ascensão aos céus consiste em que Ele transmite irradiante a consciência e o saber, desde este âmbito das nuvens, de repente invisível e inacessível: Envia desde o ser das nuvens, dez dias depois da ascensão aos céus, o Espírito do conhecimento, o espírito da compreensão. A primeira conseqüência da Ascensão aos céus é o derramamento do Espírito Santo sobre cada um individualmente. Assim podemos prevenir paulatinamente o que significa que este ser começa a abarcar a toda humanidade, a terra inteira; o envio do Espírito se individualiza em cada ser humano, na vida anímica, na consciência, no conhecimento e na compreensão espiritual superior.
Assim o homem também nota que o estado de alerta espiritual que experimenta, só é possível porque ao mesmo tempo segue o segundo dom da Ascensão: O ser de Cristo entrou na parte consciente da alma, quer dizer, novamente em cada um dos seres humanos. Tratemos uma vez de vivenciar intuitiva e prudentemente o que significa para o Cristo morrer, despedaçar- se dentro da essência mais profunda e inconsciente de cada indivíduo, para em seguida brindar, desde a esfera do espírito, a cada um dos homens a força individual da compreensão. É uma interação no homem mesmo, entre sua vida anímica consciente e inconsciente.
O terceiro dom distribuído pela Ascensão se manifesta em cada culto em que Cristo sacrifica sua corporalidade no pão que se parte sobre o altar e no vinho do cálice. Isto passa de Julgar a lugar, sobre toda terra; em cada culto, Cristo se individualiza para a comunidade presente: Na comunhão esta corporalidade entra em cada um que o deseja, pois nós recebemos corpo e sangue de Cristo em forma individual.
E, finalmente se revela um quarto derivado da Ascensão. Se no homem trabalha uma consciência clara acerca do fato de que a parte inconsciente de sua alma está engrandecida de Cristo, e ademais trabalha nele aquele que ascende a sua consciência ao converter-se em cristão crente; e se em terceira instância se sente animado do que capta quando se faz cristão que compreende sua fé, então se produz virtualmente a possibilidade que a imagem, a figura do Ressuscitado pode formar-se e aparecer-lhe desde a “nuvem” em qualquer momento e em cada lugar da terra. Este acontecimento o caracterizamos como o segundo advento de Cristo no ser das nuvens.
O primeiro dom da Ascensão: o envio do espírito pelo Filho se realiza para a consciência do homem.
O segundo dom: as forças de vida de Cristo são levadas ao inconsciente do ser humano, e este pode perceber animicamente a convivência com os dons. Se forma a força da fé.
O terceiro dom: os homens podem celebrar o culto cristão e receber em pão e vinho o corpo individualizado e o sangue de Cristo.
O quarto dom: O Cristo pode aparecer a todo ser humano como aquele que retorna desde o ser das nuvens.
Se descobre que todo este ser das nuvens contém a força germinal da alma, a força germinal da cura e a força germinal da revelação, a última em dois sentidos: no da iluminação e no da aparição.
Assim nos acercamos ao quinto dom da Ascensão, correspondente mais ao futuro, que se baseia em que agora também a corporalidade humana poderá plasmar-se cada vez de novo, de modo que cada pessoa experimenta uma modificação das relações entre suas esferas espiritual, anímica e corporal. Isto começa com a respiração, passa ao pulso, ao sangue. Respiração e sangue fluem de outra maneira, o processo do metabolismo do homem se modifica paulatinamente: o homem participa das forças da ressurreição até na sua corporalidade.
E assim como nós, os homens, perceberemos no futuro o Ressuscitado como o que retorna nas nuvens – pois a nuvem aparece sempre aí aonde nos Evangelhos, nos Atos dos Apóstolos e no Apocalipse se fala do segundo advento de Cristo -, assim participaremos no futuro na transformação de nosso corpo humano na força da ressurreição. Isto acontece livre no mundo que é o reino dos céus; aquele reino do qual Ele disse: “Meu reino não é deste mundo”, e ao que Ele se referiu quando anunciou ao ladrão arrependido: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”.
Quantos nomes, quantas aparências possui este reino! O reino de Deus sobre a terra é, graças à ascensão aos céus, algo que germina, tece e vive eternamente, algo que o homem pode descobrir seu próprio interior, que pode encontrar na natureza e que pode presentir na futura conformação da terra. E com isto também se abre o olhar até outro dom da Ascensão que abarca também ao ritmo da vida humana, mas que esta tarde só posso mencionar: é o modo como o reino de Cristo convive com as estações do ano na terra, convertendo-se assim na base para as festas.
Depois do que temos observado, a raiz de nossas investigações acerca das nuvens, o reino do “ser das nuvens”, podemos usar o conceito da “transição, o suave”, como uma espécie de chave para perceber, em forma íntima cada vez mais clara, aquele âmbito no qual Cristo convive conosco sobre a terra.
Distintos presentes, quando um sente sua atenção atraída por este âmbito, começa, por certo, a portar-se de maneira um pouco diferente frente a si mesmo, como também frente a outras pessoas. Não só intervêm “agressão e frustração” no trato com outras pessoas e consigo mesmo, mas também a reflexão sobre “o suave”. Nós adquirimos outra relação com nosso próprio corpo, com nossa alma, com nosso ser superior. Podemos manejar nossos pensamentos e sentimentos com mais liberdade se sabemos: se deixo que tudo se junte pela força da pura natureza, então não me encontro no caminho para o Cristo. Mas se intento plasmar com cuidado o “intermediário”, encontrar a transição livre e consciente de uma esfera a outra, então começa a trabalhar Cristo em mim. O mesmo vale para minha relação com meus semelhantes, para os vai e vem do comportamento social, quando consegue readquirir vida “o suave”. Pois: “Onde dois ou três se reúnem em meu nome, estou eu entre eles” (São Mateus 18, 20).
Como devemos a Goethe a expressão de “o suave” que explica e libera tanto, permitam-me que finalize ambas as conferências com suas palavras:
E quando estabelecermos diferenças
devemos de novo consentir
dons vivos ao separado
e alegrarmo-nos de uma vida que segue.
É quando o pintor e o poeta,
na ordem de Howard bem versados,
investigam desde cedo até tarde
a atmosfera em atenta observação.
Estabelecem riscos seguros
mas airosos mundos os concedem
a transição, o suave,
para que o captem, sintam, formem.
Friedrich Benesch
OS OVOS E A ÁRVORE DA PÁSCOA
Não é apenas no Natal que podemos criar uma árvore para enfeitar, a Páscoa talvez seja a época mais propícia para isso, pois ela é o símbolo de toda a transformação, da semente ao fruto, tornando-se semente novamente, fechando assim o ciclo da vida. Sugerimos, porém, que ela seja feita com um galho seco, aparentemente morto. É durante esta época que ela deverá ser montada e primeiramente pode-se colocar lagartas (feitas com graveto enrolado com fio de lã ou de pedacinhos de feltro enfileirados com linha ou ainda bolinhas de papel crepom coladas umas nas outras).
Na semana seguinte as lagartas vão sendo substituídas por casulos (as próprias lagartas podem ser envolvidas com retalhinhos de pano, algodão ou lã de carneiro), toda a atividade com a participação das crianças.
No domingo de Páscoa os casulos deverão ser substituídos por borboletas de papel ou pano. Convém lembrar que nem todas as lagartas se transformam ao mesmo tempo, e que algumas nem chegam a se transformar, portanto convém deixar penduradas no galho algumas lagartas e alguns casulos em proporções bem menores que as borboletas.
Os ovos podem ser decorados uma semana antes (1º faz-se um furo em cada uma das extremidades e sopra-se com força, o conteúdo do ovo sai, e este fica vazio). São pintados com as mais variadas cores e materiais (tinta, giz de cera, colagens, pigmentos naturais), pode-se passar por ambos os furos um barbante ou fita, de um lado faz-se nós e estão prontos para pendurar na árvore no domingo de Páscoa.
Esta árvore pode ficar montada até Pentecostes, que determina o fim da época.
Obs. Os materiais de confecção são apenas sugeridos, cabendo a cada um desenvolver e criar se necessário achar.
Fonte: Arquivos da Pedagogia Waldorf
A VIVÊNCIA DA PÁSCOA
Existem várias formas para poder se relacionar com esta festa. A época atual, tão longe de todo o religioso ou do autenticamente espiritual, oferece, paradoxalmente, muitos elementos que possibilitam uma relação com esta festa.
A Festa da Páscoa é a festa que lembra a Paixão, a Morte e a Ressurreição do Cristo. O Cristo, um Deus, um ser que nunca tinha estado na terra, e que só conhece a Eternidade, vincula-se ao ser humano, expondo-se à experiência mais difícil que todos os homens devem enfrentar: a experiência da morte. E Ele a vence: Ele leva consigo o corpo físico naquilo que conhecemos como a Ressurreição.
Hoje em dia, o ser humano passa mais e mais freqüentemente por experiências que, de uma ou outra forma, lembram algo assim como a morte; freqüentemente as pessoas se confrontam por exemplo: com a profissão assumida anos antes, e percebem como esse impulso profissional está chegando a um fim, e nada se percebe que possa substituí-lo; a falta de motivação profissional, após anos, gera uma sensação de vazio na alma, um “nada”, que nos faz ter a sensação de um fim, de uma “pequena morte”. Não só profissionalmente pode esta acontecer mas também em relação à família. Com freqüência pessoas que chegam aos 42-45 anos de idade com trabalho relativamente estável, uma família relativamente bem constituída, filhos adolescentes ou já entrando na Universidade, sentem uma falta de sentido em tudo isso, e gostariam de poder “começar de novo”, deixar tudo isso para trás; e isto pode ser muito dramático, porque os próprios relacionamentos, a sua pobre qualidade, acentuam a sensação de falta de sentido, que o próprio esvaziamento interior tinha gerado.
Estes são exemplos cada vez mais freqüentes, em maior ou menor grau, e nas mais diversas situações, todos nós passamos por esta experiência de “fim”, de “nada”, de “sem sentido”.
Mas a mesma coisa nós encontramos não só na vida pessoal, encontramo-la embutida naquelas coisas que para nós tinham um significado mais transcendente, na ciência por exemplo, o desenvolvimento científico trouxe, com a aplicação dos seus resultados, conseqüências imprevisíveis para a natureza: as repetidas catástrofes ecológicas na segunda metade no nosso século ilustram isto com muita clareza. Mas o leitor não deve pensar que estas conseqüências são o resultado de um descuido apenas: nessa opinião está embutida uma enorme ingenuidade. A realidade é que a própria metodologia das ciências, o próprio método científico gera essas graves conseqüências, pois o método científico tem limitações: esse método tem os recursos para descrever a composição material do mundo, mas ele não pode explicar a natureza da vida; para esta precisa-se de um outro método, desenvolvido por Rudolf Steiner na sua Antroposofia. O método científico tradicional, nas suas aplicações práticas, desenvolveu todo o bem estar material que conhecemos na nossa civilização, mas chegou num ponto onde a sua aplicação mais sofisticada inverte esse bem estar em situações de desastre, que são inesperadas e assustadoras. Isto leva mais e mais muitas pessoas a perceber que também aqui, nas ciências, chega-se a um ponto final que mostra o futuro como uma incógnita assustadora. A situação na medicina (os problemas da Bioética), a situação na pedagogia e na educação da criança, na agricultura, etc., etc., mostra-nos que chegamos ao final de um caminho. Este final é como uma morte. Mas o impulso do Cristo trouxe a Ressurreição. E é com estas forças da Ressurreição que devemos aprender hoje a nos colocar na vida, também dentro das ciências. Isto traz um novo conhecimento do homem e da natureza, que nos ensinará a agir de forma diferente.
E esta situação é ilustrada para nós na semana da Páscoa onde a Paixão, a Morte e a Ressurreição podem nos inspirar a refletir sobre a seriedade do momento que vivemos e da seriedade com que devemos nos confrontar com as mudanças pelas quais devemos passar.
Bernardo Kaliks
CONSIDERAÇÕES SOBRE A FESTA DA RESSURREIÇÃO
O Cristianismo, com suas tradições, festas e cerimônias, chegou ao Brasil através dos colonizadores europeus. As datas nos quais são celebrados os momentos marcantes do Cristianismo, no entanto, não são, como sabemos, datas históricas comprovadas por documentos, colocando-se, então, a pergunta: quais os critérios utilizados pelos representantes da fé cristã para a definição dessas datas?
Certamente, não foram escolhas arbitrárias. Buscando uma forma pela qual o Cristianismo pudesse penetrar mais facilmente na alma do povo, os representantes do Cristianismo inseriram as festas cristãs em datas de celebrações pagãs, cujos rituais geralmente demonstravam a gratidão aos deuses por suas dádivas a cada estação do ano, em um apelo a algo já conhecido e existente na alma do povo. Na primavera do hemisfério Norte, por exemplo, ocorriam as festas e rituais em celebração ao “renascimento” da natureza, depois de uma época em que tudo parecia ter estado morto debaixo de um manto de neve. Dessa forma, a alegria com o rebrotar da natureza ao mesmo tempo celebraria a ressurreição de Cristo. O Natal foi inserido, como cerimônia do nascimento de Jesus, em uma época em que, na antigüidade, ainda se sabia das 13 noites santas em que a Terra, em pleno inverno, estaria especialmente aberta para receber impulsos espirituais (no calendário atual, esse período vai de 24 de dezembro a 6 de janeiro). A festa de São João, que ocorre no verão do hemisfério Norte, coincide com os rituais de celebração do sol, que, com seu calor e sua luz, mantém a vida e impulsiona o seu brotar, o seu crescer e o seu amadurecimento na Terra. A fogueira fazia parte dos rituais desta festa.
Até hoje, certas tradições pagãs ainda são preservadas nas festividades cristãs, como o coelho e o ovo de Páscoa, a árvore de Natal e a fogueira de São João. O dia 24 de dezembro também é o dia de Adão e Eva, e o pinheiro enfeitado com maçãs vermelhas, que depois foram substituídas por bolas de vidro e outros enfeites “sem sentido”, representa a árvore do fruto proibido no paraíso. A tuia, ou seja, o pinheiro, é conhecida como a árvore da vida por ser a única a se manter verde no inverno. Portanto, podemos encontrar uma vasta simbologia, totalmente esquecida ou desconhecida atualmente, nas tradições das festas cristãs.
E nós, como devemos lidar com essas tradições originárias da realidade da natureza do hemisfério Norte, que não tem a ver com o verdadeiro impulso trazido por Cristo?
Há uma palestra proferida por Rudolf Steiner em 19 de abril de 1924 em Dornach, a primeira de um ciclo que leva o titulo de “A festa da Páscoa como parte da história mística da humanidade”, onde ele expõe que, na realidade, a Páscoa é uma festa outonal e não primaveril. Segue-se a tradução livre de alguns trechos desta palestra:
“A festa da Páscoa é vivenciada por muitas pessoas como tendo, de um lado, uma grande relação com profundos sentimentos e sensações da alma humana, e, de outro lado, relacionando-se com segredos e enigmas do cosmo. Temos que estar atentos à relação que a festa pascoal tem com os mistérios do cosmo, justamente por ser a Páscoa uma festa móvel, fixada de acordo com certas constelações astronômicas. Também é necessário observarmos como, no decorrer dos séculos, tradições e rituais cúlticos foram se ligando à Páscoa(…)
A festa da Páscoa é a festa da ressurreição, mas ela também nos leva a épocas bem anteriores à vinda do Cristo. Leva-nos a festejos do equinócio da primavera, onde o dia e a noite tem a mesma duração, onde ocorre o acordar da natureza e que é o ponto de referência para a fixação da data da festa da Páscoa.
No Cristianismo, festeja-se a ressurreição de Cristo; a festa pagã correspondente celebra uma espécie de ressurreição da natureza. Aqui, chegamos a um ponto onde podemos ver que a Páscoa cristã, quanto ao seu significado mais profundo, não tem nada a ver com o fato de dia e noite terem exatamente a mesma duração na primavera, mas sim com as festas e rituais pagãos festejados no outono. O mais notável em relação à fixação da data da Páscoa, quanto a seu sentido e à sua relação com certos mistérios antigos, é que ela nos mostra justamente o grande engano que aconteceu na concepção do mundo em relação à compreensão dos fatos mais importantes do desenvolvimento da humanidade.
O que aconteceu de fato é que a festa da Páscoa que, conforme seu sentido, é uma festa outonal, foi confundida, nos primórdios do Cristianismo, com uma festa primaveril. Isto demonstra um grande equívoco ocorrido no decorrer do desenvolvimento da humanidade, O essencial, o que se situa no centro da consciência cristã, é que Jesus Cristo passou pela morte na Sexta-feira Santa e permaneceu no reino da morte por três dias, período no qual, como sabemos, ocorreu sua união com a Terra. Este tempo é celebrado em luto. O Domingo é o dia em que o Ser central do Cristianismo ressurge.
Observamos agora uma festa pagã correspondente para compreendermos a ligação da Páscoa com os mistérios antigos. Em muitas culturas pagãs, encontramos celebrações que mostram, em sua expressão, uma forte semelhança com a Páscoa cristã.
Para exemplificar, vamos escolher a festa de Adonis, celebrada por povos da região da Ásia Menor bem antes da vinda de Cristo. A figura central era uma estátua de Adonis, o representante espiritual do que se expressa como beleza e força da juventude no homem. Acompanhada por cânticos e rituais de profundo pesar e sofrimento, esta imagem era levada para um lugar onde houvesse água (o mar, um lago natural ou um lago artificial, criado exclusivamente para os procedimentos do ritual). A imagem era mergulhada na água, onde permanecia por três dias, período onde as pessoas ficavam de luto, muito sérias e silenciosas. Passados os três dias, Adonis era retirado das águas e os cânticos de luto se transformavam em hinos de louvor ao deus ressurreto.
Estas cerimônias mostravam, exteriormente e em forma de rituais, o que acontecia nos centros de mistério no processo de iniciação. A pessoa que estava a caminho da iniciação era levada a um cômodo de paredes pretas onde estava um caixão ou algo parecido. Cânticos de luto eram entoados ao pé do caixão pelos acompanhantes da pessoa em processo de iniciação, onde, por três dias, ela vivia as experiências, como um moribundo, de tudo que se passa ao se transpor o portal da morte. Todo o seu preparo anterior a levava a realmente vivenciar o que ocorre nos três primeiros dias após a morte. Ao final desse período, aparecia diante da pessoa no caixão um ramo verde, simbolizando o brotar da vida, e os cânticos de luto se transformavam em hinos de louvor e alegria. O iniciado adquiriu uma nova consciência, aprendeu uma nova linguagem espiritual.
O ritual de Adonis acontecia no outono, e aos participantes era explicado: “Vejam, estamos no outono, e a natureza perde seu ornamento vegetal, tudo está murchando. No lugar do verde que rebrotará na primavera, a neve irá cobrir a terra, e a natureza morre. Enquanto tudo ao redor perde a vida, vocês devem vivenciar de forma parecida o que ocorre com o homem quando ele passa pela morte. Vocês devem se lembrar que o homem, ao passar pelo portal da morte, se desfaz de tudo que é terreno e se esvai pelo éter do universo. Ele se sente crescendo, sente como se o mundo todo fosse seu. Ele se esvai durante três dias pelo universo, enquanto os olhos terrenos observam a imagem da morte, o que morre é passageiro e a alma humana acorda, após três dias, no mundo espiritual. Ela se eleva ao além, após três dias seguidos à morte, para nascer no mundo espiritual.”
Há muitos outros aspectos interessantes nessa palestra para nós, que vivemos a Páscoa no outono. Mas creio que o aqui exposto possibilita o entendimento das idéias fundamentais a fim de repensarmos nossas tradições para a Festa da Ressurreição. Nesse sentido, nossa natureza outonal nos traz um símbolo maravilhoso no processo de transformação da lagarta, um ser pesado, terreno, que só se preocupa em encontrar alimento e crescer fisicamente, para, de repente, se recolher e se transformar em uma crisálida ou começar a tecer um casulo, dentro do qual acontece uma grande mudança. Não se trata de um processo de transformação ou metamorfose. Trata-se de uma dissolução da forma e da matéria anteriores para o surgimento de um novo processo formador que termina na criação da borboleta ou da mariposa, com suas asas coloridas ou desenhadas com formas fantásticas, um ser que agora vive no elemento aéreo, irresistivelmente atraído pela luz.
Cada vez mais os professores e jardineiras que seguem a pedagogia Waldorf estão assimilando e vivenciando esse milagre da natureza e usando-o convictamente com seus alunos, como símbolo da ressurreição de Cristo, dando-lhe mais importância do que à simbologia primaveril do coelho e do ovo.
Certamente a nossa natureza e a nossa realidade geográfica poderão trazer elementos que possam servir como símbolos adequados também para outras festas cristãs. No ano passado, por exemplo, descobri na natureza um símbolo maravilhoso para Pentecostes. É em torno desta época que começam a amadurecer os frutos do pinheiro do Paraná (araucária), os pinhões. A pinha da araucária é uma grande bola pendurada nas extremidades dos galhos, formada de dezenas de pequenos “gomos” (pinhões) bem juntinhos. Os discípulos de Cristo, depois do Mistério do Golgota, atônitos e assustados com os acontecimentos, amedrontados pela perseguição, mantinham-se unidos sem coragem de se mostrarem ao mundo. Cinqüenta dias depois da Sexta Feira Santa, vem a eles o Espírito Santo, a luz espiritual da compreensão do Mistério do Golgota, e eles saem corajosamente para divulgar e espalhar o Cristianismo pelo mundo. Assim também a pinha, amadurecida pelo calor e pela luz solar, se rompe como uma explosão, jogando para longe os pinhões, as sementes para uma nova vida.
Quem sabe você também faz uma dessas descobertas na natureza, que possa trazer um significado simbólico enriquecedor para as nossas festas cristãs? Se você descobrir, conte para “Nós”.
Christa Glass
NA ÉPOCA DE PÁSCOA
Tanto a civilização quanto a técnica que nos dominam hoje em dia, trouxeram muito ruído para a nossa vida. Porém não é somente esta poluição sonora que nos rodeia constantemente que trouxe a tão mencionada agitação da nossa época. Toda a nossa vida tornou-se inquieta, desassossegada. Entre muitos exemplos pode-se citar a mudança de casa, seja qual for à razão que nos arranca do ambiente ao qual estávamos acostumados, dificultando a estabilidade da convivência com as pessoas.
O silêncio e a reflexão também foram esquecidos do período de festas anuais, pois até aquelas mais silenciosas e de retiro espiritual foram transformadas em ruidosas. E então, onde fica o nosso sentimento de tranqüilidade, de proteção, de segurança? Será que através da procura constante de algo novo, diferente, não estaremos procurando onde sentir-nos “em casa”? Será que, inconscientemente, não estamos fugindo dos nossos próximos e até de nós mesmos?
Como encontrar tranqüilidade interior e ainda transmiti-la às nossas crianças, se não conseguimos ver, ao nosso redor, nada mais que esteja em seu lugar adequado e constante?
O nosso lar deve ser um ponto de tranqüilidade e de sentimento de segurança, um contraponto à vida agitada fora dele. E festejar as festas anuais é uma outra resposta.
Porém não só no próprio dia da Páscoa, mas já na época anterior podemos preparar este dia especial. Para isto devemos saber muito bem o que estamos festejando. A Páscoa é a festa da ressurreição do Cristo. É por excelência, a festa da força da vida, da esperança e, no centro dela, temos a libertação que o Cristo nos trouxe e que tem dois lados a serem considerados. Um deles, é nossa libertação dos sentimentos egoístas e de nosso excessivo orgulho, pois temos como exemplo máximo a Sua vida de amor altruísta, começando pelo nascimento em profunda pobreza, Seu amor por todos os rejeitados pela sociedade e a morte na cruz.
Por outro lado, libertou-nos do sentimento de que nada mais somos do que matéria, esquecendo nossa origem divina, chegando mesma a renegá-la.
Vez por outra pode-se esperar a chegada do crepúsculo com as crianças (sem acender logo uma luz) para vivenciarmos juntos, como o dia passa para dentro da noite. Não programaremos nada; poderá surgir algum comentário das crianças, mas não esperemos por ele. De nenhum modo elas devem ter a impressão que desejamos ouvir algo delas.
Nesta época deve haver momentos livres no horário das crianças para brincarem e, também, para que sintam tédio, pois assim, a partir deste, elas terão a oportunidade de desenvolver, uma iniciativa própria. Isto é válido para qualquer época do ano e também para os adultos!
Reconhecendo a benção da calma e da introspecção nesta época, iremos refletir bastante sobre a valia de enfrentar as dificuldades e o cansaço das viagens para festejar este ponto alto entre as festas anuais num local impessoal e não tão conhecido. Não será preferível ficarmos ali onde, aos poucos, formamos um ambiente para festejarmos dignamente?
Em algumas famílias existem momentos antes da Páscoa, que espelham a preparação do Natal: a família reúne-se para ouvir histórias, relembrar o conteúdo da festa vindoura, fazer música e trabalhos artesanais típicos, mas ao fazermos velas com cera de abelha com as crianças podemos falar do simbolismo: A vela queima-se, isto quer dizer que, para iluminar e aquecer, ela deve consumir-se. Esta é uma imagem bonita e verdadeira, que se impregnará como a oferenda do amor que o Cristo viveu – e que as crianças ainda podem absorver sem temores, e que as acompanhará em sua vida, sem perder a intensidade.
Festas Cristãs
O MISTÉRIO DOS PRINCIPAIS SÍMBOLOS DA PÁSCOA
A escolha do coelho e do ovo para representar a Ressurreição de Cristo está associada à regência da Lua, tanto na Páscoa cristã como na judaica; mas a incansável fecundidade do animal também explica a sua escolha para remeter à renovação, ao inesgotável renascimento da morte e à esperança
Como o Natal, a Páscoa é uma festa cristã muito doce para as crianças: todo dia 25 de dezembro, o Papai Noel distribui seus presentes nas chaminés. Toda primavera européia, a Páscoa reparte, nos jardins, ovos de chocolate e bombons.
Quem traz esses ovos? Na França, eram os sinos: deixavam suas igrejas no fim da quaresma, na noite da quinta-feira santa, pois ficavam deprimidos – Cristo dividia sua última refeição com seus apóstolos e Judas preparava-se para traí-lo. No fim da ceia, Jesus ia passear durante a noite no Monte das Oliveiras, seria preso, em seguida julgado e crucificado. Entende-se que essa tragédia tornava os sinos tão tristes que eles cessavam de tocar, fugiam.
No entanto, os sinos não perdem tempo: vão direto para Roma. E, no momento em que a notícia da ressurreição de Cristo chega a eles, fecham, rapidamente, sua pequena bagagem e retomam o caminho de seus campanários. Eles tomavam o cuidado de carregar os ovos, outrora de galinhas, hoje, de chocolate, que espalhavam nos jardins.
Há alguns anos, na França, os sinos dispõem de um assistente que os ajuda a distribuir seus bombons. Esse ajudante é o “sr. Coelho”, que deixa as crianças loucas. De onde saiu esse coelho?
Chegou há algumas décadas, diretamente dos países anglo-saxões – como o Papai Noel, que, aliás, saiu da Alemanha e da Escandinávia, depois estabeleceu-se nos Estados Unidos, e chegou à França em 1945, nos furgões dos soldados americanos durante o “desembarque”.
Na realidade, esse coelho já se encontra na origem das festividades da Páscoa, mas, durante alguns séculos, havia abandonado os países do sul para refugiar-se nas terras anglo-saxônicas. Hoje, talvez cansado das sociedades frias do norte, ele vem saltitar na Europa meridional.
Essa chegada do coelho é uma boa nova. Na realidade, esse animal, longe de ser escolhido ao acaso, ocupa exatamente o centro do sublime mistério da Páscoa (morte e ressurreição de Deus) e faz brilhar seu simbolismo.
O coelho (ou lebre, pois simbolicamente os dois animais se confundem) constitui uma estranha passarela entre duas religiões próximas e distantes, irmãs e inimigas: a religião hebraica e a cristã. O coelho faz com que as duas religiões se comuniquem, como se fosse encarregado de ser o “atravessador” e o reconciliador momentâneo entre duas grandes cenas do teatro divino. Para compreender esse papel sutil do coelho da Páscoa, é preciso dar uma volta pela data fixada para essa festa.
A data da Páscoa é móvel: enquanto o Natal, festa que obedece ao calendário solar, cai sempre no dia 25 de dezembro, a Páscoa muda todo ano.
A razão é a seguinte: a morte de Cristo ocorreu, atestam os evangelhos, no dia da Páscoa judaica. Ora, o calendário judaico – assim como o calendário árabe, mas ao contrário do calendário cristão – é determinado pela Lua, não pelo Sol. E é por isso que as páscoas cristãs, por terem de adaptar-se ao calendário lunar, mudam de ano em ano, em função dos movimentos da Lua.
Lembremos que a Páscoa judaica – a Pessach, ou passagem – comemora a libertação do povo hebreu após um longo exílio no Egito, sua passagem pelo Mar Vermelho (graças ao vento de Deus) sob a orientação de Moisés, e sua chegada à Terra Prometida. Grande festa, portanto, como poucas.
Lua cheia – Essa ligação entre a Páscoa judaica e as páscoas cristãs – além de ser atestada pela morte de Cristo no dia da Pessach – dá-se também na data das duas festas. As igrejas cristãs mais próximas da tradição judaica (Ásia menor) festejaram, durante muito tempo, sua Páscoa no dia da Páscoa judaica, ou seja, no dia 14 nisan (abril, no calendário Juliano), o dia da Lua cheia da primavera.
As igrejas cristãs do Ocidente não seguiram esse exemplo: elas quiseram que a Páscoa, sem apagar a data primitiva da Páscoa judaica (14 nisan), coincida, todavia, com um domingo. Um verdadeiro quebra-cabeças em relação ao calendário: durante os três primeiros séculos, os chefes da Igreja entraram em conflito. Finalmente, o Concílio de Nicéia, em 325 d.C., decretou a regra ainda aplicada: “A Páscoa é o domingo seguinte ao l4º dia da Lua cheia, que atinge essa idade no dia 21 de março (equinócio) ou logo depois.” De acordo com essa regra, a Páscoa pode então ocupar, conforme os anos, 35 posições diferentes, entre os dias 22 de março e 25 de abril, inclusive.
Lembremos que a data das páscoas cristãs é decisiva, uma vez que comanda duas outras festas, a Ascensão – 40 dias depois – e Pentecostes – 50 dias depois.
E nosso coelho? Não o perdemos de vista. De fato, é precisamente por serem a Páscoa judaica e, portanto, as páscoas cristãs regidas pela Lua que o coelho tem a responsabilidade de deixar os ovos nos jardins.
O motivo? O coelho (ou seu duplo, a lebre) é um animal lunar. Não só no Ocidente. Em todas as mitologias, a lebre é uma criatura da Lua. Por que essa associação? Em parte, porque as manchas sombrias que se distinguem no disco da Lua sugerem uma lebre. Nos códices dos astecas, a lebre é representada por um hieróglifo “U”, que denomina a Lua.
A lebre é associada à Lua entre os chineses, no espaço hindu-budista, entre os celtas e entre os hotentotes e, mesmo no Egito Antigo (a lenda de Osíris e Isis). Mas essas não são as únicas razões que explicam que a lebre seja o animal símbolo da maior festa cristã – a ressurreição de Cristo.
Patas curtas – A lebre sempre impressionou os antigos, devido ao fato de suas patas da frente serem mais curtas do que as de trás, anomalia que permite à lebre ser mais rápida na subida do que no terreno plano. É um animal que sobe, que se eleva para o céu. Um texto da Idade Média, o Physiologicus comenta: ‘Você também, homem, faça como a lebre: procure os rochedos quando for perseguido pelo cão execrável, o demônio. Quando o demônio vê o homem escalar a montanha da virtude, ele se desencoraja e arrepia carreira.”
Segundo as palavras do Salmo de Davi: “Que recuem de vergonha, aqueles que planejam minha desgraça.”
Portanto, a lebre, seja por causa do seu gênio lunar ou por motivo das curtas patas da frente, é designada para presidir a festa da Páscoa. Infelizmente, essa mesma lebre tem alguns inconvenientes: seus hábitos, sua moral não são irrepreensíveis. É uma terrível sem- vergonha!
Como o coelho, ela mostra uma incansável fecundidade. Sua disposição entusiasta à copulação transformou-a, nos tempos antigos, em um símbolo da luxúria. E como Cristo não veio à Terra para pregar o coito ininterrupto e os prazeres, foi preciso resolver esse probleminha.
Os primeiros exegetas, felizmente, encontraram a solução. Habilmente, inverteram o símbolo da lebre. Fizeram-na representar não a gula sexual mas, ao contrário, o domínio que se pode ter sobre os sentidos, mesmo quando estes são extremamente tirânicos, como no caso da lebre.
De fato, existe uma vasta iconografia arcaica que mostra “uma lebre branca, deitada aos pés da Virgem Maria”. A lição é clara: a santidade, a pureza, a virgindade de Maria são tamanhas, que chegam a transformar em castidade a volúpia e a baixeza dos instintos. O animal impuro, por excelência, torna-se, por meio de um passe de mágica e graças a uma “ajuda” da virgem, a demonstração de que a virtude triunfa mesmo dos mais grosseiros instintos.
Afinal de contas, a avidez sexual da lebre não é verdadeiramente apagada. Ela é “sublimada”. A lebre continua a ser um símbolo da fecundidade e, portanto, da renovação, da ressurreição, da terra que nutre, da esperança, do inesgotável renascimento da morte (“Se o grão não morre…”)
Ovo de Páscoa – A lebre associa-se a um outro símbolo da Páscoa: o ovo, que a lebre fica encarregada (da mesma forma que os sinos) de distribuir nos jardins. Lebre e ovo pregam a mesma coisa: eis a primavera, o despertar da terra, o fim da morte, o renascimento.
Tudo se passa como se a Semana Santa resumisse, em poucos dias, o ciclo completo da natureza e da vida: a chegada triunfal do Cristo em Jerusalém entre uma multidão que agita palmas (os ramos, uma semana antes da Páscoa), em seguida a morte de Cristo, que é a morte do mundo, depois a ressurreição de Cristo, que é a ressurreição da natureza, da primavera, a volta da esperança, o fluxo da vida.
O simbolismo do ovo é mais simplista, mas tão rico quanto o do coelho. O ovo encarna o “todo” contido em uma simples casca. O ovo é a criação, dobrada em seu envelope, pronta para brotar de acordo com a ordem de Deus, e concebida em sua integridade desde a origem.
Nos textos primitivos, Cristo é comparado ao pintinho que sai de sua casca, casca cuja cor branca simboliza a pureza e a perfeição. Para os alquimistas, o ovo representa a matéria original, aquela de onde tudo sairá e cuja cor amarela prefigura essa “pepita filosofal” tão apaixonadamente procurada.
Notemos que, como para a lebre, a leitura cristã do ovo cruza todas as altas tradições: na índia, vê-se Brahma (o ser) retirar-se em um ovo de ouro, que simboliza sua relação com o Sol. E os gregos nos ensinaram que Zeus, quando quis designar, para os homens, o centro da terra (que estava em Delfos) pediu a duas águias, uma vinda do leste e a outra do oeste, para se encontrarem acima de Delfos e para deixarem cair, no lugar, uma enorme pedra em forma de ovo.
O costume dos ovos foi sempre ardentemente respeitado. Outrora, eram dados às crianças ovos duros verdadeiros, cuja casca era enfeitada com desenhos e pinturas. Na Ucrânia, o ovo era denteado de desenhos na cera de abelha feitos com uma agulha fina e, em seguida, mergulhados em um corante. Hoje, usa-se também ovos de chocolate, o que não tem o mesmo charme, mas o ovo duro decorado pelas crianças perdura.
As lendas são célebres: Simão de Cirene, que ajudou Cristo a carregar a cruz no caminho do Calvário, era um mercador de ovos e, após a crucificação, o felizardo constatou que todos os ovos de suas galinhas ganharam um belo colorido arco-íris.
Obra-prima – Ao longo dos séculos, o hábito de pintar ovos mantém-se, nos meios mais humildes ou nos mais refinados. No século 18, o rei Luís XV pediu ao pintor Watteau para decorar ovos para sua filha, Madame Victoire. A obra-prima ainda pode ser vista no Museu do Louvre.
Na Rússia, foram criadas, no século 18, manufaturas para produzir ovos de porcelana, de vidro, de madeira, de escamas, de pedra dura, de papel e de carapaça de tartaruga. A aristocracia russa pedia a seus ourives jóias em forma de miniatura de ovos, que as mulheres usavam na época da Páscoa.
No século 19, um joalheiro de origem francesa, Carl Fabergé, recebeu do czar Alexandre III a encomenda de 46 ovos de metal e pedras preciosas que queria oferecer, um por ano, à sua esposa Marie Feodorovna.
Para honrar esse pedido fabuloso, Fabergé deveria trabalhar 46 anos, pois cada ovo exigia milhares de horas de trabalho e continha, em seu centro, uma surpresa que comemorava um fato histórico determinado. Assim foi a festa da Páscoa que deu origem a esses “ovos Fabergé” que, hoje, os colecionadores disputam com o auxílio de milhões de dólares.
Gilles Lapouge
Tradução: Wanda Caldeira Brant
O OVO DE PÁSCOA
O ovo sempre é o germe de uma nova vida, de um novo desenvolvimento, ao contrário da fruta que encontramos no outono e que se encontra no fim de um desenvolvimento. Como imagem de um recomeço o ovo já teve muita importância. Assim em antigas mitologias, por ex. no Kalevala finlandês, é descrita a formação do mundo a partir do ovo. A casca superior formou o céu, a inferior a Terra; a gema formou o Sol, e a clara a Lua.
O ovo é simultaneamente a imagem do eterno, o imortal ou imperecível do ser humano. É isto que queriam exprimir aqueles povos que colocavam um ovo na tumba junto com os mortos. Eles ainda sabiam que a morte só significa transformação e com isso começa uma nova vida para a alma dos seres humanos. Além disso ainda existia um costume, de amigos, que faziam uma primeira visita após o nascimento de uma criança, colocar um ovo no berço. Isto era um sinal de que também aqui acontecera uma transformação e uma vida nova começava. ”Quando um ser humano morre ele torna-se espírito. Quando um espírito morre torna-se humano.” Assim exprime-se Novalis em seus Fragmentos.
O ovo com imagem de começo foi assumido pelo Cristianismo e relacionado com o maior recomeço da história da humanidade, que aconteceu na virada dos tempos quando no batismo do rio Jordão o Cristo uniu-se ao homem Jesus de Nazaré. Como ser celeste ele sofreu a morte em um corpo humano, mas superou a morte e agora pode ser procurado e encontrado por qualquer humano.
Vemos que o ovo tem um grande significado para despertar da natureza na primavera e para o novo começo da vida, ao ser superada a morte no acontecimento da Páscoa.
Agora o ovo de Páscoa é especial, não é um ovo comum. Ao produto natural pelo esforço do ser humano. Com formas e cores o ser humano pode decorar o ovo através de todas as suas capacidades artísticas e criativas individuais. Se escolher desenhos ornamentais ou cores harmônicas então ele segue um princípio cósmico. Pois cosmo quer dizer ordem e harmonia e tem como seu oposto a arbitrariedade e o caos. Que exemplos belíssimos dessa natureza encontramos especialmente nos países do leste europeu. Com os coloridos brilhantes e a riqueza de formas exprime-se toda a alegria e o júbilo por um novo começo pela ressurreição do Cristo.
PROCURAR E ENCONTRAR
Ainda há um outro aspecto no ovo de Páscoa. O ovo, como dissemos, é um germe a partir do qual algo novo quer se formar. Como o desenvolvimento continua, no entanto, ainda está em aberto. Não estamos nós, como seres humanos, sempre a procura do correto caminho interior, do sentido da vida, perscrutando os acontecimentos do destino na própria vida e na dos outros? É disso que o ovo de Páscoa nos quer lembrar, que não está em qualquer lugar, porém está escondido, ativando a vontade de procurá-lo. Para as crianças o procurar os ovos de Páscoa está ligado a um enorme prazer. Este procurar e encontrar alegre no âmbito externo é expressão para o esforço interno, que o adulto pode realizar no plano dos pensamentos.
Freya Jaffke
AS TRÊS PRIMEIRAS DAS DOZE VIRTUDES ZODIACAIS
Há muitos tipos de calendários e cada qual tem uma data de início diferente; entre eles conhecemos o tradicional (de janeiro a dezembro), o escolar (de fevereiro até meados de dezembro), o litúrgico (do primeiro advento ao dia de finados e os de algumas religiões…
Hoje iremos basear-nos no do zodíaco, de início em Áries, meados de abril, pois é com este signo que se relaciona a primeira daquelas virtudes a serem desenvolvidas, uma a cada signo.
A devoção – diz o dicionário – É o ato de consagrar-se a alguém ou, a uma entidade. É uma dedicação, uma afeição intensa.
Esta virtude pode ser adquirida a partir dos sete anos de vida. Já que algumas pessoas vêem a devoção como sinal de fraqueza, pois ela inclui servir a algo mais importante do que nós, será preciso entender que esta renúncia exige o contrário da fraqueza, pois ela inclui servir a algo mais importante do que nós, será preciso entender que esta renúncia exige o contrário da fraqueza: precisamos de força e coragem interior para reconhecer que não somos nem um pouco mais inteligentes, sábios, amorosos ou melhores ou o que possa ser, do que outras pessoas.
Quem serve a alguém ou a alguma entidade, não se está submetendo por incapacidade de poder se defender, mas sim, por ter a coragem de empregar suas forças em prol de algo maior.
Como exemplos muito conhecidos temos São Francisco de Assis e São Cristóvão que, abandonaram tudo para poderem servir a Deus através da dedicação e ajuda a todo ser vivo. Essa atitude pressupõe humildade e paciência.
A devoção pode ser voltada para algo elevado – como o pensar, olhar as estrelas, o cosmo – como o lago a nossa volta – os reinos da natureza e as atrações humanas que os transformam, como quem faz o pão (do trigo sai alimento), quem cuida de adequar restos (composto, reciclagem) transforma algum material (construções). Igualmente podemos respeitar e compreender sentimentos do nosso próximo como também admirar a arte e a beleza com devoção.
Praticando a devoção ganhamos qualidades da renúncia calma, sem rancor ou raiva. Aprendemos também a saber desculpar, pois isto significa que compreendemos o nosso próximo.
A devoção é então a qualidade de virtude indicada para o signo de Áries.
A equanimidade – descreve o dicionário – significa igualdade de ânimo, tanto na desgraça quanto na prosperidade. É serenidade de espírito, é moderação assim como é imparcialidade. É retidão no julgar.
É a virtude do equilíbrio interno. Ao evitarmos pensamentos preconceituosos estaremos exercitando um equilíbrio no âmbito do pensar. Dependendo de nosso ponto de vista, teremos a Terra ou o Sol como centro do universo, como o viram respectivamente Ptolomeu e Copérnico. O mesmo acontece com a teoria das cores de Goethe e a de Newton.
Ou pensando na pergunta se nascemos com dons e capacidades ou será que aprendemos tudo durante o decorrer da vida?
Precisamos muito do equilíbrio no âmbito do querer, o mais difícil de alcançar, pois exige reflexão que evite agir impensadamente e uma atuação da qual nos arrependamos depois.
Nosso coração está envolvido na questão da simpatia e antipatia como também nos sentimentos e é difícil manter equilíbrio já que nos inflamamos ou ficamos frios diante das diferentes situações.
Uma pessoa equilibrada não deixa de ter emoções e sentimentos, mas não é arrebatada por eles. Na alegria está feliz e na tristeza sofre, mas tudo sem exagero. Também ao ser simpática, a pessoa não diz sempre “sim” para tudo o que lhe pedem, nem é antipática negando-se constantemente a ajudar; o equilíbrio está em contribuir sem prejudicar ninguém, também não a si mesmo.
E uma terceira dificuldade em ser equilibrado é viver “no mundo da lua” sonhando acordado ou então, no oposto, estar tão intensamente ocupado com tarefas diárias terrestres e materiais que não há espaço para mais nada.
Podemos assim perceber que a virtude do equilíbrio, da equanimidade tem a ver com um sentimento do EU da pessoa; é o EU que, sabendo o que provoca o bem estar interior, pode encontrar o caminho do meio em nossas atuações e sentimentos.
Esta virtude está relacionada com o signo de Touro.
Perseverança – pelo dicionário – é pertinácia, constância, firmeza.
Esta é uma virtude que já a criança pequena exercita com sucesso: ao aprender a sentar e depois a andar, ela é incansável em, sempre novamente, fazer tentativas e em não esmorecer até conseguir e adquirir firmeza.
Tocar um instrumento exige exercícios diários e, por vezes, exaustivos. Precisamos ter atividade interior para manter a constância daquilo a que nos propusemos, pois é muito fácil esquecer ou adiar já que há tantos estímulos externos e também, certa comodidade em levar uma proposta até o fim. Conscientizar-se deste fato já é um comecinho para ser perseverante.
O ritmo diário é uma ajuda neste processo: ao acordar e antes de adormecer podemos recordar a nossa proposta e o que realizamos naquele dia. Assim teremos um crescimento interior que, no fundo, dará frutos. Com isto lembraremos de um exercício bem prático, também para crianças: plantar uma semente ou muda, regá-la nem demais, nem de menos mas regularmente, tirar o mantinho, observar se não há pulgões ou outro parasita, para que possa, a planta, desenvolver-se bem.
Esta regularidade em fazer exercícios deixa ficar bem claro que a virtude da perseverança ajuda a conquistar a fidelidade.
E o signo sob o qual a perseverança é exercida é o de gêmeos.
por Marta Maria Walzberg
Bibliografia: As forças zodiacais. Sua atuação na alma humana – Gudrun Burkhard
PÁSCOA – FESTA DA VIDA
A Páscoa é uma festa universal onde os homens, independente de credo e origem, comemoram o renascimento da vida.
Através de informações históricas e inúmeras lendas foi possível estabelecer que a primeira Páscoa foi comemorada pelos hebreus no século 13 antes de Cristo. Esta é também a primeira versão sobre a Páscoa com um sentido religioso. Moisés, antes de lançar as últimas das sete pragas sobre o Faraó do Egito, que não concordava em libertar seu povo, ordenou que cada família do povo hebreu tomasse um cordeiro ou cabrito e oferecesse em sacrifício no dia 14 do mês lunar de Nisan, o que equivale, para nós, a 2 de abril. O sangue do animal deveria ser espalhado nas portas de suas casas para que o anjo do Senhor, ao passar, os reconhecesse. A carne do cordeiro ou cabrito deveria ser comida assada, com pães ázimos e ervas amargas.
Assim, Pessach (a passagem) tomava um sentido de libertação e de nova era para o povo hebreu.
Muito difundida, também, é a versão de que a Páscoa teria origem entre os povos nórdicos, não com sentido religioso, mas como uma manifestação coletiva de agradecimento a terra pelas colheitas e, ao mesmo tempo, uma maneira de festejar a chegada da primavera. Segundo essa versão a Páscoa seria uma festa de prosperidade.
Os chineses também comemoraram a Páscoa como uma festa que anuncia a chegada da Primavera. Existem muitas lendas afirmando que o costume de dar ovos como presente surgiu na China, pois os ovos simbolizam a origem da vida.
Os ocidentais que visitaram a China, principalmente os missionários, trouxeram o hábito de presentear os amigos com ovos cozidos e coloridos.
No século XVIII, a igreja adotou oficialmente o ovo como símbolo da ressurreição de Cristo, santificando assim um costume originalmente pagão.
Durante algum tempo os ovos foram feitos de açúcar e depois enfeitados. E, a partir de 1828, quando a indústria de chocolate começou a se desenvolver, apareceram os ovos de Páscoa modernos.
As lendas também dizem que, ao lado dos ovos de Páscoa, aparece o coelho escolhido entre tantos bichos para simbolizar o fenômeno da fecundação, da fertilidade.
Apostila Cotovia
REFLEXÕES SOBRE A COMEMORAÇÃO DA PÁSCOA
Na Páscoa, os Cristãos festejam a ressurreição do Cristo, mas continuam usando o nome que era dado a uma outra comemoração da época pré-cristã. Porque não falamos em comemoração da ressurreição? Será que é porque a humanidade ainda não compreendeu o significado do Mistério do Gólgota em toda sua amplitude, como o acontecimento mais importante na evolução da Terra e da humanidade? Rudolf Steiner expõe numa conferencia de 19/4/1924 que a escolha da data para a ressurreição já foi um equívoco, uma incompreensão do seu significado real mais profundo.
A festa da Páscoa é a festa da ressurreição. Mas esta festa da Páscoa aponta para épocas muito mais antigas que a Cristã. Ela aponta a festas que se relacionam com a época do equinócio da primavera, com aquelas festas que se vinculam à natureza que está novamente acordando, com a vida que novamente surge da terra. E com isso, nós estamos no ponto onde se encontram as coisas que devem ser faladas e que constituem o tema destas palestras da Páscoa: a festa da Páscoa como um pedaço da história dos mistérios da humanidade.
A festa da Páscoa, como festa crística, é uma festa da ressurreição. A correspondente festa pagã que acontece aproximadamente na mesma época do ano em que acontece a festa da Páscoa, é uma festa da ressurreição da natureza, um reaparecer daquilo que forma natural, durante a época do inverno, se assim posso me expressar, dormia. E com isso chegamos ao ponto onde nós precisamos ressaltar que a festa crística da Páscoa não é uma festa que coincide segundo seu sentido interno e sua essência com as festas pagãs do equinócio da primavera, mas a festa da Páscoa pensada como uma festa crística coincide, se já queremos voltar para os antigos tempos pagãos, com antigas festas que emergiram dos mistérios e que aconteciam na época do outono. Em relação com a determinação do momento em que deveria acontecer a festa da Páscoa, que por seu conteúdo tem a ver muito claramente com um determinado tipo de mistério da antiguidade. Justamente esta festa nos lembra que confusões enormes e radicais aconteceram na concepção dos mais importantes coisas no decorrer da evolução da humanidade. Pois aconteceu nada menos que no decorrer dos primeiros séculos do cristianismo a festa da Páscoa foi confundida com uma festa totalmente diferente e por isso foi transferida de uma festa do outono para uma festa da primavera.
O surpreendente é que até os símbolos pagãos usados na festa do equinócio da primavera: o coelho como símbolo da fertilidade e o ovo como símbolo do inicio da viva, do vivo, estão presentes, com grande importância comercial, até hoje. O verdadeiro conteúdo da comemoração, a ressurreição do Cristo, desaparece atrás de coelhos e ovos de chocolate que estão completamente deslocados para nós que vivemos a realidade outonal no hemisfério sul.
A nossa natureza que reflete a influência cósmica do equinócio do outono, nos apresenta justamente um fenômeno que pode simbolizar os acontecimentos do Mistério do Gólgota: A transformação da lagarta em borboleta.
No livro “De Jesus a Cristo” Rudolf Steiner nos revela o significado profundo dos acontecimentos no Mistério do Gólgota, do sacrifício do Cristo para redimir o Pecado Original, possibilitando a ascensão, o direcionamento da humanidade rumo a uma espiritualização.
“Em compensação, não existe a possibilidade de se apagar, por um feito humano, um acontecimento ocorrido fora da História e não pertencente à humanidade, tal como ocorreu com a atuação luciférica na antiga época lemurica. Pelo acontecimento luciférico, o homem se beneficiou de grande dádiva de tornar-se livre; de outro lado, teve que pagar o preço de ficar sujeito a desviar-se do caminho do Bem e do Cristo, e também do caminho da Verdade. O que começou a atuar no decurso das encarnações é um assunto do carma; mas tudo o que penetra no Macrocosmo no microcosmo, tudo o que os seres luciféricos deram ao homem, constitui algo que o homem não consegue superar sozinho. Para compensá-lo, é preciso um feito objetivo. Numa palavra: o homem deve sentir que algo meramente subjetivo na alma não basta para redimi-lo, já que os erros e pecados cometidos tampouco são apenas subjetivos.”
“Nesse momento ocorreu o Mistério do Gólgota, tal como o caracterizamos, e com ele aquilo que fica tão incompreensível à inteligência vinculada ao corpo físico dotado, em maior parte, das forças destrutivas. Aconteceu que um homem, o portador do Cristo, passou por uma morte tal que desapareceu o elemento perecível do corpo físico e se ergueu do túmulo o corpo que sustenta dinamicamente os componentes físicos e materiais. O que os regentes de Saturno, do Sol e da Lua haviam destinado ao homem foi o que emergiu do túmulo: o puro fantoma do corpo físico, com todas as propriedades deste. Com isso foi realizada a possibilidade de existir a genealogia espiritual que mencionamos. A visão do Cristo ressureto do túmulo permite-nos imaginar o seguinte: – Assim como os corpos perecíveis dos homens descendem do corpo de Adão, os corpos espirituais – os fantomas- descendem, para todos os homens daquele que se elevou ao túmulo. A eles é possível estabelecer com o Cristo uma relação que permite ao homem receber em sua organização as forças que então ressurgiram, da mesma maneira com ele recebera, devido às forças luciféricas, a organização adâmica em seu corpo físico.”
A espiritualização do corpo de Jesus, a transubstanciação, foi o ato do Cristo para redimir o Pecado Original. A partir do momento em que ocorreu este feito aqui na Terra, com um corpo humano terreno, foi aberta a possibilidade para que o processo de espiritualização do corpo físico esteja ao alcance de qualquer ser humano que queira seguir Cristo com todas as forças do coração.
A transformação da lagarta em borboleta também é uma forma de transubstanciação. A lagarta sai do ovo da borboleta e começa a comer folhas, come sem parar e cresce rapidamente. De repente pára de comer, deixa a planta que lhe serviu de alimento e vai procurar um lugar abrigado para se transformar em crisálida ou tecer seu casulo. Na crisálida a lagarta se desfaz tornando-se uma gelatina amorfa que começa a se reestruturar em um ser totalmente diferente, leve e colorido. A mesma matéria corpórea, uma vez pesada, rastejante e depois leve esvoaçante.
A mariposa que acaba de nascer Rodolf Steiner falou bastante sobre a borboleta e principalmente em conferências que se encontram no livro “Der Mensch als Zusammenklang dês schaffenden, bildenden und gestaltenden Weltenwortes”, GA 230. Um aspecto surpreendente sobre a borboleta, a mariposa e os insetos em geral, é que estes já vêm participando da evolução da Terra e da humanidade desde o antigo Saturno. “…o mero sentimento que é suscitado pelo mundo dos insetos esvoaçantes cintilantes nos revela sua ligação com o que está acima, com as característica aéreas saturninas e solares. (Saturno – calor, Sol – luz). Isso também acontece quando olhamos para a borboleta com suas cores vibrantes.” Rudolf Steiner continua caracterizando a borboleta como um ser ligado ao ar e a luz, que tem características solares, que é um ser inteiramente entregue ao Sol, à luz, ao calor. Sua atração pela luz é tão forte que ela se entrega, atirando-se na luz das chamas cujo chamado é irresistível e mortal para as borboletas, as mariposas, os insetos em geral. A vida e o desenvolvimento da borboleta são regidos pelo Sol com a ajuda das influencias de Marte, Júpiter e Saturno. Temos de compreender que a influência solar não se restringe apenas ao locar onde sua luz e seu calor incidem diretamente. A atuação do Sol sobre a Terra é muito mais ampla. Ele atua no lugar escolhido pela borboleta para depositar seus ovos, na planta da qual a lagarta se alimenta, e depois, na formulação da crisálida ou do casulo até a transformação em borboleta. Isto só pode acontecer pela influencia solar na Terra com a participação da influencia de outros planetas em determinados estágios da transformação.
Rudolf Steiner caracteriza a borboleta como um ser pouco materializado: “…De fato, quando olharmos as asas da borboleta, temos diante de nós matéria terrena espiritualizada.” “…até é possível ver espiritualmente como a borboleta despreza, de certo modo, seu corpo que se encontra entre suas asas coloridas; toda a atuação, toda a característica da alma grupal é como usufruir alegre das cores de suas asas.”
“… a borboleta é um ser de luz que voa. A ave voa pelo ar, mas seu elemento é o calor do Sol.”
“… Já mencionei que a borboleta, em verdade, é um ser de luz que durante toda a sua vida envia ao cosmo matéria terrena espiritualizada. Denominarei esta matéria espiritualizada que é enviada ao cosmo com um termo usado na física solar, como ‘auréola de borboleta’. Portanto, a auréola de borboleta vemos que as aves entregam cada vez que uma ave morre. Visto de fora, do ponto de vista espiritual, vê-se uma auréola brilhante que tem origem nas borboletas – sob a atuação de leis específicas ela se mantém também durante o inverno – que é atravessada por raios que são irradiados pelas aves que morrem. Vejam, quando o ser humano se prepara para descer do mundo espiritual para o mundo físico, o que em primeiro lugar chama para a existência terrena é a auréola de borboleta, a irradiação peculiar da matéria terrestre espiritualizada…”
“… De certo modo, a Terra atrai o ser humano para a reencarnação mandando para cima, para o espaço cósmico, as irradiações luminosas da auréola de borboleta permeada pelas irradiações das aves…”
Que bela imagem para a alma que quer comemorar a festa da ressurreição. A Terra envolta pela auréola de borboleta permeada de raios luzentes vindos das aves, auréola essa que é constituída de matéria espiritualizada Ao lado, a imagem do Cristo ressurreto, agora em forma de fantoma por ter espiritualizado o corpo físico. A natureza realmente contribui para que possamos compreender e vivenciar a festa cristã da ressurreição com mais profundidade.
“Um mistério na Natureza
Olha a planta.
Ela é a borboleta
Presa a Terra
Olha a borboleta,
Ela é a planta
Liberta pelo cosmo.”
Rudolf Steiner
Texto por Festas Cristãs
MESTRE DOS RITMOS DA VIDA
A cada Domingo de Páscoa, quando comemoramos o feito da ressurreição do Cristo, podemos perceber um certo movimento por ser esse dia um Domingo após a lua cheia e após o início do outono no hemisfério sul. Para muitos de nós, porém, aqui termina o que compreendemos como época da Páscoa. Parece ser uma data como outra qualquer do ano cristão. Ora, a importância da Páscoa vai muito além disso.
“Depois de ter ressuscitado no primeiro dia da semana…” Essa é uma frase comum que encontramos nos evangelhos. Há algo novo a ser compreendido aqui. O Domingo, “Dia do Senhor”, é o primeiro dia da semana. E é um dia de “descanso”! Algo mudou já na ressurreição, e é explicitamente descrito nos evangelhos – e não é uma tradição antiquada. Tradição seria “descansar” no último dia da semana, e não no primeiro. O cristianismo, ao fundamentar-se na ressurreição, e não em teorias morais abstratas, fundamenta-se na vida, isto é, em viver segundo o ritmo de vida do Cristo.
O cristianismo pode ser reconhecido por ser uma religião fundamentada em um “novo ritmo de vida”. Depois da ressurreição, o Cristo “vive” no meio dos seus discípulos. Durante quarenta dias, torna-se o “mestre dos ritmos da vida” no meio deles. É assim que podemos compreender os acontecimentos da Páscoa. Há um exemplo clássico, no evangelho de Lucas, no capitulo 24, versículos 13 a 35. Nela, dois discípulos encontram-se a caminho, e junta-se a eles um terceiro caminhante, que lhes explica o que acontecera em Jerusalém nos últimos dias (a morte e a ressurreição do Cristo). Chegando a casa, o terceiro caminhante quer seguir em frente. Os outros insistem que ele entre e “quebre” o pão com eles. Ao consumar-se a consagração do pão, a sua “quebra”, os discípulos o reconhecem como o ressurreto. As palavras são claras: “Então seus olhos se abriram, e o reconheceram!” E ainda lembraram-se os discípulos: “Não ardia nosso coração quando ele nos falava?”
Por isso, para dar sentido à Páscoa, é necessário “insistir” em um ritmo. A Páscoa dura quarenta dias, ou se queremos, seis domingos, mais os dias entre eles. É um ritmo de vida dentro do ano cristão, formando um todo que é o próprio ritmo em que caminha o ressurreto na terra. A terra responde a esse ritmo, pois ela vive dessas forças de vida do ressurreto.
A humanidade ainda tem os olhos fechados para isso. Não percebe a presença do caminhante invisível ao seu lado, o calor e a vida que emanam dele. Discutir a respeito das “verdades” do cristianismo só nos leva mais longe do verdadeiro cristianismo. Isso é claro na decadência da história ocidental. O cristianismo é vida, e vida nova, que se fundamenta no ritmo de vida do próprio ressurreto, que tem poder sobre a Morte.
Pastor Marcos Piedade, Comunidade de Cristãos de São Paulo
PÁSCOA – A FESTA JUDAICA PESSAH
A festa de Páscoa dos cristãos tem sua origem numa festa bem mais antiga que é a festa judaica Pessah.
O Antigo Testamento nos conta que o povo hebreu vivia na escravidão, subjulgado pelos egípcios. Moisés recebe a missão de libertar seu povo. Com ajuda divina, ele ameaça o faraó com dez pragas, que devem assolar o país caso o governante não lhes dê a liberdade. O faraó resiste até a última praga, a praga dos primogênitos. Neste dia o anjo da morte passa por todo o Egito e leva o primogênito de cada casa. O pove hebreu está excluído deste castigo, pois, como Moisés lhes havia dito, cada família deve sacrificar previamente um cordeiro e com seu sangue marcar o portal de suas casas na noite da passagem do anjo. Assim são salvos os primogênitos dos judeus e finalmente o faraó deixa o povo ir em liberdade.
Desde essa época o povo relembra este acontecimento, celebrando Pessah com o sacrifício de um cordeiro sem mácula. É a festa da passagem da escravidão à liberdade.
Justamente durante a celebração destas festividades ocorrem a prisão, julgamento, condenação e morte de Jesus em Jerusalém, como nos contam os textos do Novo Testamento. Naquele ano Pessah caía numa sexta-feira (pois segundo nosso calendário, Pessah também é uma festa móvel). No domingo seguinte,passados os ritos festivos mais importantes, os discípulos voltam ao sepulcro e o encontram vazio…
Cristo ressuscitou!
Ele passou da escravidão da morte para à vida, para a liberdade da nova vida.
Ainda é para todos nós hoje um grande mistério compreender tudo isto.
Celebramos a Semana Santa e Páscoa no fim do verão e início do outono no hemisfério sul (no hemisfério norte seria o início da primavera). No interior do Brasil, nas regiões do “Cerrado”, o clima nesta época do ano, é tal que as chuvas diminuem e os dias ficam cada vez mais curtos e frios. O crescimento das plantas se retai e a terra seca. Poderíamos interpretar isto como um processo de “morte” pelo qual a natureza passa todos os anos. Celebrar Páscoa nesta época pode então trazer-nos a reflexão: Quando lá fora parece que o vivo começa a ceder lugar ao morto, podemos buscar, dentro de nós, a força que é capaz de trazer novos impulsos para a vida. A intensa percepção do “morto” é um estímulo para buscar as forças que trazem a vida dentro de nós.
Assim estamos, outra vez, bem próximos de dar à Páscoa algo do seu sentido original, pois cada é vez mais importante, que aprendamos a não limitar-nos a tomar apenas o que a tradição nos dá, mas buscar uma relação nova com os conteúdos das festas cristãs. E ao mesmo tempo é também fundamental que o Homem moderno re-aprenda a olhar para a Natureza e para o mundo que o cerca e veja em tudo isto imagens (parábolas) que nos ajudam a encontrar uma realidade mais elevada.
Pastor Renato Gomes – Botucatu
A SEMANA SANTA
A Semana Santa nos oferece a mais bela e terapêutica imagem para o desenvolvimento humano, sobre a qual podemos refletir e na qual encontramos relações com a nossa própria vida. Os acontecimentos da Semana Santa compõem uma via sacra, através da qual trilhamos verdades existenciais, cujo conhecimento, se não for considerado de forma dogmática, pode ser um oásis no deserto espiritual que constantemente vivenciamos, quando o nosso pensar se torna, unilateralmente, racional e materialista.
A cosmovisão antiga descreve o universo através de imagens e símbolos, numa linguagem analógica que, por ser poética, toca mais profundamente a nossa alma. Ela nos proporciona a vivência de estarmos integrados a uma ordem cósmica que não contradiz a visão racional que temos do universo, mas contribui, fecundando a nossa lógica.
Do ponto de vista da sabedoria antiga, a Semana como unidade de tempo, tem relação com a tradição religiosa – no Gênesis temos a descrição da criação do mundo em sete dias.
Os dias da semana recebem seus nomes dos sete planetas; arquétipos (princípios) que regem a ordem do universo, sendo que das esferas dos Sete Planetas emanam forças espirituais que impulsionam o desenvolvimento humano.
A Semana Santa começa no domingo de Ramos e vai até o Sábado de Aleluia, sendo que, o Domingo da Ressurreição, denominado Domingo de Páscoa (do hebraico Pessach = passagem) é o primeiro dia da passagem para o Novo Sol que será a Terra vivificada pelo Eu do Cristo.
DOMINGO DE RAMOS – Dia do antigo Sol – Centro, Eu, Humanização
No primeiro dia da Semana Santa, Jesus Cristo entra na cidade santa de Jerusalém, montado em um burrinho branco. Com brados de “Hosana” o povo o saúda com ramos de palmeiras. A força solar que emana do Eu do Cristo reascende no povo a antiga clarividência, vivenciada nos rituais das festividades em homenagem ao sol. A palmeira sempre fora considerada o símbolo do sol natural.
O Cristo atravessa em silêncio a vibração popular, sem se contagiar. Internamente, sabe que aquele entusiasmo, logo passará. Não tem consistência interna. É o entusiasmo natural que logo se transfere para outra novidade, para outro acontecimento externo. Cristo sabe o que ele próprio representa e a que veio. Quer penetrar na camada mais consciente da alma humana. O seu brilho é um brilho próprio que emana da própria essência de seu ser espiritual. O seu estado de alma é autoconsciente e acolhedor. Permanecerá.
Entrar em Jerusalém montado no burrinho, tinha para Cristo, o sentido de deixar clara a transição: da antiga exaltação visionária inconsciente, desencadeada pelos elementos externos da natureza, para a atitude receptiva, fruto da presença de espírito, do Sol interior na alma individual e vigorosa.
SEGUNDA FEIRA SANTA – Dia da Lua – Repetição, Revitalização, Reflexo
Betfagé, a casa dos figos, era uma aldeia cercada por figueiras consideradas por seus moradores, sagradas. Fora de lá que Cristo, no domingo de Ramos, mandara Pedro e João trazer o burrinho, também considerado um animal sagrado. Ali cultivava-se a antiga forma de clarividência, ou seja, praticava-se “o sentar-se sob a figueira”, bem como uma série de exercícios físicos e meditativos que os isolava do mundo e das pessoas, e através dos quais, se atingia um estado inconsciente de religação com o mundo espiritual.
Na manhã de segunda feira, ao retomar de Betânia à Jerusalém com seus discípulos, Cristo se aproxima da figueira e pronuncia a sentença: “Para todo o sempre, ninguém mais comerá destes figos”. Isto significava que, no dia seguinte, a árvore estaria seca. Com a condenação da figueira, Cristo cessa o antigo dom lunar das visões de êxtase. A antiga forma de clarividência ligada às forças da natureza era relativa à noite porque só era vivenciada pelo homem em estado inconsciente. É fundamental para o Cristo que o ser humano trilhe o caminho da autoconsciência clara e explícita que embora, muitas vezes se constitua de processo doloroso, o levará à liberdade individual. “A capacidade da autoconsciência teria que ser conquistada, e isto exigia em troca a antiga clarividência. Retornará o tempo, no futuro, em que todos os homens serão clarividentes, como um fato consciente, por haverem conservado o “eu sou”, a autoconsciência.”
Chegando mais tarde ao Templo que fervilha de atividades comerciais, Cristo expulsa os vendedores. Devolve ao Templo sua condição de lugar sagrado, e, aos peregrinos que chegam de todos os lados para as cerimônias de Páscoa, devolve a consciência de que estão na casa de Deus.
TERÇA FEIRA SANTA – Dia de Marte – Luta, Autenticidade, Coragem
Jesus volta a Jerusalém trazendo as oferendas do ritual que antecede a festa pascal. Sua força se intensifica.
No Templo, enquanto o povo o ouvia, seus adversários o abordam com questões que são verdadeiras armadilhas, para fazê-lo cair em contradição.
Cristo responde a cada uma das questões com parábolas, que caem como verdadeiros golpes de espada sobre os sacerdotes e escribas que, nelas, se reconhecem como protagonistas. A cada parábola, Cristo reafirma a natureza espiritual do seu Eu, assumindo seu lugar próprio e colocando os adversários no devido lugar. Sem temor, pergunta por pergunta, a identidade espiritual do Eu do Cristo, vai se revelando.
Ele mostra aos oponentes quem realmente é, e a que veio. É uma luta intensa, travada em palavras e em intenções. De um lado, a intenção dos questionadores por desconfiarem dele, em desmacará-lo. Do lado do Cristo, a intenção poderosa do seu Eu manifestando-se em toda a sua inteireza e culminando com o “Dai a Cesar, o que é de Cesar e a Deus, o que é de Deus.”
No final do dia, reunido com os apóstolos no Monte das Oliveiras, Cristo lhes transmite as metas que preparão a humanidade para a volta do Cristo, no futuro.
Neste dia, Cristo mostra que a maior das lutas é a batalha travada no interior, entre o medo e a vontade de colocar o Eu no mundo. Nesta luta interna, conquistamos os dons de Marte: a autenticidade e a coragem para enfrentar as adversidades.
QUARTA FEIRA SANTA – Dia de Mercúrio – Fluidez, Devoção, Cura.
Ao entardecer daquele dia em Betânia, Jesus se reuniu com seu círculo mais intimo à mesa de refeição, na casa de Simão. Aproxima-se do Cristo, Maria Madalena, e ungindo seus pés com um óleo precioso, os enxuga com seus próprios cabelos. O gesto de Madalena, que, provoca uma reação de crítica nos presentes e desencadeia a revolta que se acumulava na alma inquieta de Judas. Argumentando contra o desperdício em detrimento dos pobres, Judas sai para se encontrar com os sumo – sacerdotes e concretizar a traição que o levará ao suicídio.
É a segunda vez que Madalena unge os pés do Cristo. Na primeira unção ele dissera aos presentes: “Calem-se. Ela muito amou e muito lhe será perdoado”. A segunda unção é recebida por ele como uma extrema unção.
A postura do Cristo é de disponibilidade.
Em relação a Judas, Cristo compreende que ele não possui em sua alma forças de interiorização e coesão para ordenar suas impressões exteriores. A agitação interna de Judas flui para o mundo, como revolta.
Maria Madalena, entretanto, interiorizara as forças de amor que antes a arrastavam para o mundano. Estas forças interiores fluem então, para o mundo, como devoção.
Ambos são tipos mercuriais sempre em continua atividade externa, sempre mobilizando tudo ao seu redor.
Marta, a irmã de Maria Madalena, é a terceira pessoa com qualidades mercuriais, também presente à ceia. Está sempre fazendo algo pelos outros, sempre na lida da casa. “Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas. Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada,” Lucas 10.41
Na quarta feira santa, Cristo acolhe as forças mercuriais metamorfoseadas em paz interior, devoção e transformadas em capacidade de cura.
QUINTA FEIRA SANTA – Dia de Jupiter – Sabedoria, Grandeza.
Cai a noite de Pessach. Lá fora reina o silêncio; todos estão em casa reunidos para a ceia do cordeiro pascal.
No convento da Ordem dos Esseus, no Monte Sion, lugar antigo e sagrado, reunem-se Cristo e os Doze Apóstolos para também celebrarem o Pessach.
Antes da ceia, Jesus realiza o ato de amor humilde, singelo e cheio de sabedoria, que para sempre irá tocar o coração dos cristãos: o Lava Pés. Cristo, sendo ele um ser espiritual, ajoelha-se e lava os pés de cada um dos seus discípulos, num gesto que é a síntese de todos os seus ensinamentos: “amai-vos uns aos outros”.
Segue-se a ceia do cordeiro, após a qual, Cristo abre mão de si por algo que reconhece maior. Tomando pão e vinho, Cristo os oferece aos discípulos: “Tomai, pois este é meu corpo e este é meu sangue.”
Doa-se nos frutos da terra, permeados com a força da sua sabedoria transformadora, para que se renovasse continuamente a antiga sabedoria e se revivificasse o que havia sido consumido da Terra e do Homem.
O antigo sacrifício do cordeiro era um ato externo: o sangue fresco dos animais puros tinha, no passado, a força de induzir a alma humana se ligar ao mundo espiritual, porém em estado de êxtase.
Com este ato sacramental, Cristo cessa a reminiscência do sacrifício do cordeiro, intensificando o esforço volitivo da alma humana que quer acolher em si o Eu espiritual. Cristo se torna ele próprio, o Cordeiro. Ele traz a interiorização do Eu na alma humana, até o nível do sacrifício, da entrega, da aceitação do destino. “Eis o Cordeiro de Deus, que assume os pecados do mundo.”
O conteúdo desta noite compõe um sacramento de quatro partes que revivifica, no homem religioso, a cada ato, a comunhão com o espiritual, no intimo do seu ser.
SEXTA FEIRA SANTA – Dia de Vênus – Paixão, Amor Universal
Na madrugada de quinta para sexta-feira, Cristo, ao ser identificado pelo beijo traiçoeiro de Judas quando orava no Getsemane, é arrastado e preso. Ironizado, flagelado, coroado com espinhos, carrega sua cruz sobre as costas e é crucificado na colina de Gólgota. Tendo se tornado suficientemente firme na sua alma, por possuir algo imensamente sagrado, suporta todos os sofrimentos e dores que lhe são impostos. Com a força de sua alma elevada, carrega seu próprio corpo em direção à morte; une-se à morte, para legar aos seres humanos a mensagem de que a morte não extingue a vida.
A imagem do Cristo carregando a sua própria cruz, em direção à morte é o grande símbolo de que além do umbral da morte física, começa uma nova vida.
O Livro dos Mortos, o livro sagrado do Egito, continha preces, instruções para, após a morte, o homem encontrar seu caminho de volta para o mundo espiritual, para o Pai. Há cinco mil anos atrás, nos rituais de religação com o mundo espiritual, os iniciados eram induzidos num sono de morte. A morte era irmã do sono. O Eu, naquela época, não tinha penetrado ainda profundamente no corpo humano e a imortalidade, a visão de um mundo espiritual após a escuridão da morte, era vivenciada. Os sepulcros eram, ao mesmo tempo, altares e as almas dos mortos eram mediadoras entre a Terra e o mundo espiritual. À medida que a Terra se tornou mais densa em sua matéria física e o homem desenvolveu sua autoconsciência, a morte tornou-se o grande medo da humanidade.
Cristo resgata para o ser humano a sua herança espiritual.
“No Cristo torna-se vida, a morte.” – Rudolf Steiner
SÁBADO DE ALELUIA – Dia de Saturno – Profundidade, Consciência, Tempo
O Cristo desce ao reino dos mortos, pleno da luz solar de sua consciência. A Terra recebe o corpo e o sangue do Cristo. No local, entre Gólgota e o Sepulcro, existira outrora uma fenda primária na superfície terrestre. Esse abismo, que fora aterrado por Salomão, era considerado pelos antigos como a porta do inferno. Os terremotos da sexta-feira reabrem esta fenda e a terra inteira se torna então o túmulo do Cristo.
O espírito de Cristo penetra na Terra criando nela um novo centro luminoso.
“Temos à volta da Terra uma espécie de reflexo da luz do Cristo. O que é aqui refletido como Luz do Cristo, é o que o Cristo denomina, Espírito Santo. Tão verdadeiramente como a Terra inicia a sua evolução para Sol através do evento de Gólgota também é verdade que a partir deste acontecimento a Terra começa a criar a sua volta um anel espiritual que mais tarde se tornará uma espécie de planeta ao seu redor. Estamos diante do ponto de partida de um Novo Sol em formação.” – Rudolf Steiner
DOMINGO DE PÁSCOA – DIA DO SOL
Ente nascido do cosmos
Oh, vulto luminoso!
Fortalecido pelo Sol no poder da Lua.
Tu és doado pelo ressoar criador de Marte
E a vibração de Mercúrio que move os membros.
Ilumina-te a sabedoria radiante de Júpiter
E a beleza de Vênus, portadora do amor.
E a interioridade espiritual de Saturno antiga dos mundos
Te consagre à existência espacial
e ao desenvolvimento temporal.
Rudolf Steiner
Texto: Edna Andrade
Fontes: O Evangelho de João – Rudolf Steiner – Editora Antropósofica
Os Acontecimentos da Semana Santa – Emil Bock – Editora Nova Jornal
O PROCESSO DE JESUS – O DRAMA NO PASSADO E NO FUTURO
No momento da grande catástrofe européia, que começou no ano de 1939, surgiu em um jornal de Munique uma discussão entre escritores, cujo significado é maior do que simplesmente literário. O Problema, sobre o que esses escritores discutiram, surgiu de uma palestra do escritor Kurt Langenbeck. Suas obras dramáticas já eram conhecidas do grande publico, e a sua palestra publica foi chamada: “O Renascimento do Drama e o Espírito da nossa Época”. A palestra desse escritor, despertou grande atenção sobre o novo Drama. A tese desse escritor era a seguinte: só uma vez houve uma verdadeira tragédia, na época grega, com Ésquilo e Sófocles. E o que se chamou depois disso de tragédia, é apenas uma sombra enfraquecida dessas tragédias gregas. O Cristianismo, não pode inspirar uma tragédia, pois é uma “religião de salvação”, olhando sempre para o “lado de lá”, buscando consolo. Por isso, a vivência da tragédia não pode surgir nessa religião. Mesmo Shakespeare, Lessing e Hebbel, nunca produziram uma verdadeira tragédia, nascidas do drama da individualidade, e sim meias-tragédias. É necessário antes de tudo, que na humanidade nasça um sentimento novo e abrangente sobre o “destino”; se quisermos que a força dramática, como o era na Grécia antiga renasça em nossa época. Assim, pergunta o escritor: “Quando surgirá a nova tragédia?” O escritor estava certo, pois o germe da nova tragédia vivia na atmosfera, no destino da nossa época (em 1939). Apenas um limiar tênue e delicado separa hoje os Homens das dimensões divinas dos Deuses, onde vive a força religiosa e artística de uma verdadeira tragédia.
Por ser uma tese falada em um tom consciente e explicitamente forte, não ficou sem levantar contradições, nos ouvintes, e nos leitores dos jornais. Assim foi que o escritor José Magno Wehner, tomou a defesa de Shakespeare e de outros autores dramáticos, pois haviam sido atacados por Langenbeck. E apesar da unilateralidade exigente de Langenbeck, parecia que ele tinha razão, mesmo sendo os argumentos de seus contraditores eivados de uma razão mais elegante. Pois o fundamental na palestra de Langenbeck parecia provir de um pressentimento dramático – apocalíptico – dinâmico, que havia se apossado do destino dos povos do mundo. Se a humanidade atual deseja trazer ao palco dramas artísticos, necessita de uma transformação interior radical. E essa transformação terá que ser tão grande, que nós nem conseguimos imaginá-la. Errado estava Langenbeck quando falou do Cristianismo de maneira generalizada. Pois em verdade ele se referia ao Cristianismo não como religião, mas como representação histórico – confessional- oficial. É claro que também em nossa época, um Drama deveria se ampliar, se desenvolver, para além da força e dos elementos da tragédia grega. Porém, não pertence ao cristianismo, em sua realidade espiritual, a acusação feita por Langenbeck, de ser uma religião fundamentada na “Salvação para o lado de lá”. A salvação, segundo a cosmologia do Impulso do Cristo, foi trazida para esse mundo, não está “do lado de lá”. Ela é a própria Ressurreição, que aconteceu no mundo terreno e nele foi introduzida. E o caminho terreno para a Salvação, é um caminho de provações, que ultrapassa hoje em muito a grandeza e a dramaticidade das tragédias clássicas gregas. O cristianismo tradicional-oficial, não se sente atraído pelas vivências apocalípticas do destino humano; mantém-se em uma zona de temperatura amena, sem se envolver na região das chamas ardentes.
O Apocalipse de João continua sendo um livro hermético para essa mentalidade institucional-eclesiástica. Só poucos indivíduos pressentiram no livro do Apocalipse uma profecia de um drama e uma tragédia humanas da atualidade, que ultrapassa em muito as antigas tragédias gregas. Hoje, na época Micaelica em que vivemos, o cristianismo só pode se manter vivo, se é inspirado, estimulado pelo Apocalipse; ampliando-se para a sua grandiosidade cósmica. O Arcanjo Micael é o regente dos destinos humanos, estimulando os povos e indivíduos sem poupá-los e afagá-los. Ele é o próprio espírito do Drama e da Tragédia. Ele é o servo do Cristo; aquele que passou pelo caminho trágico e dramático do inferno, para a Ressurreição. Tem porém razão Langenbeck, quando cobra a necessidade de uma religião fundamentada em um Drama forte, mais atual e moderno que o das tragédias gregas.
Porém, isso deveria ter o sentido de acordar a humanidade adormecida para o que já está presente, e não é percebido. O Mistério do Cristo guarda em si essa nova religião. E o cristianismo do futuro, irá se relacionar com o cristianismo histórico, assim como o verdadeiro Drama, se relaciona com a Poesia Parnasiana. Poder-se-ia dizer, que estará na mesma relação que o Apocalipse de João está para com os Evangelhos; pelo menos na compreensão que se tem hoje dos Evangelhos. E se o Apocalipse for percebido em sua força espiritual, mudar-se-á a relação com os Evangelhos. Ver-sê-los-á em uma nova luz. Pois então ver-se-á, à luz do Apocalipse, nos Evangelhos, o ímpeto dramático e trágico do Apocalipse. O verdadeiro Drama, a verdadeira Tragédia, a qual necessita a humanidade, já é realidade nos Evangelhos.
Se entendemos os Evangelhos, percebemos que eles são, por excelência, o Drama-Primordial da humanidade. E se nos elevamos para lê-los e entende-los com a inspiração do Apocalipse, surge à nossa percepção e compreensão uma obra dramática de um elevado nível artístico. Estamos diante do palco da verdadeira e impiedosa Tragédia. E apesar da fineza de sentimentos em relação às tragédias gregas antigas, um escritor como Langenbeck não chega a perceber o contexto espiritual histórico do nascimento do Drama. Pois, tivesse o escritor um pressentimento nesse sentido, não deixaria de ver as semelhanças entre as obras dramáticas de Ésquilo e dos Evangelhos. Pelo menos o escritor deveria sentir, perceber a relação intima na composição dessas obras, aparentemente tão diferentes entre si. Pois, como na época Pericliana, assim também na cultura ocidental, o Drama surgiu dos Templos de Mistérios. E quando Ésquilo e Sófocles escreveram suas tragédias, em parte conscientes, e em parte inconscientes, contribuíram para tornar publico os mistérios. Ésquilo foi acusado de traidor dos segredos dos Mistérios, por colocar no palco aquilo que era guardado como segredo nos Templos de Mistérios. A Lei da Morte e da Ressurreição, regia nos rituais de Iniciação, consumados nos discípulos, no ambiente silencioso dos Templos.
A partir do momento que os Dramas de Ésquilo foram apresentados nos palcos da Grécia, luziu uma centelha da Iniciação, da Lei Eterna nas almas dos espectadores. A relação interior entre as tragédias gregas e os evangelhos é: o Mistério do Gólgota significa a completa e última revelação dos Mistérios. Para além de todos os Dramas, nele foi revelado o Drama-Primordial diante da humanidade. Não é necessário nenhuma apresentação exterior, pois só a vivência interior individual do Destino do Cristo, possibilita a cada ser humano tomar parte nesse Mistério de Iniciação. Nesse sentido, os dramas dos poetas gregos, são como que ensaios, e profecias sobre o Mistério do Gólgota: eles foram a revelação dos Mistérios humanos, que precederam a grande revelação do Mistério Divino, o Mistério do Gólgota.
Foi pelo próprio abandono do cristianismo–histórico-confessional, que surge essa desesperança com a força dramática do Cristianismo. Pois a igreja tradicional, eximiu-se de qualquer compromisso com a vida cultural e artística nos últimos séculos, passando a mera administradora de um mundo “do lado de lá”. Porém, temos que reconhecer, que, para uma revitalização, um ressurgimento da força dramática na alma humana, há que buscar-se-la nos evangelhos. O Drama de Mistérios do futuro, para não ser uma mera renovação dos antigos dramas gregos, necessita encontrar sua força no Drama-Primordial central da humanidade, que ocorreu no Gólgota.
CAIFÁS, HERODES E PILATOS
Na ultima cena da vida de Jesus, antes que a noite envolvesse o Gólgota, surge um Drama com toda a clareza e precisão característica dessa arte. Mesmo em seu acontecimento público, configura-se de forma teatral, nos assombrando. A imagem primordial do palco, das cortinas, e do espaço para os espectadores, está lá, no momento do “processo de Jesus” diante do palácio de Pilatos. Essa cena acontece envolvendo vários personagens e acontecimentos, como imagens primordiais dramáticas.
E enquanto os teólogos nunca se inteiraram da configuração dramática dessa passagem dos evangelhos, houveram escritores de peso, que por sua própria intuição compreenderam a dramaticidade dos acontecimentos da Paixão e deram-lhe forma, compondo dinamicamente um Drama de Mistérios que pertence aos evangelhos. Por exemplo, em um Drama do escritor Augusto Strindberg, há uma cena que trás luz as imagens primordiais humanas de Caifás, Pilatos e Herodes.
Herodes e Pilatos conversam na entrada do Templo. Herodes, exaltado, por uma inquietude emocional, aparece como alguém que tem estranhas e fantásticas idéias a respeito de Jesus de Nazaré, semelhantes aos de mistérios ocultos:
Pilatus – “Fale, Herodes! Teu coração está cheio, e teu espírito inquieto.”
Herodes – “Sim! Eu deixei executarem a João, e pensei: acabou-se!
Agora, porém, lá está ele.”
Pilatos – “Jesus não é o mesmo; é outro.”
Herodes – “Tu pensas assim, porém,eu creio: João ressuscitou!”
Pilatos – “O povo cria: João era o messias, porém, João indicava a Jesus.”
Herodes – “Posso ver esse Homem, de quem todos falam?”
Pilatos – “É difícil, pois ora ele está aqui, ora está ali.”
Herodes – “Talvez ele seja um mágico ou encantador, assim como tantos outros em nossa época.”
Pilatos – “Pode ser, porém o povo crê ser ele o Messias, que libertará o povo…”
Pilatos e Herodes decidem perguntar a Caifás sobre o mistério de Jesus. Nesse momento começa um tumulto no Templo. Eles pensam tratar-se de um tumulto causado pelos partidários do culto Judeu com os partidários do culto romano ao César. Como a imagem de uma transparência, surge a contradição histórica entre o Cristo e o César romano.
Pilatos – “Perguntemos ao Sumo-Sacerdote, pois ele tem que saber!”
Herodes – “Há um tumulto no Templo!”
Pilatos – “Eu sei a causa do tumulto!”
Herodes – “Estão a colocar a imagem do César no Templo?”
Pilatos – “Isso mesmo. O nosso generoso Imperador Tiberius vive como um loco na ilha de Capri. E é espancado por seu sobrinho Calígula. Os seus filhos vivem amasiados com as suas próprias mães. Isso porém, não impede o Imperador de ordenar a sua adoração como Deus…”
Agora, surge Caifás em cena e junta-se aos dois. Ele relata aos dois o que realmente acontece, qual é a causa do tumulto. Herodes, que não consegue segurar sua curiosidade e anseio, pergunta a Caifás, se ele poderia ver a Jesus. Caifás ensina a Herodes, que Jesus, sempre que é espionado por seu enviados, desaparece.
Caifás entra em cena e encontra-se com Pilatos e Herodes:
Herodes – “Que tumulto é esse no Templo?”
Caifás – “É o galileu, que leva o povo ao tumulto! Agora ele tornou-se
violento, e expulsa os comerciantes do Templo.”
Herodes – “Se ele está lá, queremos ir vê-lo!”
Caifás – “Ele já se foi!”
Pilatos – “Diga-nos, Sumo-Sacerdote, o que se passa com esse Homem? Acreditas que ele é o Messias prometido ao povo Judeu?”
Caifás – “Como poderia crer nisso! Um simples filho de marceneiro,
que é doente da cabeça? Longe de mim com essas idéias!…”
Essas cenas, simples e dramáticas, mostra-nos o que vive nos evangelhos, como arquétipos do Drama moderno. Podemos perceber a curiosidade de Herodes; a sua superficialidade interesseira no lidar com o supra-sensível. Em Caifás, surge o elemento da frieza superior, do desprezo e do ódio. Pilatos está em uma postura de pesar, medir as coisas, refletindo sobre elas, como que mantendo o equilíbrio entre os dois outros personagens.
Essas três pessoas, com suas posturas, dão o tom no palco do acontecimento dramático do Gólgota.
Essas cenas passam-se no limiar para a Sexta-feira Santa. E somente necessitamos contemplar essas cenas, que aconteceram antes de surgir o dia, para percebermos o drama transparente do Mistério da Humanidade.
Essa foi uma noite cheia de mistérios, entre a Quinta-Feira Santa e a Sexta- Feira Santa. Na noite, brilhava, espalhando a sua luz prateada pelos vales e desertos a lua cheia. Peregrinos haviam vindo em tumulto para a cidade de Jerusalém, para o Pessah, a Páscoa dos Judeus. Nessa noite, as casas estavam cerradas, ninguém ousava sair às ruas. Nas Casas, vigiava-se, recordando-se da noite de terror no Egito, quando o Anjo da Morte passava de casa em casa. Todos criam, que nessa noite, repetia- se o acontecimento da noite de terror no Egito. Depois da meia-noite, o vento que soprava do deserto teria assustado qualquer um que deixasse sua casa e se aventurasse pelos becos da cidade. Só um pequeno grupo de Homens ousou contrariar os costumes dessa noite, dirigindo-se através do vale do rio Cedron, para o jardim de Getsêmane. Sentia-se na solidão dessa paisagem uma verdadeira solidão; um abandono. O mundo estava abandonado, jazendo entregue a morte. E depois da prisão do Cristo no Jardim das Oliveiras, seguiram os mercenários com o seu prisioneiro para o Palácio de Caifás. Pedro os seguiu, juntando-se aos criados ao redor do calor das brasas.
Nesse final de noite, no inicio do amanhecer, aumentou de intensidade o vento do deserto que soprava, participando assim a natureza da atmosfera espiritual dessa Sexta-feira Santa. Também na parte da tarde desse dia, iria a natureza manifestar-se, pelas trevas que escureceram o próprio dia, expressando assim a força do supra-sensível no natural. Nesses dias de lua cheia, é bastante incomum que haja acontecido um eclipse total em pleno dia. Comum nessa época do ano, na região onde aconteceram esses fatos, é que surjam ventos que sopram do deserto, poderosos e quentes, e que são chamados de Chamsim. Esses ventos, surgem de alturas indescritíveis do deserto ao redor de Jerusalém, elevando nuvens de areia do deserto, para além de cem metros de altura. Essas nuvens enormes de areia, cobrem o sol com uma cortina espessa e pesada, sufocando a atmosfera e impedindo a respiração. E por momentos, toda a vida terrena é separada, apartada da vivência e da relação com o Céu. Todas as criaturas buscam ansiosas por ar fresco, gemendo sob a atmosfera densa e pesada, que transformou o frescor do amanhecer em um calor sufocante e irrespirável.
Quando os mercenários subiram o vale do rio Cedron para a cidade de Jerusalém, ainda era noite. A atmosfera gélida da morte ainda dominava, penetrando nos ossos daqueles que caminhavam em direção a cidade. E ainda para adensar a atmosfera, e endemonia-la, brilhava a luz fria e gélida da lua cheia.
As pessoas, que conduziam Jesus preso, nessa paisagem noturna, pareciam encarnações de fantasmas, saídos do Hades. Diante de dois Tribunais, seria colocado Jesus. Um deles, dentro de uma casa, vizinha ao Cenáculo. As formas da primeira construção do Sacro-Santo, construído por Davi sobre o Monte Sião, eram o fundamento dó prédio onde ocorreu, no andar de cima, o acontecimento da Quinta-feira Santa. No lugar do antigo Templo de Sião, onde Davi mandou construir uma capela, para guardar a arca da aliança, está a casa do Cenáculo, uma casa dos Essênios, onde Jesus e seus discípulos celebraram a Ceia da Páscoa. Para o lado Norte desse lugar, estavam, no tempo de Davi a casa dos sacerdotes onde morava o primeiro Sumo-Sacerdote Sadoque. Ele foi o primogênito da casta dos sacerdotes Saduceus. No lugar onde era a antiga casa dos sacerdotes, sobre os seus fundamentos, está o Palácio do Sumo-Sacerdote, para onde Jesus é conduzido por àqueles que o aprisionaram no Jardim de Getsêmani.
O Evangelho de João, que nos relata em detalhes esses acontecimentos dramáticos, nos conta: Jesus foi conduzido diretamente para a casa de Caifás, e não para o Sinédrio, onde se reuniam Fariseus, Saduceus e Escribas, formando o Conselho Superior dos Judeus. Jesus foi levado diretamente ao Chefe dos Saduceus. Aqui, não imperava entre os saduceus o Sumo-Sacerdote, senão que o senil, esclerosado e avarento Hannás. Os dirigentes da casta dos Saduceus seriam os que dirigiriam o drama da política judaica, que se consumaria. Eles amarraram os fios, para conduzir essa peça dramática, usando a alucinação fantástica que Judas tinha a respeito do Messias. A realidade desse drama é, porém, outra. O dirigente dele é invisível, tornando-os a todos, simples personagens, que necessitam cumprir com o seu papel no palco. Esses saduceus são, por isso mesmo, os menos humanos de todos os personagens. Eles são fantasmas, demônios que regem sobre as trevas, que odeiam a Luz, e crêem ter o poder de obscurecer a luz do sol que surge no horizonte, anunciando o dia.
E também diante de um outro tribunal, Jesus é levado nessa noite. A noite dos fantasmas continua. Agora, parecem ter-se juntado ao imperador das Trevas, e a toda sua legião de subordinados. O Sinédrio, com suas sete autoridades, reunidos sob a autoridade de Caifás, não é nada mais nada menos que uma legião de demônios das trevas. As autoridades, vestidas de preto, são a própria caricatura dos pensamentos humanos, que, sem forças do coração, não conseguem compreender a verdadeira realidade. Ao ódio que se revela no encontro dirigido por Hannás, junta-se aqui à mentira destruidora. Falsas testemunhas aparecem; demônios que encenam falsidades para o mundo. O mundo exterior da natureza está em perfeita harmonia com o que ocorre no interior dos tribunais. Fora uiva o vento frio e gélido pela paisagem prateada na refletida luz da lua. Esse é o mundo de Caifás.
E quando terminou a sessão com Caifás, seus mercenários levaram Jesus pelas ruelas de Jerusalém até o palácio de Pilatos. Nesse momento, surge o sol! Nesse momento, surge o vento do deserto e traz o mormaço abafado e quente para a cidade. Uma cortina de areia cobre o levantar do sol no horizonte, tornando a sua luz clara em uma atmosfera esverdeadamente esquisita. O caminho segue pela praça do Templo. Como se toda a história da humanidade, todo o Antigo Testamento fosse relembrado de maneira resumida. A noite transforma-se em dia, porém no dia mais trágico da história da humanidade.
Pilatos sai de seu palácio. Ele é obrigado, mesmo que contrariado, a ouvir a acusação contra Jesus, que os fantasmas, surgidos da noite, nervosos e exaltados lhe gritam. Percebe-se que o calor sufocante e abafado torna possessos os cérebros dos mercenários e dos dirigentes dos Judeus. O digno procurador romano, em sua túnica branca, deve ter limpado varias vezes o suor que encobre o seu semblante, para manter a consciência clara e objetiva. As cenas seguintes, revelam-nos o que vamos olhar em detalhes.
No dia pleno, muda outra vez a cena. Pilatos é informado que o acusado é da Galiléia, e torna-se aliviado. Ele espera poder passar a outro a carga de julgar esse acusado, e o envia a Herodes, que era o responsável pela Galiléia. E por acaso, encontrava-se Herodes em Jerusalém. Jesus é levado a Herodes. E, assim como antes do amanhecer, o vimos ser conduzido pelas figuras fantasmagóricas de seus algozes, diante da figura de Caifás; agora o vemos, em plena luz do dia, envolto no calor mormacento, ser conduzido a Herodes. Como combina a atmosfera exterior quente e pesada, com a de Herodes. Não é a toa que em antigas peças teatrais, Herodes é representado vestido por uma veste vermelho fogo. Ele tem algo de “4confuso”, “emocional” e “imprevisível”, ligado ao excesso de calor do dia, assim como Caifás o tem com a escuridão da noite. No Palácio do Sumo-Sacerdote, Jesus foi envolvido no hálito frio e odiento das mentiras. Agora, é envolto na curiosidade gososa luciférica. Herodes diz: “Há muito desejava ver esse mágico e clarividente!”
Caifás e Herodes são pessoas de extremos apostos. Pois neles estão frente a frente, em oposição, o preto (Caifás) e o vermelho fogo (Herodes). Nós podemos com isso perceber, que Pilatos, com a sua túnica branca, de procurador romano está no centro, entre os extremos.
Essa trindade arquetípica é ricamente representada nesses acontecimentos. Apesar de Caifás ser o representante do mundo judaico, há uma eminência parda por detrás dele. E esse personagem, faz surgir a sombra do que aparentemente é suave no diplomático Caifás: é o velho centenário, esquelético e avarento, Hannás! Mais explicito ainda do que em Caifás, surge-nos em Hannás, o homem tornado Ahriman. Os elementos do ódio frio e calculista, e o egoismo cobiçoso tomam forma nele. Mas também por detrás de Herodes, há um personagem que faz aumentar sua virulência: Herodiades! Ela é a força que move a Herodes, em tudo o que ele faz. Ela é a bruxa, a Senhora do castelo pavoroso de Macários, que consegue de Herodes a cabeça decapitada de João, o Batista. Como um Lúcifer feminino, Herodiades segura a bandeja com a cabeça ensangüentada de João em suas próprias mãos.
Como um Lúcifer encarnado como Homem, ela está presente, ao lado de Herodes, quando Jesus é trazido e apresentado. Ela é a que, inspirada por um hálito de magia e profecia ao mesmo tempo, manda vestir Jesus com uma veste alva e branca, provocando-o. Pois a veste branca e alva é a própria imagem do corpo luminoso da ressurreição, criado pelo próprio Cristo.
O NOME DE PONCIO PILATOS
O pêndulo dos acontecimentos leva-nos, agora, novamente ao centro. Diante de Pilatos acontece o processo de Jesus. Sobre Pilatos, deve refletir cada cristão, pois não há um culto cristão sem que, em um devido lugar, o nome de Pilatos seja nomeado. Em todos os “credos” de todas as confissões cristãs, está escrito: “sofreu a morte de cruz sob Poncio Pilatos.” Nas trilhões de vezes, em que esse nome foi clamado em alta voz, surge imediatamente a imagem do procurador romano vestido em sua túnica branca. Qual é o mistério humano desse personagem?
A estranha expressão, usada correntemente em trâmites burocráticos, intermináveis e obscuros, diz assim: “ir de Poncio a Pilatos”. Essa expressão pode nos levar a pressentir o enigma do nome Poncio Pilatos. Quando nós começávamos a nos acostumar com as celebrações do novo culto na Comunidade de Cristãos, encontrei de maneira inesperada um rastro desse mistério, oculto por detrás desse nome. Além da experiência interior, de se poder ter outra vez altares para a celebração, está a vivência do espaço com as suas dimensões, para a direita, a esquerda, frente e fundos, que tem de ser preenchido de forças anímicas. Desde o inicio, o altar era para nós algo vivo. E no mundo das forças radiantes, obscuramente pressentidas até então, amadurecemos para a realidade, que certas partes do ato cúltico são celebradas do lado esquerdo do altar, e outras do lado direito dele. Naquela época, eu me ocupava com o assunto seguinte: será que o clero católico conhece a diferença entre os dois lados do altar; será que tem algum conhecimento consciente disso? E assim que encontrava uma oportunidade, eu dirigia a padres católicos a pergunta: que sentido vêem vocês nas mudanças da missa para um lado e para o outro do altar? A resposta que eu recebi, nas várias vezes que coloquei essa pergunta foi: “sobre isso, nunca ouvimos nenhuma explicação!” Alguns deles, vários, porém, juntavam a essa expressão, uma outra explicação, em tom humorístico: “a nós era dito que isso se chama – ir de Poncio a Pilatos!”
Não encontrei, porém, nenhum sacerdote católico que soubesse explicar-me alguma coisa além disso. Apesar disso, percebi, que aqui havia algo hieroglifado, imaginativo, parcial, provindo de uma tradição oral oculta de tempos antigos.
Nesse sentido, tornou-se-me clara a relação de uma indicação dada por Rudolf Steiner sobre o enigma do nome “Poncio Pilatos”. Pois o nome “Poncio Pilatos”, não é simplesmente um nome romano, senão que uma latinização de uma “denominação dos mistérios”. Esse nome vêm do grego Póntos Pyletós, que se pode traduzir, simplesmente por: “Mar estreito”. Porém, quer em verdade dizer: Mar com Portal, o mar pelo qual se sai através de um portal de colunas. Pode-se pensar na antiguidade, onde se falava das “Colunas de Hércules”, no estreito de Gibraltar. Vivenciava-se nesse estreito, um portal, por se encontrar no limiar entre o mundo terreno e os mundos espirituais. Esse seria o mesmo portal, limiar, por onde a alma humana passaria depois da morte. Semelhantes imaginações surgiam no mundo antigo, em relação à Bósforo e Helioponto, os portais do mar estreito, que levavam do Mar Mediterrâneo ao Mar Negro. Porém, como denominação dos mistérios, o nome Póntos Pyletós não indica uma localização geográfica, mas sim um lugar no Mundo das Almas. Pelo Mar do Mundo das almas, chega o Homem que persevera, ao Portal dos Mundos Espirituais.
E aqui, ele necessita atravessar esse limiar decisivo. Pilatos tem um nome que provém de uma “denominação dos mistérios”; e isso não é algo casual, senão que pertence às verdades imaginativas do ultimo ato do drama do Cristo. A figura de Pilatos, mostra-nos, pelo que um Homem tem que passar, quando o seu destino o leva ao limiar, ao Portal dos Mundos Espirituais. E quando o nome de Pondo Pilatos é falado, surge no intimo da alma um eco, que é válido para todos os Homens: “o Homem no Limiar”. Nas lendas da idade média, encontram-se muitas indicações e significados do nome de Poncio Pilatos. E muitas dessas indicações, lembram-nos a lenda de Judas. Como passagens dramáticas exteriores, são relatadas experiências, que são, em sua realidade, vivências da alma. Assim é que o nome Pontius, é descrito em uma lenda, em que o jovem Pilatos “amansou” uma tribo de Homens selvagens, em uma ilha que tinha esse nome “Pontus”. Esse hieróglifo imaginativo, mostra a origem da “denominação dos mistérios”, que está oculta por esse nome. E talvez, seja uma indicação de que Pilatos, em sua juventude, já estava em relação com as correntes de mistérios.
Se levarmos em conta o que ressoa oculto no nome de Pilatos, não acharíamos mais sem sentido a troca de lado do altar na celebração ser denominada de “ir de Poncio a Pilatos”. Cada altar, onde um verdadeiro culto é celebrado, é um portal para os mundos espirituais. Ali tocam-se elementos terrenos e celestes, que, pela oração, devoção e veneração chamam esses mundos celestes para o terreno. Os dois lados do altar, são as colunas, que formam o portal, o limiar para um outro mundo. Nós veremos, que o evangelho, com a cena que ocorre a frente do palácio de Pilatos, nos leva a imagem primordial do palco, assim como a do altar. A formula de mistério expressa no nome de Pilatos, confirma ser Pilatos, entre Caifás e Herodes, o Homem do Meio, isto é: o que é propriamente Homem.
Antes porém, de passarmos a cena com Pilatos, olhemos mais uma vez o Processo de Jesus em sua dramaticidade. Nós acompanhamos Jesus diante de três instâncias: Caifás, Herodes e Pilatos. O que mais nos mostra as diferenças desses três mundos, é o comportamento do Cristo com cada um deles. Ele se comporta de maneira diferente com cada um deles.
Lá está ele, na noite fantasmagórica, diante de Caifás. E esse diz a ele:
“Eu te conjuro pelo Deus vivo; diga-nos: és tu o Cristo, o Filho de Deus?”
Jesus não nega a resposta, porém, a maneira como ele responde, é uma exigência ao que pergunta. O interrogador deve entrar em uma intensa atividade espiritual, se quiser ter a resposta a essa pergunta. Essa atividade interior e individual é a força que emana do próprio Cristo. Em uma tradução simples, dizer-se-ia que as palavras do Cristo foram:“Tu o dizes!”
Em verdade, há uma força potente e grandiosa nessas três curtas palavrinhas. O seu sentido é:“Tu precisas dizê-lo!”
Se em Jesus entrou o Cristo como Homem na existência terrena da humanidade, o Filho de Deus, devemos saber, que isso só pode ter um valor para a humanidade, se um Homem, por si, o reconhece e o confessa. O Cristo porém, não deixa essa resposta assim, como um apelo curto. Ele responde a pergunta sobre o Filho de Deus, com palavras fortes e grandiosas:“Sim, eu te digo, de agora em diante, verás o Filho do Homem sentado a direita da Força, vindo nas nuvens dos Céus!” (Mateus, 26:64).
Essas palavras, são como um golpe de um instrumento cortante, como um golpe certeiro e forte de espada no que ouve. Dentro das trevas fantasmagóricas dos pensamentos dos adversários, luze com a força de um raio os pensamentos luzentes do Cristo sobre uma nova época no mundo. As lutas travadas nos dias anteriores, com os comparsas de Caifás, nas muitas discussões, surge agora luminoso, nos seus pensamentos, triunfando sobre as trevas.
Muito diferentemente comporta-se o Cristo diante de Herodes. O Evangelho de Lucas nos mostra a excitação feminina e a curiosidade com que Herodes aguarda Jesus chegar:“Quando Herodes viu Jesus, alegrou- se muito, além da conta; ele tinha esperanças de ver um Sinal dele!” (Lucas, 23:8,9).
Jesus, porém, não fala com Herodes. Não responde, nem dá importância a nenhuma de suas perguntas. Ele se cala, imutável. Em uma dignidade inabalável e distante está Jesus diante do poderoso Lúcifer, que toma forma humana na figura de Herodes. Lúcifer é um ser muito poderoso, de épocas primordiais, mas que já foi derrotado. Diferente é o confronto com o poderoso Ahriman, que se encarna e fala por Hannás e Caifás. Esse espírito da inteligência gélida ainda celebrará o seu triunfo sobre a humanidade, em um futuro próximo. E será necessário que em um futuro próximo, possamos vencê-lo. Esse embate do impulso do Cristo com o poderoso impulso satânico do Anti-Cristo, se dará na “vinda do Filho do Homem nas nuvens dos Céus”. Por isso, o Cristo não se cala diante do adversário Ahrimanico, assim como se cala diante do adversário luciférico. Ele luta pelo futuro da humanidade, quando diz essas frases a Caifás, com a força de um mistério moderno, atual. Nesse momento, onde a luta entre o Cristo e Ahriman-Caifás atinge o seu ápice, surge a aurora, na manhã da Sexta-feira Santa.
Outro, porém, é o comportamento do Cristo diante de Pilatos. Ele não se cala. Ele também não fala palavras cheias de força e mistério, por sobre as cabeças dos Homens, como raios de luz cósmica. Frente a Pilatos, Jesus está pronto para conversar, dando respostas e colocando perguntas. Aqui, nesse encontro vê-se um Homem diante de outro Homem, e conversam.
O PALCO DA CENA
A cena com Pilatos, exige de nós uma olhada comparativa com todos os evangelhos. Nos quatro evangelhos, encontramos uma descrição completa desse encontro. Além disso, porém, em cada um dos evangelhos, surgem-nos detalhes diferentes dele. Eles nos relatam o processo de encarnação do Cristo no plano físico, onde há a exigência, nos três primeiros evangelhos, de uma percepção acurada. Em nenhuma outra passagem dos evangelhos, somos levados a juntarmos as diferentes descrições desse encontro. Cada evangelista dá a sua contribuição para o todo esse processo. Assim, juntando, somando os fatos e detalhes dos evangelhos, surge-nos em todos os detalhes concretos, o ocorrido diante e no palácio de Pilatos.
Para isso, é necessário perceber, que o evangelho de João nos traz uma preciosa contribuição para a compreensão biográfica desse momento. O seu relato desses acontecimentos é incomparável, explicito, rico e muito mais objetivo que o dos outros três evangelhos. Pode-se perceber, pelo relato desse evangelho, que ele nos leva as alturas mais amplas do espírito, e ao mesmo tempo aos mais profundos processos ocorridos no plano físico. E é no evangelho de João que encontramos a possibilidade de juntar, com sentido, as “aparentes” semelhanças dos outros três evangelhos. Nesse evangelho, pode-se perceber um Drama em três atos, plenamente diferenciáveis. Esses três atos, podem ser claramente percebidos, pois Pilatos entra no interior do palácio a cada ato. Duas vezes entra Pilatos no interior do palácio, para continuar o diálogo com Jesus, e preparar o desenvolver do processo. Em cada um dos três atos, que ocorrem no exterior do palácio, está uma cena ocorrida no interior do palácio.
Voltemo-nos as cenas do Drama. A frente da fachada do palácio de Pilatos há uma grande escadaria. Sobre ela está o procurador com Jesus. Embaixo, está a multidão possessa, gritando, dirigida por Caifás e os outros membros do Sinédrio. É como se nós mesmos pertencêssemos ao povo, e estivéssemos olhando para as duas figuras no alto da escadaria. O drama começa. A cada um dos três atos, vemos Pilatos e Jesus desaparecer no interior do palácio. Estamos diante de um palco de teatro. A multidão, abaixo, na platéia, é ao mesmo tempo publico e atores. Três vezes fecha-se a cortina, quando Pilatos e Jesus desaparecem do palco para os bastidores, o interior do palácio. Pode-se, porém, perceber, que a simples comparação de um cenário de teatro não é o suficiente para se compreender o que acontece aqui. Pois o drama continua atrás das cortinas, nos bastidores. A multidão sabe disso, e toma parte nesses acontecimentos ocultos com total atenção e concentração. As cenas, que conduzem os acontecimentos do drama, passam-se todas em oculto, nos bastidores. Na situação de uma peça de teatro, mistura-se a situação de um “templo de mistérios”. Aquilo que acontece no interior do palácio, tem um caráter esotérico. Nessa situação, o significado das palavras “exotérico” e “esotérico”, tornam-se-nos plenamente claras e perceptíveis. Na língua grega, “exo” significa “fora”; e “eso” significa “dentro”. As cenas exteriores dão o envoltório para as cenas interiores.
Na cena central dos três atos, dentro do drama Pilatos – Cristo, Pilatos entrega Jesus para ser torturado. Os soldados colocam um manto púrpura nos seus ombros e uma coroa de espinhos na sua cabeça. Isso não acontece “fora”, diante do povo, mas sim “dentro”, atrás das cortinas, em uma sala do Pretório, a casa da guarda dos pretorianos romanos, junto ao palácio do procurador. Antes disso, Herodiades e Herodes debocham de Jesus, vestindo-o com uma túnica branca. Eles expressavam assim o seu julgamento sobre Jesus: nele, não viam um poderoso mago, mas apenas um homem simples e sem culpas. E mesmo os pretorianos romanos, depois de torturarem a Jesus, debocham dele, colocando-lhe por isso o manto púrpura. Eles procedem com ele, como nas escolas de mistérios se procedia com os neófitos. Eram provações e atos simbólicos de iniciação, que naquela época, se tornaram correntes nos costumes dos exércitos romanos. Eles não tinham consciência do que faziam; seguiam apenas um impulso instintivo em relação a Jesus: seria ele um iniciado? De suas vivências ocultas, tinham porém tanto os pretorianos, como Herodiades e Herodes uma falsa representação mental do que era um iniciado!
Tanto Herodes, como os pretorianos, suscitam, sem saber, imagens corretas. A túnica branca e o manto púrpura, revelam realidades ocultas do Cristo. Em imagem, é mostrado aos Homens o corpo espiritualizado do Cristo, que os discípulos contemplaram no monte da transfiguração. O mesmo corpo que percebem como realidade espiritual no corpo luminoso do ressurrecto. O manto púrpura, mostra a imagem exterior do corpo da alma de Jesus, transfigurado e permeado do fogo do amor cristico. Ele é a própria imagem da nobreza e da realeza da vontade sacrifical transformadora e luminosa do Cristo.
No drama, que ocorre diante do palácio de Pilatos, essa cena é a que nos mostra como as realidades ocultas, de “dentro”, são levadas para as de “fora”. Pilatos conduz o torturado, vestido com o manto púrpura e a coroa de espinhos para o alto das escadarias e o mostra ao povo. Que grandiosa transformação não ocorreu com Jesus! Seu semblante, deveria estimular em cada coração, ainda capaz de sentir compaixão, uma tristeza profunda. Por outro lado, isso é uma revelação dos mistérios mais ocultos. Os mistérios mais profundos, das provações espirituais pelas quais passava o neófito, é revelado ao povo. E Pilatos fala, nesse momento, como o Hierofante; como o condutor do neófito pelas provações da iniciação; como o dirigente de uma peça de mistérios. E suas palavras soam significativas através da formula mantrica:“Ecce homo! Vide, o Homem!”
A tradução de Martinho Lutero, para essa expressão, é sentimental e errônea, pois ele assim a traduz: “Vide, que Homem!”. Além dessa tradução não ter em si o significado original, ela se mantém voltada para a simples compaixão humana pelo que sofre. Pilatos, porém, revela, pelo mantra dos mistérios, ocultos nos processos de iniciação, não somente a grandiosidade e soberana nobreza do Cristo, mas sim também a revelação, para todo o mundo, do mistério do ser – humano!
No lado norte da cidade antiga de Jerusalém, até hoje pode-se visitar essa rua estreita, também chamada de “via dolorosa” , e chegar diante do lugar onde Pilatos pronunciou essas palavras. Entre as casas dessa ruela, está, ainda hoje, uma passagem em arco, que une as duas calçadas. Esse arco, que antes era uma passagem, é chamado de “arco ecce homo”. Em verdade, essa passagem, em nada nos pode auxiliar a representar os acontecimentos da Sexta-feira Santa. E quando lá estive, não consegui ver em imagem os acontecimentos desse dia. O único ponto de referencia, concreto, para isso, foi a construção escura e em forma de prisão do Pretório, junto ao palácio de Pilatos. Ali se poderia ver como os soldados pretorianos torturaram a Jesus e debocharam dele, ao mesmo tempo que colocavam nele os símbolos de iniciação dos mistérios. Do cenário, onde ocorreu o arquetípico acontecimento de palco, bastidores e platéia, não se encontra nem o mais simples sinal. Essa ruela, labiríntica, não nos dá nenhuma possibilidade de percepção do que ali aconteceu. Só quando estive uma segunda vez na Palestina, foi que pude perceber aquilo que me foi ocultado na primeira vez, O ocaso levou-me a fazer um caminho por dentro de um mosteiro, que fica perto do “arco ecce homo”, e da “via dolorosa”. Esse mosteiro pertence à ordem das freiras “Damas do Sião”. E seis metros abaixo do nível da “via dolorosa”, nos porões desse mosteiro, vê-se trechos da antiga rua. Lá estão, escondidas, antigas e limpas, as pedras que formavam o chão dessa rua. Nelas pode-se reconhecer as pedras escuras e claras, formando como que um tabuleiro de xadrez. Em algumas delas, estão inclusive riscos, que faziam os pretorianos romanos, jogando para passar o tempo. Leva-se um choque ao perceber, muito abaixo do nível do chão, a rua original, por onde passou o Cristo, e onde o povo gritava exaltado.
Ainda mais surpreso fiquei, quando vi na capela do mosteiro o altar. Foi o mais imponente e belo altar que jamais havia visto em uma igreja católico-romana. Sobre o altar, chumbadas na parede detrás, estão imensas placas de pedra, que antes pertenceram a fachada do palácio de Pilatos. A característica dessa fachada, ali pode-se-a reconhecer, eram os três átrios divididos por três colunas. Por isso, pode-se representar uma fachada trimembrada; cada uma das entradas sendo um portal em arco. As três saídas de Pilatos com Jesus, correspondem as três portas em arco que estavam a frente do palácio. Saíram Pilatos e Jesus sempre pela mesma porta?
As passagens da fachada de Pilatos, chumbadas na parede do altar dessa capela, não foi ainda reconhecida em sua em sua importância histórica. Por isso não serviu para descerrar os mistérios desse acontecimento da manhã da Sexta-feira Santa. O pedaço das escadarias do palácio de Pilatos que foi trazido a Roma e forma hoje os degraus para o altar da igreja “Santa Scala”, suscitou grande admiração dos historiadores. Para a representação desse ato da paixão do Cristo, porém, ela pode trazer mais confusão do que esclarecimentos. Pois se é mesmo que é original do palácio de Pilatos, trata-se de um pedaço mínimo, diante da grandiosidade e suntuosidade das escadarias que levavam ao palácio original. Ainda hoje, como no tempo de Martinho Lutero, os fiéis sobem de joelhos, em sinal de expiação de seus pecados, essa escadinha. De qualquer forma, isso nos mostra, como vive no mais inconsciente da alma humana a necessidade de clareza em relação a esses acontecimentos da Sexta-feira da Paixão.
A fachada com a entrada trimembrada, foi ao mesmo tempo, cortinas e bastidores do palco desse drama de mistérios. E nos mostra, com espanto, que o palco onde ele se passou, serve ainda mais como arquétipo de um altar. As igrejas cristãs orientais, como a grego-católica, a armênia e a Copta, guardaram na construção de seu altar, um principio que de distingue do da católico-romana ocidental. E se adentramos uma dessas igrejas orientais, o altar ainda permanece escondido de nosso olhar. Ele está por detrás de um biombo, chamado de iconóstase, uma parede de madeira coberta de imagens de santos pintadas. Esse biombo, faz o papel de uma cortina, o que dá ao altar um caráter esotérico.
Aquilo que acontece no âmbito do altar, é um “mistério” = “oculto”. A palavra latina “Sacramentum” é a tradução correta da palavra grega “mistério”. A igreja católico-romana, porém, cortou, pouco a pouco tudo o que tinha um sentido esotérico em seu culto, antes de tudo o símbolo das “cortinas” do “limiar”, acabando com a percepção da diferença entre o que está “dentro” e o que está “fora”. O biombo, a parede de madeira que impede a visão do altar, na igreja oriental, possui três portais. O do meio é maior do que os outros dois, sendo chamado de “o portal real”. Somente uma parte do ato cúltico é celebrado frente da iconóstase. A missa oriental tem por isso um caráter dramático, pois o sacerdote celebrante, não troca apenas de lugar para a esquerda ou a direita do altar. Ele passa também para o lado de “dentro”, e volta para o lado de “fora” da iconóstase, também. E mesmo na troca de lado do altar, ele desaparece por um lado do altar, e reaparece pelo outro, passando pelos portais. O importante, na missa oriental é que uma parte dela ocorre diante da iconóstase, do lado de “fora”, e outra parte do lado de lá, o de “dentro”. Algumas partes da missa oriental não são vistas, nem ouvidas pela comunidade. A transubstanciação é uma das partes que ocorre “dentro”, protegido pelas “cortinas”, pelo biombo, a iconóstase. A comunidade sabe o que acontece do lado de “dentro”, mas pode somente ligar-se a isso pela veneração, pelos sentimentos. E justamente por acontecer em “oculto”, desperta um forte fervor religioso nos sentimentos da comunidade. Essa tradição oriental, permaneceu como um símbolo no catolicismo-romano, pois no inicio do processo da transubstanciação, o ministrante toca os sinos, e a comunidade abaixa os olhos e se persigna. Cada um na comunidade sabe que ele não deve erguer os olhos para ver o que acontece no altar.
Assim é que a cena acontecida no palácio de Pilatos, é um ato cultico, aberto pela situação de destino, aos olhos profanos do mundo exterior. O procurador romano assume o papel do sacerdote celebrante. E quando o procurador traz, pelo “portal real” o Cristo no manto púrpura e com a coroa de espinhos na cabeça, mostrando ao povo a imagem primordial do Homem, faz aquilo que deveria acontecer na eucaristia. Pois nela, na igreja oriental, o sacerdote celebrante, sai de “dentro”, pelo “portal real” elevando a hóstia e o vinho no cálice, transubstanciados, diante da comunidade. Ele mostra assim o corpo e o sangue de Cristo para a comunidade. Isso por três vezes; para “dentro” e para “fora”. A expectativa e o anseio do povo aumentam a cada vez. Ele sente instintivamente o que está para acontecer, assim como a comunidade torna-se mais e mais cheia de devoção, por aquilo que acontece longe de seus olhos. No ato cúltico diante do palácio de Pilatos, misturam-se tons obscuros e demoníacos. Como se uma litania entoada pela comunidade de demônios, ressoasse, envolvendo em tons obscuros o acontecimento:“Crucifique-o! Crucifique-o!”
E justamente por que nesse acontecimento, palco e altar se unem, amalgamando-se, podemos nos lembrar de uma lei da história espiritual da humanidade. Tanto o Drama, assim como o Culto, surgiram dos Mistérios. No palco, ou no Altar, é colocado de uma maneira exotérica, diante do povo, o que pode estimular e impulsionar o desenvolvimento da humanidade. Sacramento e Culto são irmãs do Drama. Por isso, antigamente tanto o Altar, como o Palco tinham “cortinas”, lembrando a sua origem materna, no seio dos Mistérios. E se hoje, em alguns meios literários, luta-se por um Drama verdadeiro, há que se lembrar que isso só será possível, se essa inspiração for buscada na vontade de renascimento dos Mistérios. O Conhecimento dos Mistérios, não devem, porém, ser privilégio de um “grupo especial”, senão que devem ser abertos ao publico em geral. Necessita antes de tudo, guardar sua força e substância na produtividade, assim como na antiguidade, as mais variadas artes nasceram do Drama de Mistérios. E também os novos altares, que são necessários cada dia mais à humanidade, conseguirão ser fontes de forças, se cultivarem uma devoção e veneração aos conhecimentos dos mistérios. Não haverá uma nova introdução das “cortinas” diante dos altares; mesmo que até hoje as igrejas orientais mantenham seus “biombos” diante dos altares. E cada vez mais, é necessário que o sentimento interiorizado do “mistério” atue vivamente no culto. Isso, se percebermos, que no Gólgota a grande revelação dos Mistérios aconteceu, que continua fluindo no verdadeiro culto cristão. Reconhecer nas cenas da Sexta-feira Santa a revelação do Drama de Mistérios, dirigido pelo dirigente invisível, e colocado no centro da história da humanidade, significa: contribuir para que o Ato de Consagração Cristão mantenha-se dentro do ambiente do verdadeiro Mistério da Humanidade.
O PRIMEIRO ATO DO DRAMA
Depois de todo o exposto anteriormente, não nos resta nada mais que olharmos, como espectadores, os três atos do drama de Pilatos. Em cada detalhe dos acontecimentos exteriores desse ato fluem substâncias dos mistérios.
Depois do prólogo no palácio de Caifás, começa o primeiro ato: os mercenários de Caifás vêm, com a multidão barulhenta e trazem Jesus para Pilatos. O procurador romano sai de seu palácio. É a primeira hora da manhã. Nesse momento surge o sol no horizonte. As figuras fantasmagóricas irrequietas e agressivas, gritam suas acusações. O Evangelho de Lucas relata, que foram três as acusações contra Jesus:
1. Ele insuflou o povo contra as autoridades;
2. Ele fez propaganda contra o pagamento de impostos ao César; e
3. Ele disse ser o Cristo, um Rei.
Pode-se perceber nessas acusações, que elas foram torcidas ao contrário do que aconteceram. Para a primeira e a terceira das acusações, basta trazer do plano espiritual para o plano político, o impulso do Cristo, para que se coloque o nome de rebelde em Jesus de Nazaré. Por trás da segunda acusação, está uma armadilha preparada com uma pergunta sobre uma moeda. Essa pergunta, para ser entendida, necessita ser vista segundo os cultos demoníacos a César. Tanto Jesus, assim como os seus inquisidores, sabiam que aqui estavam dois caminhos espirituais contraditórios. Quando se falava de César, não se estava falando simplesmente de uma coisa política; pois a obediência a César, fora proclamada como uma obrigação religiosa. A resposta de Jesus à pergunta:“Dêem a César, o que é de César; e a Deus, o que é de Deus!”
Mostra a superioridade de Jesus diante dessa obrigação cesárea. Mesmo estando o trono, o poder de César baixo o poder demoníaco, reconhece Jesus, que aquilo que lhe pertence no plano político, lhe seja entregue. Por isso, quando se acusa Jesus de ser contra propagandista dos pagamentos de impostos, trata-se de uma falsa acusação, de uma mentira deslavada.
Pilatos admira-se, que Jesus não responde às acusações. Ele não consegue mover Jesus a se defender. Jesus mantém-se calado. Agora, surge um hiato. Pilatos tenta ver-se livre da responsabilidade de julgá-lo. Ele exige dos acusadores que o julguem segundo as leis judaicas. E recebe por resposta, que Jesus, segundo as leis judaicas deve ser condenado à morte. A soberania política de Roma, porém, proíbe que os Judeus condenem qualquer acusado à morte.
Pilatos não consegue encontrar uma possibilidade de escape da situação, senão que levar Jesus para “dentro” do palácio e continuar lá o dialogo com ele. Essa é a primeira das cenas interiores. O Evangelho de João narra-nos essa cena com riqueza de detalhes. Ele nos permite ver o que acontece por detrás das “cortinas”, enquanto a multidão espera em excitação crescente o que vai acontecer. Frente a frente, Pilatos faz a pergunta a Jesus:
“És rei dos Judeus?”
Jesus responde com uma pergunta muito estranha:“Dizes isso por ti mesmo, ou outros o disseram a ti?”
A contra-pergunta de Jesus a Pilatos, mostra-nos que muitas coisas já haviam se passado com Pilatos. Podemos perceber que seria falso pensar que Pilatos não tivesse já um certo conhecimento sobre Jesus de Nazaré. Pilatos já se ocupava com a questão do mistério do Cristo. Haviam chegado a ele rumores, que mostravam o Messias como um chefe político que libertaria o povo Judeu. No circulo dos discípulos, Judas era o representante dessa corrente, que esperava um Messias envolvido com a política da época na palestina. E foi Judas o qual, por seu fanatismo, seu mundanismo e agitação, tornou-se possesso por alucinações fantásticas e irreais. Talvez torne-se mais claro para nós, quando ouvimos as palavras da lenda que conta: Judas estava a serviço de Pilatos, e tinha amizade com ele! Por isso, podemos intuir que algo deveria haver chegado aos ouvidos do procurador romano, já antes dele se encontrar frente a frente com o Cristo.
Pilatos havia se intrometido demais nos assuntos que diziam respeito somente aos Judeus. Talvez até por ter pressentido que por detrás da imagem da vinda do Messias Judeu como um chefe político, havia um mistério maior. E mesmo sendo apenas um observador do que acontecia na alma do povo Judeu, pode ser que ele tenha compreendido mais que os próprios Judeus o impulso espiritual do Cristo. E é nessa altura do dialogo entre Pilatos e Jesus, que ele tenta escapar da situação, dizendo não ser um Judeu. O Cristo não responde a fuga de Pilatos. Ele toma como tema para a fala seguinte, o que passou como um raio luminoso pela alma de Pilatos: o pressentimento da humanidade no pensamento messiânico. Por isso, Jesus fala as palavras grandiosas cheias de impacto: “Meu reino não é deste mundo!”
Essas palavras não são faladas frente ao povo, senão que “dentro” do palácio, frente e para Pilatos. E uma formula esotérica dos mistérios. Pilatos percebe que essas palavras despertam nele confiança. Ele não se fecha a atuação dessas palavras em sua alma.
Pois apesar de ser um romano, e ter uma idéia terrena de um reino, não lhe é estranho o pensamento de um reino que não é deste mundo. Por isso ele volta a perguntar:“Assim é, és Rei?”
E o Cristo confirma essa pergunta. Ele permite a Pilatos conhecer que ele é Rei no Reino da verdade:“Para isso vim ao mundo, para trazer e mostrar a verdade. Quem provém da verdade, ouve a minha voz!” (João 18:37).
Nesse momento, depois de ouvir essa frase esclarecedora do Cristo, revelam-se os limites de Pilatos. Como representante dos Homens atuais, que só conhecem a postura da dúvida e da resignação diante de realidades espirituais, responde Pilatos:“O que é Verdade?”
Esse dialogo, da primeira cena de “dentro”, tem muitos tons que não percebemos a primeira vista. O tema da situação política do povo Judeu, que se embaralha com a visão mística da vinda do Messias, mostra-nos as muitas variantes dos pensamentos quer viviam nesse povo. Desde a época da Babilônia, o Reino Judeu havia terminado. E o povo Judeu tornou-se cada vez menos livre. Houve só uma curta época, a dos irmãos Macabeus, onde o Reino Judeu voltou a existir por pouco tempo. Porém essa realeza não era ligada a linhagem da Casa de Davi. E mesmo os Reis da linhagem de Herodes, não eram de casa nobre, nem da linha de Davi, e nem Judeus. Eles eram árabes e estrangeiros que reinavam sobre os Judeus como déspotas, mercenários alocados como regentes pelos políticos romanos. Nos pensamentos dos Judeus, vivia um forte impulso para o resgate da Casa de Davi, a realeza e dignidade do povo Judeu. Esse reino, porém, deveria seguir a linhagem de sangue de Davi. Por isso, seguia-se com real interesse, quais eram as possibilidades de um descendente de Davi, pela linhagem de sangue, surgir para a ressurreição do reino de Israel. E quando Pilatos pergunta ao Cristo:
“És rei dos Judeus?”
Ele o pergunta com um sentido muito claro, e que correspondia ao pensamento Judeu sobre o Messias:“És tu, segundo a tua linhagem de sangue, um pretendente do trono de Davi?”
Nesse dialogo, estão palavras misteriosas, cujo sentido permaneceu oculto por quase dois mil anos, impedindo uma compreensão verdadeira dos evangelhos e do Cristo. Em meu livro “Infância e Juventude de Jesus”, eu ousei escrever sobre esses mistérios, segundo os esclarecimentos dados por Rudolf Steiner. Pois em verdade, o Jesus de Nazareth, que por três anos foi o “portador” do Cristo, e que está diante de Pilatos agora, não é descendente da linhagem real de Davi. E se o menino Jesus, segundo a linhagem descrita para ele, no Evangelho de Mateus, houvesse se desenvolvido normalmente, ele poderia pretender ao trono de Davi. O Jesus descendente da linhagem real salomônica, faleceu porém antes dos vinte e um anos. Cresceu e se desenvolveu o menino Jesus, que também descende da linhagem de Davi, porém da linhagem sacerdotal de Nathan. Por esses fatos, pode se entender o ódio de Caifás, pois pela sua linhagem, o Jesus de Nazareth, a quem manda prender, não poderia jamais ser um pretendente a Messias e ao trono. Pilatos não recebe resposta sobre a sua pergunta genealógica. A resposta que ele recebe, vai ao encontro de pensamentos que vivem em sua alma; pensamentos supra-pessoais a respeito do Messias. Sua reação resignada:“O que é Verdade?”
Encerra a primeira cena interior desse ato.
O SEGUNDO ATO
Nós vemos Pilatos e Jesus surgirem outra vez sobre as escadarias, frente ao povo. O segundo ato do começa. Pilatos diz:“Não encontro culpa nele!”
Esse ato central é de uma grande dramaticidade. Ele consiste em três tentativas de Pilatos, para libertar Jesus. No recrudescimento das acusações, Pilatos fica sabendo que Jesus é Galileu, pertencendo ao reinado de Herodes. Com isso, tenta libertar Jesus. Envia-o a Herodes. Isso interrompe o julgamento; mesmo porque, Herodes vivia em seu palácio sobre o monte Sião, não muito longe do Cenáculo e do palácio de Caifás. Para isso, teria Jesus que fazer outra vez o mesmo caminho que havia feito antes, ao ser trazido por Caifás ao palácio de Pilatos.
Nessa primeira parte do segundo ato, surge a imagem debochada por Herodes e Herodiades, das vestes brancas colocadas em Jesus. Nessa imagem exterior, luze o mistério do Cristo etérico. Os Homens não sabem o que fazem, eles são instrumentos da “vontade-reveladora”, que dirige em todos os detalhes o Drama de Mistério.
A segunda tentativa de Pilatos, para libertar Jesus, foi oferecer a multidão a possibilidade de libertar um prisioneiro. Era um costume da Páscoa dos Judeus, que o procurador romano libertava um prisioneiro, como “ato de graça”. E para isso, Pilatos coloca a escolha para a multidão entre Barrabás, um assassino, e Jesus. E por três vezes faz a pergunta:“Qual dos dois devo libertar?”
Pilatos pensa como um Homem. Ele havia percebido, que algumas vezes, a multidão se abria à percepção do Cristo, e se voltava a ele em uníssono. Não havia a multidão louvado a Jesus como Messias, quando no ultimo domingo, havia entrado em Jerusalém montado em um jumento? A multidão havia naquele dia entoado o Hosiana em êxtase. Pilatos pensava que a simpatia do povo por Jesus pudesse ser outra vez vivificada e inflamada. O que ele não percebe é que está no centro de uma luta espiritual, para além da compreensão da mentalidade do povo, e dele mesmo. Os dias, desde o Domingo de Ramos estão plenamente preenchidos desse “embate” espiritual. Um acontecimento importante desses dias, foi a “maldição da figueira”. Nesse acontecimento, o Cristo “seca” a figueira sem frutos, que inflama o povo em êxtase; as forças inconscientes e inebriantes da clarividência. O povo, que estava em êxtase, por um momento, entusiasmado pelo Messias, agora está possesso pelo ódio ahrimanico, que é insuflado pelos fantasmas de Caifás. Pilatos é obrigado a aceitar que errou. Pois o povo pede liberdade para o assassino Barrabás. E quando pergunta-lhes:“O que devo fazer com esse?”
Ressoa, ao invés do cântico de louvor “Hosiana”, de novo o grito rude e forte:“Crucifique-o! Crucifique-o!”
Suas três perguntas, tentativas de reverter a situação a favor de Jesus, provoca ainda mais ódio, e a resposta do coro de demônios, que cantam pela multidão possessa e fanática.
O Evangelho de Mateus coloca, no meio desse ato, uma cena curta , que nos mostra o desespero e a insegurança de Pilatos. Procla, a esposa de Pilatos, envia-lhe um mensageiro. Ela quer que Pilatos não tome nenhuma decisão pela morte de Jesus. Na natureza estranha da lua cheia, onde demônios e pressentimentos passeiam pelas paisagens, teve Procla um sonho. Ela sonhou com o Cristo, e ficou impressionada pela sua grandiosidade divina. Aquilo que luziu por um instante na alma de Pilatos, surge em Procla em toda a sua calma e clareza. Aqui surge uma simetria muito interessante. Assim como por detrás de Caifás está Hannás, o Homem-Ahriman; e por detrás de Herodes a figura de Lúcifer em Herodiades; por detrás de Pilatos, como que reforçando a sua humanidade, está Procla, que sonha e tem uma revelação da verdade sobre o Cristo.
Pilatos tenta libertar Jesus pela terceira vez. Essa é a terceira cena de “dentro”. O Procurador entrega Jesus para ser torturado, e os soldados colocam um manto púrpura em seus ombros, e uma coroa de espinhos em sua cabeça. Pilatos e os soldados “brincam” com os símbolos da iniciação, com os sinais dos graus da iniciação nos Mistérios. Cada vez mais a atuação dos Homens torna-se irracional. Cada vez menos sabem o que fazem. Talvez tenha contribuído para isso os ventos quentes e abafados que sopram nesses dias do deserto, chamado de Chamsim. As forças da consciência humana mostraram-se insuficientes. Pilatos talvez tenha pensado em vivificar, como ultima tentativa, a simpatia do povo por Jesus, pela compaixão. Porém, quando trás a Jesus torturado, vestido com o manto púrpura, e coroado de espinhos, faz algo que a sua compreensão não podia abarcar. Ele introduz uma imagem poderosa na história da humanidade. Só a imagem do Cristo crucificado seria mais poderosa e forte do que essa, porém turvada pela cortina de escuridão que se colocou diante da luz do sol. Quando Pilatos diz:“Vide, o Homem!”
Apela ele a muito mais do que a simples compaixão humana. Ele apela ao mais profundo sentido de humanidade, que “jaz” profundamente adormecido nos fundamentos da alma humana. Todo um desenvolvimento histórico será necessário na humanidade, para que essas palavras sejam entendidas! Mesmo essa tentativa de Pilatos, usando de elementos dos Mistérios fracassa. Mesmo agora, ouve-se somente os gritos possessos da multidão que exige a morte do Cristo.
REALEZA E MESSIANISMO
O terceiro ato do Drama começa com uma cena “de fora”. Pilatos faz agora um gesto simbólico. Ele lava as suas mãos em sinal de que não é responsável pelo que acontece. Esse gesto simbólico, cujo protagonista é a multidão, vai além de sua compreensão. Na missa romana, o sacerdote, lava as suas mãos em um certo momento. Cada um desses gestos, nos atos que seguimos, é uma revelação dos Mistérios. Revelação de leis espirituais, que eram conhecidas nos Templos de Mistérios, e que no futuro serão outra vez conhecidas, quando a humanidade se preencher da vida que emana das substancias dos Mistérios.
O povo responde, demoniacamente possesso, à lavagem de mãos de Pilatos:“Seu sangue venha sobre nós, e sobre nossas crianças!”
Essa era a resposta pelo ato de Pilatos. Que um outro assumisse a responsabilidade pela morte de Jesus. Sem saber o que dizia, grita o povo possesso a maldição sobre si mesmo.
A tensão que surge por esse ato, e o povo endemoniado, faz com que os Sumo-sacerdotes tentem reverter à situação, dizendo:“Esse Homem fez-se Filho de Deus!”
Jesus havia respondido a Caifás, quando este havia-lhe perguntado se era Filho de Deus, com as palavras apocalípticas sobre o Filho do Homem. Agora porém, gritam os comparsas de Caifás a única verdade que lhes sai da boca em todo o processo. Pois mesmo o adversário Ahriman é obrigado a reconhecer a verdade sobre o Cristo. Pilatos é tomado de pavor. Ele entende a acusação dos Sumo-sacerdotes. Agora ele sabe, que Jesus é o mais elevado Guia Espiritual da Humanidade. O César em Roma, também exige para si o titulo de Filho de Deus. Pilatos sabe o porquê disso. Ele sabe que as varias iniciações do César, lhe dá poder e permite-lhe essa exigência. O escritor Strindberg relata em sua peça de teatro, como Pilatos luta pela dignidade romana, abominando a exigência de César como Deus e a decadência dos Mistérios. Pilatos entra em um grande conflito com a sua humanidade. Como um alto funcionário, era obrigado a ser um instrumento da vontade de César. Como Homem, não podia deixar de criticar e contrariar a maneira como o César Tibério regia o mundo, vivendo em loucuras na ilha de Capri.
E depois de ouvir a verdade espiritual sobre Jesus, pelos Sumo-sacerdotes, entra de novo com Jesus para o lado de “dentro” do palácio. A terceira cena “oculta” começa.
Pilatos sabe, agora, que está diante de um Homem “iniciado”, um Mestre dos Mistérios, que tem uma tarefa divina diante da humanidade. Essa certeza o leva a fazer a pergunta a Jesus:“De onde vens?”
Pilatos não pergunta sobre a origem terrena e a família do interrogado. A sua pergunta dirige-se ao “encargo espiritual” do interrogado. Ele deseja saber, de onde vem o “encargo” que Jesus deve cumprir entre os Homens. E nesse momento, Jesus cala-se. Essa pergunta não pode ser respondida. Não há nenhum Homem na terra que pudesse dar uma tarefa a Jesus. Pois o “encargo” pelo qual ele vive e age, não é desse mundo. Pilatos diz, em seu estupor, por qual poder e representação ele age. Ele é, mesmo sendo funcionário romano, mais do que um cumpridor de ordens burocráticas. Ele diz:
“Não sabes, que eu tenho o poder de te crucificar, e também o poder de te libertar?”
E mais uma vez recebe Pilatos uma resposta sobre-humana e grandiosa do Cristo:“Tu não terias nenhum poder sobre mim, não te fosses dado do mais elevado!”
Muito além de um “encargo” humano está a decisão divina de descida do Cristo a terra, para cumprir com uma decisão espiritual. Pelas palavras do Cristo, Pilatos passa a compreender o destino de Jesus, dirigido pelos deuses, envolvidos na entrada do Cristo na humanidade. É como se Pilatos fosse a priori absolvido. Ele, porém é tocado profundamente pela grandiosidade divina do Cristo. E toma, por isso, uma decisão. Deixa Jesus do lado de “dentro” do palácio e apresenta-se só diante do povo, no alto das escadarias do palácio. Mais uma vez tentará libertar Jesus, tentando sua última possibilidade. Os comparsas de Caifás, porém triunfam mais uma vez. Eles colocam-se ao lado do Culto a César, mesmo que isso signifique a morte súbita da fé no Messias. E gritam a Pilatos:“Se o libertares, não és mais amigo de César. Pois quem faz-se a si mesmo Rei, é adversário de César!”
Pilatos toma agora uma decisão. Ele não fala mais, senão cumpre um ritual do estado romano perante o povo. O que ele faz, é uma curiosidade histórica, que até hoje não foi compreendida, nem levada a sério em sua amplidão. Para falar o “Juízo” sobre o processo, Pilatos senta-se sobre a Cátedra, no lugar chamado Gábata, que quer dizer: “o lugar elevado”. Ele fala como funcionário, usando o seu poder de procurador, como representante de César. Todos olham tensos, para seus lábios. Que “Juízo” falará ele? E Pilatos fala, em poucas palavras algo estranho e de significado “oculto”:“Vide, vosso Rei!”
Suas palavras são um ato político amplo e histórico. Ele toma para si o poder de restituir a realeza ao povo Judeu. Ele entroniza Jesus como Rei dos Judeus. Ele fundamenta seu ato, no fato que todo Rei, entronizado pelo poder romano, não contradiz a César. Ele está disposto a criar um poder paralelo, dentro desse protetorado romano, dividindo o seu poder romano com um Rei Judeu.
Essa decisão de Pilatos, não poderia ser compreendida por pensamentos humanos. Há algo irreal nela. E mesmo que o povo não houvesse reagido com ódio contra ela, ela não seria possível de ser cumprida. Mesmo porque havia um grande abismo entre a decisão de Pilatos, e o destino do Cristo perante a humanidade. Pilatos, mesmo aqui, mostra que não sabe o que fazer. Ele está perdido, sem condições de tomar decisões acertadas diante do destino e das decisões tomadas pelos deuses. Pelo desespero, o calor, a turba possessa diante de si, e sua incapacidade de compreender o destino do Cristo, toma a curiosa decisão de tornar a Jesus Rei dos Judeus.
A multidão exige outra vez a crucificação de Jesus. E os seus gritos eram tão fortes e pavorosos, como se os infernos houvessem se aberto e legiões de demônios esgoelassem, fora de si. Pilatos tenta uma última pergunta:“Devo crucificar vosso Rei?”
A resposta que lhe vem ao encontro é curta e precisa:“Não temos outro Rei, senão a César!”
Esse grito do povo registra um fato histórico. O povo Judeu repudia e abjura de sua esperança messiânica. O processo de Jesus chega ao seu final com a renuncia judaica ao seu Messias. Esse é em realidade o “suicídio” do judaísmo.
Esse fato nunca foi claro e conscientemente reconhecido. A partir desse momento, os fatos se desenrolam sem a participação dos envolvidos. Uma espécie de consciência mediúnico-sonolenta, toma posse de Pilatos e dos saduceus de Caifás. Mesmo os discípulos de Jesus entregam-se a um sonambulismo; menos o discípulo a quem Jesus amava.
Existe um “esboço dramático” de Hans Künkel, com o titulo de “Caifás. Uma paixão Joanina”. Nele, Pilatos tira as conseqüências das últimas palavras dos Judeus:
Caifás – (Um grande silêncio. A multidão se calara.) “Ele se diz o Messias, ou seja o Rei Oculto. O Messias Judeu é adversário de César!
Nós não temos nada que ver com o Messias, e o abandonamos.”
Pilatos – “É verdade? Entregai vosso Messias a Roma? Desistis de vossa redenção?”
Nenhuma resposta. O silêncio permanece preenchendo o espaço.
Pilatos – Vos submeteis ao poder romano? Desistis realmente de clamar pelo Messias, rogando por salvação?
Os Fariseus e o povo se afastam, pois não conseguem responder. Caifás permanece só perante Pilatos. O silêncio cresce.
Pilatos – “Estais dispostos a me entregar, daqui para a frente, todos os que clamarem pelo Messias, para serem por mim julgados? Aceitai finalmente que o Messias é adversário de César? Vossas traições não serão mais escondidas por vossa fé no e Messias?”
Caifás jura o repúdio ao Messias, com as palavras:
“Nós não temos outro Rei, senão a César!”
Künkel chama a atenção, mesmo que unilateralmente, para a amplidão trágica desse drama. O que ele não leva em conta, é a incapacidade de clareza que se apossa desses Homens nessa Sexta-feira Santa. O pensar e o agir humanos estão baixo um elemento supra-pessoal. Aquilo que é dito e feito nesse momento, não provém do conteúdo individual da alma dos envolvidos. O destino da humanidade impera e atua através dos Homens, que na maioria das vezes não sabem o que fazem. Por isso, toda a humanidade está presente e é co-autora na culpa, quando Pilatos não sabe mais o que fazer e entrega Jesus a multidão odienta e inimiga, para que o preguem na cruz.
O DESTINO DE PILATOS
O destino de Pilatos depois do Gólgota mostra-nos que o terremoto que sacudiu a terra desde a manhã da Sexta-feira Santa, até o domingo de Páscoa, ainda repercutiu longamente no âmbito das almas humanas. Por Pilatos, vemos a dinâmica do drama de Páscoa atingir o centro do reino dos Césares.
Depois de ter-se envolvido de muitas maneiras com o acontecimento do Gólgota, Pilatos ainda permaneceu três anos em Jerusalém como procurador. Depois disso, foi destituído por Tibério. Sobre os motivos que levaram a sua destituição, existem diversas histórias. As crônicas históricas, que não ligam seus fatos ao destino do Cristo, relatam que Pilatos tornou-se violento e odiado, tendo induzido por sua violência, os vários levantes de grupos Judeus contra os romanos. As lendas, cujo teor imaginativo muitas vezes necessita de um conteúdo histórico para clarear-se, relatam a destituição de Pilatos por ter se envolvido com o Drama do Gólgota. O próprio Pilatos teria enviado uma crônica sobre o processo de Jesus ao César Tibério. Tibério, porém teria ouvido falar de Jesus, e havia pedido que o trouxessem a ele, para que pudesse ser curado de sua doença. E ao descobrir que Jesus havia sido crucificado, tomou-se de ódio contra Pilatos. Pilatos foi chamado a Roma. A lenda conta, que o ódio de Tibério se amainou ao ver Pilatos, pois esse vestia a túnica de Jesus. Quando, porém, foi-lhe ordenado que aparecesse diante do César com suas próprias vestes, caiu sobre ele à tempestade de fúria do César. Pilatos foi destituído e caiu em desgraça diante de Tibério. Tibério faleceu no ano de 37, sem a razão, e com o corpo apodrecido pela lepra. Pilatos ainda viveu até o ano de 39. Ele fora banido para a região do lago de Genf, onde veio a falecer. Seus restos mortais foram lançados no rio Tibre, em Roma e depois no rio Reno, na França. Todas essas tentativas porém falharam, pois quando seus restos mortais tocavam as águas, levantavam-se violentas tempestades e ondas. Assim foi que lançaram seus restos mortais no “lago dos quatro bosques”, em cujas águas o “Monte-Pilatos” se espelha.
Por detrás dessas lendas sobre Pilatos, está uma indicação de Rudolf Steiner, que disse: “por detrás de toda a alucinação, pelas iniciações dos Césares, havia um pressentimento sobre a existência e divinitude do Cristo. Assim como os demônios são os primeiros que reconhecem o Cristo na terra, os Césares tinham vivências da existência do Cristo, em meio a alucinações e loucuras; antes mesmo que outros as tivessem.”
Compreende-se que os Césares não tinham condições de compreender com clareza as conseqüências disso para a humanidade. Porém, chegavam a pensar como romanos: em conquistar o Cristo para o Panteão romano, e colocar a sua força, a sua divindade e o seu poder a serviço dos cultos aos Césares. Claro surge esse motivo em uma lenda chamada: “São João diante da Porta Latina”:“É necessário saber, que os Césares não perseguiam os cristãos porque esses pregavam sobre o Cristo. Pois os romanos não repudiavam a nenhum Deus. Simplesmente os cristãos eram perseguidos, porque o Cristo havia-se declarado Deus, sem a autorização do Senado Romano; e isso era o que Roma não podia aceitar. Sobre isso podemos ler na História Eclesiástica, que Pilatos enviou uma carta sobre o Cristo ao César Tibério, e Tibério queria que todos os romanos tornassem-se cristãos. O Senado Romano, porém recusou-se a aceitá-lo, pois o Cristo havia se tornado Deus sem antes haver consultado e pedido autorização do Senado romano”.
A tragédia, na qual encerra-se a vida de Pilatos, mostra a sua humanidade.
Essa tragédia mostra-nos Pilatos como um dos mais importantes personagens desse Drama de Mistério, e que ficou profundamente impressionado com esses acontecimentos. Cada um de nós, Homens, é um Poncio Pilatos e ver-se- á um dia conduzido ao “Limiar da Decisão”. E quando a lenda nos conta da caminhada dos restos mortais de Pilatos, primeiro para Roma, depois para a França e depois para a Europa central, mostra-nos o caminho que tomou o próprio Impulso do Cristo na história da humanidade.
EMIL BOCK (Sacerdote +)
É uma marca interessante na biografia de Emilio Bock, que a sua vida se estende de um domingo a outro. Ele nasceu no dia 19 de maio, domingo de Ascensão, do ano de 1895; e faleceu no dia 6 de dezembro, o segundo domingo de Advento do ano de 1959. E quando a noticia de seu falecimento chegou aos ouvidos dos Homens que o conheciam, surgiu o pensamento comum: “aqui termina uma vida, aos 65 anos, prematura e incompleta.” Muitas coisas começadas por Emil Bock não puderam se terminadas. Muitas coisas planejadas não puderam ser executadas. Sua obra literária, apesar de ter um grande volume de livros lançados, não havia ainda sido completada e nem revisada.
Quem porém, olhar com vagar interesse, e cuidado amoroso a obra desse fundador da Comunidade de Cristãos, pode perceber quão melancólicos são os pensamentos descritos acima. A própria vida de Emil Bock, com o seu nascimento e a sua morte, mostra-nos uma simetria de composição coerente e viva. Por isso, a própria vida substitui aqui, o que seria considerado mais importante: a obra!
Quem conhece o desenrolar das fases da vida desse Homem, sabe que nelas, encontram-se sinais que expressam, ao mesmo tempo, algo pessoal e algo que transcende isso com a força do supra-pessoal!
Três fases nos mostram isso mais claramente. A primeira, com a infância e juventude, até o período da primeira Guerra, com um ferimento mortal, em 1914.
A segunda fase, com a mudança para a cidade de Berlim, e o encontro com a Teologia, na pessoa de Frederico Rittelmeyer, e os seus estudos universitários de Teologia. A essa fase junta-se o importante passo e decisão de ser co-autor da fundação da Comunidade de Cristãos. E isso juntando-se ao já sexagenário Rittelmeyer, sendo o próprio Emil um jovem de vinte e pouquinhos anos.
A terceira fase de sua vida está intimamente ligada a Comunidade de Cristãos, sendo que a ela pertence também a maior perda de sua vida: o falecimento prematuro de sua esposa. Assim, a terceira fase de sua vida tornou-se a própria história da Comunidade de Cristãos. Emil viveu para o trabalho, e a Comunidade tornou-se a sua família e o seu destino. A partir dessa sua decisão, e da perda irreparável, o destino transformou o que seria um caminho pessoal, em um arquétipo, um caminho supra-pessoal. O Homem e o seu trabalho, tornam-se um só.
Nas traduções de textos de Emil Bock, surge ao tradutor sempre de novo a relação íntima e forte dos pensamentos do autor, com os do próprio gênio inspirador da Renovação dos Sacramentos do Altar. Por isso esses textos contém força e atualidade.
PARA FINALIZAR
Seja lembrado mais uma vez, para finalizar, os momentos positivos sobre os quais nos foi possível decorrer na primeira parte do artigo: os portais para o mundo espiritual se abriram de várias formas. Acontece um novo “ancorar” da consciência humana em vivências espirituais. Essa expansão do horizonte da consciência humana é necessária para podermos ir ao encontro da sombra, a qual tratamos nesse artigo.
A participação mais importante que temos a fazer, é cultivar os impulsos espirituais que nos foram confiados, com inquebrantável paciência e fidelidade. Eles não desapareceram com as catástrofes que ocorreram na Europa central, o que poderia muito bem haver acontecido. Se mantiveram intactos, desenvolvendo sempre a sua atuação na celebração do Ato de Consagração do Homem e dos sacramentos. A direção espiritual do homem e da humanidade continua.
Hans-Werner Schroeder (sacerdote).
O EVANGELHO – ELEVAÇÃO À CONSCIÊNCIA DOS ANJOS
O anjo é um mensageiro. Para o Homem da antiguidade, poder-se-ia inverter essa frase: O mensageiro é um anjo! Pois há apenas alguns séculos atrás, via-se o fundamento da vida ligado aos mundos espirituais. O que é um mensageiro? Aquele que cria uma ponte entre duas consciências separadas. Vários de nós já vivenciaram o significado de uma mensagem, trazida por alguém distante. Toda a separação humana, nada mais é do que simplesmente conseqüência da “separação-primordial”. E o que é ela, senão que a separação da “consciência-própria”, da outra, mais abrangente, ampla, que é a consciência divina? Com essa “separação-primordial”, nos tornamos “espalhados em nós mesmos”! E o ser humano, prisioneiro em seu próprio ego, não sabe mais o que acontece nos mundos divinos – e com isso, perdeu a relação com o que ocorre no interior de seu próximo.
Por isso, estranhamos e nos admiramos, quando alguém percebe, com grande sensibilidade, o que ocorre com outro, mesmo separado e a distância. Isso é para nós inexplicável, pois somos “separados”, e não pensamos que a nossa “separação” é conseqüência de nosso afastamento dos mundos divinos. “Explicar” algo assim, significa, trazer à luz da consciência algo que não percebemos em nossa “separação-consciente”. É difícil para qualquer um de nós, deixar de pensar pela nossa “consciência separada”. E em que dificuldades não nos encontramos, quando tentamos encontrar algo “objetivo” nessas vivências “incomuns”. Em verdade, o que nos é estranho: a vivência de uma consciência mais ampla; é o que era comum na origem de nossa história: vivíamos na “consciência ampla e abrangente” da divindade!
O mundo todo tem uma mesma “raiz”; que é a Divindade-Criadora, o iluminado; por isso, nos mundos divinos é normal que “cada ser saiba o que acontece com outro ser”. Foi somente muito mais tarde, na história da humanidade, que houve o encasulamento, o desenvolvimento do “ego”. E isso significa, levar uma vida “particular”, “isolada”, sem saber o que ocorre com os “outros seres”. Uma consciência parcial e limitada, é a situação da humanidade hoje, e isso é muito alarmante. Não deveria ser estranho para nós fenômenos de “telepatia”, de “mediunismo”, ou de “pressentimentos” sobre o que ocorre com outros seres. Alarmante é que consideramos “normal”, estarmos “enjaulados” em nós mesmos, e não querermos saber: como foi possível acontecer isso?
O conhecimento do que vive no outro, e como vive o outro, é o “normal”; pensando em nossa origem divino-espiritual, onde cada ser partilha com os outros o que ele é. Estranho é que possamos viver em sociedade, nos organizarmos, estruturarmos, e não “conhecermos”, não “sabermos”, absolutamente nada sobre como vive o outro ser humano, o nosso próximo!
Essa consciência apartada do todo, é uma conseqüência do “Pecado- Original”. Por isso, não sabemos mais simplesmente dos mundos espirituais e de Deus, e nem mesmo como sente e pensa o nosso próximo. E justamente na Bíblia é descrito esse primeiro afastamento, na negação do conhecer o outro. Isso ocorre quando Caim mata Abel e responde a Deus: “Eu não sei. Devo ser o guardião de meu irmão?” (Genesis, 4:9). Pela primeira vez surge na história da humanidade a expressão: “Eu não sei!”
Pelo feito de Cristo no Gólgota, o Homem deveria ser libertado de sua prisão interior. Preservando e amadurecendo a força da personalidade e da individualidade. Essa libertação do ser humano, de sua “ignorância”, por saber só sobre si mesmo, seria uma atuação do Espírito Santo. E quando a consciência de si mesmo se expandir no Homem para uma consciência de todo o alrededor, entraremos em relação com o mundo dos anjos. Na relação com os anjos, surge o primeiro sinal de expansão dos horizontes humanos. Eles, os anjos, permitem a expansão da consciência humana para a sabedoria. Por outro lado, se isso não acontece, caímos em um mundo sub-humano e tornamo-nos “bestas”.
Por isso, duas vivências estão interligadas nessa expansão da consciência humana: a vivência do Espírito Santo e a vivência dos anjos. E muitas vezes, por ocorrerem juntas, surge no Novo Testamento a vivência do Espírito Santo representado por um anjo. Antes da Transfiguração, fala o Cristo de sua vinda futura, como uma “Revelação Tríplice”. Essa Vinda, se daria juntamente com um novo conhecimento da “Divina-Trindade”: “Ele virá na revelação de seu “próprio” (Filho), do Pai e de seus Santos Anjos.” (Lucas, 9:26). Assim também diz Paulo: “Eu testemunho perante Deus, e do Senhor Jesus Cristo, e diante de seus Anjos Escolhidos.” (1. Epístola a Timóteo, 5:21).
Nesse sentido, a vivência verdadeira de um anjo é a vivência de um “mensageiro” da libertação, de uma expansão da consciência, do “Eu não sei!”, para novos horizontes. E desde há muito tempo atrás, com a palavra “angelos”, vivenciava-se a alegria e o prenúncio da “libertação” humana!
A vivência do Anjo Mensageiro é encontrada no inicio do evangelho, quando o Anjo fala a Maria e a José, no conhecido acontecimento natalino. O acontecimento do Natal, não ocorre no âmbito da “consciência normal”, pois esta consegue perceber somente a criança nascida. Essa “consciência normal”, não percebe a grandiosidade da criança. Aquilo que torna o Natal o fundamento espiritual do cristianismo, vive somente na “consciência” dos anjos: “Hoje nasceu-vos o Salvador!” A mensagem de Natal é por conseguinte uma Mensagem dos Anjos: Evangelho! Ela exige uma elevação para além da “postura animica convencional”. Ela exige uma abertura para o mais elevado, para o supra-sensível. Sem isso, não existe um verdadeiro Natal.
E parece, que esse conhecimento supra-sensível dos anjos, segundo a providência divina, não deve ficar guardado nos mundos divino-espirituais. Isso só não seria suficiente. Pois a mensagem da salvação só se completa, tornando-se real, quando vive também na consciência daqueles para quem a salvação acontece. Desde o inicio, esse impulso traz a necessidade em si, de que o “Homem salvo”, seja consciente e co-autor do processo. Mesmo que essa “consciência” seja mínima, e carregada por um grupo pequeno de Homens. A isso chama-se: “representação”. Aqueles poucos, que ouvem a mensagem dos anjos, o fazem por toda a humanidade. Por eles, abrem-se os olhos da humanidade, mesmo que a maioria esteja cega para o que está se passando.
O mesmo é válido também para o acontecimento do “Batismo no Jordão”.
O Cristo entra na existência terrena, encarnando-se no seu portador humano, anteriormente preparado. Esse acontecimento não é percebido pela humanidade adormecida profundamente, a não ser por um Homem: João, o Batista. Ele é a “testemunha da Luz”, o olho aberto da humanidade, representando-a com a sua “consciência-acordada”. Esse testemunho de João, pertence intimamente ao “ato de salvação”.
Onde surge aqui, o Anjo? O surgimento de João é anunciado pelo evangelista com uma citação: “Vê, eu envio o meu anjo diante de ti!” Algumas pinturas mostram o Batista com grandes asas. Ele é mostrado com características de anjo. Porém ele pertence também à humanidade, como Homem. “Foi um Homem… seu nome era João”. Nele, Homem e Anjo se compenetram. Pelo viver de João na “consciência angélica”, torna-se capaz de ver aquilo que não existe para os outros Homens. Além de Jesus, quem vê os Céus se abrindo e a pomba descendo é João. (Evangelho de João, 1:34).
Aos discípulos do Cristo, é prometido, que acordarão na consciência dos anjos, dentro dos Céus revelados. (Evangelho de João, 1:51). Essa promessa, porém, visa a um futuro muito distante, pois a “consciência“ dos discípulos fracassa sempre de novo. Isso é perceptível quanto mais se aproxima o acontecimento do Gólgota. Aquilo que acontece no Jardim de Getsêmani, é uma verdadeira tragédia, pois os discípulos não conseguem mais acompanhar o Cristo. Eles se afundam na obscuridade, sobre – exigidos pelo esforço de “consciência” necessário. Por isso mesmo o acontecimento no Getsêmani é tão terrível para o Cristo, pois o mínimo de “consciência humana”, os representantes da humanidade, seus três discípulos escolhidos, fracassam. Assim é necessário que o Anjo surja – representando a humanidade – e fortaleça o Cristo, pois o “orar – junto” e o “vigiar – junto” com os discípulos, deveria apoiá-LO.
Como poderiam os evangelistas narrar esse acontecimento, depois que os três discípulos, ao fracassar, caem no sono profundo e na inconsciência? De onde sabem os evangelistas isso? Pois o próprio Cristo não poderia ter-lhes contado – pelo menos não o poderia nos poucos dias onde ainda viveu em seu envoltório terreno. Aqui pode-se tratar apenas e somente de uma “mensagem supra-sensível”. A luta do Cristo no Jardim de Getsêmani, é pois autenticamente “Evangelho”, Mensagem dos Anjos, trazida dos mundos supra-sensíveis.
Somente na Sexta-feira da Paixão, surge uma testemunha ocular humana. O discípulo, “a quem o Senhor amava”, está embaixo da cruz e testemunha o que acontece. (Evangelho de João, 19:35). Assim como no batismo no Jordão, aqui o outro João é a testemunha que representa a humanidade, junto com as três Marias.
A Ressurreição é outro acontecimento tão grandioso, que não é acompanhado por nenhuma “consciência humana”. É como se o “Juízo Final” implodisse o nosso cotidiano. O acontecimento da ressurreição não tem testemunhas, mas surge com o seu resultado perante os discípulos. Os discípulos não viram a ressurreição, mas vêem o Ressurrecto. Mesmo que passo a passo. Na manhã da Páscoa, conseguiram ver apenas o negativo: o túmulo vazio! Enquanto os Homens ainda estavam “encerrados em si”, a “Mensagem da Páscoa”, era mantida na “Consciência dos Anjos”, até que pudesse ser anunciada aos Homens. “Ele ressuscitou!” – outra vez, assim como a mensagem de natal, um verdadeiro Evangelho, uma mensagem dos anjos, vinda dos mundos supra-sensíveis. E finalmente os discípulos podem vê-LO em suas “consciências”, em diferentes graus de vivências. (Evangelho de Mateus, 28:17). E é justamente na Páscoa que a mensagem dos anjos pode ser completada e fortalecida por uma expressão humana. Pois à mensagem dos anjos: “Ele ressuscitou!”, responde o testemunho dos discípulos: “Ele realmente ressuscitou!” (Evangelho de Lucas, 24:34). A partir disso, os Homens podem ser chamados de “testemunhas da ressurreição”, (Atos dos Apóstolos, 1:22).
Isso torna-se realidade plena a partir do fortalecimento espiritual de Pentecostes. É interessante, que os discípulos, durante os quarenta dias de Páscoa, convivem com o Ressurrecto, sem anunciá-LO ao mundo. Apesar dessa vivência espiritual única e original, calam-se. A expressão “Ele realmente ressuscitou!”; desenvolve sua força primeiramente no circulo protegido dos discípulos, que sentem e pensam em conjunto. Não havia ainda força suficiente para enfrentar a frieza e a dureza do mundo exterior. Em Pentecostes, porém, surge o dia e a hora. Pelo Espírito Santo, tornam-se os discípulos em Arautos, que “entusiasmam” os “que estavam de fora”!
Diferentemente do Natal e da Páscoa, parece que Pentecostes não necessita dos anjos. A aparição do Ressurrecto, indicado por anjos, fora encerrado na Ascensão por dois anjos – porém, onde estão os anjos no acontecimento de Pentecostes? Dessa vez, o “dom” do Espírito Santo tornou a consciência dos discípulos tão intima com a dos anjos, que eles não necessitaram aparecer e nem falar. Eles aparecem e falam através dos discípulos, preenchidos do Espírito Santo; por isso tornam-se eles, os discípulos, os Arautos do Evangelho.
Quando na saga do Santo Graal, diz-se que os anjos guardavam o Graal, até encontrarem em Tinturel, um Homem digno de ser seu portador, indicava uma realidade espiritual. Quando a consciência humana se obscurece, tornam-se os anjos os guardadores dessas realidades espirituais. Assim como no Jardim de Getsêmani, quando os anjos assumem a tarefa dos Homens, guardando assim os acontecimentos da Paixão do Cristo nos mundos supra-sensíveis, até que a consciência dos discípulos se desanuvie-se, seja iluminada, com o acontecimento de Pentecostes.
Goethe toca nesse assunto, quando em um de seus poemas (Poemas do Divã – “Elevados e Altíssimos”). Ele fala da necessidade da “expansão da consciência” para a dos anjos. No Paraíso, diz Goethe, a “língua humana” perdeu o seu sentido e significado:
“Pois, ouve-se falar em dialetos.
Assim trocam amabilidades,
Anjos e Homens!”
Para uma linguagem elevada e altíssima, necessitamos “criar” compreensão. A palavra “Evangelho” irá perder cada vez mais o seu significado, se não conseguirmos elevar e expandir em um sentido concreto a “consciência humana” a “consciência dos Anjos”.
Rodolfo Frieling
O QUE ESTÁ POR VIR?
O que podemos esperar? – O que espera por nós?
Se procuro predizer algo a respeito do novo século, que realmente acaba de irromper, me deparo com uma dupla dificuldade. Por um lado, pertence a tais previsões uma grande incerteza, porque os impulsos cunhados pela História são hoje, fortemente determinados por circunstâncias humanas: por outro lado, a visão do futuro de uma só pessoa será necessariamente subjetiva, limitada e unilateral. Baixo esses pressupostos limitados, eu ouso tentar dizer aquilo que está diante dos meus olhos.
OS PORTAIS DO MUNDO ESPIRITUAL ABRIR-SE-ÃO AMPLAMENTE
Isso já começou no ultimo terço do século passado, de uma forma espantosa. Certamente continuará acontecendo e abrangerá a consciência de muitos outros homens, transformando- as positivamente.
O que se abriu mais nitidamente foi o portal “para cima”: o mundo dos anjos se revela em muitas vivências, que tornando-se quase onipresentes. Tão nítido quanto este, se abre o “portal para frente”, para o destino individual do homem: as experiências concretas da proximidade da morte são hoje, inúmeras, aos milhares, por todas as partes da terra.
De maneira menos nítida abrem-se hoje dois outros “portais”: para “trás”, no mundo pré-natal e para “baixo”, na esfera dos seres da natureza. Mas há muito estes dois portais já não estão tão cerrados – eles já começam a se abrir, de modos que hoje inúmeras pessoas têm lembranças da vida pré-natal e muitos podem entrar novamente em contato com seres que permeiam a natureza.
No ponto central de todas estas experiências se encontra ainda algo diferente que mostra ao mesmo tempo o centro de todo esse desenvolvimento: a experiência do próprio Cristo, o acontecimento do seu “Retorno”, do seu ressurgimento na consciência e na vivência da humanidade atual, que coloca em um movimento espiritual toda a vida interior. Aqui podemos lembrar mais uma vez de algumas palavras de Emil Bock que são citadas com freqüência e que não perdem a sua atualidade: “Em meio a uma humanidade que angustiada, pergunta o que será que ainda falta vir, queremos ser uma multidão silenciosa que sabe o que virá. Ela sabe, na verdade, quem virá. E se Ele vem, pode vir tranquilamente todo o resto.”
O horizonte da consciência começou a se ampliar radicalmente. Espero que este processo prossiga e se aprofunde, de formas que cada vez mais pessoas sejam inseridas nele. O que deve ser acrescido para muitos, é a verdadeira compreensão destas experiências; aí poderá, no futuro, a partir do conhecimento espiritual surgir contribuições essenciais.
Através destas vivências caberá a nós:
ILUMINAÇÃO, ESTÍMULO, AUXÍLIO
Atuam deste modo, especialmente a vivência do anjo e a vivência do Cristo – quando se trata de uma vivência autêntica e não ilusória ou até mesmo doentia. O encontro com o anjo, atua normalmente – ele pode se dar de maneiras muito diversas – com estímulos, consolo e também com auxílio bem concreto em caso de perigo. O encontro com o Cristo tem também, normalmente, estes aspectos em si – ele é ainda mais individual do que o encontro com o anjo e pode ocorrer de diversas formas e configurações. Porém lhe é característico, principalmente, a vivência: Aí está alguém que é mais forte do que a morte e que não precisa se esquivar perante o mal.
Essas experiências se colocam hoje nas mais diversas direções; nós homens, necessitaremos muitíssimo delas. Principalmente perante o aumento do mal, que absolutamente não se encerrou, necessitamos bastante estímulo e auxílio. Principalmente a experiência do Cristo em “sua plena Revelação” fará o homem vivenciar que não existe nenhuma morte ou dor da morte, nenhum abismo e nenhum mal no qual o Cristo não poderá “entrar”, permear e transformar em força para o futuro. Pois ele pode dizer, como nos é transmitido no Apocalipse: “Eu tenho a chave da morte e do Hades” (Apocalipse 1,18). Cada vez mais homens vivenciarão isso.
Esse poder do Cristo se estende também, como disse uma vez Rudolf Steiner, até a esfera na qual o homem se encontra envolvido com a técnica: pensemos quão intensivamente hoje inúmeras pessoas já trabalham e precisam trabalhar com computadores. Mas o reaparecimento do Cristo não se realiza apenas no âmbito espiritual, anímico e etérico – começa hoje no etérico, mas estende-se desde aí totalmente também até o envolvimento e paixão que liga o homem com a matéria e com o mundo da técnica. Sobre este mundo também, o Cristo se manifestará como Senhor.
OUTROS SINAIS NO SÉCULO 20
O último terço do século 20 teve um “portal de força que se abria”. Os motivos para isso estão, entre muitos outros, certamente no fato de muito ter sido o sofrimento neste século – e o sofrimento pode hoje, e no futuro mais intensamente, abrir os portais para o mundo espiritual. Os adversários atuam justamente naquilo que querem impedir através de interferências tão intensivas (e chegam, de fato, a atrapalhar em alguns destinos) que os portais espirituais se abrem e com isso novas forças e certezas podem viver nos homens. Que o sofrimento do homem não chegou ao fim, deve ser bem considerado como umas das mais acertadas previsões para um futuro próximo. Contudo haverá novamente um tempo em que tudo estará “melhor” – não é em vão que consta no Apocalipse (cap.12) na descrição da queda do dragão que o diabo sabe “que ele tem pouco tempo”. Mas ele tem antes ainda uma tarefa: a de deixar que se abra ao homem o portal para o mundo espiritual.
Muitos outros sinais encorajadores aconteceram no século passado, dos quais gostaria de citar apenas alguns. A respeito de um deles, Johannes Lauten escreveu em um artigo sobre a vida e a obra de um importante poeta alemão chamado Gottfried Benn. Ele fala, com muita razão, da importância desse homem no século, da sua experiência da morte, que talvez tenha atuado no seu destino e como “assinalou” seu caminho desde o início – também no sentido de que esta vivência o levou de modo bem despojado e objetivo, a uma vivência do limiar:
“A muita coisa, que está encerrado profundamente
nos teus dias, carregas contigo na solidão,
que também nos diálogos nunca descerras,
em nenhuma carta, nenhum olhar deixas entrar,
Os calados, os bons e os maus,
os sofridos, para o qual caminhas,
estes podes, somente naquela esfera desvendar
na qual tu morres e finalmente ressuscitas.”
De onde tem Benn à certeza daquilo que expressa nas últimas linhas? Certamente não é de um sentimento religioso exaltado. Por trás das palavras sobre a morte e ressurreição estão, para ele, todas as mais profundas e dolorosas experiências do destino no final da guerra e nos novos tempos. Ele usa as palavras “eu marcado” – e isso certamente também para si mesmo. Seu destino e algo de sua obra se tornaram também, eles próprios, marcas para o “morrer e vir – a – ser” que reluz do século vinte para o século vinte e um.
Algo parecido pode ser dito a respeito de Paul Celan, que chegou igualmente a ter vivências do limiar:
“Certa vez,
eu o ouvi, lavando o mundo
desapercebido, a noite toda,
realmente.
Um e infinito,
destruído,
construindo no eu.
Era luz. Salvação.”
Estas palavras também não estavam, certamente, impregnadas de uma representação religiosa antiga – são justamente apocalípticas – cristãs. Assim, surge na consciência de um contemporâneo a vivência de que a partir do Cristo irradia para o mundo uma força luminosa e purificadora, como é dito no Apocalipse (cap.7), que tal força vem do “cordeiro” – uma imagem para o Cristo que se sacrifica pelo mundo – vem do fluxo da vida, do “sangue do cordeiro”. Essa e outras palavras de Celan podem nos acompanhar como um sinal de esperança que indica o caminho, no próximo século.
Assim, a época que acaba de passar está repleta de tais sinais que indicam o futuro, mais velado, mas também bastante revelador. Como um dos últimos, considero especialmente a figura e o destino de Jacques Lusseyran, que com sua autobiografia intitulada “A Luz Reencontrada” se tornou bastante conhecido. Não somente pelo fato de, cego na infância, haver reencontrado a Luz e se deparado com uma maneira de olhar e ver superior – só isso já seria “sinal” suficiente para o materialismo atual – mas ele vivencia também, assim que é colocado na barraca da morte do campo de concentração Buchenwald, a intervenção de uma vida superior: “ Eu disse que a morte já esteve comigo?… ao contrário – a vida.., foi agarrada e dominada totalmente por mim… se tornou uma substância em mim. Ela invadiu minha cela com tal força que era mil vezes mais forte que eu… eu revivi lentamente…” Mais tarde ele pôde relatar aos seus companheiros de prisão: “Eu abarcava em mim uma tal plenitude e alegria que inundavam…”
Estas experiências, a princípio singulares, podem também nos acompanhar no século que está diante de nós. Tais experiências, de que do Cristo emana uma vida que é mais forte do que a morte e que dele flui em “plenitude e alegria”, que podem “inundar” em meio ao sofrimento humano, formarão uma grande força na qual o futuro estará fundamentado. Ainda um último exemplo. Trata-se de uma experiência em um campo de prisioneiros mais ao leste. Mihajlo Michajlow reuniu também em um livro intitulado “A Experiência Mística da Não – Liberdade”, algumas experiências em tais prisões. Ele relata como justamente na mais extrema falta de liberdade, a mais íntima liberdade pode ser vivenciada; como quando “se sente no próprio corpo a força de impacto do mal”, há sim que se reconhecer que esse mal, na sua esfera de poder não parece ser vencível, mas que porém não possui o poder de atingir a verdadeira essência do homem. Deste modo, “prisões, campos de concentração, enfim a falta de liberdade” se torna “a experiência mais significativa” da vida.
A partir desses pontos de partida tão positivos, que dão direito as mais reais esperanças, deve-se também olhar para as sombras que obscurecerão o futuro.
O ATAQUE DOS ADVERSÁRIOS
No final do século passado, muito se falou do aumento de certos ataques do mal que ocorreriam nesta época. A atenção a estes processos tomou um tal volume, que agora, que já passamos do final do século, pouco se fala a respeito de como seguiu se desenvolvendo o mal. Mas é de se esperar que tal fato ocorra antes do final do século vinte e um. Trata-se da “encarnação de Ahriman”, como previu Rudolf Steiner.
Uma indicação exata da época, Rudolf Steiner não deu, porém não deixa nenhuma dúvida de que esse acontecimento ocorrerá mais cedo ou mais tarde nesse século. Por isso eu me permito falar sem rodeios a respeito destas previsões e indicar alguns fatos relacionados a isso.
Ariman é um dos mais fortes adversários da atuação do Cristo. Ele deve ser visto como uma potência mundial. Ele tem uma participação decisiva no fato de estarmos encarnados como homens e podermos caminhar sobre uma terra firme, providos de uma corporalidade sólida até os ossos. Graças a essa entidade estamos encarnados na matéria terrena, podemos morar e ter o nosso destino na terra. Ela serviu aos poderes divinos na obra da criação e preparou ao homem o plano terreno físico para o seu destino terreno.
Este serviço de Ariman lhe deu a vantagem de poder exigir uma parte da existência humana, por haver “se aproveitado” do homem pela divindade. O homem lhe deve algo. Disso se valem as potências arimanicas, para manterem o homem sob os seus poderes. Eles fazem o homem se iludir de que a existência material é a única existente e que não pode haver um “mundo espiritual”, que a vida se esgota no limite entre o nascimento e a morte e por isso todo o anseio do homem por poder, fortuna e riqueza só pode ser satisfeito no mundo terreno.
Essa mentalidade mundana festejou um triunfo com a cosmovisão materialista e nas duas últimas décadas alcançou uma nova onda de intensidade com o desenvolvimento do computador.
Para alguns homens – nas notícias aparece sempre de novo – é apenas uma questão de tempo para que a técnica do computador esteja tão desenvolvida que ele não só imitará a inteligência humana, como fará reflexões a seu respeito. Uma mostra disto foi quando um computador capaz de jogar xadrez venceu, numa partida, o campeão de xadrez mundial. Com isso se acredita estar próximo da comprovação de que a inteligência humana , e com ela todas as funções espirituais no homem, nada mais são do que aquilo que ocorre no computador. Ao inverso, hoje algumas máquinas muito avançadas são denominadas “individualidades espirituais” pelos especialistas e tais computadores não devem apenas possibilitar o desenvolvimento e a criação de novas gerações de computadores a partir de si mesmo, como também imagina-se o “cenário de horror” de um mundo humano totalmente dominado pelo computador, no qual não seria mais possível para o homem, o livre desenvolvimento e a auto-determinação! Com isso podemos medir quão avançada está hoje, a mentalidade materialista, que ridiculariza e quer fazer parecer ilusória a existência de um mundo espiritual e de seres espirituais. Assim podemos reconhecer quão intensamente se estende a preparação para o ataque de Ahriman na civilização atual.
OUTROS PREPARATIVOS PARA A ENCARNAÇÃO DE AHRIMAN
Muito do que atualmente faz parte da discussão pública, de forma controvertida, diz respeito à preparação intensiva para o ataque de Ahriman. Penso, principalmente naquilo que hoje é possível pela técnica genética como na área da fecundação artificial, do transplante orgânico, do prolongamento da vida no limiar da morte e também no assim denominado “auxílio para a morte”. A isso se junta à manipulação da concepção e da fertilidade.
A tão disseminada disposição para a aplicação do auxílio para a morte em casos graves, por exemplo, só é sentido como evidente e natural porque faltam os conceitos de que também o sofrimento corpóreo pode ter um sentido verdadeiro para ajudar o homem de forma decisiva no seu caminho de encarnação.
Também não existe mais a consciência e o sentimento de que não é o homem, ele próprio, que deve escolher o final de sua vida, mas que o momento da morte é um dos acontecimentos mais importantes da vida humana no que diz respeito à sua existência futura, para depois da morte e para a sua próxima vida terrena. O fato de escolher de forma arbitrária o exato momento da morte, tem certamente uma atuação na vida que segue até a próxima encarnação. Também na quase completa ausência de tais pontos de vista dentro da discussão pública se mostram os horizontes da consciência extremamente obscurecidos. Esses são os passos decisivos de Ahriman em relação à manipulação da humanidade, dados com sucesso.Cabe ainda acrescentar que seria insensato rechaçar tudo isso e se lamentar; os desenvolvimentos são necessários até certo ponto; a humanidade deverá e poderá com isso, aprender algo muito importante.
Porém existem, ainda, passos bem concretos que Ahriman ambiciona e que devem servir à sua encarnação. Neste sentido os seguintes motivos são mencionados por Rudolf Steiner:
1. O pensamento abstrato, a visão de mundo matemática-mecânica surge cada vez mais em relevância; com isso a compreensão espiritual do homem e do mundo se perde.
2. O espiritual é “conservado” em bibliotecas, ao invés de ser levada adiante e desenvolvida de uma maneira viva. Hoje pode-se também pensar na abordagem de qualquer tipo de saber através do computador.
3. A crença nos números (estatística) está amplamente disseminada e leva à manipulação de todas as circunstâncias.
4. Ações humanas sem interesse propagam-se; a falta de capacidade de se entusiasmar por conteúdos espirituais embotam a vida pessoal e a pública.
5. Desarmonia nos grupos humanos, entre partidos, principalmente impulsos nacionalistas dividem cada vez mais a humanidade. Essas tendências são, hoje, cada vez mais palpáveis.
6. Este ponto é espantoso: interpretações materialistas do evangelho conduz a uma falsa compreensão do Cristo, a uma visão de alucinação do Cristo. Essa tendência vemos por toda parte nas seitas fundamentalistas e surgem até mesmo nos anseios desse tipo nas igrejas. (Pode-se pensar na interpretação materialista do antigo testamento ou do Apocalipse que fazem as “Testemunhas de Jeová”.)
7. Escolas serão instituídas, as quais homens se tornam “videntes” (no sentido da alucinação), mas que não podem conduzir a uma visão objetiva do mundo espiritual. Essa tendência surge por todas as partes hoje, até mesmo nos muitos grupos excepcionais esotéricos que estão relacionados com o movimento da Nova Era (New Age) e com o tão propagado certo tipo chamado “ocultismo”. Muitas “manifestações espirituais”, que se dizem altamente espirituais, se encontram nessa direção.
8. O indevido consumo de alimentos deve ser incluído também nos chamados preparativos – pense-se no cortejo vitorioso da alimentação “fast food” no mundo todo.
A NECESSIDADE DESSES ACONTECIMENTOS
Eu não gostaria de ser mal compreendido com tudo isso. Não faz nenhum sentido deixar surgir na alma um sentimento de medo perante todos esses fenômenos. Espero que as forças positivas mencionadas no início do artigo que também estarão presentes no século que irrompe, dêem base suficiente para intensificar a esperança no leitor. A humanidade não está, de modo algum, apartada da direção do mundo espiritual.
Os acontecimentos relacionados com a encarnação de Ahriman precisam vir. Eles estão submetidos a uma necessidade espiritual. Aqui está atuante O Karma Universal. Por isso a encarnação de Ahrimam não deve e nem pode ser evitada. Ela tem que acontecer. Porém é necessário que este acontecimento não nos passe desapercebido. Há que existir homens que tenham a consciência disso e vejam o que vem a ser a aparição desse impulso. Ahrimam poderá atuar completamente somente se ele se mantiver irreconhecível. Por isso é, justamente, tão importante se falar sobre isso de maneira exaustiva hoje, quando os acontecimentos ainda são iminentes. Por isso o faço aqui de maneira bem consciente.
Pastor Marcos Piedade – São Paulo
ÉPOCA DA PÁSCOA: AÇÃO DO SANGUE DE CRISTO NA TERRA E NO COSMOS
A festa da Páscoa e comemorada no primeiro domingo após a primeira Lua cheia que ocorre depois do Equinócio de Outono (ou de Primavera no Hemisfério Norte). É uma festa móvel; sem vínculo com um determinado dia do ano, e isso significa que não é uma festa totalmente terrestre. O fato dela estar relacionada com o Equinócio nos revela uma característica cósmica. Além disso, ela é comemorada no Domingo, e isso tem uma íntima relação com o Sol. A Páscoa é uma festa de natureza cósmica que dirige nossa consciência à mais elevada entidade que já viveu entre nós, o Cristo, intimamente ligado às forças Solares. Ao considerarmos a Páscoa segundo esse aspecto estaremos omitindo uma outra característica muito importante relacionada com essa festa que é a Lua, pois o Domingo de Páscoa ocorre após a Lua cheia.
O presente trabalho pretende estabelecer uma relação da Páscoa com a Lua, não apenas com a esfera lunar atual que tem relação com a Prata e com os processos de espelhamento e reflexão, mas também com a Antiga Lua cujo representante é o planeta Marte relacionado com o Ferro, com a vontade humana e com o sangue.
Ao cultivarmos em nossa vida interior o ambiente daquilo que acolhemos ao lermos as descrições da crucificação de Cristo, começa a surgir em nosso íntimo uma imagem que vai se tornando cada vez mais forte e viva à medida em que vamos contemplando esses sagrados acontecimentos dia após dia.
E a imagem que surge diante de nós é a de um ambiente de trevas e angústia. O Sol no alto do céu afogado por um eclipse criando um ambiente de sombras. Durante uma eclipse os animais ficam irritados, os cães latem, os pássaros gritam e voam de maneira agitada. Toda a atmosfera é preenchida por sons de medo e terror emitido pelos animais que percebem instintivamente a atmosfera tenebrosa do eclipse onde toda a paisagem parece estar morta. As cores mais vivas deixam de existir, predominando sons acinzentados e azulados. Uma atmosfera de tensão que precede algo terrível paira no ar.
Ao longe, três cruzes. Na do meio jaz uma entidade que está em vias de morrer. As palavras que ele emite reverberam na atmosfera e permanecem ecoando, gerando espaços e ambientes. Seu corpo parece emitir uma luz sagrada naquele ambiente de trevas.
A terra consumida, acinzentada e totalmente opaca a tudo aquilo que vem do Cosmos se revela como algo compacto, material e morto. Ainda hoje, durante os eclipses a Terra se revela como algo totalmente material.
Nessa atmosfera de morte, trevas e angústia, gotas de sangue caem da cruz. E naquele momento em que o sangue de Cristo se encontra com aquele solo escuro e tenebroso, esse próprio solo começa a brilhar. À medida que o sangue de Cristo vai caindo, aquela terra antes tenebrosa e opaca vai se tornando luminosa e transparente.
Diante dessa imagem vai surgindo em nosso íntimo a seguinte pergunta: O que é esse sangue do Cristo, capaz de transformar o solo mineral e morto em uma entidade espiritual? Como esse sangue é capaz de espiritualizar toda a Terra? Existem tantos aspectos que poderiam ser mencionados em relação a esse sangue, mas gostaríamos de mencionar o aspecto de ver o sangue como uma espécie de ESPELHO.
Ao depositarmos Chumbo na superfície de um vidro iremos obter um espelho que reflete um mundo acinzentado, doentio e morto. Um espelho de Cobre reflete um ambiente avermelhado, como se tudo estivesse quente, pegando fogo. Os espelhos comuns, capazes de revelar o meio ambiente sem interferir na imagem refletida são feitos de Prata. Podemos considerar o sangue de Cristo como um espelho que além de refletir o mundo Espiritual na Terra, adiciona matizes de amor e devoção a esse reflexo, ou seja, é algo que HUMANIZA esse reflexo. Podemos encontrar uma referência bastante significativa em relação a isso na palestra de 31 de dezembro de 1911 proferida por Rudolf Steiner em Hannover (GA 134 – “O Mundo dos Sentidos e o Mundo do Espírito”). (1)
Para podermos mencionar essa característica de espelho do sangue precisamos nos dirigir novamente aos primórdios da criação. (2)
Durante os primórdios da evolução em uma era descrita pela ciência Espiritual como Antigo Saturno, iremos encontrar seres muito elevados, denominados Tronos, oferecendo seu próprio ser que consiste em uma calorosidade criadora capaz de gerar mundos e seres. Entidades ligadas aos períodos de tempo e aos estilos das épocas, que denominados Arqueus acolhem essa calorosidade geradora de seres que paira no meio ambiente transformando-o em algo íntimo. O trabalho dos Arqueus de transformar a calorosidade criadora existente no meio ambiente em algo próprio e íntimo vai fazendo com que surja nessas entidades a experiência deles serem algo distinto do meio ambiente, ou seja, durante a evolução do Antigo Saturno os Arqueus vão adquirindo a consciência Eu pelo fato deles se ESPELHAREM nessa estrutura que eles edificaram. Essa estrutura, porém, é o germe do corpo físico humano, e nos primórdios da criação do ser humano nós servimos de espelho para que os Arqueus pudessem se reconhecer e assumir o degrau humano.
Durante a evolução seguinte, denominada Antigo Sol, elevados seres denominados Espíritos da Sabedoria contemplam o sacrifício dos Tronos. Para eles isso é algo tão maravilhoso que eles vertem todo o seu ser nessa contemplação gerando atmosferas de encontro, reverência e gratidão que fluem no antigo Sol. Os Arcanjos captam essa atmosfera viva preenchendo aquelas estruturas-calor que tinham sido formadas na evolução anterior. Os Arcanjos tornam íntima a atmosfera de reverência e admiração emanada pelos Espíritos da Sabedoria fazendo com que aquelas estruturas calor irradiem vida. Os Arcanjos ao verterem a substancialidade espiritual do meio ambiente nessas estruturas-calor, vão tornando íntimo, interno, aquilo que existe no meio ambiente. E à medida que eles vão realizando essa atividade, eles vão tendo a experiência de serem diferentes do meio ambiente, ou seja, os Arcanjos vão adquirindo a consciência EU pelo fato deles se ESPELHAREM nessa estrutura que eles edificaram. Essa estrutura, porém, é o germe do Corpo Etérico do ser humano que serviu de ESPELHO para que os Arcanjos pudessem se reconhecer e assumir o degrau humano.
Durante a evolução seguinte denominada Antiga Lua, os Espíritos do Movimento contemplaram os desvios que estavam ocorrendo na evolução, doando todo o seu Ser no restabelecimento de um equilíbrio dinâmico capaz de estabelecer um relacionamento entre aquilo que existe no Cosmos. E tudo começa a fluir. Os Anjos captam esse ambiente de fluidez dinâmica e dirigem sua atividade no sentido de dotar de movimento e mobilidade aquelas estruturas de calor-vida que estavam sendo formadas e que começaram a manifestar um movimento interno de fluidez e revelar um movimento externo. E à medida que os Anjos iam realizando essa atividade, eles iam tendo a experiência de serem uma entidade que difere do meio ambiente, ou seja, os Anjos ao se ESPELHAREM nessa estrutura que eles iam criando, iam adquirindo a consciência EU. Essa organização que eles iam criando e se espelhando constitui o germe de nosso Astral. Durante a antiga Lua o ser humano serviu de ESPELHO para que os Anjos fossem adquirindo sua consciência EU ou humana.
Se toda a evolução tivesse transcorrido em harmonia, no degrau evolutivo seguinte, que é a Terra atual, os Espíritos da Forma teriam emanado a única substância física que existiria no Cosmos, e teria sido aquilo que temos hoje como SANGUE. Esse sangue seria algo em estado disperso, dinamizado, e durante um período bem curto iria cristalizar-se em uma estrutura plana, em uma película análoga a um ESPELHO capaz de refletir o mundo espiritual à própria Terra. Esse sangue humano teria atingido o degrau mais elevado da evolução, e esse degrau é a forma como algo capaz de refletir na Terra aquilo que ocorre no mundo Espiritual, ou seja a FORMA como um ponto de passagem entre o Universo Criado e a Terra que seria transformada pelo ser humano.
Contemplemos uma escultura que é algo que tem uma FORMA. Essa obra de arte é o resultado de algo que começou com a vontade, o entusiasmo, com o QUERER CALOROSO em criar algo novo. Para concretizar essa vontade, o escultor concebeu, planejou e pensou essa obra, ou seja, a obra de arte passou pelo estágio da SABEDORIA. Depois da escultura ter sido pensada, ela será executada. Uma série de movimentos na argila, uma sucessão de formas em contínua transformação vão surgindo durante a elaboração da escultura. Essa obra de arte passou pelo estágio do Movimento e depois disso surgiu a FORMA definitiva. Resumindo, temos os seguintes estágios que culminaram com o surgimento da FORMA.
QUERER CALOROSO
Essa forma terminada é capaz de transmitir uma mobilidade interior, um MOVIMENTO interno. Ela nos revela um determinado estilo que é a idéia geral representada por uma série de esculturas do mesmo autor, ou seja, essa escultura nos mostra uma SABEDORIA que se revela como um estilo. Essa escultura também nos transmite uma força configurativa que nos transforma, agindo até as profundezas mais inconscientes de nosso ser, despertando em nós uma CALOROSIDADE como força moral.(3) Temos então o seguinte:
A Forma é o ponto de passagem entre o mundo que foi tecido e configurado pela criação, pelo escultor, e o mundo recriado pelo ser humano, a escultura, é a EXPRESSÃO de toda a obra divina. O mundo IMPRESSO pelos deuses se ESPELHA através da FORMA em um mundo capaz de EXPRESSAR a obra divina.
Durante a evolução terrestre os Espíritos da Forma emanam algo que é a própria FORMA como um ponto de passagem entre o universo dado pelos Deuses e o Cosmos re-criado pelos seres humanos. E essa “substancialidade” da forma está relacionada com o sangue. O ser hu_mano em estado totalmente espiritual acolheria em seu ser inspirações, intuições e imaginações provenientes do mundo divino. Nesse estado de acolhimento seu sangue estaria totalmente disperso, em estado imaterial, dinamizado. Durante um tempo muito curto esse sangue viria se materializar como uma fina película, como um espelho plano capaz de transmitir à Terra tudo aquilo que foi acolhido no mundo cósmico como imaginações, inspirações e intuições.
A medida que o ser humano ia transmitindo através de seu SANGUE que durante um curto período de tempo se condensava como uma superfície plana capaz de espelhar o mundo criado pelos seres Espirituais, o ser humano nesse momento da condensação do sangue tinha a experiência do Eu, de ser uma entidade distinta do meio ambiente.
O sangue em estado espiritual permitia que o ser humano acolhesse aquilo que foi realizado pela criação. O sangue ao se condensar permitia que aquilo que foi acolhido fosse plasmado na Terra. Nesse momento o ser humano se reconhecia como um Eu distinto do meio ambiente plasmando a Terra através de sua individualidade.
A ação de Lúcifer no sangue humano se realizou de maneira a impedir que ele se transformasse em um plano capaz de servir de ponto de passagem entre o mundo impresso pelos Deuses e o mundo expresso pelos homens. Esse espelho deixou de ser algo plano capaz de refletir com precisão, mas foi se dissolvendo, se liquefazendo e tornou-se algo ligado à própria interioridade humana. O sangue humano tornou-se dessa maneira uma entidade que reflete o mundo INTERNO transmitindo tudo isso à entidade humana. Dessa maneira o homem começou a sentir-se como um Eu distinto do meio ambiente, capaz apenas de ter vivências internas isoladas do Cosmos. A forma foi dissolvida, liquefeita e o sangue tornou- se algo capaz apenas de transmitir à nossa consciência um mundo de sentimentos, sensações e paixões provenientes de uma vida interior isolada do meio ambiente. A ação de Lúcifer é de impedir o surgimento da forma como ponto de transição entre dois universos deixando o ser humano estacionado em um degrau anterior que é o do movimento.
A ação de Arimã no sangue humano é o de impedir que ele transmita as intuições, inspirações e imaginações provenientes do mundo Espiritual à Terra, mas que essa forma seja apenas capaz de expressar as forças metabólicas do organismo humano relacionadas com os processos de degradação e digestão da matéria, e essas forças relacionadas com o número, peso e quantidade.
A evolução culminou no surgimento do ser humano que é a expressão de toda a atividade criadora. O metabolismo está relacionado com a perda da vitalidade da matéria que está sendo digerida e com a formação de substâncias próprias. O mundo espiritual ao gerar o metabolismo humano insuflou uma maravilhosa sabedoria ligada ao peso, número e quantidade (5) e isso tem relação com a própria matéria que está sendo transformada nesses processos digestivos. Os processos de reprodução também fazem parte do metabolismo. A própria configuração dos ácidos nuclêicos nos revela os maravilhosos ritmos criadores cósmicos congelados na estrutura química desses compostos que estão ligados à formação de substâncias. Os ácidos nuclêicos permitem que a vida vá desaparecendo na substância. Além dos processos digestivos e reprodutivos, o sistema metabólico está ligado com o movimento e com os membros que são as estruturas capazes de promover a mobilidade humana. A energia obtida através dos processos metabólico-digestivos de cisão e quebra da substância viva é dirigida aos membros que se movem. Os processos metabólico-digestivos lidam internamente com a substância e esses processos ocorrem em nível praticamente inconsciente. Os processos de movimento dos membros nos permitem lidar com a matéria de maneira muito mais consciente.
Os seres Arimânicos têm como desejo apoderar-se da inteligência existente nos processos metabólicos de digestão, reprodução e membros. Em relação aos processos de degradação da substância os seres Arimânicos pretendem se apoderar das forças relacionadas com o número, peso e quantidade, e isso está ligado com as concepções materialistas que existem na ciência e na economia.
Em relação aos processos metabólicos, Àrimã pretende dominar os processos de desvitalização e formação de substância física material. Isso está ligado com a manipulação dos genes para obter substâncias às custas da extinção da vida. Em relação aos membros, Arimã pretende se apoderar das forças e energias dirigidas à ação humana. Brinquedos infantis que exigem apenas o movimento de dois dedos para conseguir jogar constituem um exemplo da estagnação do movimento humano. Essas forças são dirigidas à própria tensão emocional existente no jogo, nutrindo esse mundo virtual com essas forças humanas.
Mencionamos que o sangue humano se revela como um ESPELHO, como uma forma capaz de ser o elo de transição entre o mundo DADO e o mundo CRIADO. A ação Luciférica transformou o ser humano em uma entidade fechada, excluída do Cosmos, e o sangue humano aprisionado na organização corpórea humana tornou-se líquido, vinculando-se à vida interior humana ligada com as sensações, emoções e paixões, e incapaz de configurar uma forma capaz de espelhar na Terra as forças criadoras divinas.
Cristo, uma entidade proveniente da mais elevada região celeste, da esfera da Trindade, em atitude de profundo amor pela criação desce até o mais baixo degrau da evolução, e durante três anos, entre o Batismo no Jordão e a morte na cruz vive como ser humano. Durante o primeiro ano Cristo redime o corpo Astral transformando-o em uma organização de Fé. No segundo ano Cristo redime o corpo Etérico transformando-o em uma organização de Amor, e no terceiro ano redime seu corpo Físico transformando-o em uma organização capaz de preencher todas as esperanças e aspirações que as entidades espirituais depositaram no ser humano.(4) É natural que o SANGUE que fluiu em seu corpo tenha acompanhado tal transformação.
Cristo viveu em si inicialmente uma dor interna diante dos desvios ocorridos na evolução e do afastamento dos seres humanos das grandes virtudes aspiradas pelos criadores. Além da dor interna foi sendo adicionada a dor externa, inicialmente sua superfície corporal quando foi chicoteado, depois em suas partes mais profundas quando foi coroado com espinhos e em seguida uma dor ainda mais interna junto com uma profunda sede quando foi crucificado. E essa dor que foi se transformando em amor foi sendo acompanhada gradualmente por uma abertura de seu corpo. A princípio o chicote que fez sua superfície corporal sangrar, depois os espinhos que furaram o seu corpo até as partes mais internas e logo em seguida os pregos da cruz que atravessaram totalmente seu corpo. Depois de tudo isso uma lança perfurou seu coração.
Cristo, uma elevada entidade divina, totalmente pura e inocente viveu em si a dor da abertura corpórea. E essa dor transformada em Amor faz parte de seu sagrado Ser. E aquele sangue que estava fluindo de seus ferimentos também tinha como conteúdo a dor de estar sendo aberto, transformando-se em Amor. E isso foi sendo emanado aos seres humanos. E como se trata de uma entidade acima da 1ª Hierarquia, aquilo que ocorreu está ocorrendo e vai continuar a ocorrer. Essa dor de estar sendo aberto transformada em Amor e vertida aos homens através de seu Sangue permite que cada um de nós possa superar o isolamento criado por Lúcifer rompendo aquela carapaça que nos isola dos sagrados eventos da criação e da ligação com outros seres humanos, e também possibilitando que aquele mundo interior de paixões, fúria e cobiça possa ser aberto deixando entrar uma luz sábia e plena de calorosidade capaz de transformar aqueles sentimentos que foram gerados nas trevas em novas virtudes humanas.
Iremos examinar a seguir a superação do impulso Arimânico através do sangue de Cristo.
Uma elevada sabedoria criadora se consumou no surgimento do sistema metabólico humano. Àrimã quer se apoderar dessa elevada inteligência que plasmou esse sistema voltando-se aos processos de reprodução, metabolismo alimentar e movimento dos membros. Em relação à reprodução Arimã dirige sua ação na transformação da vida em substâncias trazendo como conseqüência o enfraquecimento e a desvitalização dos seres vivos.
Cristo, uma entidade sagrada proveniente das mais elevadas regiões espirituais vincula todo o seu sagrado ser à Terra e nos momentos que antecedem a sua morte vai se esvaindo em sangue. Essa substância portadora de vida que foi sendo aprimorada em seu ser vai gotejando no solo e transmitindo à substância terrestre morta, mineralizada e sem nenhuma possibilidade de transformação, um novo impulso capaz de torná-la novamente espiritualizada, permitindo que os seres humanos possam continuar esse trabalho de transformação da matéria.
Os seres Arimânicos tentam usurpar a inteligência contida nos processos metabólico-digestivos intimamente ligados aos impulsos materializantes relacionados com o número, peso e quantidade. Esses seres pretendem emanar os três elementos em todas as atividades da vida. O SANGUE de Cristo supera esse impulso da seguinte maneira: Cristo ao abandonar as regiões mais elevadas do mundo espiritual vincula seu ser com a Terra e com os seres humanos. Durante sua vida transcorrida entre o batismo no Rio Jordão e a morte na cruz aquela entidade inocente e pura foi transformando seu corpo de maneira a não se tornar apenas aquele ser humano previsto e planejado pelos criadores totalmente livre das influências Luciféricas e Arimânicas, mas muito mais do que isso, uma entidade que transformou toda a dor cósmica e terrestre em um profundo Amor. E o sangue de Cristo, o representante da humanidade, se revela como aquela substância primordial planejada pelos seres criadores do Universo. Ao fluir de seus ferimentos esse sangue cai na Terra e como um ESPELHO transmite toda a beatitude celeste, todas as virtudes do mundo Espiritual à Terra. E não só isso: esse sangue não agiu apenas como um espelho, pois não era algo plano que se condensava e se dissolvia como tinha sido planejado pelos seres criadores, mas seu sangue líquido também era o portador de tudo aquilo que se passava em sua vida íntima. Todo aquele sofrimento transformado em Amor foi adicionado ao seu sangue. E todas essas virtudes também foram transmitidas à Terra e às substâncias materiais. Quando o sangue de Cristo estava gotejando, a Terra foi se tornando transparente e começou a reluzir. Todos os reinos da natureza receberam uma nova vida preenchida de um intenso Amor.
Ao lidarmos com uma substância estaremos trabalhando diretamente no próprio corpo de Cristo. Aquela materialidade morta, sombria e sem nenhuma possibilidade de transformação recebe através do sangue de Cristo uma nova possibilidade de ir se tornando não apenas algo novamente de natureza espiritual, mas essa matéria espiritualizada poderá ainda, continuar sua evolução denominada NOVO Júpiter.
Essa transubstanciação da matéria que acolheu em si as dádivas do sangue de Cristo não ocorre de maneira espontânea e automática, pois Cristo ao se vincular com a Terra e com os seres humanos fundiu todo o seu trabalho com a humanidade. Diante de tudo isso, o ser humano deixa de ser uma entidade passiva diante da evolução, mas vem se tornando um livre colaborador de todo o processo evolutivo. A matéria recebeu as forças de vida doadas pelo sangue de Cristo, mas nada poderá ser feito no sentido da espiritualização da Terra se o ser humano não participar ATIVAMENTE como um colaborador de todo esse processo evolutivo.
Através das forças de amor presentes no sangue de Cristo o ser humano poderá superar as influências Luciféricas tornando-se capaz de abrir-se para o Cosmos superando as dificuldades ligadas aos sentimentos, emoções e paixões e ao isolamento social. Através das forças de amor doadas através do sangue do Cristo a humanidade poderá vencer as tentações de Àrimã ligadas à desvitalização e à formação de uma matéria morta e inerte, cuja imagem é o pão das pedras. Esse próprio sangue nos dá as Forças para podermos novamente vitalizar as substâncias que estavam mortas transformando a Terra no corpo de Cristo, e essa transubstanciação não é algo simplesmente dado por Cristo, essa entidade ao unir-se com a Terra e com a humanidade torna os seres humanos responsáveis pela continuidade desse trabalho.
Flavio E. Milanese
Os acontecimentos da Semana Santa:
DA VISÃO DO CRISTO
Em comparação com os três primeiros evangelhos, predominantemente imaginativos, o evangelho de João se apresenta como propriamente inspirativo. Enquanto a espiritualidade dos outros culmina em imagens, o elemento do evangelho de João é a palavra como tal. Ele dispõe de cunhos verbais em si bastante inaparentes, mas que conferem acentuação luminosa a certos pontos culminantes da vida do Cristo. Pela repetição destas fórmulas “joaninas” surgem figuras plácidas (silenciosas) que evidenciam importantes etapas e desenvolvimentos interiores.
Entre essas expressões verbais, uma das mais íntimas é a que normalmente se traduz por: “ele ergueu seu olhar”. Repete-se em três trechos: cap. 6,3 – antes da alimentação dos 5.000; cap. 11,41 – antes da ressurreição do Lázaro: cap. 17,11 – antes da oração.
Antes da alimentação dos 5.000, a locução somente caracteriza conteúdo perceptivo. Jesus vê chegar a ele uma multidão. Antes da ressurreição do Lázaro e antes do final solene dos discursos de despedida, estas palavras introduzem palavras de oração, como se o erguer do olhar contivesse uma especial orientação em direção ao Pai: “Pai, dou-te graças”, “Pai, chegou a hora”. Enquanto se acredita que Jesus viu uma multidão faminta através de uma percepção física, existe um abismo separando o primeiro trecho dos dois outros.
Entretanto, este modo de compreender é provado errôneo já pelo fato de não estar escrito ele “vê”, mas ele “tem a visão” da grande multidão. Nos três trechos, a fórmula exprime a entrada do Cristo em estado de visão supra-sensível. A tradução exata é a que R. Steiner deu, de João 17, 1: “Jesus transportou-se para a visão espiritual”. Nisto, o importante é saber que esse estado não leva apenas a percepções, mas também ao contato com as realidades contempladas e às origens superiores das forças. Cada vez efeitos especiais resultam dessa visão que, de fato, é muito mais do que um simples erguer de olhos devoto.
Os três trechos têm um prelúdio no 4º capítulo, onde Jesus convida os discípulos a erguerem seus olhos: “Olhai os campos, como estão brancos para a safra”. (4, 35). Jesus abre aos discípulos a visão interior do estado da humanidade.
O primeiro dos três trechos se relaciona diretamente com isto: a multidão que o Cristo vê chegar não está fisicamente presente; trata-se da humanidade futura que aparece em espírito. A alimentação é antes uma provisão de forças para os discípulos em sua missão apostolar do que uma manifestação momentânea de gente presente. Nos outros dois trechos podemos perceber que a visão do Cristo está intimamente ligada ao estado de oração de sua alma e que, de modo geral, oração e visão se ligam por íntima relação causal.
Os três trechos não são idênticos entre si. Apresentam uma gradação crescente em relação à esfera sobre a qual se dirige a visão e cuja força é invocada.
No final, o fruto da visão do Cristo não é tão perceptível como na alimentação dos 5.000 ou na ressurreição do Lázaro. Mas não é menos importante: é todo o abençoado destino futuro dos discípulos.
Emil Bock
Os acontecimentos da Semana Santa:
O MOTIVO DA “SAÍDA” NA NOITE DA QUINTA-FEIRA SANTA
Os quatro evangelhos não coincidem quanto ao momento da noite da quinta-feira santa em que Jesus deixa o cenáculo e começa o caminho do Getsemane. Temos aí um exemplo de como a linguagem das contradições nos evangelhos revela importantes mistérios, mesmo quando as contradições se referem a detalhes aparentemente não essenciais.
Em Mateus e Marcos a cena da Santa Ceia é descrita de forma bastante coincidente. Após sentarem-se á mesa, Jesus e os discípulos relatam primeiro a anunciação da traição com as perguntas e respostas que se seguem. Esta conversa é a zona de prova após a qual se realiza o mistério sacramental: bênção e distribuição de pão e vinho. Segue-se a misteriosa palavra de Jesus, que ele não mais beberá da parreira até que o faça de novo no reino de Deus. Logo após os comensais cantam o hino e Jesus sai de casa com os discípulos em direção ao Monte das Oliveiras. É importante, aqui, que nos dois primeiros evangelhos a conversa do cenáculo é, de certo modo, continuada a caminho de Getsemane. Se no cenáculo foi anunciada a traição, agora é anunciada a negação do Cristo por Pedro. Antes disto, o Cristo diz aos discípulos: “Nesta noite todos vos aborrecereis comigo”. Além disto, é pronunciada a severa palavra da distração, derivada em grego do nome da escuridão. É verdade que a ela se segue logo a anunciação da Páscoa. Jesus diz aos seus discípulos que, após sua ressurreição, ele os precederá a caminho da Galiléia. Como Pedro se defende, dizendo que ele não se aborrecerá com o Cristo, este vai além, anunciando a negação. Segue-se a cena de Getsemane.
As conversas apenas insinuadas com breves palavras têm significados diferentes conforme ocorram antes ou depois da saída. A saída em si, assustando os discípulos, deve ter provocado um estado de enlevo em suas almas. A palavra da distração ainda acentua mais este enlevo. A compreensão deste fato significa uma chave para a compreensão da misteriosa frase sobre a Galiléia: esta frase foi dita a almas em estado de enlevo e seu conteúdo também se refere a um tal estado. Apenas são totalmente diversas as paisagens da alma para as quais levam o enlevo do momento e o enlevo posterior, pascal. É isto justamente o que se reflete no enigmático surgimento do motivo galileico, cujo sentido não é exterior, mas interior. A anunciação da negação, também feita a almas em estado de enlevo como que se refere, ao mesmo tempo, a um futuro estado de enlevo. Primeiro trata-se inteiramente de um enlevo cujo principal portador será Pedro. Talvez seja o hálito de mistério que já pode ser percebido na frase sobre o beber a parreira, um primeiro anúncio de que todas as palavras e todos os processos desta noite desembocarão em um enlevo inicialmente trágico, mas depois através da morte do Cristo, salvador.
No evangelho de Lucas, as conversas da Ceia se tornam mais detalhadas. Forma-se já uma transição para os grandes discursos de despedida do evangelho de João. O importante é que Lucas não divide os pronunciamentos em dois grupos, antes e depois da saída. Em Lucas, aquilo que Marcos e Mateus relatam como tendo sido falado a caminho de Getsemane, já é enunciado no cenáculo. Chama especialmente a atenção o fato de até mesmo a negação ser anunciada antes da saída do cenáculo. À saída, segue-se diretamente a cena de Getsemane. Em compensação, todas as palavras citadas por Lucas em relação à Ceia são de um caráter enigmático que só se elucida se forem compreendidas como tendo sido faladas a almas em estado de enlevo. Até mesmo a estranha discussão entre os discípulos sobre quem seja o maior, particularmente enigmática por ter lugar após a comunhão, leva logo às palavras do Cristo que, em Lucas, representam o paralelo do lava-pés do evangelho de João, devendo ser entendida como um sintoma do enlevo que está se apoderando dos discípulos. Com maior razão ainda, o pronunciamento sobre as duas espadas e as perguntas e respostas que o acompanham, só pode se tornar compreensível se o considerarmos como sendo palavras de enlevo. Interiormente a saída já ocorreu, tanto para Jesus quanto para os discípulos, embora Lucas só relate mais tarde a saída física do cenáculo. Só assim se explica o aparentemente insignificante, mas em realidade, muito elucidativo contraste entre Lucas e os dois primeiros evangelhos, ou seja, Lucas relata o anuncio da negação como tendo sido feito no cenáculo e não rio exterior. Em Lucas, a saída física está relatada em horário posterior, porque Lucas torna mais explícito, em sua descrição, o processo interior da saída.
A metamorfose apenas iniciada no evangelho de Lucas, no de João se intensifica. É verdade que João nada diz sobre a instituição do pão e do vinho, mas na descrição do lava-pés e da ceia do Passah, aqui salientados em seus detalhes, enquanto nos outros três evangelhos não são mencionados, estão entretecidos os anúncios da traição e da negação. Depois, antes de serem relatadas a saída exterior e a ida para Getsemane, o evangelho de João nos conduz por três capítulos ao longo dos assim chamados grandes discursos de despedida, que culminam com a oração. Por causa disso, o anúncio da negação dirigido a Pedro, que em Mateus e Marcos é feito no caminho para Getsemane e em Lucas, no interior do cenáculo, recua um grande passo para o interior.
O evangelho de João é o que menos deixa perceber o deslocamento do nível de consciência provocado pelo estado de enlevo. O transcurso Físico dos acontecimentos nele é mais nitidamente constatável, o que significa que as palavras e os fatos são por ele apreendidos com a consciência desperta e racional, enquanto nos outros discípulos, e depois também nos três evangelistas, provocam um estado de enlevo.
Tanto mais emocionante é reconhecermos como, no evangelho de João, o tema da saída ainda ressurge mais uma vez de maneira significativa: no início do 18º capítulo, antes das palavras “e quando Jesus acabou de falar assim, saiu com os discípulos” já lemos, em meio aos discursos de despedida, no final do 14° capítulo: “Levantai-vos e partamos deste local” ou, na tradução de Rudolf Steiner: “Se vós também estais preparados, podemos tranquilamente deixar este local”. Se esta frase de Jesus não for desprezada como insignificante, veremos que ela é capaz de despertar a seguinte concepção: os três últimos capítulos dos discursos de despedida em João teriam sido falados enquanto Jesus e os discípulos já se levantavam da mesa preparando-se para sair da casa. A maior parte dos discursos de despedida seria, portanto, pronunciada na soleira da porta. Não poderíamos ter uma descrição mais explícita da saída interior que precedeu a saída física, do que esta do final do 14º capítulo do evangelho de João. Os discursos de despedida ressoam da alma do Cristo que já começou a desligar-se do corpo; e nas almas dos discípulos, enlevados pelo medo e pelo susto, só é captado, desses discursos, um reflexo relampejante ainda registrado de certa forma em Lucas, mas ausente na descrição sumária, puramente exterior, de Mateus e Marcos. Somente na alma de João que, desde a recente ressurreição do Lázaro, habita dois mundos, é capaz de manter o equilíbrio entre o enlevo do Cristo e o enlevo dos discípulos. Ele acompanha, compreendendo, a alma do Cristo que se revela ao desligar-se sem ser arrastado para o enlevo sombrio, escorpiônico, dos outros discípulos e, por isso, é capaz de captar as palavras sagradas daquela instrução na Santa Ceia.
Emil Bock
Os acontecimentos da Semana Santa:
CORRESPONDÊNCIAS COM A ÉPOCA ATUAL
O drama da Semana Santa, com sua graduação planetária, possui significado em qualquer tempo. Em momentos cruciais de transformação na história da humanidade este drama adquire importância atual em todos os seus detalhes. O que sucedeu em Jerusalém, historicamente, torna-se transparente para as arqui-imagens de validade eterna fundamental. Épocas inteiras podem reconhecer-se (no espelho desse drama). É o que sucede nos temporais apocalípticos da nossa época. Estamos atravessando uma Semana Santa em grande estilo.
A excitação e as comoções que agitam os povos, tanto as guerras quanto as que são sentidas apenas no íntimo das almas, têm sua origem apenas aparentemente no plano físico. Em realidade, elas nascem pelo ingresso poderoso, na existência terrena, de forças e entidades supra-sensíveis. A nova vinda do Cristo é como uma grande e cósmica entrada em Jerusalém. A humanidade sente em surdina o advento ruidoso do mundo espiritual. Nos brados de guerra e de paz da atualidade traduzem-se, misturados, os “hosanas” e os “crucifique-o”. No entanto, estando as almas aprisionadas pelos hábitos materialistas, o grito de ódio prevalece amplamente sobre o canto de louvor.
Nitidamente revela-se ao nosso redor a lei da segunda-feira santa. A vida espiritual tradicional entra em crise. Não vemos acaso tanta coisa que ainda há pouco parecia em plena flor e alta estima agora com o aspecto de uma árvore seca? Muitos templos estão ruindo e só permanece o que é autêntico. Implacavelmente o sol do destino expõe à luz do dia o que está obsoleto ou degenerado.
As forças marcianas acendem os fachos do Apocalipse. Quem consegue penetrar além da superfície dos fenômenos, reconhece que, por trás das lutas externas são travadas lutas espirituais. A luta da luz contra as trevas é travada por sobre as cabeças dos homens e na terra existe um grande perigo: que mesmo aqueles que, se estivessem suficientemente acordados poderiam lutar pela luz, desertam também para o lado das trevas. No obstante, um pequeno grupo a serviço do sol espiritual pode ser vitorioso. A estes será dada como outrora aos discípulos no Monte das Oliveiras – o eco espiritual de seus esforços, a visão apocalíptica através da qual poderão reconhecer o de suas árduas lutas e sofrimentos.
Cada vez mais inequivocamente os homens são colocados diante de decisões íntimas: ou encontram o caminho que leva à atitude sacramental da plenitude anímica ou sofrerão a maldição da inquietude, da angústia, do nervosismo, que os precipitará no abismo da loucura. Devem escolher entre Maria Madalena e Judas.
Sob o peso do destino não existe quase mais ninguém que, ao menos por instantes, não tenha estado perto do mistério da quinta-feira santa, com sua luz de esperança para o futuro. A questão é apenas se a consciência se mantém firme, se desperta como a de João, se submerge no torpor do sono getsemânico, como Pedro, que renegou o Senhor, ou se até mesmo sucumbe ao demônio como a do Judas, que o traiu.
O verdadeiro mistério de nossa época consiste na renovada presença do Cristo entre os homens. É possível perseguir as igrejas cristãs, exterminar o Cristianismo; o Cristo, ele próprio, pode apenas ser novamente flagelado, coroado de espinhos e crucificado. Isto acontece não só por parte dos adversários como também por parte dos próprios cristãos. Não surpreende que sol se cubra e os elementos se enfureçam. A ira de Deus flagela o mundo com o castigo de tempestades. Não obstante, o aspecto oculto, interior, de tudo isto é o infinito amor divino. O Cristo que é, ele próprio, o amor cósmico, morre mais uma vez para penetrar nesta terra, para salvação também daqueles que o perseguem e o crucificam.
Finalmente, toda a humanidade está esperando diante de um sepulcro. Começa a atual lei do sábado da Aleluia. As massas rochosas que mantêm sepultado o Cristo e, com ele a verdadeira imagem do homem, incluem não só as fabricas e os supermercados, mas também as igrejas. Tudo o que existe de enrijecido entre os homens é o próprio sepulcro rochoso. Encontramo-nos na véspera de uma manhã pascal ou terão sido em vão todas as provações e os sofrimentos? Poder-se-ia pensar que a humanidade, em meio às catástrofes que ela própria provocou, esteja mais afastada do que nunca do mistério Ressurreição. Entretanto, naquela época também houve terremotos até na madrugada do domingo de Páscoa e, portanto, podemos esperar que nos tremores da terra e da alma que abalam nossa época também esteja o Anjo do Senhor, que afastará a pedra do sepulcro.
Emil Bock
Os acontecimentos da Semana Santa:
SÁBADO DE ALELUIA
Estamos diante do sepulcro de José de Arimatéia, no qual foi deitado o corpo do Crucificado. A atmosfera está pesada como chumbo, saturnina. Realiza-se o sentido do dia de Saturno. Sempre já fora a essência do dia de Saturno, que os fiéis da Velha Liga, obedecendo à rígida lei, se entregavam ao silêncio dos túmulos: hoje é o sábado dos sábados. Mas nos ocupa uma pergunta ansiosa. E como se um lutador tivesse penetrado em uma gruta escura a fim de subjugar no interior um monstro, um dragão. Voltará ele vitorioso?
No dia anterior, nas trevas do meio-dia, quando o Cristo inclinou a cabeça e morreu, rasgou-se a cortina no templo. Isto foi mais do que um efeito natural do terremoto. Abre-se a visão do aspecto interior do mundo. Apenas a noite ainda nos impede de ver. Mas, da escuridão saturnina desprendem-se imagens. Tênues luzes iluminam os arredores do sepulcro e clareiam o terreno em parábolas do supra-terreno.
Reúnem-se imagens que já foram vistas nas últimas estações da via do mistério. Mesa e Cruz resumem como arqui-imagens aquilo que aconteceu nos dois últimos dias. Adiciona-se como terceira arqui-imagem a do sepulcro. É como se a atmosfera templária do Santíssimo, ante o qual rasgou a cortina, se ampliasse, se estendesse ao nosso mundo.
Desde os primeiros tempos, os sepulcros foram, ao mesmo tempo, os altares dos homens. Todo culto divino originou-se no culto aos mortos. Os homens da terra iam aos túmulos quando queriam comunicar-se com os deuses. As almas dos mortos eram mediadoras entre os homens e os deuses. Como as almas dos mortos podiam ser encontradas perto dos túmulos, ali também encontravam-se os outros habitantes do mundo espiritual. Assim era em passado muito remoto, quando a morte ainda era irmã do sono e ainda não detinha o poder de aterrorizar de tal modo os homens como atualmente. Os homens, durante sua vida terrena, ainda não estavam tão desesperadamente presos à matéria do corpo terreno e, por isso, também não se separavam tão definitivamente do plano terreno após a morte. Havia ainda entre o mundo terreno e o espiritual um intercâmbio semelhante à inspiração e expiração. As almas dos mortos podiam reunir-se à beira dos túmulos com os que deixaram na terra. A imortalidade, a presença das almas que viveram na terra, ainda era perfeitamente sentida e não era posta em dúvida. Era o ar que os homens respiravam e do qual se asseguravam especialmente ao visitarem os túmulos e ao construírem sobre estes os seus templos.
No decorrer dos séculos, os homens se encarnaram cada vez mais profundamente. Quanto mais se ligavam a matéria terrena, tanto mais perdiam, para a vida post-mortem, a possibilidade de permanecerem ligados à terra. Durante a vida na terra ficavam presos à matéria, após a morte ficavam presos a uma esfera de sombras, de onde lhes era difícil aproximar-se dos homens na terra. A Fenda entre a terra e o além se alargava cada vez mais, era cada vez mais intransponível. A esfera da vida após a morte transformou-se em prisão, como dizem as epístolas de Pedro no Novo Testamento. A humanidade corria o risco de perder a verdadeira imortalidade, a consciência que sobrevive à morte. Um encanto entorpecente se apoderou do reino dos mortos.
Quando os egípcios mumificavam seus mortos e oravam nas proximidades dos corpos embalsamados, apenas tentavam forçar a conservação do estado antigo, tentavam prender as almas aos restos cadavéricos, apesar da intransponibilidade cada vez maior daquele abismo. Mas não era possível evitar a fatalidade. Cada vez mais se instalou, nos séculos pré-cristãos, o terror diante do mundo dos mortos. O estremecer diante da esfera dos mortos preenchia o mundo grego. No Velho Testamento desaparece totalmente a idéia da imortalidade. Formou-se uma corrente religiosa isenta da certeza da imortalidade. A crença de que a vida se prolonga somente nos descendentes substitui a idéia da imortalidade.
Não obstante, nos séculos pré-cristãos as almas ainda não estavam tão presas ao corpo como atualmente. Em conseqüência, os homens que viviam na terra sentiam claramente a trágica fatalidade da morte. Um peso oprimia a humanidade. Ainda se visitavam os túmulos, mas as almas dos mortos não vinham mais e os deuses permaneciam ausentes dos altares. O sentimento asfixiante da época pré-cristã era devido muito menos à miséria material do que à miséria interior. A terra transformou-se em deserto que há muito tempo não recebia chuva. A morte, outrora irmã do sono, transformou-se em terror da humanidade. É este o fundo emocional da esperança cada vez mais ardente pela vinda do Messias, esperança que atravessa todos os povos da era pré-cristã.
Estamos agora entre a sexta-feira santa e a Páscoa. O corpo foi tirado da cruz e depositado no sepulcro. A humanidade não o percebeu, mas, misteriosamente, arqui-imagens, pensamentos divinos se entretecem aos acontecimentos. A Providência fez com que cruz e sepulcro se situassem em um local que há milênios já fora vivenciado como um ponto central da terra. Entre Gólgota, a colina rochosa que se prolonga na massa rochosa lunar da montanha do templo, e o sepulcro, cujos arredores formam o início da paisagem cultivada do Monte Sion, havia outrora uma fenda primária na superfície terrestre. (Ver “Koenige und Propheten”, pág. 58 e ss. e “Caesaren und Apostel” pag. 193 e ss). A antiga humanidade via nesse terrível abismo o túmulo de Adão. Foi aí que, pela primeira vez, a morte desceu sobre a humanidade. E, deste modo, desde os tempos mais remotos, esta fenda, que corta em duas a face da cidade de Jerusalém, esteve ligada à idéia de ser esta a porta do Inferno. Neste local foi erguida ontem a cruz e está hoje o sepulcro.
Ao tentarmos assim penetrar no aspecto interior dos acontecimentos, parece-nos que mais uma vez é rasgada uma cortina, diante de outra esfera: o reino noturno dos mortos abre-se diante de nós, a esfera mais sagrada (o Santíssimo) na qual vivem as almas dos mortos que, no entanto, estão magicamente presas pelas forças da morte. Encontramos, então, uma luz inesperada na escuridão saturnina da esfera dos mortos. Agora existe ali alguém que não está dominado pela força mágica da morte e é livre de todo torpor. Ele atravessa a morte carregando a plena luz solar do seu gênio. E, desta maneira, enquanto na terra reina o escuro sábado sepulcral, nasce o sol no reino dos mortos. É este o sentido da descida do Cristo ao inferno. No reino dos mortos nasce um reluzir de esperança. Afrouxa-se a força mágica da morte, porque a visão se abre sobre uma futura vitória da alma humana sobre o espectro terrível do reino dos mortos. Quando na terra ainda era sábado, no reino dos mortos já era Páscoa. Antes que os homens da terra percebessem algo da Páscoa, já a perceberam os mortos.
Como haverá de prosseguir o drama? Ainda não está decidida a questão se haverá Páscoa também no mundo da corporeidade terrena. Ocorrerá também no campo material a vitória sobre a morte? Vitória que já brilha no reino das almas?
A terra moribunda, arriscada a perder totalmente a conexão com o céu, recebeu um remédio. Recebeu corpo e sangue do Cristo. Foram estas as primeiras partes da matéria terrestre totalmente impregnadas pelo espírito. São elas o germe de uma nova matéria transiluminada pelo espírito. O ser espiritual-anímico do Cristo acompanhou o corpo depositado no sepulcro de José de Arimatéia como acompanhara o sangue cujas gotas molharam o Monte do Gólgota. Pela primeira vez ficou sem efeito o exílio para o além, pela morte.
Encontramo-nos em um ponto crucial da Providência. Todo o universo participa diretamente daquilo que acontece na cruz e no sepulcro. A comunhão através da qual a própria terra absorve o remédio cósmico cresce incomensuravelmente. Já na sexta-feira santa, no momento da morte do Cristo, iniciam-se os terremotos, o último dos quais ainda faz estremecer a manhã da Páscoa. Durante o sábado não cessaram totalmente, embora as forças na natureza talvez se adaptassem ao silêncio sepulcral adequado ao dia. Embora possa ofender o cômodo raciocínio terreno, Faz parte dos pontos culminantes cósmicos do drama do mistério do Gólgota aquilo que Rudolf Steiner transmitiu, como resultado da pesquisa espiritual, mas que pode ser comprovado também a partir do conhecimento dos segredos que repousam no solo de Jerusalém: reabriu a fenda original do Gólgota, que fora aterrada por Salomão. E, assim, a terra inteira se transformou em sepulcro do Cristo. A terra aceitou a hóstia que lhe foi oferecida, até mesmo fisicamente a aceitou em toda a profundeza. Ao pronunciarmos, com as palavras da nossa religião, os acontecimentos do sábado de Aleluia: “Ele foi enterrado no sepulcro da terra”, tocamos de leve o aspecto cósmico do mistério do Gólgota. Novalis sabia disto e expressou poeticamente que, quem ofereceu à terra o medicamente cósmico, não foi outro senão o próprio Cristo. O corpo do Cristo foi aparentemente sepultado por mãos humanas. Em verdade, ele se entregou livremente após a morte para a cura de toda a terra:
“…Como Ele, movido somente pelo amor
Se nos entregou totalmente.
E se deitou no seio da terra
Como pedra fundamental de uma Cidade de Deus”.
A comunhão cósmica do nosso planeta terreno ocorre na sexta-feira santa e no sábado da Aleluia, antes mesmo da vitória pascal completa. Eis porque o corpo fisicamente real e o sangue fisicamente real do homem Jesus de Nazaré foi o medicamento que a terra recebeu. O fluxo sacramental que daí se derrama pela humanidade parte da Páscoa. Foi o erro do culto de relíquia medieval, nada mais do que uma relíquia de hábitos e crenças pré-cristãs, que induziu os homens a pensarem que sua vida cultural-sacramental dependia de restos físicos do corpo de Cristo. Os portadores do culto da Cristandade, tanto o catolicismo ocidental quanto o oriental, mantiveram com razão o velho princípio de construir os altares sempre em forma de túmulo. Mas foi um erro ater-se à prescrição de que no altar deveria haver sempre uma relíquia, fosse da própria vida terrena do Cristo, fosse de um santo a ele ligado. Esta ordem foi um retorno a tempos pré-cristãos em que só se podia cultivar a relação como mundo espiritual à beira dos túmulos, onde repousavam os restos terrenos dos mortos. A refutação de todo culto de relíquias é o Sepulcro Vazio. O sepulcro de José de Arimatéia não continha resto algum do corpo de Cristo quando na manhã da Páscoa Pedro e João desceram na fenda escura.
O sepulcro vazio significa: Não olheis para o homem Jesus! Não estais diante do sepulcro de um grande e santo homem. Olhai para o Cristo! Ele é uma entidade cósmico-divina. Seu túmulo não é o sepulcro de José de Arimatéia, mas toda a terra. As verdadeiras relíquias não são quaisquer restos dos acontecimentos físicos, pois estes só poderiam captar o estado pré-pascal dos fatos do Gólgota. O significado da vitória pascal é que, doravante, o corpo espiritual do Cristo, tecido de luz, poderá reluzir em tudo o que é terreno. Pão e vinho, sendo o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue do Cristo, são o medicamento da nova vida conquistada através da vitória pascal. Neles, a homeopatia espiritual atravessa o mundo, tendo como portadores os homens ligados ao Cristo. A sabedoria do Cristianismo original em torno deste mistério, expresso, por exemplo, por Inácio de Antióquia, pode ser reconquistada em nossa época através do pensamento claro treinado pelas Ciências Naturais: pão e vinho são os medicamentos da imortalidade.
Os altares do sacramento renovado também têm a forma de um túmulo. E, quando as paróquias se reúnem em torno dos altares, sempre está presente o princípio do sábado da Aleluia. Somos os que esperam diante do santo túmulo. Sabemos que nosso altar não precisa abrigar relíquias. O medicamento está presente quando o Cristo está presente, no pão e no vinho. As arqui-imagens da mesa e do túmulo se interpenetram. E à mesa do Senhor podem novamente estar presentes os nossos mortos. Aqueles que atravessam a morte após terem se ligado intimamente em vida ao novo sacramento indubitavelmente saberão achar este Santo Sepulcro, mais facilmente até do que achar seus próprios túmulos. As almas não mantêm mais relação intensiva com os corpos de que se despojaram. Mas, quando nos reunimos em torno do altar, eles podem estar conosco e assim reforçar nosso relacionamento com o mundo espiritual. Os novos altares circundam-se com a mesma trama de arqui-imagens que envolvia o sepulcro nas redondezas das plantações do Monte Sion. Está sanado, aqui, o abismo entre este e aquele mundo e, invisivelmente, floresce o jardim pascal onde nossa alma, como Maria Madalena, pôde ver o Ressurreto como jardineiro de um novo mundo. De dentro para fora a escuridão saturnina é iluminada pelo sol pascal.
Emil Bock
Os acontecimentos da Semana Santa:
SEXTA-FEIRA SANTA
À medida que a Semana do Silêncio realmente desemboca em silêncio, a atitude de Jesus parece modificar-se. A volição combativa e cintilante não aparece mais como antes. Quando, entre a meia-noite e a aurora, os encarregados vêm prender aquele que Judas beijaria, ele não se defende. Pelo contrário, impede Pedro de defendê-lo. Vemo-lo assim, agarrado por mãos brutas, arrastado de um lado a outro da cidade, aparentemente incapaz de escapar à crueldade dos que o flagelam, lhe colocam espinhos na testa, cospem e batem no seu rosto. O espectador é tomado da mais profunda emoção e tristeza quando, finalmente, os carrascos dão ao exausto a pesada cruz para carregar e depois o fixam à cruz com pregos. Onde ficou a força combativa que ainda nos primeiros dias desta semana o envolvia como em relâmpagos e centelhas? Abandonou ele a luta diante da cegueira e maldade dos homens?
Apenas em aparência exterior a atitude combativa e heróica foi substituída por uma aceitação passiva do destino. Os homens não estão maltratando e crucificando apenas um homem. Nas cenas da Paixão esconde-se o destino de um Deus: a luta que nos dias precedentes era travada por meios humanos continua agora em esfera oculta. Ao abrigo de olhares externos, esta luta assume agora dimensões muito mais poderosas. O Cristo não luta com carne e sangue, mas com os poderes invisíveis dos adversários, de cuja tirania ele quer libertar a humanidade. Luta contra as potências luciféricas, contra os seres ardentes da luz enganadora que tentam alienar o homem da terra. Mas luta também contra os poderes arimânicos que contraem, enrijecem o homem e querem prendê-lo à matéria morta. Se adquirirmos a faculdade da visão capaz de ver além do primeiro plano das cenas da Paixão, então veremos como o Cristo luta vitoriosamente, primeiro contra as potências luciféricas, depois contra as potências arimânicas. No domingo de Ramos fora uma atividade da espiritualidade luciférica que desencadeara nos homens os gritos de “hosana”, uma pseudo-espiritualidade irresponsável, inútil. Vimos como o Cristo recusou e despediu na segunda-feira esta antiga espiritualidade que se tornara luciférica. Na terça-feira vemo-lo entrar em outra arena de luta: na camada do intelecto esperto e astuto, sobre o qual ele lança suas palavras com grande força espiritual. Os questionadores que pretendem preparar-lhe uma cilada representam a fria astúcia e esperteza arimânica. Vemos como ele começa a enfrentar esses outros adversários mais obscuros.
Mas o poder arimânico age, mais do que na esfera humana, na esfera da matéria. Age em campo oculto. E se, aparentemente, o Cristo entrega as armas no decorrer do drama da Paixão, em realidade ele apenas persegue o poder arimânico em suas camadas ocultas para aí subjugá-lo.
O poder que Ariman possui sobre os homens se torna mais evidente e triunfante quando ele se aproxima do homem sob a forma da morte. No decorrer da evolução da humanidade, até o final da Antiguidade, a morte, inicialmente, um amigo paternal do homem, cada vez mais assumira os traços do Ariman. A fatalidade que paira sobre o homem, o fato de ser ele mortal, foi aproveitado pelo sinistro espírito, que dela fez sua mais contundente arma em sua luta contra a humanidade. O poder que a morte detém sobre nós não consiste unicamente no fato de termos que morrer, porém revela-se mais ainda depois da morte. Então, deve revelar-se a nós, após entregarmos nosso corpo terreno, ainda podemos continuar ligados àquilo que acontece na terra com aqueles aos quais nos relacionamos, dos quais fazemos parte. O poder total da morte reside nesta faculdade de nos arrancar ao terreno e nos lançar em uma vida no além sem relação alguma ou ponte que a ligue à vida na terra. O poder mortal de Ariman burla o homem. Durante a vida terrena o liga ao mundo da matéria, promete-lhe todas as realizações terrenas para não mais cumprir a promessas após a morte. Quanto mais terreno ou materialista o homem é durante a vida, tanto mais inexorável será em seu exílio no além. Somente aqueles que já se firmaram no espiritual durante a vida poderão continuar agindo sobre a vida na terra após a morte e continuar auxiliando aqueles que ainda permanecem na terra. Nós só possuímos, após a morte, tanto poder espiritual sobre a matéria quanto adquirimos na terra durante a vida.
Tocamos assim a esfera na qual o Cristo, ao prosseguir-se o drama da Paixão, continua a luta. Ele avança tanto mais potente nesta esfera quanto mais a aparência exterior sugere que ele se entrega passivamente aos que o capturaram. Ele não se defende contra os homens, não quer evitar exteriormente o sofrimento e a morte. Não se contenta apenas em defender-se, mas conquista uma vitória após outra sobre o poder arimânico-satânico que a morte quer ter sobre a essência interior do ser humano.
Quando o Cristo, no cenáculo, na quinta-feira santa, oferece aos discípulos a Santa Ceia, aparentemente não há luta. No entanto, quão maravilhosa vitória sobre o espírito da gravidade e da matéria inerte! O Cristo acompanha o pão e o vinho que sucumbiram às forças materiais terrenas e os torna luminosos pela força solar do seu coração. Arranca a criatura terrena às forças tenebrosas e a transforma em corpo e sangue da sua essência da luz.
Adivinhamos: se agora, ainda encarnado, ele é capaz de animar (conferir alma) aos elementos da terra, a ponto de torná-los luminosos, ele poderá fazer o mesmo, e mais, após morrer na cruz. Em Getsemane, a luta contra o poder mortal entra em uma fase decisiva. Aqui, no tranqüilo Horto das Oliveiras, onde tantas vezes se detivera com seus discípulos para ensinamentos intimos*, ele tem que enfrentar – na mais extrema solidão – o mais perigoso ataque do adversário. O milagre da comunidade que ele acabara de oferecer no cenáculo para o bem do futuro da humanidade não vai ajudá-lo em nada. A consciência dos discípulos não está à altura do acontecimento. Judas desaparece nas trevas da traição, mas os outros também o abandonam, caindo nas trevas do sono de Getsemane, a partir do qual Pedro o negará.
O Cristo não tem que lutar contra uma fraqueza interna ou contra o medo da morte. Nada mais trágico do que interpretarmos a Paixão do Cristo como se Jesus, em Getsemane, tivesse orado para ser poupado da morte. Não é o medo da morte que o ataca, é a própria morte. A força da morte, já temerosa de perdê-lo do seu controle, se aproxima e ergue a mão contra ele. O Anjo Exterminador quer agarrá-lo. O mistério da lula no Getsemane reside no fato de a morte querer enganá-lo. Ela o quer antes da hora, antes que ele tenha completado sua missão, antes que seu espírito tenha impregnado totalmente a terra. Quer arrancá-lo para se apoderar ao menos de uma parte do seu ser.
*Do primeiro ao terceiro evangelho notamos uma progressiva revelação do mistério de Getsemane. Os dois primeiros evangelhos dizem apenas: “Jesus chegou com os discípulos a um horto chamado Getsemane”. Temos, inicialmente, a impressão de que se trata de um sítio qualquer, estranho. Em Lucas o tema já toma outra direção: “Subiu, conforme seu costume, ao Monte das Oliveiras, e os discípulos o seguiram”. É um lugar onde Jesus se detivera muitas vezes. O evangelho de João, enfim, traz a plena revelação: “Saiu, então, com os discípulos atravessando o rio Kedron. Havia ali um horto. Nele, Jesus entrou com os discípulos, mas Judas, que o traiu, também conhecia o lugar, porque Jesus muitas vezes ali se reunia com eles”. Getsemane é, portanto, um lugar de instrução esotérica aos discípulos. O Horto das Oliveiras se estendia até o alto do Monte das Oliveiras. Foi também o cenário do Apocalipse do Monte das Oliveiras na noite de terça-feira.
Durante três anos ardera em seu corpo e em sua alma o fogo solar do Eu divino. Os invólucros, sob este fogo interno, já estão perto de se incinerarem. O que resta ainda a assumir e a completar exigirá, também do lado físico, tanta força que surge o perigo da morte precoce. O poder arimânico, na tocaia, quer se aproveitar deste momento. Lucas, o médico, descreve exatamente o que ocorre; o errôneo sentido antropomórfico dado à cena é devido unicamente às traduções correntes. Onde a Bíblia de Lutero diz: “Aconteceu então que ele lutou com a morte e orou com maior intimidade”, o texto literalmente é: “ao entrar em agonia”. Portanto, em sentido medico-técnico, já começou a agonia, a luta final. Lucas diz ainda: “Dele derramavam-se gotas de suor com sangue”, definindo assim o exato sintoma da agonia.
O Cristo permanece vitorioso. Repele a morte. Ainda não chegou a hora. Com a mais potente força de oração jamais desenvolvida na terra, ele luta por ainda ficar no corpo. São ainda um eco desta luta as palavras que ele dirá na cruz: “Tenho sede”, aparentemente revelando uma fraqueza. Até o momento imediatamente anterior à expiração final, ele permanece fiel ao terreno. É neste fato que residirá sua vitória sobre a morte. Ele penetra ainda mais profundamente no mundo material terreno que porta em si pela corporeidade física. Ainda há um resto a cumprir. Não quer entregá-lo ao príncipe deste mundo, que já acredita ser a esfera material sua posse inalienável. Finalmente, é o próprio Judas que o aborda para lhe dar o beijo da traição, ajudando-o a repelir, com o perigo da morte precoce, o poder satânico.
Os outros discípulos que se mantiveram fiéis ao Cristo, em realidade o abandonam. O traidor vem ajudá-lo, socorrê-lo, sem saber o que está fazendo.
O cenário do drama volta novamente ao contexto humano. A manhã da sexta-feira traz um encontro do Cristo com toda a humanidade, representada pelas três figuras de Kaifás, Pilatos e Herodes. Em seguida, a via leva ao Monte do Gólgota: vemos os mercenários baterem os pregos através de mãos e pés do Cristo e, aparentemente, ele tudo aceita, aparentemente se entregou à extrema passividade. Em realidade, sua essência interior adquiriu através da mais amarga dor, o supremo poder do espírito sobre a matéria, de modo que o mundo da morte em nada mais pode afetá-lo. Os poderes arimânicos, as forças da morte sentem este fato. Entram em cena com suas últimas reservas, rugindo de raiva, bufando de ira porque falhou seu poder. Quando o sol escurece durante horas ao meio-dia da sexta-feira, parece que o demônio solar já foi mobiliado contra o deus do sol. E quando treme a terra, todos os demônios da terra parecem estar atacando para conseguir a vitória da força satânica da morte. O Anticristo move os elementos da terra e até mesmo as forças do céu. Mas o Cristo passa, sem se alterar, ao lado da força da morte.
A morte nada pode roubar à soberania de seu espírito, ao seu poder total sobre toda a essência terrestre. Os poderes cósmicos que levantam na hora do Gólgota estão em acordo com sua vontade. Ele disse aos que o prenderam em Getsemane: “Chegou agora a vossa hora. Agora as trevas têm a palavra”. (Lucas, 22, 53). Ao escurecer-se o sol, nada mais acontece além daquilo para o que o próprio Cristo dera o sinal.
Em meio à escuridão do Gólgota, revelou-se um mistério que podemos agora, cautelosamente, insinuar. O corpo na cruz começou a emitir luz. Se em muitas regiões, nos campos e nos caminhos, encontramos crucifixos negros com um Cristo dourado, podemos ver nesta tradição popular e ingênua um importante mistério da sexta-feira santa. Um secreto brilho solar quebrou a terrível escuridão do meio-dia. Revelou-se o sol do Cristo ao obscurecer-se o sol exterior. Um raio pascal já brilhou em plena escuridão da sexta-feira santa.
A última das sete palavras pronunciadas na cruz: “Está consumado” não significa que acabou o sofrimento, significa que agora a vitória total sobre o poder da morte foi conquistada. Enquanto normalmente a morte, após burlar o homem durante toda a vida com a matéria terrena, o lança ao além e o condena ao exílio, o Cristo, ao morrer, dirige-se diretamente à terra. O sangue flui de suas feridas e a alma o acompanha. Normalmente, quando um homem perde seu sangue, sangue e alma seguem caminhos opostos. Aqui a alma acompanha o sangue. E, em seguida, o corpo é sepultado. Normalmente, quando o corpo é sepultado, corpo e alma seguem caminhos diversos. Aqui a alma segue o mesmo caminho em direção à terra. É este o grande sacrifício cósmico de amor que o Cristo pode dedicar para toda a existência terrestre, porque a morte é incapaz de impedi-lo. A terra recebe corpo e sangue do Cristo. Recebe a grande comunhão, porque a morte não tem poder sobre aquele que morre na cruz. E assim incorporou-se a toda existência terrena um fermento, o remédio da trans-espiritualização de toda existência terrena material.
Durante três dias ainda persiste o efeito (Bann) da morte. De modo semelhante ao que acontece após a morte de qualquer homem, durante três dias ocorre uma certa parada sagrada do destino. Três dias após a morte física, a morte ainda uma vez mais adquire um poder implacável sobre o ser humano. Após ter afastado dele o corpo terreno, a morte separa agora também o corpo vital, o corpo etéreo, e o espalha pelo cosmo. O reluzir do corpo na cruz descortina a visão pascal: o poder da morte não será capaz, no terceiro dia, de dissolver o corpo etéreo do Cristo. Pelo poder que o Cristo detém sobre seu próprio ser, este manto etéreo não se afastará da terra, substanciar-se-á, de modo que o Cristo poderá ainda mais ligar-se a tudo o que é da terra. Em sua corporeidade espiritual, o Cristo permanece perto dos homens, como ele mesmo profetizou: “Eis que ficarei convosco todos os dias até o fim dos tempos terrestres”.
Através de uma força o Cristo obteve a vitória sobre a morte: a força do amor cósmico que nele se fez homem. Pilatos pôde dizer daquele que viu marcado pelos flagelos, coroado com espinhos e ironizado com o manto de púrpura: “Este é o Homem!”. Quanto mais nós podemos dizer: o que está na cruz e abre seus braços a fim de praticar na morte o grande ato de amor que tudo transforma é a verdadeira e mais sagrada imagem da essência do homem. Foi o que Christian Morgenstern cunhou em palavras poéticas:
Eu vi o HOMEM em sua forma mais profunda
Conheço o mundo até em seu fundamento
Sei que amor, amor é seu mais profundo sentido
E que existo para amar cada vez mais.
Abro os braços como ELE fez
Quero, como ELE, abraçar o mundo inteiro.
Emil Bock
Os acontecimentos da Semana Santa:
QUINTA-FEIRA SANTA
Duas vezes por ano uma quinta-feira se destaca com uma luz singularmente festiva no decurso do ano: o dia que precede a sexta-feira santa e o dia da Ascensão. Embora pertencente à semana mais séria do ano, a quinta-feira santa se relaciona misteriosamente com a outra quinta-feira, seis semanas mais tarde, quando toda a natureza primaveril já se desenvolveu em luz e perfume emitidos pelas flores. Não seria a quinta-feira santa ocultamente uma segunda véspera de Natal? Sua luz misteriosa é a do crepúsculo que precede as trevas da sexta-feira santa, mas é também, mais ainda, a aurora da Páscoa.
Após ultrapassarmos o meio da semana santa, após os três primeiros dias repletos com a ruidosa e dramática luta com o ambiente, incompatível com o Cristo, desce o silêncio. Na noite da quinta-feira santa penetramos na esfera do silêncio sagrado. De repente, o barulho cede ao silêncio. De dia, os ruídos do povo em movimento nas ruas, milhares de peregrinos a comprar e a discutir atingiram seu auge.
Depois, pouco antes do ocaso do sol, esfera purpúrea, e enquanto nascia do outro lado, a enorme lua cheia prateada, as trombetas do templo deram o sinal para o início dos preparativos. Inicia-se a noite do Passah durante a qual os fiéis da Velha Liga se preparam para o sábado de Passah que se iniciará na noite seguinte. Cessa o barulho retumbante. Nas casas logo se reúnem os parentes ao redor das mesas a fim de comerem o cordeiro pascal. As ruas ficam subitamente vazias. Desce um silêncio oprimente. É a magia da noite de Passah, na qual circula, como outrora no Egito, o Anjo Exterminador.
Jesus com seus discípulos também se retira para a sala onde terão a ceia do Passah. Os destinos querem que o silêncio desta sala seja múltiplo, já que ela se encontra em uma casa que não é uma habitação privada, mas serve de convento a um círculo sagrado dos esseus. A ordem dos esseus tem ai sua sede em local sagrado e antiqüíssimo, no Monte Sion, onde há milênios, antes da história da Velha Liga ler o seu centro neste lugar, já existia um antiqüíssimo santuário da humanidade. Em local muito antigo e sagrado encontra-se o cenáculo que os irmãos esseus deixam à disposição de Jesus e seus discípulos para a véspera do Passah.
Diretamente em frente também em uma localização tradicional e antiqüíssima, encontra-se a casa de Kaifas, casa-matriz da ordem dos saduceus. Lá também se reúne um grupo para comemorar o Passah. São os inimigos cheios de ódio, quase incapazes de pensar na festa vindoura, pois estão sendo movidos por um plano de ódio e inimizade. Forçosamente, a luta está suspensa.
É preciso aguardar até depois da hora sagrada. E os num inimigos, eles próprios ordenam: “Procurem agarrá-lo, mas não antes da festa. Na sala onde estão reunidos Jesus e seus discípulos, cumpre-se o 23° salmo: “Preparas diante de mim uma mesa, à vista de meus inimigos”. Desceu o silêncio, é verdade, mas a fatalidade sombria da noite de Passah se incorpora nos espectros noturnos daqueles outros comensais, na casa vizinha.
O que há sobre a mesa ao redor da qual se instalaram Jesus e os discípulos? Este grupo também obedece à velha lei e cumpre a tradição. Foi preparado o cordeiro pascal. Jesus se prepara com os discípulos a comê-lo, recordando devotamente o sacrifício do cordeiro que, na época de Moisés, fora o sinal pelo qual o povo judeu foi libertado da escravidão.
Mas o cordeiro pascal na mesa deste Cenáculo adquire um sentido modificado. A mesa está sentado aquele do qual João Batista pôde dizer: “Eis o cordeiro de Deus, que assume (carrega) os pecados do mundo”. Em nenhum outro lugar àquela hora, nem antes, nem depois, o cordeiro pascal esteve tão próximo daquele que simboliza. Através de milênios a ceia do cordeiro pascal foi um costume profético. Agora, eis que a profecia se cumpre, logo o apóstolo Paulo poderá dizer: “Nós também temos um cordeiro pascal. É o Cristo que se sacrifica por nós”. (1º Cor. 5,7)! No Cenáculo encontram-se a profecia e seu cumprimento. A sala está cheia de pesado pressentimento. Pesam no ar a separação e a tragédia. O sacrifício do Cristo já lança antecipadamente sua sombra. O consciente dos discípulos passa por uma dura prova.
Através do cordeiro pascal sobre a mesa, esta cena inclui a reminiscência dos antigos sacrifícios sangrentos; atua a magia do sangue, que é o sentido de todos os sacrifícios sangrentos da época pré-cristã. O sentido dos antigos sacrifícios residia no seguinte fato: o fluxo do sangue fresco de animais sacrificais puros possuía a força de induzir as almas humanas – ainda não tão ligadas o corpo – em alienação extática, de modo que forças divinas do além podiam refletir-se nas condições humanas.
No Cenáculo do Monte Sion o velho sacrifício perde definitivamente o seu sentido. Agora, o mais alto ser divino veio, ele próprio, do além para a terra. O cordeiro perde seu significado próprio e passa a ser apenas a imagem, o reflexo do mistério do Cristo presente. O antigo sacrifício sangrento torna-se definitivamente supérfluo. A força que antigamente se tentava – cada vez com menor sucesso – atrair do além pelo sacrifício do sangue, está presente agora para se ligar inseparavelmente com o mundo terreno. O cordeiro pascal não pode mais ser um meio mágico, pois na própria existência terrena forma-se um núcleo de germinação e brotação de forças celestes. O cordeiro se transforma em puro símbolo do amor divino que se sacrifica.
Na mesa da Santa Ceia não vemos, entretanto, apenas o cordeiro pascal. Há também, incidentalmente, pão e vinho. E, após cumprirem a velha tradição da ceia do Passah, os discípulos se admiram ao verem o Cristo tomar em mãos os símbolos, presentes por acaso, do comer e beber e adicionar à ceia do Velho Testamento uma nova refeição. Algo de totalmente novo, inesperado, acontece quando ele oferece aos discípulos o pão e o vinho, dizendo: “Tomai, pois este é meu corpo e este é meu sangue”. Em realidade, estes símbolos não estão na mesa por acaso. Da penumbra de mistérios ocultos surge à luz aquilo que sempre já existira na humanidade. No exterior dos velhos templos havia sacrifícios sangrentos oferecidos em presença do povo; do mesmo modo, ao abrigo esotérico de certos santuários que cultivavam os mistérios solares, sempre houve pão e vinho como os verdadeiros símbolos do deus do sol. No mesmo local onde o grupo está agora reunido para a ceia, dois mil anos antes, nas grutas rochosas onde estavam agora sepultados os Reis e Davi, existira o santuário de Melquisedeque, o supremo iniciado solar. Melquisedeque levara pão e vinho para oferecê-los, no Vale do Kidron, a Abraão, que regressava vitorioso.
Mas pão e vinho jamais puderam representar, mesmo rios templos dos mistérios pré-históricos, a função que adquirem neste momento. Sempre foram apenas símbolos do deus do sol que os veneradores tinham que procurar em outras esferas. Agora, no entanto, são mais do que símbolos. No Cristo está presente o próprio alto espírito solar, e ele pode dizer, ao oferecer o pão: “Este é meu corpo” e, ao oferecer o cálice: “Este é meu sangue”. Sua alma, ao oferecer-se, penetra no pão e no vinho. Pão e vinho se iluminam na semi-escuridão. São envolvidos em um brilho dourado, em uma luminosa aura solar, ao se transformarem no corpo e no sangue do próprio espírito do sol. Todos os mistérios solares da pré-história foram apenas profecias. Neste momento estão sendo cumpridas. Na passagem dos sacrifícios sangrentos da pré-história para o sacrifício sem sangue do pão e do vinho ocorre, para toda a humanidade, a decisiva interiorização da idéia de sacrifício: todos os sacrifícios antigos eram materiais, agora esta fundado o sacrifício da alma. Inicia-se na prática do sacrifício um fluxo de verdadeira interiorização. São despedidos os sacrifícios lunares da pré-história e substituídos pelo sacrifício solar. O Cristianismo, verdadeira religião solar, encontra nesta noite sua aurora.
O Cristo não apenas liga a velha ceia à nova; antes e depois da ceia executa atos importantes, de modo que surge um todo de quatro partes. Pela primeira vez reluz a lei que, doravante, será sempre renovada e revelada nas quatro partes do sacramento cristão central. Antes de comer o cordeiro pascal, Jesus pratica o ato do amor simples, inesgotável e indescritível do lava-pés. Obedecendo e elevando um rito comum na ordem dos esseus, ele se abaixa e lava os pés de cada discípulo, inclusive de Judas. Surge uma imagem comovente daquilo que de fato está ocorrendo: o Cristo se dá aos seus, totalmente, com amor. A morte na cruz selará essa dedicação.
Tal como introduziu as duas ceias com o lava-pés, assim também as encerra. Acompanhando o costume praticado nesta hora em todas as casas, segundo o qual, terminada a refeição do Passah, os pais de família liam ou recitavam a Hagada, a tradicional história do povo sob forma de lendas, o Cristo também faz seguir-se à ceia um ensinamento. Ternos no evangelho de João a mais maravilhosa reprodução de suas palavras de despedida, que culminam com a oração.
São quatro as etapas atravessadas: lava-pés, cordeiro pascal, pão e vinho e discursos de despedida. Ao lavar Jesus os pés dos discípulos, estes parecem já experimentar a mais íntima comunhão das suas almas com a alma de Cristo. Mas, em realidade, o lava-pés nada mais é do que o último resumo simbólico de todos os ensinamentos que Cristo deu a seus discípulos. Por isso, ele lhes diz: “Dou-vos uma nova lei: amai-vos uns aos outros.” O lava-pés é, de certo modo, a ultima parábola aos discípulos parábola que já não foi falada, mas praticada. O amor é a meta final da doutrina que o Cristo lega aos discípulos.
Após a leitura do Evangelho, feita em total devoção de alma, comer o cordeiro pascal é a etapa do ofertório. Surge a imagem do sacrifício: Cristo – o cordeiro sacrifical que morrerá na cruz no dia seguinte pela humanidade.
Segue-se a terceira etapa: Cristo oferece aos discípulos pão e vinho. Pela primeira vez realiza-se então o mistério da transubstanciação, terceira parte do sacramento, após a leitura do Evangelho e o ofertório. O celeste transpenetra o terreno, o espiritual reluz na matéria. Como uma estrela fulgurante revela-se o sol da Transubstanciação que, mais tarde, atingirá seu pleno brilho.
Na quarta parte, nos discursos de despedida, parece que o Cristo dá aos discípulos apenas ensinamentos e instruções para seus caminhos. Em realidade, no entanto, ele se transmite a si mesmo da mais íntima maneira possível. Estas palavras, que captam o eco espiritual da Santa Ceia são, mais ainda do que pão e vinho, corpo e sangue do Cristo. Nelas, a alma do Cristo se oferece a mais intima comunhão e reunião com as almas dos discípulos. Mas os discípulos só ouvem estas palavras como em sonho. Só há um deles, João, próximo ao coração de Jesus, capaz de ouvir o que fala o coração de Cristo e, por isso mesmo, capaz de preservar para a humanidade, em seu evangelho, uma replica desse momento.
O grande sacramento, de quatro partes, dessa hora, está repleto do amor cósmico que se difunde, que jorra do coração do Cristo. A plenitude da palavra do Cristo forma o final, nos discursos de despedida, e este fato abre uma porta luminosa para o futuro da humanidade. O Cristo do qual parte o fluxo de amor cósmico fala, ao mesmo tempo, como alto espírito da Sabedoria. É como se Júpiter, deus da sabedoria, reaparecesse entre os homens sob uma forma nova.
O santo grupo de comensais é dissolvido de modo dramático. O costume do Passah e a rigorosa lei proibiam que se saísse à rua nesta noite. Quem o fizesse encontraria o Anjo Exterminador. As ruas ficavam vazias. Não obstante, em determinado momento, vemos alguém sair; nada o reteve após ter recebido sua parte da refeição da mão de Jesus. O evangelho de João adiciona: “era noite”. Em seu interior também reinava a noite; Satanás penetrou nele nesse instante. Judas vai à casa em frente, onde o círculo de Kaifás também cumpre o rito da ceia pascal, mas estão ansiosamente dispostos para as negociações que Judas pretende fazer com eles.
Judas falhou diante do mistério do sacramento. Já na véspera fora tomado pelo demônio da inquietação quando na casa em Bethânia espalhou-se o ambiente sacramental. No cenáculo deparou-se pela segunda vez com a substância do sacramento. Não tem em si a quietude que lhe permitiria aceitar a paz como bênção do sacramento. E, portanto, aquilo que poderia oferecer-lhe paz o precipita no mais alto grau da ausência da paz, na perda arimãnica do Eu, na alienação possessa.
Mais uma vez é rompida a proibição do Passah. Assustando os discípulos, Jesus se ergue e lhes faz sinal para segui-lo. Saem para a noite escura. A luz clara da lua se apagara quase totalmente. Houvera um eclipse. A lua no céu parecia uma esfera cor de sangue. As rajadas frias que acompanham a despedida do inverno começam a soprar quando Jesus chega com seus discípulos a Getsemane.
A dupla saída* é imagem de processos interiores. A saída de Judas revela que seu gênio bom, seu verdadeiro Eu, o abandonou; Judas realmente encontra, lá fora, o Anjo da Morte. Espíritos arimânicos o transformam em seu instrumento. A saída do Cristo é imagem do livre derramamento da alma que, desde a origem, foi portadora, no cosmos, da idéia de sacrifício (ofertório. Quando Judas sai, a escritura diz “era noite”. É noite também na alma de Judas. Quando sai o Cristo, podemos dizer “era dia”. Um fulgor dourado se mistura a noite tenebrosa. Um mistério solar envolve o Cristo quando ele desce com os discípulos pelo mesmo caminho pelo qual Melquisedeque dois mil anos antes levara pão e vinho. Um sol brilha em plena noite. Por isso pode acontecer mais tarde que o Cristo subjuga o Anjo Exterminador em Getsemane.
A luz solar que os homens viram brilhar no ser do Cristo no domingo de Ramos já penetrou em camadas muito mais profundas. Ninguém o percebe. Não obstante, o mundo recebe uma nova luz nesta noite santa, que mais é uma véspera da Páscoa do que véspera de sexta-feira da Paixão. No dia da Ascensão, outra quinta-feira, seis semanas mais tarde, o germe de luz cujo crescimento começa no cenáculo já terá adquirido ou onipresença terrena e força cósmica.
Emil Bock
Os acontecimentos da Semana Santa:
QUARTA-FEIRA SANTA
Em realidade, a Semana Silenciosa só o é a partir da sua metade. No domingo de Ramos, estremece o ambiente psíquico de toda a cidade; na segunda- feira são derrubadas as mesas dos vendedores e cambistas no templo na terça-feira, golpes de espada são trocados na luta espiritual entre o Cristo e seus adversários. Somente a última parte da semana é invadida pelo mistério do silêncio, embora seja um silêncio cósmico-dramático aquele que, na noite de quinta-feira, envolve a mesa da ceia e, mais ainda, aquele que cerca a morte do Cristo na cruz, e o que reina sobre o sepulcro. Lembremos apenas o terremoto que parte das profundezas da terra na sexta-feira santa. Entretanto, a parte do Cristo nos acontecimentos passa ao silêncio na segunda metade da semana enquanto na primeira metade ainda estava totalmente envolvida no ruidoso primeiro plano. O dia que chamamos de “Mittwoch” por representar o meio (Mitte) da semana, mas que, em outras línguas, é designado como dia de Mercúrio, conforme o efeito planetário que o rege, dia mercurial ou do movimento vivo, este dia estabelece de maneira significativa a transição entre os dias ainda não silenciosos da Semana do Silêncio e os dias em que se entretece o crescente mistério do silêncio do Cristo.
Ao cair da tarde deste dia, destaca-se uma cena que já teve suas similares nos dias anteriores, mas agora, no dia do meio e do equilíbrio, alcança um significado especial. O Cristo voltou do movimento da cidade para o local tranqüilo além do Monte das Oliveiras, voltou para Bethânia. Encontra-se entre aqueles aos quais está particularmente ligado. Os amigos lhe preparam uma refeição. Nas outras noites também houve refeições, mas hoje é como se já incidisse na sala um prenúncio da luminosidade que incidirá sobre a ceia da noite seguinte. Há em meio aos comensais como que um presságio da Santa Ceia.
A aldeia de Bethânia, por tranqüila que seja, foi, ainda há pouco, o cenário daquele acontecimento que significou o sinal para a luta: a ressurreição do Lázaro. Lázaro é um dos comensais. É ele que, na noite seguinte, conforme descreve o Evangelho, estará encostado ao coração de Jesus. É ele que, no círculo da Santa Ceia, está interna e externamente mais próximo do Cristo. Entre os comensais, há também duas mulheres designadas pelo evangelho de João como irmãs de Lázaro, Marta e Maria Madalena. Ingressaram através de algumas circunstâncias do destino neste círculo que é mais uma família espiritual do que uma família por laços de sangue. Na vida de cada uma dessas três pessoas, há um acontecimento que provocou uma transformação fundamental. Para Lázaro, foi a ressurreição do sepulcro na rocha, a grande libertação do espírito de João para seu vôo-de-águia pelas alturas.
Para Maria Madalena foi um acontecimento mais remoto, designado pelo Evangelho como um exorcismo. Foi curada de uma trágica e fatídica alienação e experimentou a libertação e purificação de sua alma. No caso de Marta também ocorre um evento semelhante, conforme a tradição cristã: a cura da mulher hemofílica. O destino havia introduzido em sua vida uma doença que impedia seu organismo de manter suas forças. Através do encontro com aquele que pôde curá-la, uma força de coesão, força plasmadora instalou-se em seu corpo, como se instalara na alma de Maria Madalena, a paz interior. Foram através das curas do espírito, da alma e do corpo que os três irmãos de Bethania se tornaram amigos íntimos do Cristo.
O primeiro acontecimento sempre designado como característico da quarta-feira santa foi o seguinte: ao estarem todos reunidos à mesa, Maria ungiu os pés do Cristo com um precioso óleo e os enxugou com seus cabelos. O evangelho de João relata que o perfume do sacrifício impregnou toda a casa.
Maria Madalena já fizera algo semelhante um ano e meio atrás, quando fora salva pelo Cristo. Também naquela ocasião, segundo o evangelho de Lucas, ela, espontaneamente, para manifestar sua gratidão, ungira os pés do Cristo e os enxugara com seus cabelos. Na introdução do relato sobre a ressurreição do Lázaro, o evangelho de João (11, 2) recapitula esta cena. O que é revelado pelo ato de Maria Madalena que o evangelho de Lucas, ao relatara primeira unção, designa como grande pecadora e que talvez tenha realmente sido, conforme dizem as velhas tradições, uma prostituta perseguida por demônios no mundano balneário de Tibéria, perto de sua terra natal, Magdala! A unção é típico ato sacramental. A alma de Maria Madalena se ergue ao nível de praticá-lo. E, portanto, o Cristo, quando os outros declaram insensata esta atividade e se impacientam, pôde pronunciar palavras como se aceitasse o ato dessa mulher como um sacramento de morte, como uma extrema-unção. Na primeira unção ele dissera: “Calem-se. Ela amou muito e muito lhe será perdoado”.
E adivinhamos como Maria Madalena conseguiu transformar as forças do amor natural, as forças terrenas do amor, que podem também desviar-se para a aberração, como conseguiu interiorizá-las e transformá-las em devoção, em intenso sentimento religioso e em capacidade sacramental de sacrifício.
Uma nota em falso interrompe o silêncio solene. Surge um personagem diametralmente contrastante com Maria Madalena. É um dos discípulos que perde o controle e a contenção ao ver o ato de Maria Madalena. É o Judas. Alega, na verdade, que seu protesto se baseia em considerações práticas e sociais. Diz que o dinheiro desperdiçado em óleo poderia ser dado aos pobres, aliviando muita miséria. Mas o evangelho de João já nos permite perceber nitidamente que os verdadeiros motivos de seu comportamento não são idênticos aos que ele propõe. Em realidade, é algo muito diferente que se passa em sua alma. O evangelho não o poupa, designa-o como ladrão. Vemos: justamente o aborrecimento sobre o ato de Maria Madalena dará ao Judas o último impulso para a sua traição. Excitadíssimo, há muito tempo espera pelo surgimento público de Jesus e pelo milagre político que ele acredita será a conseqüência desta aparição. Tudo o que leva ao silêncio da interiorização lhe parece, em sua impaciência febril, como sendo desperdício de tempo. Em Bethânia ele perde a paciência. Descontrola-se e sai para se juntar àqueles que perseguem o Cristo. O segundo conteúdo clássico da quarta-feira santa é a traição de Judas.
O motivo planetário do dia lança uma luz sobre as duas figuras tão contrastantes à mesa do jantar em Bethânia. Ambos, Judas e Maria Madalena, são figuras tipicamente mercuriais e têm mobilidade e temperamento. Possuem a qualidade de não serem enfadonhos. Ao seu redor sempre algo acontece. A roda das suas vidas não pára. Mas, Maria Madalena domina a intranqüilidade. Transforma-a em devoção, em paz, em capacidade de amor. A figura de Maria Madalena permite reconhecermos que a verdadeira e valiosa devoção só se instala quando é conquistada por uma alma vivaz, para a qual a paz não é mera inércia, mas vivacidade libertada, interiorizada. Maria Madalena foi muito manejada, sofreu muita coisa e atravessou muitas trevas. Mas, de toda intranqüilidade que houve em sua vida, flui agora sua intensa religiosidade. Será esta intensidade que a destacará em seguida entre todos os outros! Será ela a primeira a ter a visão do Cristo ressuscitado!
Judas é o outro homem mercurial. É, aliás, o tipo do homem irrequieto, que precisa sempre exercer uma atividade exterior. Alega querer agir em prol dos pobres. A atividade social, por boa e louvável que seja, é freqüentemente apenas um auto-entorpecimento. O impulso nem sempre reside em um autêntico ímpeto social, mas muitas vezes, na própria intranqüilidade interior. Muitas pessoas ficariam profundamente infelizes se fossem obrigadas a passar algum tempo inativas. Revelar-se-ia então, que a atividade social não é uma real produção interior, mas que elas cedem apenas a uma fraqueza inconfessada. Em Judas vemos este tipo de alma mercurial desembocar na mais tenebrosa fatalidade. Nele, a intranqüilidade nasce de um medo profundamente oculto. De modo semelhante ao que acontece nos adversários, nele rumoreja a intranqüilidade do medo essencial. Este é que acarreta sua traição do Cristo. A partir de tal estado de alma, o homem não pode ser devoto, não pode, em particular, amar. Um homem intranqüilo não é capaz de amar. O amor só é possível quando a alma já adquiriu a força da paz. E vemos assim nas duas figuras, de Maria Madalena e de Judas, dois caminhos que se separam como em uma encruzilhada. Um deles leva à proximidade do Cristo, o outro ao abismo da loucura, à tragédia do suicídio.
Marta, a outra irmã de Lázaro, é uma espécie de transição entre Judas e Maria Madalena. O evangelho de Lucas não relata em vão, em trecho anterior da vida do Cristo, a história de Maria e a de Marta. Marta é eternamente ativa. Não pode abster-se de empreender, a todo momento, algo de útil a serviço de alguém. Não podemos deixar de reconhecer a autenticidade de sua dedicação. Mas, tampouco, podemos deixar de ver a intranqüilidade física da qual foi curada, mas permaneceu existindo em sua alma. Maria que ouve em silêncio reverente é designada, em comparação com Marta, como aquela que escolheu a melhor parte.
As figuras da cena da quarta-feira santa nos mostram a encruzilhada que encontramos antes de podermos esperar sermos admitidos na esfera da quinta-feira santa. Diante do mistério sacramental, separam-se os caminhos. Judas é o homem sem culto. Ao se deparar com um ambiente de verdadeira devoção cultural, ele não fica só irrequieto, mas perde a contenção. Maria Madalena é a alma sacramental.
Na noite seguinte, quando o sacramento se estenderá sobre o circulo de discípulos como uma cúpula celeste, revelar-se-á quem é mais Maria e quem é mais Judas.
Mercúrio, deus da cura no mundo greco-romano, mas também deus dos comerciantes e dos ladrões, aproxima-se do sol do Cristo. A cena em casa de Lázaro e de suas irmãs em Bethânia mostra como o deus da cura Mercúrio, pode ser curado pelo sol do Cristo.
Emil Bock
Os acontecimentos da Semana Santa:
TERÇA-FEIRA SANTA
Em silêncio, sem provocar as mesmas excitações, realiza-se nas manhãs seguintes o mesmo que no domingo de Ramos. Jesus entra com seus discípulos na Cidade Santa. Já se acalmaram as grandes ondas de entusiasmo aprovador. Jesus, embora já envolvido nos relâmpagos e tensões da decisão que se aproxima, quer obedecer a lei até o fim. Cumpre o rito sagrado de preparação para a festa pascal. Traz suas oferendas. Mas já sentimos: é ele mesmo que será sacrificado e elevado ao céu. As inimizades e o ódio das pessoas o atingem. No domingo ainda podia parecer que o sol espiritual que nele ascendia sobre o horizonte do drama estivesse em coincidência com o sol natural que acende o entusiasmo primaveril nas almas dos homens. Mas, na segunda-feira, o engano se esclarece. Na terça-feira santa, o drama-mistério ultrapassa a simples despedida do velho mundo. Jesus marcha cada vez mais majestoso para a cidade. Quanto mais silenciosa a massa, tanto maior o ardor da volição (vontade) na fisionomia do Cristo. Nasceu o dia de Marte: inflama-se a luta. A massa calou- se: seus líderes têm medo e o medo é a raiz do ódio, que passa à agressão. Cada tropa do exército inimigo envia na vanguarda seus atacantes. Um grupo após o outro aborda o Majestoso. Sucedem-se as perguntas traiçoeiras. Disfarçam sob a forma de questões aquilo que deveria ser um golpe na face ou um golpe de espada. Chegam primeiro os sacerdotes, os sábios das escrituras e os presbíteros, ou seja, todos os membros do Sinédrio judeu. Mandam perguntar a Jesus com que autoridade age. Exigem que se identifique chegam depois outros os, fariseus, com os seguidores de Herodes, e pousam a questão embaraçosa: “É justo pagar tributo a César?”. Seguem-se os saduceus: querem saber o que pensa Jesus sobre a ressurreição dos mortos. Finalmente, chega um indivíduo que, acreditando poder comprometê-lo perante todo o povo, pergunta qual é, em sua opinião, a mais nobre das leis. Esses ataques, representando a atração das inimizades, constituem a melhor prova de quão intensamente era sentida a majestade de Cristo. Os cães só latem e mordem quando têm medo. Assim também essas questões, em realidade golpes de ódio, partem do medo. As forças das trevas tremem porque está nascendo o sol.
Jesus responde a cada uma das quatro questões. Mas não se contenta em aparar os golpes investidos contra ele: aceita o desafio e luta com as armas do espírito. Desenrola imagens potentes. Do mesmo modo que nos três anos passados falava aos discípulos em parábolas maravilhosamente poéticas, responde agora aos seus adversários em parábolas de combate. Conta a parábola dos viticultores aos quais fora confiado o parreiral e que se recusam a entregar a safra, matam os mensageiros do dono das parreiras e, finalmente, até seu próprio filho. Os adversários sentem a potência combativa da parábola. Sentem que se refere a eles próprios. De fato, Jesus prediz aos seus inimigos, pela parábola, que eles o matarão. Ele não o faz para ganhar fama de profeta. Sua parábola é uma luta final pelas almas de seus adversários. Quiçá elas ainda desaparecerão. Quiçá ainda serão aterrorizados pela visão de si mesmos.
O Cristo lança aos seus adversários mais uma parábola: a parábola do casamento real. É inestimável a grandeza micaélica desta parábola combativa. Trata-se daqueles que seriam indicados como convidados. Todos falham. O convite é feito, então, a estranhos, a gente que, normalmente, nem seria levada em consideração. Os estudiosos oficiais de Deus revelaram-se como mentirosos e hipócritas, e a Divindade apela então para pessoas cuja aparência não revela estarem à procura de Deus. Isto se dirige diretamente contra os adversários, contra os eclesiásticos privilegiados pela tradição. Ao ser descrita, enfim, a imagem e o destino daquele que não estava usando roupa adequada para a festa, toda a humanidade pode ver-se em rigoroso espelho. Mas, mesmo dirigida, em última análise, contra todos, a parábola das bodas reais é, sem dúvida o mais potente golpe desferido no dia de Marte da Semana Santa.
O Cristo prossegue. Ele mesmo dirige agora uma questão àqueles que lhe pousam perguntas capciosas: “De quem é filho o Messias? “Respondem: É filho de Davi”. O Cristo tem que lhes mostrar, citando o 110º salmo que eles conhecem, no qual Davi designa o Messias como seu senhor. E pergunta: “Como pode ele chamar o Cristo de seu senhor quando se trata de seu filho?” O Cristo desmascara os que o cercam como estranhos ao espírito e sua devoção como desprovida de espiritualidade. Os homens só olham para o terreno. Para compreender o divino, a primeira condição seria ver que o Messias é filho de Deus e não dos homens. O Cristo mostra aos homens o que deveriam reconhecer nele; mas não o reconhecem.
E vem, então o quarto contragolpe pelas armas espirituais do Cristo: os nove “ai-de-vós” sobre os fariseus, desembocando na lamentação sobre Jerusalém, mundo destinado ao declínio. No início de sua atuação, Jesus, no círculo familiar de seus discípulos, pronunciou as nove bem-aventuranças do Sermão da Montanha, revelando as nove partes do Ideal Luminoso do homem-espírito. Agora, no final de sua via terrena, ele põe as nove sombras ao lado das nove luzes. Os “ai-de-vós” são o desmascaramento combativo da humanidade inimiga de Deus, assim como as bem-aventuranças foram a revelação das nove faces do relacionamento entre o homem e Deus. A lamentação sobre Jerusalém inverte a palavra do Sermão da Montanha sobre a “Cidade na Montanha” que, pela primeira vez, fez reluzir a imagem da Jerusalém celeste.
Eis um conteúdo bem pouco silencioso para a “Semana do Silêncio”. Os golpes de espada cintilam de um lado e de outro. Luta-se e briga-se. O poder marcial do Verbo se precipita da boca daquele que mais tarde não se lamentará ao carregar a cruz para o alto do Gólgota.
Ao declinar o dia, quando Jesus com seus discípulos, como todas as tardes, deixa a cidade e, do outro lado do vale de Kidron, galga o Morro de Getsemane através dos jardins onde tantas vezes ensinara na intimidade do círculo de seus discípulos, desta vez não dirige seus passos para Betfagé e Bethânia. No alto do Monte das Oliveiras, em meio a maravilhoso bosque da paz, convida os discípulos a se acomodarem. Ainda estremecendo da luta que travou durante o dia, começa a falar aos discípulos pela última vez ao ar livre. E as palavras destes ensinamentos não são certamente menos poderosas do que as palavras de combate espiritual contra os adversários. Os corajosos atos da alma realizados durante o dia conclamam o eco dos deuses. O Cristo é capaz, mais do que nunca, de oferecer revelações aos discípulos. O que lhes oferece nesta noite – costumamos chamá-lo de “Apocalipse do Monte das Oliveiras” – é uma intervenção nos grandes futuros dos destinos da humanidade. Rasga-se a cortina do futuro. Abrem-se grandes perspectivas apocalípticas.
É sempre assim na vida. Quando o dia registrou verdadeiros atos, a tarde e a noite convocam o eco celeste destes atos. Os resultados do dia não residem unicamente naquilo que foi diretamente criado; quando a atividade diurna bateu às portas do mundo espiritual, podem abrir-se, à noite, as portas de um outro mundo. E (deste mundo espiritual) flui o correspondente a genuína força interior empregada durante o dia.
O presente torna-se transparente. Os discípulos passaram o dia com o Cristo contemplando o templo. Revelou-se que tudo isso está condenado a desaparecer. A destruição de Jerusalém e do templo é uma necessidade espiritual. Se não fosse executada, 40 anos depois, pelos romanos, teria que ser consumada de alguma outra maneira. Na visão que surgiu do declínio do templo transparece a visão de uma grande catástrofe. Todo um mundo submerge. O Cristo pinta, aos olhos dos discípulos, as cores de um ocaso do mundo. E se, durante o dia, se anunciava uma separação dos espíritos em inimigos de Cristo e em um pequeno grupo disposto a formar o apostolado, este fato também se torna transparente: todo o transcurso da História Universal nada mais será do que uma seleção dos espíritos. Alguns tendem pala o divino, os outros tendem contra ele. E por mais imponentes que sejam as realizações destes últimos na terra, tudo não passará de produtos de um medo oculto. E aquilo que, silenciosamente, germinará no grupo – talvez pequeno – daqueles que se unem ao divino portará em si o futuro do mundo.
Jesus continua o apocalipse vespertino que apresenta aos discípulos. Como lançara aos adversários parábolas combativas, assim dá aos discípulos as mais íntimas parábolas que lhes poderia dar: as duas parábolas de sua volta. No apocalipse já dissera que, sob o bramir do temporal universal, o Filho do Homem aparecerá sobre as nuvens do céu. Apontou para um futuro no qual, em meio ao barulho do fim do mundo, a nova revelação do Cristo terá que abrir caminho. Agora, ele mostra aos discípulos, nas parábolas das dez virgens e dos talentos (dinheiro) confiados, o que devem fazer os homens a fim de se preparar para a volta do Cristo. Um dia chegará o noivo da alma. Um dia voltará àquele que, ao partir, confiou aos seus servos o dinheiro; voltará para exigir as contas. Embaixo, no templo, os “ai-de-vós” ressoaram como antibem-aventuranças. Agora o dia desemboca em um elevado Sermão da Montanha. Com os últimos e mais íntimos ensinamentos, o Cristo fornece aos discípulos uma provisão de coragem para milhares de anos. As parábolas do retorno e, especialmente, a visão final da seleção dos espíritos em ovelhas e bodes, na qual finaliza todo o Apocalipse do Monte das Oliveiras, são uma provisão que manterá os discípulos através de muitas encarnações. A luz do apocalipse, que ilumina a noite que desce, é o dom solar conquistado de Marte.
As palavras pronunciadas pelo Cristo na terça-feira santa são, em conjunto, uma maravilhosa linha de orientação para toda luta entre as trevas e a luz, para toda luta pelo apostolado de Cristo contra os inimigos de Cristo. A palavra de Goethe, afirmando que toda a história mundial nada mais é do que uma luta constante da fé contra a descrença, já representa uma procura pela chave fornecida em detalhe pelo transcurso da terça-feira santa. Toda oposição contra o Cristo e toda inimizade contra o espírito tem suas raízes na incredulidade, em uma falta de força, em um medo profundamente oculto na alma humana. O apostolado de Cristo se afirma e mantém através da fé germinando força-coragem interior. A campanha cuja estratégia pode ser deduzida do conteúdo da terça-feira santa não é, entretanto, em primeiro lugar, uma campanha de guerra entre dois mundos humanos. É uma luta que deve ser travada interiormente. Em toda alma humana misturam-se o medo e a coragem, o oponente e o discípulo do Cristo.
As parábolas combativas dirigidas aos oponentes expõem sempre o medo como raiz da inimizade contra o espírito. O egoísmo dos viticultores que não queriam entregar o produto da safra é, como todo egoísmo, um produto da fraqueza e do medo interior. Nasce no homem o primeiro germe de coragem quando ele aprende a tudo abandonar e tudo sacrificar porque se compenetra do sentimento de que tudo o que possui e pode possuir pertence à Divindade.
Os “ai-de-vós” são de modo especial, o desmascaramento da descrença. Iniciam-se pelas palavras que, de imediato, arrancam a máscara não só à renegação do espírito, mas também a qualquer tipo de tutela sobre as almas humanas: “Ai-de-vós”, escribas e fariseus! “Desviastes as chaves das portas do céu, onde não podeis entrar e, portanto, não quereis que entrem os que se esforçam para entrar!”
A maior coragem é a exigida pelo trabalho na própria alma. “A luta contra si mesmo é a mais difícil das lutas. Vencer-se a si mesmo e a mais bela vitoria”. Na luta travada no interior de nossa própria alma, conquistamos os mais maduros dons das forças marcianas. Já na parábola combativa das bodas reais reluz na imagem do traje matrimonial, o ideal da autotransformação meditativa. A alma que adquire luminosidade através da purificação e da oração é o traje matrimonial.
Mais ainda, as parábolas das dez virgens e do dinheiro confiado são uma provisão para o trabalho interior. O óleo nas lâmpadas é uma imagem das forças que devem ser adquiridas pela alma; o dinheiro confiado simboliza os órgãos espirituais desenvolvidos no ser humano.
A resposta dada pelo Cristo à questão dos impostos revela como se impõe a genuína coragem adquirida através do esforço interior. Quem se esforça de maneira salutar pelo espírito, não se distancia na terra, mas sabe manter o equilíbrio entre deveres terrenos e ideais espirituais e, justamente assim, adquire a soberania solar sobre tudo o que é terreno. É capaz de dizer, mesmo se, como era o caso naqueles dias, o trono está ocupado por uma fera: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Na grande visão final da seleção dos espíritos revela-se, finalmente, o segredo da coragem interior. “O que fizestes a qualquer um de vossos mínimos irmãos, a mim o fizestes”. O fato de um homem estar trilhando corretamente o caminho de sua alma e de seu espírito revela-se em sua capacidade de amar. Amor é o verdadeiro antônimo do medo. Todo verdadeiro esforço ou tendência em direção ao espírito começa pela coragem interior e desemboca no amor. O verdadeiro amor pelos homens é idêntico ao amor pelo próprio Cristo. Os poderes marciais do dia são, embora caia a noite, totalmente irradiados pelo do Cristo quando todas as palavras de luta espiritual culminam a palavra amor.
Emil Bock
Os acontecimentos da Semana Santa:
SEGUNDA-FEIRA SANTA
No caminho que Jesus e seus discípulos fizeram todas as manhãs e todas as tardes da Semana Santa, da cidade para Bethânia à tarde ou vice-versa de manhã, existe um local tranqüilo que ainda hoje está envolto no denso ambiente de um mistério. Partindo de Jerusalém, atravessamos o cume do Monte das Oliveiras e, lentamente, descemos pela outra encosta, onde vemos brilhar, em meio ao deserto da Judéia, o espelho mágico do Mar Morto; a meio caminho entre o Monte das Oliveiras e Bethânia encontramos um local cercado por altos muros. Ciprestes negros despontam por trás dos muros e parecem graves e solenes sinais apontando para o céu. Havia aí, no tempo de Jesus, uma pequena vila: “Betfagé” (a casa dos figos). Não devemos imaginar uma aldeia como outras aldeias. O grupo de pessoas que para lá transferira sua vida comunitária era unido por um esforço psico-espiritual especial.
As modestas cabanas eram cercadas por um pomar de figueiras. Mas essas figueiras não eram apenas plantas frutíferas; eram, para aqueles habitantes, árvores sagradas, sinais visíveis de seus esforços espirituais. Tratava-se de pessoas que, em seu círculo, procuravam conservar o mistério (segredo) espiritual da antiga Humanidade, mistério que surge, uma vez, também no Novo Testamento, na história de Nathanael. Os moradores de Betfagé praticavam o “sentar-se sob a figueira”, o estado vidente atingido através de exercícios, em parte físicos, em parte meditativos.
Betfagé, a casa dos figos, era um sítio onde se praticava a antiga clarividência. Foi de lá que Jesus, na manhã do domingo de Ramos, mandou Pedro e João trazerem o jumento e o burrinho. Lá existiam árvores sagradas e, do mesmo modo, animais sagrados. Os jumentos ali mantidos não eram animais de carga. Também eles expressavam um mistério naquele círculo de pessoas. Na corrente do Velho Testamento estava bem viva a memória daquele mago que fora mandado certa vez da Babilônia a fim de conjurar o impedimento de entrada do povo de Israel à Terra Prometida.
Bileam era descrito montado numa jumenta. Sabia-sé, no entanto, que montar em jumenta não era apenas um modo de locomoção. Expressava um bem definido estado de alma, a saber, aquele enlevo sonâmbulo sob o qual o mago babilônico começava a falar, não em estado de consciência humana, mas como que espiritualmente possesso: entretanto, sem que ele soubesse como, a imprecação mágica que ele queria lançar contra Israel transformou-se em bênção. Os animais sagrados de Betfagé revelam que a visão ali praticada era de natureza inconsciente e ligada à corporeidade física: aliás, até nos contos de fada mais recentes, o jumento é o símbolo do corpo físico humano.
O filhote de jumento, no qual o Cristo montou para entrar na Cidade Santa no domingo de Ramos, pertence à esfera de imagens de Betfagé. Mas, quando ele teve a audácia de entrar na cidade montado no branco animal sagrado, não foi ele quem mergulhou no estado bileâmico de “montar uma jumenta” quem caiu em alienação extática, ao vê-lo, foi à massa popular. Foi como se um linguajar bileamítico se apoderasse do povo quando este chamava “hosana” àquele que chegava no dorso do jumento.
À noite, Jesus, como também faria nas noites seguintes, fora com seus discípulos para Bethânia para repousar. Durante a noite, o eco do êxtase popular, gritando “hosana”, ergueu-se em sua alma. Ele e seus discípulos não são mais os mesmos como no dia anterior, ao voltarem do dia seguinte a Jerusalém. Novamente passam por Betfagé. Na fisionomia de Cristo lê-se algo de extremamente grave, inexorável. Acontece, então, o fato misterioso: ele se aproxima das figueiras de Betfagé. Os discípulos se admiram, pensando que ele quer comer figos quando não é época destas Frutas. E ouvem-no pronunciar a estranha e severa sentença: “Ninguém mais comerá destes figos, para todo o sempre”. Talvez naquele momento apenas supuseram que era subtendido algo de mais importante do que uma simples afirmação sobre a árvore e sua fertilidade. Mas não tiveram sua visão desvendada.
Os discípulos passam, então, um dia em Jerusalém com o Cristo, este dia que desenvolve dramaticamente toda a grave severidade. Ao atravessar a soleira do templo, irrompe o caos. Espalha-se o pânico, derrubam as mesas, o dinheiro rola no chão. Dá-se a inversão do êxtase jubiloso da véspera. O terror se apodera de todos os que estão na zona do templo.
Após pernoitarem novamente em Bethânia e, passando de manhãzinha outra vez por Betfigé, os discípulos subitamente têm a visão da árvore seca e pedem que Jesus lhes explique o mistério. Não aconteceu nenhum milagre grosseiro no qual Jesus teria, com suas palavras iradas, privado de vida uma criatura da terra. Como poderia ele ter destruído uma arvore pertencente àqueles que lhe haviam oferecido a jumenta e o filhote! O que aconteceu foi um ato espiritual que significa um importante entroncamento no drama do mistério da Semana Santa, nesse dia aparentemente de pouca importância.
No domingo de Ramos, embora a ressurreição do Lázaro desse o sinal para a luta decisiva, todo o ser do Cristo estava em atitude de dar, de oferecer.
Foi uma impressão positiva de seu ser que tocou as almas do povo. Devemos lembrar-nos também no simples significado humano do momento. Jesus foi ao Templo para orar e sacrificar como os outros fiéis, preparando a festa da Páscoa. Mas a previsão de importantes decisões apoderou-se de todo o seu ser. Impossível continuar inofensivo. A aura volitiva de seu sei, lançando faíscas de luz, contribuiu para induzir o povo na visão extática de sua grandeza solar. O Cristo perscruta a superficialidade e inconstância deste entusiasmo apenas natural, mas ainda não tem um pretexto para realizar sua defesa e seu contra-ataque. O povo tem razão. Não clamariam “hosana” se não tivessem percebido algo de seu verdadeiro ser. Ele não pode dizer que estão errados, como se confirmará no dia seguinte ao repetir-se a cena na zona do templo. Desta vez é um grupo de crianças que grita “hosana” porque um raio de seu verdadeiro ser penetra em suas almas. Os adversários perguntaram, astutos: “Que dizer quanto ao fato de crianças te aclamarem com “hosana”? Ele retruca: “Jamais lestes nas Escrituras, o trecho: da boca dos inocentes preparei-lhe louvores”?
Mas agora ele passou a noite em Bethânia. Tornou certa distância da vibração do domingo de Ramos. Aproxima-se das figueiras de Betfagé. Quer mostrar aos discípulos o quanto vale o “hosana” da véspera. Fora apenas o último fruto da árvore da antiga clarividência. Um resíduo da antiga força visionária ligada à natureza e ao corpo. Através das palavras que ele fala à figueira, ele renega todo o mundo das velhas visões extáticas. Sentimos algo de uma grande decisão para a humanidade. Jesus desvaloriza o “hosana” do povo e, ele mesmo, induz a transição para o “crucificai-o”! Ele possui a incrível coragem de aceitar e, pessoalmente aduzir a cegueira espiritual pela qual os homens deverão, fanaticamente, exigir sua morte. Para ele é mais importante que a humanidade trilhe os seus caminhos da consciência que, embora trágicos, a levarão à liberdade; embora sabendo que esta necessária cegueira espiritual levará os homens a crucificá-lo.
Quando os discípulos, na terça-feira de manhã, revêem as figueiras de Betfagé, os acontecimentos da segunda-feira só afastaram o sonho dos seus olhos. Perderam uma ilusão. Experimentam uma salutar sobriedade. Onde ainda há pouco viam um alto valor, vêem agora a imagem da árvore seca. A antiga clarividência ligada ao corpo era um dom da Lua, uma intervenção de forças lunares na natureza humana. Era relativo à noite, porque estava á disposição dos homens em estados inconscientes. Agora os discípulos percebem que as forças resumidas na imagem da figueira estão velhas, ultrapassadas.
O que Jesus lhes ensina agora é um prelúdio daquilo que lhes dará na misteriosa noite da mesma terça-feira no alto do Monte das Oliveiras. Revela-lhes que a humanidade alcançará algum dia uma nova vidência. A “fé” é o germe da nova visão. Jesus diz aos discípulos: “Se tiverdes um grãozinho de fé, sereis capazes de tudo. Bastará que digais a esta montanha- afasta-se, e ela se afastará. A visão se liberta; a montanha do mundo sensorial, que vos oculta a visão desaparecerá. Através dos rochedos da existência terrena, percebereis a verdadeira essência de origem divina das coisas”. A visão antiga era de natureza lunar, a nova será solar. A força solar da fé fará abrir-se no coração humano o olho da nova visão, como diz o trecho das bem-aventuranças: “Bem-aventurados os puros de coração, pois eles verão Deus”. Entre a visão inútil e a nova visão do coração que se torna solar, situa-se o período das trevas, da cegueira diante do espírito. E a partir desta cegueira espiritual, os homens crucificarão o Cristo.
Na segunda-feira santa o Cristo se defende de uma tentação. Se ele atasse sua atividade aos antigos estados de alienação clarividente, ele poderia ser reconhecido pelos homens. Não o aclamariam apenas com “hosana”, mas o escolheriam como rei. Revela-se agora, definitivamente, que o Cristo não quer atar-se ás velhas forças. Trata-se para ele única e exclusivamente de fazer com que a humanidade encontre o caminho da consciência e da liberdade. No começo dos três anos, ele enfrentara a tentação de transformar morte em vida. Agora, no final de sua caminhada, na defesa contra a tentação até mesmo executa isto, de transformar vida em morte. Não é uma maldição, por carência de amor que ele executa nas figueiras daqueles que lhe oferecem a jumenta e o filhote. Não! O efeito parte da sua essência. Ele é o sol. E, quando nasce o sol, a lua empalidece. Assim empalidecem as forças lunares da antiga vidência. Revela-se que elas não têm futuro quando nasceu o sol da nova luz da alma.
O Cristo chega à praça do templo, o antiqüíssimo e sagrado morro da Lua na mais velha cidade da humanidade. Já se inicia ai o grande movimento da Páscoa. Já aparecem muitas centenas de peregrinos. Ao redor do templo praticam-se compras, vendas, pechinchas e negócios. E, no próprio recinto do templo, reina uma atividade febril, pois o conteúdo das cerimônias pascais será o oferecimento de animais e o sacrifício da ovelha pascal. Isto permite fazer negócios porque tudo o que será sacrificado tem que ser primeiro comprado. E, por isso, formou-se uma quermesse no lugar onde deveria reinar o mais sagrado ambiente cultural. O velho Hannas, o mais notório “pão duro” da História, sabe fazer negócios. Já extraiu enorme fortuna do mercado do templo. Como presidente do conselho de altos sacerdotes saduceus, Hannas é também a força motriz dos compromissos políticos nos quais se baseiam os negócios ligados ao templo. Para comprar, os peregrinos devem cambiar o dinheiro que trouxeram de todos os países, em moeda oficial, nacional. Ora, esta moeda é de César. E, portanto, o local de vendas é, ao mesmo tempo, uma bolsa de valores romana. Admitiam-se os funcionários e alfandegários romanos, embora se soubesse que eram fiéis ao culto dos césares. Permitia-se-lhes o acesso, temendo que, caso contrário, os romanos pudessem roubar o Santíssimo do templo. E, assim estabelecera-se uma extrema materialização e profanação daquilo que fora uma vida puramente cultural. Na imagem da figueira seca, os discípulos viram a decadência da antiga consciência religiosa. Na imagem do mercado que se expandia na zona do templo revelava-se a decadência do culto religioso.
É neste local que penetra o Cristo. Vem para cumprir os ritos da festa. Mas o fogo, as faíscas de sua seriedade produzem efeito. Ele nem precisa falar muito: os homens são logo tomados de pânico. A pessoa de Cristo lhes revela, de modo terrificante, a decadência em que caíram. No começo dos três anos, na primeira festa pascal, sucedera algo semelhante. O efeito de grande terror partira então do caráter divino do Cristo, não obstante a grande reserva que Jesus ainda se impunha. Mas, agora, a divindade, nele, se transpôs inteiramente em caráter humano. Transformou-se em flamejante intensividade volitiva. Ele tem direito a arrancar a máscara do mundo degenerado do templo e a desencadear a tempestade. Sua atitude chega a ser em si mesma uma defesa contra a tentação, a saber, a tentação de permanecer atado ao antigo estado das coisas. Torna-se agora bem claro: o que poderá dar à humanidade em futuro espiritual só pode ser algo de radicalmente novo. No campo da consciência humana a Vidência lunar tem que morrer, mesmo que isto acarrete uma penosa caminhada pelo deserto. O futuro só poderá florescer pela fé, pela vidência solar do coração. Também na esfera do culto, o antigo tem que ser despedido sem escrúpulos. Nada pode mais ser ligado ao antigo, por mais venerável que este tenha sido. Algo novo tem que entrar na vida. É o sol do Cristo que apaga no morro lunar Morija a luz da lua. O sol rechaça os fantasmas noturnos. A zona do templo, grandiosamente situado com vista para o mundo é silenciosamente substituída no morro Sion, na modesta sala da Santa Ceia, pelo germe de um novo fluxo cultural, solar. A religião da Lua é substituída quando na quinta-feira santa, o Cristo oferece pão e vinho aos discípulos no morro solar de Sion.
Emil Bock
Os acontecimentos da Semana Santa:
DOMINGO DE RAMOS
No primeiro dia da Semana Santa, o Cristo entra na Cidade Santa. Apresenta-se-nos uma imagem irrelevante. Vemo-lo atravessar as portas da cidade montado em um burro, seguido por seus fiéis. Mas, como se fora o próprio Deus da primavera, sua entrada provoca repentinamente um êxtase na alma da multidão. É como se algo do antigo êxtase solar das festas pagãs, da primavera se apoderasse dos homens: acende-se uma faísca. Ao cortar ramos de palmeira, o povo renova um hábito muito antigo, volta-se, às festividades em honra ao sol no início da primavera, comuns entre os povos pré-cristãos.
Pois a palmeira sempre foi considerada a árvore e o símbolo do sol, do sol natural que no céu primaveril desenvolve uma força tão nova. O povo enfeita o caminho com símbolos solares. Será ele talvez realmente o alto amigo e senhor do sol, anunciado aos homens como o grande rei da luz? Deverá ser quebrado o encanto do significado espiritual original da cidade de Jerusalém, que abrigava, na montanha de Sion, um dos mais antigos templos do Sol, antes que o templo de Salomão, na montanha da Lua, superasse tudo em importância? Ressurgirá a época de Melquisedeque, o grande iniciado do rito solar? Parece mesmo que o Cristo encontrará agora o acesso à Humanidade. O alto espírito solar já habita há três anos um corpo humano, já atravessou destinos humanos, terrenos. Manteve-se afastado, em silêncio. Se aparecia uma vez ou outra, encontrava incompreensão e inimizade por parte dos homens. Será diferente, agora? Será que o destino levara agora diretamente a uma grande salvação, em meio a jubiloso êxtase?
Não, estamos no inicio da mais séria semana da História da Humanidade. Os mesmos homens que espalham ramos de palmeira e irrompem extasiados em gritos de hosana, gritarão fanaticamente,alguns dias mais tarde, cheios de ódio: “Crucificai-o!”. Ao símbolo da vida, ramo de palmeira, virá se juntar o símbolo da morte, a cruz do Gólgota.
O próprio Cristo contribuiu para essa reviravolta. Atravessa em silêncio, sério, o povo que vibra em êxtase. Percebe nesta recepção a sua superficialidade. Visa camadas mais profundas. Quer algo muito diferente.
Em termos humanos poder-se-ia perguntar, por que Jesus não ficou na Galiléia, sua terra, naquela época do ano em que justamente ao redor do Lago Genezaré eclodem os milagres de cor primaveris? Tivesse ficado na Galiléia não teria morrido. Mas podemos igualmente perguntar por que o Cristo, sendo Deus, não ficou nos mundos espirituais, nas esferas celestes? Não ficou nas bem-aventuradas alturas divinas. Deixou o céu e se fez homem. Realizou todo o sentido do seu ser através deste sacrifício, desta renúncia. Ao entrar em Jerusalém, sabendo exatamente que estava atirando a luva àqueles que tinham poder sobre ele, completava-se sua entrada no mundo terreno. No início da grave semana repete-se, ainda uma vez, em outro nível, aquilo que três anos antes significou o começo de sua vida terrena. Do mesmo modo que abandonara o céu, abandona agora a natureza paradisíaca da Galiléia.
Quando ele desceu do céu a terra, os homens nada perceberam. João Batista, que prestou o auxílio sacerdotal àquela encarnação na existência terrena, apenas supunha o que estava acontecendo quando Jesus de Nazaré tornou-se portador e continente do Cristo. Mas, através do Homem, o fato foi percebido. Ressoou a palavra: “Este é meu filho amado”. Agora, no domingo de Ramos, nessa hora misteriosa, festivamente excitada, os homens o perceberam. À palavra que naquela ocasião ressoara apenas das alturas espirituais corresponde agora o “hosana” dos homens extasiados. Subitamente, os homens percebem, como em uma renovação instantânea da antiga clarividência, que não é apenas homem aquele que vem montado no burrinho. É como se a alma do povo se precipitasse para perceber o brilho irradiante, a aura solar que emana de Jesus de Nazaré. O ser divino do Cristo teve que se reter durante três anos, pois, se não fizesse, teria violentado os homens com sua força divina. Agora, no entanto, o fruto desta reserva é que o divino que se sacrificara, que se rebaixara entrando no humano, transforma-se em poderosa decisão volitiva. Primeiro, o divino ofuscava, escondia o humano na figura do Cristo. Agora, o humano arde em fogo divino. E é deste fogo de volição que parte a faísca que acende o entusiasmo da massa popular. A embriaguez de uma premonição primaveril se apodera do povo, mas este só sabe interpretar o fato politicamente.
O Cristo sabe melhor. Sabe que está trazendo algo à Cidade Santa, quintessência de toda a evolução pré-cristã da Humanidade: está introduzindo algo de totalmente diferente de tudo, até das maiores maravilhas que a Natureza terrena pode produzir. E uma semente de fogo que virá transformar o mundo pela base. A superfície bem pode estar agora concordando, excitada. Mas isto nada significa. Poucos dias depois veremos que a superfície pode imprecar tão bem quanto abençoar. Trata-se apenas de ondulações superficiais. A Natureza da terra em que penetrou o Cristo pelo batismo no Jordão só pode lhe dar, enfim, a morte. A cidade que grita “hosana” só pode finalmente crucificá-lo.
Salta a faísca, acende-se o fogo, mas o Cristo atravessa as ondas de entusiasmo sem alterar-se. Quer penetrar na camada mais profunda. Quantas maravilhas não nos doa o sol natural quando nasce de manhã e pare o dia! Mas o sol exterior, o sol antigo, relacionado apenas ao homem – ser natural, se põe todas as tardes. Após o solstício de verão, ele se afasta da terra, vem o outono e o inverno. O sol natural vem, mas vai, como a vida natural que sempre nasce e sempre morre. Às alegrias da infância segue-se sempre a dor da morte. Cada qual terá que morrer algum dia, por mais cheio de vida que tenha sido quando criança e quando jovem. O domingo de Ramos é o dia do velho sol. O domingo da Páscoa será o dia do novo sol. Este não é o sol natural, é o sol espiritual. Não se põe. É permanente. Pode até mesmo ser mais facilmente encontrado nas trevas de um destino grave, na miséria, na doença e na morte, do que no arrebatamento da alegria, da infantilidade despreocupada. O Cristo entra na velha Jerusalém. É domingo de Ramos. Mas ele traz para o mundo em ocaso, moribundo, a nova Jerusalém. Não acompanha a trilha primaveril do sol exterior. Por quê? Para acender, no mais íntimo da terra e da humanidade, o novo sol, o sol perene, fiel e onipotente. É este o caminho que vai do domingo de Ramos ao domingo da Páscoa, do velho ao novo sol.
Na história da entrada em Jerusalém reconhecemos o caráter falacioso de todos os estados extáticos. Todo entusiasmo apenas extático surge quando o homem obedece apenas à Natureza. É bom, sem dúvida, que sejamos capazes de vivenciar alegria e entusiasmo diante das imagens da primavera, no convívio com crianças, no encontro dos milagres da juventude e do amor. Certamente não gostaríamos de dispensar esse entusiasmo natural. Mas devemos saber e reconhecer que é perigoso confundi-lo com a própria vida. O entusiasmo apenas natural se origina, em realidade, do homem apenas corpóreo. Só em momentos ocasionais se ergue à altura do espírito. O verdadeiro entusiasmo, que persiste no “hosana” e não se transforma em “crucificai-o”, não se forma de baixo para cima, mas de cima para baixo, nasce quando o espiritual se enraíza no ser humano, quando a faísca divina se realiza e se encarna na terra.
Emil Bock
OS ACONTECIMENTOS DA SEMANA SANTA – INTRODUÇÃO
A semana que precede a Páscoa é um período significativo que se destaca não apenas no ano Cristão, mas também no transcurso anual da própria Natureza. No ano cristão ela encerra toda a plenitude do drama da Paixão, a grande parte final do Evangelho. Em diversas regiões ela é designada como “Semana do Silêncio” ou também como “Semana Magna”, revelando-se assim que só pode contar com a realização da festa da Ressurreição quem é capaz de vivenciar toda a grandeza da Semana Santa.
O significado da semana que precede a Páscoa no transcurso natural do ano reside na lua cheia da primavera. Rompe-se definitivamente o encanto do inverno a nova vida da Terra progride aos saltos, com um poderoso ímpeto seivas e forças começam a geminar e brotar no reino vegetal. Na luta entre o dia e a noite, o dia alcança a supremacia vitoriosa que se consolidará em triunfo da luz no primeiro domingo após a lua cheia da primavera.
O conteúdo evangélico da Semana Santa não coincide de antemão com a natureza primaveril. Pelo contrário, opõe-se-lhe em contraste agudo.
Somente no final, ao nascer o sol da Páscoa, ele desemboca em júbilo estivo que coincide com o rejubilar do milagre da primavera. O drama sério da Semana Santa é, no entanto a preparação dessa consonância. A primavera da natureza irrompe por si mesma. A primavera interior da festa da Ressurreição deve ser conquistada através da peregrinação ao longo das estações da Semana da Paixão.
Os sete dias que precedem a Páscoa podem ser comparados às doze noites santas do período natalino. O período “entre dois anos” é, para os que devotamente se entregam à trama do pleno inverno, a preparação adequada para os doze meses do ano novo. Os sete dias da Paixão dotam aqueles que participam, em atividade interior, do Mistério da Paixão, de novas forças para todo o seu destino.
Os acontecimentos que se passaram a 2000 anos na Semana Santa entre o domingo de Ramos e o domingo da Ressurreição foram revelações arquetípicas do destino que, a cada ano, conferem aos sete dias de cada semana um novo e mais elevado sentido e um cunho luminoso que plasma as almas.
Os dias da semana sempre contiveram as diversas cores e os sons das sete esferas planetárias, conforme revelam seus nomes nas línguas européias: Sol(domingo = Sonntag); Lua ( segunda-feira = Montag); Marte (terça-feira = Mardi em francês); Mercúrio (quarta-feira = Mercredi); Júpiter (quinta-feira = Jeudi); Vênus (sexta-feira = Vendred); Saturno (Sábado = Saturday). Naquela semana pré-pascal, entretanto, cada dia da semana recebeu, além da diferenciação cósmica, o cunho do pensamento planetário cristão.
Os dias da Semana Santa ainda não têm seu conteúdo plenamente realizado na sensibilidade cristã: o único a se impor foi a sexta-feira santa, com a concepção da cruz no alto do Gólgota: para uma parte da cristandade, esta imagem se estendeu a todas as sextas-leiras, transformadas em dias de jejum. Além da sexta-feira, somente o domingo de Ramos relacionou-se a uma imagem poderosa nas regiões onde é hábito o enfeite com ramos de palmeira: a imagem da Entrada em Jerusalém. Em realidade, porém, cada um dos sete dias revela um novo mistério cósmico sob uma forma humana e histórica.
Quando o Cristo entrou em Jerusalém no domingo de Ramos, o antigo Sol ainda reinava no céu, mas recebeu sua despedida a fim de que pudesse nascer, no domingo seguinte, o novo sol da Páscoa. Quando, na segunda-feira, o Cristo condenou a figueira e limpou o templo na Cidade Santa, o sol de Cristo se opôs ao princípio lunar, às forças lunares do Velho Mundo, necessitadas de uma renovação.
Quando o Cristo, na terça-feira, teve que discutir com os adversários que chegavam em grupos para induzi-lo a trair-se; quando ele teve que lutar com a arma do Verbo espiritual; e quando, finalmente, no ressoar vespertino dessas lutas, ele se retirou com seus discípulos para o Monte das Oliveiras e lhes abriu a visão profético-apocalíptica do futuro, o espírito de Marte também recebeu, por sua vez, o cunho do Cristo. Na quarta-feira, durante a Unção de Bethânia e a traição de Judas, Mercúrio encontrou-se com o sol do Cristo. E, na quinta-feira quando o Cristo lavou os pés dos discípulos e lhes ofereceu a Santa Ceia, uma auguriosa luz de Júpiter iluminou a aflição e a tristeza das almas.
Na sexta-feira santa ocorreu a mais milagrosa elevação de tudo o que pudera significar para o homem a idéia da deusa do amor; Vênus ou Afrodite: deu-se um ato de amor, maior do que qualquer ato de amor possível. O Sacrifício por amor em Gólgota foi a transformação do princípio de Vênus pelo princípio solar do Cristo. Quando o Cristo repousava no sepulcro, o sol do Cristo encontrou-se com o espírito de Saturno no universo, até que, finalmente, no domingo, a própria oitava do sol nasceu no firmamento, o sol do Cristo, que vencera todas essas etapas de luta.
O drama do mistério da Semana Santa é uma unidade grandiosamente completa em si. Acompanha-se de um mistério de composição que se nos desvenda à medida que desenvolvemos o sentido em relação ao valor das etapas na vida de Jesus. O que aconteceu nos sete dias pré-pascais é uma condensação de toda a vida do Cristo. As mesmas leis originais e as mesmas etapas reveladas na sagrada biografia dos três anos ressurgem dramaticamente resumidas diante de nossa visão. A partir da semana da Paixão podemos reconhecer nos três anos da vida do Cristo toda uma grande Paixão. A Entrada em Jerusalém é uma oitava do Batismo no Jordão. Completa-se a entrada do Cristo em nossa existência terrena. Recebe seu cunho definitivo o mistério da Encarnação que se iniciara três anos antes.
Os acontecimentos da segunda-feira, a maldição da figueira e a purificação do templo correspondem à tentação do Cristo descrita pelos três primeiros evangelhos. O Cristo se defronta aí mais uma vez com as velhas forças lunares do mundo. Não lhe servem, ele as afasta e vence a tentação de usá-las. Não lhe importam os sucessos externos, importa-lhe completar sua missão. A limpeza do templo relatada no Evangelho de João pertence, como vimos, aos ecos da vivência da Tentação e, portanto, se situa no quadro das grandes correspondências da outra limpeza do templo relatada nos primeiros três evangelhos. E quando, na terça-feira, as réplicas na discussão com os adversários reluzem como golpes de espada e quando, à noite, os relâmpagos apocalíptico atravessam a conversa com os discípulos, repete-se, em um nível mais elevado, o que ocorreu quando Jesus teve que se separar de sua terra natal e de seus parentes de sangue em Nazaré, a fim de se dedicar ao parentesco espiritual, ao círculo de seus discípulos. O Apocalipse do Monte das Oliveiras corresponde ao Sermão na Montanha, no qual foi firmada a dedicação decidida à família espiritual. Aos acontecimentos da quarta-feira, unção em Bethânia e traição do Judas, corresponde, na grande vida do Cristo, a tragédia de João Batista. É a mesma crise, a mesma conjunção. O Lava-Pés e a Santa Ceia são a oitava, a última repetição decisiva, do mistério que já reluzira na alimentação dos cinco mil e na perambulação à beira do mar.
O que acontece na sexta-feira nada mais é do que a acentuação final e a realização total da Transfiguração da Montanha. O Sepultamento no Sábado de Aleluia leva mais adiante, no âmbito das decisões cósmicas, aquilo que estava encerrado na decidida partida para a Judéia, na partida para o campo de batalha da decisão. Na manhã de domingo da Páscoa confundem-se os dois círculos, o grande dos três anos e o pequeno dos sete dias. A Semana Santa como um todo corresponde, na vida do Cristo, à irrupção do sol que, dentro da Semana Santa, só ocorre na manhã do domingo da Ressurreição.
Emil Bock
O APÓSTOLO JUDAS
O estudo da Antroposofia nos conduz à pergunta, feita muito conscientemente, a respeito do mal como escuridão espiritual, em contraposição ao Bem, como luz.
A época da Semana Santa e da Páscoa suscita essa pergunta de modo profundo: escuridão – luminescência?, trevas-luz?
Ao procurarmos por uma compreensão mais profunda dos motivos, das forças que teriam impulsionado o ato de Judas (um dos doze apóstolos) que aparentemente, é o delator, é o apóstolo cheio de falsidade responsável pela morte de Jesus Cristo na cruz, nos deparamos exatamente com a questão do Mal e a questão do Bem.
A respeito do Mal, Rudolf Steiner conta a seguinte história:
“Era uma vez um homem que muito pensava a respeito das coisas do universo.
O que mais atormentava o seu espírito era quando procurava conhecer, saber, entender a origem do Mal.
Ele não conseguia encontrar resposta.
“O mundo provém de Deus” – dizia ele a si mesmo, “e Deus só pode trazer o Bem dentro de si. Como podem então surgir pessoas más a partir do Bem?”
E ele voltava a pensar, a pensar “Como então se originam pessoas más a partir desse grande Bem?”
Mas tudo em vão, a resposta não conseguia ser encontrada.
E num certo dia aconteceu que esse homem que tanto cismava, no seu caminho veio a encontrar uma árvore que estava dialogando com um machado.
Dizia o machado para a árvore:
“Uma coisa que para você é impossível fazer, para mim é fácil: eu posso derrubá-la, mas você não pode me derrubar”.
Respondeu a árvore ao machado presunçoso:
“Faz um ano, passou por aqui um homem e tirou do meu corpo, usando um outro machado, a madeira para fazer o seu cabo”.
E tendo o homem ouvido essa conversa nasceu em sua alma um pensamento que ele não conseguia colocar claramente em palavras, mas esse pensamento respondia integralmente a questão: Como pode descender maldade do Bem.”
E a respeito de Judas? Como podemos entender o seu ato? Mal ou Bem?
Na questão da personalidade de Judas Iscariote, podemos, lendo E. Bock – Césares e Apóstolos – e Irene Johansen – Os doze portais – compreender melhor a complexidade da terrível missão que lhe cabe e que resulta no seu próprio suicídio. O Judas praticando o Mal, trevas, para que possa brilhar a luz, o Bem.
Emil Bock que realizou estudos profundos dentro do campo da Ciência Espiritual, aborda o assunto colocando as duas polaridades, Cristo e Judas como um dos mais profundos mistérios da entidade humana e da própria vida.
Como pode Cristo aceitar entre os homens que formaram um círculo de seguidores muito, muito próximos a ele, aquele que viria a traí-lo? Como pôde alguém que, durante três anos usufruía da benção da proximidade diária de Cristo, vivendo sob seus cuidados e condução traí-lo por moedas de prata?
OS APÓSTOLOS
Vemos que os doze apóstolos são representantes da humanidade. Toma corpo neles cada uma das doze facetas da humanidade total, não há, no círculo que formam, uma só qualidade espiritual que não se encontre representada. Tal como o Sol caminha pelo zodíaco. Cristo caminha pela Humanidade representada pelos Apóstolos.
O próprio Evangelho aponta para o signo de cada um dos Apóstolos. Irene Johansen no livro “Os doze portais”, traz esse aspecto. E assim como entre os signos do zodíaco o Escorpião, entre os Apóstolos há Judas.
Se, para tornar o círculo do zodíaco completo necessário foi que dele fizesse parte o Escorpião, com a sua característica de ansiar por conhecimentos e, sendo extremamente acordado se distancia da relação sadia do mundo e do cosmo, necessário também foi Judas fazer parte do círculo dos Apóstolos.
Por uma questão de local de nascimento e de criação, Judas Iscariote tinha características diferentes daquelas da maioria dos outros discípulos: grande parte deles era pescador, ele, adquirira cultura e conhecimentos pronunciadamente intelectuais. A maioria vinha da Galiléia, ele, da Judéia.
O desenvolvimento unilateral, a consciência apenas intelectual faziam com que as imagens que se colocavam diante da alma de Judas eram representativas da vida físico-sensorial, mas um grande fogo ardia também nessa sua alma. A alma de Judas sentia-se dilacerada entre o brilho, o fausto, o poder de Roma que admirava e o desejo ardente de conduzir; até mesmo obrigar o Cristo a se revelar como o Messias esperado. Nisso consiste a grande tragédia à qual Judas foi conduzido pelo seu destino interior. Conflito entre dominador e dominado.
JUDAS ISCARIOTE
Na etapa inicial de sua vida adulta Judas, que fora educado dentro de tradições de sabedoria esotérica, se desvia desse caminho e, chegando a Jerusalém, se integra às idéias e impulsos políticos do procurador romano Pilatos.
No episódio seguinte, que ocorre por ocasião da festa da Páscoa, sua atenção é um tanto nebulosa mas tudo leva a acreditar na possibilidade de ter sido Judas o detonador da crise: alguns judeus com tendências mais fanáticas confiavam em poder vencer a supremacia de Roma com um levante. Os romanos perderiam o domínio. A data marcada para tal, era a festa da Páscoa em que um número incontável de peregrinos chegaria a Jerusalém. Mas, entre estes, disfarçados pelos mantos de peregrinos, estavam soldados romanos que, jogando os mantos em determinado momento, deram início a um verdadeiro banho de sangue, sufocando a revolta mesmo antes que eclodisse.
Na ilusão de prestar um serviço ao seu povo e ao evitar o planejado levante, evitar mortes desnecessárias, na realidade Judas invocou uma grande desgraça. Dizendo a si mesmo que desejava devolver ao seu povo a antiga grandiosidade e esplendor, não teria cedido ao seu próprio egoísmo?
O aspecto lunar de sua alma não se levantara contra o aspecto solar ao qual deve sua luz e a sua vida?
ENCONTRO COM JESUS
No final da segunda etapa da sua vida Judas está alquebrado em sua vontade ardente, arrependimento, desespero, contrição diante da morte de tantos judeus o fazem encontrar o caminho para o círculo que se formava em torno de Jesus. A infinita bondade que flui do Cristo restabelece a confiança de Judas Iscariote.
E nele desperta a esperança de que, em algum dia feliz, desse homem Cristo Jesus irromperia, resplandecente, o Messias que com força divina, mudaria o mundo. Um Judeu seria rei do mundo.
A luz da bondade divina, espargida por Jesus, penetrou e iluminou as mais profundas camadas da alma de Judas, contudo ele aguarda impaciente que Jesus se eleve para a grande magia política para fundar aqui na terra o reino de Deus. Não o tocaram os diversos milagres realizados por Jesus – a alimentação dos 2000, a transfiguração no alto do monte – pois somente seus olhos físicos estavam abertos. Era muito diferente a sua expectativa. A confusão se instalou em seu íntimo, Judas já não comandava seus sentidos nem seus pensamentos. Evidencia-se uma situação que beira a patologia que resulta no acordo de trair aquele que amava, beijando-o na face, por trinta moedas de prata.
Quando Cristo se reuniu com os discípulos para a ceia e respondendo à pergunta de quem seria aquele que o iria trair, diz: “Aquele a quem eu oferecer o bocado umedecido”, está dado o último passo.
Judas já não tem mais nenhuma força de forma social. Apenas as forças do seu signo zodiacal atuam, são forças que em lugar de aglutinar dispersam. A força intelectiva da lua (moedas de prata) estará fazendo com que ele julgue ser um sol? A ilusão tem o domínio total sobre sua alma.
Em seguida Judas Iscariote acompanha sofregamente o desenrolar dos acontecimentos. No sinédrio Cristo não realiza as expectativas de Judas; em sua alma desperta paulatinamente, o reconhecimento da verdade quando, finalmente ele atira as moedas de prata de volta ao templo, já é tarde demais.
Arrependimento o castiga diante do Crucificado. A semente que durante a convivência de Judas com Jesus, havia caído nas profundezas da sua alma, encontrou essa alma já estilhaçada e só poderá brotar em vidas futuras.
A trágica vida de Judas termina por suas próprias mãos. Ele é o Apóstolo que não participou do acontecimento luminoso da Páscoa.
Mas ao dar o último suspiro ouviu soar em sua alma as palavras: “Tu perderás a todos, só restar-te-á o Eu Sou”, e soube que Cristo não teria podido vencer a morte, se não a conhecesse em sua essência mais extrema.
Festas Cristãs
PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS
(…) O padecimento de Cristo Jesus não se restringe à sexta-feira santa. O imenso sofrimento que significou para ele tornar-se homem é pouco pressentido. O aspecto cósmico do sofrimento do Cristo está neste fato: o Filho de Deus tornou-se Homem e padece sob esta limitação. O aspecto humano do sofrimento é associado a Pôncio Pilatos? Ele não sofreu também com Judas que foi um dos doze que conviveu com ele e mesmo assim o delatou aos poderosos? Também não sofreu com Pedro que apesar de suas palavras grandiloqüentes o negou por três vezes? Mesmo com João, o Batista, ele poderia ter sofrido! Ele o batizou, viu-o como ninguém jamais o viu sobre a Terra, e, no entanto, da prisão mandou indagar “És tu aquele que esperamos?”. Não soaria melhor o credo se dissesse “O Cristo Jesus padeceu a morte de cruz sob os fariseus e os escribas”? O que faz Pôncio Pilatos se destacar de todos os outros?
No âmbito comum da vida existe a expressão: ”ir de Pôncio a Pilatos”. Ela é usada quando se vai de uma repartição a outra; quanto, burocraticamente, se tem que pegar um carimbo ou uma assinatura, ou dar entrada em papéis em uma repartição pública, e o responsável não quer assumir sua função. Fica-se com a impressão de que o funcionário em questão não quer tomar por si a responsabilidade da decisão. Se ele o fizesse, se cumprisse sua função, evitaria perda de tempo, esforço e as inúteis indas e vindas do solicitante – vai-se então “de Pôncio Pilatos”.
Esse mesmo gesto encontramos no drama da paixão. O Cristo é enviado de um responsável a outro. De kaifás a Pilatos, de Pilatos a Herodes, de Herodes a Pilatos, de Pilatos ao povo e do povo a Pilatos. Este então lava suas mãos com água como sinal de que não quer ter responsabilidade pela decisão da crucificação.
Padeceu sob fraqueza de conduta…, poder-se-ia dizer. Ninguém teve a coragem de intervir com autoridade para dar um basta na tramóia assassina.
Pilatos é o supremo representante de Roma em Israel, é o Procurador, representa o Governo de Roma. Somente César está acima dele na hierarquia. Ele é um amigo de César, como sabemos do evangelho. Ser um amigo se César é um privilégio enorme. Mais alto do que isto não se poderia subir na hierarquia de poder, pois, além dele está César. Pilatos possui muito poder, com isso, o medo de perder o status de poder alcançado:
“Se o libertares, não serás mais amigo de César!” – uma ameaça grave e crescente. Padeceu sob o medo de perder o status… Tema bastante atual.
Pilatos está acima de todos os outros. Ele não apenas é poderoso, amigo de césar, o que detém o poder de julgar podendo evitar o pior. Ele é, além de tudo, um erudito que busca a verdade e tem conhecimento dela. Como governador em Jerusalém, como supremo representante do poder de ocupação, ele sabe muito bem o que aconteceu no domingo anterior (de ramos), cinco dias antes do julgamento. Jesus de Nazaré entrou em Jerusalém montado num burro, como na antiga profecia do Rei e do Messias. Ele foi recebido pelo povo como Rei. Pelo evangelho sabemos que Pilatos, ao contrário de Herodes, não é um déspota, mas que se interessava pela vida do povo que governava. Ele luta com a questão o que é a verdade? Aqui vemos um homem com inclinações filosóficas, na cadeira de procurador romano. Ele era alguém que procurava a verdade.
A questão do Deus que se torna homem não vivia apenas entre os judeus. A espera vivia desde muito tempo entre todos os povos do Mediterrâneo. Alexandre, o Grande, foi sentido como precursor do Filho do Homem.
O César romano se declarava a si próprio como filho de Deus. A espera pelo Filho de Deus na Terra, naquele tempo, demonstra a verdadeira dimensão da pergunta de Pilatos: “És tu o Rei dos Judeus”?
O relato do julgamento de Pilatos no evangelho de João tem uma composição bastante peculiar. Trata-se de uma oscilação que ocorre entre o lado de fora do pretório, onde se encontravam o povo e seus representantes, e o interior, onde acontece o diálogo entre Pilatos e o Cristo: é um drama e sete atos. Esta oscilação entre o exterior e o interior é uma imagem daquilo que estava acontecendo na própria alma de Pilatos. Do lado de fora encontra o mundo que gira: os demônios; no interior encontra o Messias: a Verdade.
Pilatos percebe a dignidade e realeza de Jesus, e a reconhece no diálogo com Ele. O Cristo se lhe revela: “Aquele que vive na verdade ouve a minha voz”. Pilatos recua ao perguntar-lhe “O que é a verdade?”; e foge para fora. Em seu íntimo ele já conhece a resposta: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.” Mas não quer ouvir a voz em seu interior. Ao invés de libertar Jesus, busca a decisão do povo possesso. O povo não se deixa convencer. “Ecce Homo” – eis o Homem – é tudo o que Pilatos diz. Ele reconhece em Jesus “O Homem”, o arquétipo dos homens, o ideal de seu porvir. Quando sabe, pelos judeus, que Jesus se disse Filho de Deus, Pilatos estremece, se assusta profundamente, pois seu pressentimento agora torna-se conhecimento. Perante ele está, não somente o Rei dos Judeus, o arquétipo de todos os homens, mas O que era esperado por todos.
Ao não seguir o reconhecimento em seu íntimo, não evita a crucificação. Pilatos está cônscio de que o Filho de Deus está diante dele, e tem poder para libertá-lo, mas não está disposto a sacrificar seu status de amigo de César. Ele quer livrar-se da responsabilidade. Isto é o que diferencia Pilatos de todos os outros por quem Jesus padece. Judas, Pedro, os escribas e fariseus, eles não tinham o conhecimento necessário e nem o poder para agir livremente. O drama de Pilatos, é o drama do homem destinado à liberdade. Livre só é aquele que tem o poder de agir e ajuizar seguindo o seu conhecimento. Pilatos age contra aquilo que ele próprio conhece: a Verdade. Este fato permite resumir a vida de Cristo na Terra como figura no credo:
“O Cristo Jesus padeceu a morte de cruz sob Pôncio Pilatos”.
O drama de Pilatos repete-se diariamente de mil maneiras. Em cada pessoa, e, em cada contexto social. Cada vez que nossa posição, o nosso status e opinião que outros têm a respeito de um fato são mais importantes que a verdade reconhecida intimamente, o Cristo é crucificado. Livres somos, e livres agimos, quando nossos atos são condizentes com o que conhecemos, e, se temos a disposição para assumir as conseqüências dos nossos atos nascidos do reconhecimento individual e interior da Verdade.
Pastor Hams Bern Neumann
A DESCIDA DO CRISTO PARA A TERRA
Na passagem dos tempos, deu-se a descida do Cristo ao Sol para a Terra.
Cristo uniu-se profundamente à Terra, permanecendo após a ressurreição , como ser espiritual, unido à esfera etérica da Terra.
Nessa esfera, para o final do milênio, cada vez mais pessoas poderão vivenciá-lo.
A Terra preencheu-se de luz divina, porém os anjos perderam a luz nas esferas celestiais, e a partir do mistério de Gólgota dependem dos homens, que abarcam o Cristo no seu ser espiritual e começam a brilhar para os cosmos.
As hierarquias celestes, olhando para a Terra, enxergarão os que terão acolhido a luz em si, como estrelas brilhantes.
As palavras “Não Eu, mas Cristo em mim” se tornarão cada vez mais realidade.
Essa luminosidade será cada vez mais a luz que irradia para o cosmos.
Acolhemo-la pois cada vez mais dentro de nós!
Festas Cristãs
A ÁRVORE DE NATAL, UMA CONÍFERA LUMINOSA QUE FLORESCE E DÁ FRUTO
Uma conífera desempenha papel muito importante na vida de uma criança, uma vez por ano, como árvore de Natal. Ela é, então amorosamente enfeitada, guarnecida de velas, nela penduradas maçãs e nozes e, com ouro e prata, ela é decorada o mais lindamente possível. Quanto cuidado é empregado nisso, e que esplendor irradia dela quando as velas são acesas!
Perguntamo-nos, às vezes, por que tudo isso é feito dessa maneira! Por que tem de ser justamente uma conífera, seja um abeto ou uma epícea? É evidente que precisa ser uma árvore que também no inverno, isto é, quando nela prendemos as velas. Sim, a chama das velas é a flor das coníferas!
Pensando então que o pinheiro é um tipo de árvore que também no verão não tem flores – isto é, nenhuma como, por exemplo, a da macieira – então as velas colocadas nele nos parecem cheias de significado. Ele, que no meio do inverno floresce tão maravilhosamente, anuncia-nos, naturalmente, a grande e clara luz da alma que veio ao mundo através do nascimento do menino Jesus.
A árvore de Natal deve mostrar-nos que tudo pode ser redimido e pode reluzir como as flores de luz magicamente implantadas em suas agulhas. São flores que ainda não podem tornar-se visíveis e que só revelam pelo aroma da resina. Com as velas acesas é que elas são, pelo menos simbolicamente, libertadas.
Em algumas casas, é também costume pôr ainda rosas vermelhas na árvore de Natal. Podem até ser rosas de papel, isso não importa.
É claro que uma árvore dessas também pode estar carregada de frutos. Antes do Natal não podia, mas agora pode. Por isso, penduramos tantas maçãs nos galhos que eles quase se dobram, e também penduramos nozes. Porém, para mostrar que se trata de frutos celestiais, as nozes precisam ser douradas. Naturalmente, podemos até pendurar pães-de-mel e outros deliciosos quitutes. Eles também desempenham o papel de frutos, pois podemos comê-los. Ouro e prata nos galhos faz tudo ficar especialmente solene e festivo. Assim, fazemos com que a conífera, na época do Natal, brilhe, floresça e dê fruto.
Gerbert Grohmann
CONTEMPLAÇÃO SOBRE O MISTÉRIO DE NATAL
O evangelista Lucas, no 2º. Capítulo, narra o nascimento de Jesus.
Com nossos olhos da alma enxergamos a jovem mãe de uma beleza e uma pureza virginal que Rafael pintou em suas “Madonas”, com a criança na manjedoura; e os pastores no campo sob um céu estrelado guardando seu rebanho. Enxergamos o anjo revestido de esplendor divino, que lhes anuncia que nasceu o Salvador; e de súbito todo o coro celestial entoando o hino:
“Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade!”
A cada noite de Natal lembramo-nos assim do nascimento de Jesus e renovamos no nosso foro íntimo os votos de um amor mais caloroso a todos os nossos próximos.
Podemos, porém, alargar nossa visão. Podemos divisar a linda criança 33 anos depois sendo homem adulto, que padece a morte na cruz, renegado pelos dirigentes do seu povo. E podemos lembrar-nos que os Evangelhos nos narram que de forma inaudita e misteriosa Jesus morto ressurgiu do túmulo, aparecendo em seguida durante quarenta dias aos seus discípulos.
É aí que surge hoje a pergunta: quem afinal é aquela pessoa tão extraordinária sobre cujo túmulo se originava uma nova religião? E como podemos entender aquele mistério da ressurreição?
Houve outros homens que viveram uma vida exemplar tais como Gauthama Budha e Sócrates. Outros houve que conseguiram curas milagrosas e outros “milagres”. Ainda outros inocentes foram e diariamente estão sendo cruelmente torturados e mortos. O que então é o peculiar que nos conduz a chamar o Jesus de Nazaré o Cristo, o salvador do mundo? Particularmente de um mundo como o de hoje, que se encontra mais distante do que nunca da paz, da harmonia e do amor?
Para compreendermos esse grande mistério devemos voltar nossos pensamentos às
Origens do mundo e da humanidade. Conta-nos o Velho Testamento, em forma de grandes imagens, que Adão e Eva, os primeiros homens, saíram primorosos das mãos da Divindade. Porém, sucumbiram à sedução do tentador e perderam a inocência, tornando-se mortais. Nos milênios que se seguiram, a humanidade, na qual havia entrado o germe do egoísmo, desceu de degraus até chegar, sob o Império Romano, na época de sua decadência, ao cúmulo da depravação. Se a humanidade não deveria perder por completo seu caminho e até sua própria identidade, então, tornava-se necessário um novo ato da divina providência.
Mas como? Não havia esse Ser Supremo mesmo posto um limite á sua onipotência em relação aos homens? Não havia Ele dotado os homens da faculdade de discernimento do bem e do mal quando não impediu que comessem da “árvore da ciência do bem e do mal”? E não os havia dotado de liberdade de agir de acordo com sua cognição? Não havia Ele desta maneira abdicado de interferir diretamente no destino dos homens? A própria pergunta encerra a resposta.
O que então fez a Divindade para salvar os homens? Encarnou-se num ser humano, encarno-se em Jesus de Nazaré (durante o ato do batismo no rio Jordão por João Batista). Compenetrado pelo Divino tornou-se Jesus o “Filho de Deus”; mas, ao mesmo tempo, nascido do ventre de uma mulher, era também o “Filho do Homem”. Contrário a Adão, soube resistir à tentação pelo Diabo, recusando no deserto as suas promessas. Deus e homem em uma mesma pessoa, padeceu. Ele o destino mais cruel, tornando-se naquele de quem Isaías ( 53,3-4) havia profetizado:
“Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas
dores levou sobre si; e nós o reputamos por aflito, ferido e oprimido por Deus.
Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades;
O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisadeiras fomos
Sarados.”
Podemos perguntar: será que tudo isto por si só justificaria chamar Jesus o salvador do mundo? A resposta só pode ser: não! Algo mais teve que acontecer para atribuir-lhe esta qualificação . É o fenômeno da ressurreição.
Como podemos explicar este fenômeno, já que é impensável que o Supremo ser infringisse uma lei natural por Ele mesmo posto, tornando um morto vivo? Seria algo que poderíamos chamar de “a impossibilidade do onipotente”.
Tentemos explicar de que se trata na realidade.
Cada corpo de um ente vivo é produzido por energias, por forças físicas por si só invisíveis, mas que se tornam visíveis no momento em que assumem substâncias materiais, compenetrando-as e amalgamando-as consigo. Uma vez que um corpo humano formado dessa maneira sucumbe à morte, ele se decompõe e aquelas forças que haviam constituído o corpo físico de uma pessoa não se dissiparam depois de sua morte, mas conservaram-se coesas tais quais eram enquanto Jesus vivia, guardando inclusive seu semblante. Foi nesta forma que Jesus, numa corporalidade física porém não material, apareceu aos seu semblante. Foi nesta forma que, através da convivência com Ele, haviam adquirido um novo órgão para perceber o invisível e o intocável (Thomas). Essa conglomeração de forças, essa “Gestalt” ficou preservada e presente no mundo supra-sensível através dos séculos qual um núcleo poderoso cuja força irradiante pode se transmitir a todos que, num estado de meditação religiosa, tornam-se receptíveis a essas forças. Colocar-se nesse estado de receptividade e obter assim a força e o impulso de seguir os preceitos do mestre chama-se hoje: ser cristão, obter a salvação.
Admitimos que se trata de um grande mistério que não pode ser vivenciado exclusivamente aplicando o raciocínio lógico. Mas, conscientizemo-nos que somos dotados não somente de um intelecto, mas de outras poderosas faculdades da alma que precisamos evocar e cultivar para alcançar algo dos grandes mistérios da existência humana e do mundo.
Festas Cristãs
CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE DEZEMBRO, NATAL E EPIFANIA
Já são passados bem mais de quarenta anos desde o meu primeiro encontro com a antroposofia e a pedagogia Waldorf. Este encontro resultou em encantamento e em muito aprendizado!
Hoje eu sei do significado profundo dos quatro domingos que antecedem o Dia de Natal, cada um deles preparando um reino: mineral, vegetal, animal e o ser humano, para receber com júbilo a Criança divina. É a época do advento – aquilo que esta por vir. Céus e Terra se unem, através de seus representantes, para saudar o Menino. São pedras preciosas e estrelas; musgos, sementes de areia; carneirinhos de lã e velas feitas de cera de abelha; figuras de pastores, Maria e José que, paulatinamente, criam cenário para o grande acontecimento. E, finalmente, depois de longa caminhada, Maria e José chegaram á gruta ou ao estábulo, surge o grande Anjo do Nascimento – Gabriel – e, na gloriosa noite de 24 para 25 de dezembro, também o pequenino Jesus aparece na manjedoura. Assim se passou quatro semanas em crescente expectativa e admiração, a casa semana ou cada dia, uma novidade. E vem os pastores saudar a Criancinha. Depois, os pastores se vão.
A partir de trinta e um de dezembro, á medida em que os pastores se afastam do cenário, aproximam-se os três Reis Magos. Seguem a estrela que anuncia o nascimento de um elevado ser, um Rei.
No dia 6 de janeiro, Epifania, os três Reis, Gaspar, Baltazar e Melquior, encontraram a criança, pois a Estrela Guia permanece brilhante sobre o local, sem mais se mover. Os reis oferecem suas dádivas, o ouro, o incenso, a mirra.
É o dia de Epifania e é o dia de Reis. Mistérios que a antiga sabedoria conhece e que nós, homens modernos, cabe redescobrir! Talvez, por meio da Antroposofia…
Muitas são as histórias que encontramos para a época do Advento (entre estas, o “burrinho de Maria”), historias de pastores e de pessoas simples que vêm trazer suas oferendas ao recém-nascido. E, algumas histórias dos Reis… Aqui está mais uma:
ADVENTO E NATAL
A época do advento se inicia logo após os dias de finados, que são a época em que estamos envolvidos com os entes falecidos, com o tempo já ido, com o passado. No advento dirigimo-nos ao futuro, à época vindoura, assim como se expressa a composição da palavra “Advento”: Aquele que vem. É uma época cheia de tradições e, aqui, vamo-nos aprofundar um pouco em alguns de seus símbolos.
No advento deveríamos atravessar um portal enorme e silencioso: O que nos conduz do exterior que nos rodeia, para dentro do nosso mais oculto interior. O sol, o calor, a vegetação exuberante chamam a nossa alma para fora de nós; isto está certo e correto quando ocorre na ocasião e hora certa. A alma até deve poder viver em um mundo de sensações e de beleza natural. Porém, no advento, devemos iniciar uma introspecção, uma vivência interiorizada.
Senos interiorizarmos haveremos de ver como nós somos e nos preparamos para o SER que virá, sem a necessidade de usar chavões, posturas adquiridas, máscaras. Lebremo-nos do dito popular: “Ouça os milagres do silêncio, a sabedoria não reside nos ruídos”.
Chegou a hora certa de contar a lenda do diabo para quem a festa do Natal era constante razão de aborrecimento. “Se eu não conseguir acabar com essa festa, todo o ano da humanidade vai ter novamente a visão do céu e esta saudade voltará sempre. Deste modo não conseguirei acabar com o cristianismo”. E matutou muito; chegou a ficar pálido, mais magro e cheio de preocupações quando, repentinamente, soube o que fazer! E o que foi? Inventou a febre natalina! E desde então, sobrevém aos homens. Esta atividade febril na época do Natal! O comerciante PRECISA lucrar. Eis que surgem os dias “dourados”. E ao anoitecer da data máxima da cristandade, o homem esta acabado; talvez ainda consiga contar o seu dinheiro… E provavelmente precisará ter um longo sono! A dona da casa, porém, que deve se preocupar com filhos e parentes, com todos os tios e tias, com os preparativos da casa, quase desfalece no sofá ao chegar à noite santa – “Me deixem em paz! Não posso mais!”
Estes dois instrumentos infernais, o barulho e a pressa, amortecem em nossa alma todos aqueles sentimentos delicados e suaves que nos querem “re-ligar” à nossa origem celeste, mundo que foi perdido e esquecido.
Esta é uma das tarefas, provavelmente a mais difícil, que nos fica por tentar cumprir na época do Natal: Precisamos treinar conscientemente a achar o silencio, a compenetração e a reflexão. São somente combatendo ruídos e interferências exteriores, porém, principalmente, tentando encontrar, ou melhor, encontrando uma ligação nova com o mundo espiritual.
Sabemos que é benéfica e cheia de paz uma contemplação prolongada do céu estrelado: sentimo-nos acalmados, mais abertos e confortados ate o fundo da nossa alma. Há inúmeros versos e cações a este respeito. Este fato é como um chamado de alerta para a alma: assim como as estrelas querem iluminar a escuridão terrestre, igualmente nós devemos achar em nossa vida terrena pontos de luz dentro de nós; devemos nos iluminar com o que achamos de nós, com o que vem do mundo espiritual.
A cor que corresponde ao advento é o azul, como a do manto de Maria, e ele simbolizam a vontade que temos de nos ligarmos novamente com a nossa origem. O azul representa a escuridão que foi permeada de luz. Este azul é a cor do terreno que deve envolver o espiritual, assim como o manto azul de Maria envolve o espírito vindouro, a criança, o germinar celestial que está por vir.
Conseguiremos iluminar-nos interiormente? Conseguiremos que nossa alma possa manifestar sua luz e com isto transformar a escuridão em luminosidades? Vejamos, pois, o símbolo de TRANSPARÊNCIA:
Está é uma forma muito profunda para demonstrar-nos o que nossa alma pode ser: Uma iluminação que vem do nosso interior. Podemos comparar cada ser humano com uma transparência que ele mesmo fez de si próprio – com suas peculiaridades, suas dificuldades e seus dons, cada um, dentro do que pode ou quis, recortou, colou, tirou ou adicionou seu papel de seda ou retalhinho colorido. Todos sem a luz interior, um mais harmonioso, outro pouco chamativo, mas cada um bem individual, bem ”ele mesmo”. Porém, ao acender das velas, de cada um sairá uma luminosidade, cada um sem exceção, será iluminado, nenhum ficará esquecido ou precisará ser apagado. Assim como cada um é, cada um a seu modo, poderá ser fonte de luz quando a vela o iluminar de dentro para fora.
Se observarmos um vitral na janela de igrejas, a impressão será bem diferente daquela que teremos ao ver uma foto, melhor que seja, deste mesmo vitral. É o segredo, é a magia da iluminação através de algo, da transparência. A transparência. A transparência deixa isto bem claro: Cada ser humano é um “eu” particular e original, inicialmente sem iluminação, ainda escuro. Ele precisa achar luz interior, que é a MESMA para cada um no mundo, e com esta luz iluminar o seu próprio eu, sem ser necessário amoldar este seu “eu”. Cada individualidade manter (e não esconder) o que lhe é peculiar e pessoal e isto com a luz que é igual para todos! Com esta luz, não só cada um deve trazer o que é pessoal e seu, mas com este seu eu iluminado, deve trazer claridade ao mundo TODO!
E damos, então passo para o símbolo da VELA. A vela seria como a luz que brilha IGUALMENTE para todos. E é clara e quente: ao uma luz ofuscante como a luz artificial, e em somente quente como o calor, mas suave no clarear e no esquentar. A vela é como deveriam ser a cabeça e o coração do homem: clara no pensar e quente no amar. E, assim como a vela se consome ao ofertar luz e calor, o ser humano, também, deve-se exaurir sacrificar-se, queimando, para poder dar luz e calor a tudo e a todo!
Se perguntar-mos, retrucar-nos-ão que sempre exigiu a coroa do advento! E que nasceu junto com o pinheiro do Natal! Mas foi somente no início deste século vinte que ela começou a expandir-se largamente e se divulgou bastante durante o movimente o juvenil dos alemães andarilhos (caminhadores, excursionistas). Eles costumavam enviar aos companheiros falecidos em combate, uma coroa com velas acesas por cima de lagos e lagoas, como símbolo da viagem ao mundo do além. E, com isto, surgia uma crença e força grande para viverem esperançosos e, principalmente, confortados pela fé. Levamos coroas aos túmulos dos falecidos como símbolo de u círculo vital que se completou. E assim como a natureza que fenece transforma-se em novo crescimento, em florescer e amadurecer, igualmente, a morte do ser humano é apenas uma passagem para um mundo diferente, se contemplamos o fato através do milagre do nascimento de Cristo.
Uma grande esperança surge-nos desta visão e todo o peso que sentimos se desfaz e nos sentimos aliviados e leves. E o luto fica na terra. A coroa de flores que ficara por terra deitada no túmulo, eleva-se e gravita, flutua, como que livre do seu peso físico. E se a dependurarmos abaixo do teto, será um símbolo da vida futura que fechará seu círculo iniciado na vida física sobre a terra. A coroa, então, espalha a espera e a vinda do que a nossa alma já esta sentindo.
Suas quatro velas, acesas em seqüência de quatro domingos, cada domingo uma a mais até se queimarem todas, mostra-nos quatro direções na imensidão dos mundos, aonde os doze signos do zodíaco se fecham, também, em um circulo. As quatro velas do advento são as cruzes luminosas: as cruzes luminosas
Edith Asbeck
AS PEÇAS NATALINAS DE OBERUFER
Enquanto trabalhei na Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo como médica escolar, tive não somente a oportunidade, como também a felicidade de poder atuar em apresentações da peça de Natal por, aproximadamente, dezesseis anos. Durante os ensaios, e mesmo depois de apresentações, recebemos muitas contribuições valiosas de amigos experientes, para cada vez mais entendermos o verdadeiro significado do que representávamos, bem como sobre a postura mais adequada de alguns personagens. Aos poucos fui me aprofundando cada vez mais no tema. Em visita a Israel (logo depois do Natal de 1976) visitei todos os locais relacionados com a peça. No ano em que vivi na Alemanha (1979/80) comprei livros sobre as peças e procurei assistir a várias encenações, tentando assimilar o que cada uma tinha de particular para, depois de minha volta ao Brasil, poder contribuir com mais detalhes em nossas encenações.
Também foi nesse sentido que me ofereci a contribuir, neste ano (2008) com o grupo da Escola Travessia. Como já fazem quase 20 anos que não mais participo dessa peça, preparei-me relendo tudo o que havia estudado antigamente. Foi então que tive o impulso de escrever esse artigo, pois acredito que vários aspectos subjacentes às peças não estão mais tão vivos na consciência de quem delas participa, nem de quem as assiste.
Tive uma experiência muito triste quando, há dois anos, de visita aos Estados Unidos, onde uma de nossas filhas estava vivendo com sua família por meio ano, e meus netos estudando na Escola Waldorf local, tive a oportunidade de assistir uma peça natalina apresentada pelos professores. Estes acharam que era preciso modernizar e um deles escreveu uma nova peça. O local da apresentação era uma igreja. Os “atores” entraram pela porta dos fundos, cobertos de peles de carneiro andando de quatro e balindo. O ‘pastor do rebanho’ era ‘modernoso’: usava roupa de ciclista, capacete, e vinha ‘dirigindo seu veículo’ tendo nas mãos apenas o guidão. Ele foi o narrador da história, na qual se falava do nascimento de uma criança; havia músicas de caráter nada devoto ou sagrado. Era impossível ter qualquer sentimento de veneração, de interiorização. Ao contrário, era a mais pura banalização. Não muito diferente foi o culto natalino ao qual pude assistir numa igreja de Heidelberg em 2005, no qual as crianças daquela comunidade religiosa apresentaram a peça natalina sob forma de musical, com partes faladas, onde, p. ex., José e Maria, ao chegarem a Belém, procuraram o ‘serviço de informações turísticas’ para saber onde havia alguma pousada… o pior de tudo foi notar que os adultos estavam achando tudo isso uma graça. As crianças do público, por seu lado, brincavam e corriam pela igreja, fazendo sua própria algazarra! Onde ficou o espírito natalino?
ASPECTOS GERAIS
Karl Julius Schröer (1825 – 1890), professor de literatura alemã e pesquisador de tradições populares que, por volta de 1855, vivia na cidade de Pressburg (atual Bratislava), situada entre Viena e Budapest, soube que, não longe dali, já na Hungria, apresentavam-se peças natalinas numa aldeia em uma pequena ilha no Rio Danúbio, chamada Oberufer. Nesse local viviam camponeses cujos ancestrais eram de origem alemã. Depois de assistir às apresentações ficou fascinado, pois percebeu estar diante de peças originais, autênticas, como eram apresentadas em algumas regiões da Alemanha no final da Idade Média, até os séculos XVI e XVII.
Em torno de 1880 Schröer foi professor de Rudolf Steiner na Escola Politécnica de Viena e lhe contou sobre essas peças natalinas. Reconhecendo seu valor, principalmente pelo fato de revelar algo da evolução espiritual da humanidade em determinada época, Steiner passou a apresentá-las em comemorações natalinas íntimas, já na primeira década do século XX, pelos amigos da então Sociedade Teosófica. Mais tarde elas foram (e ainda são) apresentadas todos os anos no Goetheanum, para um público bem mais amplo, e esse costume passou igualmente para todas as instituições antroposóficas (escolas, clínicas, fazendas biodinâmicas ², etc).
HISTÓRIAS DAS PEÇAS NATALINAS
Na Idade Média o povo era iletrado, apenas o clero sabia ler e escrever. Os ofícios religiosos eram realizados em latim, ou seja, o povo nada se entendia do que se passava. Cenas de histórias bíblicas (tanto do Antigo quanto do Novo Testamento) eram pintadas nas paredes das igrejas, como forma de transmitir os conteúdos aos fiéis.
Nas formas iniciais do cristianismo ressaltava-se principalmente o sofrimento e a morte de Jesus Cristo, por esse motivo, durante o ano inteiro, durante as liturgias as oferendas eram dirigidas ao Cristo sofredor. Em outras palavras, em primeiro lugar foram a paixão e a morte na cruz que conquistaram o mundo. Somente mais tarde, e paulatinamente, deu-se espaço à criança, ao Menino-Jesus. Presume-se que a idéia de mostrar o ministério da criança – que preparava a descida da entidade Cristo para a Terra -, durante as missas de Natal, tenha vindo, senão do próprio São Francisco de Assis (1182-1226), com certeza de seus discípulos.
Inicialmente montava-se um presépio com figuras confeccionadas; mais tarde as figuras foram substituídas por padres, os quais, de forma muito simples, representavam os diferentes papéis. Somente a partir dos séculos XIII e XVI as comunidades de fiéis manifestaram o desejo de entender o que se passava ali e, depois, de participar ativamente do evento. Então, pouco a pouco, os autos passaram a ser apresentados no idioma regional e saíram do interior das igrejas. Para uma pessoa religiosa da Idade Média, a simples vivência de ‘ter embalado o menino Jesus em sua manjedoura’ preenchia sua alma de um sentimento de infinita sacralidade. De modo que, se de um lado essas peças religiosas representadas pelos sacerdotes deixaram as igrejas e se tornaram, por assim dizer, profanas, por serem apresentadas pelo povo em locais públicos, o intenso sentimento religioso desses ‘atores’ lhes devolvia seu aspecto sagrado. Foi assim que a idéia da criança sagrada vinda ao mundo penetrou no coração das pessoas mais simples. Pode-se dizer que, aos poucos, à medida que iam sendo apresentados, esses autos foram adquirindo um aspecto cada vez mais piedoso. De fato, pode-se considerar que, ao encenarem essas peças, os ‘atores’ estavam trazendo algo profundamente sagrado para a aldeia.
Pode-se notar que essas peças contém alguns aspectos rudes, até grotescos, outros são cômicos, plenos de humor, e que, por sua ingenuidade, ainda nos fazem sorrir hoje em dia. Em algumas cenas as crianças divertem-se e riem muito, mas isso não macula o caráter sublime das peças. Muito pelo contrário, impede que se caia num sentimentalismo ou pieguismo. Isso corresponde plenamente à índole dos camponeses até os meados do século XIX: saber introduzir humor e, mesmo assim, expressa a total seriedade dos textos sagrados.
AS “PEÇAS NATALINAS DE OBERUFER”
No século XVI e início do XVII muitos camponeses alemães, pessoas simples e pobres, migraram para o oeste, assentando-se na Áustria e em algumas regiões da Hungria, constituindo assim ‘enclaves alemães’ nessas regiões (como já foi mencionado, Oberufer fica na Hungria). Enquanto nos locais de origem as tradições foram sofrendo alterações e ‘modernizações’, nos lugares afastados, sem vinculo com as regiões de onde provieram, mantiveram-se quase inalteradas. Isso vale para o dialeto falado, costumes e também, no caso, para as peças natalinas, zeladas com muita veneração.
Vários estudiosos debruçaram-se sobre esses autos em meados do século XIX, comparando as diversas tradições. Quando Schröer, um desses estudiosos, teve contato com as peças de Oberufer, percebeu que estava diante de algo ainda primordial. Conseguiu a confiança dos camponeses e publicou o resultado de suas pesquisas já em 1858. ³
Na época das investigações de Schröer o texto das peças estava nas mãos de um camponês, que o havia herdado de seu pai, assim como também ‘herdara’ dele a função de ‘mestre cantor’. Este tinha como responsabilidade zelar pelo manuscrito, escolher atores, ensaiar as peças, enfim, cuidar de tudo que dizia respeito a elas. Em geral esses mestres cantores eram pessoas de mais idade, muito respeitadas pela comunidade. Os manuscritos eram copiados, e quando Schröer teve acesso a eles, notou que em alguns deles faltavam alguns trechos. No entanto, as peças estavam tão vivas entre as pessoas, que um dos antigos mestres cantores, de memória, conseguiu reconstruir o texto todo.
Quando, no outono, a vindima e outras colheitas estavam terminadas, o mestre cantor escolhia alguns rapazes para começar os ensaios. Os papéis femininos eram representados por rapazes bem jovens. Essa escolha não era fácil, pois havia regras muito rígidas a serem cumpridas pelos participantes.
Durante todo o tempo dos ensaios e das apresentações, isto é, os meses de outono, novembro, dezembro e começo de janeiro, eles não podiam encontrar-se com mocinhas, não podiam cantar músicas banais, engraçadas, de zombaria, tinham de levar uma vida honrada (p. ex., era-lhes vedado o consumo de bebidas alcoólicas, fazer algazarra, xingar) e deviam total obediência ao mestre cantor. Nem sempre era fácil encontrar jovens dispostos a seguir essas regras durante tanto tempo. A partir de então copiava-se os textos, que tinham de ser decorados, e cantava-se as músicas das peças, e outras de caráter natalino. A proibição relativa às músicas banais era muito séria. Certa vez, a ‘companhia’ (Kumpanai) chegou a uma aldeia onde fora convidada para apresentar-se; ali foi recepcionada pela banda de música local. Os ‘atores’ sentiram-se ofendidos, e retiraram-se dizendo que não eram comediantes.
As apresentações aconteciam do primeiro advento até o dia de Reis, tanto na própria aldeia quanto em outras vizinhas, sempre aos domingos e às quarta-feiras, das 15 às 17 horas, na estalagem local. O público sentava-se em bancos ao longo de três paredes do recinto (em forma de ferradura) e os atores faziam a encenação no espaço central. Cobrava-se uma pequena entrada, para manter as roupas e outros apetrechos necessários.
A seqüência das peças era a seguinte: primeiro “o nascimento de Jesus”, depois “Adão e Eva” e por último um auto de carnaval. Isso faz lembrar as antigas tragédias gregas, que sempre eram seguidas de uma peça satírica, engraçada. Somente na primeira apresentação dos autos natalinos não se encenava a peça de carnaval.
Enquanto os ‘atores’ se vestiam na estalagem, a figura do diabo (que tem um importante papel nas peças do Paraíso e dos reis magos), já vestida e maquiada, percorria a aldeia, olhava por toda porta e janela aberta e soprava um chifre de boi com muito alarde, convidando as pessoas para se dirigirem ao local da apresentação. Caso passasse uma carroça, ele pulava em cima dela e fazia o mesmo.
Os mesmos ‘atores’tinham papéis nas três peças, com exceção das figuras ‘santas’(Maria, José, o anjo, Deus), que não participavam da terceira peça (auto de carnaval). Além disso os papéis eram bem determinados, p. ex., o rei Melquior também fazia o papel de Deus, o rei Gaspar era Adão, Maria e Eva, etc.
Tendo em a simplicidade das pessoas e sua fé tão genuína, cabe ressaltar que as imagens eram da maior importância; as diferentes cenas assemelhavam-se a pinturas e seu visual era uma verdadeira obra de arte. Essas imagens tão belas penetravam profundamente na alma dos espectadores.
Outra característica significativa era o aspecto supra – confessional dessas apresentações, pois entre os “atores” havia católicos e protestantes, e adeptos dessas duas religiões estavam entre os espectadores. O padre e o pastor apoiavam plenamente essas encenações. Havia, no entanto, quem se opusesse a elas: era a”inteligência” da aldeia de oberufer, o prefeito, o juiz, um professor. Por sorte, nesses caso esses três cargos reuniam-se numa única pessoa.
AS ENCENAÇÕES ATUAIS DAS “PEÇAS NATALINAS DE OBERUFER”
Depois de Rudolf Steiner ter reconhecido a importância dessas peças, e começado a encená-las na época do Natal com pessoas que não eram atores, esse costume foi adotado por quase todas as instituições antroposóficas. Por exemplo, nas escolas Waldorf os professores as apresentam para os alunos, os pais, e toda a comunidade escolar; em clínicas antroposóficas são os médicos, enfermeiros, terapeutas, que as apresentam para os pacientes, seus familiares, e todos os funcionários da instituição, etc. Steiner introduziu algumas modificações, entre as quais as mais importantes são a exclusão da peça de carnaval, e o desdobramento de “O Nascimento de Jesus” em duas peças: dos pastores e dos reis magos. Desse modo ele respeitou o original bíblico, pois a história da anunciação feita pelo anjo a Maria, do casal Maria e José que viaja de Nazaré até Belém a fim de se recensear, quando então nasce seu filhinho num estábulo, por que não havia lugar na estalagem, e a posterior visita dos pastores, está descrita somente no Evangelho de Lucas.
A história dos reis magos, que seguem uma estrela surgida no Oriente para visitar a criança nascida numa casa em Belém, cujo nascimento fora anunciado pelo anjo José e, depois, a fuga para o Egito e a posterior matança das crianças por Herodes, consta apenas no Evangelho de Mateus. Aliás, uma das maiores contribuições de Steiner foi a elucidação do fato de existirem duas histórias tão díspares para o que, tradicionalmente, é considerado o mesmo evento. Durante anos seguidos ele dedicou-se a revelar este e outros mistérios relacionados com o ser cósmico Cristo. Eles estão disponíveis na vasta obra deixada por ele, em livros e palestras.
Uma outra alteração está na ordem das apresentações, pois hoje, quando são encenadas as três peças, a primeira é a do Paraíso (“Adão e Eva”), depois a dos pastores (muitas vezes as duas vêm em seqüência, no mesmo dia), e por último, em outra data, a dos reis magos; muitas das instituições antroposóficas encenam as primeiras duas no período natalino propriamente dito, e a terceira no início de janeiro, ou até mesmo no dia de Reis (em escolas Waldorf do hemisfério norte, isso acontece no primeiro dia de aula depois das férias de Natal). As músicas cantadas hoje em dia também não são as originais. Para as primeiras apresentações Steiner encomendou a Leo van der Pals as melodias dos cantos e seus acompanhamentos. Mais recentemente, outros compositores também musicaram os textos; portanto há possibilidade de se escolher entre várias melodias. Obviamente os ‘atores’ atuais não precisam comprometer-se as regras vigentes até o séc. XIX, e os papéis femininos são representados por mulheres. Porém, sua atitude interior deve ser de plena consciência do significado da realidade oculta, subjacente a essas peças, levando em conta a importância das imagens sobre a alma dos espectadores, e principalmente o aspecto sagrado, sem pieguice e sentimentalismo.
As vezes, surge a questão se não fica tedioso apresentar todos os anos as mesmas peças. Ora, não se costuma considerar tedioso comemorar os aniversários todos os anos e, em geral, cada família tem seus costumes e tradições para festejá-los. Sabe-se que as crianças não apenas adoram, mas têm necessidade de repetições. Durante a apresentação das peças natalinas elas costumam aguardar com ansiedade a entrada desta ou daquela figura, são tomadas pela expectativa da cena que se aproxima e , em poucos anos, conseguem repetir muitas das falas e cantar todas as canções. Mesmo depois de adultas ainda se lembram de trechos, ou de ‘atores’ que viram várias vezes no mesmo papel. Em algumas famílias, na noite de Natal as próprias crianças condenam uma encenação improvisada da peça dos pastores, da qual toda a família acaba participando. Por vezes trata-se do único conteúdo verdadeiramente profundo nessa festa, que se tornou um evento comercial e social, sem religiosidade. Num mundo no qual se perderam as tradições, onde não há mais apego a nada, e tudo é descartável, manter a continuidade da encenação das peças natalinas pode significar não somente uma âncora, mas um momento de profunda veneração. E não apenas para as crianças, muitos adultos relatam-me que somente conseguem entrar no verdadeiro clima natalino depois, de assistirem às peças.
Como já foi mencionado, Steiner deu grande importância a essas apresentações, nem tanto por seu conteúdo, mas por representarem um resquício verdadeiramente genuíno da vida cultural entre os camponeses do final da Idade Média, que perdurou até meados do século XIX, extinguindo-se logo depois. Nos países de língua alemã as peças são encenadas no dialeto original, ainda bastante compreensível. Obviamente qualquer tradução intelectualiza o texto; por isso sempre se deve ter o cuidado de preservar o clima campesino, de ingenuidade, pureza e veneração. Então essas peças conseguem falar diretamente ao coração.
Bibliografia:
Schröer, K.J.: Über die Oberuferer Weihnachtsspiele. Struttgart, Freies |Geistesleben, 1963.
Steiner, R.: Ansprachen zu den Weihnachtsspielen aus altem Volkstum. GA 274. Dornach, Rudolf Steiner Verlag, 1974
Obras de Rudolf Steiner sobre a Cristologia (GA correspondente ao número da Edição Geral das obras de Steiner)
O cristianismo como fato místico. GA 8. São Paulo, Antroposófica, 2ª. ed. 1996.
O Evangelho segundo Lucas. GA 114. São Paulo, Antroposófica, 2ª. ed. 1996.
O Evangelho segundo Mateus. GA 123. São Paulo, Antroposófica, 2ª. ed. 1997.
O Evangelho segundo Marcos. GA 139. São Paulo, Antroposófica, 1996.
O Evangelho segundo João. GA 112. São Paulo, Antroposófica, 2ª. ed. 1996.
De Jesus a Cristo. GA 131. São Paulo, Antroposófica, 1997.
O quinto Evangelho. GA 142. São Paulo, Antroposófica, 1996
O Apocalipse de João. GA 104. São Paulo, Antroposófica, 2003.
Sonia Setzer
NATAL – OBSERVANDO AS SOMBRAS E IMPULSOS NEGATIVOS
“Até mesmo um fio de cabelo produz sobra!” – Goethe
Muitas das narrações dos acontecimentos natalinos estão bem marcadas em nossa memória. O caminho de Maria e José a Belém está povoado de lindas lendas e imagens que foram surgindo ao longo dos séculos. Nossas crianças se alegram cada ano de novo quando as épocas do Advento e do Natal se aproximam.
Com o nascimento do menino Jesus uma grande Luz começa a irradiar para dentro da evolução do Homem na Terra.
Entretanto na terra sempre que surge Luz, surgem também sombras…
A luz por si mesma não gera nem trevas nem sombras, mas ela encontra anteparos, que não pode transpassar. O relato do Evangelho de Mateus nos fala deste fato. Os sábios do oriente, iluminados pela luz espiritual da estrela, buscam o novo (e verdadeiro) rei dos judeus. O velho (e falso) rei Herodes está “opaco” em sua alma para esta luminosa revelação dos magos. Sua decisão, logo ao saber da notícia, é madar matar a todas as crianças menores de dois anos, para assim estar seguro que o menino-rei sucumbiria.
Este lado escuro dos acontecimentos natalinos também deve estar presente em nossas reflexões e meditações nesta época. Luz espiritual quando é trazida ao mundo, ao mesmo tempo que alumbra a sua volta, coloca em evidência diversas sombras. Seria ilusório não querer enxergar este fato e querer olhar apenas para o lado luminoso.
A relevância do trabalho meditativo e espiritual de auto-conhecimento está justamente no fato de nos ajudar a reconhecer e discernir onde está a luz e onde permanecem as sombras, na vida e em nós mesmos. O maior perigo das sombras é não serem reconhecidas como tal, ou passarem despercebidas à nossa consciência.
Não se trata contudo de cair num pessimismo ou num negativismo. Tampouco seria esta a forma de viver n´alma o “espírito do Natal”.
Esta época é propícia aos homens para trazer ao mundo idéias inovadoras, dito em outra palavras, “encarnar” impulsos de origem espiritual. Assim tanto maior deve ser o cuidado em observar o que surge como sombra ou opacidade à volta destes impulsos. O receio de gerar sobras não deve paralisar! É necessário muita coragem para trazer luz ao mundo e atenção para ver o que surge ao seu redor!
Não é tão difícil assim vislumbrar na vida moderna diferentes manifestações destas sombras. (Tarefa mais difícil quiçá no tangente à nossa própria vida interior!) Ao nos prepararmos para a época de Advento e Natal aspiremos também ser capazes de identificar as coisas opacas surgem, antepondo-se à luz das idéia e dos impulsos genuinos que queremos fazer luzir no mundo.
Pastor Renato Gomes – Botucatu
NATAL – ATUANDO JUNTOS NAS GRANDES TAREFAS DA HUMANIDADE
Imaginemos-nos ajoelhados diante da manjedoura. Levemos à criança do Natal aquelas oferendas oriundas do conhecimento, fazendo o extraordinário permear nossas almas, para que a humanidade moderna possa realizar as tarefas que a conduzem da barbárie a uma civilização verdadeiramente nova.
No entanto, é necessário para isto, que entre nós um ajude o outro em verdadeiro amor; que se formem reais comunidades das almas, que suma de nossas fileiras todo tipo de ciúmes, inveja, que não olhemos para uns e outros, mas sim que todos unidos, dirijamo-nos a uma única meta.
Isto faz parte do segredo que a criança natalina trouxe ao mundo; que seja possível dirigir-se a uma meta comum, sem que os homens tenham desarmonia entre si, pois que a meta comum significa união em harmonia. E a luz de Natal deveria luzir como uma luz de paz, como luz que somente poderá trazer a paz exterior, se antes espalhou a paz interior nos corações humanos.
Deveríamos ser capazes de nos dizer o seguinte: “só quando conseguirmos atuar juntos com amor nas grandes tarefas entenderemos o Natal.”
Rudolf Steiner – 24 de dezembro de 1920
A FESTA DE NATAL COMO SÍMBOLO DA VITÓRIA DO SOL
Tentemos imaginar quantas pessoas hoje em dia conseguem despertar uma idéia mais profunda e clara em suas almas quando vão pelas ruas e vêem em todas as partes os preparativos para a festa do natal. A pouca clareza das idéias que existe atualmente sobre esta festa, e o pouco que corresponde aos propósitos daqueles que a implantaram no mundo como expressão do infinito e imperecível, pode ser sentida quando dirigimos o olhar para as assim chamadas considerações sobre o natal de nossos jornais. Não pode existir algo mais desolador e mais estranho À realidade do tema do que aquilo que vai pelo mundo através da imprensa nesta época.
Deixemos agora passar pelas nossas almas uma espécie de resumo daquilo que as varias conferências do outono nos trouxeram a respeito do horizonte da ciência espiritual. Não se tratará de um resumo pedante, mas sim daquele que pode emergir dos nossos corações quando fazemos, sob o ponto de vista da ciência espiritual, uma ponte para a festa de natal, que pode oferecer se contemplarmos a concepção de vida da ciência espiritual, não como uma teoria cinza, como uma confissão exterior, ou como filosofia, mas sim como vida que lateja de forma imediata em nós. O homem moderno encontra-se frente à natureza como um estranho, mais estranhamente ainda do que aquele no tempo de Goethe. Ou quem sente hoje a profundidade daquelas palavras pronunciadas por este grande poeta, quando chegou aos círculos de Weimar, iniciando ali uma época extraordináriamentre importante de sua vida? Nesse tempo ele dirigiu à natureza com suas forças misteriosas, um hino, uma espécie de oração:
“Natureza, por ela estamos envolvidos e abraçados – incapazes de sairmos dela e incapazes de nela entrarmos mais profundamente. Sem nos pedir nem nos advertir, toma-nos no círculo de sua dança e nos leva até cansarmos e cairmos de seus braços.
Eternamente cria novas formas; o que aí está nunca esteve, o que esteve nunca voltará – tudo é novo e, mesmo assim, sempre é velho.Vivemos no meio dela e lhe somos estranhos. Fala conosco ininterruptamente e não nos revela o seu mistério. Constantemente agimos sobre ela e mesmo assim não a dominamos.Parece que ela baseou tudo na individualidade e não liga para os indivíduos. Sempre constrói e sempre destrói, e a sua oficina de trabalho é inacessível. Vive em inúmeras crianças, e a mãe, onde está? É a artista única: da mais simples substancia aos maiores contrastes; sem sinal de esforço até a maior perfeição – até a máxima exatidão, mas sempre envolta com algo suave. Cada uma de suas obras tem sua própria essência; cada manifestação sua tem o conceito mais isolado possível. Todavia, tudo é irradiado de uma unidade. Apresenta uma obra teatral: se ela mesma a vê não sabemos, mas mesmo assim ela nos apresenta, para nós que somos tão pequenos. Há um eterno devir, movimento e vida dentro dela, e mesmo assim não avança. Transforma-se eternamente e nela não existe momento de repouso. Não tem um conceito para o permanecer, e colocou sua maldição em todo repouso. Ela é firme, seu passo é comedido, raras as suas exceções, imutáveis as suas leis…”
Todos nós somos seus filhos. E quando cremos agir ao mínimo de acordo com as suas leis agimos talvez ao máximo de acordo com essas grandes leis que impregnam a natureza e ao homem, lá onde Goethe fala com ela não com um espírito vivo:
“Espírito sublime, tu me deste, deste-me tudo o que te pedi. Não me dirigiste em vão tua face no fogo.
Deste-me a magnífica natureza como reino,
Força para senti-la e gozá-La. Não
Apenas permites uma fria visita admirada,
Quando me deixas olhar no seu peito profundo,
Como no seio de um amigo.
Deslizas a fileira dos viventes
Diante de mim e me ensinas a conhecer os meus irmãos
Na tranqüila floresta, no ar e na água.
E quando ruge e ressoa a tormenta no bosque,
E os pinheiros gigantes caindo derrubam e esmagam troncos e galhos
Vizinhos, e a sua queda estrondeia ecoando na colina,
Tu me levas a uma caverna segura,
E me revelas então a mim mesmo,
E se abrem os profundos e secretos milagres do meu próprio peito”
Esta é a atmosfera por meio da qual Goethe, partindo de seu sentimento de natureza, tentou reativar do que surgiu simultaneamente do sentimento e do conhecimento. E esta é a atmosfera nas épocas em que a sabedoria vivia unida com a natureza, onde foram criados aqueles símbolos do sentir-se com a natureza e o universo, que do ponto de vista da ciência espiritual, reconhecemos como as grandes festas. Para a alma e o coração tal festa tornou-se algo abstrato e indiferente.
Hoje em dia, muitas vezes, a palavra pela qual podemos brigar, acreditar, vale muito mais do que essa palavra originalmente representava. A palavra, esta literal e exterior palavra, devia ser a representante, a anunciação, o símbolo da palavra cósmica, que vive na natureza e em todo o universo, e que revive em nós quando nos reconhecemos de uma forma certa, e também naquelas ocasiões, que seguindo o caminho da natureza, é especialmente apropriada, que deve ser levada à consciência da humanidade. Esse era o propósito na instituição das grandes festas. Tentemos agora utilizar nossos conhecimentos, tudo aquilo que tentamos compreender no decorrer das conferências até agora, para entendermos o que os antigos sábios expressaram na festa de natal.
A festa do Natal não é uma festa apenas cristã. Ela existiu em todos os lugares onde se expressava o sentir religioso. Se vocês olharem para o antigo Egito, milhares de anos antes de Cristo, se vocês atravessarem para a Ásia, e também se vocês saírem de nossas regiões, encontrarão em todas as partes esta mesma festa nos dias em que também se celebra o nascimento de Cristo pelo cristianismo.
Que festa era essa que se celebrava desde épocas muito antigas em todos os lugares da Terra nesses dias? Hoje vamos fazes só uma referência àquelas maravilhosas festas do fogo que eram comemoradas nas regiões da Europa do Norte e Central. Era nesses dias que essa festa era celebrada da Europa central, Escandinávia, escócia, Inglaterra e nos círculos celtas por seus sacerdotes denominados druidas. E o que era celebrado?
Celebravam-se lá o término do inverno e o nascimento sucessivo da primavera. Naturalmente, quando o Natal começa estamos ainda no inverno, porém, na natureza anuncia-se já uma vitória, que para os seres humanos é o símbolo de uma festa de esperança, ou, melhor dizendo, pode ser o símbolo de uma festa de confiança e de fé. A vitória do sol sobre os poderes da natureza que lhe são opostos: eis o símbolo! Sentimos os dias cada vez mais e mais curtos. E este encurtar dos dias é expressão de um esmorecer, de um adormecer das forças da natureza até o dia em que celebramos o natal, e que nossos antepassados também comemoravam.
A partir do Natal os dias tornam-se mais compridos. A luz do sol celebra a sua vitória sobre as trevas. Isso parece-nos hoje, pensando de materialista, muito mais do que supomos, um eventos sobre o qual não refletimos muito. Para aqueles que tinham um sentimento vivo e uma sabedoria unida a esse sentimento, era a expressão viva para uma vivência espiritual, para uma vivência da própria divindade que dirige a nossa vida. Assim como na vida de uma pessoa ocorre um acontecimento importante que decide alguma coisa, naquela época sentia-se essa mudança no decurso do sol como algo importante na vida de um ser superior. Mais ainda: esses dias mais curtos ou mais longos não eram sentidos de forma imediata apenas como a expressão de um acontecimento na vida de um ser superior, mas como sinal da lembrança de algo ainda muito maior, algo único. E com isso chegamos então, ao pensamento fundamental sobre a festa de natal como uma festa cósmica, uma festa da humanidade de primeira ordem.
Nas épocas em que existia uma autêntica doutrina dos mistérios – não como agora onde a visão materialista do mundo nega, mas sim no sentido em que esse ensino dos mistérios águia como a sangria viva da via dos povos – nessas épocas correspondente ao natal, via-se acontecer na natureza algo que era como marco, como um sinal da lembrança de um acontecimento colossal que ocorreu nesta Terra no passado. E os sacerdotes que agrupavam seus mais leais discípulos, aqueles que eram os mestres dos povos, e que os reuniam naqueles dias à meia-noite, tentando revelar-lhes um grande mistério, falando-lhes aproximadamente o seguinte: !Aqui eu não lhes relato algo inventado, ou algo descoberto pelas ciências abstratas, mas sim algo que viveu nos mistérios, nos centros ocultos, nos dias em que os sacerdotes reuniam os fiéis, para com aquilo que diziam, dar-lhes forças para que eles pudessem transmitir esse ensino”, hoje, eles diziam, vemos a vitória do sol se anunciar sobre a escuridão. E assim aconteceu também uma vez nesta Terra. O sol celebrou o grande triunfo sobre a escuridão. Isso aconteceu assim: até aquele momento todo o físico, toda a vida corporal da nossa Terra, tinha se desenvolvido apenas até o nível animal. O que vivia na nossa Terra como reino mais alto estava apenas no primeiro nível de se preparar para receber a imortal alma humana. E que aquele ponto a onda da vida tinha se desenvolvido de tal forma que o corpo humano tornou-se capaz de incorporar em si a alma imortal. Esse antepassado do homem encontrava-se num nível de desenvolvimento superior àquele que supõe os cientistas materialistas. Mas parte espiritual, imortal, ainda não estava nele. Desceu de um outro lugar, de um planeta mais alto para nossa alma, que agora é impossível de perder.
Esse antepassado humano é o que denominados como raça lemúrica. Esta raça foi sucedida pela raça atlântica, e depois apareceu a nossa, que denominamos ariana. Dentro da raça lemúrica os corpos humanos foram frutificados pela alma humana superior. A ciência espiritual chama este grande acontecimento da evolução da humanidade de “a descida dos filhos divinos do Espírito”. Desde aquela época essa alma forma e trabalha o corpo humano para que este tenha um desenvolvimento superior. Bem diferente do que a ciência materialista o imagina (hoje podemos apenas apontar para isso, em outras conferências falei disso detalhadamente, o que deve ser tomado em consideração por aqueles que estão aqui pela primeira vez e que podem olhar essas coisas como algo puramente fantástico) eram as coisas na época em que o corpo humano foi frutificado pela alma humana imortal. Contra a visão materialista dos cientistas, naquela época aconteceu no universo, algo que pertence aos acontecimentos mais importantes da evolução da humanidade.
Naquela época surgiu pouco aquela constelação, aquela posição oposta da Terra, da lua e do sol, que possibilitou a descida das almas. O sol adquiriu para o homem, naquele momento, o significado que ele tem para seu crescimento, para sua evolução na Terra e simultaneamente adquiriu também o sentido que ele tem para as outras criaturas que a ele pertencem: as plantas e os animais. Só quem, do ponto de vista espiritual, vê claramente todo o devir da humanidade na Terra, poderá compreender a relação do sol, da lua e da Terra com o ser humano de uma maneira certa. Havia uma época – assim se pregava nesses velhos tempos – em que a Terra era uma unidade só com o sol e a lua; formavam um só corpo. Os seres tinham forma e aparecia totalmente diferente da atual, estavam adaptados naquela época àquela corpo cósmico constituído em comum pelo sol, pela lua e pela terra. Tudo o que vive nesta Terra adquiriu a sua essência pelo fato de que se separaram em relação exterior com a Terra. E nesta relação temos, ao mesmo tempo, o mistério deste pertencer-se de espírito humano com o espírito universal, o que chamamos na ciência espiritual de Logos e que abrange simultaneamente o sol, a lua e a terra. Dentro dela vivemos, tecemos e estamos.
Da mesma forma que a Terra nasceu de um corpo que abrangia também o sol e a lua, o homem nasceu de um espírito, de uma alma à qual o sol, a terra e a lua também pertencem. Quando o homem olha para o sol e para a lua não deve ver neles apenas o corpo físico exterior, mas sim corpos exteriores de seres espirituais. Naturalmente o materialismo atual se esqueceu disso. Mas quem é incapaz de ver no sol e na lua o corpo de seres espirituais, é incapaz de ver também no corpo do homem, o corpo de um espírito. E assim como é verdade que o corpo do homem abriga um espírito, assim os corpos celestes são os portadores de seres espirituais. A esses seres espirituais pertence também o homem.
Tal como seu corpo está separado das forças que imperam no sol e na lua, da mesma forma atua na sua alma a mesma espiritualidade que reina no sol e na lua. E ao se tornar um ser da Terra e homem ficou dependente daquele modo de agir do sol, no qual ele penetrou como um corpo especial e iluminador da Terra.
Assim se sentiam nossos antepassados como filhos espirituais de todo universo, e se diziam: aquilo que originou em nós a nossa forma espiritual, através do espírito do sol, fez de nós seres humanos. A vitória do sol sobre a escuridão nos faz lembrar, ao mesmo tempo, da vitória quando conquistou as nossas almas, na época em que ele brilhou pela primeira vez, como hoje o faz sobre a Terra. Foi uma vitória solar quando a alma humana imortal entrou no corpo físico sob o signo do sol, adentrando na escuridão das ânsias, instintos e paixões.
Imaginemos a vida do espírito. A escuridão precede a vitória do sol. E esta escuridão deu-se antes de um período solar mais antigo. Assim foi também com a alma humana. Esta surge de uma divindade primordial. Mas ela teve que submergir, por um tempo, na inconsciência para construir dentro dela. Se vocês imaginam um arquiteto que constrói uma morada com as melhores forças que ele possui para habitá-la posteriormente, têm então uma metáfora certa para a entrada da alma humana imortal no corpo humano. Mas naquela época essa alma humana podia trabalhar na sua morada só inconscientemente. Esse trabalho inconsciente é expresso na metáfora pela escuridão. E o tornar-se consciente, o reluzir da alma consciente do homem, se expressa na metáfora da vitória do sol.
Assim, essa vitória do sol significativa, para aquele que tinha um sentimento vivo da relação do homem com o universo, o momento no qual eles tinham recebido o mais terrestre. E importante para a sua existência terrestre. E esse grande momento foi conservado naquela festividade.
Em todas as épocas imaginasse o caminho percorrido pelo homem na terra de tal forma, que ele torna-se mais e mais semelhante ao caminho regular, rítmico, da natureza. Olhemos a partir da alma humana para aquilo onde está encerrada a sua vida, olhemos para o caminho do sol no universo e para tudo o que a ele está relacionado. Então ficar-nos-á claro o que é infinitamente importante sentir: a imensidade rítmica, harmônica, em contraste com o caótico, o desarmônico da própria natureza humana. Olhem para o sol, sigam-no em seu caminho, e verão com quanta regularidade, quão ritmicamente retornam as suas manifestações no percurso do dia e do ano. E verão quão regular e ritmicamente tudo se relaciona ao trajeto do sol no que chamamos de natureza.
Já acentuei que entra os seres inferiores ao homem tudo é rítmico. Imaginem o sol fora de sua órbita por um momento, por uma fração de segundos, e imaginem o caos incrível e indescritível em que entraria nosso universo. O nosso universo só se torna possível através dessa harmonia colossal, gigantesca, na órbita do sol. Com essa harmonias estão relacionados os processos rítmicos de vida de todos os seres que dependem do sol. Imaginem o sol no decorrer do ano, como ele magnetiza os seres na primavera; vejam como é impossível imaginar que a violeta brote numa outra época do ano. Tentem imaginar que as sementes fossem semeadas e as colheitas feitas numa outra época do ano do que aquela em que se faz. Até mesmo na vida animal tudo depende do avanço rítmico do sol. Inclusive no homem tudo é rítmico, regular e harmonioso, desde que ele não esteja submetido às paixões, instintos, ou mesmo à razão. Observem o pulso, o caminho da digestão, e admirem o imenso ritmo, e sintam a grande e infinita sabedoria que impera em toda a natureza e comparam com ela o irregular, o caótico, que impera em toda nas paixões, instintos e avidez, e principalmente na razão e no pensar humano. Tentem imaginar a regularidade do seu pulso e de sua respiração e comparem-na com a irregularidade do pensar, sentir e querer. É uma ilusão de ótica.
E imaginem, por outro lado, como as forças de vida foram criadas, como o rítmico deve imperar sobre o caótico. Quantos ritmos do corpo humano não são rompidos pelas paixões e pela busca do prazer. Quantos vezes já mencionei o maravilhoso que é conhecer o coração pela anatomia cientifica – este órgão do corpo humano tão maravilhosamente constituído e ver o que ele tem de suportar pelo fato do homem consumir chá, café, etc, o que influência as rítmicas e harmoniosas batidas do coração. E assim é com toda essa rítmica, divina e sábia natureza, que foi admirada por nossos antepassados, e cuja alma é o sol com sua trajetória regular.
Enquanto os sábios e seus discípulos olhavam para o sol, diziam: Tu és a imagem daquilo, da alma que contigo nasceu, que ainda não é, mas que ainda deve ser. A ordem divina do cosmos se revelava para esses sábios em toda a sua gloria. A visão cristã do mundo também afirma isso, quando diz que a gloria deve existir nas alturas. A palavra “Glória” significa revelação, e não honra. Não se deve dizer: “Honra a Deus nas alturas”, mas sim “Hoje acontece a revelação de Deus nas alturas”. Esta é a verdadeira realidade dessa frase. E nesta fase pode-se sentir plenamente a Glória que impregna do mundo. Em épocas antigas sentia-se isso da seguinte forma: colocando a harmonia cósmica como grande ideal para aquele que devia ser um guia do resto da humanidade. Por isso, em todas as épocas e em todos os lugares, onde se tinha uma consciência dessas coisas, falava-se de “heróis solares”.
Nos templos, onde a iniciação, diferenciavam-se sete graus iniciáticos. Vou expô-los com o seu nome persa. O primeiro grau era aquele onde o homem saia do sentir cotidiano, chegando a um sentir superior e ao conhecimento do espírito. Tal pessoa essa designada “Corvo”. Por isso, os corvos são aqueles que avisam aos iniciados, nos templos, aquilo que acontecia no mundo. Quando a poesia da sabedoria na idade média queria colocar a figura de um iniciado num senhor feudal, que nas profundezas da Terra devia esperar em meio aos tesouros da sabedoria terrestre, por aquele grande momento onde o cristianismo, aprofundado de uma nova forma, deve rejuvenescer a humanidade, quando a poesia da sabedoria na idade média formou a figura de Barbarossa, fez outra vez com que os corvos fossem os anunciadores. Até o antigo testamento fala do corvo de Elias.
Os iniciados do segundo grau eram os “Ocultos”, os do terceiro os “Guerreiros”, os do quarto os “Leões”; os do quinto grau eram designados com o nome do próprio povo: o “Persa”, ou “Hindu”, etc, pois somente aquele do quinto grau é verdadeiro representante do seu próprio povo. O iniciado do sexto grau era o “Herói do Sol” ou o “corredor do Sol”. O iniciado do sétimo grau tinha o nome de “Pai”.
Por que o iniciado do sexto grau recebia o nome de “Herói do Sol”? Quem tinha chegado tão longe na escada do conhecimento espiritual, teria no mínimo formado dentro de si uma tal vida que decorresse de acordo com o modelo dos ritmos divinos em todo o cosmos. Ele devia sentir e pensar de tal forma que nele não existisse nada de caos, nada de desarmônico ou irregular; ele devia estar preenchido de uma harmonia da alma equivalente à harmonia exterior do sol. Esta era e exigência que se fazia ao iniciado do sexto grau. Eram colocados no mundo como homens santos, como modelos, como idéias, e deles se dizia: assim como seria uma grande desgraça para o universo, se tornasse possível que por um quarto de minuto o sol saísse da sua trajetória, da mesma forma seria uma grande desgraça se um “Heróis do Sol” saísse, ainda que fosse por um momento, do seu caminho de grande moralidade, do ritmo da alma, da harmonia espiritual. Quem havia encontrado no seu espírito um trajeto tão seguro, quanto o do sol no universo, era chamado de “Herói do Sol”. E todos os povos tinham esse heróis do sol.
Os nossos sábios sabem tão pouco dessas coisas” pó certo que eles percebem que ao redor da vida dos grande fundadores das religiões, cristalizam-se muitos mitos solares. Eles não sabem porém, que nas cerimônias de iniciação era costume transformar os heróis-guias em heróis do sol, e que assim na há de maravilhoso quando aquilo que os velhos tentavam colocar nela, ó redescoberto pela pesquisa materialista. Tanto no caso do Buda, e até no caso de Cristo, procurou-se e encontrou-se tais mitos ligado ao sol. E esta é a razão porque foi possível encontrá-los lá. Foram primeiro colocados neles, dando a imagem de uma cópia imediata do ritmo solar. Esses heróis do sol eram então o grande modelo que devia ser imitado.
O que se pensava sobre o que havia ocorrido na alma de tal herói que alcançara essa harmonia? Pensava-se que nele já não vivia mais uma alma humana individual, mas sim que nele havia surgido algo da alma universal que impregna todo o universo. Esta alma universal que impregna todo o cosmos era denominada na Grécia como “Chrestos”, e entre os mais excelsos sábios do oriente era conhecida como “Budhi”. Quando o homem não se sente mais apenas como portador da sua própria alma e vivencia algo de universal nele, então ele cria uma espécie de reprodução daquilo que antiguidade se unia ao corpo humano como alma do sol; com isto ele alcança algo de um significado extraordinário no caminho da humanidade.
Se observamos uma pessoa com uma alma tão enobrecida, podemos colocar ante nós o futuro da classe humana e toda a relação desse futuro com a idéia da humanidade. No estado em que a humanidade hoje se nos apresenta, é impossível imaginar de outra forma que certas coisas só são decididas de tal maneira que as pessoas chegam a uma decisão através de um tipo de maioria são vistas como algo realmente ideal; aí ainda não se compreendem o que realmente é a verdade. Onde vive a verdade real em nós? A verdade vive onde nós nos obrigamos a pensar logicamente. Ou não seria bobagem decidir pela maioria se 2 x 2 é = a 4, ou 3 x 4 é = 12? Quando alguém reconhece o que é verdade, podem vir milhares de pessoas e dizer que é diferente, mas ele conservará em si a sua segurança.
Já estamos tão avançados àquele pensar cientifico, pensar em que já não é mais envolvido com as paixões, desejos e instintos do homem. Onde esses instintos, desejos e paixões também atuam, os homens se encontram em luta, numa confusão, como a vida instintiva em si proporciona um caos turbulento. Mas quando os desejos, instintos e paixões forem purificados e idealizados, a chegarem a ser aquilo que se chama Budhi, de Chrestòs, quando eles forem transformados até a altura em que se encontra hoje o pensar lógico, sem paixões, então se alcançará aquilo que brilha para nós como o verdadeiro ideal da humanidade, nas antigas religiões da sabedoria, no cristianismo, naciencia espiritual antroposófica. Quando o nosso pensar e sentir estiver tão purificado, que aquilo que um sente confere harmoniosamente com aquilo que outros sentem, quando a terra chaga a mesma época para o sentimento e sentir que chegou para a razão uniforme, quando Budhi, o Chrestòs, for personificado na humanidade, aí o ideal dos velhos mestres da sabedoria, do cristianismo e da antroposofia estará realizado. Quando isso acontecer, não será necessário julgar sobre o que é bom ou nobre, como naquilo que reconhecem,os ser logicamente certo ou logicamente errado. Cada um pode colocar diante de sua alma esse ideal, e se faz, tem então diante de si o ideal do “Herói do Sol”, o mesmo que possuem os mestres da sabedoria oculta dos iniciados do 6º grau.
Os místicos na idade média sentiam isso quando falavam uma palavra com profundo significado, a palavra endeusamento ou divinização. Esta palavra existiu em todas as religiões da sabedoria. O que significa isso? Significa o seguinte: Noutra época, aqueles que olhamos hoje como espíritos do universo passaram por um nível que corresponde àquele em que a humanidade se encontra, ou seja, o caótico. Esses espíritos do universo se elevaram para o seu nível divino, no qual as suas manifestações de vida ressoavam harmoniosamente no cosmos. O que hoje nos é revelado como a trajetória harmoniosa do sol durante o ano, no crescer das plantas, na vida dos animais, era antes caótico e lutou para alcançar essa grande harmonia. E no nível em que esses espíritos se encontraram uma vez, está hoje o homem. Ele vai desenvolver-se do caos para uma harmonia futura que será imitada do sol atual, da harmonia universal atual.
E isto é colocado não como uma teoria, não uma doutrina, mas sim como um sentimento vivo em nossas almas, o sentimento natalino antroposófico. Se sentimos autenticamente que nas alturas dos céus aparece a gloria, a revelação da harmonia divina, e sabemos que a revelação dessa harmonia soará alguma vez nas nossas almas, então sentimos aquele outro elemento que surgirá dentro da humanidade através desta harmonia, sentimos a paz, a paz daqueles que têm uma boa vontade. Assim se juntam os dois sentimentos de natal. Olhando dessa perspectiva para a ordem cósmica divina, para a revelação, para a glória nas alturas dos céus, e olhando para o futuro humano, podemos pressentir hoje aquela harmonia que terá lugar na Terra no futuro, naqueles que tenham o sentimento para isso. Quanto mais submerge em nós aquilo que sentimos como harmonia no mundo, tanto mais paz existirá na Terra no futuro, naqueles que tenham o sentimento para isso. Quanto mais submerge em nós aquilo que sentimos como harmonia no mundo, tanto mais paz existirá na Terra.
Assim o grande ideal da paz aparece diante de nossas almas como um sentimento natural dos mais elevados, quando, nos dias de natal, sentimos de forma correta a trajetória do sol dentro da natureza. Sentindo nesses dias o triunfo da luz do sol sobre a escuridão, sentimos a grande confiança que une nossas almas em desenvolvimento com essa harmonia cósmica, então não deixaremos fluir em vão o que vive dessa harmonia cósmica nas nossas almas. Aí vive em nós algo que é harmonia, e na alma se submerge a semente que traz a paz para a terra, no sentido da paz das religiões. E aqueles que têm a boa vontade são os que sentem tal paz das religiões. E aqueles que têm a boa vontade são os que sentem tal paz, aquela paz que vem para a terra quando se alcança o nível da harmonia para a razão uniforme. E então, no lugar das lutas e disputas teremos o amor que impregna tudo, do qual Goethe diz no mesmo hino, que já mencionei que bastam alguns goles cálice do amor para sobreviver sem danos numa vida cheia de esforço.
Por isso, a festa de natal foi uma boa festa de confiança e esperança em todas as religiões da sabedoria, porque nesses dias sentimos que a luz deve triunfar. Da semente semeada na terra surgirá algo que a busca a luz e que crescerá na luz do novo ano. E tal como a semente da planta está submersa na terra amadurece À luz do sol, da mesma forma a verdade divina, a alma divina a verdadeira, está submersa nos abismos da vida de instintos e paixões. Lá embaixo, na escuridão, esta alma do sol divino deverá amadurecer. E assim como é verdade que através da vitória da luz sobre a escuridão é permitido que a semente amadureça, assim é verdade que através da constante vitória, na alma, da luz sobre a escuridão, é permitida a vitória à luz da alma. E assim como é verdade que na escuridão só existe luta e na luz só paz, assim é verdade que surgirá, com uma compreensão certa da harmonia cósmica, a paz cósmica. Esta é a profunda e verdadeira palavra também do cristianismo: Glória nestes dias, revelação nestes dias aos poderes divinos das alturas nos céus, e paz aos homens de boa vontade.
A partir desse sentimento cósmico, a Igreja Cristã decidiu no século IV, colocar festa do nascimento do salvados do mundo nos mesmos dias em que se celebravam o triunfo da luz sobre a escuridão em todas as religiões de sabedoria. Até o século IV, a festa de natal, a festa do nascimento de Cristo era totalmente variável, e só nesse século tomou-se a decisão de colocar o nascimento do Cristo no dia em que sempre foi celebrada a vitória da luz sobre a escuridão.
Hoje não podemos nos ocupar com os sábios ensinamentos do cristianismo, que serão objetos de conferências no próximo ano. Mas, hoje se deve afirmar que nada foi mais certo do que colocar a festa do nascimento desta individualidade divina nessa época em que é oferecido ao cristão a confiança e a esperança de que a sua alma, a sua divindade, logrará a vitória sobre aquilo que é escuridão no seu mundo puramente exterior.
Assim o cristianismo sintoniza com todas as outras religiões mundiais. E quando os sinos de natal ressoam, o homem pode se lembrar de que nestes dias esta festa foi celebrada em todo o mundo. Em todos aqueles lugares em que se compreende o verdadeiro progresso da alma humana na superfície da Terra foi celebrada esta festa, onde se tinha um conhecimento do que era espírito e vida espiritual, onde se tentava exercer, de forma prática, o auto-conhecimento.
Aquilo de que falamos hoje não é um sentimento indefinido, abstrato, da natureza, mas sim um sentimento da natureza em toda a vivacidade espiritual. Voltando às palavras de Goethe: natureza, nós estamos por ela envolvidos e abraçados, etc, deve ficar bem claro de que não estamos explicando a natureza de forma materialista, mas sim de que vemos nela a expressão externa, a fisionomia do espírito cósmico divino. E tal como corpora nasce do corporal, o anímico espiritual nasce do anímico-divino e do espiritual-divino, e como o corporal se une com forças materiais, o anímico se une com o espiritual.
E para sentir isso em relação ao universo, para usar o nosso conhecimento e o nosso pensar de maneira a se sentir de forma totalmente clara e não difusa, em unidade com o universo, para isto as festas são como símbolos para a humanidade. E quando novamente se sente algo disto, essas festividades serão um pouco diferentes do que são hoje, elas novamente se implantarão vivamente na alma e coração, e se tornarão então, aquilo que elas realmente deveriam ser: os pontos chaves do ano que nos unem ao espírito do cosmos.
Quando, durante todo ano, cumprimos nossas tarefas e deveres para com a vida cotidiana, nestes pontos então, olhamos para aquilo que nos une com o eterno. E se sabemos também que no decorrer do ano “lutamos” por algumas coisas, nestes dias nos sobrevêm um sentimento do que acima de toda luta e de todo caos existe uma paz e uma harmonia. Por isso, estas festividades são as festividades dos grandes ideais, e a festa do natal é a festa do nascimento do maior ideal da humanidade, do ideal que a humanidade deve conseguir se quiser alcançar o seu destino. A festa do nascimento daquilo que o homem pode sentir e querer: eis a festa de natal compreendida corretamente.
A ciência espiritual antroposófica quer contribuir para que esta festa seja novamente entendida dessa forma. Não queremos enviar ao mundo um dogma, uma doutrina, uma pura filosofia, queremos enviar vida. Este é o nosso ideal. Que flua para a vida tudo aquilo que dissemos e ensinamos, tudo aquilo que contém os nossos livros e a nossa ciência. E fluirá na vida quando o homem exercitar esta ciência espiritual em todos os aspectos da vida cotidiana, de maneira que não precisamos falar mais desta ciência, quando dos púlpitos ressoa vida cientifico – espiritual através das palavras que são dirigidas aos crentes – sem que seja pronunciada a palavra Teosofia ou ciência espiritual. Quando em todas as instituições de justiça são vistas as ações dos homens como um sentir cientifico – espiritual, quando o médico ao lado do leito do paciente sente e cura de maneira cientifico – espiritual , quando na escola o professor ensina uma ciência espiritual para acriança em desenvolvimento, quando em todas as ruas se pensa, se sente e se atua de forma cientifico – espiritual, de forma que a doutrina cientifico – espiritual se torne supérflua. Então alcançou-se o nosso ideal, e a ciência espiritual será uma questão cotidiana com a espiritual através do pensar, sentir e querer cientifico – espiritual. Assim, por outro lado permitirá que nos grandes dias de festas, o eterno, o imperecível, o sol espiritual, ilumine a sua alma, fazendo-o lembrar-se que nele existe algo verdadeiro, um Eu superior, algo divino, solar, cheio de luz, que sempre triunfará sobre a escuridão e o caos, que dará uma paz à alma, que agirá trazendo equilíbrio acima de toda luta, guerra e descontentamento no mundo.
Rudolf Steiner – GA 54 – 14 de dezembro de 1905
CONHECIMENTO ESPIRITUAL É A VERDADEIRA COMUNHÃO, O COMEÇO DE UM CULTO CÓSMICO PARA O HOMEM ATUAL
Anteontem falei de como também no homem se pode encontrar o desuso de translação anual. Eu chamei a atenção para o fato de como os efeitos da natureza, que estão ao nosso redor, de certo modo se desenrolam durante o curso de um ano, de forma que se pode ver uma espécie de atuar conjunto, de confluência, daquilo que usualmente é visto desenrolando-se como processos naturais, como fatos naturais, no decurso de um ano. Porem, a diferença essencial entre este decurso de translação anual e seu espelhamento no ser humano, é aquilo que para uma determinada região se passa sucessivamente, no ser humano é simultâneo. Em verdade, o humano como também é semelhante em todo terrestre, pelo fato de quando num dos hemisférios é verão, no outro é inverno, etc. Porém no caso da Terra é assim que os respectivos efeitos invernais de uma região e os efeitos estiveis de uma outra região, de certo modo, se colocam separadamente perante o amplo espaço cósmico. Assim, se tornamos os efeitos invernais de uma região, os efeitos estiveis de uma outra região em sua simultaneidade, eles se dispersam, eles portanto, não se enfraquecem, não se atrapalham mutuamente em sua existência.
No entanto no ser humano á assim que, quando ela está dormindo, o seu corpo físico e também o seu corpo estão em uma espécie de estado estival, em uma vida que germina, que brota. A evidencia espiritual mostre-nos, no caso do sono, quando o eu e o corpo astral estão separados dos corpos físicos e etérico, este estado estival dos corpos físico e etérico que germina e brota. Pode-se dizer que, enquanto o ser humano dorme, lá sucessivamente uma espécie de estado primaveril e estivel em seu organismo físico – etérico abandonado. Porém, seu corpo astral e seu eu, que continuam numa ação recíproca com este organismo humano total, ao mesmo tempo estão numa espécie de estado invernal, nas que eles confluem, que portanto não desviam um do outro. O mesmo se dá no estado físico e etérico encontram-se numa espécie de estado outonal e invernal. Em contraposição, estimulados pelas impressões do ambiente, estimulados pelos pensamentos que o ser humano desenvolve a respeito deste ambiente, o corpo astral e a organização do eu estão em pleno estado estival ou primaveril. Também neste caso, a primavera interior, o verão interior e o inverno interior atuam conjuntamente, não desviam um do outro, porem irradiam-se mutuamente.
É isto que realmente resulta para pesquisa cientifico – espiritual. De certo modo, se quiséssemos comparar a totalidade da Terra com o ser humano com relação aos processos do inverno e do verão, teríamos que virar os dois hemisférios opostos. No ser humano é assim como se deixássemos o verão de uma dos hemisférios cair diretamente sobre o inverno do outro hemisfério através de uma virada da Terra. Porém, através disso, de fato surgiria algo, que poderá ser caracterizado dizendo-se: os efeitos invernais, levando uma espécie de estado de equilíbrio. Isto é um resultado muito importante, ao qual a ciência exterior até agora não chegou. Por isso, no fundo, ela não pode reconhecer a natureza que vive essencialmente no ser humano. Mo ser humano o atuar da natureza é, de fato, assim, que inverno e verão se assim posso expressar-me, pois estes termos referem-se realmente a um acontecimento justificável, que estados de verão e inverno anulam-se mutuamente.
De fato, o ser humano carrega dentro de si a natureza que o rodeia, porém os efeitos anulam-se mutuamente e sobrevém um estado que, no fundo, realmente acalma a atuação da natureza no ser humano. Tal como numa balança, quando ambos os lados são carregados com pesos, no meio do travessão há um ponto de repouso, sobre o qual não atua nem a geração de forças do lado direito, nem a do lado esquerdo, há um estado de equilíbrio relativo àquilo que de outro modo atua sobre o travessão. No ser humano há realmente um equilíbrio dos efeitos antagônicos da natureza.
Quem observar o ser humano trimembrado, assim como o esbocei no suplemento do meu livro “Dos enigmas da alma”, quem realmente o observar com exatidão, como hoje ainda não se está acostumado a fazê-lo, de fato irá encontrar o seguinte: dividimos o ser humano em uma organização neuro-sensorial, uma organização rítmica a uma organização metabólica-motora.
Estas três organizações atuam uma dentro da outra. Pode-se dizer que a organização neuro-sensorial atua principalmente na cabeça; mas todo o ser humano é, em um certo sentido, funcionalmente outra vez cabeça. O mesmo se passa com outros sistemas, a organização rítmica, a organização metabólico-motora.
Podemos representar o ser humano esquematicamente da seguinte maneira, se levarmos em consideração sua entidade trimembrada. Temos, pois, a organização neuro-sensorial, e organização rítmica e a organização metabólico-motora.
Se tomarmos os dois sistemas organizacionais externos, a organização neuro-sensorial e a organização metabólico-motora, de fato há uma oposição entre ambas que se mostrem nitidamente a uma anatomia e uma fisiologia cientifico-espirituais. Por exemplo, quando andamos, temos um movimento em nosso organismo motor, que é até um movimento no espaço. A este movimento corresponde um repouso em determinada parte da nossa organização neuro-sensorial, em determinada parte da nossa organização cerebral, na mesma proporção em que a organização motora está em movimento. Eu lhes pelo fazerem a tentativa de antecederem isto corretamente. Eu disse “na mesma proporção em que está em repouso”. Geralmente considera-se “repouso” um conceito absoluto. Quem senta, está sentado e não se faz uma diferenciação entre estar sentado com mais ou menos intensidade. Para a vida comum isto, num certo sentido até que está certo. Aí estas coisas não diferenciam-se muito umas das outras.
Porém com a nossa organização neuro-sensorial, isto é diferente. Quando corremos mais depressa com nossa organização motora, então há uma certa tendência ao repouso, como querer estar em repouso, é mais forte do que quando andamos devagar. E a tudo que se passa em nossa organização motora, mas também aquilo que se passa em nossa organização metabólica, quando, por exemplo, os sucos alimentares percorrem seu caminho através do movimento dos intestinos, corresponde uma tendência de repouso em nosso organismo neuro-sensorial. Isto também se expressa exteriormente. A cabeça, que é a sede principal do organismo neuro-sensorial, com relação À nossa organização motora é, no fundo, uma preguiçosa. A cabeça comportasse aproximadamente como alguém que senta comodamente em uma carruagem, e deixa-se levar pelo cavalo. Esta pessoa fica em repouso. Assim, nossa cabeça sente-se repousando sobre o resto do nosso organismo. Ela não se interessa sequer, quando eu, por exemplo, gesticulo com os braços. Aí o gesticular com meu braço esquerdo causa uma tendência de repouso no hemisfério direito da minha cabeça, quando gesticulo com o braço direito isto causa uma tendência de repouso no hemisfério esquerdo da minha cabeça. E através desta tendência de repouso, torna-se possível acompanharmos nossos movimentos com pensamentos.
Está completamente errado, quando uma cosmovisão materialista porventura acha que representações dependem de movimentos dos nervos. Ao contrário, elas dependem, quando se trata de representações de algum movimento no espaço, das tendências ao repouso do sistema nervoso. O sistema nervoso acalma-se, chegando até a abafar a sua atividade vital; os pensamentos penetram nesse repouso, tornam-se reais. Quem consegue observar de modo cientifico-espiritual o que se passa no pensar, no representar do ser humano, jamais poderá tornar-se materialista, pois sabe que na mesma medida em que os pensamentos tornam-se móveis e ativos como substância anímico-espiritual, justamente os nervos acalmam-se até perdem sua intensidade, chegando mesmo a paralisar-se. Através do cessar da atividade material, o sistema nervoso deve dar lugar ao anímico-espiritual dos pensamentos. É exatamente nessas coisas que vemos porque nós temos um materialismo. Temos um materialismo desde a época em que a ciência na conhece a matéria. É característico da ciência materialista, que ela não tem idéia da essência dos processos materiais e inventa uma porção de coisas que não estão aí.
Já podemos ver então, como no ser humano existem condições opostas, que, no entanto, tendem a um equilíbrio. Da mesma forma como no verão há efeitos da natureza opostos às circunstâncias invernais, assim também no organismo humano distribuem-se efeitos opostos que, porém, mantém um equilíbrio mútuo. Porém, somente estaremos pensando de modo correto sobre estes efeitos opostos que se mantêm mutuamente em equilíbrio, se ainda desmembrarmos o ser humano do seguinte modo. Se dividirmos em duas partes o seu sistema central, seu sistema rítmico, então distinguiremos essencialmente (não é bem exato) o ritmo de respiração e o ritmo da circulação sanguínea e então falamos de um sistema rítmico central superior e um sistema rítmico central inferior, há aquela parte do ser humano que mais tende para o equilíbrio, por estar perpassada, influenciada, impressionada de modo polar por efeitos naturais vindos de cima e de baixo.
Portanto, se eu quiser acrescentar ao meu desenho esquemático o fato dos efeitos da natureza opostos no ser humano, então devo complementar o desenho das seguintes maneiras (vermelho): na parte superior deste oito eu tenho delineado esquematicamente os efeitos da natureza que estão em direção oposta aos efeitos da natureza que delineei na parte inferior do oito.
Assim, de certo modo, o ser humano divide-se em duas metades, uma em cima e uma embaixo. A parte de cima engloba o sistema neuro-sensorial, que naturalmente se estende sobre todo o ser humano. O desenho é esquemático. Às vezes devemos procurar o “em cima” no dedão do pé, porque lá também há órgãos sensoriais. Portanto, o desenho é esquemático, porém os senhores facilmente conseguirão imaginar este desenho esquemático aplicando à realidade. Devo, portanto, representar-me como um lado do sistema neuro-sensorial e, pertencendo a ele, essencialmente, o sistema respiratório, como do outro lado, o sistema circulatório e o sistema metabólico-motor têm efeitos naturais opostos. Eles suprimem-se mutuamente.
O órgão do ser humano, no qual tem lugar a compunção, no qual, de fato, é visado o equilíbrio de baixo para cima e de cima para baixo, é o coração humano. Ele não é uma bomba no sentido da fisiologia moderna, que bombeia o sangue através do corpo. Representa o órgão do equilíbrio entre os sistemas superior e inferior do ser humano. De modo que também no organismo físico externo do ser humano expressa-se aquilo que nele é realizado espiritualmente: no fato de que nele sempre efeitos estivais e invernais anulam-se simultaneamente.
Em qualquer região da Terra só pode ser inverno pelo fato de não ser verão ao mesmo tempo, senão o verão levaria o inverno para um estado de equilíbrio, ou seja, não haveria verão nem inverno, mas um estado de equilíbrio. O ser humano em si é um pedaço de natureza, mas devido ao fato dos efeitos da natureza no ser humano estarem mutuamente dirigidos em sentido oposto, eles anulam-se e o ser humano é, como se ele não fosse da natureza. Mas por isso o ser humano é uma entidade livre. Não se lhe pode aplicar as leis da necessidade natural e sim dois efeitos naturais mutuamente orientados em direção oposta, e estes anulam-se no ser humano. E neste âmbito dos efeitos da natureza que se anulam, está então o anímico-espiritual do ser humano, independente dos efeitos da natureza, e que deve ser reconhecido a partir de suas próprias leis. Daí os senhores podem ver como vamos chegar à abrangência fundamental da observação, quando queremos entender o ser humano e como, na verdade, a mera aplicação das leis da natureza exterior, que sempre estão orientadas para uma única direção, não é admissível para o ser humano.
Agora porém, depois que de um lado colocamos diante de nossa alma a verdadeira entidade humana, observamos as conseqüências que isto tem. Somente chegamos a conhecer o ser humano, quando o observamos do seguinte modo: ele carrega dentro de si um pedaço da natureza, de modo que os efeitos naturais opostos se anulam. Se, no entanto, vamos conhecer este pedaço de natureza através da observação cientifico-espiritual, então, para o estado de sono do ser humano, com relação aos corpos físico e etérico, isto se apresenta como perpassado de efeitos minerais e vegetais que, se olharmos apenas para aquilo que nosso ser humano dorme, fica para trás na cama, representa o estado estival. Somente agora, no entanto, pelo fato de podermos observar corretamente esta vida que germina e brota, podemos conhecer seu verdadeiro significado. Quando germina quando brota? Quando o eu e o corpo astral não participam, quando o eu e o corpo astral estão fora durante o sono. E da onde vem o germinar e brotar? Isto se torna evidente através da observação cientifico-espiritual.
Se eu quisesse desenhar-lhes isso esquematicamente, teria que fazê-lo do seguinte modo. Este seria o esquema do ser humano dormindo (claro, verde, amarelo, vermelho). A linha inferior claro verde são os corpos físico e etérico deitados na cama, que para a observação cientifico-espiritual se mostram como solo, como mineral do qual brota a vida vegetal. Naturalmente ela se mostra como outra forma, mas reconhecível para a observação cientifico-espiritual. Acima arde qual uma chama, que não consegue aproximar-se, o eu e o corpo astral, representado pela linha amarelo-vermelha, que está acima. De certo modo, quando observamos o ser humano em seu sono, temos então na cama um pedaço de solo germinando e brotando e a ele pertencente, mas separados, o astral e os ardentes.
Como é na vigília? Ai eu teria que estruturar o esquema do seguinte modo (claro, vermelho, verde, amarelo): mineral, vegetal murchando sucumbindo e o astral e eu como que queimando este mineral e vegetal, como que enviando chamas para dentro deles. Portanto, temos aí o ser humano acordado tendo em si o anímico e o vegetal desmoronando, o vegetal murchando. O mineral desmorona no ser humano durante a vigília. A atuação vegetal dá a impressão, mesmo que não tenha exatamente essa aparência, qual árvore no outono, como as folhas das árvores pendentes murchando, tudo fenecendo, diminuindo, mas como que permeado por chamas, pequenas chamas que ardem que põe em brasa. Estas chamas e chaminhas que ardem e põem em brasa são o corpo astral e o eu que vivem nos corpos físico e etérico. E surge então a pergunta:sim, e como é que é então com o arder flamejante durante o sono, ande ele está no eu e no corpo astral, separados dos corpos físico e etérico?
Se nos aproximarmos disso com a pesquisa cientifico-espiritual e conseguirmos isso através do confronto de diversas exposições que dei ao longo do tempo, que de certa forma no permitem chegar a essa conseqüência, então chegamos ao seguinte. Aquilo que inicialmente, expele principalmente, o flamejar e arder do eu e o corpo astral e que depois estimula a vida vegetal do corpo físico estival que dorme germinado e brotando, como também o mineral, que desenvolve em si uma espécie de vida, aquilo que causa que as partículas, o atomizante do mineral do corpo físico, tenha a aparência de como se os átomos fossem dissolver-se, de como a partir desse todo se formasse uma massa mineral liquido aérea, continuamente móvel em si, ativa, permeada de vida germinate – o que é pois esta força interior que ocasiona isso? Bem, aquilo que vibra lá dentro, enquanto dormimos nos corpos físico e etérico, é a repercussão da onda da nossa vida anterior À existência terrestre. Esta nós paralisamos durante nossa vida vígil.
Quando este cintilar flamejante do corpo astral e do eu tornam-se unos com os corpos físico e etérico, então levamos ao repouso aqueles estímulos que durante o sono presentes, vindos de uma vida pré-natal. É só agora aprendermos, atreves daquilo que aprendemos sobre nós mesmos, de olhar para a natureza exterior de maneira correta, de modo que dizemos: tudo que na natureza exterior atua como leis naturais, como forças naturais na vida mineral e vegetal isto é igual àquilo que em nós é vida mineral e vegetal durante o sono, é vida estival, germinante e brotante. Isto significa que, do mesmo modo como nós, ao observarmos nosso corpos físico e etérico adormecidos, somos reportados ao nosso passado, à vida espiritual que tivemos em nossa existência pré-natal, assim a natureza exterior, com quanto é mineral e vegetal, nos indica o passado.
Se quisermos entender corretamente as forças naturais e as leis naturais atuantes da natureza que nos circunda, exceptuando o animal e o físico humano, então devemos dizer: as leis naturais e as forças naturais remetem-nos para o passado da Terra, para o parecer da Terra. Portanto, quando pensamos a respeito da natureza exterior, então estes pensamentos dedicam-se ao elemento da existência terrestre que está parecendo. Se esta existência terrestre deve ser novamente vivificada, ter em si impulsos futuros, então isto só poderá acontecer do mesmo modo como ocorre no ser humano, ou seja; através do fato que algo anímico e espiritual seja introduzido no mineral e vegetal. O anímico se introduz nos animais, o espiritual no ser humano.
Com isto, porém, toda a entidade do cosmo, de fato, divide-se em dois membros. Olhamos para fora, para dentro da natureza exterior e à medida que ela é da espécie mineral e vegetal (e é principalmente isto que está na natureza exterior), só podemos compará-la com os nosso corpos físico e etérico quando dorme. Quando olhamos para os efeitos físicos exteriores, então devemos dizer que destes efeitos físicos. Pois quando olhamos para os efeitos físicos ligados à alimentação dos seres, então devemos dizer: a alimentação começa com a ingestão de matérias, minerais e vegetais. O animal continua a digeri-las com a alimentação para o ser humano. Mas inicialmente, tudo que é natureza exterior, com seus efeitos físicos exteriores e também etéricos, depende de uma entidade dessas, que encontramos em nosso organismo físico etérico. Mas aquilo que temos dentro de nós como eu e organismo astral, aquilo que, por exemplo durante a vigília ( onde o organismo físico e etérico se encontram em seu sono invernal, se assim posso expressar-me, pois isto é um paradoxo em relação à realidade, como os senhores podem sentir) encontra-se em estado estival, estimulado pelos efeitos sensoriais externos e pelos pensamentos que através deles se formam, isto cria um equilíbrio com o estado invernal dos corpos físico e etérico.
Mas que põe à obra num sentido cientifico-espiritual, encontrará (se bem que aquilo que ele deve imaginar como sendo concomitante no ser humano, no decurso anual das estações está separado) que ao estado invernal da Terra corresponde um estado estival, um estado invernal espiritual. Só que estes não formam um estado de equilíbrio na Terra, mas que se manifestam no hemisfério oposto, de modo que na Terra é assim, que o estado invernal físico é fortalecido pelo estado invernal anímico-espiritual, o estado estival físico é fortalecido pelo estado estival espiritual. Com isto está indicado o fato de que, assim como o ser humano carrega em si o seu passado e seu presente.
No fundo, com relação à atividade e às leis que o permeiam durante a vigília, temos o presente apenas em nosso corpo físico. Temos a atuação do passado, um passado vivido no âmbito espiritual, no organismo físico e etérico no estado de sono. Também vamos encontrar correspondente na natureza mineral e vegetal presente, que atua sobre nós: no fundo são os resultados da existência passada e que se tornam presente apenas pelo fato da Terra estar envolvida pelo anímico-espiritual, assim como o ser humano é penetrado pelo anímico-espiritual. E no presente já o germe para o futuro.
Mas se for verdade, e o que lhes expus, é verdade, que no organismo físico e etérico temos efeitos do passado justamente quando está independente da atividade anímico-espiritual, então podemos procurar os efeitos que atuam em direção ao futuro apenas no nosso eu e no nosso corpo astral, mas também para a Terra só podemos procurar o futuro no espiritual.
O homem chegou hoje ao ponto de ter acrescentado o organismo físico e etérico o eu e o corpo astral através de evidentes poderes elementares. Os mundos terrestre mineral e vegetal ainda não acrescentaram isto. Eles evolvem a Terra anímica e espiritualmente, mas eles não penetram o modo de atuar mineral e vegetal da Terra. A entidade mineral da Terra mostra-se, assim como a temos perante nós, como algo que não permite o espírito e a alma de penetrá-los, mas que apenas se deixa circundar pelas chamas e envolver pelo espírito e pela alma.
A natureza vegetal apresenta-se de tal modo que também não permite a entrada do anímico, mas que em suas partes superiores, de certo modo eu diria, todo o anímico-espiritual. Pois para a pesquisa cientifico-espiritual, na planta apresenta-se o seguinte: se em baixo tenho a raiz, no meio o caule e em cima a flor da planta, então devo encarar a flor de tal modo , que na flor, a planta que aspira para cima, toca o astral que não a penetra, mas a toca. A flor surge pelo fato de ocorrer um contato entre a parte superior da planta e o astral que envolve a Terra. Por diversas vezes expressei isto através de uma comparação, que naturalmente deve ser entendida decentemente, de que o florescer da planta é essencialmente o beijo que o sol, a luz do sol, troca com a planta. Isto é um efeito astral, que porém é um mero contato.
Quando então olhamos para a natureza que nos rodeia, não vemos no elemento mineral, na planta, diretamente a mesma coisa que vemos em nós como seres humanos. Em nós, como seres humanos, vemos relacionadas uma natureza mineral, uma natureza vegetal, uma natureza astral e uma natureza do eu. Por ora teremos que descontar os animais. Futuramente ainda falaremos sobre eles. Mas devemos encontrar no mundo mineral e vegetal aquilo, do qual os efeitos físicos dependem essencialmente. Este mundo, eu diria se nos apresenta na natureza exterior despojada do pensamental-anímico e daquilo que é vivência do eu: o sentido do espírito auto-consciente. Estes não estão fora, não estão no elemento mineral nem no elemento vegetal. O elemento mineral e o elemento vegetal são, no fundo, resultados do passado.
Quem observar corretamente na Terra o solo mineral, a planta que brota, deve dizer perante a vida terrestre: em vocês formas cristalinas, em vocês formações montanhosas, em vocês, plantas que germinam e brotam, vejo os monumentos daquilo que foi criativo, o criador de vida, e que está parecendo, aquilo que emana com força da existência pré-natal e que no corpo físico e etérico está sendo paralisado e perecendo – vemos o organismo físico e etérico impregnado por aquilo que brilha em direção ao futuro a partir da entidade astral e do eu, aquilo que se desenrole livremente no ser humano como vida pensante e representativa, na posição de equilíbrio dos efeitos da natureza.
De certo modo, no ser humano vemos passado e futuro lado a lado. Quando unimos para dentro da natureza, na medida em que ela é mineral e vegetal, vemos mero passado. Aquilo que no ser humano já atua como futuro no presente, exatamente isso lhe dá a entidade da liberdade não existe na natureza exterior. Se a natureza exterior estivesse condenada a permanecer assim como é através do seu reino mineral e vegetal, então também estaria condenada a morrer, assim como o mero organismo físico e etérico do ser humano parece perece no cosmo. O organismo físico e etérico morre, o ser humano não morre, porque as entidades astral e do eu nele não carregam em si a morte e sim o vir a ser, o nascer.
Para que a natureza exterior não mora, tem que lhe ser dado aquilo que o ser humano possui através do seu corpo astral e do seu corpo do eu. Isto significa, que através do seu corpo astral e do seu corpo do eu ele tem representações auto-conscientes. Assim, se o ser humano quiser garantir o futuro da Terra moribunda, ele deve colocar no mundo a mesma coisa, que nele é suprasensível e invisível, a reencarnação numa próxima existência terrestre, ele não pode esperar que isso lhe venha do seu corpo físico e corpo etérico moribundo, assim também não pode surgir um futuro da Terra a partir daquilo que é globo terrestre mineral e vegetal que nos envolve. Apenas se conseguirmos colocar algo neta Terra que ela não tem, é que poderá surgir a Terra futura. Mas aquilo que não existe de por si na Terra são, em primeiro lugar, os pensamentos ativos do ser humano que engendram e vivem em seu organismo natural autônomo, independente do seu estado de equilíbrio. Realizando estes pensamentos autônomos, ele dá à Terra o futuro. Mas para isso, primeiro ele mesmo terá que ter estes pensamentos autônomos, pois todos os pensamentos que tecemos a respeito daquilo que está moribundo no conhecimento da natureza comum, são pensamentos espelhados, não são realidades. Os pensamentos que escolhemos da pesquisa espiritual são vivificados em imaginação, inspiração, intuição. Se nós os acolhermos, então são formações autônomas existentes na vida da Terra.
Em meu livrinho sobre a teoria do conhecimento da cosmovisão de Goethe eu pude dizer o seguinte a respeito desses pensamentos criativos: este pensar representa a forma espiritual da comunhão da humanidade. Pois, ao se entregar aos seus pensamentos espelhados sobre a natureza exterior, o ser humano apenas deseja o passado, vive em cadáveres do divino. Ao vivificar ele próprio os pensamentos, ele une-se através de sua própria entidade, comungando, recebendo comunhão, com o divino-espiritual que penetra o cosmo, garantindo o futuro do mesmo.
Assim o conhecimento espiritual é uma verdadeira comunhão, o inicio de um culto cósmico adequado à humanidade do presente. Este culto pode então crescer pelo fato de o homem agora perceber como ele perpassa seu organismo físico-mineral e vegetal com a sua organização astral e do eu; como ele, pelo fato dele, tornar vivo o espírito em si mesmo, agora também cativa o espírito em si mesmo, agora também cativa o espírito naquilo que de outro modo o envolve como algo morte, moribundo.
Aí então o ser humano vivencia que, olhando para o seu organismo, o atuante em estado sólido, ele neste sente-se unido ao mundo estelar, à medida em que ao mundo estelar é um ser em repouso, por exemplo, nas constelações zodiacais, com relação à Terra, ele comporta-se calmamente no espaço cósmico através do seu organismo físico. Porém, ao fazer fluir para dentro dessas configurações o seu anímico-espiritual, ele mesmo transforma o cosmo.
O ser humano é igualmente atravessado por um fluxo de humores. Nestes já vive o organismo etérico. Aquilo que faz com que o sangue circule em nós, que põe em movimento os humores, é o organismo etérico. Com este organismo etérico o ser humano está em contato, eu diria, com os atos estelares, com os movimentos dos planetas. Exatamente como as constelações do zodíaco atuam sobre a forma do organismo humano ou ela estão relacionadas, assim o fluxo humoral está relacionado aos movimentos planetários do sistema planetário ao qual pertencemos.
Mas visto diretamente, isto é um cosmo morto. O ser humano o transforma a partir do seu próprio elemento espiritual, quando ele o comunica ao cosmo, vivificando os pensamentos até a imaginação, inspiração, intuição, realizando assim a comunhão espiritual da humanidade.
É disso que o ser humano deve ter consciência em primeiro lugar. Esta consciência deve ser mantida cada vez mais viva e ativa e então o ser humano encontrará mais e mais o caminho para esta comunhão espiritual.
Hoje pretendo dar-lhes apenas uma base, participando-lhes inicialmente aquelas palavras que, se a deixarmos atuar de modo correto sobre a alma, se a vivificarmos sempre novamente na alma, de modo a vivenciarmos na alma seu sentido pleno, seu destino móvel, vão fazer surgir na alma algo, através do qual o morto no mundo, com o qual o passado é vivificado, para que do seu estado morto possa vir a ser relacionamento com o cosmo do seguinte modo. Vou anotar uma primeira fórmula que nos leva nesta direção.
Aproxima-se de mim na atuação terrestre
– represento-me a matéria terrestre que assimilo com aquilo que forma a configuração sólida do meu organismo.
Aproxima-se de mim na atuação terrestre.
Dada a mim na imagem da matéria.
A entidade celestial das estrelas.
É assim, que quando olhamos para qualquer formação da Terra, que acolhemos como nosso alimento, nós nele temos então uma imagem dos agrupamentos estelares fixos. É isso que acolhemos em nós a entidade estelar, a entidade estelar, a entidade celeste através da matéria da Terra, que está contida na atuação terrestre. Mas devemos ter consciência de que, como seres humanos, retransformamos em espírito, no nosso querer, no nosso querer perpassado de amor, aquilo que se tornou matéria da Terra, que está contida na atuação terrestre. Mas devemos ter consciência de que, como seres humanos, retransformamos em espírito, no nosso querer, no nosso querer perpassado de amor, aquilo que se tornou matéria; que realizamos uma verdadeira transubstanciação, quando temos consciência de estarmos dentro do universo, de modo que a vida pensamental-anímica se torna viva dentro de nós.
Aproxima-se de mim na atuação terrestre,
Dada a mim na imagem da ateria,
A entidade celestial das estrelas:
Vejo-as transformarem-se amorosamente no querer.
E se pensarmos naquilo que assim ingerimos, de modo que perpasse a parte líquida do nosso organismo, a atuação dos humores, a circulação sangüínea, então, desde que provenha da Terra, isto é uma imagem, agora não da entidade celeste ou da entidade estelar, mas das ações das estrelas, ou seja, dos movimentos dos planetas. E posso tornar-me consciente, como aí espiritualizado isto, quando me coloco corretamente no cosmo através da formula seguinte:
Penetram em mim na vida aquosa,
Formando-me na força poder da matéria
Os atos celestes das estrelas
Isto significa as ações dos movimentos dos planetas. E agora:
Vejo-os transformarem-se sabiamente no sentir.
Enquanto posso ver a entidade e o engendrar das estrelas no querer, transformando-se, sabiamente, aquilo que me é dado aqui na Terra, ao acolher a imagem dos atos celestes através daquilo que perpassa meu organismo humoral. Assim colocado, o ser humano pode vivenciar-se querendo e sentindo. Entregue ao domínio universal da existência cósmica, ele pode vivenciar aquilo, que através dele é realizado no grande templo do cosmo, como transubstanciação, sacrificando, encontrando-se dentro dele de modo puramente espiritual.
O que seria apenas conhecimento abstrato torna-se uma relação de sentimento e vontade com o cosmo. O cosmo torna-se um templo, o universo torna-se a casa de Deus. O ser humano cognitivo, elevando-se no sentir e querer torna-se uma entidade sacrificante. A relação fundamental do ser humano para com o cosmo eleva-se do conhecer para um culto cósmico. Que tudo aquilo que é nossa relação para com o cosmo, primeiramente se reconheça no ser humano como culto cósmico, isto é um primeiro inicio daquilo que deve acontecer, se a antroposofia deve realizar sua missão no cosmo.
Isto é o que eu lhes queria dizer como um início. Na próxima sexta-feira continuarei isto que é a essência do cúltico em relação ao conhecimento da natureza. Hoje eu queria dizer especialmente isto. Direcionei esta palestra para o dia de hoje, a fim de que viesse à tona este conteúdo, pois acho que assim, quando novamente surge perante nossa alma aquela entidade do tempo que nos é dada pela translação anual, quando uma translação anula se completa, pelo menos para a observação exterior, para a vivência exterior, nos venha à consciência como deve configurar-se nossa relação para com o tempo, como devemos procurar o futuro a partir do passado, como devemos saber atuar para o futuro a fim de criar o espiritual.
Esta tarde, uma das poesias recitadas iniciou assim: cada novo ano encontra novas sepulturas. Isto é profundamente verdadeiro! Mas tão verdadeiro também é: cada novo ano encontra novos berços. Como encontrão passado, também encontra o futuro. Hoje depende principalmente do ser humano, captar este futuro, pensando que esta vida germinante e brotante, que se nos depara exteriormente, contém em si a morte, mas que devemos procurar a vida a partir de nossa própria energia. E cada renovação anual nos é um símbolo para isto. Mesmo que com razão de um lado olhamos para as sepulturas, olhamos do outro lado para a vida que se renova, que aguarda receber em si o germe para o futuro.
Rudolf Steiner – GA 219 – 31 de dezembro de 1922
O IMPULSO CRÍSTICO ATRAVÉS DOS TEMPOS
Em conferências recentes comentamos, sob diversos aspectos, sobre os antecedentes espirituais do Ministério do Gólgota, isto é, que este ministério é a culminação de uma série de acontecimentos anteriores. Vocês sabem, também, meus amigos, que este ministério inclui como sua condição medular, a fusão da entidade Cristo, com o corpo de Jesus de Nazaré: fusão símbolo de que, uma entidade cósmica, Cristo, se uniu com nossa existência terrena. Objetivando-se, assim, no plano físico.
Sabemos da mesma forma, que, como preparação prévia do ministério Gólgota, nasceram dois meninos Jesus(*): um deles, descendente de Salomão, como portador do eu de Zaratustra; outro, procedente da linha natânica, da estirpe de Davi, como ser muito peculiar. Sabemos, também, que, aos 12 anos, o eu de Zaratustra transmigrou, do menino Jesus salomônico, para o menino Jesus natânico e que, entre os 12 e os 30 anos o Jesus natânico, animado pelo eu de Zaratustra, se preparou para receber, através do acontecimento simbolizado pelo batismo no Jordão, a Entidade Cristo que, desde então penetrou a individualidade de Jesus de Nazaré, difundida, depois de sua morte, na esfera espiritual, que circunda a Terra, com o qual a humanidade pode se fazer participante das forças espirituais que, partindo do ministério Gólgota, fluem para todas as almas e os corações.
(*) veja-se: “A direção espiritual do homem e da humanidade”
Em ocasião anterior eu já disse que este ministério do Gólgota, como antecipação, já havia acontecido em 3 ocasiões anteriores, para salvar ao gênero humano: a primeira, na antiga época lemúrica, a segunda na atlante e a terceira até o final desta. A quarta é a que, já dentro da época pós-atlante, corresponde aos começos da nossa era. Sem dúvida, este 4º evento, que nós chamamos de ministério do Gólgota, é o único que aconteceu no plano físico; os 3 anteriores se desenvolveram somente no mundo espiritual. Mas, as forças efetivas geradas em virtude destes acontecimentos e enviadas para a salvação da humanidade, animaram almas e corpos terrestres. E, em cada um desses eventos, a entidade de Cristo penetrou na mesma entidade que, posteriormente, nasceu como menino Jesus natânico.
Já disse que o decisivo do ministério do Gólgota consiste em que, no chamado Jesus, da estirpe natânica, penetrou a entidade Cristo; mas, essa entidade natânica, esteve presente, também, nos 3 eventos anteriores, embora não encarnado em nenhum homem físico: viva como entidade arcangélica nos mundos espirituais, de onde ficou impregnada da entidade Cristo, uma vez na época lumúrica e 2 na atlante, como etapas precursoras do Ministério do Gólgota. Reconhecemos, pois, 3 vidas arcangélicas no mundo espiritual; a entidade que as viveu era mesma que, posteriormente, nasceu como menino Jesus, do qual nos fala no evangelho de São Lucas. Três vezes essa entidade arcangélica, que mais tarde se sacrificou como homem, se imolou para a penetração do impulso Crístico. Assim como Jesus Cristo foi um homem, impregnado desse impulso Crístico. E, assim, como os efeitos do ministério do Gólgota se verteram na atmosfera espiritual da Terra, do mesmo modo se difundiram nela, embora procedentes do cosmos, os efeitos dos primeiros 3 eventos. Já sabemos que o ministério do Gólgota ocupa o lugar central da evolução terrestre; tudo o que precede aponta, qual premunição, para tal ministério. E todo o posterior corresponde a uma paulatina instilação de suas forças nas almas e nos corações humanos.
Qual dos membros constitutivos do homem recebeu a força emanada do ministério do Gólgota? Aquele que, quando se abre, é capaz de desenvolver sua consciência no plano físico. Acaso não é assim? Não podemos falar, ao recém-nascido, de Jesus Cristo; não há maneira de explicar. E, se deixássemos qual a visão da criança pousasse em algum quadro, como por exemplo, o da Madona Sixtina com o menino Jesus, ou ainda, no crucificado e, se pudéssemos olhar em sua alma, notaríamos eu, na primeira etapa da vida infantil não nos é possível acercar-nos dele, com os recursos educativos do plano físico. É certo que, já desde os dias de seus primeiros balbucios, podemos acostumá-lo a pronunciar o nome de Cristo; conceitos que nada dizem dele; mas, nessa primeira etapa da vida infantil, não podemos esperar que brote de seu coração, alguma compreensão. E, se os recursos da ciência espiritual, investigamos o ânimo infantil, resulta óbvio que, os primeiros rudimentos de sua captação de Cristo, não podem despontar, por meios educativos exteriores, até o primeiro momento da infância, que o homem poderá recordar, posteriormente, Istoé, até o momento em que nasce sua consciência do eu. Não resta dúvida de que essa captação infantil do Cristo, que lhe transmitimos, sem introduzir nenhum dogmatismo, simplesmente tratando que, em nossas palavras e representações sobre algo do impulso Crístico, o beneficiarão por todo o resto de sua vida. Uma vez despertada a consciência do eu ainda que esta consciência esteja, em seus primeiros rudimentos, já podemos fazer algo: por exemplo, ainda que não possamos influenciá-la com meios externos, a criança já pode levantar o olhar para Madona Sixtina ou para o Crucificado, em atitude muito diferente de como os via antes.
Compreenda-se que o Ministério do Gólgota, pela sua forma de incorporar-se na evolução terrena da humanidade, acha-se destinado a propiciar o progresso da vida espiritual, no plano físico; e, em realidade, o homem só entra conscientemente neste plano uma vez que tenha despertado do seu eu.
E, o que é o que precede isso?
Já mencionei, em conferencias anteriores, 3 etapas que precedem o despertar do eu, de extrema importância para acriança. Quando aprende a andar, isto é, a levantar-se, da posição horizontal para se orientar para as alturas celestes do cosmos.
Então, aprende a passar, de uma posição para outra e, nosso se apóia a principal diferença entre o homem e o animal: aprende a adotar, por seu próprio esforço, a posição ereta, afastando seu olhar do terreno, para o qual o animal se dirige, em virtude de toda sua natureza e sua forma, pois são só aparentes as exceções. A criança consegue esta posição ereta, antes que nasça, nela, a consciência do eu.
Na nossa atual vida pós-atlante, não fazemos senão recapitular certas atitudes que a humanidade não possui sempre, mas que adquiriu no transcorrer do tempo: aprendizagem de se equilibrar e andar ereto, conquistado paulatinamente na antiga época lemúrica, a criança o repete numa idade que precede ao consciente despertar do eu. Esta recapitulação individual se realiza, pois, de forma massiva, numa idade em que este aprendizado não depende, todavia, da consciência: é um impulso inconsciente para erguer-se. Existem animais que têm um modo de andar quase vertical, quase orientado para cima; seu organismo se acha estruturado de maneira tal que, alcançam naturalmente, essa posição. Não necessitam de aprendizagem nenhuma. Sem dúvida, igual a muitas outras comparações, também esta poderia resultar errônea. O homem está chamado para que, mas graças à sua potencialidade latente, se coloque em posição vertical, subtraindo-se à posição que ainda se encontrava na antiga época lunar, quando sua coluna vertebral era paralela à superfície da Lua, isto é, horizontal. Na antiga época lemúrica, o homem aprendeu a transformar a direção lunar na terrestre, graças ao que, durante o ciclo terrestre, os Espíritos da Forma começaram a oferecer ao homem, algo de sua própria substancia e a instilar-lhe o Eu.
A primeira manifestação desta instalação é a força interna que permite ao homem erguer-se. A própria Terra contém forças espirituais que podem percorrer a extensão da coluna vertebral, enquanto esta, em seu crescimento natural, permanece em posição horizontal, como o corpo do animal. Mas, a Terra carece de energias que possam servir, diretamente, ao ser humano, uma vez que este comece a se orientar em direção vertical, graças ao seu Eu e, ainda que a consciência deste não nasça senão mais tarde.
Para que o homem possa se desenvolver harmoniosamente, com seu andar ereto e vertical, é necessário que nele atuem as forças extra-terrestres, procedentes do cosmos.
Como conseqüência de o homem, por sua posição ereta, ter se subtraído ao amparo das forças espirituais da Terra, Lúcifer e Ahriman teriam podido perturbar toda a evolução humana, se não tivesse acontecido o Primeiro Evento de Cristo, na antiga época lemúrica.
Foi em tal época que aconteceu no reino espiritual imediato ao terreno, a penetração do Cristo, na entidade que, posteriormente, se converteria no Jesus natânico, embora, simplesmente numa espécie de existência angélica. Eis aqui uma etapa precursora ao Ministério do Gólgota. A conseqüência disso foi que, o posterior Jesus natânico, que do contrário, teria conservado sua figura angélica, adotou a figura humana, não em sentido carnal, mas etérico, posto que o vento aconteceu nas alturas espirituais etéricas.
Na mais próxima das regiões supra-terrestres, Jesus Nazareno pode ser encontrado, como figura angelical etérea: pela impregnação de Cristo, adotou figura humana etérea. Com isto, se introduziu um novo elemento no Cosmos: a energia que irradia para a Terra e que permitia ao homem ou, falando com mais precisão, a sua forma física humana, proteger-se da destruição de que teria sido vítima, ao não existir a possibilidade de que irradiasse, para ele, do Cosmos, e nele penetrasse, a força plasmadora, que lhe permitia converter-se em ser ereto. A desordem teria prevalecido, ao faltar a irradiação desta força plasmadora que, graças ao primeiro evento, aproximou da Terra, nas asas da força solar física.
Na presença de uma criança que, pela primeira vez, se levanta do seu estado de desamparo, arrastando-se, e resvalando-se, para equilibrar-se e andar, convém que recordemos que isto só pode acontecer porque, na antiga época lemúrica, ocorreu o Primeiro Evento Crístico, isto é, a que o Jesus natânico, impregando da Entidade Cristo, passou de uma condição etéreo-espiritual, para uma condição etérreo-humana.
Na verdade, amigos, a ciência espiritual tem por objeto dar conteúdo substancial à nossos sentimentos; e o sentimento que nos embarga ao observar uma criança, que aprende a suster-se sobre seus pés e andar, enraizada, certamente, num solo de profunda religiosidade: a criança caminha erguida, graças ao Impulso Crístico. Assim, a Ciência Espiritual enriquece nossa concepção de mundo, ao dotá-la de um sentimento do ambiente externo, que não poderíamos ter obtido de outra maneira. Damo-nos conta de que existem guardiões do desenvolvimento e do crescimento infantil e de que, os raios da força de Cristo, envolvem o ser e o crescer da criança.
Pelas descrições que fiz da época atlante, segundo os Anais Akashicos, vocês sabem que nossos antepassados atlantes mudos à princípio, adquiriram a linguagem nessa época. Eis aqui a segunda das faculdades, que a criança adquire antes de que desperte sua consciência do eu, propriamente. Aprende a falar. Este aprendizado se apóia, meramente, numa espécie de imitação, ainda que, certamente, provenha de profundas raízes da natureza humana. A fala é, pois outra das faculdades que se depositaram no homem terreno, em virtude de seu próprio progresso. Graças a que se instalaram nele os Espíritos da Forma, o homem á capaz de falar e de viver no plano físico. Eis aqui, pois, o segundo dos elementos, pelos quais o homem se subtrai às forças puramente terrestres. Os animais não aprendem, realmente, a falar; neles as energias da fala não passam do nível orgânico vegetativo. Inclusive, a eloqüência que no impressiona em alguns animais, não corresponde a fala humana e se, por meio de adestramento ou outro procedimento, conseguimos que o animal profira palavras, se produzem efeitos extra-corporais dos quais a Ciência Espiritual poderia se ocupar, mas que hoje ficam fora do nosso tema. O que agora nos interessa é a evolução normal do homem e fazemos constar que a fala já era predisposta no ser humano, desde as alturas divinas, por meio do que vejamos como o homem deu o passo da condição muda para a falante.
Assim como, pela conquista da posição ereta, o homem se emancipou da primeira corrente, do mesmo modo, pela conquista da fala, se emancipou de outras forças que, também, circulam na Terra, qual seiva espiritual.
Devido às influências luciférica e ahrimânica, a linguagem teria se pervertido, se o homem tivesse ficado abandonado unicamente à Terra, isto é, se não se tivessem vertido nele influências cósmico-espirituais, que desciam a ela. Sem a intervenção do Cristo, o homem da época atlântica, teria desenvolvido todo seu aparelho vital: laringe, língua, garganta e inclusive os órgãos mais profundos, que têm a ver com a fala, como o coração, por exemplo, só até o ponto de poder expressar, por um misero balbucio, similar ao das profetizas ou dos médiuns, seus egoístas sentimentos de dor, alegria, prazer, sensualidade. Ainda que o homem tivesse podido preferir sons muito mais articulados que o animal, não poderia expressar, por seu meio, senão o que vive em seu interior; toda a palavra teria se limitado aos processos, que acontecem em seu próprio organismo; a linguagem teria se limitado a um conjunto de interjeições. Hoje em dia, estas vozes emotivas, ficam reduzidas a um número muito pequeno. O perigo de que a complexidade da fala humana não tivesse transcendido o nível das interjeições e que, a desordem na elocução humana tivesse impedido a expressão da interioridade do homem, ficou afastado, graças ao Segundo Evento Crístico, isto é, graças À que a entidade, que posteriormente nasceria como o menino Jesus natânico, se impregnou, nas alturas etéreas, da entidade Cristo e, assim, penetrou os órgãos corpóreos do homem, dotando-o da capacidade de proferir palavras mais articuladas, que as meramente emotivas. Como conseqüência, pois, do Segundo Evento Crístico o homem adquiriu a capacidade de abranger e expressar o objetivo.
Ainda assim, a linguagem, como faculdade de trocar em palavras as emoções humanas, se achava ainda, ante um perigo. Como conseqüência do Segundo Evento Crístico, teria sido possível acontecer que o homem, não só encontrasse sons, interjeições, palavras emotivas, mas também que, de certo modo, o intimo movimento da fala, provocado por ele, exposto às influências luciféricas e ahrimânicas que continuaram substituindo até bem no começo da época atlante não se ajustara a uma realidade substancial, isto é, que o homem não saberia designar os objetos exteriores, com palavras que pudessem simbolizá-los adequadamente. Então aconteceu o Terceiro Evento Crístico. Pela 3ª vez, a entidade que, posteriormente nasceria com Jesus natânico, se uniu, nas alturas espirituais, com Cristo e, com as energias assim adquiridas, outorgou um novo nível capacidade humana de falar esta 3ª incorporação foi, por sua vez, a 2ª em que a energia da Entidade Cristo Jesus penetrou certos órgãos do corpo humano, naqueles que manifestam a fala, e com isso a força de falar foi dotada da possibilidade de criar autênticos signos verbais e assim poder expressar o circuncidante; a linguagem pode se constituir em meio de comunicação universal, mais além de toda limitação geográfica ou étnica. Nunca teria sido possível à criança aprender a falar, se não tivessem acontecido esse dois Eventos Crísticos, na época atlante. E uma vez mais, preenchemos de conteúdo nossa vida emotiva, através da Ciência espiritual se, na presença da criança, que começa a falar e que vai aperfeiçoando esta arte, tivemos presente que, em seu inconsciente, anima o impulso de Cristo, protegendo e fermentando essa faculdade de se expressar por meio de palavras.
Depois de acontecer aqueles Eventos Crísticos, cuja influencia sobre a evolução da humanidade voltei a destacar hoje, deste determinado ponto de vista, sobreveio a época pós-atlante.
Durante esta época, os povos afiliados a chamada cultura egípcio-caldaica, tiveram por missão reviver, mas penetrado de consciência, aquilo que aconteceu para o bem da humanidade, na antiga época lemúrica. Inconscientemente, o homem havia aprendido a conquistar a posição ereta na época lemúrica e se converter em ser falante, na época atlante. Totalmente inconsciente, por não haver nascido ainda sua faculdade discursiva, o homem fez seu o Impulso Crístico. Na época pós-atlante, foi necessário conduzi-lo, lentamente, a compreender aquilo que havia assimilado, inconscientemente, nos tempos anteriores.
O que as alturas cósmicas lhe permitiu contemplar, ereto? O Impulso Crístico. O homem da época lemúrica vivia sob certo imperativo. Depois, embora não com Lena consciência, mas em processo de aquisição dela, os povos do Egito seriam conduzidos a venerar aquele que palpitava nesse erguimento. Disso se ocuparam os iniciados, cuja influência na cultura egípcia se potencializou com a construção das pirâmides, que se erguem da Terra para o Cosmos e cuja forma de situação atestam esse impulso ascendente, devido à ação das forças cósmicas. Ergueram-se, também, os obeliscos e, assim, o homem começou a tomar consciência das forças que presidiam sua postura ereta; além disso, os maravilhosos hieróglifos, nesses monumentos, ao serem alusões veladas a Cristo, evocavam as forças supra-terrenas da época lemúrica.
Sem dúvida, em relação à capacidade da fala, os egípcios não puderam alcançar o mesmo nível de compreensão nublada, que alcançaram no tocante a capacidade de erguimento. Com relação àquela, a alma egípcia teve de passar, primeiro por uma disciplina emotiva adequada, com o fim de que a humanidade posterior chegasse a compreender o enigma da presença de Cristo na faculdade verbal do homem. A alma humana, em vias de maturação, haveria de acolher esse enigma na atitude do mais profundo temor reverencial e de disso de ocuparam de forma maravilhosa os hirofantes, iniciados da cultura egípcia, os quais deram ao mundo a esfinge, enigmática e muda, cuja pétrea efígie só se tornou sonora sob a influência cósmica, em certos momentos de êxtase humano. Diante da esfinge silenciosa, que só em determinadas condições adquirida sonoridade, pela ação do sol nascente, nasceu aquele temor reverencial da alma, que a conduziria para compreensão da linguagem, que se falaria quando, mais tarde, se elevasse à consciência superior a penetração paulatina do Impulso Crístico na evolução terrena da humanidade; essa humanidade que receberia a mensagem, que as esfinges não podiam dar-lhe, ainda, mas, para cuja captação, era preparada. Na formação do movimento verbal estimula o Impulso Crístico. Isto foi dito à humanidade, com as seguintes palavras:
No princípio era o verbo
E o verbo era com Deus
E o Verbo era um Deus.
Este era no princípio com Deus.
Ali estava, onde tudo foi feito,
E nada foi feito
Senão pelo Verbo.
No Verbo estava a Vida
E a Vida era a luz dos homens.
“No verbo estava a Vida, e a Vida era a luza dos homens”. Esta passagem corresponde ao momento em que o Evangelho nascia, do seio do 4º período pós-atlante e no qual os homens, graças a sua preparação feita pela cultura Greco-latina, haviam chegado ao ponto de poder reviver, dentro de tal período, o que havia acontecido em épocas anteriores. Assim como na época egípcia se recapitulou a veneração do erguimento, assim se recapitulou, na época grega, a veneração do verbo da palavra. Eis aqui, como as forças espirituais sobre humanas, intervém na evolução da humanidade.
Finalmente, como 3º logro, antes de despertar para consciência do eu, a criança tem que aprender a formar idéias, a pensar. Este pensar havia sido reservado para a humanidade pós-atlante ou, falando com mais precisão, para sua 4ª época. Antes, pensava-se em imagens, a semelhança de como, ainda hoje, toda a criança começa por pensar em imagens, a semelhança de como, ainda hoje, toda criança começa por pensar em imagens. (Deste pensamento imaginativo me ocupo no meu livro “Os enigmas da filosofia”. A faculdade de criar pensamentos não nasceu senão até o 7º ou 6º século a.C., para logo ir se aperfeiçoando; agora já nos encontramos perfeitamente identificados com ela. Considerando que a evolução do pensamento discursivo tem a característica de envolver o Eu, o Quarto Evento Crístico, o mistério do Gólgota, teve como um dos objetivos o vincular também o pensamento com o impulso Crístico e, assim, evitar que se introduzisse a desordem, em sua relação com o Eu, antes que a ordem fosse inserida, progressivamente, no pensar humano, que seus pensamentos deixassem de mesclar-se caoticamente e que, penetrados de sentimentos e sensações internas, se desenvolve, mais e mais, um sadio pensar ligado à realidade. Tudo isto se deve a que, graças ao 4º evento Crístico, mistério do Gólgota, nosso pensar adquiriu o impulso necessário, derramado por Cristo, na atmosfera espiritual da Terra.
Como resumo, pois, podemos dizer que, pela primeira vez isto aconteceu na época lemúrica, quando Lúcifer ameaçava a entidade ereta do homem; que pela 2ª vez, aconteceu na época atlante, quando o homem foi subtraído ao perigo de que a linguagem fosse expressão desordenada de sua interioridade.
A 3ª vez, tal penetração teve lugar nos fins da época atlante quando Cristo, ao impregnar a entidade espiritual que posteriormente seria Jesus de Nazaré, salvou-se o dom lingüístico, que havia de ser o símbolo dos objetos exteriores.
A 4ª intervenção de Cristo, finalmente, salvou o pensar do perigo de que não pudesse visualizar-se interiormente. O homem pode transcender este perigo, objetivando seus pensamentos em formas internas, que se derramaram na atmosfera espiritual da Terra, graças ao mistério de Gólgota, e, para tal objetivação, nossa ciência espiritual moderna oferece enfoques particularmente adequados.
Meus amigos, a evolução da humanidade chegou a um ponto em que já é, também, admissível pronunciar as primeiras palavras do Evangelho de São João, de forma distinta:
No princípio é o pensamento,
E o pensamento é com Deus,
E o pensamento é algo divino.
Nele está a vida
E a vida deve gerar a luz do meu Eu.
E o pensamento divino há de resplandecer em meu Eu
Para que as trevas de meu Eu
Aprendam o pensamento divino
Mesmo que o que antecede nunca tenha sido formulado com toda a clareza nestes termos, assim corresponderia como autêntica aspiração da evolução humana.
No século VIII a.C. começou a 4ª época cultural pós-atlante; uns 3 séculos e meio depois, o pensamento discursivo havia alcançado a maturidade suficiente para que pudesse ser concebido com a clareza, que culminou na filosofia platônica. Poucos séculos depois, o Impulso Crístico veio a enriquecer a vida dos homens. No princípio do século XV d.C., começou a 5ª época pós-atlante e nela teve lugar algo assim como uma réplica do que havia acontecido no princípio da 4ª época, culminando na compreensão na compreensão platônica do pensamento: ….( perdeu-se aqui uma linha do texto)….quase exatamente 3 séculos e ½ depois da entrada da 5ª época, aparece Hegel, com seu enunciado consciente da natureza do pensamento. O pensamento humano chegou ao clímax, em Hegel, com a afirmação: É o espírito ativo e a vida e o palpitar do pensamento na verdade. Isso Hegel enuncia, em forma aparentemente incompreensível, pode-se enunciar com as seguintes palavras:
No princípio é o pensamento,
E algo infinito é o pensamento,
E a vida do pensamento é a luz do EU.
Que o pensamento resplandecente preencha as trevas do meu Eu,
Para que essas trevas apreendam o pensamento vivo,
E para que viva e palpite em seu princípio divino.
Assim é como progride, normalmente, a humanidade.
Até agora, sem dúvida, não fez muitos progressos, porque, precisamente Hegel foi vítima de muitas calúnias. Mas, certo seria dizer:
“E o pensamento resplandecente penetrou nas trevas, mas as trevas nada queriam saber dele”.
Se aprendemos a compreender a vida do pensamento, compreendemos, da mesma forma, o que incumbe à humanidade no futuro.
Ao mesmo tempo, com base na ciência espiritual, algo mais temos de levar em conta: as épocas posteriores sempre surgem das anteriores. Assim, encontrando-nos em plena 5ª época pós-atlante, participamos, por sua vez, na 6ª, na medida em que cultivamos a ciência espiritual e nos capacitamos para contribuir para a compreensão do pensamento vivo, que se vai tornando clarividente.
Assim como o impulso Crístico se infunde em nossos pensamentos, do mesmo modo chegará a se infundir em outro aspecto da nossa alma, que não deve se confundir com o mero pensamento. Recordemos que a criança, quando começa a desenvolver suas faculdades, partindo do inconsciente logra sua consciência do Eu, com o que entra na esfera, onde pode fazer suas objetivações, graças ao impulso Crístico. Este impulso Crístico consciente, incorporado ao mundo pelo mistério do Gólgota, atua sobre a criança que, tendo aprendido a andar e a falr, começa a pensar e assim caminha até o descobrimento de seu Eu. Nossa herança cultural, através dos milênios, oferece, pois, a possibilidade de incorporar esse impulso no andar ereto, no falar e no pensar. Sem dúvida, existe uma 4ª potência da alma, ainda não sensível ao impulso Crístico: a recordação. A potência Crística, que já impregna nosso andar ereto, nosso falar o nosso pensar, se dispõe a entrar, também, na faculdade humana de recordar o passado, de evocar lembranças.
Já somos capazes de compreender a Cristo, quando nos fala através dos Evangelhos; mas, ainda nos achamos nos primeiros passos para que Ele se introduza, também, no pensar que, posteriormente, há de viver em nós como recordações ou representações.
Chegará o tempo em que os homens poderão contemplar a recordação de suas experiências e vivencias e se dar conta de que o Cristo está presente em sua faculdade reminiscente. Já se anuncia esse tempo futuro, cuja plenitude de desenvolvimento corresponderá à 6ª das grandes épocas da humanidade.
Então o Cristo poderá se manifestar para nós, inclusive através de nossas representações recordativas, são intimamente ligados a nós. O homem poderá olhar para trás, para o vivido e dizer: o impulso de Cristo se infundiu em minha memória e vive em minhas funções recordativas, o caminho que se nos assinala é o realiza, mais e mais, as palavras: “Não vivo eu, mas Cristo vive em mim”: caminho que se alarga, graças a que o impulso Crístico vai penetrando na faculdade de recordar. Entretanto, ainda não está nela; uma vez que ali se aloje, uma vez que já não palpite tão só o entendimento humano, senão que se derrame sobre todo o panorama das recordações, o homem já não dependerá do documento externo, para o aprendizado da história, porque sua capacidade recordativa se ampliará e Cristo viverá na recordação.
Graças a esse alojamento, o homem terá conhecimento da atuação extra-terrestre de Cristo, antes do mistério do Gólgota, preparando-o para depois sofrê-lo e terá, da mesma forma,conhecimento do efeito irradiador deste impulso, através da historia. De tudo isso o homem terá uma visão tão verídica e plena, como a que hoje possui de suas recordações ordinárias. Quando o olhar interior abarcar a evolução terrestre da humanidade, não deixará de divisar, em seu centro, o impulso Crístico e toda a força recordativa estará impregnada e fortalecida pela penetração de seu impulso. Portanto, no sentido de uma viva captação do cristianismo, terá valor no futuro, também o seguinte:
No princípio é a recordação
E a recordação continua vivendo,
E divina é a recordação,
E a recordação é Vida,
E esta Vida é o Eu do homem
Que palpita no próprio homem.
Não é só, mas Cristo nele.
Se ele recorda a vida divina,
Cristo está em sua recordação,
E como radiante Vida recordativa
Resplandecerá Cristo
Em todas as trevas presentes.
Chegará o dia em que poderemos sentir a presença de Cristo em nossa vida anímica. Assim o sentiremos alguns de nós, quando tenham aprendido a se unir ao impulso Crístico, Ed mesmo modo que a criança aprendeu a erguer-se e a falar, graças ao efeito desse impulso.
Há também entre nós quem, por considerar que o estado atual de nossa reminiscência é simples preparação de uma futura condição muito mais perfeita, reconhece que ela estaria exposta no perigo de não alcançar essa perfeição e desviar-se, de não cultivar a atitude de se deixar penetrar pelo impulso Crístico. Se na Terra se alastrasse um materialismo que renegasse o Cristo, a recordação cairia em desordem e iria aumentando o número de pessoas, cuja auto-consciência adormecida cada vez mais. Nessa faculdade recordativa só pode se desenvolver corretamente, se corretamente se intui o impulso Crístico. For ser assim, a história se fará presente em nós, como recordação viva, saturada de compreensão dos acontecimentos verdadeiros e a mente humana saberá compreender. Quem ocupa o centro do acontecer universal. Chegada esta condição, a evidência será efetiva para o homem, isto em, que a recordação ordinária não será enfocada sobre uma só vida mas que se estenderá à encarnações passadas. A faculdade de recordar, tal como a possuímos hoje, é uma etapa preparatória que tem de receber sua configuração graças a Cristo.
Já seja que observemos exteriormente o desenvolvimento inconsciente de nossa infância, ou que penetramos em nosso interior e, por progressivo aprofundamento alcancemos o núcleo interno, conservado na lembrança: sempre e em qualquer lugar, registramos a força e a atividade viva do impulso Crístico.
O vindouro evento Crístico, que se aproxima, não física, mas etéricamente se relaciona com o 1º desprendimento da cristificação da recordação: Cristo se aproximará de nós, como atitude angélica. Para este evento, temos de nos preparar.
A ciência espiritual não deve enriquecer-nos unicamente com teorias, mas coloca-nos algo que nos torne capazes de assimilar, com novos sentimentos e sensações, tanto o que se nos aproxime do exterior, como o que nós mesmos somos. Nossa vida efetiva e intuitiva pode crescer se, com a ajuda da ciência espiritual, penetramos corretamente na verdadeira índole do impulso Crístico e, em sua atividade, dentro da entidade espiritual do homem. Para isso contribuirá que pensemos, freqüentemente, no seguinte verso:
No Princípio era a força da recordação.
A força da recordação deve se tornar divina,
E em algo divino deve se converter a força da recordação.
Tudo o que nasce, no Eu deve nascer
De modo que tenha nascido
Da recordação cristificada e deificada.
Nela deve estar a Vida
E nela deve estar a luz radiante
Que, do pensamento recordativo,
Resplandece nas trevas do presente.
E as trevas, tais como são na atualidade,
Deverão compreender a luz da recordação feita divina.
Se assimilarmos o significado de palavras como estas, acolhemos algo que convém À humanidade. Assim como a planta produz o germe, para o próximo ciclo vegetal, do mesmo modo aprendemos a sentir-nos, não só como portadores dos frutos, procedentes das encarnações anteriores, senão como seres que se preparam para a transição a encarnações subseqüentes. Ficaria estagnada nossa faculdade recordativa, das próximas encarnações, se não nos pensássemos com o impulso Crístico. Nem bem esse impulso penetra, mesmo que em escassíssima medida, no pensar, começa sua ação sobre a reminiscência. Aprendemos, da ciência espiritual, a viver, não só para o homem temporal, entre o nascimento e a morte, mas para o homem, em seu eterno devir, através de sucessivas encarnações, e aprendamos da ciência espiritual, quão importante é, para o pleno crescer da alma humana, a correta compreensão, a correta captação emotiva, do mais poderoso dos impulsos que intervém na evolução da humanidade: O Impulso Crístico.
Rudolf Steiner – GA 152 – Pforzheim, 07 de março de 1914
NATAL – FESTA DE INSPIRAÇÃO
Com o trabalho que realizamos no movimento Antroposófico, nosso enfoque é o futuro, futuro da humanidade; e em nossas almas, em nossos corações nos animam os ideais que, como cremos, haverão de incorporar-se às correntes e forças da evolução humana. Dessa forma, potências e entidades que se revelam no mundo espiritual como o que deu origem ao mundo sensível, nos invade uma intima alegria, por que as verdades que percebemos do mundo espiritual haverão de penetrar gradualmente nas almas e corações da humanidade futura, de forma que durante a maior parte do ano, nosso olhar espiritual se concentra no presente imediato, ou seja, dirige ao futuro.
No transcurso do ano se destacam as diversas festas que através do tempo e suas mudanças, nos foram passadas como lembranças perpetuadas do pensamento e da inspiração da humanidade antiga. Nessas datas, precisamente, o que nos guia é um forte impulso de sentir nossa conexão com essa humanidade antiga, e penetrar no que viveu nas almas e corações dos homens de antigamente, induzindo-os a estabelecer os marcos no decorrer dos tempos e instituir as “Festas do Ano”.
Assim, a páscoa, bem entendida, nos leva a pensar nas forças humanas, na sua capacidade de vencer a natureza inferior por meios da superior, o físico material espiritual. A páscoa é a festa da ressurreição, da esperança e da confiança nas forças espirituais que aguardam seu despertar na alma humana.
O natal, por sua vez, é a festa que nos transmite uma sensação de profunda harmonia com todo universo, e nos permite sentir a graça divina, é a festa que, ano após ano, nos inspira a certeza que, qualquer que seja a índole das nossas experiências no mundo exterior, por cruéis que sejam as dúvidas que perseguem a nossa fé, por graves que sejam as decepções que amargam nossas maiores esperanças, e por inconsistente que se apresenta o bom da vida, algo existe na natureza e no íntimo do ser humano, e é isto que se revela quando bem compreendemos a idéia do natal – algo existe que na alma só necessita representar-se em toda sua vivacidade e espiritualidade, para que nos revele, agora e sempre, nossa procedência das forças do bem, do reto, e do verdadeiro. Assim como idéia da páscoa aponta para forças vencedoras do porvir, a idéia do natal nos leva a compreender, de certo modo, nossa origem em um passado remoto
A razão e a espiritualidade existentes no inconsciente do homem é muito, muito superior a tudo o que ele possa abarcar em sua consciência comum.
Freqüente nos admiramos perante as intuições que a humanidade antiga criou inspirada a partir das ocultas profundidades de sua alma; admiração muito superior a que sentimos perante as instituições realizadas pela humanidade moderna com base em considerações racionais e intelectuais. Quão infinita é a sabedoria que existe no calendário que marca o 25 de dezembro como o dia do nascimento de Jesus Cristo, e em 24 de dezembro como o dia de Adão e Eva! Semelhantes relações “secretas” se expressavam, de modo plástico, lógico e espiritual nos quadros sagrados da idade media, que narravam os mistérios do natal e se representavam nessa época.quando os cantores, como se chamavam os protagonistas, se movimentavam ao lugar da representação a árvore do paraíso ao elenco de atores que atuavam nos mistérios no natal.
Em poucas palavras, em tempos antigos algo induzia às profundezas ocultas da alma humana a associar a origem terrena do homem com o nascimento de Jesus. No ano de 354 que se celebrou a festa do nascimento de Jesus pela primeira vez no dia 25 de dezembro. Antes se celebrava um dia que inspirava sentimentos parecidos aos vivenciados mais adiante no natal, o 6 de janeiro, em que se festejava o batismo no rio Jordão, ou seja, o dia consagrado a recordar a descida de Cristo desde as alturas espirituais e sua incorporação em Jesus, a lembrança do grande momento histórico que se nos representa simbolicamente pela pomba que planava sobre a cabeça de Jesus de Nazaré. No século IV, devido à incipiente concepção materialista do mundo, já não era possível entender a sublime idéia da incorporação da entidade do Cristo em Jesus.
Este pensamento iluminou, como poderosa luz, por revê período, a mente dos gnósticos, contemporâneos ou vivendo pouco depois dos acontecimentos do Gólgota: não tinham necessidade de buscar a profunda sabedoria da incorporação do Cristo em Jesus, como temos que buscar hoje por meio da consciente clarividência moderna; neles fulgurava a última centelha do antigo poder da clarividência própria da humanidade primitiva, e os permitia conhecer, como iluminados por uma graça, aquilo que nós hoje temos que reconquistar sobre os grandes mistérios do Gólgota, muito é o que, como breve relâmpago, clareou entre os gnóstico, e o que nós temos que reconquistar hoje em dia: por exemplo, e em particular, o mistério do nascimento de Cristo em Jesus de Nazaré, no ato do batismo de São João.
Mas, assim como se desvaneceu o antigo poder de clarividência, assim também se apagou aquela peculiar centelha dos poderes clarividentes mais sublimes, da suprema luz natalina que existia entre os gnósticos. E no século IV, a cristandade ocidental já não era capaz de compreender esse grandioso pensamento: a verdadeira festa da aparição de Cristo em Jesus, sua epifania, havia perdido seu sentido para a cultura cristã ocidental, haviam se esquecido do que significava aquela festa de epifania, 6 de janeiro.
E os sentimentos que queriam abraçar a figura do Cristo dentro da evolução humana ficaram, por algum tempo, sepultados sobre esses escombros da intelectualidade materialista perdurando até o presente. Se bem já não era possível compreender que a suprema divindade se havia manifestado no batismo de São João, podia compreender-se sem dúvida, por não estar em contradição com a consciência materialista, que o organismo do corpo predestinado para receber o Cristo, destacava-se por todas suas virtudes.
Em conseqüência, adiantou-se o nascimento espiritual que, propriamente, teve lugar da festa da epifania, colocou-se nascimento de Jesus. Sem dúvida, na importância que adquiriu a festa de natal, pulsavam sempre os sentimentos mais elevados e mais sublimes, mesmo que não se soubesse explicar o que havia por detrás deles. Na alma humana despertava algo especial cada vez que se aproximava a festa natalina, algo que poderíamos expressar assim: se o homem sente o mundo tal como se deve, sua fé na humanidade o ajuda a manter-se firme ante todos os perigos e golpes do destino; e ante o caos, ante as lutas da existência, um sentimento de paz e amor pode chegar a infundir nova vida da profundidade de sua alma. Cada vez que se aproxima a festa de natal, a do”nascimento de Jesus”, podemos perguntar-nos: o que é que, na realidade, se comemorava?
Olhemos sobre o sentido que lhe dá a ciência espiritual.
Sabemos que no curso da evolução humana, tiveram que se realizar os preparativos mais transcendentes, mais grandiosos e intensos, para que pudesse ocorrer nela o mistério do Gólgota: nascer uma individualidade que era Zaratustra reencarnado, quer dizer, um dos meninos Jesus, mas também devia nascer aquele que é lembrado na festa de natal: aquele que, em relação À sua substância anímica, havia permanecido até então no mundo espiritual. Todas as demais almas humanas já haviam passado por numerosas encarnações e, nelas, experimentado tudo o que podiam experimentar graças Às forças de hereditariedade, e haviam absorvidos em si todo o destrutivo que se havia infiltrado inclusive no sangue transmitido de geração a geração.
Porém, uma só alma não havia participado dessas encarnações, senão que havia permanecido nos mundos espirituais, velado pelos mistérios mais puros nos centros de mistérios mais excelsos, para logo derramar-se até a humanidade, e cujo nascimento celebra a festa de natal e festejam todas as histórias que estão em redor desta festa. Essa época nos remete, pois, a nossa própria origem, quando a alma humana ainda não havia caído, nem para unir-se com a natureza de Adão. E no evangelho segundo Lucas, se quer expressar que em Belém, na palestina, nasceu àquela entidade anímica, que não participou da queda da humanidade, senão que se manteve esperando, para penetrar, propriamente pela primeira vez, em um corpo humano e incorporar-se no menino Jesus. “podemos ter fé e confiança na humanidade”: aí está um sentimento que se apodera de nossas almas ao determo-nos no fato de que, por muito que na evolução humana reine a discórdia, o caos, e a falta de fé, a causa das múltiplas influências evolutivas desde os tempos de Adão, se olharmos atrás daquilo que a humanidade conhecia como Adão Cadmo, transformado depois no conceito de “Cristo”, acende-se na alma humana a confiança na retidão das forças humanas, na natureza humana que, em princípio, foi de paz e amor. Daí é que o anímico subconsciente juntava as duas festas: a de Adão e Eva, e a do nascimento do menino Jesus, porque o homem vê nesse menino sua própria natureza, sua natureza pura em toda sua candura e inocência.
Rudolf Steiner
O MISTÉRIO DOS ROSACRUZES – GA 93
Nós já tivemos, em outras oportunidades, a ocasião de examinar o conjunto das diferentes lendas cujas imagens contêm verdades esotéricas. Tais lendas foram outrora dadas aos seres humanos afim de que eles pudessem assimilar certas verdades sob uma forma de imagem, pois eles ainda não estavam maduros o suficiente para receber essas sabedorias de maneira direta. Tais imagens agem sobre o corpo causal (termo utilizado por R. Steiner em suas primeiras conferências, refere-se à parte do corpo etérico e astral que é trazido pelo ser humano de vida em vida, sendo cada vez mais enriquecido) e preparam o ser humano para que ele possa compreender diretamente as verdades esotéricas nas encarnações posteriores.
Hoje eu apresentarei a vocês uma dessas imagens esotéricas, que foi dada pela primeira vez, há alguns séculos, e que hoje ainda continua vivendo sob as mais diversas formas. E o seguinte.
No início do Século XV surgiu na Europa uma personalidade que tinha sido iniciada em certos mistérios no Oriente. Era Chistian Rosenkreutz. Quando esta encarnação de Cristianismo Rosacruz terminou, ele havia iniciado certas pessoas, cujo número não ia além de dez, seres humanos que ele mesmo tinha iniciado de tal maneira que isso se tornou, a partir daquela data, acessível aos Europeus. Essa pequena, fraternidade, que se denominou a fraternidade Rosacruz – fraternitas Rosae Crucis – difundiu no mundo, por meio de uma fraternidade maior e mais exterior, uma certa lenda.
O próprio Cristianismo Rosacruz havia, então, explicado certos segredo, os mais profundos mistérios dos rosacruzes, segredos que apenas poderiam ser percebidos pro àqueles que tivessem passado pela preparação necessária. Mas como eu já disse anteriormente, na pequena fraternidade não haviam mais de dez pessoas; eram os rosacruzes verdadeiramente iniciados. Aquilo que tinha sido ensinado por Cristianismo Rosacruzes não podia ser comunicado para todas pessoas, mas esses segredos eram então resguardados em uma espécie de lenda. Desde sua primeira criação no início do século XV, esta lenda foi freqüentemente contada e interpretada nas confrarias. Ela foi contada em grandes grupos, mas interpretada apenas em um círculo restrito, para aqueles que fossem maduros para isso.
Esta lenda tinha aproximadamente o seguinte contudo: havia um tempo onde um dos Elohim criou o ser humano, um ser humano que se chamou Eva. O próprio Elhim, Javé ou Jeová criou Adão. Adão também uniu-se com Eva e desta união surgiu Abel.
Temos, portanto em Caim um filho direto dos deuses e em Abel um descendente dos seres humanos criados: Adão e Eva. A lenda continua.
As oferendas que Abel oferecia ao Deus Javé, eram agradáveis ao Deus. Mas as oferendas de Caim não, pois Caim não tinha nascido diretamente das ordens de Javé. A conseqüência disso é que Caim comete fratricídio. Ele matou Abel. Por isso ele foi excluído da comunidade com Javé. Ele foi para lugares distantes e ai se tornou o patriarca de uma descendência própria.
Adão continuou unindo-se com Eva e no lugar de Abel nasceu Seth, que também aparece na bíblia. Assim surgem duas linhagens humanas: a primeira descende de Eva e do Elohim, a linhagem de Caim; e a segunda descende meramente dos homens, que se uniram sob as ordens de Javé.
Da linhagem de Caim descendem todos aqueles que trouxeram arte e ciência na vida da terra, por exemplo Matusalém, que descobriu a escrita Tau e Tubal-Caim, que ensinou a manipulação dos minérios de ferro. Assim surge nesta linha descendente direta de Elohim, a humanidade que se forma nas artes e ciências.
Desta linhagem de Caim surgiu também Hiram. Ele era o depositário de tudo aquilo que, através das varias gerações dos filhos de Caim, tinha se acumulado em relações às artes, ciência e técnica. Hiram era o maior arquiteto que se pode imaginar.
Da outra linha, da descendência de Seth surgiu Salomão que se distinguiu em tudo aquilo que provinha de Javé ou Jeová. Ele foi dotado com sabedoria do mundo, com tudo aquilo que pode ser fornecido pela calma, clara e serena sabedoria dos filhos de Javé. Esta é uma sabedoria que podemos exprimir com palavras que tocam profundamente ao coração humano, uma sabedoria que pode elevar o homem, mas esta sabedoria não tem nenhuma possibilidade de relacionar diretamente com os objetos ou de produzir algo tangível, alguma realidade técnica, artística ou cientifica. Era uma sabedoria que foi um dom diretamente inspirado por Deus e não elaborado lá embaixo, a partir da paixão humana, não uma sabedoria que brota da vontade humana. Esta era encontrada entre os filhos de Caim, entre Aquiles que descendiam diretamente do outro Elohim. Estes eram is trabalhadores corajosos que queriam trabalhar tudo a partir de si próprios.
Então Salomão decidiu construir um templo. Para isso, chamou mestre de obras o descendente da linhagem de Caim: Hiram. Isto foi no tempo em que a rainha Sabá Balkism, veio para Jerusalém, porque tinha ouvido falar da sabedoria de Salomão. E de fato, quando chegou, ela ficou encantada com a sabedoria clara e serena e coma beleza de Salomão. Ele pediu a sua mão e obteve o seu sim. Então esta rainha de Sabá soube também da construção do templo, e quis conhecer também o construtor mestre Hiram. Quando ela o viu, seu puro olhar causou uma extraordinária impressão sobre ela e a tornou completamente cativa.
Assim instala-se algo como ciúme entre Hiram e o sábio Salomão. A conseqüência disso é que Salomão gostaria de fazer algo contra Hiram; mas precisava mantê-lo para que a construção do templo fosse concluída.
Ocorreu então o seguinte. O templo estava terminado até um ponto bem determinado. Faltava apenas o que deveria ser a obra prima de Hiram: o mar de bronze. Esta obra prima de Hiram deveria representar o oceano, fundido em metal, e enfeitar o templo. Todas as misturas dos metais tinham sido preparadas por Hiram de modo maravilhoso e tudo estava preparado para a fundição. Mas três aprendizes que Hiram não tinha achado capazes de serem promovidos a mestres quiseram se vingar. Eles juraram vingança e quiseram impedir a construção do mar de bronze. Um amigo de Hiram que lá estava comunicou Salomão o plano dos aprendizes, para que ele pudesse impedi-los, mas Salomão por ciúmes de Hiram, deixou que as coisas seguissem o seu curso contra Hiram, porque os três aprendizes introduziram uma substância estranha na massa. Hiram procurou ainda apagar o fogo flamejante despejando água, mas com isso tornou-se ainda pior. Quando ele já estava próximo de chegar ao estado de duvidar da obra, apareceu-lhe o próprio Tubal-Caim conduzindo-o até Caim, que lá estava em estado de divindade original. Hiram foi então iniciado nos mistérios da criação do fogo, no mistério da fundição do bronze e assim por diante. Ele recebeu de Tubal-Caim também um martelo e um triângulo de ouro, que ele deveria trazes ao pescoço. Então ele retornou e estava apto a realmente realizar o mar de bronze, de trazer novamente ordem à fundição.
Assim Hiram conquistou a mão da rainha de Sabá. Mas ele foi atacado pelos três aprendizes e assassinado. Enquanto morria, ele ainda lançou o triângulo de ouro em um poço. Como não se sabia onde estava Hiram, ele foi procurado. O próprio Salomão estava com medo, e quis descobrir os fatos. Temia-se que os três aprendizes podiam trais a velha palavra do mestre, então resolveu-se adotar nova palavra. A primeira palavra que saísse da boca de Hiram, quando ele fosse encontrado, deveria ser a nova palavra do mestre. Quando Hiram foi encontrado, ele pode ainda pronunciar algumas palavras. Ele disse Tubal-caim prometeu-me que eu teria um filho, o qual teria muitos filhos, que povoariam a terra e levariam a termo a minha obra, a construção do templo. Então ele ainda indicou o lugar onde o triângulo de ouro seria encontrado. Esse foi levado para o mar de bronze e ambos guardados em um lugar especial do templo, no santuário. Eles podem ser encontrados apenas por aqueles que têm a compreensão do significado desta lenda do templo de Salomão e seu mestre de obras Hiram.
Agora queremos, partindo da própria lenda, chegar a uma interpretação.
Esta lenda representa o destino das terceira, quarta e quinta sub-raças da nossa quinta raça mãe. O templo é o templo das confrarias ocultas, ou seja, aquilo que toda a humanidade das quarta e quinta sub-raças constroem, e o santuário é a morada das confrarias ocultas. Estas sabem o que o mar de bronze e o triângulo de ouro significam.
Nós temos algo em comum com esta dupla linhagem humana: com aquela apresentada por Salomão, que é de herdeira da sabedoria divina, e com a linhagem de Caim, os descendentes de Caim, que compreendem o fogo e sabem manipulá-lo. Este fogo não é o fogo físico, mas o fogo que queima no espaço astral, o fogo dos instintos, das paixões, dos desejos.
Quem são então os filhos de Caim? Os filhos de Caim são – no sentido desta lenda – os filhos daquele Elohim, que durante a época lunar permaneceu um pouco atrasado dentro da classe dos Elohim. Na época lunar temo algo a ver com o Kama. Este Kama ou fogo foi então penetrado com sabedoria. Existiam duas espécies de Elohim. Alguns não permaneceram sob união entre sabedoria e o fogo; eles a ultrapassaram. E quando formaram o homem, eles não estavam mais preenchidos de paixões, de modo que o dotaram de uma sabedoria calma e serena. Esta é propriamente a religião de Javé ou Jeová, a sabedoria totalmente desapaixonada. Os outros Elohim, nos quais a sabedoria ainda estava ligada ao fogo no período lunar, são aqueles que criaram os filhos de Caim.
Assim, nós temos nos filhos de Seth os homens religiosos com uma sabedoria serena e nos filho de Caim, aqueles que têm o elemento impulsivo, que se inflamam e podem desenvolver entusiasmo para a sabedoria. Estas duas linhagens humanas proliferaram através de todas as raças, em todas as artes e ciências, da corrente de Abel-Seth toda devoção serena e sabedoria, sem entusiasmo.
Estes dois tipos sempre existiram e isso prosseguiu até a quarta sub-raça de nossa raça mãe.
Então ocorreu a fundação do cristianismo. Através disso, a antiga devoção, que era apenas uma devoção das alturas, completamente livre do Kama ou fogo, foi imersa no Cristo não é meramente sabedoria, ele é o amor encarnado: um elevado Kama divino, que ao mesmo tempo é Budhi, um puro Kama fluente, que todas a paixões numa entrega infinita, é uma Kama invertido. Buddhi é Kama invertido.
Através disso, prepara-se no meio do tipo de homens, que são devotos, no meio dos filhos da sabedoria, uma devoção cristã. Ela se estabelece inicialmente na quarta sub-raça da quinta raça-mãe. Mas toda essa corrente ainda não está em situação de poder se unir com os filhos de Caim. Eles, ainda são adversários. Se o cristianismo tivesse abrangido todos os homens com rapidez incondicional, então eles certamente seriam preenchidos com o amor, mas o coração de cada homem individual não o seria. Não seria uma devoção livre, não seria o nascimento do Cristo em si mesmo como irmão, mas, ao contrario, meramente como senhor. Para isso os filhos de Caim ainda precisam agir através de toda a quinta-raça. Eles atuam em seus iniciados e constroem o templo da humanidade, construído a partir da arte e da ciência profana.
Assim, nó vemos durante a quarta e a quinta sub-raça, o elemento profano se desenvolver sempre mis e mais, levando todo o desenvolvimento da história universal para o plano físico. Com o elemento profano do materialismo desenvolve-se o individual, o egoísmo, que leva à luta de todos contra todos. Embora o cristianismo também existisse, em certo sentido, era o segredo de poucos. Mas ele faz com que o homem, durante a quarta e a quinta sub-raça, chegue a idéia: cada um é igual perante Deus. Isto é o principio cristão. Mas os homens não podem compreender isto completamente enquanto estejam presos no materialismo e egoísmo.
A revolução francesa consumou a conseqüência da doutrina cristã no sentido profano. A doutrina espiritual do cristianismo: todos os homens são iguais perante Deus foi levada através da revolução francesa para uma doutrina puramente profana. “todos são iguais aqui”. Os novos tempo transportaram-na ainda mais para o físico.
Antes da revolução Frances, surgiu junto à uma dama da corte da rainha Maria Antonieta, madame d’ Adhmér, uma personalidade que predisse todas as fases importantes da revolução, afim de previni-la.este era o conde de Saint German, a mesma personalidade que em uma encarnação anterior tinha fundado a ordem dos rosacruzes. Ele sustentava, então, o ponto de vista de que a humanidade deveria ser conduzida de uma maneira harmoniosa da cultura profana À verdadeira cultura do cristianismo. As potências profanas queriam, no entanto, apoderar-se da liberdade tempestuosamente, no sentido materialista. Certamente ele viu a revolução como conseqüência necessária, mas ele fez a advertência. Ele, Cristiano Rosacruz, em sua encarnação do século XVIII,como guardião do intimo segredo do mar de bronze e do triângulo de ouro sagrado, advertiu: a humanidade deve se desenvolver lentamente. Mas ele previa o que iria acontecer.
Este é o curso que o desenvolvimento da humanidade, considerada aqui do ponto de vista interior, seguiu durante a quarta e quinta sub-raças de nossa raça-mãe. O edifício cultural humano, o grande templo de Salomão foi sendo construído. Mas aquilo que deveria propriamente coroá-lo deve permanecer ainda um mistério. Isto apenas um iniciado pode construir. Este iniciado foi incompreendido, traído, morto. Este mistério de poucos iniciados do cristianismo. Ele permanece encerrado na fundição do mar de bronze e no triângulo sagrado. Isto é nada mais que o mistério de Cristiano Rosacruz, que antes do nascimento de Cristo esteve incorporado em uma muito elevada encarnação e então pronunciou uma sentença admirável.
Deixem-me ainda descrever a cena com algumas palavras, como este Cristiano Rosacruz expressou isso novamente antes da revolução francesa. Ele disse: “quem semeia vento, colhe tempestade”. Isto ele já tinha dito outrora, antes que isso fosse falado e escrito por Hosea. Mas isto provém, de fato de Cristiano Rosacruz.
Esta sentença: “quem semeia vento colhe tempestade”, é o lema das quarta e quinta sub-raças de nossa raça-mãe e deve significar: vocês liberarão o homem, o próprio Buddhi encarnado irá se unir com esta sua liberdade e tornar os homens iguais perante Deus. Mas o espírito (vento significa espírito = ruach) tornar-se-á, primeiramente, tempestade (luta de todos contra todos).
Inicialmente o cristianismo tornou-se ligado à cruz, e deveria desenvolver-se através da esfera puramente profana, o plano físico. Ano foi desde o inicio que o Cristo na cruz foi símbolo do Cristianismo. Mas quando o cristianismo se tornou cada vez mais político, então tornou-se símbolo o filho de Deus crucificado, sofrendo na cruz do corpo do mundo. Isto permaneceu exteriormente através de todo o resto da quarta e seguiu através da quinta sub-raça.
Inicialmente, o cristianismo está ligado à cultura puramente material das quarta e quinta sub-raças, e só no meio subsiste o verdadeiro cristianismo do futuro, que possui o segredo do mar de bronze e do triângulo de ouro. Este cristianismo tem um outro símbolo, não mais o filho de Deus crucificado, mas a cruz enlaçada por rosas. Este será o símbolo do novo cristianismo da sexta sub-raça, que se desenvolverá a partir do mistério da fraternidade Rosa Cruz e conhecerá o mar de bronze e do outro triângulo de ouro.
Hiram é o representante dos iniciados dos filhos de Caim das quarta e quinta sub-raças. A rainha de Sabá – toda figura feminina significa a alma na linguagem esotérica – e a alma da humanidade, que deve se decidir entre a devoção serena, mas que não conquista a terra, e a sabedoria que conquista a terra, ou seja, a sabedoria ligada à terra através da subjugação das paixões. Ela é a representante da verdadeira alma humana, que se coloca entre Hiram e Salomão, e se une com Hiram nas quartas e quinta sub-raças, porque ele ainda constrói o templo.
O mar de bronze é a fundição que aparece quando ferro e água se misturam de modo correto. Os três aprendizes o fazem errado, a fundição foi destruída. Mas quando Tubal-Caim revela a Hiram os mistério do fogo, Hiram fica em condições de unir fogo e água de modo correto. Assim, surge quando a água da calma é o mistério dos rosacruzees. Ele surge quando a água da calma sabedoria une-se com o fogo do espaço estral, ao fogo da paixão. Isso deve chegar a uma união, que é o bronze, que pode ser levado aos tempo futuros, quando aparecer o mistério do triângulo de ouro sagrado, o mistério, de atma – Budddhi – Manas.
Este triângulo, com tudo que está ligado a ele, será o conteúdo do cristianismo renovado da sexta sub-raça. Isto será preparado pelos reosacruzes, e então aquilo que é simbolizado no mar de bronze, será unido com o conhecimento de reencarnação e carma. Esta é a nova doutrina oculta, que preencherá novamente o cristianismo. Atma – Buddhi – Manas, o si mesmo superior, é o segredo que será revelado quando a sexta sub-raça estiver madura para isso. Então Cristiano Rosacruz não precisará mais se colocar como admoestador (que avisa), ao contrario, tudo o que significa luta no plano exterior, encontra a paz através do mar de bronze, através do triângulo de ouro sagrado.
Este é o curso da história universal nos tempo futuros. O que Cristiano Rosacruz traz para o mundo com sua lenda do templo através das fraternidades, ´q aquilo que os rosacruzes colocam como missão: ensinar não apenas devoção religiosa mas também ciência para o exterior; não apenas conhecer o mundo exterior, ma também as forças espirituais, e a partir de ambos os domínios, penetrar na sexta época.
* Kama = corpo de desejos ligado à existência física
Rudolf Steiner – GA 93, Berlim, 04 de Novembro de 1904
Tradução: Flávio e Marilda Milanese
A IMAGINAÇÃO DE NATAL – GA 229
Em verdade, a arte não pode ser senão a reprodução do que o homem sente em conexão com o universo. Naturalmente, isto será possível em diversos graus, e a partir de diversos pontos de vista; mas só poderá ser uma obra de arte o que realmente evoque na sensação humana a impressão que a alma possa se abrir, a partir da obra de arte, para os mistérios do universo. Hoje queremos continuar acompanhando o curso a partir do mesmo espírito com o qual o abordamos ontem, de modo que pudéssemos culminar na apresentação da imagem com o dragão.
A partir da apresentação efetuada até aqui, nós sabemos que, quando se aproxima o outono, de certo modo acontece uma inspiração da Terra, uma inspiração espiritual da Terra; sabemos que os seres elementais são trazidos para o seio da Terra após terem encontrado seu caminho lá fora no auge do verão, e que então se movimentam de volta quando acontece a festa de Micael, continuando a se movimentar até estarem intimamente entremeados ao seio da Terra do inverno mais profundo.
E a partir disto tudo, temos de nos formar a representação de que a Terra, justamente na época do inverno, é o ser mais intensamente fechado em si; ela acolheu, a partir do universo, tudo que deixara fluir para o exterior durante o verão, especialmente em elemento espiritual. Portanto, durante o inverno profundo a Terra é Terra ao máximo; ela é sua própria entidade. Por isto, para poder adquirir uma base para abordagens subsequentes, devemos encarar justamente a essência da Terra na época ao inverno, naturalmente sem esquecer que se para uma metade da Terra é inverno, para a outra metade é verão, e assim por diante. Este fato devemos sempre ter em mente. Mas agora colocamos perante nós uma parte da Terra onde se aproxima a época do inverno profundo. A Terra desenvolve aquilo que é seu próprio ser no sentido mais profundo, aquilo que a torna bem Terra.
Vejamos esta Terra. Ela é o firme núcleo terrestre que para o exterior mostra apenas sua superfície; mas este sólido núcleo terrestre está em grande parte coberto pela hidrosfera, pela massa aquosa da Terra. Os continentes de certo modo apenas estão nadando nesta massa aquosa. Nós até podemos imaginar esta massa aquosa continuando da esfera de ar, pois a atmosfera sempre está preenchida de elemento aquoso, multo mais sutil que a água dos mares e dos rios; mas não existe propriamente um limite firme no aquoso, ao ascendermos do mar à atmosfera. De modo que, ao desenharmos esquematicamente o que é a Terra nesta relação, devemos desenhá-la assim: no meio temos o sólido núcleo terrestre (verde). Em torno deste núcleo terrestre temos o âmbito aquoso (vide desenho, azul). Naturalmente, preciso desenhar os continentes, como eles sobressaem, etc. Tudo está desenhado esquematicamente, pois as saliências não podem dar impressão diferente das saliências de uma laranja, por exemplo. Em torno disto tenho de deixar o que desenhei como hidrosfera, como a massa aquosa no círculo de ar. Olhemos para esta imagem (azul) e indaguemos: o que é isto?
Esta imagem não é formada novamente a partir de si, mas é uma água em todo o cosmo. Esta imagem teria a forma que nos mostra a partir de todo o cosmo. E só porque o cosmo em verdade é uma esfera para todos os lados, é que aquilo que vai para cima como água, como massa aérea, limita-se redonda, em forma de esfera.
Mas isto exerce intensas forças sobre toda a Terra. De tal forma que se fôssemos olhar para a Terra a partir de qualquer planeta estranho, ela nos pareceria uma grande gota d’água no universo, na qual haveria todo tipo de saliência – os continentes – que se comportariam com outra nuance, mas pareceria uma grande gota d’água no Universo.
Falemos cósmicamente acerca de toda a situação de fatos. O que é em verdade essa gota que anda no universo como uma gota d’água? É algo que recebe a forma de gota através de todas as conexões cósmicas.
Aprofundando-se científico-espiritualmente no assunto, ao se penetrar na imaginação e inspiração, recebe-se a experiência do que esta gota é. Vejam, uma gota nada mais é que uma gigantesca gota de mercúrio; em verdade uma gigantesca gota de mercúrio, só que a substância do mercúrio aí se encontra extraordinariamente diluída.
O fato destas diluições serem possíveis foi demonstrado de maneira bastante exata pelo trabalho da Dra. L. Kolisko; em nosso instituto biológico em Stuttgart pela primeira vez foi feita a experiência de trazer isto à fundamentação exata *. Foi possível produzir diluições de substâncias na proporção de um para um trilhão, e de fato se conseguiram constatar exatamente as atuações de cada substância nestas diluições.
* L. Kolisko: Demonstração fisiológica de atuação das menores entidades nos sete metais. Atuação da luz no crescimento vegetal. Trabalhos experimentais do Instituto Biológico no Goetheanum (“Physiologischer Nachweis der Wirksamkeit Kleinster Entitäten”, não traduzido para o português.”)
Portanto, aquilo que na Homeopatia até hoje apenas podia ser mera crença acerca das atuações de cada substância foi elevado à categoria de uma ciência exata. Segundo as curvas executadas não pode haver dúvida de que os efeitos das partículas decorrem ritmicamente. Bem, não quero me aprofundar em detalhes, o trabalho foi publicado e os testes podem ser realizados em toda parte.
Com um recipiente retiramos água do rio ou da fonte, utilizamos esta água. Bem, é água, mas não existe água que seja apenas hidrogênio e oxigênio. Não faz sentido acreditar que exista água constituída apenas de hidrogênio e oxigênio. Em águas minerais ou outras é bem evidente que elas contenham outros componentes. Água composta apenas de hidrogênio e oxigênio não existe, é apenas uma forma aproximada. Toda água que exista em qualquer região está permeada de outros componentes. Água são apenas as pequenas quantidades para nós.
Para o universo esta água não é água, mas mercúrio.
De modo que podemos dizer: a hidrosfera, enquanto aquosa, é uma gota de mercúrio no universo. A esta gota de mercúrio estão agregadas as substâncias metálicas e tudo que é terrestre. Representam aquilo que é a massa sólida da Terra; têm a tendência de adotar suas formas próprias especiais. Assim, ao olharmos a formação, temos de olhar a forma esférica geral, que é a forma de mercúrio; o mercúrio metálico é apenas o símbolo feito pela natureza daquilo que o mercúrio faz; resulta de modo bem determinado a forma esférica. E a ela está incorporado aquilo que se dá formas próprias das maneiras mais diferenciadas: as formas metálicas de cristalização. De modo que podemos afirmar: temos perante nós esta formação – Terra, água, ar – e ela tem a tendência formativa que lhes falei: formas cristalinas diferenciadas individuais no interior, e no todo o anseio de se tornar esférica.
Mesmo com o ar (vermelho escuro) que envolve a Terra como atmosfera, nunca podemos falar de um mero ar, mas este ar tem sempre a tendência de conter calor de qualquer maneira, em qualquer grau. É permeado de calor (violeta). Portanto, nós também temos de ter junto o quarto elemento: o calor, que se incorpora ao ar.
Bem, este calor que vem até o ar a partir de cima é sobretudo aquilo que de certa forma traz em si, a partir do universo, é o intermediário que traz para o interior o processo de enxofre, do súlfur. Ao processo do súlfur se acrescenta o processo mercurial, como lhes apresentei para a água-ar. Ar-calor = processo de súlfur; água-ar = processo mercurial (vide desenho).
Agora, aproximemo-nos mais da Terra, do interior da Terra; com aquilo que a Terra propriamente quer ser, está ligado o processo de formação de ácidos – e como dos ácidos vêm os sais — a formação do sal. Desta forma, ao olharmos para cima, para o universo, temos de olhar o processo de sulfurização. Ao olharmos esta tendência da Terra de se formar em gota cósmica, estamos olhando para dentro do processo mercurial. Ao dirigirmos o olhar para baixo, para o solo terrestre, que na primavera nos envia para cima toda vida crescente, brotante, borbulhante, olhamos o processo do sal.
Este processo do sal também é o mais importante para a vida brotante, borbulhante, pois as raízes das plantas, ao se formarem as sementes, estão totalmente ligadas, em seu crescimento, à relação em que se encontram com as formações salinas no solo terrestre. O teor salino do solo terrestre em sentido amplo, as formações de depósito dentro do solo terrestre, são o que permeia as raízes com uma substância que faz da raiz propriamente uma raiz, isto é, a base terrestre do vegetal.
Portanto, ao chegarmos à Terra, temos o processo salino. É isto que faz a Terra a partir de si na época do inverno profundo; já, por exemplo, no verão é muito misturado o que acontece na Terra. Processos de sulfurização estremecem o ar, no raio e no trovão também vive um processo de sulfurização; este chega até bem embaixo, e é por isto que o que acompanha o curso do ano também se sulfuriza. E na época micaélica recebemos o processo em que o ferro reprime esse processo de sulfurização, como expliquei ontem. E então durante o verão o processo de sal novamente está misturado dentro da atmosfera; pois as plantas, ao se desenvolverem, crescerem, levam para cima os sais através de suas folhas, flores, até as sementes. Os sais naturalmente são encontrados nas mais diversas partes; eles então se eternizam, são depositados em óleos etéricos, etc., aproximam-se do processo de sulfurização. Os sais são levados para cima pelas plantas. Sua essência flui para o exterior, torna-se a essência da atmosfera.
De modo que na época do auge do verão temos uma mistura do mercurial, que sempre está na Terra, com o sulfúreo e o salino. Ao estarmos em pé sobre a Terra no auge do verão, nossa cabeça propriamente mergulha em uma mistura de súlfur, mercúrio e sal; já a chegada da época do inverno profundo significa que cada um destes princípios, sal, mercúrio, enxofre, adota sua própria constituição interna: os sais se recolhem para o interior da Terra; na hidrosfera, no aquoso, penetra o anseio de se alisar em forma esférica, de produzir na cobertura arredondada de neve um sinal exterior para a esfericidade do aquoso. O processo de enxofre se retrai, de forma que nessa época não existe muita necessidade de encarar o processo de enxofre como algo especial. Em lugar do processo de enxofre surge algo diverso nesta época do inverno profundo.
De modo que, ao contemplarmos a Terra no inverno profundo, temos a tendência interior da formação de sal; além disto, temos o processo de formação de mercúrio em sua forma mais clara e definida; e se no verão temos de considerar no cosmo extraterrestre a sulfurização, agora no inverno temos a formação de cinzas.
Formação de sal
Formação de mercúrio
Formação de cinzas
Vejam, isto que de certo modo alcança o ponto mais alto na época do Natal, começa a se preparar a partir da época micaélica. A Terra cada vez mais se consolida a ser um corpo cósmico na época do inverno profundo, a se desenvolver em formação mercurial, formação de sal, formação de cinzas. O que significa isto para o universo?
Bem, meus queridos amigos, se uma pulga se tornasse, digamos, um anatomista, e fosse pesquisar um osso, ela teria à sua frente uma parte óssea extraordinariamente pequena, pois ela mesma é pequena e pesquisaria o osso a partir de sua perspectiva. Então a pulga iria constatar que se tem sal de ácido fosfórico em estado amorfo, ácido carbônico, calcário, etc. Mas se fosse pesquisar o pequeno, permaneceria presa a este pequeno. Mesmo se o homem, sendo geólogo ou mineralogista, pudesse pular como uma grande pulga da terra, isto de nada adiantaria, faria o mesmo que faz em pequeno ao pesquisar a massa de montanha da Terra, que apresenta em sua totalidade um sistema ósseo. A pulga não iria descrever o sistema ósseo, mas iria extrair um pedacinho com o seu martelo. Digamos que com seu pequeno martelo de pulga extraísse um pedacinho de clavícula: nada neste pequeno pedacinho de ácido carbônico, calcário, fosfato de cálcio, etc. iria lhe desvendar que tudo é uma clavícula de ombro, muito menos que pertence a todo o sistema da formação óssea. Teria apenas extraído um pequeno pedacinho com seu pequeno martelo e o descreveria segundo seu ponto de vista de pulga; da mesma forma como o homem descreve a Terra se extrai, por exemplo, um pedacinho de calcário jurássico da montanha de Dornach. Não e assim? Ele então descreve este pedaço e ele é elaborado na mineralogia, na geologia, etc. Permanece – um pouco ampliado – mas permanece este ponto de vista de pulga.
Assim é claro que não se chega à verdade, as coisas não podem ser feitas assim, mas se trata de chegar realmente ao fato da Terra ser uma formação unitária e de estar consolidada ao máximo na época do inverno profundo em sua estruturação de cinzas.
E o que isso significa para todo o ser terrestre, tomando-se o ponto de vista cósmico, não a da pulga? Bem, vejam, tudo que em sentido amplo é formação salina, no sentido de se depositar fisicamente, como por exemplo, o sal de cozinha pode se depositar no pequeno recipiente de água, tudo que é formação de sal em sentido mais amplo (não quero entrar na química, mas esta também daria o mesmo resultado) tem a propriedade de ser de certo modo permeável para o espiritual. Onde há sal, o espiritual tem espaço livre; o espiritual pode penetrar onde há sal. De modo que, pelo fato da Terra se consolidar no inverno profundo em relação a sua formação de sal, os seres elementais que se unem à Terra podem estar confortáveis dentro da Terra; mas também outro elemento espiritual é atraído e pode de certo modo habitar na crosta salina imediatamente abaixo da superfície da Terra. E nesta crosta salina imediatamente abaixo da superfície da Terra são especialmente ativas as forças lunares, e resto das forças lunares das quais lhes tenho falado freqüentemente, as forças lunares que restaram quando a Lua saiu da Terra.
Estas forças lunares se tornam principalmente ativas na Terra pelo fato da Terra abrigar o sal em si. Imediatamente abaixo da superfície da Terra, justamente no consolidante, sob a cobertura de neve, que de um lado tende ao mercurial, mas para baixo continua para o salino – aí temos matéria terrestre – sal permeado de espiritualidade. A Terra na época do inverno realmente se torna espiritual em si através de seu teor em sal que ai se consolida em especial.
A água, isto é, em verdade o mercúrio cósmico, adota a tendência interior de se formar esfericamente, E então em toda parte aparece esta tendência interna a se formar esfericamente. E pelo fato disto acontecer, na época do inverno profundo a Terra está capacitada a não só endurecer no sal e permear este sal endurecido com espírito, mas ela está capacitada a vivificar este material espiritualizado. A Terra desabrocha como um todo na superfície na época do inverno profundo. No princípio salino e espiritual está ativa a tendência a se tornar vivo. Durante o inverno existe um enorme fortalecimento da Terra sob sua superfície para desenvolver vida.
Mas esta vida se tornaria uma vida lunar; pois são principalmente as forças lunares, como eu disse, que estão ativas ai dentro. Tornar-se-ia uma vida lunar. Mas pelo fato da cinza ter caído da semente, de modo que tudo esteja impregnado com a cinza, como descrevi por este fato tudo se encontra numa totalidade com a Terra.
A planta ascendeu ao processo de sulfurização; deste processo de sulfurizaçao caiu à cinza. Isto é o que reconduz a planta à Terra, após ela ter ansiado a ascender ao etérico-espiritual. Assim, na época do inverno profundo tem-se na superfície da Terra a tendência a acolher espírito em si, vivificar-se mas também a transformar o lunar em terrestre. A Lua é forçada pelos restos terrestres de cinza do que caiu a desenvolver o vivo de modo terrestre, não lunar.
Bem, agora passemos do que foi mostrado em relação à superfície da Terra ao que está em torno da Terra, ao aéreo.
Em toda estação do ano, mas em especial para o inverno; é muito significativo para o ar o fato de o sol irradiá-lo com seu calor, com sua luz (mas a luz nos interessa pouco agora nesta abordagem). Vejam, na ciência tudo é observado em separado, como não é em verdade. Ar-assim dizem as pessoas – é oxigênio e hidrogênio e outras coisas. Mas em realidade não é assim; ar não é apenas oxigênio e hidrogênio, mas o ar está sempre irradiado pelo sol. Isto é realidade: ar é sempre o que carrega as atuações solares de dia. O que significa que a atuação solar é carregada pelo ar? Significa que continuamente quer escapar da Terra o que está lá em cima. Se o que descrevi a partir da formação salina, formação mercurial e formação de cinza crescesse e se desenvolvesse por si, existiria apenas o terrestre. Mas pelo fato de lá em cima estar o que quer sair da Terra e ser recebido pela atuação aérea solar, é transformado em formação cósmica o que quer ser atuação terrestre. É retirada da Terra a força de atuar sozinha no vivo-espiritual. O sol faz valer sua atuação em tudo que brota.
Então se observa que, visto espiritualmente, sobre certo trecho da Terra continuamente existe uma tendência bem especial. Sobre a Terra tudo quer se tornar esférico (vermelho). É novamente forçado, novamente se torna esfera; mas em verdade, aquilo que está em cima, sempre quer se tornar plano (vermelho). Em verdade, aquilo que está em cima gostaria de se expandir, desagregar a Terra embaixo, de modo que tudo fosse uma superfície plana no cosmo.
Se isto pudesse vir a acontecer, as atuações terrestres cessariam completamente, e teríamos lá em cima uma espécie de ar no qual atuariam as estrelas. Isto, por exemplo, se expressa muito intensamente no homem. O que recebemos como seres humanos do ar portador de sol que está em cima? Nós o inspiramos; e ao ser inspirada, a atuação solar se estende de certa maneira para baixo, mas principalmente para cima. Com nossa cabeça nós continuamente somos retirados das atuações terrestres. Por isto é que nossa cabeça se coloca na possibilidade de participar de todo o cosmo. Nossa cabeça sempre gostaria de sair para esta formação de planos.
Se nossa cabeça apenas fosse solicitada pela formação terrestre na época do inverno, toda nossa vivência de pensamento seria diferente. Ter-se-ia o sentimento que todos os pensamentos desejariam se tornar redondos. Eles não ficam redondos, têm uma certa leveza, ,maleabilidade, uma certa fluidez. Isto provém desta particular aparição da atuação solar.
Ai vocês têm a segunda tendência, onde o solar intervém no terrestre. É mais fraco no inverno. Se fôssemos ainda tais para fora, ainda se tornaria diferente. Aí no teríamos mais a ver com a atuação solar, mas apenas com a atuação das estrelas, que também têm por sua vez uma grande influencia sobre nossa cabeça, e através disto sobre toda nossa formação humana.
Vejam, isto que lhes descrevi, hoje, não é mais assim, pois o ser humano se emancipou de uma certa maneira das atuações terrestres em seu crescimento, em todo seu desenvolvimento. Mas se voltássemos à antiga época lemúrica, ou à época polar que a precedeu, encontraríamos o assunto bem diferente. Encontraríamos a grande influencia de tudo que acontece na Terra sobre toda a formação humana. Vocês conhecem como apresentei a evolução da Terra em minha “Ciência Oculta”.
Encontraríamos que o ser humano está bem introduzido nas atuações que descrevi. Amanha descreverei como ele se emancipou disto; hoje descreverei o assunto como se o homem ainda estivesse colocado dentro desta formação. E então se nos defronta o seguinte, algo que é bem paradoxo para a situação atual.
Podemos lançar a pergunta: em que se torna a mãe, quando ela se aproxima do desenvolvimento de um novo ser humano? Originalmente, na ligação do ser humano com a Terra é assim: aquelas forças lunares e de formação salina, segundo tudo que tem que acontecer para que um novo ser surja na Terra, preferencialmente exercem influência sobre o organismo feminino enquanto ele se prepara para formar em si o novo ser humano. Portanto, podemos dizer que quando a mulher é humana em geral, no restante, na época em que ela se aproxima do desenvolvimento de um novo ser humano, as forças lunares, enquanto forças salinificantes na Terra, se fortalecem ao Maximo nela. Científico-espiritualmente isto pode ser expresso da seguinte forma: a mulher se torna Lua – assim como a Terra se torna Lua quando o auge do inverno se aproxima – e de maneira mais intensa imediatamente sob sua superfície.
Não é só que a Terra se torne mais Lua quando Vigora o inverno; esta lunificação da Terra acontece novamente da mesma maneira quando a mulher se prepara para receber o novo ser humano. E somente pelo fato da mulher se preparar, tornando-se lunar, para receber o novo ser humano é que a atuação solar se torna diferente; assim como no inverno a atuação solar é diferente que no verão. E a formação do novo ser humano na mulher se encontra totalmente sob a influência da atuação solar.
Pelo fato da mulher acolher tão fortemente em si as atuações lunares, as atuações salinas, ela se torna capaz de acolher em separado as atuações solares. Na vida comum as atuações solares são acolhidas no organismo humano pelo coração e se distribuem por todo o organismo. No momento em que a mulher se volta para trazer um novo ser humano, as atuações solares se concentram sobre as formações deste novo ser. De modo que podemos dizer esquematicamente: a mulher se torna Lua para poder acolher em si as atuações solares. E o novo ser humano que surge como embrião é totalmente atuação solar neste sentido. Ele é o que pode surgir através da concentração das atuações solares.
Antigas cosmovisões instintiva videntes sabiam disto à sua maneira. Pela Europa antiga ia em certa época uma curiosa visão. Tinha em si que a criança era bem diferente ao nascer e ainda não tinha colhido nada de terrestre na alimentação; e mudava com a primeira gota de leite tomada, com o primeiro alimento terrestre, Para estas antigas visões germânicas, a criança recém-nascida e a criança que já tivesse recebido qualquer alimento terrestre fora do corpo da mãe eram serem bem diversos. Eram dois seres diversos, pois se tinha um sentimento instintivo: a criança nascida é sol; torna-se criatura terrestre com o primeiro alimento terrestre; é criatura solar, torna-se criatura terrestre. Por isto, a criança recém-nascida que ainda nas tivesse se alimentado não pertencia à Terra. Conforme leis ocultas que gostaria de abordar em outra ocasião, o pai tenha o direito, segundo a antiga consciência germânica de justiça, ao olhar a criatura que sempre lhe era colocada aos pés ao nascer, de deixá-la crescer ou de destruí-la, pois ainda não era criatura terrestre. Se já tivesse provado uma gotinha de leite não poderia destruí-la, tinha de permanecer criatura terrestre, pois a isto estava determinada natural, universal, terrestre e cosmicamente. Em tais costumes antigos vive algo enorme e profundamente significativo.
Isto, meus queridos amigos, fundamenta a afirmação de que a criança é solar. De modo que agora se tem a possibilidade de olhar para a mulher que deu à luz a criança como um ser profundamente aparentado em sentido mais profundo com todos os processos do terrestre… pois a própria Terra se prepara no inverno de modo a ter o salino, isto é, o lunar… de modo que ela possa melhor entrar na possibilidade de acolher o solar. E então ela assoma do solar ao celeste, ao qual a cabeça humana também pertence.
De modo que podemos dizer: para colocarmos corretamente o Natal perante nossa alma, coloquemo-nos dentro da essência humana. No Natal se expressa o nascimento da criança Jesus, destinada a acolher em si o Cristo. Encaremos isto corretamente. Encaremos isto na figura de Maria: temos inicialmente a premência de apresentar a cabeça de Maria de modo que ela transmita algo celeste em toda sua expressão, em seu olhar. Então temos a esboçar como Maria se prepara a acolher em si o sol, a criança, o sol; o sol como irradia pela atmosfera. E indo mais para baixo temos na figura da Maria o terrestre lunar.
Reflitam se eu o apresentasse: o terrestre lunar é aquilo que paira sob a superfície da Terra. Ao sair para as amplidões do universo, ver-se-ia o que se apresenta lá em cima, onde o homem irradia para o universo, como uma irradiação estelar da Terra tornada celeste, emanada pela Terra no espaço cósmico. A cabeça de Maria também tem de ser radiante como estrela, isto é, na expressão humana; de modo que, na fisionomia, em todo gesto se tem a expressão do radiante de estrela (vide desenho).
Quanto ao peito, devemos ter o que está ligado ao processo respiratório: o solar que se forma a partir das nuvens – que deixam fluir através de si a irradiação solar na atmosfera – o solar, a criança.
E mais embaixo temos o que é expresso pelo formador salino lunar, expresso externamente ao se colocarem os membros na dinâmica do terrestre e deixá-los ascender sobre o formador salino lunar da Terra. Temos a Terra interiormente permeada de lua, se assim posso falar.
Na verdade, isto deveria ser apresentado como uma espécie de cores do arco-íris. Ao se olhar do universo para a Terra isto se apresentaria como se a Terra fosse vista através da radiação das estrelas; como se a Terra brilhasse para dentro, sob sua superfície, em cores do arco-íris. Sobre isto, solicitado pela dinâmica terrestre, pelos membros da Terra, pela gravidade, etc. Aquilo que só pode ser expresso pela roupagem humana, em dobras conforme as forças da Terra. Assim teríamos lá embaixo a roupagem no sentido das forças terrestres. Subiríamos mais e teríamos de desenhar o que se forma em todo terrestre lunar ainda se poderia desenhar a lua, se quiséssemos ser simbólicos, mais este elemento lunar já está expresso na formação terrestre. Subiríamos mais e teríamos de desenhar o que se forma em todo terrestre lunar. Ainda se poderia desenhar a lua, se quiséssemos ser simbólicos, mas este elemento lunar já está expresso na formação terrestre.
Subiríamos mais, acolhemos o que vem do lunar, vemos como as nuvens são permeadas de muitas cabaças humanas que anseiam para baixo; uma das cabeças humanas está condensada no sol sentado no braço de Maria, na criança Jesus. E para cima temas de completar o todo pela face de Maria expressando o radiação de estrelas na fisionomia.
Se compreendermos o inverno como ele nos apresenta a conexão do cosmo com o homem, como homem que acolhe o que há de forças de nascimento na Terra, não existe outra possibilidade de representar a mulher presenteada com as forças da Terra, para baixo com as forças da Lua, para o meio com as forças do Sol, para a cabeça com as forças das estrelas, até na formação a partir das nuvens. A partir do próprio cosmo nos surge esta imagem de Maria com a criancinha Jesus.
Ao compreendermos o cosmo e tudo que nele temos de forças estruturantes tivemos de colocá-lo necessariamente numa imagem artística de Micael com o dragão, como apresentei ontem; da mesma forma, tudo que podemos sentir em torno da época do Natal aflui a nós na imagem da mãe Maria com a criança, que, nos primeiros séculos do cristianismo, em épocas antigas muitas vezes pairava perante os artistas, e cujo último eco na evolução da humanidade ainda esta contido na Madona Sixtina de Rafael.
Esta Madona Sixtina de Rafael ainda nasceu dos grandes conhecimentos ingênuos da natureza e do espírito de uma época antiga. Pois ela é a reprodução daquela imaginação que o homem, que se coloca em visão interior dentro dos mistérios do urdir do Natal, tem de ter de modo que esse urdir do Natal se lhe torne imagem. Assim, podemos dizer: o curso do ano tem de se mostrar para a visão interior na vida de grandiosas imaginações bem determinadas. Ao sair o homem inteiro animicamente para o mundo, o inicio do outono se torna a grandiosa imaginação da luta de Micael com o dragão. E como o dragão só pode ser representado sulfureamente – a massa de enxofre que encontra seu caminho para dentro da forma de dragão, como surge aí a espada de Micael ao pensarmos o ferro meteórico concentrado, unificado, nesta espada, da mesma forma surge-nos do que podemos sentir na época do Natal a imagem da mãe Maria, cuja roupa está dobrada nas forças da Terra, enquanto o manto – até a estes detalhes chega a pintura – o manto tem de se arredondar interiormente, tem de se tornar mercurial, de forma que se tenha uma clausura interior no peito. Mas aí penetram as forças solares. E a criança Jesus, sem culpa, que deve ser pensada como ainda não tendo provado nenhum alimento terrestre, é a própria atuação solar sentada no braço de Maria; em cima a atuação das estrelas. De modo que nós temos de representar, como brilhando a partir de dentro no olho e cabeça, brilhando perante o ser humano, a cabeça de Maria; temos que representar a criança Jesus no braço de Maria, fechado interiormente em arredondamento esférico, vindo como em amorosa suavidade das nuvens; e indo para baixo a roupagem tomada pelo peso da Terra, expressando na roupagem o que se pode tornar peso da Terra (Vide desenho).
E o fazemos melhor ao expressá-lo também em cores. Então temos aquela imagem que se nos desvenda como uma imaginação cósmica na época do Natal, com a qual podemos viver até a época da Páscoa, quando uma imaginação de Páscoa novamente pode se mostrar a nós a partir da conexão cósmica, como falaremos amanhã..
Meus queridos amigos vocês vêem como o homem toma dos céus a arte de sua relação com a Terra. Verdadeira arte é aquilo que o homem vivencia com o universo físico-anímico-espiritual que lhe resulta em grandiosas imaginações. De forma que o homem não pode colocar perante seus olhos toda luta interior necessária para o surgimento da autoconsciência a partir da consciência natural se não tiver a grandiosa imagem da luta de Micael com o dragão, de modo que o homem pode colocar perante sua alma tudo que possa atuar animicamente a partir da natureza na época do inverno; colocar artisticamente, imaginativamente perante sua alma a imagem da mãe com a criança como descrevi agora.
Observar o curso do ano significa: caminhar com a grande artista cósmica e novamente deixar viver dentro de si o que o céu impregna na Terra em poderosas imagens que então se tornam realidades para a índole humana.
Assim o curso do ano pode se desvendar em quatro imaginações:
a imaginação de Micael, imaginação de Maria – e amanhã e nas próximas palestras vamos falar sobre a imaginação de Páscoa e a imaginação joanina.
Rudolf Steiner – GA 229, Dornach, 6 de outubro de 1923
O MISTÉRIO DO NATAL, NOVALIS, O VIDENTE
Indivíduos que aparecem no mundo de tempos em tempos são capazes de ver em visão direta o que foi realizado por meio do Sentir por milhares e milhares de almas e corações no decorrer dos séculos. Mas na era moderna, apenas aqueles que estão familiarizados com as descobertas da “visão clara” espiritual sabem que os efeitos do evento do Mistério do Gólgota sobre a evolução são sempre perceptíveis para o verdadeiro vidente.
Toda a esfera espiritual da Terra foi mudada por meio do que aconteceu no Gólgota. E desde então, se o olho da alma foi aberto através da contemplação deste Evento, o vidente contempla a presença do poder eterno de Cristo na esfera espiritual da Terra. Outros homens ficam impressionados com o poder do impulso procedente do Mistério do Gólgota e as grandes verdades relacionadas com aquele Evento; eles percebem, também, que desde então o coração humano tem sido capaz de experimentar algo que nunca poderia ter sido experimentado ou sentido anteriormente na Terra. Mas para um vidente, essa é uma realidade perceptível.
O jovem poeta alemão Novalis tornou-se um vidente – poderíamos quase dizer “milagrosamente” – pela graça dos poderes divino-espirituais. Por meio de um acontecimento profundamente arrasador que o tornou ciente, como por um golpe de magia, da conexão entre a vida e a morte, seus olhos do espírito foram abertos e também uma grande vista das eras passadas da Terra e do Cosmos, o Cristo Ser ele mesmo apareceu diante dele. Ele foi capaz de dizer de si mesmo que era alguém que com os olhos do espírito realmente viu o que é revelado quando ‘a pedra é levantada’ e o Ser que forneceu a existência terrena com a prova de que a vida no espírito superará para sempre a morte , se torna visível.
No caso de Novalis, não podemos realmente falar de uma vida autocontida no sentido comum, pois a sua era como uma lembrança de uma encarnação anterior. A iniciação conferida a ele por assim dizer através da Graça, trouxe à vida dentro dele suas realizações e experiências em encarnações anteriores; houve uma espécie de consolidação de intuições e percepções que haviam pertencido a ele em uma vida anterior. E porque ele olhou para trás através dos tempos com seus próprios olhos do espírito despertos, ele foi capaz de afirmar que nada em sua vida era comparável em importância com a experiência de ter descoberto Cristo como uma realidade viva. Tal experiência é como uma repetição do que aconteceu em Damasco, quando Paulo, que até então perseguia os seguidores de Cristo Jesus e rejeitava sua proclamação, recebeu em visão superior a prova direta de que Cristo vive, que Ele está presente e que o Evento do Gólgota é único em todo o processo de evolução da humanidade. Aqueles cujos olhos do espírito estão abertos podem eles próprios contemplar este Evento, pois na verdade Cristo não estava apenas presente no Corpo que uma vez foi Sua morada. Ele permaneceu com a Terra; por meio dele, o poder solar se uniu à Terra.
Novalis fala da revelação que lhe veio como ‘única’ e afirma que só aqueles que com toda a alma estão dispostos a se relacionar com este Evento são homens no verdadeiro sentido. Ele diz com razão que o antigo índio, com sua espiritualidade sublime, teria se aliado a Cristo se ele apenas o conhecesse. Não por qualquer vaga noção ou fé cega, mas por conhecimento real, Novalis diz que o Cristo que ele viu com os olhos do espírito é um Poder que permeia todos os seres. Este poder pode ser reconhecido pelo olho no qual está trabalhando. O olho que contempla o Cristo foi formado pelo Poder de Cristo. O poder de Cristo dentro dos olhos contempla o Cristo fora dos olhos.
Estas são palavras verdadeiramente maravilhosas! Novalis também está ciente da estupenda verdade de que, desde o evento do Gólgota, o Ser que chamamos de Cristo tem sido o Espírito planetário da Terra, o Espírito pelo qual o corpo da Terra será gradualmente transformado. Uma vista maravilhosa do futuro se abre diante de Novalis. Ele vê a Terra transfigurada; ele vê a Terra atual, na qual o resíduo dos tempos antigos ainda está contido, transformada no Corpo de Cristo; ele vê as águas da Terra permeadas com o Sangue de Cristo e vê as rochas sólidas como a Carne de Cristo. Ele vê o corpo da Terra gradualmente se tornando o Corpo de Cristo; ele vê a Terra e Cristo milagrosamente feito um; ele vê a Terra no futuro como um grande organismo que consagra o homem, um organismo cuja alma é Cristo.
Nesse sentido, e a partir de sua compreensão profunda das verdades ocultas, Novalis fala de Cristo como o Filho do Homem. Assim como em certo sentido os homens são os ‘Filhos dos Deuses’, isto é, dos antigos Deuses que através de incontáveis milhões de anos moldaram e deram forma ao nosso planeta, que construíram os corpos em que vivemos e a base sobre que movemos, portanto, superando as coisas terrenas, a tarefa do homem é construir, através de suas próprias forças, uma Terra que será o corpo do novo Deus, o Deus do futuro. E enquanto os homens da antiguidade olhavam para os deuses primitivos, desejando unir-se a eles na morte, Novalis reconhece o Deus que no futuro terá como corpo tudo o que há de melhor em nós e que lhe podemos oferecer. Em Cristo ele vê o Ser ao qual a humanidade se oferece para que esse Ser tenha um corpo. Ele reconhece Cristo como o ‘Filho do Homem’ neste sentido cosmológico superior. Ele fala de Cristo como o ‘Deus do futuro’.
Todas essas experiências e percepções estão tão carregadas de significado que são capazes de despertar o verdadeiro clima de Natal em nossas almas. E assim, deixaremos quem viveu uma breve vida no final do século XVIII, morrendo aos 29 anos, descrever as experiências associadas ao maior acontecimento de sua vida – a visão sublime do Ser Cristo.
(Marie von Sivers (Marie Steiner) aqui recitou um poema das Músicas espirituais de Novalis.)
A árvore de Natal não é o símbolo do Festival de Natal há muito tempo. Não encontraremos nenhum poema na Árvore de Natal entre, digamos, as obras de um poeta como Schiller, embora se tal costume existisse em sua época, ele certamente teria reconhecido suas possibilidades poéticas e não teria tido dificuldade em escrever. um poema sobre o assunto. Mas na época de Schiller, a árvore de Natal em sua forma agora familiar era desconhecida. É uma instituição jovem e bastante recente. Em épocas anteriores, os homens celebravam esse festival de uma maneira diferente. Por mais que olhemos para as eras passadas, desde que se possa falar dos seres humanos em sua forma atual ou possuindo os rudimentos dessa forma, encontraremos em todos os lugares uma instituição que é semelhante à nossa Festa de Natal;
O próprio fato de que o próprio festival é tão antigo e nosso símbolo atual dele tão recente, é indicativo de um elemento de eternidade, de uma realidade eterna da qual novas formas sempre brotam. Este Festival de Cristo e todos os sentimentos e experiências que ele simboliza são tão antigos quanto a humanidade na Terra. Mas o homem sempre poderá encontrar novos símbolos, símbolos condizentes com a época, como formas exteriores de expressão desta festa. Assim como a própria Natureza é rejuvenescida a cada ano e suas forças eternas brotam em formas que são sempre novas, o mesmo ocorre com os símbolos da piedade natalina; em seu rejuvenescimento constante, eles revelam a realidade eterna deste festival.
Como alunos da Ciência Espiritual, podemos enviar nossos pensamentos de volta a eras no muito, muito passado, para começar aos tempos em que nossas almas estavam encarnadas em corpos atlantes, corpos muito diferentes dos de hoje. Naquela época existiam grandes Mestres que também eram os Líderes da humanidade. Os homens olhavam para um mundo diferente, onde não havia luz do sol brilhante para revelar a eles em contornos claros as formas dos objetos nos reinos da Natureza. Tudo ao redor deles estava como se envolto em névoa – não apenas porque grande parte da Atlântida estava realmente coberta com névoa e névoa através da qual a luz do sol não poderia penetrar na mesma extensão que mais tarde, mas também porque a faculdade de percepção do homem ainda não havia se desenvolvido para o palco onde os objetos externos apareceram em um contorno claro.
Quando os homens foram dormir nos dias da Atlântida, eles viram os seres divino-espirituais que eram seus companheiros; eles viram aqueles Seres divinos que uma vez foram experimentados como realidades e que em tempos posteriores foram preservados como memórias em diferentes regiões da Terra, tendo diferentes nomes: Wotan, Thor, Baldur, na Europa Central; os nomes de Zeus, Pallas Atena, Ares e assim por diante, foram dados àquelas figuras divinas que antes eram visíveis aos olhos da alma do homem na velha Atlântida. Mas nos tempos da Atlântida, os mundos divinos não eram mais os mundos mais elevados e criativos de onde o homem surgira na era da Lemúria. Nossas almas já nasceram do ventre de Seres divinos, de cuja sublimidade e majestade só pode haver uma vaga noção hoje. Esses mesmos Seres divinos enviaram as orbes cósmicas e todas as forças que nos cercam. O homem estava dentro do ventre de Seres divinos, cujas expressões externas vemos nos corpos celestes; eles eram os seres que brilham no ar em relâmpagos e trovões, cujas expressões são as plantas e animais e cujos órgãos dos sentidos são os cristais. Todo o calor que chega até nós, todas as forças em jogo ao nosso redor – tudo isso constitui o corpo dos Seres divino-espirituais dos quais o homem saiu.
Quanto mais profundamente o homem desceu à Terra, quanto mais se uniu às substâncias materiais, quanto mais integrou em si as substâncias da Terra, menos capaz se tornou de contemplar os grandes deuses.
Nos tempos primitivos, o homem ainda não tinha faculdade para conhecer o mundo material; ele não podia ver com os olhos nem ouvir com os ouvidos; imagens que não eram imagens de minerais, animais ou plantas, mas de seres divino-espirituais acima dele, surgiram em sua alma. Em idades posteriores, ele viveu mais e mais no plano físico, aprendendo por meio dos órgãos dos sentidos externos a conhecer o mundo físico. Nos dias da Atlântida, a visão no plano físico alternava-se com uma forma de clarividência que permaneceu como uma relíquia do antigo estado de espiritualidade sublime em que o homem viveu. Mas os Deuses que ele ainda era capaz de contemplar no plano astral, quando à noite ele desfrutava da bem-aventurança de viver como um ser espiritual entre outros seres espirituais, eram inferiores em classificação do que os deuses mais elevados.
À medida que o plano físico ficava mais claro, a visão do homem nos planos espirituais ficava turva. Mas, na antiga Atlântida, houve Iniciados que, além de transmitirem os ensinamentos mais profundos a respeito dos Deuses da antiguidade, de onde os homens surgiram, proclamaram uma verdade que apresentaram da seguinte maneira.
‘Olhe para a semente de uma planta; veja como essa semente se desenvolve em uma planta. Ela cresce, envia folhas, sépalas, flores e frutos. Quem observa a planta dessa maneira pode dizer a si mesmo: eu olho para trás, para a semente; a semente é a criadora das folhas e da flor que vejo diante de mim, e essa flor contém em si a semente de uma nova planta; a flor se transforma em uma nova semente. E também se pode olhar para o futuro. ‘ – Assim falaram os grandes Iniciados Atlantes a seus alunos e, por meio deles, a todo o povo. Eles disseram: ‘Você pode olhar para trás, para as sementes dos deuses de onde os homens surgiram. As realidades espirituais e físicas que você vê ao seu redor são todas folhas que brotaram das sementes dos Deuses primitivos. Veja neles as forças daquelas sementes divinas, assim como as forças da semente da qual a planta surgiu podem ser vistas em suas folhas. Mas podemos apontar para algo mais: no futuro espalhar-se-á ao redor do homem algo que será semelhante à flor de uma planta, algo que, é verdade, provém dos antigos deuses, mas – à medida que a flor amadurece um semente – contém uma semente na qual onovo Deus se revela! ‘
O mundo nasceu dos Deuses – tal era o antigo ensinamento. Que o mundo dará à luz um Deus, o grande Deus do futuro – tal foi a profecia feita pelos Iniciados da Atlântida aos seus alunos e através deles ao povo. Pois, como todos os Iniciados, os da Atlântida viram o futuro, previram os grandes eventos do futuro. A visão deles foi além da época do grande dilúvio atlante, além daquele acontecimento estupendo pelo qual a face da Terra foi mudada. Eles previram as civilizações que surgiriam no futuro, na terra dos santos Rishis, na terra de Zaratustra; eles previram a cultura egípcia antiga fundada por Hermes, as condições anunciadas e inauguradas por Moisés, a felicidade que prevalecia na Grécia, o poder e a força de Roma. Tudo isso os Iniciados Atlantes viram com antecedência, e sua visão se estendeu a nosso tempo e até mesmo além dele. E aos seus alunos íntimos davam esperança, dizendo-lhes: ‘É verdade, vocês devem deixar as terras espirituais onde agora vocês moram, devem ser enredados na matéria, devem se revestir de invólucros tecidos de substâncias físicas. Chegará o momento em que você deverá trabalhar no plano físico, quando parecerá que os antigos Deuses desapareceram de sua vista. Mas seus olhos serão capazes de se voltar para onde a nova estrela pode aparecer para você, para onde a nova semente ganha vida, onde surgirá o novo Deus do futuro, o Deus que esperou através dos tempos para apareça na humanidade no tempo certo e adequado! ‘ você deve deixar as terras espirituais onde agora você mora, você deve ser enredado na matéria, você deve se vestir com invólucros tecidos de substâncias físicas. Chegará o momento em que você deverá trabalhar no plano físico, quando parecerá que os antigos Deuses desapareceram de sua vista.
Quando os Iniciados Atlantes quiseram explicar a seus alunos e a todas as pessoas por que o homem estava destinado a descer ao vale da Terra, eles lhes disseram que todas as almas em algum momento futuro veriam e experimentariam Aquele que estava por vir, que ainda estava oculto de sua vista, habitando em um reino invisível aos olhos físicos, bem como aos olhos do espírito que, enquanto o homem ainda estava descansando no ventre dos deuses, tinha olhado para ele.
Então veio o dilúvio atlante. Em um tempo comparativamente curto, a face da Terra mudou e, após as migrações dos povos do Ocidente para o Oriente, surgiram as grandes civilizações pós-Atlantes, começando com a da Índia antiga.
Os grandes Mestres daquela época, os sete santos Rishis, ensinaram a seus alunos, e de fato a todo o povo indiano, a realidade de um mundo espiritual, pois sua vida agora era vivida no plano físico e eles precisavam ser ensinados. Seus olhos agora podiam ver apenas a forma externa do mundo físico como a expressão do Espiritual, mas o próprio Espiritual eles não podiam ver. Ainda assim, vivia na alma de cada indiano algo que pode ser chamado de uma vaga lembrança do que a alma experimentou uma vez entre os deuses na era da velha Atlântida. Essa lembrança despertou um anseio de tal intensidade pelo que havia sido perdido, que a alma não poderia estabelecer nenhuma relação íntima com o plano físico, apenas poderia considerá-lo como maya, ilusão, irrealidade. Nem poderiam as almas ter suportado tais condições no plano físico, não os Rishis, cheios do fogo da inspiração espiritual, sendo capazes de ensiná-los sobre as glórias do mundo antigo que deles se foram. Os ensinamentos dados pelos Rishis a respeito do Cosmos ainda são muito pouco compreendidos hoje; eram ensinamentos baseados em uma sabedoria primordial, porque os Rishis foram iniciados naquilo que o homem experimentou quando ainda estava no ventre dos Deuses.
Pois o homem estava presente quando os Deuses separaram o Sol da Terra e ordenaram os caminhos das orbes celestes – mas durante sua posterior peregrinação terrena ele se esqueceu disso!
Essa sabedoria foi ensinada pelos Rishis. E algo mais também foi ensinado àqueles que eram os mais avançados e capazes de sentir seu significado. Para eles foi dito: ‘Do mundo em que o homem está agora colocado, o mundo que ele agora vê como maya, surgirá o Ser que ainda não pode ser visível neste mundo porque a alma humana não atingiu o estágio em que pode desdobrar o poder de conhecer este Ser. Mas Aquele que ainda está além do seu mundo aparecerá! ‘ Vicva karmanera o nome do Ser proclamado pelos antigos Mestres da Índia como o grande Espírito do futuro. Ao povo indiano foi dito: ‘Você ainda não pode vê-lo, assim como não pode ver na flor a semente da nova planta. Mas tão verdadeiramente quanto a flor contém a semente, como realmente o faz maya revela o poder germinativo que tornará a vida no mundo físico uma existência digna. O Ser conhecido em tempos posteriores como o Cristo foi proclamado com antecedência pelos Mestres da Índia antiga; eles, em verdadeira humildade, foram seus profetas. Seu olhar espiritual poderia se voltar em duas direções – de volta à sabedoria primordial de acordo com a qual o mundo foi formado, e adiante no futuro.
Não houve época em que Ele não fosse proclamado, sempre que se pudesse falar da cultura humana e da compreensão humana. Se em tempos posteriores os homens se esqueceram das proclamações, isso não é culpa dos grandes Instrutores de uma humanidade anterior.
Então veio a antiga civilização persa da qual Zaratustra era o líder. Aos seus alunos íntimos, e novamente a todo o povo, Zaratustra proclamava que em tudo o que o homem está rodeado, nas forças que fluem do Sol e dos outros corpos celestes à Terra, em tudo o que preenche a vastidão do ar, vive um Sendo agora revelado ao homem apenas na forma velada. – E aos seus Iniciados, Zaratustra pôde falar do grande Sol-Aura, de Ahura Mazdao, do Deus do Bem. O que ele disse a seus alunos pode ser traduzido da seguinte maneira. – ‘Olhe para a planta. Ela cresce a partir da semente, desenvolve folhas e flores. Mas a planta é permeada por uma força misteriosa que surge no coração da flor como a nova semente. O que envolve a semente cairá; mas a força mais íntima que pode ser percebida no coração da flor permite que você sinta que uma nova planta surgirá da velha. Se você refletir sobre o poder e a força da luz do Sol, Sentindo que nela você está contemplando apenas a expressão física de uma realidade espiritual e se deixando inspirar pelo poder espiritual do Sol, então você começará a entender o que é profético anúncio do Fruto Divino que há de nascer da Terra! ‘
Quando esses alunos íntimos atingiam um estágio muito avançado, podiam, em certos momentos, ouvir ensinamentos ainda mais secretos. E nas horas consagradas Zaratustra falava-lhes de Alguém que viria quando os homens estivessem prontos para recebê-Lo em seu meio com entendimento. Imagens poderosas daquele que viria foram apresentadas por Zaratustra a seus alunos. Para um aluno ele poderia revelar a própria imagem, para um segundo uma espécie de reflexo apenas; para os outros, só foi possível dar um quadro geral do que aconteceria no futuro. – Assim, Aquele que se chamava Cristo também foi proclamado na civilização de Zaratustra na antiga Pérsia.
Assim também foi na civilização egípcia. Hermes também tinha seus iniciados egípcios e, por meio deles, havia proclamado o Cristo de uma certa maneira a todo o povo do antigo Egito. Na lenda de Osíris pode ser visto um reflexo da proclamação de Cristo.
O que foi que a lenda de Osíris transmitiu aos homens? A lenda é que nos tempos antigos o povo era abençoado porque Osíris governava a Terra do Egito em verdadeira união com Ísis, sua esposa. Seu irmão malvado, Set ou Typhon, resolveu destruir Osíris. Para este fim, ele construiu um baú no qual Osíris estava preso e o lançou ao mar. Ísis finalmente encontrou o baú, mas não conseguiu trazer Osíris para a vida novamente na Terra. Ele havia sido transportado para reinos mais elevados e, desde então, só poderia ser visto pelos homens depois de terem passado pelo portão da morte. A todo egípcio foi dito: Após a morte, você pode se unir a Osíris tão verdadeiramente quanto sua mão está unida a você aqui na Terra. Após a morte, você pode fazer parte de Osíris e chamá-lo de seu próprio Eu superior, mas apenas desde que tenha merecido isso no plano físico.
Para aquele que era um Iniciado, algo mais poderia ser revelado. Quando ele passou por todas as provações e testes, quando ele recebeu todos os ensinamentos que devem preceder a visão dos mundos superiores, então, mesmo durante a vida física entre o nascimento e a morte, a imagem de Osíris foi revelada a ele – a imagem que veio antes de outras homens somente após a morte. O Ser com o qual o discípulo dos Iniciados egípcios deve sentir-se unido veio antes dele quando ele estava fora de seu corpo, quando seu corpo etérico, corpo astral e ego foram elevados fora do corpo físico; e então, aquele que ainda em vida havia contemplado Osíris poderia proclamar aos outros: – Osíris vive! Mas nunca poderia ter sido proclamado no antigo Egito: Osíris mora entre nós! Isso foi expresso na lenda ao dizer: Osíris é um rei que nunca foi visto na Terra! O ‘tórax’ nada mais é do que o corpo físico. No momento em que Osíris é colocado no corpo físico, as forças inimigas do mundo físico, forças que ainda não estão prontas para receber Deus, afirmam-se com tal força que levam Deus à destruição. O mundo físico ainda não está pronto para receber o Deus com quem o homem deve estar unido. ‘Mas’ – assim falaram aqueles que poderiam dar testemunho pessoal de que Osíris vive – ’embora digamos a vocês que o Deus vive na verdade, é apenas o Iniciado que pode vê-lo, quando ele (o Iniciado) está longe do mundo físico. O Deus com quem o homem deve se tornar um em seu ser, vive, mas ele vive no mundo espiritual. Só aquele que deixa o mundo físico pode se unir a Deus! ‘
Ao mesmo tempo, os homens estavam começando a amar cada vez mais o mundo físico; pois era sua tarefa e missão trabalhar no mundo físico, estabelecer uma cultura após a outra no mundo físico. Na mesma medida em que os olhos olhavam com uma visão mais clara, e a inteligência era mais capaz de compreender os acontecimentos do mundo físico, na mesma medida em que aumentava o conhecimento do homem, permitindo-lhe fazer descobertas e invenções úteis para os fins de vida física – na mesma medida, tornou-se constantemente mais difícil para ele durante a vida entre o nascimento e a morte olhar para o mundo espiritual. Pôde ouvir dos Iniciados que o Deus com quem deve se unir vive na verdade; mas do mundo físico ele pouco poderia trazer que tornasse possível a comunhão definitiva com Osíris para ele no mundo distante. Escuridão cada vez maior se espalhou pela vida no mundo que o homem supôs ser o lar do Deus com quem ele deve se tornar um.
Então veio a era da Grécia, quando com todo o seu deleite no mundo físico, os homens alcançaram aquele casamento entre o espírito e a matéria que produziu frutos tão gloriosos no plano físico. Nas maravilhosas obras-primas da Grécia antiga, temos um quadro de como, na época em que ocorreria o Evento do Gólgota, os homens se relacionavam com o mundo espiritual. É difícil conceber, mas é verdade, no entanto, que a realização suprema da arquitetura – o templo grego – corresponde ao ponto mais baixo na relação do homem com o mundo espiritual.
Vamos imaginar um templo grego elevando-se diante de nós. Em suas formas, em sua perfeição e inteireza, é a expressão mais pura e nobre do Espiritual – de modo que uma vez poderia ser dito, e dito com verdade: o próprio Deus mora no templo grego. O Deus estava presente no templo, pois as linhas tecidas pelo material estavam em toda parte em harmonia com a ordem espiritual do Cosmos e com as linhas que permeiam o plano físico como as direções do espaço. Não há exemplo mais belo e nobre da interpenetração do espírito do homem e da matéria física do que um templo grego. É o exemplo incomparável de união entre os mundos superiores e a matéria física.
Por meio de suas obras de arte e dos princípios expressos em sua criação, os gregos conseguiram fazer os antigos deuses descerem entre eles. E mesmo que os gregos não tenham realmente visto Zeus ou Palas Atena quando eles desceram, mesmo assim os Deuses estavam lá, atraídos e encantados por essas obras de arte – os Deuses que uma vez foram visíveis aos homens e entre os quais viveram os tempos da Atlântida. Os homens foram capazes de fornecer uma morada gloriosa para os deuses antigos.
E agora vamos ver o que o templo grego representa em outro aspecto. Suponha que a consciência clarividente tenha diante de si um templo grego. O que agora será dito vale até mesmo para os escassos restos ainda sobreviventes da arquitetura do templo grego. – Pense no que acontece quando a consciência clarividente tem diante de si uma relíquia, como um dos templos de Paestum. A harmonia das linhas apresentadas pelas colunas e coberturas pode literalmente encher uma pessoa de êxtase. Essa perfeição está lá que se pode imaginar e sentir a própria presença da divindade na própria estrutura física. A mesma sensação pode surgir quando a arquitetura grega é vista através dos olhos do corpo físico.
E agora pense na consciência clarividente transportada para o mundo espiritual. É como se uma tela negra fosse desenhada sobre o que pode ser visto no mundo físico; o que se vê ali é como que obliterado. Nada de todos esses esplendores do plano físico pode ser transportado para o mundo espiritual. A beleza suprema – quando de fato é – alcançada no plano físico, é obliterada no mundo espiritual. E então percebemos que não é um mito quando, ao encontrar um Iniciado, alguém que era uma figura importante na Grécia proferiu as palavras: Melhor é ser um mendigo no mundo superior do que um rei no reino das Sombras! (Homer: Odisséia, Canção XI, versículo 488-491) – Na Grécia, onde o homem poderia encontrar tal bem-aventurança no mundo físico, as almas entraram em uma existência sombria quando passaram para o mundo dos mortos. Esplendor no mundo físico – esterilidade equivalente no mundo espiritual.
Façamos agora duas outras comparações com a experiência despertada por um templo grego. – Pense na Madona Sistina de Rafael ou na Última Ceia de Leonardo da Vinci – obras criadas após o Evento do Gólgota e influenciadas por seus mistérios. A visão dessas imagens pode encher a alma de êxtase, e isso também é verdade para a consciência clarividente.
Quando os olhos da consciência clarividente repousam sobre essas imagens no plano físico e essa consciência então sobe para o mundo espiritual, o homem percebe, embora o físico não seja mais visto: O que levo para o mundo espiritual a partir da experiência despertada por essas imagens não é simplesmente um eco do físico; aqui não há apenas o êxtase que experimentei ao vê-los, mas agora, pela primeira vez, percebo toda a sua glória; no mundo físico, simplesmente lancei a semente do que agora experimento em majestade e esplendor infinitamente maiores! – Quando um homem contempla tais imagens nas quais estão contidos os mistérios ligados ao Gólgota, está lançando a semente – mas apenas a semente – para um maior conhecimento no mundo espiritual. O que tornou isso possível? Tornou-se possível porque o Poder espiritual, proclamado com tanta antecedência, realmente apareceu na Terra. A humanidade conseguiu desabrochar uma flor na qual a semente do Deus do futuro poderia amadurecer. Através do Evento do Gólgota, algo foi comunicado à existência na Terra que o homem não só pode levar consigo para o mundo espiritual, mas que nos mundos espirituais aparece em maior glória e sublimidade.
No momento em que o corpo físico de Cristo Jesus morreu no Gólgota, Cristo apareceu entre aqueles que viviam entre a morte e o novo nascimento. Ele poderia proclamar a eles o que nenhum dos primeiros Iniciados, quando eles passaram para o mundo espiritual, poderia ter proclamado. Quando os primeiros Iniciados – digamos dos Mistérios de Elêusis – passaram deste mundo físico para o mundo daqueles que viviam entre a morte e um novo nascimento, o que os Iniciados de Elêusis poderiam dizer a essas almas? Eles poderiam ter contado a eles acontecimentos no plano físico, mas isso não lhes causaria nada além de saudade e tristeza. Pois a vida deles se enraizou inteiramente no plano físico e no mundo distante, onde nada físico poderia ser encontrado e a escuridão prevalecia, as almas não podiam compartilhar o Sentimento que fazia um homem importante no plano físico exclamar: Melhor é ser um mendigo no plano físico do que um rei no reino das Sombras! Os Iniciados que poderiam trazer tais tesouros para aqueles que viviam no plano físico não poderiam ter trazido nada para as almas que então viviam no outro mundo. Então veio o Evento do Gólgota. Cristo apareceu entre os mortos – e pela primeira vez pode ser proclamado no mundo espiritual um evento do mundo físico que constitui o início de uma ponte que conduz do mundo físico ao espiritual. Quando Cristo apareceu no mundo inferior, foi como se uma luz brilhasse nos mundos espirituais. Pois no próprio mundo físico prova incontestável foi fornecida de que o espiritual pode vencer para sempre a morte!
Isso vale ainda mais para o Evangelho de São João e também para os outros Evangelhos que falam do Evento do Gólgota. Um homem que estuda o Evangelho de São João no plano físico, experimenta alegria intelectual com a leitura deste grande registro; mas quando ele passa para o mundo espiritual, ele sabe que o que ele foi capaz de experimentar no mundo físico foi apenas um antegozo do que ele agora pode perceber e contemplar. O fato de suprema importância é que o homem agora pode levar seus tesouros com ele do plano físico para o mundo espiritual .
Desde o evento do Gólgota, o mundo espiritual foi iluminado com uma luz cada vez mais brilhante e clara. Tudo o que existe no mundo físico saiu do mundo espiritual. Quando ele passou do mundo físico para o espiritual, o homem pré-cristão poderia dizer: Aqui está a fonte e origem de tudo o que o mundo físico contém. O que saiu do mundo espiritual são apenas os efeitos. Mas desde o evento do Gólgota, o homem pode dizer quando ele passa do mundo físico para o espiritual: No mundo físico também há causalidade e o que é experimentado no plano físico passa para o mundo espiritual.
E assim continuará – em uma medida cada vez maior. Tudo o que procede da obra dos antigos Deuses morrerá e o que florescer crescerá no futuro, como a obra do Deus do futuro. Isso é o que passará para o mundo espiritual. É como quando um homem, olhando para a semente de uma nova planta, diz a si mesmo: Verdade, ela surgiu de uma planta velha, de uma semente anterior, mas agora a velha caiu, desapareceu, e agora a nova semente está aí, a semente que se desenvolverá na nova planta, na nova flor. – Nós também vivemos em um mundo onde as folhas e as flores brotaram das sementes nascidas dos antigos deuses. Mas cada vez mais o novo fruto, o fruto de Cristo, está se revelando e tudo o mais cairá. O que é realizado aqui no mundo físico terá valor para o futuro, na medida em que for transportado para o mundo espiritual. Diante dos olhos do Espírito, um mundo surge no futuro, um mundo que tem suas raízes no físico, como nosso mundo já teve suas raízes no espiritual. Assim como os homens são filhos dos deuses, também, a partir do que os homens no mundo físico experimentam, elevando-se à compreensão do Evento do Gólgota, o corpo será formado para aqueles novos Deuses do futuro, dos quais Cristo é o Líder. Da mesma forma, os velhos mundos vivem no novo; o velho morre completamente, e o novo brota do velho. Mas isso só pôde acontecer porque a humanidade foi capaz de desabrochar um desabrochar para aquele Ser espiritual que se tornaria o Deus do futuro. Diante dos olhos do Espírito, um mundo surge no futuro, um mundo que tem suas raízes no físico, como nosso mundo já teve suas raízes no espiritual. Esta flor que poderia desabrochar dentro dela a semente do Deus do futuro só poderia ser uma bainha humana tríplice consistindo de corpo físico, corpo etérico e corpo astral, uma bainha limpa e purificada por tudo o que poderia ser alcançado pelo homem na Terra. E este invólucro de Jesus de Nazaré que se sacrificou para que a Semente de Cristo pudesse ser recebida, esta flor da humanidade, representa a essência mais pura que os esforços espirituais da humanidade em evolução foram capazes de produzir. Não até que a terra estivesse pronta para produzir seu mais belo desabrochar, a semente do novo Deus poderia aparecer. E o nascimento desta flor é comemorado no nosso Festival de Natal. Em nossa Festa de Natal, celebramos o nascimento da flor que receberia a Semente de Cristo.
O Natal é uma festa em que os homens podem olhar para o passado e também para o futuro. Pois do passado brotou a flor da qual se desenvolve a semente para o futuro. O envoltório triplo de Cristo foi um produto da velha Terra – tecido e nascido do mais alto que estava ao alcance do homem. E nenhuma apresentação externa de um mistério pode causar uma impressão mais poderosa sobre nós do que a apresentação do mistério de como a mais bela flor da humanidade poderia brotar do cálice mais puro.
Essa humanidade uma vez saiu do ventre da Divindade, que o homem já foi um ser espiritual e desceu à existência material – como isso pode ser mais belamente apresentado do que indicando como o Espiritual gradualmente se densifica, como o próprio homem se densificou fora da névoa informe do espiritual? Como um prenúncio profético, o antigo egípcio descreveu a Deusa com cabeça de leão, ainda totalmente espiritual, pertencente à época em que o homem ainda era pouco material, ainda descansando como um ser etérico-espiritual no útero da Divindade. Então, antecipando a posterior ‘Madona Sistina’, temos a representação egípcia de outra forma feminina: Ísis com o filho Hórus. Aí vemos como o que nasce das nuvens, isto é, do Espírito, se adensou no cálice, naquilo que representa o ser humano desenvolvendo-se no futuro.
Com suprema pureza e delicadeza, Raphael deu forma a esse mistério em seu retrato da Madona. O ser humano se cristaliza na cabeça dos anjos e, por sua vez, dá à luz Jesus de Nazaré, a flor na qual a Semente do Cristo deve ser recebida. Toda a história da evolução da humanidade está contida da maneira mais maravilhosa nesta imagem da Madonna. Não é de admirar que, enquanto ele estava diante de Nossa Senhora, tenha surgido naquele cujas palavras ouvimos hoje, a gloriosa lembrança da encarnação da qual sua última encarnação foi novamente uma lembrança, e que trouxe à vida dentro de si todo o insight sublime que este mistério retratado da humanidade poderia despertar; não é de se admirar que esses sentimentos fluíram para o ser de quem Cristo nasceu,
E assim vemos como no supremamente talentoso Novalis, os sentimentos livres de todo preconceito denominacional ganham vida ao retratar este santo Mistério que foi decretado no primeiro Natal e se repete em cada Natal. É o Mistério dos antigos Iniciados, representados pelos Magos, trazendo suas oferendas ao novo Mistério. Os Reis Magos, que são portadores da sabedoria de tempos passados, fazem suas oferendas àquilo que deve avançar para o futuro, aquilo que, em um ser humano, um dia abrigará o poder pelo qual todos os mundos conectados com a Terra estão impregnados.
Novalis experimentou o mistério de Cristo, o mistério de Maria, em relação ao mistério cósmico, cuja luz brilhou diante de seus olhos da alma como brilhava no primeiro Natal, quando os seres que não haviam descido ao plano físico proclamaram a união entre uma força cósmica e terrestre, que pode tornar-se realidade nos corações humanos e no próprio Cosmos quando o coração humano se une a Cristo. A proclamação egípcia: ‘O Deus com o qual você deve estar unido, mora no mundo que só pode ser alcançado após a morte’, não é mais válida. Pois agora o Deus com o qual o homem deve estar unido vive entre nós aqui, entre o nascimento e a morte; e os homens podem encontrá-Lo quando unem seus corações e almas a Ele neste mundo. Assim, na primeira Noite Santa da Cristandade, a tensão ressoou:
Revelação pelas alturas a Deus,
paz e tranquilidade pela terra,
bem-aventurança nas pessoas.
Revelação nas alturas a Deus,
Silêncio e paz por toda a Terra,
Bendita alegria nos Homens. [ 1 ]
Poemas de Novalis (‘Marienlieder’) foram recitados por Marie von Sivers (Marie Steiner) no final desta palestra.
Rudolf Steiner – GA 108, Berlin, 22 de dezembro de 1908
O NASCIMENTO DO CRISTO NA ALMA HUMANA – Palestra de Natal
Como dois poderosos pilares do espírito têm as duas festas anuais, as festas de Natal e Páscoa, estabelecidas pelo sentimento cósmico cristão no decorrer do ano, que deveriam ser um símbolo do curso da vida do homem. Podemos dizer que na concepção do Natal e na concepção da Páscoa estão diante da alma humana aqueles dois pilares espirituais sobre os quais estão inscritos os dois grandes mistérios da existência física do homem, que ele deve olhar de maneira muito diferente da maneira como ele vê outros eventos no curso de sua vida física.
É verdade que um elemento supersensível é projetado nesta vida física – por meio da observação dos sentidos, por meio de julgamentos intelectuais, por meio do conteúdo do sentimento e da vontade. Mas este elemento supersensível é em outros casos claramente manifesto como tal – por exemplo, quando o sentimento cósmico cristão se compromete a simbolizá-lo na festa de Pentecostes. Na concepção do Natal, no entanto, e da Páscoa, a atenção é chamada para aqueles dois eventos que ocorrem no curso da vida física que são em sua aparência externa puramente física, mas que – em contraste com todos os outros eventos físicos – não se manifestam imediatamente se como eventos físicos. Podemos olhar para a vida física do homem como olhamos para a natureza; podemos, portanto, olhar para o lado externo da vida física, a manifestação externa do espiritual.
Mas nunca podemos ver com nossa visão física as duas experiências de fronteira do curso da vida humana – nem mesmo o aspecto externo, a manifestação externa – sem sermos colocados face a face, mesmo através de nossa visão física, com o enigma tremendo, o elemento de mistério, nesses dois eventos. Eles são os eventos de nascimento e morte . E na vida de Cristo Jesus estão estes dois eventos da vida física do homem – e também nas concepções de Natal e Páscoa, lembrando-nos deles – confrontando o coração cristão sensível.
No pensamento do Natal e no pensamento da Páscoa, a alma do homem deseja contemplar os dois grandes mistérios. E, ao que parece, encontra nesta contemplação força cheia de luz para o pensamento do homem, conteúdo cheio de poder para a vontade, uma elevação ereta de todo o homem, seja qual for a situação em que necessite desta elevação. Ao nos confrontarem dessa maneira, esses dois pilares do espírito – o pensamento do Natal e o pensamento da Páscoa – possuem um valor eterno.
Mas, no curso da evolução do homem, suas capacidades de concepção aproximaram-se de múltiplas maneiras do grande pensamento do Natal e do grande pensamento da Páscoa. Durante os primeiros tempos da evolução do Cristianismo, quando o Evento do Gólgota penetrou com efeito destruidor nas emoções humanas, os homens gradualmente encontraram o caminho para a visão do Redentor morrendo no Gólgota, como vieram durante os primeiros séculos cristãos para sentir o Crucificado pendurado na cruz o pensamento da Redenção, e gradualmente formaram para si a grande e poderosa imaginação do Cristo morrendo na cruz. Mas nos últimos tempos, especialmente desde o início da era moderna, o sentimento cristão – adaptando-se ao materialismo que surge na evolução humana – voltou-se para a imagem do elemento infantil entrando no mundo no Jesus recém-nascido.
Certamente, podemos dizer que um sentimento sensível encontrará no modo como o sentimento cristão da Europa se voltou, durante os últimos séculos, para a manjedoura de Natal, algo de um cristianismo materialista. O desejo – isso não é dito em um mau sentido – de acariciar o menino Jesus tornou-se trivial ao longo dos séculos. E muitas canções sobre o menino Jesus sentidas em nossos dias como belas – ou encantadoras, como muitos o expressam – não nos parecerão possuir uma seriedade suficientemente profunda na presença desses tempos mais sérios.
Mas o pensamento da Páscoa e o pensamento do Natal, meus queridos amigos, são dois pilares eternos, pilares memoriais eternos, do coração humano. E podemos realmente dizer que nossa era de novas revelações espirituais lançará uma nova luz sobre o pensamento do Natal; que o pensamento do Natal gradualmente passará a ser sentido de uma nova forma e de uma maneira gloriosa. Será nossa tarefa ouvir nos acontecimentos do mundo atual o apelo à renovação de muitas concepções antigas, o apelo a uma nova revelação do espírito. Será nossa tarefa compreender como uma nova concepção do Natal, para o fortalecimento e a elevação da alma humana, está avançando no curso atual dos eventos mundiais.
O nascimento e a morte do ser humano, por mais que possamos analisá-los, quão intensamente possamos olhar para eles, manifestam-se como eventos que desempenham seu papel diretamente no plano físico, e nos quais o espiritual é tão dominante que ninguém aqueles que refletem seriamente sobre as coisas podem negar que esses dois eventos, esses eventos terrestres da vida humana, dão evidência, ao agirem sobre o ser humano, de que o homem é o cidadão de um mundo espiritual. Nenhuma visão do mundo natural pode jamais conseguir – em meio ao que pode ser percebido pelos sentidos, compreendido pelo intelecto – em encontrar no nascimento e na morte qualquer coisa que não seja eventos nos quais a intervenção do espírito se manifesta diretamente no corpo físico . Somente esses dois eventos se manifestam assim ao coração humano.
Também quanto ao acontecimento do Natal, o acontecimento do nascimento, o coração humano e cristão deve ter um sentido de mistério cada vez mais profundo. Podemos dizer que os homens raramente alcançaram o nível de onde poderiam, no verdadeiro sentido, dirigir seu olhar para a natureza misteriosa do nascimento. Muito raramente, na verdade, mas então em conceitos que falam às profundezas do coração humano.
Assim é, meus queridos amigos, na concepção associada à vida espiritual da Suíça do século XV, com Nicholas von der Flue . É relatado dele – e ele mesmo relatou isso – que, antes de seu nascimento, antes que pudesse respirar o ar exterior, ele viu sua própria forma humana, aquilo que ele usaria após seu nascimento deveria ter ocorrido e sua vida deveria começar seu curso. E ele tinha visto antes de seu nascimento a cerimônia de seu próprio batizado, as pessoas que estavam presentes no batismo e que compartilharam suas primeiras experiências. Com exceção de um idoso que estava presente e que não conhecia, ele reconheceu os outros porque já os tinha visto antes de contemplar a luz do mundo.
Por mais que vejamos esta narração, não podemos escapar à impressão de que ela aponta de certa forma para o mistério do nascimento humano, que se confronta com a história do mundo tão magnificamente simbolizada na concepção natalícia. Na história de Nicholas von der Flue, encontraremos a sugestão de que está relacionado com nossa entrada na vida física algo que está oculto da visão cotidiana da humanidade apenas por uma parede divisória muito fina; por uma parede que pode ser quebrada quando existe uma situação cármica como a que estava presente no caso de Nicholas von der Flue.
Uma alusão tão surpreendente ao mistério do nascimento e do Natal ainda nos encontra aqui e ali; mas devemos dizer que a humanidade ainda se tornou muito pouco consciente do fato de que o nascimento e a morte, os dois pilares de fronteira da vida humana que enfrentamos no meio do mundo físico, revelam-se mesmo em sua manifestação física como eventos espirituais, tais como nunca poderiam ocorrer dentro do mero curso da natureza; como eventos nos quais, ao contrário, os poderes divinos espirituais intervêm, como fica evidente no próprio fato de que ambas as experiências limítrofes do curso da vida humana ainda devem permanecer mistérios, mesmo em sua manifestação física.
A nova revelação do Cristo agora nos leva a contemplar o curso da vida do homem – assim podemos dizer com segurança – como Cristo deseja que o contemplemos no século XX. Recordemos hoje, ao desejarmos entrar profundamente no pensamento do Natal, uma frase que se diz ter sido proferida por Cristo Jesus e que pode muito bem nos conduzir à concepção natalícia.
O ditado é o seguinte: “A menos que se tornem crianças, não entrarão no Reino dos Céus”. “A não ser que se tornem como crianças” – esta não é realmente uma exortação para retirar todo o caráter misterioso da concepção do Natal e arrastá-la para a trivialidade do “querido Jesus”, como muitas canções folclóricas e canções artísticas têm feito – mas as canções folclóricas menos do que as artísticas – no curso da evolução materialista do cristianismo. Este mesmo ditado – “A menos que se tornem crianças, não entrarão no Reino dos Céus” – nos impele a olhar para cima, para os impulsos poderosos surgindo através da corrente da evolução humana. E em nosso tempo presente, quando tudo o que está acontecendo no mundo certamente não dá ocasião para cair em concepções triviais do Natal, quando o coração humano está cheio de tantas coisas dolorosas, quando este coração humano deve refletir sobre isso.
Muitos milhões de seres humanos que encontraram a morte nos últimos anos, devem refletir sobre incontáveis multidões que têm fome de comida, – neste tempo certamente nada nos é apropriado, exceto contemplar os pensamentos poderosos dentro da história mundial que impelem a humanidade em sua curso progressivo, pensamentos aos quais podemos ser guiados pelo ditado: “A menos que se tornem como crianças,” que podemos complementar com este outro ditado: “A menos que você viva sua vida à luz deste pensamento, você não pode entrar no Reino dos Céus”.
Meus queridos amigos, no exato momento em que o ser humano entra no mundo como uma criança, ele se retira do mundo do espírito. Pois o que ocorre no mundo físico, a procriação e o crescimento de seu corpo físico, é apenas o embasamento daquele evento que não pode ser descrito de outra forma senão dizendo que o homem em seu ser mais profundo se retira do mundo espiritual. O homem nasce do espírito em um corpo. Quando o Rosacruz disse: “ Ex deo nascimur ”, ele se referia ao ser humano na medida em que ele entra no mundo físico. Pois aquilo que constitui o invólucro em torno do ser humano, que o torna uma totalidade física aqui no globo terrestre, é o que se indica com o ditado: Ex deo nascimur. Se olharmos para o centro do ser humano, para a entidade mais interna, devemos dizer que o homem viaja do espírito para o mundo físico. Através do que ocorre no mundo físico, aquilo para o qual ele olhou para baixo da terra do espírito antes de sua concepção ou nascimento, ele é envolvido em seu corpo físico, a fim de que possa experimentar em seu corpo físico coisas que não podem ser experimentado exceto em tal corpo. Mas, em seu ser mais central, o homem sai do mundo espiritual. E ele é de tal natureza que em seus primeiros anos – aos olhos daqueles que querem ver as coisas como elas são no mundo, que não estão cegos pela ilusão do materialismo – ele é dessa natureza, este ser humano , que ele revela mesmo em seus primeiros anos como ele saiu do espírito.
É a esse mistério que narrações como a associada ao nome de Nicholas von der Flue pretendem aludir. Uma visão trivial, fortemente influenciada por um modo de pensar materialista, declara em sua simplicidade que o ser humano desenvolve gradualmente seu ego ao longo de sua vida, do nascimento à morte; que esse ego se torna cada vez mais poderoso e poderoso, cada vez mais distintamente manifesto. Esta é uma maneira ingênua de pensar, meus queridos amigos. Pois, se olharmos para o verdadeiro ego do homem, para aquele que vem em um invólucro físico no nascimento do ser humano fora do mundo espiritual, então nos expressamos de maneira muito diferente sobre toda a evolução física do homem. Ou seja, sabemos então que, à medida que o ser humano se desenvolve progressivamente no corpo físico, o verdadeiro ego realmente desaparece da forma física, que se torna cada vez menos manifesto; e que o que se desenvolve aqui no mundo físico entre o nascimento e a morte é apenas um reflexo espelhado de ocorrências espirituais, um reflexo morto de uma vida superior. A forma correta de expressão seria declarar que toda a plenitude do ser do homem gradualmente desaparece no corpo, tornando-se cada vez menos manifesto. À medida que o ser humano vive sua vida física aqui na terra, ele gradualmente se perde em seu corpo, para se encontrar novamente no espírito após a morte. Da mesma forma, quem conhece os fatos se expressa. Mas quem ignora os fatos declara que a criança é incompleta e que o ego aos poucos se desenvolve em uma perfeição cada vez maior, crescendo a partir dos níveis subconscientes indefinidos da existência do homem.
Assim o homem entra no mundo como um ser espiritual. Sua natureza corporal, enquanto ele era uma criança, ainda é indefinida; ainda não reivindicou a natureza espiritual, que entra na existência física como se caísse no sono – mas nos parecendo tão pouco cheios de conteúdo apenas porque podemos perceber este ser espiritual, na vida física comum,tão pouco quanto podemos perceber o ego adormecido e o corpo astral quando estão separados dos corpos físico e etérico.
Mas o fato de não percebermos um ser não o torna menos perfeito. É isso que o ser humano deve adquirir por meio de seu corpo físico – que se sepultará cada vez mais no corpo físico com o propósito de alcançar por meio desse sepultamento no corpo capacidades que só podem ser adquiridas desta forma, somente pelo fato de que o espírito e a alma por um tempo se perdem na existência física. Para que possamos sempre nos lembrar de nossa origem espiritual, para que possamos crescer fortes no pensamento de que viajamos do espírito para o mundo físico – é por esta razão que a concepção do Natal permanece como um poderoso pilar de luz no meio o sentimento cósmico cristão.
Este pensamento, como um pensamento de Natal, deve crescer cada vez mais forte na futura evolução espiritual da humanidade. Então a concepção do Natal se tornará poderosa novamente para a humanidade; então a humanidade mais uma vez se aproximará da festa do Natal de forma a extrair forças para a vida física da concepção natalina, que pode nos lembrar de maneira correta de nossa origem espiritual. Raramente este pensamento de Natal pode ser tão poderoso no presente como será então nos corações humanos. Pois é um fato estranho, mas enraizado nas próprias leis da existência espiritual, que o que vem à luz no mundo – levando a humanidade para a frente, útil para a humanidade – não aparece imediatamente em sua forma última: que aparece primeiro, como foram, tumultuosamente, como se tivessem sido gerados prematuramente por espíritos ilegais na evolução mundial.
Compreendemos a evolução histórica da humanidade em seu verdadeiro significado apenas quando sabemos que as verdades não devem ser entendidas apenas como aparecem pela primeira vez na história do mundo, mas que devemos considerar em relação às verdades o momento certo para sua entrada na evolução humana em sua verdadeira luz .
Entre muitos tipos de pensamentos que entraram na evolução da humanidade moderna – certamente inspirados pelo impulso de Cristo, mas a princípio de forma prematura – está a concepção da igualdade da humanidade perante Deus e o mundo, a igualdade de todos os homens, um pensamento profundamente cristão, mas capaz de uma profundidade cada vez maior. Mas não devemos colocar esse pensamento antes dos corações dos homens em uma generalização como a que lhe foi dada pela Revolução Francesa, quando apareceu pela primeira vez tumultuosamente na evolução humana. Devemos estar cientes do fato de que esta vida do homem, do nascimento à morte, está envolvida em um processo de evolução, e que os impulsos primários que atuam sobre ela são distribuídos em tempo. Reflitamos sobre o ser humano como ele entra na existência sensível: ele entra na vida cheio do impulso da igualdade da natureza humana em todos os homens. Sentimos a natureza infantil com maior intensidade quando vemos uma criança permeada em todo o seu ser pela concepção da igualdade de todos os homens. Nada que crie desigualdade entre os homens, nada que organize os homens de tal maneira que eles se sintam diferentes dos outros homens – nada de tudo isso entra primeiro na natureza da criança. Tudo isso é comunicado ao ser humano no decorrer da vida física. A desigualdade é criada pela existência física; do espírito os seres humanos surgem iguais perante o mundo e Deus e perante os outros seres humanos. Assim declara o mistério da criança.
E a este mistério da criança se une a concepção de Natal, que deve encontrar seu significado mais profundo na nova revelação cristã. Pois esta nova revelação cristã levará em conta a nova Trindade: o ser humano , visto que representa diretamente a humanidade; o Ahrimanic ; e o luciférico . E, à medida que se vai sabendo como o ser humano é colocado no mundo em uma relação de equilíbrio entre o arimânico e o luciférico, entender-se-á também o que este ser humano realmente é na existência física externa.
Acima de tudo, a compreensão deve surgir, a compreensão cristã, em referência a um certo aspecto da vida humana. É claro que o pensamento cristão proclamará no futuro o que já foi afirmado por certos espíritos desde meados do século XIX, embora com acentos gaguejantes e nunca de forma muito distinta. Quando apreendemos que o pensamento da igualdade entra no mundo na criança, mas que depois as forças da desigualdade se desenvolvem no homem, como se do fato de ele ter nascido, forças que não parecem pertencer a esta terra, então apenas no que diz respeito à concepção de igualdade, outro mistério profundo nos confronta. Ver este mistério e, por meio dele, obter uma verdadeira concepção do homem, pertencerá a partir de agora entre as necessidades importantes e essenciais na evolução futura da vida da alma.tornam-se diferentes , ainda que não o sejam na infância, por algo que nasce dentro deles, que está no sangue: seus dons e capacidades variadas.
A questão dos dons e das capacidades, que tantas desigualdades entre os homens, nos coloca diante do pensamento do Natal. E a festa de Natal do futuro sempre admoestará os homens com mais seriedade, lembrando-os da origem daquilo que os diferencia tão amplamente na Terra, a origem de seus dons, capacidades, talentos, até mesmo o dom do gênio. Eles terão que perguntar sobre a origem deles. E um verdadeiro equilíbrio dentro da existência física só será alcançado quando o ser humano puder apontar corretamente para a origem das capacidades que o diferenciam dos outros homens. A luz do Natal, ou as velas do Natal, deve dar à humanidade em evolução uma explicação dessas capacidades; deve responder à pergunta profunda: Os seres humanos individuais sofrem injustiça entre o nascimento e a morte sob a ordem do universo? Qual é a verdade sobre faculdades e dons?
Agora, meus queridos amigos, muitas coisas serão vistas sob uma luz diferente quando a humanidade tiver sido permeada pelo novo sentimento cristão. Mais particularmente, será compreendido por que a concepção oculta do Antigo Testamento possuía uma visão especial da natureza do dom profético. Quais foram os profetas que aparecem no Antigo Testamento? Eles eram personalidades que haviam sido santificadas por Javé; eram aquelas personalidades que tinham permissão de empregar da maneira correta dons espirituais especiais que alcançavam muito mais do que os do homem comum. Javé teve que primeiro santificar suas capacidades, que nascem nos homens como que por causa de seu sangue. E sabemos que Jahve atua nos seres humanos entre o adormecimento e o despertar. Sabemos que Jahve não atua na vida consciente. Todo verdadeiro crente do Antigo Testamento disse em seu coração:
Apontamos aqui para um profundo mistério da concepção do Antigo Testamento. A visão do Antigo Testamento, incluindo aquela com respeito à natureza do profeta, deve desaparecer. Novas concepções devem, para a redenção da humanidade, entrar na evolução histórica cósmica. Aquilo que o antigo hebraico acreditava ser santificado por Javé no estado de sono inconsciente, o ser humano deve se tornar capaz de santificar na era moderna enquanto está acordado , em um estado de consciência clara . Mas ele só pode fazer isso se souber, por um lado, que todos os dons naturais, capacidades, talentos, até mesmo o gênio, são dons luciféricos e trabalham no mundo de maneira luciferiana. a menos que sejam santificados e permeados por tudo o que pode entrar no mundo como impulso do Cristo. Tocamos em um mistério tremendamente importante da evolução da humanidade moderna quando apreendemos o cerne da concepção do Natal e chamamos a atenção para o fato de que o Cristo deve ser compreendido e sentido pelos homens em seus corações para que permaneçam como Novos. Testam os seres humanos diante de Cristo e dizem: “Além da inclinação da criança, sua aspiração, à igualdade, fui dotado de várias capacidades e talentos. Mas podem levar permanentemente a bons resultados, ao bem-estar da humanidade, apenas desde que esses dons, esses talentos, são dedicados ao serviço de Cristo Jesus; somente se o ser humano se esforçar para permear toda a sua natureza com o Cristo, a fim de que os dons, talentos e gênios humanos sejam libertados das garras de Lúcifer. ”
O coração permeado pelo Cristo tira de Lúcifer o que funciona de outra forma Lucifericamente na existência física do homem. Esse pensamento deve influenciar poderosamente a evolução futura da alma humana. Este é o pensamento do Novo Natal, a nova anunciação da influência de Cristo em nossas almas, trazendo a transformação do Luciférico – que não entra em nós porque caminhamos fora do espírito, mas se encontra em nós porque estamos vestidos com um corpo físico impregnado de sangue que nos confere capacidades derivadas da linha da hereditariedade. Dentro da corrente Luciférica, dentro daquela que opera na corrente da hereditariedade, essas características aparecem, mas elas devem ser conquistadas e dominadas durante a vida física por aquilo que o ser humano pode sentir em conexão com o impulso de Cristo,
“Dirige-te, ó cristão, ao pensamento do Natal” – assim fala o novo Cristianismo – “e põe ali sobre o altar erguido para o Natal todas as diferenciações que recebeste do teu sangue como ser humano, e santifica as tuas capacidades, santifica seus dons, santifique até mesmo o seu gênio ao vê-lo iluminado pela luz que vem da árvore de Natal. ”
A nova anunciação do espírito deve falar uma nova linguagem, e não devemos ser mudos e desatentos à nova revelação do espírito que nos fala nesta época profundamente séria em que vivemos. Quando somos sensíveis a tais pensamentos, estamos vivendo com a força com que o homem deve viver neste tempo, a fim de cumprir os grandes deveres que devem ser atribuídos à humanidade nesta época. Deve-se experimentar toda a gravidade do pensamento de Natal: que em nossos dias deve entrar na consciência desperta da humanidade o que o Cristo quis dizer aos homens ao proferir as palavras: o Reino dos Céus. ” O pensamento de igualdade que a criança manifesta, se olharmos para ela da maneira certa, não é condenada de falsidade por causa dessas palavras, pois aquele Menino cujo nascimento comemoramos na véspera de Natal, proclama ao ser humano, no decurso da sua evolução ao longo da história do mundo – revelando pensamentos sempre novos – de forma clara e distinta, que os dons diferenciadores que possuímos devem ser colocados à luz do Cristo que animou esta Criança; que tudo o que esses dons diferenciadores trazem dentro de nós, seres humanos, deve ser colocado sobre o altar desta Criança.
Você pode agora perguntar sob a inspiração do pensamento de Natal: “Como posso experimentar o impulso de Cristo em minha própria alma?” Infelizmente, esse pensamento costuma ser um fardo pesado no coração dos homens.
Agora, meus queridos amigos, aquilo que podemos chamar de impulso de Cristo não se enraíza em nossas almas em um momento, de maneira imediata e tempestuosa. E em diferentes idades ele se enraíza de maneira diferente no homem. Em nossos dias, o homem deve incorporar em si mesmo, em plena consciência desperta, os pensamentos cósmicos que foram transmitidos de maneira gagueira pelo conhecimento espiritual orientado pela Antroposofia, à qual pertencemos. À medida que esses pensamentos são proclamados a ele – desde que ele realmente os compreenda – eles podem despertar nele a certeza de que a nova revelação , o novo impulso de Cristo de nossa época, realmente entra nele nas asas desses pensamentos. E tal pessoa sentirá o novo impulso se ao menos prestar atenção a ele.
Esforce-se, no sentido em que pretendemos, na realidade viva e apropriada à nossa época, tomar para si os pensamentos espirituais da direção do mundo; procurem tomá-los para dentro de vocês mesmos, não como mero ensino, não meramente como teoria – procure assim embebê-los para que movam suas almas até suas próprias profundezas, aquecendo, iluminando, permeando-os – que os carregue vivos dentro de você. Procure sentir esses pensamentos tão intensamente que eles se tornem para você algo que parece passar do seu corpo para a sua alma e mudar o seu próprio corpo. Procure tirar desses pensamentos todas as abstrações, qualquer coisa teórica. Esforce-se para descobrir por si mesmo que esses pensamentos constituem um verdadeiro alimento para a alma. Procure descobrir por si mesmo que, com esses pensamentos, não apenas os pensamentos entram em sua alma, mas a vida espiritual que vem do mundo espiritual.
Entre na mais íntima união interior com esses pensamentos e você observará três coisas. Você observará que esses pensamentos gradualmente eliminam algo de dentro de você, que aparece tão claramente nos corações humanos em nossa era da alma da consciência: que esses pensamentos, como quer que sejam expressos, eliminam a busca pessoal da alma humana. Quando vocês começarem a perceber que esses pensamentos matam o egoísmo, destroem a força do egoísmo, vocês então, meus queridos amigos, perceberam o caráter permeado por Cristo do pensamento espiritual guiado pela Antroposofia.
Em segundo lugar, quando você observa que, no momento em que a mentira se aproxima de você em qualquer lugar do mundo, não importa se você mesmo é tentado a ser muito descuidado com a verdade ou se a mentira se aproxima de você de outra direção – se você observar isso no momento em que a mentira entra na esfera da sua vida, um impulso se faz sentir por você, avisando-o, apontando para a verdade, um impulso que não permitirá que a mentira entre em sua vida, sempre advertindo-o e impelindo-o a se apegar à verdade, então você sente, em contraste com a vida de hoje, tão fortemente inclinado para a mera aparência, o impulso vivo do Cristo. Ninguém achará fácil mentir na presença de pensamentos espirituais guiados pela Antroposofia, ou não ter qualquer sentimento de mera aparência e inverdade. Um sinal que indica o seu caminho para o sentido da verdade – à parte de todos os outros conhecimentos – você sentirá nos pensamentos da nova revelação de Cristo. Quando, meus queridos amigos, vocês tiverem alcançado o ponto em que não se esforçam por uma mera compreensão teórica da ciência espiritual, como esta é buscada em relação a qualquer outra ciência, mas quando vocês atingirem o estágio em que os pensamentos assim os penetram que você diga a si mesmo: “Quando esses pensamentos se tornam intimamente unidos à minha alma, é como se uma força da consciência estivesse ao meu lado me advertindo, apontando-me para a verdade,” – então você terá encontrado o impulso de Cristo na segunda forma .
Em terceiro lugar, quando você sente que algo flui desses pensamentos que atua até mesmo no seu corpo, mas especialmente na alma, vencendo a doença, tornando o ser humano saudável e vital, quando você sente o poder rejuvenescedor e revigorante desses pensamentos, o adversário da doença, então você terá sentido a terceira parte do impulso de Cristo nesses pensamentos. Pois este é o objetivo pelo qual a humanidade se esforça por meio da nova sabedoria, no novo espírito – encontrar no próprio espírito o poder de superar a busca de si mesmo: superar a busca de si mesma por meio do amor, a mera aparência da vida pela verdade, a força da doença por meio de pensamentos doadores de saúde que nos trazem em uníssono imediato com as harmonias do universo, porque eles fluem das harmonias do universo.
Nem tudo o que foi indicado pode ser alcançado no momento, pois o homem traz dentro de si uma herança ancestral. É uma mera falta de compreensão quando um político como a Ciência Cristã distorce em uma caricatura o pensamento do poder de cura do espírito. No entanto, embora nossa herança ancestral torne impossível para o pensamento se tornar suficientemente potente no presente para alcançar o que o ser humano anseia por alcançar – talvez, por um motivo egoísta -, o pensamento possui poder de cura. Em tais coisas, o pensamento humano está sempre pervertido. Alguém que entende essas coisas pode dizer a você que certos pensamentos dão saúde, e a pessoa que ouve isso pode em um determinado momento ser afetada por esta ou aquela doença. Na verdade, meus queridos amigos, o fato de que no momento não podemos ser aliviados de todas as doenças pelo mero poder do pensamento é devido a uma herança antiga. Mas você é capaz de dizer que doenças o teriam acometido se não tivesse possuído os pensamentos? Você poderia dizer que sua vida teria passado com o seu atual grau de saúde se você não tivesse esses pensamentos? No caso de uma pessoa que se aplicou à ciência espiritual orientada pela Antroposofia e que morre aos 45 anos, você pode provar que, sem esses pensamentos, ela não teria morrido aos 42 ou 40 anos? Os seres humanos tendem sempre a pensar na direção errada quando lidam com esses pensamentos. Eles direcionam sua atenção para o que não pode ser concedido a eles por causa de seu carma, mas não prestam atenção ao que é concedido a eles por causa de seu carma. Mas se, apesar de tudo contraditório no mundo físico externo, você dirige seu olhar com o poder da confiança interior que você adquiriu através da familiaridade íntima com os pensamentos da ciência espiritual, você então começa a sentir o poder de cura, um poder de cura que penetra até mesmo no corpo físico, refrescando, rejuvenescendo – o terceiro elemento, que o Cristo como o Curador traz com suas revelações incessantes na alma humana.
Queridos amigos, quisemos entrar mais profundamente no pensamento do Natal, tão intimamente ligado ao mistério do nascimento humano. O que é revelado a nós hoje fora do espírito como a extensão contínua do pensamento de Natal que desejamos apresentar em breve esboço antes de nossas mentes. Podemos sentir que dá força e apoio às nossas vidas. Podemos sentir que ela nos coloca em meio aos impulsos da evolução cósmica, aconteça o que acontecer, para que possamos nos sentir em uníssono com esses impulsos divinos na evolução do mundo; que podemos entendê-los e extrair poder para nossa vontade desse entendimento e luz para nossa vida de pensamento. O homem está evoluindo; seria errado negar essa evolução. O único caminho certo é seguir em frente com essa evolução.
Além disso, Cristo declarou: “Estou sempre convosco, até ao fim do mundo”. Esta não é uma frase; é verdade. Cristo se revelou não apenas nos Evangelhos; Cristo está conosco; Cristo se revela continuamente. Devemos ter ouvidos para ouvir o que Ele está sempre revelando na era moderna. A fraqueza nos vencerá se não tivermos fé nessas novas revelações; mas a força será nossa se tivermos tal fé.
A força virá sobre nós se tivermos fé nas novas revelações, mesmo que elas falem sobre o sofrimento e infortúnio aparentemente contraditórios da vida. Com nossas próprias almas, passamos por repetidas vidas terrenas durante as quais nosso destino vem a ser cumprido. Mesmo esse pensamento, que nos capacita a sentir o espiritual por trás da vida física externa, só podemos perceber quando incorporamos em nós mesmos, no sentido verdadeiramente cristão, as revelações que se sucedem umas às outras. O cristão – o verdadeiro cristão – quando está diante das velas da árvore de Natal, deve começar a trabalhar com os pensamentos fortalecedores que podem vir a ele hoje a partir da nova revelação cósmica, para dar força à sua vontade, iluminação para sua vida de pensamento. E o seu sentimento deve ser tal que a força e a luz deste pensamento lhe permitam, no decorrer do ano cristão, aproximar-se daquele outro pensamento que admoesta o mistério da morte – o pensamento pascal, que traz a experiência final da vida terrena do homem antes de nossas almas como uma experiência espiritual. Pois sentiremos o Cristo mais e mais se formos capazes de colocar nossa própria existência na relação correta com a Sua existência. O Rosacruz medieval, unindo seu pensamento ao Cristianismo, declarou: Ex deo nascimur ; em Christo morimur ; per spiritum sanctum reviviscinius . Do Divino nascemos enquanto nos contemplamos como seres humanos aqui no globo terrestre. Em Cristo morremos. No Espírito Santo seremos novamente despertados. Isso realmente pertence a nossa vida, nossa vida humana. Se desviarmos nosso olhar de nossa vida para a vida de Cristo, então o que é representado em nossa vida é um reflexo espelhado. Do Divino nascemos; em Cristo morremos; no Espírito Santo seremos novamente despertados. Este ditado, que é verdadeiro para nosso irmão primogênito, o Cristo que vive em nosso meio, podemos afirmar que devemos sentir que é o Cristo-verdade que irradia Dele e se reflete em nossa natureza humana: Do Espírito Ele foi gerado – como isto é representado no Evangelho de Lucas no símbolo da pomba que desce – do Espírito Ele foi gerado; no corpo humano Ele morreu; no Divino Ele ressuscitará.
Verdades que são eternas podemos levar em nós mesmos no caminho certo somente quando os vemos em sua reflexão contemporânea – não transformado em algo absoluto, fez resumo em um único Formato. E se nos sentimos como seres humanos, não apenas em sentido abstrato, mas como seres humanos existindo de fato em um determinado tempo em que é nosso dever agir e pensar em harmonia com este tempo, então procuraremos compreender o Cristo, que está conosco sempre até o fim do mundo, em sua linguagem contemporânea como Ele nos ensina e nos dá luz sobre o pensamento natalino, nos enchendo com a força do pensamento natalino. Teremos o desejo de receber este Cristo em nossa nova linguagem. Pois o Cristo deve se tornar intimamente relacionado a nós. Então seremos capacitados a cumprir em nós mesmos a verdadeira missão de Cristo no globo terrestre e além da morte. O ser humano em cada época deve acolher o Cristo em si na sua maneira. Este tem sido o sentimento do ser humano ao olhar bem os dois grandes pilares do espírito: o pensamento do Natal e o pensamento da Páscoa. Assim, o profundo místico alemão, o Silésia, Angelus Silesius, contemplando o pensamento do Natal, declarou:
Se Cristo nascer mil vezes em Belém,
e não em ti, então ainda estarias abandonado.
E, contemplando o pensamento pascal, disse:
A cruz do Gólgota deve ser erguida em ti
Antes de teu pecado, seu poder te libertará.
Verdadeiramente, o Cristo deve viver em nós, pois não somos seres humanos em sentido absoluto, mas seres humanos de uma época determinada. O Cristo deve nascer dentro de nós segundo o som de Suas palavras em nossa época. Devemos buscar fazer nascer o Cristo dentro de nós, para nosso fortalecimento, para nossa iluminação, pois Ele tem permanecido conosco até agora, pois Ele permanecerá com a humanidade por todos os tempos até o fim dos tempos terrestres, como Ele deseja agora nascer em nossas almas. Ou seja, se buscarmos experimentar o nascimento de Cristo dentro de nós em nossa época, à medida que esse evento se torna uma luz e um poder em nossas almas – o poder eterno e a vida eterna entrando no tempo – então contemplamos da maneira verdadeira o histórico nascimento de Cristo em Belém e sua contrapartida em nossas próprias almas.
Se Cristo nascer mil vezes em Belém,
e não em ti, então ainda estarias desamparado.
À medida que Ele cria o impulso em nossos corações hoje para olhar para Seu nascimento – Seu nascimento em eventos humanos, Seu nascimento em nossas próprias almas – assim aprofundamos o pensamento de Natal dentro de nós. E então olhamos para aquela noite de consagração que devemos sentir chegando a passar dentro de nós para o fortalecimento e iluminação dos seres humanos para a resistência de muitos males e tristezas que eles tiveram que viver e ainda terão que viver. .
“Meu Reino”, disse Cristo, “não é deste mundo”. É um ditado que nos desafia, se olharmos para o Seu nascimento da maneira certa, a encontrar dentro de nós o caminho para o Reino onde Ele habita para nos dar forças, onde habita para nos dar luz em meio às nossas trevas e desamparo através do impulsos vindos do mundo de que Ele mesmo falou, dos quais o Seu aparecimento no Natal será sempre uma manifestação. “Meu reino não é deste mundo.” Mas Ele trouxe esse Reino a este mundo, para que possamos sempre encontrar força, conforto, confiança e esperança neste Reino em todas as circunstâncias da vida, se apenas formos a Ele, levando a sério Suas palavras – tais palavras como estas:
“A menos que se tornem como crianças, não entrarão no Reino dos Céus .”
Rudolf Steiner – GA 187 – Palestra de Natal, Basel, 22 de dezembro de 1918
PREPARO PARA O NATAL (IMPULSOS INTERIORES)
Caros Amigos,
No tempo de advento procuramos nos purificar das coisas que nos tem limitado para sermos mais autênticos. Rudolf Steiner disse que na proclamação dos anjos aos pastores campo “Glória a Deus nas alturas e paz na terra para os homens de boa vontade” está expressado a presença do Buda.
Podemos entender isso como aquele que antes de Cristo tentou trazer a paz para o homem desenvolvendo uma espiritualidade de desapego com o mundo pela meditação dos oito passos elaborados abaixo.
Entendemos que a paz de Cristo já e outro, chega do outro lado do spectrum no abraçar a condição carente humana que ele levou para a cruz para ser transformada nos passos da dor e dor amor. Cristo falou que daria a paz para nos podermos estar em paz com o mundo por ele ter vencido o mundo pelo seu ato de sacrifício. Assim a fé em Cristo gera confiança no mundo afastado o atuar do medo.
Durante a época de advento temos uma oportunidade para espiritualizar –nos para que a paz de Cristo seja uma forca cada vez mais evidente em nossas vidas, e isto aconteceria da forma seguinte: contemplando os oito passos do Buda pesquisar no novo testamento como isto e expressado na vida do Cristo. Para cada semana serão feitos dois passos:
PRIMEIRA SEMANA
• Opinião Correta: O óbolo da Viúva ( Lucas 21)
• Julgamento Justo: Mulher pega em adultério
(João 8 v.1)
SEGUNDA SEMANA
• Palavra Correta
• Ação Correta
TERCEIRA SEMANA
• Tarefa e lugar Corretos
QUARTA SEMANA
• Lembrança Correta
• Contemplação Correta
Seguindo o dito que nada se consegue sem esforço. Você poderá pesquisar o evangelho para encontrar outros exemplos que refletem estas qualidades na vida de Cristo, uma tarefa de purificação na qual Você descobrira como Cristo cristianiza os passo do Buda.
Chegando o Natal, quem sabe se Você também terá encontrado um presente inesperado: A paz de Cristo no seu Coração.
Festas Cristãs
O ADVENTO PASSO A PASSO
1ª SEMANA DO ADVENTO – Reino Mineral
Presépio: pano azul, Maria, Anjo, algumas estrelas, e o caminho de velas (contar quantos dias exatos tem do primeiro domingo do advento até o dia 24. Nem sempre darão 24 dias! Coloque a quantidade certa de dias – neste ano, 2014 o primeiro domingo sera dia 30/11 = 24 velas + a vela do dia 24, que poderá ser uma vela mais especial, maior, dourada, etc) totalizando 25 velas. (procure que as crianças não vejam esta construção da estrutura do presépio. Faça na noite do sábado, após elas dormirem. De manhã do domingo, atribua ao anjo do Natal a aparição do Presépio).
Coroa de advento: velas de 4 cores – azul, vermelho, amarelo, verde
Calendário do Advento: com pedrinhas, estrelinhas, etc
• Atividade com as crianças: Fazer estrelas de papel de seda, palha, etc.
• Coroa do Advento: acender a vela azul
• Presépio: ascender a primeira vela do caminho (cantar enquanto acende a vela)
contar uma história sobre o reino mineral
Maria caminha até a primeira vela do caminho
Cantar músicas da primeira semana
• abrir o Calendário do Advento
• colocar pedrinhas no presépio
• apagar as vela (com apagador)
Os outros dias poderão repetir exatamente a mesma sequência (incluindo repetir a mesma história), ou ter uma celebração mais simples, apenas acendendo as velas do caminho enquanto canta “Advento… advento.. uma luz reluz….” abra o calendário do advento. Apague as velas.
Todos os elementos do Reino Mineral são bem vindos nesta semana: água, conchas, troncos de madeira, etc…
(Não se esqueça que a Maria caminha todos os dias, mesmo que a celebração não seja feita todos juntos. Você poderá mover a Maria durante a celebração, com as crianças, ou a noite, sem que elas vejam )
2ª SEMANA DO ADVENTO – Reino Vegetal
O Presépio amanhece com algumas plantas, musgos e mais estrelas.
• Atividade com as crianças: plantar alguma flor (talvez rosinhas) ou fazer pão, biscoitos
• Coroa do Advento: acender a vela azul e a verde
• Presépio: ascender até a oitava vela do caminho (cantar enquanto acende a vela)
contar uma história sobre o reino vegetal (sobre Rosas são bem adequadas)
Maria caminha
Cantar músicas da primeira e segunda semana
• abrir o Calendário do Advento
• colocar plantas, flores no presépio
• apagar as vela (com apagador)
Nos outros dias, pode-se regar as plantas que foram plantadas, colher flores pelos caminhos para enfeitar o presépio.
3ª SEMANA DO ADVENTO – Reino Animal
Presépio recebe: o estábulo, o boi , burrinho ao lado de Maria, mais estrelas
• Atividade com as crianças: fazer borboletas de lãzinha, ou bichinhos de cera
• Coroa do Advento: acender a vela azul, a verde e a vermelha
• Presépio: ascender até a décima quinta vela do caminho (cantar enquanto acende a vela)
contar uma história sobre o reino animal (sobre o burrinho, é bem adequada)
Maria caminha
Cantar músicas da primeira, segunda e terceira semana
• abrir o Calendário do Advento
• apagar as vela (com apagador)
Nos outros dias, colocar mais animaizinhos, ou insetos no presépio.
4ª SEMANA DO ADVENTO – Reino Humano
Presépio recebe: José ao lado de Maria, Pastores dormindo com as ovelhas, próximos ao estábulo, mais estrelas
• Atividade com as crianças: fazer vela, biscoitos confeitados
• Coroa do Advento: acender a vela azul, a verde, a vermelha e a amarela
• Presépio: ascender até a vigésima segunda vela do caminho (cantar enquanto acende a vela)
contar uma história sobre o reino humano
Maria caminha
Cantar músicas da primeira, segunda, terceira e quarta semana
• abrir o Calendário do Advento
• apagar as vela (com apagador)
NOITE DE NATAL – 24/12
Chega a Árvore de Natal (pois também é dia de Adão e Eva) que as crianças podem ajudar a enfeitar. Além dos enfeites normais pode ter rosas, maçãs e símbolos dos planetas.
• acender as velas do caminho
• Maria anda mais e chega ao estábulo
• contar história do nascimento de Jesus
• cantar as músicas da Noite de Natal (Noite Feliz, Tocam os sinos…etc)
• colocar o menino Jesus
• cantar “Vinde pastores, alegres ver Jesus….” enquanto acorda os Pastores. Aproximá-los do estábulo, com suas ovelhas
• abrir o Calendário do Advento
• se houver troca de presentes pode ser feita agora
• as velas podem ficar acesas
DIA 25
• os pastores amanhecem se retirando do estábulo
• os Reis surgem em algum lugar distante na casa (canto da escada, sala, etc)
• contar histórias do nascimento de Jesus e suas visitas
– isso deve perdurar durante as 12 Noites Santas até dia de Reis. Podemos contar histórias dos reis a partir de 01/1.
DIA 06/JAN – DIA DE REIS
• Maria amanhece com o menino no colo, com uma coroa, algumas estrelas no manto. O estábulo pode ganhar uma cobertura de algum pano dourado.
• Os Reis chegam até o menino
• Contar uma história sobre os Reis
Dia 07/JAN
A pergunta é: como tudo desaparece no dia seguinte? Tira-se tudo ou há outra solução?
Uma vez perguntado isso para a Luiza Lameirão (Pedagoga, professora de Jardim de Infância Waldorf e responsável pela formação de Professores Waldorf no Brasil) ela disse que sim: no dia 07 de janeiro o presépio desaparece completamente, sem deixar vestígios.
Festas Cristãs
ADVENTO E NATAL
A Época do Advento inicia-se logo após os dias de finados, quando estamos envolvidos com os entes falecidos, com o tempo já ido, com o passado. No Advento, dirigimo-nos ao futuro, a época vindoura, assim como se expressa a composição da palavra ADVENTO: “aquele que vem”. É uma época cheia de tradições e, aqui, vamo-nos aprofundar um pouco em alguns de seus símbolos.
No advento, deveríamos atravessar um portal enorme e silencioso: o que nos conduz do exterior, que nos rodeia, para dentro do nosso mais oculto interior. O sol, o calor, a vegetação exuberante chamam a nossa alma para fora de nós; isto está certo e correto quando ocorre na ocasião e hora certa. A alma até deve poder viver em um mundo de sensações e de beleza natural. Porém, no advento, devemos iniciar uma introspecção, uma vivência interiorizada.
Se nos interiorizarmos, haveremos de ver como nós somos e nos prepararmos para o SER que virá, sem a necessidade de usar chavões, posturas adquiridas, máscaras. Lembremo-nos do dito popular: “ouça os milagres do silêncio; a sabedoria não reside nos ruídos”.
Chegou a hora certa de contar a lenda do diabo, para quem a festa do Natal era constante razão de aborrecimento. “Se eu não conseguir acabar com esta festa, todo o ano a Humanidade vai ter novamente a visão do céu e esta saudade voltará sempre. Deste modo, não conseguirei acabar com o cristianismo”. E matutou muito; chegou a ficar pálido, mais magro e cheio de preocupações, quando, repentinamente, soube o que fazer! E o que foi? Inventou a febre natalina! O comerciante PRECISA lucrar. Eis que surgem os dias “dourados”. E ao anoitecer da data máxima da cristandade, o homem está acabado; talvez ainda consiga contar seu dinheiro… e provavelmente precisará ter um longo sono! A dona da casa, porém, que deve se preocupar com filhos e parentes, com todos os tios e tias, com os preparativos da casa, quase desfalece no sofá ao chegar a noite santa. “Deixem-me em paz! Não posso mais!”
Estes dois instrumentos infernais, o barulho e a pressa, amortecem em nossa alma todos aqueles sentimentos delicados e suaves que nos querem “re-ligar” à nossa origem celeste, mundo que foi perdido e esquecido.
Esta é uma das tarefas, provavelmente a mais difícil, que nos fica por tentar cumprir na época do Natal: precisamos treinar conscientemente a achar o silêncio, a compenetração e a reflexão. Não somente combatendo ruídos e interferências exteriores, porém, principalmente, tentando encontrar, ou melhor, encontrando uma ligação nova com o mundo espiritual.
Sabemos como é benéfica e cheia de paz uma contemplação prolongada do céu estrelado: sentimo-nos acalmados, mais abertos e confortados até o fundo da nossa alma. Há inúmeros versos e canções a este respeito. Este fato é como um chamado de alerta para a alma: assim como as estrelas querem iluminar a escuridão terrestre, igualmente, nós devemos achar em nossa vida terrena pontos de luz dentro de nós; devemos nos iluminar com o que achamos dentro de nós, com o que vem do mundo espiritual.
A cor que corresponde ao advento é o azul, como a do manto de Maria e ele simboliza a vontade que temos de nos ligarmos novamente com a nossa origem. O azul representa a escuridão que foi permeada de luz. Este azul é a cor do terreno que deve envolver o espiritual, assim como o manto azul de Maria envolve o espírito vindouro, a criança , o germinar celestial que está por vir.
Conseguiremos iluminar-nos interiormente? Conseguiremos que nossa alma possa manifestar sua luz e, com isto, transformar a escuridão em luminosidade? Vejamos, pois,o símbolo da TRANSPARÊNCIA.
Esta é uma forma muito profunda para demonstrar-nos o que nossa alma pode ser: uma iluminação que vem do nosso interior. Podemos comparar cada ser humano com uma transparência que ele mesmo fez de si próprio – com suas peculiaridades, suas dificuldades e seus dons, cada um, dentro do que pode ou quis, recortou, colou, tirou ou adicionou seu papel de seda ou retalhinho colorido. Todos ainda sem a luz interior um mais harmonioso, outro pouco chamativo, mas cada um bem individual, bem “ele mesmo.” Porém, ao acender, as velas de cada um sairá luminosidade, cada um, sem exceção, será iluminado, nenhum ficará esquecido ou precisará de luz quando a vela o iluminar de dentro para fora.
Se observarmos um vitral na janela de igrejas, a impressão será bem diferente daquele que teremos ao ver uma foto, por melhor que seja, desse mesmo vitral. É o segredo é a magia da iluminação através de algo, da transparência. A transparência deixa isto bem claro: cada ser humano é um “eu” particular e original, inicialmente sem iluminação, ainda escuro. Ele precisa achar a luz interior, que é a MESMA para cada um no mundo, e com esta luz iluminar o seu próprio eu, sem ser necessário amoldar este seu “eu”! Cada individualidade deve manter ( e não esconder) o que lhe é peculiar e pessoal e isto com a luz que é igual para todos! Com esta luz, não só cada um deve trazer ao mundo o que é pessoal e seu, mas com este seu eu iluminado, deve trazer claridade ao mundo TODO!
E damos, então, o passo para o símbolo da VELA. A vela seria como a luz que brilha IGUALMENTE para todos. E é clara e quente; não uma luz ofuscante como a luz artificial e nem somente quente como o calor, mas suave no clarear e no esquentar. A vela é como deveriam ser a cabeça e o coração do homem: clara no pensar e quente no amar. E, assim como a vela se consome ao ofertar luz e calor, o ser humano também deve-se exaurir, sacrificar-se, queimando, para poder dar luz e calor a tudo e a todos!
Se perguntarmos, retrucar-nos-ão que sempre existiu a coroa do advento! E que nasceu junto com o pinheiro de Natal! Mas foi somente no início deste século vinte que ela começou a expandir-se largamente e se divulgou bastante durante o movimento juvenil dos alemães andarilhos (caminhadores, excursionistas). Eles costumavam enviar aos companheiros falecidos em combate uma coroa com velas acesas por cima de lagos e lagoas, como símbolo da viagem ao mundo do além. E, com isto, surgia uma crença e força grande para viverem esperançosos e, principalmente confortados pela fé. Levamos coroas aos túmulos dos falecidos como símbolo de um círculo vital que se completou. E, assim como a natureza que fenece transforma-se em novo crescimento, em florescer e amadurecer, igualmente, a morte do ser humano é apenas uma passagem para um mundo diferente, se contemplarmos o fato através do milagre do nascimento de Cristo.
Uma grande esperança surge-nos desta visão e todo o peão (talvez esta palavra esteja errada) que sentimos se desfaz e nos sentimos aliviados e leves. E o luto fica na terra. A coroa de flores que ficara por terra deitada no túmulo eleva-se a gravita, flutua, como que livres do seu peso físico. E se a dependurarmos abaixo do teto, será um símbolo da vida futura, que fechará seu círculo iniciado na vida física sobre a terra. A coroa, então, espelha a espera e a vinda do que a nossa alma já esta sentindo.
Suas quatro vela, acesas em seqüência de quatro domingos, cada domingo uma a mais até se queimarem todas, mostram-nos quatro direções na imensidão dos mundos, aonde os doze signos do zodíaco se fecham, também em um círculo. As quatro velas do advento são sua cruz luminosa: a cruz dos quatro evangelistas, a quem o simbolismo cristão deu, também, um signo:
Mateus – o Homem
Marcos – o Leāo
Lucas – o Touro
João – a Águia
Se as quatro velas da coroa flutuante estão acesas, o caminho para a vinda ao mundo do “Senhor dos Elementos”( como diziam os Celtas D’Aquele que está por vir) estará iluminado.
O nosso modo tradicional de colocar a árvore de Natal de pé na sala faz perder muito do simbolismo original tão abrangente. Há pessoas na Tchecoslováquia e outras regiões que se recordam de terem sido, também, as árvores penduradas como flutuantes, nos tetos. Assim, seriam um símbolo das amplidões dos mundos. No pé da árvore dependurada pendia uma maça como símbolo da terra, para a qual o milagre da luz havia acontecido. Esta terra, fruto e sinal do pecado original do tempo, vivencia do Natal o milagre da libertação e redenção pelo amor demonstrado por Deus, redimindo e elevando-nos para uma nova humanidade.
O dia 24 de Dezembro chama-se Adão e Eva e esta relação já foi praticamente esquecida. Mas até o começo do século apresentava-se neste dia a peça do paraíso e dos pastores ( o nascimento de Cristo) em Oberufer {Alemanha}, tradição que as Escolas Waldorf continuam, para a alegria de muitos *.
Este lembrar-se, este reatar dos símbolos antigos com a história da humanidade no aspecto anímico-espiritual é que nos dará todo o potencial, a base ( o “background”) que nos dias de hoje irá nos ajudar a reconhecer as forças novas que anunciam a vinda, o advento.
Festas Cristãs
ÉPOCA DE PASTORES
A Bíblia nos relata que na noite santa chegam para admirar o menino Deus os pastores do campo e os anjos do Senhor. Ambos declaram a fórmula específica que acompanha este nascimento: “revelado seja o Deus nas alturas e paz na Terra aos seres humanos que têm boa vontade”.
Para conseguir que algo maior nasça dentro de nós, não precisamos de conhecimento. Só é necessário boa vontade para conseguir “paz na terra”, ou seja, confraternização e respeito entre os homens e em relação as outras criaturas vivas do planeta.
Quando o homem decide por si mesmo que vai atuar com bom senso e boa vontade, espalhando paz na terra, os seres superiores, os anjos, assintem-no, fortalecendo essa decisão. Para fazer brotar esse Eu superior é necessária , principalmente, a qualidade do coração quente, sensível , como a dos pastores que se dirigem ao estábulo para contemplar e cumprimentar a chegada do Mestre.
Mas como não basta só ter boa vontade para caminhar pelo mundo, precisamos também de sabedoria e conhecimento, para fundir ao coração sensibilizado. Senão o caminho se torna enganoso e perigoso. É a chegada, em 6 de janeiro, dos reis magos, dos homens de sabedoria, que representa essa união entre a intuição pura dos pastores e o conhecimento secular. Representa também o fim do ciclo , que se esgotou , representado pela meta dos dez mandamentos, em um novo, onde a única lei é “amem aos outros como a si mesmo”.
Quem começa a caminhar em dezembro de cada ano desta forma, vai andar o maravilhoso percurso da transformação do conhecimento e da sabedoria na capacidade de amar sempre mais, até que a paz se estabeleça na terra. Também vai poder transformar o condicionamento do dez mandamentos: – “não pode…não deve…- na capacidade de poder ser livre para realizar o que for necessário ser realizado.
Este é o caminho da digna liberdade de agir a partir da própria força, longe das amarras do condicionamento religioso e social e consciente da própria responsabilidade. Dos atos de cada um, e unicamente deles, virão as conseqüências dos erros e dos acertos na caminhada anual.
Evelyn Scheven
CHEGANDO O NATAL…
Luzes, enfeites, presentes, mesa farta, festas, Papai Noel, o Natal de hoje se transformou num grande evento e, como as outras festas religiosas e tradicionais, tem cada vez mais se distanciado do seu verdadeiro significado. O que se vê é o materialismo e o consumismo tirando cada vez mais espaço da essência das festas anuais.
O verdadeiro espírito de Natal traz sentimentos como a fraternidade, o amor, a compaixão, a solidariedade, a simplicidade, e não acontece nas cores e brilhos externos, mas no interior de cada um. Apesar dos ruídos e interferências exteriores, das incontáveis atividades e compromissos dessa época do ano, precisamos encontrar momentos de silêncio e de reflexão, para que a comemoração do nascimento de Jesus traga-nos também a luz e o renascimento interior.
Quando se vive a preparação do Natal nas quatro semanas do Advento e se escolhe vivenciar essa festa pessoalmente, cultivando o espírito do Natal internamente, a parte mais importante da comemoração já terá sido alcançada, o dia do Natal vai ser a coroação desse acontecimento que é a reafirmação de que Cristo está na Terra, está em cada um de nós.
O ADVENTO
Advento é uma palavra latina que deriva de advir e que significa chegada, vinda, começo. É o tempo de espera e preparação para a festa maior da cristandade: a comemoração do nascimento do grande Redentor da humanidade. Para recebermos esse momento, a preparação é indispensável. Assim como quando recebemos um hóspede querido e preparamos nossa casa especialmente para recebê-lo, precisamos preparar nossa “casa interior” para momento tão importante. Isso não quer dizer que nossa casa material deve ser esquecida, esse período do ano é muito propício para a limpeza e a organização. Fazer uma faxina, passando adiante tudo que não é mais utilizado, abrindo espaço para que entre o novo, é uma ação muito importante.
O Advento não tem uma data fixa, começa quatro domingos antes do dia do Natal. Se o Natal for em um domingo, este será também o 4o Domingo do Advento.
COROA DO ADVENTO
Para marcar a passagem desse período, como também para buscar meios de cultivar o silêncio, a oração e a reflexão em família nesses dias que antecedem a comemoração do nascimento do Menino-Jesus, pode-se fazer uma Coroa do Advento.
Com ramos de algum tipo de pinheiro ou cipreste, faz-se uma coroa circular onde são presas ou apoiadas quatro velas dispostas de forma simétrica. Pode-se decorar a coroa com fitas e sementes. As velas podem ser todas da mesma cor ou então das cores azul (representando o reino mineral), verde (reino vegetal), amarela (reino animal) e vermelha (reino humano).
No primeiro domingo do advento acende-se uma vela, no segundo duas e assim por diante. No caso das velas serem coloridas, deve-se acendê-las na seguinte ordem: azul, verde, amarela e vermelha. Faz-se uma pequena cerimônia familiar em cada domingo, ou então, todos os dias do advento, acendendo a(s) vela(s) correspondente(s) àquela semana. Nessa cerimônia recomenda-se cantar músicas de Natal, contar histórias, ler trechos da Bíblia relacionados a esta época do ano, tornando o momento realmente significativo.
CALENDÁRIO DO ADVENTO
Outra tradição desta época é o Calendário do Advento, em que as crianças poderão “ver” a passagem dos dias até a chegada no Natal. Muitas são as formas de construí-lo. Pode-se fazer um quadro em que 24 janelinhas são vistas e que serão abertas uma a cada dia até o dia do Natal, e a cada dia uma surpresa, um pequeno motivo natalino descoberto. Ou então, pode-se usar um desenho natalino que ocupe uma cartolina inteira e também abrir janelas no que seria o “céu” do desenho, a cada dia a criança abre uma janelinha e descobre uma estrela dourada escondida. E ainda, com cascas de nozes ou caixinhas de fósforo decoradas pode-se fazer lindos calendários, em que a cada dia do Advento uma caixinha ou casquinha é aberta e uma surpresa descoberta, até a chegada do Natal.
PRESÉPIO
Sem dúvida não se pode esquecer da montagem do presépio, que é muito importante para as crianças, mas também para todos da casa, irem aos poucos incorporando o verdadeiro sentido do espírito natalino. O presépio deve ser montado de forma gradual, dia a dia ou semana a semana, sendo preferível manter um horário para montar o presépio e dizer às crianças que fora desse horário não podemos tocá-lo, respeitando-o. A colocação de cada elemento requer uma atitude de veneração por parte dos adultos, esta atitude será percebida pelas crianças, que sentirão alegria e calor em seus corações.
Na primeira semana apenas o cenário será montado. Procura-se um lugar tranqüilo, que pode ser uma mesa ou um cantinho da sala, e coloca-se panos de algodão ou seda de forma que fiquem muitas dobras, dando volume ao cenário. Para o céu, pendura-se um pano azul escuro, que receberá muitas estrelas, até que esteja repleto delas no dia do Natal. O chão do presépio será feito com panos marrons e verdes. Para fazer o caminho que será percorrido até a gruta ou estábulo, pedras, terra, cristais e areia são colocadas nessa primeira semana, representando o Reino Mineral.
Na segunda semana são trazidos os elementos do Reino Vegetal: musgos, folhas, galhos, raízes, sementes, troncos. Pode-se plantar alpiste em vasinhos com as crianças em meados de novembro, durante o Advento as plantinhas já terão crescido e poderão ser colocadas no presépio. Chega também a árvore de Natal que será decorada aos poucos e só na quarta semana receberá os enfeites vindos das mãos dos humanos.
Na terceira semana coloca-se a gruta ou estábulo onde nascerá Jesus, que poderá ser confeccionada com galhos, palha, cerâmica, ou outros elementos naturais. Aparecem também os representantes do Reino Animal: o burrinho e a vaca, que ficam dentro do estábulo ou gruta, e as ovelhas que ficam no pasto.
Na quarta semana aparecem as figuras humanas, representando o Reino Humano. Maria e José, acompanhados pelo burrinho, aparecem no início do caminho até a manjedoura, durante a semana vão se aproximando até que entram na estrebaria / gruta na véspera de Natal. Os pastores ficam pelos campos e também se aproximam com a chegada do Natal. O anjo acima do local de nascimento de Jesus também não pode ser esquecido. O menino Jesus, confeccionado de forma simples e com materiais naturais como lã, algodão e seda, aparece apenas no dia 25, deitado na manjedoura. Passado o Natal, os Reis Magos começam a se aproximar, até chegarem no dia 06 de janeiro ao encontro de Jesus.
Todos os elementos do presépio devem ser feitos de materiais naturais e de forma muito singela. As figuras humanas e os animais podem ser feitos em feltro, lã, algodão, seda e trazer nos detalhes muita simplicidade. Outros elementos que não foram citados (como outros animais, flores, crianças) podem entrar nesse cenário para torná-lo mais personalizado e especial para cada família, com bom senso, é claro, nunca deixando de lado o respeito e a veneração que o evento é merecedor.
SÃO NICOLAU
Durante a época do Advento é comemorado, em 06 de dezembro, o dia de São Nicolau. Este santo era um bispo que viveu nas terras onde hoje se encontra a Turquia. Há muitas histórias e lendas sobre a sua vida e também lhe são atribuídos muitos milagres. Depois de sua morte sua fama se espalhou por toda a Europa e passou a ser muito querido pelas crianças.
São várias as lendas que falam de sua bondade e de como distribuía bens aos pobres e presente às crianças. Deste santo é que se originou a imagem do Papai Noel, imagem hoje banalizada e que perdeu os sentimentos de benevolência, de bondade, de mistério e surpresa que antes carregava. Comemorar o dia de São Nicolau é uma forma de reviver essa imagem essencialmente bondosa e caridosa e que fala muito do espírito natalino.
Pelo menos uma semana antes do dia 06 de dezembro conta-se histórias de São Nicolau todos os dias para as crianças (a mais divulgada delas se encontra anexada à este texto). No dia 05 de dezembro coloca-se um sapatinho ou uma botinha de feltro no parapeito da janela, ou em baixo da árvore. Coloca-se também água e cenoura ou pasto para o cavalinho de São Nicolau, pois seu caminho é muito longo! Deixa-se uma fresta da janela ou alguma abertura para que as crianças possam ver a forma como São Nicolau vai entrar quando todos estiverem dormindo.
Na manhã seguinte as crianças encontram a água bebida, a cenoura ou o pasto comidos e no sapatinho um saquinho de papel crepom ou pano vermelho contendo uma maçã, um pão de mel, nozes, castanhas e um ramo de trigo – como na história! Como São Nicolau é muito ocupado é difícil que as crianças o vejam, pois anda muito apressado, mas certamente o galopar de seu cavalo elas escutam!
Festas Cristãs
O MANTO DE MARIA
Ó manto de Maria
proteja meu filho de todo mal
Ó manto de Maria
envie o calor do meu coração para meu filho
Ó manto de Maria
Guie os passos do meu filho na senda da verdade
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
( Anônimo )
Esta oração da Idade Média procura três elementos de proteção para ajudar o jovem a crescer: O calor do amor, o guiar os passos e o encontro com a verdade. Naquela época as pessoas tinham um relacionamento natural com os mundos superiores e a prece era o meio mais eficaz para expressar essa fé e confiança. Esta situação tem mudado bastante, pois hoje em dia temos que nos conscientizar dos problemas, para que junto conosco as forças superiores possam atuar na oração.
Os pais estão muito atentos aos perigos do mundo de fora que podem atingir seus filhos. Porém, além disso existem alguns que não se manifestam tão obviamente, mas que podem interferir no crescimento sadio do/da jovem, isto é, ‘a perda da inocência’,o avançar de vivências que deveriam ficar para um setênio futuro pois o namoro muitas vezes começa já no segundo setênio
Este fenômeno não é restrito ao Brasil senão ao mundo dos jovens em geral, onde eles estiverem. O jovem se mostra insatisfeito com as atividades que satisfazem seus pais na mesma idade, ele quer e exige vivências exuberantes; praticar esportes de alto risco é apenas uma manifestação disso. Eles procuram a liberdade emocional que se confunde com a emergência da sexualidade.
Na maioria dos casos a pergunta de como chegar a critérios adequados para lida com esta questão se resolve por meio daquilo que podemos chamar “o consensus da aula”. Os pais são cada vez mais confrontados com os pedidos e as colocações de seus filhos que por citar “o consensus da aula” exigem que desfrutem de plena liberdade de escolha, de onde, vão, com quem, e chega a tal ponto o exagero que convencem, em alguns casos, seus pais de que sua tarefa seria de ver que a vontade de seu filho seja cumprida. Claro que isto ocorre em casos extremos, porém, é como dizer: “tenho o direito de ser feliz e para que isso possa acontecer, vocês deveriam remover os obstáculos no meu caminho”…
Com esta atitude pouco a pouco desaparece a objetividade entre a criança/jovem e seus pais. Podemos perguntar como isso aconteceu?
Os pais da grande metrópoles, estão em geral ambos ausentes do lar por períodos longos pela exigência de seus trabalhos. Como não estão, o jovem imperceptivelmente transfere seu “ponto referencial” ou uma parte dele para o consensus da aula chamado “panelinha”. O “consensus da aula” sempre está querendo abrir novos campos de interesse, expandindo a atuação livre dos seus integrantes, como participar em festas sem supervisão dos pais que vão até a hora da madrugada, ou festas na praia, ou em lugares longe de casa onde se pernoita e assim em diante. O grupo começa a exercitar uma influência considerável, como monitorando como se veste, estilo, cor, quem é considerado “legal” e quem não é, assim com mil é uma metas que só eles sabem. Os integrantes formam laços emocionais e usam o grupo cada vez mais como ponto de referência para seu comportamento. Os líderes deste grupo são os mais precoces e experientes.
Uma jovem que seja talvez mais tímida, porém querendo fazer parte da “ação” se sente sob pressão para entrar no jogo do namoro, de demonstrar sua capacidade de conquistar, mesmo que ela, ao cumprir este papel, tenha de contradizer sua própria consciência, como preço de ser integrante do grupo.
São justamente estas jovens que podem perder sua inocência sem querer fazê-lo. Elas entram em uma situação desprotegida em uma situação constrangedora em que se deixam ser levadas pelo que os outros acham “legal”, perdendo assim sua inocência e possivelmente sendo arrastadas à gravidez e a um parto ou a um aborto, ambos semeando tristeza na sua jovem vida. Temos de ser conscientes e vigilantes no atuar com nossos filhos de maneira que este tipo de acidente não aconteça. Porém, essa proteção terá que vir da nossa fé que eles podem sentir como uma força protetora também.
A celebração das épocas do ano cristão deveria nos trazer ajuda para refletir sobre as realidades práticas de nossas vidas. Que neste Advento a Virgem Maria possa nos transmitir os valores da inocência, da pureza, como foram sua condição para poder ser portadora do seu filho Jesus, o filho de Deus.
Queremos que essa qualidade seja preservada em nossos filhos para que eles possam ser portadores da flor da juventude e que em seu tempo amadureça na alma a capacidade de amor que se revela no encontro daquele que esperava aparecer no destino.
Como podemos proteger esta flor?
Pelo fato de estabelecer nos com o ponto referencial principal dos nossos filhos pelo fato de eles serem a coisa mais importante que temos. Este fato terá que ser manifestado pela presença do pai ao lado do seu filho, como pai, companheiro, amigo e guia. A época de Advento é um momento para os pais contemplarem se o seu manto de proteção é pequeno de mais, ou está cobrindo por completo seu filho amado. Se não estiver cobrindo, ali temos que ver que só com sacrifício restabeleceremos estas prioridades, sacrificar tempo, até trabalho para poder desfrutar deste relacionamento divino, pois a inocência de seu filho vem de Deus e toca as cordas da ternura em seu coração.
Agora estamos em condições de fazer a oração com toda convicção.
Ó manto de Maria
proteja meu filho de todo mal
Ó manto de Maria
envie o calor do meu coração para meu filho.
Ó manto de Maria
guie os passos do meu filho na senda da verdade
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo!
Douglas Thackray
Comunidade dos Cristãos
A ATITUDE DE ALMA DE MARIA
Na história da humanidade há uma figura, na qual a atitude e a mentalidade própria do Avento se nos defronta como que personificada: é Maria. Ela é o ser humano que pôde preparar o corpo para o Redentor que estava vindo. Para ele Maria estava de “boa esperança”, a espera advêntica para ela foi um fato corpóreo. Ela cuidou de germe que devia vir á luz do mundo.
Mas Maria é também uma alma advêntica. Isto verifica com maravilhosa nitidez no evangelho de Lucas, o qual, aliás, é o evangelista de Maria. Aprofundar-se na questão da atitude da alma de Maria corresponde ao caráter da época de Advento. Assim como Maria se tornou o envoltório protetor do menino Jesus, assim a época de advento quer ensinar ao homem a preparar sua alma para se+r envoltório do Cristo. Como deve ser minha alma para poder ter esperança de nela nascer o homem superior, o homem-espírito? Como minha alma deve conduzir-se, como deve agir para que o “Filho do Homem” possa nela manifestar-se? O que ela tem que fazer, como ela tem que ser para que o Filho de Deus possa nela revelar-se? Olhar para a atitude da alma de Maria pode dar respostas a essas perguntas.
O evangelho de Lucas primeiro descreve a anunciação do nascimento de Jesus pelo anjo Gabriel. Como o evangelho caracteriza a alma de Maria? O que ela faz? Como ela se conduz? Dos dizeres do evangelho (Cap.1, 29-38) depreendem-se os seguintes modos de conduta: Maria é
• a que se assusta com a palavra( ela fica confusa, atônica, perplexa)
• a que reflete sobre a palavra ( ela pondera, medita, pensa)
• a que pergunta ao anjo ( ela interpela o anjo)
• a que se submete á palavra do anjo ( ela se entrega á vontade de Deus)
A alma de Maria fica perplexa com a palavra do anjo. Ela se deixa tocar e abalar pela vivência supra-sensível, não permanece fria e fechada perante tal vivência. Ser inabalável nem sempre é uma virtude, pode indicar endurecimento e insensibilidade. Quem não se emociona com nada, não tem nem possibilidade de evoluir e nem futuro. Maria está aberta perante o mundo espiritual. Não traz couraça com torno da alma que a feche para o Espírito. Ela se expõe ás forças e aos seres supra-sensíveis, não lhe opõe resistência e reserva. Por isso o Espírito consegue penetrá-la, falar-lhe poderosamente. Inicialmente ela não estava á altura desse falar e nela prevalecia uma certa confusão, até mesmo medo.
Ela treme sob o bafejo do mundo divino. Ela é como um instrumento de cordas que sob a mão do tocador treme e vibra. Uma atitude contrária mostraria uma alma que diante da palavra do espírito permanece endurecida em si mesma, surda e não-receptiva. A alma de Maria pode ser abalada. Ela não permanece em preguiçosa apatia e insensibilidade. Depois que Maria, em certa camada de sua alma, superou o assustar-se, uma outra faculdade nela se faz valer: o pensar, a reflexão; ela (consigo) “refletiu, que saudação seria aquela”. Superando o sentimento de susto, passa a atuar a força do pensamento com a qual procura assimilar a vivência. Para além da alma que sente, entra em ação a alma pensante, a razão. A alma de Maria é também pensadora. Pensando, ela quer obter clareza sobre a vivência espiritual, pensando, ela quer dominar a confusão em que a colocou o encontro com o anjo. Ao fazê-lo, o anjo pode, então, revelar o nascimento do filho Jesus, que será chamado Filho do altíssimo.
Em seguida, Maria ergue-se para uma ação arrojada. Ela ousa perguntar ao anjo: “Como pode ser isto, se não conheço homem algum?” (1,34). Podemos dizer que se tratou de uma audaciosa interpelação, pois foi necessária uma grande coragem e força interior, levantar-se para uma palavra própria diante do poderoso arcanjo. Maria consegue ter a força de alma de colocar uma questão de cognição no âmbito da vida supra-sensível. Ela não é das almas resignadas que acreditam em limites do conhecer, porém crê corajosamente que para a alma que pergunta possam fluir respostas do mundo dos espíritos, capazes de esclarecer e solucionar os enigmas da vida. A alma de Maria crê no conhecimento. Perguntando audaciosamente, seu empenho cognitivo se dirige ao supra-sensível. Ela não pode permanecer parada com a simples anunciação do mundo espiritual, porém ousa perguntar como pode ser. Ela quer entender, quer saber, com humana força de consciência ela quer compreender como a palavra do anjo deve ser recebida e traduzir a relação do supra-sensível para o pensar humano. Ela não recebe a revelação com fé cega. E o anjo atende e diz sim ao seu audacioso empenho por conhecer. Á sua pergunta ele responde: ”O Espírito Santo virá sobre ti…”. O Espírito Santo ilumina a sua alma que luta por consciência. Ele satisfaz seu anseio cognitivo, sua sede de saber. Maria experimenta a verdade, que a satisfaz seu anseio cognitivo, sua sede de saber. Maria experimenta a verdade, que a satisfaz no fundo do seu íntimo: “Nenhuma palavra que vem de Deus será sem força” (1,37). Impulsos espirituais autênticos se impõem, alcançam sua meta. Segurar isto no íntimo denomina-se crer. Por isso, mais tarde Elisabeth exclama: ”E bem-aventurada é a que creu no cumprimento daquilo que lhe foi falado da parte do Senhor”, (1,45). Um impulso proveniente do Espírito encontrará conclusão, realização. Com esta verdade permeia-se totalmente a alma de Maria.
Assim que a vivência espiritual pôde, então, desembocar nas palavras de total submissão á vontade de Deus: “Maria porém disse: Vê, eu sou a serva do Senhor; aconteça a mim conforme a tua palavra”, (1,38). Não é uma submissão cega, pois sua alma obteve esclarecimento do mundo espiritual. Ela se une á vontade do Espírito, porque sabe. Profunda paz agora nela opera, mas essa paz, essa comunhão com a vontade divina foi antecedida por uma luta interior, por um drama íntimo. Maria atravessou o susto, a reflexão, o perguntar, para finalmente unir-se nas profundezas íntimas com a vontade de Deus, expressa pela palavra do anjo. Ela se mostrou: abalável, pensativa, crente na cognição, submissa a Deus.
Com estas quatro faculdades a alma de Maria é, também, modelo para o homem de atualidade. São forças de Advento. Se as nutrirmos e cuidarmos, farão da nossa alma a morada d’Aquele que vem.
Willi Nuesch
Comunidade dos Cristãos
NA ESPERA DO HOMEM NOVO
O curso do ano cristão inicia-se com o primeiro Domingo de Advento. O Advento desperta em nossa alma as forças da esperança, da expectativa, da abertura para o futuro. O ano velho passou novos germes querem brotar. O velho deixou para trás toda a sorte de coisas endurecidas, lenhosas, calejadas. Sofremos com as unilateralidades e mesquinhezas da nossa natureza. Agora podemos, enfim, deixar para trás o passado e ter esperanças pelo rejuvenescimento do nosso ser. O advento que como que nos envolver no manto azul da benevolência divina, da bondade divina. Ainda outra vez tudo será bom. O homem pode ter esperanças por uma fonte de juventude de onde lhe advirá refrigério para todo seu ser. Advento nos faz crer no que está germinando, vindo a ser. Nossa esperança é pelo homem novo.
Como uma mãe gestante traz em si o germe do homem, como ela está na espera, na “boa esperança”, assim a humanidade vive hoje na espera do homem superior. Nunca antes o nascimento desse homem foi tão urgentemente necessário como hoje. Todas as nossas condições e circunstâncias estão se aguçando no sentido desse nascimento.
Elas estão se aguçando no sentido do aparecimento do “Filho do homem”. Do homem antigo e egoísta deve surgir o homem superior, abnegado. Aonde levam as ações, ou melhor, as más ações do “si mesmo” inferior, atualmente está se mostrando com nitidez nunca vista. Onde impera o puro desejo de poder, de usufruir e possuir, espalhar-se a destruição e a derrocada. Em toda parte, hoje, se fala de proteção ao meio ambiente. Contra o quê temos que proteger o meio ambiente? Contra o quê temos que proteger nossos concidadãos e as outras criaturas? A resposta é contundente: contra nós mesmos. O meu ambiente tem que ser protegido contra aquele que eu infelizmente ainda sou. Como poderá ser solucionada essa questão vital da humanidade? Certamente pelo único meio, que é a superação do homem inferior, sua substituição pelo superior. A questão mais importante da humanidade hoje é uma questão de advento. Ela diz: como pode surgir o ser superior, espiritual do homem? Como pode alcançar domínio sobre o homem natural? Em todos os âmbitos da existência hoje, urge o aparecimento (a parusia) do homem-espírito. As atuais tribulações e pressões querem incentivar seu nascimento, querem como que pressionar o homem inferior a parir o superior. As tribulações são as dores de parto em que se acha a humanidade, as dores que antecedem o aparecimento mais forte e mais claro do Cristo. É ele que quer vir com força e luz (Dynamis e Doxa). E se não o deixarmos estar presente nos nossos assuntos humanos, não haverá soluções verdadeiras. O ponto de partida não está em algum lugar, mas somente a paulatina formação do homem novo, do verdadeiro Homem, trará ajuda. Por isso o ponto de partida do nosso culto principal, que leva a denominação de Ato de Consagração do Homem, é o certo. Somente uma desmontagem paulatina do egoísmo em nossa natureza, somente o raiar do amor ao homem e a Deus dentro de nós como sendo nosso verdadeiro ser, suscitará a necessária mudança.
Como uma mãe gestante pode sentir feliz e venturosa em vista de ser que está para vir, assim também o Advento nos envolve em um manto de esperança e confiança. Mas tal como as dores antecedem o nascimento de uma criança, assim também o renascimento do homem está ligado a dores. De modo que no sentimento de advento, a esperança alegre pela renovação mistura-se ao sofrer as tribulações que antecedem o nascimento do ser crístico em nossa alma. Não deve4ríamos aceitar a tribulação, uma vez que assim se configura o que há d grande em nosso ser e essa grandeza só pode fazer morada em nós porque nossa natureza antiga e endurecida se torna mais solta e quebra? Nossas dores apenas são a expressão do sol de Cristo que está nascendo.
Podemos nos apoiar em duas palavras do Novo Testamento. Primeiro, a palavra de Cristo, quando diz: “quando a mulher dá a luz, tem que sofrer dores, porque sua hora chegou; mas depois a criança nasce, ela não se lembra mais da tribulação, por causa da alegria de um homem ter vindo ao mundo” (Jô. 16, 21). Depois, a palavra de Paulo: “pois eu tenho para mim que os sofrimentos do tempo presente nada significam em comparação com a glória vindoura que em nós será revelada” (ROM. 8, 18)
Willi Nuesch
Comunidade dos Cristãos
O ARCO NAS NUVENS
Na época do advento é comum as nuvens se juntarem e aos poucos cobrirem o azul do céu. O vento fica mais forte, e depois que se torna uma verdadeira tempestade também vem à chuva. Mas sempre ainda existe a possibilidade da luz do sol aparecer. E quando nós, humanos, contemplamos o resultado do jogo da luz com a chuva, então vemos um arco-íris, o arco-íris que nos fala da força atuante da luz, mesmo quando há nuvens escuras. Na Antiguidade via-se o arco-íris sempre como uma dádiva dos deuses que suscitava esperança. Um arco-íris era, para os que avistavam, um bom presságio para o futuro.
Que a época em que vivemos pode ser considerada como tempestuosa, de há muito se tornou lugar-comum. A tempestade é, efetivamente, a imagem mais acertada para os acontecimentos histórico-universais do nosso século. Uma ventania que quer por tudo em movimento, ruge através dos destinos de homens e povos. Em toda parte acumulam-se nuvens, e na escuridão os homens têm dificuldades para ver e para entender o que se passa no mundo.
Tudo isso, no entanto, são sinais espirituais, sinais pelos quais podemos reconhecer a aproximação do reino de Deus e as mudanças que por isso acontecem no mundo. A volta de Cristo em nosso tempo acontece das nuvens espirituais, tal como a chuva vem do céu quando a terra dela necessita. E ninguém pode escapar da tempestade que acompanha essa chuva.
Mas para cada um, fica aberta a oportunidade de entender essa tempestade. Nós devemos os ser colocados em movimento, a fim de pensar, a fim de compreender. A tempestade que atua no destino de cada um, a chuva que atinge cada vida humana, falam da atuação do Cristo, da qual podemos assim nos conscientizar. É uma revelação do Logos universal, uma manifestação da palavra universal.
A palavra universal, o Logos, aliás, se manifesta no íntimo do homem. Pois a palavra “Lógica” vem da palavra “Logos”. Na lógica humana, ou seja, em nosso puro pensar age sempre algo divino, o Logos de Deus. E para entender nosso destino por meio do empenho pensante, trazemos a luz do nosso pensamento para dentro da nossa consciência. Através desse empenho podemos iluminar os tempestuosos acontecimentos do nosso tempo com a luz da nossa faculdade de pensar. Então, em nossa consciência se encontram, vinda do exterior, a chuva da volta de cristo, e do interior, a luz do nosso pensamento. Com esse intercâmbio pode surgir em nós um arco de cores. Então vivenciamos um arco-íris de ordem mais elevada, um arco cujas cores luminosas nos dão força para estarmos á altura da nossa época. Do violeta recebemos a força para a devoção. No índigo achamos forças para sermos dignos das nossas verdadeiras tarefas. O azul nos proporciona a tranqüilidade que em nosso tempo é indispensável. O verde nos ajuda a tornar-nos equilibrados. Amarelo e laranja querem derramar luz e calor em um mundo ameaçado pela frieza. Mas o vermelho nos dá o entusiasmo e a coragem para defrontar nosso destino e o destino do mundo, aceitá-los positivamente e transformá-los.
James H. Hindes
Comunidade dos Cristãos
O ARCO-ÍRIS, UM MISTÉRIO DO ADVENTO
O arco-íris é uma das manifestações mais maravilhosas que a natureza produz. A criança contempla toda encantada e também para o adulto do nosso presente ele não deixe de ser tocante.
O arco-íris é uma imagem geral humana, luzindo por sobre justos e injustos, falando ao puro sentimento humano independentemente de povos e raças. Sentimo-nos melhores e elevados, e fortalecidos em nossa confiança no mundo, sempre que sobre um, banco escuro de nuvens vemos estendido o reconciliador arco de cores. Nele, a luz e a treva se interpenetram, levando ambas a harmonizar-se, criando um espelho onde, em beleza singela, se refletem profundos mistérios da vida. E a cada vez suas cores brilham magníficas como nos primórdios da criação.
Não é de se admirar que os povos de todos os tempos tenham visto no arco-íris um sinal dos deuses. Se abrirmos o Antigo Testamento, no capítulo 9 do Gênesis, lemos sobre o “sinal da aliança” que Jeová estabeleceu após o dilúvio. E Jeová falou: ”Assentei meu arco nas nuvens; ele deve ser sinal de aliança entre mim e a terra. E quando acontecer de eu conduzir nuvens por sobre a terra, será visto meu arco nas nuvens. Então lembrarei da aliança entre mim e vós e todas as almas viventes”.
Se olharmos para o arco-íris com os olhos dos antigos gregos, precisamos estar especialmente abertos para sua natureza cromática, seu esplendor e sua plenitude de cores. Ele era para os gregos a fonte de onde os deuses alimentavam a terra com cores. Nele, se constituía toda manifestação colorida que de maneira tão diversificada se encontra difundida pela terra. Onde o arco-íris toca a terra, por ali suas cores jorram para ela, assim pensavam eles. Ele era a paleta líquida dos deuses, da qual todas as coisas obtinham sua cor.
Para os antigos germanos o arco-íris era a ponte que levava ao Walhalla. As almas bem-aventuradas dos guerreiros de escol que habitavam o Walhalla, cavalgavam por ele para a terra, através dele os heróis tombados na luta alcançam o castelo dos deuses. Bem alto, ele se estendia por sobre a existência comum, simbolizando o fato de que Deus e o homem não estão separados para sempre.
As três imagens lendárias dão prova da crença na natureza divina da luz, que se revela no arco de cores e mostra sua amplitude. Todas as três contêm um maravilhoso cerne de verdade. O mesmo Deus que fala ao ouvido do homem: Eu sou o A e o O, – a soma e o resumo de todos os sons, a palavra universal, o Logos – fala também aos olhos do homem: Vê, Eu sou o vermelho e o azul – soma e resumo de todas as manifestações coloridas, a luz universal. No formar-se e extinguir-se o arco-íris, é a palavra de mistérios de Deus: Vê, Eu sou o A e o O, traduzida para a linguagem da luz.
É interessante notar, como a revelação divina se misturava com o respectivo caráter do povo. Os antigos hebreus, que por primeiro na humanidade desenvolveram o pensamento intelectual, revestiam sua vivência com a linguagem do direito. Esse povo, o qual tinha o elemento jurídico no sangue desde o princípio, considerou a revelação de deus como uma aliança, como um contrato. Os gregos, que olhavam para o mundo com uma alma infinitivamente sensível, abarcam a verdade que contemplavam com sentimento artístico.
Expressavam-na em imagens de contos artísticos. Os antigos germanos eram dos três povos o mais jovem, que com ingente vontade juvenil, ingressam na História. Assim também abarcam a revelação cósmica divina com sua natureza volitiva. O arco-íris tornou-se a ponte pela qual se podia tomar o céu, de assalto.
Mas no cristianismo, onde é o lugar para o arco das cores? Podemos deixar-nos conduzir a ele por meio das orações da época do Advento do Ato de Consagração do homem. Essas orações mencionam as imagens da natureza que profeticamente falaram aos olhos dos antigos sábios. Elas também se referem ao luzir do arco-íris que se estende pelo céu. Mas elas também nos ensinam a entender, que a antiga vivência do arco de cores a certa altura começou a extinguir-se, os poderes divino-espirituais deixaram de estar presentes nele.
Embora ainda hoje seja tão belo quanto antes, o é, todavia, como obra de Deus. Ainda hoje admiramos a sua beleza com olhar pensativo, mas seria inadequado cair de joelhos e adorá-lo. Nos tempos antigos isto era diferente, pois os seres divinos habitavam nele. Estes o abandonaram. E para onde foram? Encontraram no envoltório de um homem. O A e o O que dantes falava ao homem pelo sussurrar da floresta, pelo murmúrio da águas, pelo sopro do vento, pelo rugir da flama, quando chegou a virada dos tempos passou a soar na boca de um homem: Eu sou o A e o O. e a luz cósmica espiritual, da qual jorrava a sabedoria para o homem a partir do carro solar e do esplendoroso arco de cores, quando o tempo se cumpriu, jorrou de um ser humano: Eu sou a luz do mundo.
O que antigamente falava ao homem lá fora no cosmos, através do arco colorido, hoje fala ao homem através da auréola de Glória do Cristo. Na aura do Cristo, na Glória do Cristo, fala de um novo modo. Assim o vemos até pintado no quadro dos nossos altares. E agora, o homem, que em si abrigou o Cristo, deve irradiá-lo para a natureza exterior. Agora, o homem, em amor e conhecimento, deve devolver a palavra que o Cristo lhe trouxe das alturas do céu. Agora a luz espiritual deve responder dentro do homem, quando a beleza do arco-íris encanta seus olhos sensoriais. Então o mundo voltará a ser um, como era no princípio.
Comunidade de Cristãos
PREPARATIVOS DE NATAL
Na época de Advento tem-se notoriamente muito que fazer para preparar a festa de Natal. Limpamos e arrumamos a casa, penduramos enfeites natalinos. Escolhemos e compramos os presentes e os embrulhos festivamente, escrevemos as cartas anuais aos parentes e amigos. Depois há também a confecção de bolos e biscoitos com que tem de se haver as donas de casa e as mães.
Afinal, há tantas coisas que não podemos deixar de fazer antes de Natal, que em nós mesmos e na casa pode vir a se instalar uma disposição de ânimo de correria e desassossego. Esse estado de presa febril Friedrich Rittelmeyer denominou “febre de Natal”, e ele explicou que esta é uma das invenções mais sutis e bem sucedidas do diabo, que com isto quer afastar o ser humano do verdadeiro sentido da festa de Natal. Podemos verificar em nós mesmos, essa sensação de falta de tempo e pressa nos causa um mal-estar que acaba nos esgotando logo no início das doze Noites Santas.
Mas justamente porque intuímos o que quer vir ao nosso encontro nessas Noites Santas, justamente porque esse pressentimento vive em nós com tanta força, por isso é que sentimos quão importantes são os nossos preparativos. E então essa sensação de importância do nosso agir pré-natalino nos leva a fazer demais, de tal modo que não sobram forças para os preparativos interiores, que são efetivamente os mais importantes.
O que fazemos exteriormente agora no Advento certamente tem seu significado, mas apenas é uma imagem daquilo que poderíamos fazer em nosso íntimo para nos preparar convenientemente. A sensação de agora ser tempo para arrumar e embelezar a casa é, na verdade, uma transformação daquela outra sensação que nos diz: é hora de arrumar a minha consciência, preciso cultivar os pensamentos adequados. Essa preparação interior é o mais primordial e também o mais essencial, apesar da atividade exterior da época de Advento sempre dificultar a obtenção da calma necessária para refletir e ordenar o nosso íntimo.
E há também os presentes que compramos ou confeccionamos nós mesmos. Por trás disso se encontra a arque-imagem do presentear, que se aproxima a cada ano na época de Advento. Essa arque-imagem denomina-se sacrificar. No sacrifício-se-a-si mesmo temos o presentear em sua forma mais genuína. Presentear objetos exteriores certamente pode proporcionar grande alegria, mas quando alguém está disponível para o outro, se dedica ao bem-estar de outros, este é o presentear interior é a verdadeira preparação para o Natal. Dar-se a si mesmo cria um espaço em que pode nascer o Cristo quando vem a Noite Santa.
James H. Hindes
Comunidade de Cristãos
“Cada pessoa que adentra a Senda do Conhecimento através das camadas interiores da Terra deve estar preparada para enfrentar não apenas os dois Poderes adversários polares, mas também outro poder obscuro.” – Rudolf Steiner
SORATH – UM DESAFIO AOS INICIADOS
Rudolf Steiner falou relativamente pouco sobre Sorath. Parte dessa reticência provavelmente se relaciona ao “fato” de que Sorath só reapareceu no plano terrestre em 1998. Relacionada a essa cronologia está a noção de que Sorath foi “exilado” para camadas da terra “interna” (após o Gólgota), que, esotericamente falando, é um assunto extremamente complexo e difícil, que Steiner relutava até em discutir.
Steiner identificou “camadas” do interior da terra que correspondem aos estágios de iniciação, mas os estudantes de Antroposofia costumam criticar as descrições de Steiner a esse respeito.
“Cada pessoa que adentra a Senda do Conhecimento através das camadas interiores da Terra deve estar preparada para enfrentar não apenas os dois Poderes adversários polares, mas também outro poder obscuro.”
Rudolf Steiner falou raramente sobre este poder, em contraste com seus comentários sobre Lúcifer e Ahriman. Sem dúvida, uma das razões para isso é que Steiner passou a maior parte de sua vida desenvolvendo um novo modo de pensar humano e instruindo as pessoas sobre isso, estimulando nelas uma nova visão de mundo sustentada pela realidade. Esta cosmovisão está liberta de um materialismo sempre crescente que extingue nossa relação com as causas espirituais nas condições terrenas.
Em um momento em que a atenção das pessoas tinha que ser atraída para a existência da Dualidade de Lúcifer e Ahriman, é provável que não teria sido muito útil falar em muitos detalhes sobre esses poderes abrangendo a Dualidade… a maioria das pessoas de quem ele falava dessa entidade, achou o tema demasiado para contemplar… De uma certa perspectiva é uma postura, inteiramente compreensível, de preferir abrir-se para os aspectos agradáveis em vez dos desagradáveis do mundo.
Aqueles que começam a estudar provisoriamente aquele terceiro poder das Trevas – algo tão necessário hoje – podem muitas vezes ser considerados pessimistas ou mesmo, no pior dos casos, diagnosticados como tendo uma afinidade particular com o mal. ”
Judith von Halle
Tradução Livre: Leonardo Maia
O VELHO HILDEBRANDO
Era uma vez viveu um camponês e sua esposa, e o pároco da aldeia tinha uma fantasia para a esposa, e tinha desejado um longo tempo para passar um dia inteiro feliz com ela. A mulher camponesa, também, estava muito disposto. Um dia, por isso, ele disse à mulher: “Ouça, meu querido amigo, eu já pensou em uma maneira pela qual podemos, por uma vez passar um dia inteiro juntos e felizes.
Eu vou te dizer o que; na quarta-feira, você deve levar para a cama, e informe o seu marido está doente, e se você só reclamar e agir corretamente estar doente, e continuar fazendo isso até domingo, quando eu tenho que pregar, então vou dizer em meu sermão que quem tem em casa uma criança doente, um marido doente, uma mulher doente, um pai doente, a mãe doente, um irmão doente ou qualquer que seja, e faz uma peregrinação ao monte Göckerli na Itália, onde você pode obter uma peck de louro-folhas para um kreuzer, 3 a criança doente, o marido doente, a esposa doente, o pai doente, ou a mãe doente, a irmã doente, ou qualquer que seja, será restaurado para a saúde imediatamente.”
“Eu vou administrá-la,” disse a mulher prontamente. Agora, pois, na quarta-feira, a camponesa levou para sua cama, e se queixou e lamentou tal como acordado, e seu marido fez tudo por ela que ele poderia pensar, mas nada fez-lhe qualquer bom, e quando chegou o domingo, a mulher disse, “Eu me sinto tão mal como se eu fosse morrer de uma vez, mas há uma coisa que gostaria de fazer antes de minha parte, gostaria de ouvir o sermão do pároco que ele está indo para pregar a-dia.” Por que o camponês disse: “Ah, meu filho, não faça isso”
“tu poderias fazer-te pior se tu fosses para chegar até Olha, eu vou para o sermão, e vai atendê-la com muito cuidado, e vai contar. te tudo o pároco diz.”
“Bem,” disse a mulher, “vai, então, e prestar muita atenção, e repetir para mim tudo o que tu ouves.” Assim, o camponês foi para o sermão, e o pároco começou a pregar e disse: se alguém tinha em casa uma criança doente, um marido doente, uma mulher doente, um pai doente a mãe doente, uma irmã doente, irmão ou qualquer um outra coisa, e faria um pilgimage ao morro Göckerli na Itália, onde um beijinho de louro-folhas custa kreuzer, a criança doente, marido doente, esposa doente, o pai doente, mãe doente, irmã doente, irmão, ou qualquer que ele poderia ser, seria restaurada para a saúde instantaneamente, e todo aquele que desejava empreender a viagem era para ir com ele depois que o culto terminou, e ele lhe daria o saco para os laurel-folhas ea kreuzer.
Então, ninguém foi mais do que o camponês se regozijaram, e após o serviço acabou, ele foi imediatamente para o pároco, que lhe deu a bolsa para os laurel-folhas ea kreuzer. Depois disso, ele foi para casa, e até mesmo na porta da casa, ele gritou: “querida esposa Hurrah! Agora é quase a mesma coisa que se tu fosses bem!
O pároco tem pregado a-dia que todo aquele que tinha em casa uma criança doente, um marido doente, uma mulher doente, um pai doente, a mãe doente, uma irmã doente, irmão ou quem quer que seja, e gostaria de fazer uma peregrinação ao monte Göckerli na Itália, onde um beijinho de louro-folhas custa kreuzer, a criança doente, marido doente, esposa doente, o pai doente, mãe doente, irmã doente, irmão, ou qualquer que ele estava, seria curada imediatamente, e agora eu já tenho o saco eo kreuzer do pároco, e vai em uma vez começar a minha jornada para que tu possas chegar bem mais rápido ,” e por isso ele foi embora.
Ele foi, no entanto, dificilmente ido antes a mulher levantou-se, e o pároco estava lá diretamente.
Mas, agora, vamos deixar estes dois por um tempo, e siga o camponês, que andou rapidamente, sem parar, a fim de obter o mais cedo à colina Göckerli, e no seu caminho, ele conheceu sua fofoca. Sua fofoca era um comerciante de ovo, e estava vindo do mercado, onde ele tinha vendido os seus ovos. “Que vocês sejam abençoados,” disse a fofoca, “onde você está fora de tão rápido?”
“Para toda a eternidade, meu amigo,” disse o camponês, “minha esposa está doente, e eu tenho sido a-dia para ouvir o sermão do pároco, e ele pregou que, se qualquer um tinha em sua casa um filho doente, um marido doente, a esposa doente, um pai doente, uma mãe doente, uma irmã doente, irmão ou qualquer outra pessoa, e fez uma peregrinação ao monte Göckerli na Itália, onde um beijinho de louro-folhas custa kreuzer, a criança doente, o marido doente, a esposa doente, o pai doente, a mãe doente, a irmã doente, irmão ou qualquer que ele estava, seria curada imediatamente, e então eu tenho o saco para o louro-folhas e a kreuzer do pároco, e agora eu estou começando minha peregrinação.”
“Mas escute, fofocas,” disse o comerciante para o camponês, “é você, então, estúpido o suficiente para acreditar que tal coisa como que Você não sabe o que significa O pároco quer passar um dia inteiro? sós com sua esposa em paz, para que ele lhe deu este trabalho a fazer para tirá-lo do caminho .”
“A minha palavra!” disse o camponês. “Como eu gostaria de saber se isso é verdade!”
“Venha, então,” disse a fofoca: “Eu vou te dizer o que fazer entrar no meu ovo-basket e eu vou levá-lo para casa, e então você vai ver por si mesmo.” Assim que foi liquidada, e as fofocas colocar o camponês em seu ovo-basket e levou-o para casa.
Quando chegaram à casa, hurra! mas tudo estava indo feliz lá! A mulher tinha já tinha quase tudo morto que estava no pátio, e tinha feito panquecas, e o pároco estava lá, e tinha trazido seu violino com ele. A fofoca bateu à porta, e uma mulher perguntou quem estava lá. “Sou eu, a fofoca,” disse o egg-comerciante, “dê-me abrigo esta noite, eu não vendi meus ovos no mercado, então agora eu tenho que levá-los para casa novamente, e eles são tão pesadas que jamais ser capaz de fazê-lo, pois já está escuro.”
“Na verdade, meu amigo,” disse a mulher, “tu vires em um momento muito inconveniente para mim, mas como tu aqui não pode ser ajudado, entrar e tomar um banco lá no banco ao lado do fogão.” Em seguida, ela colocou a fofoca ea cesta que ele carregava em suas costas no banco ao lado do fogão. O pároco, no entanto, ea mulher, eram tão feliz quanto possível. Por fim, o pároco disse: “Ouça, meu caro amigo, tu podes cantar lindamente;. Cantar algo para mim”
“Oh,” disse a mulher, “eu não posso cantar agora, na minha juventude, na verdade eu poderia cantar bem o suficiente, mas que está tudo acabado agora.”
“Venha,” disse o pároco, mais uma vez, “não cantar algumas pequena canção.” Por que a mulher começou e cantou,
“Eu enviei o meu marido longe de mim
Para o morro Göckerli na Itália.”
Então, o pastor cantou,
“Eu queria que fosse um ano antes que ele voltou,
Eu nunca pedir-lhe o saco laurel-folha.
Aleluia .”
Em seguida, a fofoca que estava no fundo começou a cantar (mas eu devo dizer-lhe que o camponês foi chamado Hildebrand), de modo a fofoca cantou,
“O que estás a fazer, meu caro Hildebrand,
Há no banco ao lado do fogão tão perto?
Aleluia .”
E então o camponês cantou de sua cesta,
“Tudo o que eu sempre canto odiarão a partir deste dia,
E aqui neste cesto já não vou ficar.
Aleluia .”
E ele saiu do cesto, e pôs o pároco para fora da casa.
Conto dos Irmãos Grimm
A CAMPONEZINHA SAGAZ / A ESPERTA FILHA DO CAMPONÊS
Houve, uma vez, um campônio que não possuía nem um pedaço de terra, apenas uma casinha e a filha. Esta, um dia, disse ao pai:
– Deveríamos pedir ao rei que nos desse uma quadra de terra.
O rei, ao saber que eram tão pobres, deu-lhes um lote que não passava de um torrão cheio de mato. Pai e filha puseram-se, com afinco, a capinar e a revolver aquela pobre terra a fim de semear algum trigo e hortaliças. Já haviam cavoucado quase todo o torrão quando acharam, semi-enterrado, um pequeno pilão de ouro maciço.
– Escuta aqui, – disse o pai, – como o nosso rei foi tão generoso conosco e nos deu este campo, acho que deveríamos dar-lhe este pilão como prova de reconhecimento.
A filha não era da mesma opinião e objetou:
– Meu pai, se lhe levarmos o pilão há de querer também a mão-de-pilão e teremos de a procurar; portanto acho melhor ficarmos calados.
O pai, entretanto, não lhe deu atenção; embrulhou o pilãozinho e foi levá-lo ao rei, contando-lhe que o haviam achado no meio da terra e que desejavam oferecer-lho.
O rei aceitou o pilão mas perguntou se não haviam achado mais nada.
– Não, Majestade; – respondeu o camponês.
O rei disse-lhe:
– É preciso trazer, também, a mão-de-pilão.
O camponês respondeu que haviam procurado mas não conseguiram encontrá-la. Essa explicação de nada serviu e o rei mandou que o trancassem na prisão até que tivessem encontrado o tal objeto. Diariamente, os guardas levavam ao camponês a ração de pão e água, que é o que dão nas prisões, e sempre o ouviam lamentar-se e exclamar:
– Ah, se eu tivesse dado atenção à minha filha!
Tanto ouviram essa exclamação que resolveram ir contar ao rei, repetindo o que sempre dizia o prisioneiro: “Ah, se eu tivesse dado atenção à minha filha!” contando ainda que ele não queria comer nem beber nada.
O rei, então, mandou buscar o prisioneiro e perguntou-lhe por que era que vivia a repetir: “Ah, se eu tivesse dado atenção à minha filha!”
– Que foi que tua filha disse?
– Majestade, ela disse-me que não trouxesse o pilãozinho, senão teria que achar também a mão-de-pilão.
– Tens uma filha bem inteligente, manda que venha cá.
Assim a moça teve de comparecer à presença do rei, o qual lhe perguntou se realmente era tão sagaz e inteligente. A fim de prová-lo, ele lhe daria um enigma para resolver; se o conseguisse decifrar ele se casaria com ela.
A moça respondeu prontamente que o decifraria; então o rei disse:
– Tens de te apresentar na minha presença nem vestida, nem nua; nem montada, nem de carro; nem na rua, nem fora dela; se conseguires fazer isso, casarei contigo.
A moça retirou-se. Em seguida, despiu-se completamente, assim não estava vestida; envolveu-se numa rede de pescar e não estava nua; tomou emprestado um burro amarrando-lhe as pontas da rede no rabo para que ele a puxasse, assim não estava montada e nem de carro; fez o burro andar sobre o sulco produzido pelas rodas do carro de maneira a tocar o chão só com o dedo maior, desse modo não estava nem na estrada nem fora dela.
Quando o rei a viu chegar disse-lhe que havia acertado completamente. Mandou soltar o pai dela e, em seguida, desposou-a, confiando à sua sagacidade a gerência cio patrimônio real.
Transcorridos alguns anos, um dia em que o rei passava em revista uma divisão, deu-se o caso que muitos camponeses se detivessem cm frente ao castelo com os carros depois de terem vendido a lenha; alguns tinham atrelado bois e, outros, cavalos. Entre eles havia um camponês que tinha três cavalos e um potrinho recém-nascido, o qual saiu de perto da mãe e correu a refugiar-se entre dois bois que puxavam um carro. Os respectivos donos puseram-se a discutir e a brigar aos berros; o dono dos bois queria para si o potrinho, dizendo que era filho dos bois; o outro insistia dizendo que o potrinho lhe pertencia e que era filho dos cavalos.
A contenda foi levada ao rei e este sentenciou que o potrinho devia ficar no lugar que escolhera; assim ficou pertencendo ao dono dos bois, embora injustamente. O outro camponês foi-se embora chorando e lastimando-se por ter perdido o potrinho.
Mas ele ouvira dizer que a rainha era muito inteligente e sagaz, além de boa e compreensiva, por ser também de origem camponesa; dirigiu-se a ela pedindo que o ajudasse a recuperar o seu potrinho. Ela respondeu:
– Sim, eu te ajudarei. Se prometes não me trair, eu te ensinarei o que tens a fazer.
Amanhã cedo, quando o rei for assistir à parada, coloca-te no meio da rua pela qual deve passar, pega uma rede de pesca e finge estar pescando; continua a pescar e a despejar a rede como se realmente estivesse cheia de peixes.
Ensinou-lhe, também, as respostas que devia dar se o rei interrogasse.
Na manhã seguinte, lá estava o camponês pescando em lugar seco. Passando por aí o rei viu-o e mandou o batedor perguntar o que fazia aquele maluco. Perguntado, o camponês respondeu:
– Estou pescando.
O batedor perguntou-lhe que pretendia pescar em plena rua, onde não havia água.
– Ora, – respondeu o camponês, – se dois bois podem produzir um potrinho, eu também posso pescar onde não há água.
O batedor foi transmitir essa resposta ao rei, o qual mandou chamar o camponês e lhe disse que aquela ideia não era produto da sua cachola; quem lha tinha sugerido? Exigiu que o confessasse logo. Mas o camponês não queria faltar ao compromisso com a rainha e repetia:
“Deus me livre, Deus me livre! É ideia minha, é ideia minha.”
Então, colocaram-no sobre um feixe de palha e espancaram-no tanto que o coitado acabou confessando que fora a rainha.
À tarde, chegando em casa, o rei foi ter com a rainha, dizendo-lhe:
– Por quê és tão falsa para comigo? Não te quero mais por esposa; está tudo terminado entre nós. Volta para a tua casa campônia, de onde vieste.
Todavia, permitiu que ela levasse consigo a coisa mais cara a preciosa que possuía e essa seria a sua gratificação.
– Sim, meu querido esposo, – disse ela, – farei o que mandas.
Lançou-se ao pescoço do rei abraçando-o e beijando-o muito, dizendo que desejava despedir-se dele. Mandou que servissem uma bebida qualquer para brindar à saúde do rei e, disfarçadamente, deitou no copo deste um narcótico, que o fez cair em profundo sono; vendo-o adormecido, a rainha mandou que lhe trouxessem um belo lençol de linho, no qual envolveu o rei; em seguida, ordenou aos criados que o levassem para a carruagem, estacionada em frente à porta, e ela mesma o conduziu depois até à sua casa.
Uma vez lá na sua casinha, ela deitou-o na própria cama onde ele dormiu um dia e uma noite ininterruptamente. Quando acordou, olhou espantado em volta, exclamando:
– Meu Deus, onde estou?
Chamou os criados mas não haviam nenhum. Por fim chegou a mulher, que entre um sorriso e outro, disse-lhe:
– Meu caro senhor, destes-me ordem de trazer comigo o que eu mais gostava e me era mais precioso; ora, nada no mundo me é mais caro e precioso do que vós, assim trouxe-vos comigo.
O rei ficou tão comovido que os olhos se lhe encheram de lágrimas.
– Minha querida mulher, tu és minha e eu sou teu, e nada nos separará. Reconduziu-a, novamente, ao paço real e quis que se tornassem a casar.
Certamente, se não morreram, ainda estão vivos até hoje.
Conto dos Irmãos Grimm
O CORVO
Houve, uma vez, uma rainha cuja filhinha pequena, ainda de colo, era impertinente até não se aguentar. Certo dia, a menina estava tão mal humorada que era impossível aturá-la; a mãe lançou meio de todos os recursos para acalmá-la, mas em vão.
Querendo distraí-la, a rainha abriu a janela e, vendo alguns corvos esvoaçando em volta do castelo, disse, num assomo de impaciência:
– Gostaria que fosses um corvo, pelo menos estarias voando e brincando lá com os outros e me deixarias em paz.
Mal acabou de pronunciar essas palavras, eis que a menina se transformou, subitamente, num corvo e saiu dos braços da mãe pondo-se a voar pela janela fora. Foi voando diretamente para a floresta, onde ficou durante muito tempo e seus pais nada mais souberam dela.
Passados alguns anos, certo dia um jovem atravessava a floresta e, de repente, ouviu uma voz; olhou para todos os lados sem descobrir ninguém. A voz tornou a fazer-se ouvir, então olhando naquela direção, viu, pouco distante, um corvo e compreendeu que era ele quem estava falando.
– Escuta, meu jovem, – dizia o corvo; – eu sou filha de um rei e alguém me encantou, transformando-me em corvo. Tu, se quisesses, poderias libertar-me!
– E que devo fazer para isso? – perguntou o jovem.
– Continua andando sempre para diante na floresta; lá ao longe, encontrarás uma casinha habitada por uma velha. Ao chegares lá, ela te virá ao encontro e te oferecerá de comer e beber, mas nada aceites; pois, se comeres ou beberes alguma coisa, cairás em sono profundo e perderás a oportunidade de me libertar. No jardim atrás da casa, há um montículo de tufo, senta-te lá em cima e fica esperando por mim. Durante três dias, às duas horas da tarde, chegarei numa carruagem. No primeiro dia, a carruagem virá puxada por quatro cavalos brancos; no segundo dia, por quatro cavalos alazões, e no terceiro dia, por quatro cavalos negros. Porém, se não estiverdes acordado e eu te encontrar dormindo, não me poderei libertar.
O jovem prometeu fazer tudo quanto ela lhe pedia, mas, ao despedir-se, o corvo disse, suspirando:
– Prevejo que não me libertarás; acabarás por aceitar qualquer coisa da velha e cairás em sono pesado!
O jovem protestou, dizendo que nada aceitaria e, mais uma vez, reiterou promessa de ajudá-la. Mas quando chegou à casa indicada, saiu de dentro a velhinha, dizendo:
– Ah, pobre homem! Como estás esfalfado! Descansa um pouco e come alguma coisa para refazer as forças.
– Não, – disse o homem, – não quero comer nem beber nada.
A velha, porém, insistiu com muita habilidade até que, sem jeito de continuar recusando, o homem aceitou um gole de bebida. Depois agradeceu e foi postar-se no monte de tufo a fim de aguardar a chegada do corvo. Assim que sentou, foi tomado de tal canseira que teve de deitar-se um pouco para descansar, mas com a firme intenção de não se deixar vencer pelo sono. Os olhos, porém, logo se lhe fecharam e ele caiu em sono tão pesado que nada deste mundo conseguiria acordá-lo.
Às duas horas em ponto, chegou o corvo, na bela carruagem puxada por quatro cavalos brancos, mas vinha muito triste, dizendo para si mesmo: eu sei que o encontrarei dormindo! De fato, quando chegou ao jardim viu que ele estava dormindo realmente. Então, desceu da carruagem e, aproximando-se dele, sacudiu-o várias vezes, chamando-o em voz alta, mas em vão; o homem não acordou.
No dia seguinte, ao meio-dia, a velha foi levar-lhe comida e bebida mas ele não queria aceitar nada; contudo, a velha tanto fez e tanto disse que ele acabou por beber um pouco do copo que ela lhe apresentava.
Por volta das duas horas, ele dirigiu-se ao monte de tufo no jardim a fim de aguardar o corvo; mas, também dessa vez, a canseira era tão grande que não conseguia ficar de pé, obrigando-o a deitar-se. Imediatamente, ferrou em sono profundo. As duas horas, chegou o corvo na carruagem puxada por quatro cavalos alazões; vinha tristonho, pois sabia que o encontraria dormindo. Desceu da carruagem e tentou despertá-lo; chamou-o, sacudiu-o, em vão; nada o despertava.
No dia seguinte, a velha censurou-o porque não queria comer nem beber, dizendo:
– Onde já se viu, passar tanto tempo sem comer nem beber! Quer por acaso morrer?
O homem continuava a recusar tudo; a velha, porém, colocou em frente um prato bem cheio de comida e um copo de vinho; ao sentir aroma tão apetitoso, o homem não resistiu e bebeu um gole de vinho. Em seguida, foi ao jardim a fim de aguardar a princesa encantada; mas sentiu ainda maior cansaço que nos dias precedentes; então, deitou-se um pouco e não tardou a adormecer como uma pedra.
As duas horas, chegou o corvo na carruagem puxada por quatro cavalos pretos; desceu dela e fez o impossível para despertá-lo; sacudiu-o, chamou-o, inutilmente. Então, colocou junto dele um pão, um pedaço de carne e uma garrafa de vinho, que tinham a propriedade de nunca acabar. Depois, enfiou-lhe no dedo um anel, dentro do qual havia o seu nome gravado e, por último, deixou-lhe uma carta, explicando direitinho tudo o que lhe deixava e tudo o que havia acontecido, dizendo mais: “vejo bem que aqui não és capuz de me libertar; contudo, se desejas realmente fazê-lo, vem ter comigo no castelo de ouro de Stromberg. Podes bem fazê-lo, eu sei com toda a certeza.” Em seguida, voltou para a carruagem coberta de luto e rumou, velozmente, para o castelo de ouro de Stromberg.
Assim que acordou, percebendo que dormira bastante, o jovem ficou extremamente aflito e murmurou:
– Certamente ela já passou por aqui e deve ter ficado aborrecida, pois não a libertei!
Nisso, caiu-lhe sob o olhar as coisas aí deixadas; pegou imediatamente na carta e leu o que continha; assim ficou sabendo o que acontecera e, também, o que ainda podia fazer. Levantou-se depressa e pôs-se a caminho em procura do castelo de ouro, embora não sabendo onde o mesmo se situasse.
Já havia corrido mundo a valer, quando chegou a uma floresta muito densa; vagueou por ela durante quinze dias sem encontrar o caminho de saída. Uma tarde, em que as sombras da noite baixavam mui rapidamente, deixou-se cair junto de uns arbustos, para descansar, pois já não podia mais de tão cansado, e não tardou a adormecer. Pela manhã do dia seguinte, continuou a perambular e, ao anoitecer, quis novamente deitar-se ao pé de uma moita para descansar e dali a pouco ouviu gemidos e lamentos tão altos que o impediram de dormir. Na hora em que é costume acenderem-se as luzes, ele viu uma luzinha brilhando não muito distante; levantou-se depressa e dirigiu-se em sua direção.
Andou um pouco e chegou a uma grande casa que, de longe, porém, parecia pequena, porque estava meio escondida atrás de um gigante. O jovem estacou, pensando:
“Se entras e o gigante te descobre, és um homem liquidado!”
Todavia, armando-se de coragem, foi-se aproximando. Assim que o gigante o viu, gritou:
– Oh, chegas em boa hora; já faz muito tempo que não como nada! Vou engulir-te já como jantar.
– Deixa disso, – respondeu o jovem, – não gosto de ser engolido; se queres comer tenho aqui o bastante para te satisfazer o apetite.
– Se é verdade o que dizes, então podes ficar sossegado que não te comerei; falei em engolir-te porque estou com muita fome e nada tenho para comer.
Sentaram-se à mesa e o homem pôs-se a servir pão, carne e vinho até não acabar mais.
– Gosto muito disto, – disse o gigante, e comeu à vontade.
Daí a pouco o jovem perguntou:
– Podes indicar-me onde fica o castelo de ouro de Stromberg?
– Vou procurar no mapa que tem todas as cidades, aldeias e casas. Foi ao quarto buscar o mapa e procurou o castelo, mas não constava.
– Não importa, – disse o gigante, – tenho outros mapas mais completos lá no armário; talvez encontremos o que procuras.
Procuraram inutilmente, o castelo não constava. O homem queria continuar o caminho mas o gigante pediu- lhe que esperasse ainda alguns dias, até seu irmão voltar; não demoraria, fora aí por perto em busca de víveres.
Quando o irmão do gigante voltou, perguntaram-lhe se sabia onde ficava o tal castelo; ele respondeu:
– Depois do almoço, quando matar a fome, procurarei no mapa.
Mais tarde subiram os três ao quarto do segundo gigante e procuraram em todos os mapas aí existentes, em todos os velhos papéis, e tanto procuraram que acabaram por descobrir o castelo de Stromberg. Mas ficava a muitas e muitas milhas de distância.
– Ah, – disse tristemente o jovem, – como poderei chegar lá?
– Eu tenho duas horas de tempo disponíveis, – disse o gigante, – posso levar-te só até às vizinhanças, porque preciso estar de volta logo para amamentar o menino que temos.
Assim fizeram. O gigante levou-o até um lugar que ficava a duzentas horas do castelo, dizendo que o resto do caminho podia fazê-lo sozinho. Com isso voltou, e o homem continuou a andar dia e noite até que por fim chegou ao castelo de ouro de Stromberg. O castelo porém, fora construído sobre uma montanha toda de vidro.
A princesa encantada tivera de percorrer, em volta, toda a montanha até poder entrar. O homem ficou muito contente vendo-a lá e queria subir até ela, mas, cada vez que tentava subir, tornava a deslizar pelo vidro abaixo. E, vendo que não o conseguia, pensou consigo mesmo: “ficarei esperando por ela aqui em baixo.”
Então, construiu uma pequena cabana e ficou aí um ano inteiro; todos os dias avistava a princesa passeando de carruagem no alto da montanha, mas ele não podia ir ter com ela. Certo dia, estando na choupana, viu três bandidos brigando e se esmurrando; então gritou-lhes:
– Deus esteja convosco!
Ao ouvir esse grito os bandidos estacaram, olhando de um lado para outro, mas, não vendo ninguém, recomeçaram a esmurrar-se com mais vigor. O homem gritou pela segunda vez:
– Deus esteja convosco!
Os bandidos tornaram a olhar em volta, mas, não vendo ninguém, voltaram à luta. O homem gritou pela terceira vez:
– Deus esteja convosco! – pensando: “vai lá ver por que é que estão se esmurrando.”
Foi e perguntou aos bandidos a razão daquela luta; então um deles disse que tinha achado um pau que tinha o poder de abrir qualquer porta em que batesse. O segundo disse que tinha achado um capote e quem o vestisse se tornaria invisível, e o terceiro disse que tinha achado um cavalo com o qual era possível ir a qualquer lugar, mesmo ao cimo da montanha de vidro. E agora estavam brigando porque não chegavam a um acordo: não sabiam se ficar com os objetos em comum, ou reparti-los e cada qual ir-se com o seu achado. O homem então propôs:
– Eu quero fazer uma troca com esses objetos; dinheiro, na verdade, não tenho; mas possuo algo que vale muito mais. Antes porém, quero experimentar se o que dissestes é realmente certo.
Os três bandidos aceitaram a proposta. Deixaram- no montar no cavalo, vestiram-lhe o capote e puseram-lhe na mão o pau; de posse de tudo isso, o homem tornou-se invisível; então pegou no pau e espancou valentemente os três bandidos, gritando:
– Ai tendes o que mereceis, seus vagabundos! Estais satisfeitos?
E saiu a correr pela montanha acima; quando chegou ao alto, encontrou o portão do castelo fechado; bateu-lhe com o pau e logo ele se escancarou. Entrou e subiu as escudas indo até onde se encontrava a princesa, que estava sentada numa sala, tendo em frente uma taça de ouro cheia de vinho. Como, porém, ele estivesse com o capote mágico que o tornava invisível, ela não podia vê-lo; por isso, chegando à sua presença, o homem tirou do dedo o anel que ela lhe dera e atirou-o dentro da taça, que tilintou. A princesa exclamou alegremente:
– O meu anel!… O jovem que me vem libertar deve estar aí!
Correu a procurá-lo por todo o castelo sem conseguir encontrá-lo. Ele saira do castelo e, montando no cavalo, despira o capote. Quando a princesa foi lá fora deu com ele e ficou radiante de alegria.
Descendo do cavalo, o jovem tomou a princesa nos braços e ela beijou-o muito feliz, dizendo:
– Agora me libertaste do encanto; amanhã realizaremos nosso casamento.
Conto dos Irmãos Grimm
O REI DA MONTANHA DE OURO
Um certo mercador tinha dois filhos, um menino e uma menina, ambos muito novos, que ainda não sabiam andar. Ele possuía dois navios ricamente carregados viajando pelos mares onde embarcara toda sua riqueza na esperança de conseguir grandes lucros, quando chegaram notícias de que sua fortuna tinha desaparecido. Assim, de homem rico que era, tornou-se muito pobre, tão pobre que só lhe restara um pedacinho de terra. Para aliviar um pouco as preocupações de sua cabeça, costumava caminhar por ali.
Certo dia em que estava perambulando em seu terreno, um anãozinho de cara enrugada apareceu à sua frente perguntando por que estava tão triste e o que confrangia tão profundamente seu coração. Mas o mercador replicou,
“Se me pudesse fazer algum bem eu lhe contaria.” – “Quem sabe se não posso?,” disse o homenzinho. “Conte-me qual é o caso e talvez eu possa servir para alguma coisa.”
O mercador contou-lhe então como toda sua riqueza havia ido para o fundo do mar e como ele nada possuía exceto aquele pedacinho de chão.
“Oh! Não se preocupe com isto,” disse o anão, “apenas prometa trazer-me, daqui a doze anos, aquilo que primeiro vier ao seu encontro quando voltar para casa e eu lhe darei todo ouro que quiser.”
O mercador pensou que não era uma exigência muito grande, que muito provavelmente encontraria primeiro seu cão ou algo do gênero, mas esqueceu-se de seus filhinhos, por isso aceitou a barganha e assinou e selou o compromisso de cumprir a promessa. Ao se aproximar de casa, porém, seu garotinho ficou tão contente ao vê-lo, que engatinhou atrás dele e agarrou-se a suas pernas. O pai teve um sobressalto, pensando no pacto que havia feito, mas como não apareceu ouro algum, consolou-se pensando que tudo não passara de uma brincadeira do anão.
Cerca de um mês mais tarde, ele subiu as escadas de um velho depósito de lenha à procura de algum ferro velho para vender e levantar algum dinheiro, e ali encontrou uma grande pilha de ouro sobre o chão. À vista disto, ficou muito satisfeito, voltou aos negócios e tornou-se um grande mercador como antes.
Entretanto, seu filho ia crescendo, e com a aproximação do término do prazo de doze anos, o mercador foi ficando tão aflito e pensativo que sua tristeza e seus cuidados se estampavam em seu rosto. O filho perguntou-lhe certo dia o que estava acontecendo, mas o pai recusou-se a contar; mas, passado algum tempo, acabou contando que, sem o saber, vendera-o a um anãozinho de aparência repelente por uma grande quantia de ouro; e que estava se aproximando o término dos doze anos, ao fim dos quais teria que cumprir o acordo. Então o filho disse, “Pai, não se preocupe muito com isso; pode contar que eu darei um jeito no homenzinho.”
Quando chegou o momento, eles foram juntos até o lugar indicado e o filho riscou um círculo no chão e colocou-se junto com o pai em seu interior. O anãozinho logo apareceu e disse ao mercador,
“Trouxe o prometido?” O velho ficou em silêncio, mas seu filho respondeu, “O que você quer aqui?”
O anão respondeu, “Vim falar com seu pai, não com você.”
– “Você enganou e traiu meu pai,” disse o filho. “Liberte-o de seu compromisso.”
– “Não,” replicou o outro, “não abrirei mão de meus direitos.”
Isto provocou uma longa discussão ao fim da qual todos concordaram em que o filho seria colocado num bote que ficava ao lado de um rio não muito distante, e que o pai deveria empurrá-lo com a própria mão para que ele fosse deixado à deriva. O filho despediu-se então do pai e acomodou-se no barco; e quando este foi empurrado, adernou e caiu de lado na água, fazendo o mercador pensar que o filho houvesse morrido. O pai voltou para casa profundamente entristecido.
Mas o barco não havia afundado e seguira navegando, e o rapaz ficou sentado dentro dele até encalhar numa terra desconhecida. Quando saltou na praia, viu à sua frente um lindo castelo cujo interior estava vazio e desolado por estar encantado. Andando pelo castelo, acabou encontrando uma serpente branca num dos quartos.
Ora, a serpente branca era uma princesa encantada que se alegrou enormemente ao vê-lo e disse, “Vieste finalmente me libertar? Esperei doze longos anos por ti, pois somente tu podes me salvar. Esta noite, doze homens virão; suas faces serão pretas e eles estarão encadeados em correntes. Eles perguntarão a ti o que fazes aqui, mas fica em silêncio, não responde e deixa que façam o que quiserem – bater-te e torturar-te. Suporta tudo, só não fala nenhuma palavra e à meia-noite eles partirão.
Na segunda noite, outros doze virão; e na terceira noite, serão vinte e quatro que irão até mesmo cortar tua cabeça. Mas às doze horas daquela noite, seu poder desaparecerá, e eu estarei livre e virei te trazer a água da vida, e com ela te lavarei e restaurarei tua vida e saúde.”
Tudo se passou como a princesa encantada havia dito; o filho do mercador não falou uma palavra e, na terceira noite, a princesa apareceu e caiu em seu pescoço e o beijou; alegria e satisfação explodiram por todo o castelo; as bodas foram celebradas e ele se tomou o rei da Montanha Dourada.
Eles viveram juntos muito felizes e a rainha teve um filho. Oito anos haviam se passado quando o rei lembrou-se de seu pai: seu coração se comoveu e ele ficou ansioso para revê-lo. A rainha se opunha a sua ida dizendo,
“Sei perfeitamente os infortúnios que virão.”
Ele não lhe deu descanso, porém, até ela consentir. Quando ia partir, ela o presenteou com um anel mágico dizendo,
“Leva este anel e coloca-o no dedo; tudo que desejares, ele realizará: somente prometa que não o usarás para levar-me daqui até a morada de teu pai.”
Ele prometeu o que ela pedia, colocou o anel no dedo e desejou estar perto da cidade onde seu pai morava. Achou-se num instante diante dos seus portões, mas os guardas não quiseram deixá-lo entrar por estar vestido tão estranhamento. Ele foi então a uma montanha vizinha onde morava um pastor, tomou emprestado seu velho manto e assim entrou disfarçadamente na cidade.
Quando chegou à casa do pai, contou-lhe que era seu filho, mas o mercador não quis acreditar, dizendo-lhe que havia tido apenas um filho que morrera havia muito tempo, e como ele estivesse vestido como um pobre pastor, nem mesmo lhe ofereceria alguma coisa de comer. O rei insistiu porém em que era seu filho dizendo,
“Existe alguma marca pela qual saberias que sou realmente teu filho?”
– “Sim,” observou a mãe, “nosso filho tinha um sinal na forma de uma framboesa debaixo do braço direito.”
Ele mostrou-lhes então a marca e eles ficaram satisfeitos por ser verdade o que havia dito. Em seguida ele lhes contou como era rei da Montanha Dourada, e que estava casado com uma princesa, e que tinha um filho de sete anos. Mas o mercador disse,
“Isto jamais podería ser verdade; que rei é esse que viaja usando um manto de pastor?”
Isto deixou o filho muito irritado e, esquecendo sua promessa, virou o anel e desejou a presença de sua rainha e do filho. Num instante eles estavam diante dele, mas a rainha chorava dizendo que ele havia quebrado a palavra e que uma desgraça aconteceria. Ele fez o que pôde para tranqüilizá-la e ela finalmente pareceu se acalmar; mas não estava realmente calma, apenas meditava como podería vingar-se.
Certo dia, ele levou-a para passear fora da cidade para mostrar-lhe o lugar onde seu barco fora colocado à deriva sobre as águas. Ali ele sentou-se dizendo,
“Estou muito cansado; senta-te ao meu lado para eu recostar a cabeça em teu colo e dormir um pouco.”
Mal ele adormecera, porém, ela tirou o anel de seu dedo, afastou-se cuidadosamente e desejou que ela e o filho estivessem cm casa, em seu reino. Quando o rei acordou, achou-se sozinho e percebeu que o anel já não estava em seu dedo.
“Jamais poderei retornar à casa de meu pai,” disse ele, “diriam que sou um feiticeiro. Viajarei pelo mundo até chegar novamente a meu reino.”
Assim dizendo, partiu e viajou até chegar a uma montanha onde três gigantes estavam dividindo sua herança; e quando eles o viram, gritaram dizendo,
“Os homenzinhos são muito espertos; ele vai dividir a herança entre nós.”
Ora, esta consistia de uma espada que cortava a cabeça de um inimigo sempre que seu portador dissesse as palavras “Fora cabeças!”; um manto que tornava seu proprietário invisível ou lhe dava qualquer forma que desejasse; e um par de botas que transportava a pessoa que as calçasse para onde ela quisesse ir.
O rei lhes disse que primeiro teriam que deixá-lo experimentar esses objetos maravilhosos para conhecer seu valor. Eles lhe entregaram então o manto. Ele desejou ser uma mosca e num instante se transformou numa mosca.
“O manto está perfeito,” disse ele, “agora entreguem-me a espada.”
– “Não,” disseram eles, “não, a menos que prometa não dizer ‘Fora cabeças!’ pois se fizer isto, morreremos todos.”
Assim eles a entregaram com a condição de ele experimentar seu poder apenas numa árvore. Em seguida ele pediu também as botas e no momento em que se viu em posse dos três objetos, desejou estar na Montanha Dourada e ali estava ele no mesmo instante. E os gigantes foram deixados para trás sem herança para dividir ou disputar.
Ao se aproximar do castelo, ouviu um som alegre de música e as pessoas em volta lhe disseram que a rainha estava prestes a celebrar seu casamento com outro príncipe. Ele vestiu então o manto, entrou no castelo e colocou-se ao lado de sua rainha onde ninguém o via. Mas quando todas as comidas foram servidas no prato da rainha, ele as pegou e comeu; quando a taça de vinho foi entregue a ela, ele a pegou e bebeu; assim, embora continuassem servindo comida e bebida a ela, seu prato continuava sempre vazio.
Diante disso, tomada de medo e remorso, ela foi para seu quarto e pôs-se a chorar. Ele a seguiu até lá.
“Ai de mim!,” lamentava-se ela. “Não terá chegado o meu libertador? Por que então o feitiço ainda me cerca?.”
– “Sua traidora!,” exclamou ele. “Teu libertador já veio, de fato, e agora está perto de ti: terá ele merecido isto?”
E ele saiu dali e dispensou todo mundo dizendo que o casamento estava desfeito porque havia retomado a seu reino: mas a princesa, os nobres e conselheiros zombaram dele. Ele se desentendeu então com todos, exigindo que partissem, por bem ou por mal. Tentaram agarrá-lo, mas ele sacou a espada e, com uma palavra, as cabeças dos traidores rolaram a seus pés. E foi assim que voltou a ser o rei da Montanha Dourada.
Conto dos Irmãos Grimm
O GNOMO
Houve, uma vez, um rei muito rico, que tinha três filhas; todos os dias elas iam passear no jardim do castelo. O rei gostava, imensamente, de árvores raras e entre elas possuia uma macieira pela qual tinha predileção. Tanto gostava dela que ninguém podia tocá-la e, se alguém ousasse comer uma de suas maçãs, ele rogava- lhe praga para que afundasse pela terra a dentro.
Quando chegou o outono, as maçãs amadureceram, ficando vermelhas como sangue. As três jovens iam, diariamente, debaixo da macieira com a esperança de que o vento tivesse derrubado alguma maçã; mas em vão, nunca encontravam nada, embora estivesse tão carregada que os galhos pendiam até ao chão.
A mais moça das três vivia de água na boca e um dia, não resistindo mais, disse às irmãs:
– Nosso pai nos ama demasiado para que sua praga recaia sobre nós; acho que só o fará com os estranhos.
Assim dizendo, a jovem colheu uma esplêndida maçã e, dirigindo-se às irmãs, disse-lhes:
– Ah, queridas irmãzinhas, provem um bocadinho! Em toda minha vida jamais comi uma fruta tão gostosa.
As outras, também gulosas, deram uma dentada na maçã e, imediatamente, as três afundaram pela terra a dentro, desaparecendo para tão longe, onde já não se ouvia o galo cantar, e ninguém ficou sabendo.
Ao meio-dia, o rei chamou-as para almoçar. Procurou-as por toda parte e não as encontrou. Muito aborrecido com o desaparecimento delas, mandou anunciar por todo o reino que, quem encontrasse as três princesas, receberia uma delas por esposa.
Foi um alvoroço geral; muitos jovens partiram de seus lares, fazendo o impossível para encontrá-las, pois as princesas eram muito queridas pelos seus dotes de bondade, gentileza e beleza. Entre os candidatos, arrolaram- se também três caçadores e, após oito dias de busca incessante, foram dar a um enorme castelo no qual havia salões maravilhosos; num desses salões, viram uma suntuosa mesa, posta, coberta de iguarias doces, tão quentes que ainda fumegavam; mas em todo o castelo, nada se ouvia, nem se via alma viva.
Aguardaram ainda meio-dia e as iguarias continuavam sempre quentes e fumegantes; por fim, apertando a fome, resolveram sentar-se à mesa e comer. Depois, decidiram permanecer no castelo e tirar a sorte para que um ficasse de plantão enquanto os outros iriam à procura das princesas. Assim fizeram e, por sorte, coube ao mais velho ficar de plantão.
Logo no dia imediato, os dois mais moços sairam à procura das princesas, enquanto o mais velho ficava em casa. Quando deu meio-dia, ele viu chegar um gnomo, o qual lhe pediu um bocadinho de pão; o caçador pegou e cortou uma grande fatia de pão, estendendo-a ao gnomo, que a deixou cair no chão; o gnomo pediu-lhe, por favor, que a apanhasse. O caçador obedeceu e abaixou-se para pegar a fatia, nisso o gnomo agarrou-o pelos cabelos e encheu-o de bordoadas.
No dia seguinte, foi a vez do segundo caçador ficar em casa e não teve melhor sorte, Ao anoitecer, quando os outros regressaram, o mais velho perguntou:
– Que tal? Como andaram as coisas?
– Oh, da pior maneira possível; – respondeu o outro.
Um confiou ao outro suas provações, mas nada disseram ao mais moço. Não o suportavam e tratavam-no sempre de João-Bobo, justamente porque era muito simples.
No terceiro dia, ficou João-Bobo em casa e os outros foram-se. Ao meio-dia, chegou o gnomo e pediu-lhe um pedaço de pão. O rapaz deu-lhe o pão e o gnomo deixou-o cair, pedindo-lhe que o apanhasse; então João-Bobo respondeu.
– Como assim! Não podes apanhá-lo tu mesmo? Se não queres ter trabalho para ganhar teu pão cotidiano, também não mereces comê-lo.
O gnomo ficou furioso e exigiu que ele o apanhasse; mas o moço, sem perder tempo, agarrou o gnomo e surrou-o valentemente. O gnomo gritava como um possesso:
– Chega, chega! Larga-me; eu to contarei onde estão as princesas.
Ouvindo isso, o moço largou-o e o gnomo contou-lhe que havia mais de mil gnomos por aí e que moravam debaixo da terra. Disse-lhe que o seguisse e ele lhe mostraria aonde estavam as princesas. Mostrou-lhe um poço muito fundo mas sem água dentro. Sabia, continuou o gnomo, que seus irmãos não eram sinceros e não tinham boas intenções para com ele; portanto, se quisesse libertar as princesas tinha que agir sozinho. Os dois mais velhos desejavam, também, ardentemente, encontrar as princesas, mas não queriam ter muito trabalho, nem amolações. Deu-lhe, pois, todas as instruções.
Antes de mais nada, devia munir-se de um grande cesto, sentar-se dentro com o facão de caça e uma campainha; depois descer ao fundo do poço; lá encontraria três quartos; dentro de cada um deles estava uma princesa guardada por um dragão enorme com muitas cabeças; ele teria de as cortar todas. Após ter dito tudo isso, o gnomo desapareceu.
Ao anoitecer, regressaram os outros dois e perguntaram-lhe como tinham corrido as coisas.
– Oh, não correram mal de todo! Não vi alma viva até o meio-dia, quando apareceu um gnomo que me pediu um pedaço de pão.
Em seguida, contou que, tendo-lhe dado o pão, o gnomo deixara-o cair, pedindo que o apanhasse; como se negasse a fazê-lo, o gnomo enfureceu-se; então, pegara-o e dera-lhe tamanha surra que o gnomo acabara por lhe revelar onde se encontravam as princesas.
Os outros dois caçadores ficaram verdes e amarelos de raiva. Mas, na manhã seguinte, foram juntos até onde se achava o poço e lá tiraram a sorte para ver quem desceria primeiro. Tocou ao mais velho, que entrou no cesto munido do facão e da campainha, dizendo:
– Quando eu tocar a campainha, puxai-me para cima.
Mal acabava de descer, ouviu-se a campainha tocando furiosamente; então puxaram-no depressa para cima. Em seguida, foi o segundo, que procedeu da mesma forma; e, finalmente, chegou a vez do terceiro; entrou no cesto e desceu até ao fundo do poço. Lá saiu, e com o facão de caça na mão postou-se diante de uma porta, a escutar; ouviu o dragão roncando sonoramente. Com muito cuidado, abriu a porta e entrou no quarto, onde viu a princesa mais velha com as nove cabeças do dragão reclinadas no colo. O moço, então, agarrou prontamente a faca e, com alguns vigorosos golpes bem dados, decepou as nove cabeças.
A princesa levantou-se de um pulo, atirou-se-lhe aos braços, beijando-o e abraçando-o com grande alegria; em seguida, tirou um colar de ouro vermelho e colocou no pescoço do caçador. Este foi à outra porta e lá viu a segunda princesa, tendo no regaço as sete cabeças de outro dragão; não teve dificuldades em libertar essa também. Depois, foi ao quarto onde estava a mais moça, tendo ao colo as quatro cabeças de outro dragão. E fez o mesmo que fizera aos outros.
A alegria das três irmãs era indizível, nunca acabavam de se abraçar e beijar e fazer mil perguntas. Então, João-Bobo agitou, com força, a campainha e, assim que os irmãos lhe mandaram o cesto, fez subir as princesas, uma de cada vez; mas, quando chegou a vez dele, lembrou-se da advertência do gnomo a respeito das más intenções dos irmãos. Então, apanhou uma grande pedra e colocou-a dentro do cesto e, quando este ia subindo e já estava na metade do caminho, os cruéis irmãos cortaram a corda e o cesto despencou com o peso da pedra.
Os dois malvados, julgando que João-Bobo tivesse morrido, fugiram mais que depressa com as três princesas, obrigando-as a prometer que diriam ao pai terem sido salvas por eles dois. Chegando ao castelo, pediram as princesas em casamento.
Enquanto isso, João-Bobo perambulava sozinho e tristonho por entre os quartos onde matara os dragões, pensando que aí teria que acabar sua pobre vida. Deu com os olhos numa flauta pendurada na parede; muito admirado, perguntou.
– Que fazes aí dependurada nessa parede? Aqui ninguém pode sentir-se tão alegre, que tenha vontade de tocar!
Depois, contemplou as cabeças dos dragões e disse:
– Nem vós podeis me ajudar!
E continuou passeando de um lado para outro até o pavimento tornar-se liso. Cansado, teve uma ideia; tirou a flauta da parede e pôs-se a modular qualquer coisa; nisso viu chegar uma quantidade enorme de gnomos. Cada nota que saia da flauta chamava mais outros, e chegaram tantos que ele não os poderia contar.
Perguntaram-lhe o que desejava, e ele respondeu que queria regressar à terra e ver a luz do dia. Então os gnomos, todos juntos, cada um pegando num fio de cabelo, sairam voando com ele até à superfície da terra.
Uma vez fora do poço, João-Bobo foi direitinho ao castelo, onde faziam os preparativos para as bodas da princesa mais velha; dirigiu-se, diretamente, ao salão em que se achava o rei com as três filhas. Estas, ao vê-lo, ficaram tão assustadas que uma delas desmaiou. Diante disso, o rei enfureceu-se e mandou prendê-lo, julgando que aí estava para fazer algum mal às jovens. Mas quando a princesa recobrou os sentidos, logo pediu ao rei que o pusesse em liberdade. O pai quis saber a razão de tudo aquilo, elas porém disseram que não podiam falar. Achando inútil insistir, o pai disse que poderiam jogar o segredo dentro do fogo; em seguida, retirou-se e foi postar-se atrás da lareira e de lá ouviu tudo o que elas disseram entre si e ao fogo.
Em seguida, mandou chamar os dois irmãos perversos e condenou-os à morte. A filha mais moça casou-se com João-Bobo e viveu muito feliz.
Eu calcei um par de sapatos de vidro, tropecei numa pedra e o vidro fez tilim e os sapatos se quebraram.
Conto dos Irmãos Grimm
O JOVEM GIGANTE
Houve, uma vez, um camponês que tinha um filho do tamanho de um polegar mas, ao chegar à adolescência, não tinha crescido nem uma linha mais.
Certa vez, em que o camponês se dispunha a sair para o campo e arar a terra, o pimpolho chegou-se a ele e disse:
– Pai, leva-me contigo!
– Queres ir ao campo? – perguntou o pai, – é melhor ficares aqui; lá não ajudas nada e além disso poderias perder-te.
Polegarzinho, então, pôs-se a chorar. Para que não o amolasse mais, o camponês meteu-o no bolso e levou-o consigo. Chegando ao campo, tirou o pequeno do bolso e acomodou-o num sulco recém-aberto, deixando-o lá sentado; nisso veio descendo da montanha um enorme gigante e o pai, apontando-o, disse ao menino, pondo-lhe medo para que ficasse quietinho:
– Estás vendo aquele monstro? Ele vem buscar-te!
Com as longas pernas, o gigante em dois passos chegara junto deles; com dois dedos ergueu delicadamente Polegarzinho, examinou-o bem e, sem proferir palavra, levou-o embora. De tão assustado, o pai ficara imóvel sem abrir a boca, pensando que acabava de perder o filhinho e que jamais o tornaria a ver nesta vida.
Entretanto, o gigante levou o pequeno para casa, mandando a mulher que o amamentasse; graças a isso Polegarzinho cresceu rapidamente, tornando-se grande e forte como os gigantes. Decorridos dois anos, o gigante velho levou-o à floresta, querendo experimentá-lo, e disse:
– Arranca uma varinha para ti.
O rapaz era já tão forte que arrancou da terra uma árvore com raiz e tudo. Mas o gigante não ficou satisfeito e disse:
– Deves fazer coisa melhor.
Voltou com ele para casa e sua mulher amamentou-o por mais dois anos. Na segunda prova, a força do rapaz havia aumentado a ponto de lhe permitir que arrancasse uma velha árvore troncuda. Mas, nem assim, o gigante se satisfez; entregou-o novamente á mulher por mais dois anos ainda, findos os quais levo-o á floresta, dizendo-lhe:
– Arranca uma boa vara que preste!
Dessa vez, o rapaz arrancou um enorme carvalho como se estivesse brincando.
– Bem, – disse o gigante, – agora chega; já estás habilitado.
E levou o rapaz de volta ao campo, onde o havia encontrado. O camponês lá estava empurrando o velho arado. Então o rapaz dirigiu-se a ele, dizendo:
– Olha meu pai, que homenzarrão se tornou teu filho!
O camponês espantou-se e exclamou:
– Não, tu não é o meu filho; nada quero contigo, vai-te embora.
– Sou realmente teu filho! Deixa-me trabalhar, sei arar tão bem ou melhor do que tu.
– Não, não; tu não és meu filho e não sabes arar coisa nenhuma; vai-te embora.
Mas, estando com medo daquele homenzarrão, largou o arado, afastou-se e foi sentar-se à margem do campo. Então o rapaz pegou no arado, segurou-o com uma só mão, mas tão fortemente que o mesmo afundou na terra. Vendo aquilo o camponês não se conteve e gritou:
– Se de fato queres arar, não deves imprimir tanta força, pois só farias um trabalho mal feito.
O rapaz, como resposta, desatrelou os cavalos e posse a puxar sozinho o arado, dizendo:
– Podes voltar para casa, meu pai. Não te esqueças de dizer à minha mãe que prepara um belo caldeirão de comida para o jantar, enquanto isso acabarei de arar o campo.
Voltando para casa, o camponês mandou a mulher preparar o jantar, enquanto o rapaz arava sozinho aquela grande extensão de terra; depois, pegou na grade e num breve lapso de tempo destorroou o campo. Uma vez terminado o trabalho, dirigiu-se a um bosque ali perto, arrancou dois carvalhos, colocou-os às costas, pondo por cima deles as grades, por cima das grades o arado, os cavalos e tudo o mais, e, como se estivesse carregando um feixe de palhas, levou tudo para casa.
Quando chegou no quintal da casa, a mãe não o reconheceu e perguntou;
– Quem é aquele homenzarrão espantoso?
– Ê nosso filho, – respondeu o camponês.
– Não, – disse ela, – não pode ser nosso filho. Jamais tivemos um filho tão grande; o nosso era um tiquinho.
E gritou-lhe da janela:
-Vai-te embora, não te queremos aqui.
O rapaz não respondeu, levou os cavalos para a estrebaria, deu-lhes feno e aveia como era preciso, depois foi para a sala e sentando-se no banco disse:
– Mãe, estou com fome, já está pronta a comida?
A mãe trouxe para a mesa dois pratos enormes e tão cheios, que daria para alimentar o casal durante oito dias. Mas o rapaz devorou tudo sozinho num instante e ainda perguntou se não havia mais.
– Não, isso é tudo o que temos.
– Isso foi apenas a amostra, para mim é preciso muito mais.
Com receio dele a mãe pês no fogo o caldeirão com que fazia comida para os porcos, cheio até transbordar, e, quando a comida ficou pronta, serviu-a.
– Até que enfim chegam mais algumas migalhas! – disse o rapaz. E comeu tudo, mais ainda não era o suficiente para matar-lhe a fome. Então, disse:
– Meu pai, bem vejo que na tua casa nunca conseguirei matar a fome; queres arranjar-me um cajado de ferro, bem forte, que eu não possa quebrá-lo sobre os joelhos? Depois ir-me-ei embora daqui.
O camponês alegrou-se; atrelou os dois cavalos no carro e foi à casa do ferreiro buscar uma barra tão grande e grassa que os cavalos mal apenas podiam transportar. O rapaz pegou-a e, com o joelho, partiu-a pelo meio como se fora uma frágil bengala e atirou-a fora.
Então o pai atrelou quatro cavalos no carro e foi buscar uma barra de ferro tão grossa que os quatro cavalos quase não podiam transportar. E, novamente, o filho partiu-a, com o joelho, em dois pedaços; jogando-a fora, disse:
– Meu pai, isto é pouco; é preciso atrelar mais cavalos e ir buscar uma barra mais forte.
O pai, então, atrelou oito cavalos e foi buscar uma barra tão grossa e forte que os oito cavalos quase não podiam transportar. Quando o filho pegou na mão essa barra, logo quebrou-lhe uma das pontas.
– Vejo, meu pai que não consegues arranjar-me o cajado adequado, portanto não ficarei mais aqui.
Foi-se embora, fazendo-se passar por um ajudante de ferreiro. Assim chegou a uma aldeia onde morava um ferreiro tremendamente avarento, que nunca dava nada a ninguém e tudo queria para si; o rapaz entrou na ferraria perguntando se não necessitavam de um bom ajudante. O ferreiro contemplou-o de alto abaixo, depois disse:
– Sim, estou precisando de um, – e pensava consigo mesmo: “Este é um mocetão vigoroso, deve ser capaz de bater o malho com força e ganhar honestamente o pão!”
– Quanto queres ganhar? – perguntou-lhe.
– Não quero salário algum. – respondeu o moço; – quero somente que me permitas dar-te, em cada quinzena, quando pagas os outros empregados, dois pontapés para ver se aguentas.
O avarento ficou bem satisfeito com a proposta, achando que economizaria um bom dinheiro.
Na manhã seguinte, o novo ajudante foi encarregado de bater o malho, mas, quando o oficial-ferreiro manejou o ferro incandescente, o rapaz assestou-lhe tal golpe de malho que o reduziu a migalhas e, ainda por cima, enterrou a bigorna no chão, tão profundamente que nunca mais foi possível desenterrá-la. Terrivelmente zangado com isso, o ferreiro disse-lhe:
– Olá, rapaz vejo que não podes servir; és muito desastrado e bates com demasiada violência. Quanto queres por aquele único golpe?
O rapaz respondeu:
– Quero apenas que me deixes dar-te um levíssimo pontapé, e nada mais.
O homem concordou; então, levantando a perna, o rapaz assestou-lhe tamanho pontapé que o outro voou além de quatro carros de feno. Depois escolheu a barra mais forte que encontrou na oficina e, servindo-se dela como de um cajado, foi-se embora.
Andou um pouco, sem direção certa, até que avistou uma granja; foi até lá e perguntou ao administrador se não estava precisando de um feitor.
– Estou, sim – respondeu o outro; – tu me pareces forte e decidido, capaz de fazer bom trabalho. Quanto queres ganhar por ano?
Ele respondeu que não queria salário algum; queria apenas que lhe permitisse dar-lhe três pontapés por ano, mas que os deveria aguentar.
O administrador, que também era um grande avarento, aceitou a proposta. Na manha seguinte, os empregados deviam ir cortar lenha na floresta; já estavam todos levantados e prontos para partir, só o rapaz continuava ainda dormindo. Então, um deles gritou-lhe:
– Ei, levanta, já está na hora, seu preguiçoso! Temos de ir rachar lenha na floresta e tu também tens que vir conosco.
– Podem ir, – grunhiu impaciente o rapaz; – chegarei antes de todos.
Não se conformando, os empregados foram ter com o administrador, queixando-se do feitor que ainda estava na cama e não queria ir com eles. O administrador mandou que o chamassem, novamente, para que fosse atrelar os cavalos; mas o dorminhoco repetiu:
– Podeis ir adiante; sempre chegarei antes de todos.
E continuou a dormir mais umas duas horas e depois levantou-se. Antes de ir trabalhar, ainda foi ao celeiro buscar dois alqueires de ervilha e com elas preparou um excelente mingau. Muito sossegadamente comeu o mingau e depois foi atrelar os cavalos e dirigiu-se para a floresta, mas, pura chegar lá, tinha de passar por um estreito desfiladeiro; fez passar primeiro o carroção, em seguida voltou atrás e arrancando algumas árvores fez com elas uma barricada que impedia a passagem de qualquer cavalo. Depois, foi indo e, quando chegou à floresta, os companheiros já vinham de volta com os carros carregados de lenha. O rapaz tornou a repetir:
– Podeis ir; sempre chegarei antes.
Não se deu ao trabalho de penetrar muito na floresta, arrancou algumas árvores como se fossem gravetos, por aí mesmo, carregou-as no carro e voltou. Ao chegar onde estava a barricada, os companheiros estavam lá sem poder passar, pois a barricada obstruia-lhes o caminho.
– Estais vendo, – disse ele; – se tivésseis ficado comigo chegaríeis todos na mesma hora, com a vantagem de dormir um pouco mais.
Foi tocando os cavalos, mas estes não conseguiram passar; então desceu do carro, desatrelou os cavalos, embarcando-os junto com a lenha, pegou nos varais e, com todo aquele peso, passou com a mesma facilidade como se estivesse puxando um carro de plumas. Transposto o obstáculo, voltou-se e disse aos outros:
– Vistes? Passei mais depressa que todos.
Continuou o caminho tranquilamente, enquanto que os companheiros ficaram lá parados resolvendo os próprios problemas. Entrando no terreiro da casa, o rapaz agarrou uma daquelas árvores enormes com uma só mão e, mostrando-a ao administrador, disse:
– Não é uma boa tora?
O administrador virou-se para a mulher, exclamando:
– Esse camarada é bom mesmo! Embora durma mais do que os outros, ainda assim chega primeiro.
O rapaz trabalhou na granja durante um ano, findo o qual o administrador distribuiu o salário aos outros empregados; – então o rapaz disse que chegara o momento de ajustar também as contas. Mas agora o administrador estava com medo de receber os pontapés convencionados e pediu-lhe, encarecidamente, que o perdoasse. A ter de receber os pontapés, preferia que o rapaz se tornasse administrador e ele simples feitor.
– Não, – respondeu o moço, – não quero ser administrador; sou e continuarei sendo feitor, mas faço questão de executar o que foi combinado.
O administrador propôs dar-lhe tudo o que ele quisesse, mas em vão. O rapaz não quis aceitar coisa alguma. O administrador, não sabendo para que santo apelar, pediu-lhe então que prorrogasse o pagamento por uns quinze dias, para ter tempo de refletir.
O feitor consentiu. Então o administrador reuniu todos os escrivães para que o ajudassem a resolver a questão. Os escrivães meditaram, profundamente, e acabaram concluindo que, com esse feitor ali, ninguém tinha a vida segura, pois ele mataria qualquer pessoa como se fosse minúsculo mosquito. Aconselharam-no a que o mandasse limpar o poço e, quando ele estivesse no fundo fazendo a limpeza, eles aproveitariam para atirar-lhe na cabeça a mó que estava aí porto e assim o perigoso rapaz não voltaria nunca mais a ver a luz do sol!
Tal conselho agradou ao administrador que mandou sem mais demora o rapaz limpar o poço, o qual obedeceu e entrou nele. Enquanto estava lá no fundo trabalhando, os outros rolaram depressa a grande mó deixando-a cair no poço, certos de lhe terem esmigalhado o crânio; mas ele gritou.
– Enxotem as galinhas daí. Elas ficam ciscando perto do poço e me jogam areia nos olhos, cegando-me a vista.
Então o administrador, vendo que as mós não faziam efeito, fingiu tocar as galinhas fazendo: xó, xó.
Terminado o trabalho, o feitor saiu do poço, dizendo:
– Olha que belo colar eu tenho!
Era, simplesmente, a mó que tinha enfiada no pescoço.
Já se esgotara o prazo determinado; então, o rapaz exigiu que fosse efetuado o pagamento, mas o administrador pediu outra prorrogação de quinze dias e convocou nova reunião dos escrivães para que o ajudassem; estes o aconselharam a que mandasse o feitor ao moinho enfeitiçado, durante a noite, para moer o grão, pois era sabido que quem passasse a noite lá não saia vivo.
O administrador achou a ideia ótima e, nessa mesma tarde, deu ordens ao feitor para que levasse oito alqueires de grão ao moinho e o moesse durante a noite, alegando que tinha grande urgência disso.
O feitor obedeceu. Foi ao celeiro, pôs dois alqueires de grão no bolso direito, dois no bolso esquerdo e os outro quatro numa sacola, pendendo metade nas costas e metade na frente; assim carregado foi para o moinho enfeitiçado.
Lá, o moleiro contou-lhe que durante o dia podia moer à vontade, mas à noite era impossível, porque o moinho estava embruxado e quem nele entrasse de noite, de manhã seria encontrado morto. Mas o rapaz disse com otimismo:
– Eu darei um jeito. Quanto a vós, podeis descansar as orelhas no travesseiro e dormir sossegadamente.
Em seguida, entrou no moinho, despejou o grão na canoura e, por volta das onze horas, foi sentar-se no quarto ao lado. Depois de certo tempo que estava aí sentado tranquilamente, abriu-se inopinadamente a porta e por ela foi entrando uma grande mesa, enorme. Depois foi aparecendo sobre a mesa vinhos, assados e muitos outros petiscos deliciosos. As cadeiras achegaram-se sozinhas junto da mesa, mas não viu ninguém sentar-se e, de repente, viu uma porção de dedos manejando facas e garfos e servindo comida nos pratos, sem que aparecesse ninguém.
O rapaz, que estava com uma fome de lobo, vendo toda aquela comida não hesitou, sentou-se junto da mesa e comeu com o maior apetite. Quando acabaram de comer e todos os pratos estavam vazios, apagaram-se as luzes, reinando a maior escuridão. Ouviu alguém chamando-o e, logo depois, recebeu uma forte bofetada em pleno rosto. Então protestou:
– Se isto se repetir, eu também começarei a distribuir bofetadas a torto e a direito.
A segunda bofetada não se fez esperar; então, ele posse a distribuir sopapos com u maior boa vontade do mundo, continuando assim a noite inteira. Não recebeu nenhuma grátis; todas que lhe chegavam recebiam o troco dobrado. E quando, finalmente, raiou o dia, cessou todo aquele pandemônio. Ao levantar-se da cama, o moleiro foi logo para o moinho, querendo saber que fim tinha levado o rapaz e, vendo-o ainda vivo e são, ficou tão espantado que quase caiu de costas.
– Comi tanto e tão bem como nunca na minha vida, – disse-lhe o rapaz. – É verdade que levei uma boa dose de bofetadas, mas também as retribui com gosto.
O moleiro não cabia em si de alegria, pois, com essa façanha, o moinho libertara-se do feitiço e desejou dar-lhe muito dinheiro para recompensá-lo de tudo. Mas o rapaz disse-lhe:
– Não aceito dinheiro, já tenho suficiente.
Em seguida, carregando os sacos de farinha nas costas, voltou para a granja e foi dizer ao administrador que, tendo executado as ordens, vinha cobrar o pagamento antes combinado.
O pobre administrador, diante disso, quase morreu de susto. Completamente desatinado, andava de cá para lá na sala, o suor escorrendo-lhe do rosto. Sentiu necessidade de respirar um pouco de ar fresco e dirigiu-se à janela, abrindo-a de par em par; mas, quando menos o esperava, o feitor assestou-lhe tamanho pontapé que o atirou fora da janela, fazendo-o voar tão longe, tão longe que nunca mais o viram. Feito isto, o feitor disse à mulher do administrador:
– Se ele não voltar, terás que receber em seu lugar o segundo pontapé.
– Não, não, – gritou ela assustada; – eu não aguentaria.
E aproximou-se da janela, porque o suor lhe banhava o rosto. Ele aproveitou a oportunidade e deu-lhe, com força, o segundo pontapé, fazendo-a voar pelos ares, e, sendo ela mais leve que o marido, foi para muito mais longe ainda.
O marido gritou-lhe de onde estava:
– Vem junto de mim!
– Eu não posso, – gritou ela, – vem tu perto de mim!
E assim, librando-se no espaço, lá ficaram sem poder um alcançar o outro.
Se ainda estão lá, não sei; só sei que o jovem gigante pegou no cajado de ferro e continuou a correr mundo.
Conto dos Irmãos Grimm
A PASTORINHA DE GANSOS
Era uma vez uma velha rainha, cujo marido havia morrido há muitos e muitos anos, e ela tinha uma filha que era muito linda. Quando a princesa cresceu, ela foi prometida a um príncipe que vivia muito longe. Quando chegou a época dela se casar, e ela tinha que fazer uma longa viagem para o reino distante, a rainha já idosa embalou para ela muitos utilitários caríssimos de prata e ouro, e pequenas jóias de ouro e prata, e taças e bijuterias, enfim, tudo que faria parte do dote real, porque ela amava a sua filha de todo seu coração.
Deu a ela de presente também a sua dama de companhia, que ia também viajar com ela, e a entregou para o noivo, e cada uma viajava em um cavalo, mas o cavalo da princesa se chamava Falada, e ele sabia falar. Então, quando chegou a hora da partida, a idosa rainha entrou no quarto da princesa, pegou uma pequena faca e cortou o dedo dela com a faca até que ele sangrou, então ela prendeu o sangue com um lenço branco no qual ela deixou cair três gotas de sangue, deu o lenço para a sua filha e disse,
— “Querida filhinha, cuide deste lenço com muito cuidado, ele será útil para você durante a sua caminhada.”
Então, elas se despediram com muita tristeza uma da outra, a princesa colocou o pedaço de pano junto ao peito, montou no cavalo, e depois foi embora para junto do seu noivo. Depois que ela tinha caminhado um bom pedaço do caminho, ela sentiu uma vontade louca de beber água, e disse para a sua dama de companhia:
— “Desça do cavalo, e pegue a taça que você trouxe para mim, e vá buscar um pouco de água da fonte, pois estou com sede.”
— “Se você está com sede,” disse a dama de companhia, “desça você mesma do cavalo, se vire e beba toda água que desejar, eu não escolhi para ser sua criada.” Então, como a princesa estava com muita sede, ela desceu, inclinou-se para pegar água, e bebeu diretamente do rio, não lhe sendo permitido as taças de ouro.
Então, ela disse: — “Ah, meu Deus.”.
E as três gotas de sangue responderam:
— “Se a tua mãe soubesse disso, ela ficaria de coração partido.”
Mas a filha do rei era humilde, não dizia nada, e montou no seu cavalo novamente. Caminhou mais algumas milhas do caminho, mas o dia estava quente, o sol quase a chamuscava, e ela ficou novamente com sede, e quando elas chegaram perto de um riacho de água, ela chamou a sua dama de companhia, e disse:
— “Desmonte, e traga para mim um pouco de água na minha taça de ouro,” pois ela já tinha esquecido do mau comportamento da garota.”
Mas a dama de companhia disse ainda de maneira mais arrogante:
— “Se você quiser beber, beba quanto quiser, eu não escolhi ser sua criada.” Então, como a princesa estava com muita sede, ela desceu, se inclinou diante da fonte de água corrente, chorou e disse:
— “Oh, meu Deus.” e as gotas de sangue disseram:
— “Se a tua mãe soubesse disso, ela ficaria de coração partido.”
E enquanto ela estava bebendo água, estando inclinada para dentro do riacho, o lenço com as três gotas de sangue cairam do seu peito, e foram flutando pela água e ela não percebeu isso, de tão preocupada que ela estava.
A dama de companhia, no entanto, viu quando o lenço foi embora, e ela ficou muito feliz em pensar que a princesa não teria mais nenhuma força, pois ela havia perdido as gotas de sangue, e então, se tornara fraca e sem poder. Foi aí que ela tentou montar no cavalo novamente, aquele cujo nome era Falada, e a dama de companhia disse:
— “Falada é mais adequado para mim, você irá no meu cavalo,” e a princesa teve de aceitar isso.
Então, a dama de companhia, usando de palavras duras, pediu para que a princesa trocasse todo o seu vestuário real pelas roupas velhas dela, e ainda ela foi obrigada a jurar pelo céu claro lá do alto que ela não diria nenhuma palavra sobre tudo aquilo na corte do rei, e se ela não cumprisse o juramento ela morreria no mesmo lugar. Mas, Falada via tudo isso e guardava tudo na memória.
A dama de companhia agora estava montada no Falada, e a noiva verdadeira o cavalo velho, e assim eles seguiram a viagem, até que finalmente eles entraram no palácio real. Grande foi a felicidade geral quando ela chegou, e o príncipe correu para abraçá-la, ajudou a dama de companhia a se levantar do seu cavalo, e pensou que era ela a pessoa com quem ele iria se casar. Ela foi conduzida para os aposentos superiores, mas a princesa real ficou esperando lá embaixo.
Então, o rei já idoso olhou para fora da janela e a viu parada, esperando no pátio, e como ela era frágil e delicada, e imediatamente foi até o apartamento real, e perguntou à noiva sobre a jovem que a acompanhava e que estava esperando lá embaixo no pátio, e queria saber quem ela era?
— “Eu a encontrei no caminho e a trouxe para minha companhia, dê a ela algum trabalho a fazer, para que ela não fique sem fazer nada.”
Mas o velho rei não tinha trabalho para ela, e não não se lembrava de nada, então, ele disse,
— “Eu tenho um pequeno garoto que cuida dos gansos, ela poderia ajudá-lo.” O garoto se chamava Conrado, e assim a noiva verdadeira teve de ajudá-lo a cuidar dos gansos. Pouco depois, a falsa noiva disse para o jovem rei,
— “Meu querido marido, gostaria de lhe pedir um favor.” Ele respondeu:
— “Farei tudo que você me pedir com a maior alegria.”
— “Então, mande cortar a cabeça do cavalo que me trouxe até aqui e mande-o para o matadouro, porque ele me deixou enfastiado durante o caminho.”
Na realidade, ela tinha medo que o cavalo pudesse contar como ela tinha se comportado mal com a filha do rei. Então, ela conseguiu fazer com que o rei prometesse que isso seria feito, e o fiel Falada teve de morrer; e isto chegou aos ouvidos da princesa real, e ela secretamente prometeu ao dono do matadouro que lhe daria uma peça de ouro se ele fizesse um pequeno serviço para ela.
Naquela cidade havia um portão muito escuro, e por esse portão todos os dias de manhã e a noite ela tinha de passar com os gansos: ela pediu, pois, para que ele fizesse a gentileza de colocar a cabeça do cavalo na frente do portão, para que ela pudesse vê-lo sempre que passasse por ali. O dono do matadouro lhe prometeu que faria isso, e cortou a cabeça do cavalo, e a fixou bem debaixo do portão escuro.
De manhã bem cedo, quando ela e o Conrado passava com o seu bando de gansos debaixo deste portão, ela dizia ao passar:
— “Ai, Jesus, o Falada está pendurado ali!”
Então, a cabeça do cavalo respondia:
— “Ai de ti, jovem rainha, que preço alto estás pagando!”
“Se tua doce mãe soubesse disso,”
“O coração dela se partiria em dois.”
Então, eles continuaram o caminho para fora da cidade, e levaram os gansos para o campo. E quando eles chegaram nas pradarias, ela se sentou, soltou seus cabelos que eram como se fossem de ouro puro, e Conrado, vendo isso, se encantava com o seu brilho, e teve vontade de arrancar alguns fios. Então, ela disse:
— “Sopra, sopra, doce vento, estou te pedindo”
“Sopra para longe o chapéu do Conrado,”
“E obriga-o a correr pra lá e prá cá,”
“Até que eu tenha terminado de trançar meus cabelos,”
“E eles estejam presos de novo.”
E de repente soprou um vento tão forte, que levou o chapéu do Conrado para longe pelos campos, e ele foi obrigado a correr atrás do chapéu. Quando ele voltou, ela tinha terminado de pentear os cabelos e de se arrumar e ele não conseguiu pegar nenhum fio de cabelo dela. Então, Conrado ficou bravo, e não queria falar com ela, e assim eles ficaram vigiando os gansos até o anoitecer, e depois foram para casa.
No dia seguinte, quando eles estavam levando os gansos e passando pelo portão escuro, a garota falou:
— “Ai, Jesus, o Falada está pendurado ali!”
Então, a cabeça do Falada respondia:
— “Ai de ti, jovem rainha, que preço alto estás pagando!”
“Se tua doce mãe soubesse disso,”
“O coração dela se partiria em dois.”
E ela se sentava novamente no campo e começou a pentear o cabelo, e o Conrado correu para tentar pegar um, então, ela falou depressa:
— “Sopra, sopra, doce vento, eu estou dizendo”
“Sopra para longe o chapéu do Conrado,”
“E obriga-o a correr pra lá e prá cá,”
“Até que eu tenha terminado de trançar meus cabelos,”
“E os meus cabelos estejam presos de novo.”
E de repente soprou um vento tão forte, que levou o chapéu do Conrado para bem longe, e ele foi obrigado a correr atrás do chapéu, e quando ele voltou, ela tinha terminado de pentear os cabelos e de arrumá-los e ele não conseguiu pegar nenhum deles, e assim eles ficaram vigiando os gansos até o anoitecer.
Mas à noite depois que eles chegaram em casa, Conrado foi até o rei já idoso e disse:
— “Eu não quero mais cuidar dos gansos com aquela garota!”
— “Porque não,” perguntou o rei que já estava velho.
— “Oh, porque ela me irrita o dia todo.” Então, o velho rei pediu para que ele relatasse o que ela havia feito para ele. E o Conrado disse:
— “De manhã, quando nós passamos debaixo do portão escuro com os gansos, havia uma horrível cabeça de cavalo pregada na parede, e ela dizia para ele:
— “Ai, Jesus, o Falada está pendurado ali!”
E a cabeça respondia:
— “Ai de ti, jovem rainha, que preço alto estás pagando!”
“Se tua doce mãe soubesse disso,”
“O coração dela se partiria em dois.”
E Conrado continuou contando o que aconteceu durante a pastagem dos gansos, e como ele tinha de correr sempre para pegar o seu chapéu.
O idoso rei exigiu que ele levasse os gansos para pastar no dia seguinte, e assim que a manhã chegou, ele se posicionou atrás do portão escuro, e ouviu como a garota falava com a cabeça do Falada, e então, o rei também foi até o campo, e se escondeu no matagal das pradarias.
Então, lá ele viu com seus próprios olhos a pastora e o pastor de gansos trazendo o bando de aves, e como depois de algum tempo ela se sentou e destrançava o cabelo, que brilhava com fulgor. E ela falou logo:
— “Sopra, sopra, doce vento, estou dizendo”
“Sopra para longe o chapéu do Conrado,”
“E obriga-o a correr pra lá e prá cá,”
“Até que eu tenha terminado de trançar meus cabelos,”
“E eles estejam presos de novo.”
Imediatamente uma rajada de vento se aproximou e levou o chapéu do Conrado, então, ele teve de correr para bem longe, enquanto a garota continuava penteando e trançando o seu cabelo, e tudo isso o rei observava. Depois, sem ser visto, o rei foi embora, e quando a pastorinha de gansos chegou em casa ao anoitecer, ele a chamou de lado, e perguntou porque ela tinha feito todas aquelas coisas.
— “Não posso lhe dizer,” respondeu ela, “e nem ouso chorar as minhas desventuras a qualquer ser humano, pois eu jurei não fazer isso pelo céu que está sobre a minha cabeça, se eu não tivesse feito esse juramento, eu teria morrido.”
O rei insistiu com ela e não a deixava em paz, mas ele não conseguiu tirar nada dela. Então, ele disse,
— “Se você não quer me falar nada, então, conte a tuas tristezas para o forno de ferro que fica ali,” e foi embora. Então, ela foi devagarzinho até o forno de ferro, e começou a chorar e a lamentar e aliviou todo o seu coração, e disse:
— “Aqui estou eu abandonada por todo o mundo, e todavia, sou filha do rei, e uma falsa dama de companhia me jogou nesta situação, porque fui obrigada a me desfazer de minhas vestes reais, e ela tomou o meu lugar junto ao meu noivo, e eu sou obrigada agora a realizar trabalhos humildes como pastorinha de gansos.”
“Se a minha mãe ficasse sabendo disso, o coração dela se partiria.” O idoso rei, todavia, ficou esperando do lado de fora e escutava tudo o que ela dizia pelo tubo da chaminé do forno. Então, ele voltou novamente, e pediu para que ela saísse do forno. E vestes reais foram colocadas nela, e era maravilhoso ver como ela ficou linda! O rei idoso chamou o seu filho, e revelou a ao príncipe que ele tinha se casado com a falsa noiva que não passava de uma dama de companhia, mas, que a verdadeira noiva estava de pé ali, cuidando de gansos o tempo todo.
O jovem rei sentiu uma grande alegria em seu coração quando ele viu como ela era bela e jovem, e uma grande festa foi preparada e todas as pessoas e todos os bons amigos foram convidados. Na cabeceira da mesa estavam o noivo com a princesa ao lado dele, e a dama de companhia do outro lado, mas a dama de companhia estava cega, e não reconheceu a princesa vestida em seu trajes deslumbrantes.
Depois que eles tinham comido e bebido, e estavam felizes, o idoso rei fez à dama de companhia uma adivinhação, o que uma pessoa merecia que tinha se comportado de tal e tal maneira com a sua ama, e ao mesmo tempo contou toda a história, e perguntou que sentença tal pessoa merecia? Então, a falsa noiva disse:
— “Ela merece não melhor destino do que ser desnudada completamente, e colocada dentro de um barril, que seja rebitado por dentro com pregos pontiagudos, e que dois cavalos sejam atrelados ao barril, para que ela seja arrastada por todas as ruas da cidade, uma após a outra, até que ela esteja morta.”
— “Pois essa criatura é você , disse o velho rei, “e você declarou a tua propria condenação, e isso será feito com você .” E quando a sentença foi executada, o jovem rei se casou com sua verdadeira noiva, e os dois viveram em todo o reino, em paz e felizes.
Conto dos Irmãos Grimm
A ANDORINHA QUE CANTAVA E PULAVA
Houve, uma vez, um homem que devia fazer uma longa viagem; despedindo-se de suas três filhas, perguntou-lhes o que queriam que lhes trouxesse. A mais velha pediu que lhe trouxesse lindas pérolas, a segunda pediu grandes diamantes e a terceira disse apenas:
– Meu pai, eu quero uma andorinha que canta e pula.
O pai sorriu e respondeu:
– Está bem; sé conseguir achá-la farei por trazê-la.
Depois beijou as três moças e partiu.
Chegando o momento de regressar a casa, levava consigo as pérolas e os diamantes para as duas mais velhas, mas a tal andorinha, que cantava e pulava, para a mais moça, não lhe foi possível descobrir em parte alguma; isso o aborrecia porque queria satisfazer a vontade da filha que era a sua predileta.
O caminho que percorria devia passar por uma floresta, no meio da qual havia um suntuoso castelo e perto do castelo uma frondosa árvore. Nos galhos mais altos dessa árvore, ele viu uma andorinha cantando e pulando.
– Ah chegas em boa hora! – exclamou ele muito contente.
Chamou o criado e mandou que trepasse na árvore e apanhasse a andorinha; quando este se aproximava da árvore, eis que pulou para fora um leão; sacudiu a juba e rugiu a ponto de fazer estremecer as copadas das árvores.
– Se alguém tentar roubar-me a andorinha que canta e pula, devoro-o – gritou ele.
– Perdão, – disse o homem – eu não sabia que o pássaro te pertence. Quero reparar meu erro e pagar-te com ouro maciço o resgate pela minha vida.
O leão respondeu, desdenhoso:
– Nada poderá salvar-te se não prometeres formalmente entregar-me a primeira coisa que te vier ao encontro quando chegares em casa. Se mó prometeres, dar-te- ei esse pássaro e, também, a vida.
O homem recusou esta proposta, dizendo:
– Essa primeira coisa bem poderia ser minha filha menor, que me tem mais amor do que as outras; essa é quem sempre corre ao meu encontro quando volto para casa.
O criado, porém, que estava meio morto de medo, disse:
– Tendes certeza de que será mesmo vossa filha quem virá ao vosso encontro? Poderia ser um gato um cão!
O homem acabou por se persuadir; pegou a andorinha que cantava e pulava, prometeu ao leão tudo o que ele queria e pôs-se a caminho de casa. Quando ia entrando, a primeira coisa que viu foi a filha, a mais nova e a predileta, que correu ao seu encontro abraçando-o e beijando-o muito feliz; quando viu que o pai trazia a andorinha que canta e pula, não coube em si pela alegria. Mas o pai não podia sentir alegria ao lembrar-se da promessa feita e, chorando tristemente, disse-lhe:
– Minha querida filhinha, esse pássaro custou-me muito caro; fui obrigado a prometer ao leão feroz que te daria a ele em troca disso. Ah, se fores ter com ele, serás estraçalhada e devorada num minuto!
Contou-lhe, pormenorizadamente, tudo o que havia acontecido, acrescentando que ela não devia ser sacrificada em cumprimento de tal promessa. A moça, porém, confortou-o como pôde, dizendo:
– Meu querido pai, o que prometeste é preciso que se cumpra; portanto, irei e farei tudo para amansar o leão e depois voltar, novamente, para casa sã e salva.
Na manhã seguinte, pediu que lhe indicassem o caminho; despediu-se de todos e penetrou, corajosamente, na floresta.
O feroz animal, porém, era simplesmente um príncipe encantado; durante o dia, assumia o aspecto de leão feroz c, igualmente, se transformavam em leões todos os seus servidores, mas, à noite, retomava o aspecto humano. A sua chegada, ela foi recebida com muita cortesia e introduzida no castelo. Quando chegou a noite, o leão voltou a ser o belo príncipe e, não tardou muito, o dois casaram-se, realizando uma festa magnificente.
Viviam eles completamente felizes, embora tivessem que dormir de dia e passar juntos a noite, acordados, com toda a sua corte. Decorrido algum tempo, o marido disse:
– Vai haver festa amanhã em casa de teu pai, será celebrado o casamento de tua irmã mais velha. Se quiseres ir, poderei mandar meus leões acompanhar-te.
Ela aceitou, pois estava morrendo de saudade do pai. Assim, no dia seguinte, foi para lá acompanhada pelos leões. À sua chegada, todos ficaram muito contentes e felizes, pois a supunham devorada pelo leão há muito tempo. Ela, porém, contou-lhes que belo marido possuía e como vivia feliz. Passou com eles todo o tempo que durou a festa de bodas e, depois, regressou ao seu palácio na floresta.
Não demorou muito e a segunda irmã também se casou e a moça foi convidada para os festejos. Ela disse ao leão:
– Desta vez, não quero ir só, tens que me acompanhar.
O leão explicou-lhe que era muito perigoso para ele. porque, se o mais tênue raio de luz o tocasse, ele se transformaria numa pomba c seria obrigado a andar durante sete anos com outras pombas.
– Ora, – disse ela, – eu te protegerei e tudo farei para preservar-te da luz; vem comigo!
O leão então decidiu ir e foram, levando consigo o seu filhinho. A moça mandou preparar uma sala com paredes tão herméticas que não permitissem a passagem do menor raio do luz, para que o leão se instalasse quando acendessem os archotes nupciais. Mas, sendo a porta desta sala de madeira ainda verde, abriu-se nela uma frestazinha imperceptível.
O casamento foi realizado com a máxima pompa, e, quando o cortejo regressou da igreja e passou diante da porta com suas velas e archotes acesos, um tênue fio de luz penetrou pela fresta e incidiu sobre o príncipe que, instantaneamente, se transformou em pomba; quando a moça foi ter com o marido, viu apenas uma pomba branca em seu lugar, a qual lhe disse com tristeza:
– Agora terei que voar pelo mundo afora durante sete anos; mas, a cada sete passos, deixarei cair uma gota de sangue e uma pena branca; isso te indicará meu caminho. Se o seguires, ainda poderás libertar-me.
Dito isto, saiu voando pela porta e ela o foi seguindo. A cada sete passos, caía no chão uma gota de sangue e uma pena branca pelas quais ela se orientava. Assim foi andando, sempre mais longe, pelo vasto mundo afora, sem nunca olhar para lado algum e sem nunca descansar. Quando já estavam quase para findar os sete anos. ela ficou feliz, pensando que a libertação não estava longe. Mas, infelizmente, estava ainda bem distante!
Certo dia, porém não viu cair nem uma gota de sangue e nem uma pena e, erguendo os olhos para o alto, viu que a pomba havia desaparecido. “Os homens não te poderão ajudar,” pensou ela. Então decidiu-se e foi ter com o Sol, perguntando-lhe:
– Tu, que brilhas desde os mais altos picos até às mais obscuras fendas, não viste passar voando uma pomba branca?
– Não, não vi; – respondeu o Sol – mas vou dar- te uma caixinha, que abrirás quando estiveres em grande dificuldade.
A moça agradeceu, cordialmente, e continuou andando, até que se fez noite e surgiu a Lua; ela foi e perguntou-lhe:
– Tu, que resplandeces à noite inteira sobre os campos e florestas, não viste por acaso uma pomba branca voando?
– Não, não vi; – disse a Lua, – mas vou dar-te um ovo. Quando estiveres em dificuldades, quebra-o, que ele te ajudará.
A moça agradeceu de coração à Lua e continuou andando até que se levantou o Vento da Noite soprando nela; dirigiu-se a ele:
– Tu, que sopras por entre as árvores, não viste por acaso uma pomba branca voando?
– Não, não vi; – respondeu o vento – mas vou perguntar aos outros ventos, talvez a tenham visto.
Chegaram os ventos do Oriente e do Ocidente, que também não tinham visto nada; mas, chegando o vento do Sul, esse disse:
– Eu vi a pomba branca; foi voando para o mar Vermelho e lá se transformara outra vez em leão. Os sete anos já passaram, por isso o leão está combatendo com um dragão, o qual, na verdade, nada mais é do que uma princesa encantada.
Então o Vento da Noite disse à moça:
– Vou dar-te um conselho: vai até ao mar Vermelho; na margem direita, encontrarás muitas varas grossas; conta-as, depois corta a undécima e com ela bate no dragão; assim o leão poderá vencê-lo e os dois readquirirão aspecto humano. Em seguida, olha à tua volta e verás um Condor, que habita nas margens do mar Vermelho; senta-te com teu marido nas suas costas e o Condor vos reconduzirá de volta para casa, do outro lado do mar. Aqui tens uma noz; quando chegares ao meio do mar, deixa-a cair na água; ela brotará imediatamente, tornando-se uma grande nogueira, sobre o qual o Condor descansará do seu voo, pois, se não tivesse onde descansar, não teria forças suficientes para levar-vos até a margem oposta. Presta atenção: se esqueceres de jogar a noz dentro do mar, o Condor vos deixará cair na água.
A moça obedeceu, exatamente, o conselho do Vento da Noite. Chegou onde estavam as varas, cortou a undécima, com ela bateu no dragão e assim o leão conseguiu vencer. Imediatamente, os dois se transformaram em seres humanos. Mas, assim que a princesa, que antes fora dragão, foi libertada do encanto, pegou no braço do príncipe e ambos sentaram nas costas do Condor, que os levou embora. A infeliz peregrina ficou lá abandonada; então sentou-se numa pedra e chorou longamente. Por fim reanimou-se um pouco e decidiu:
– Irei tão longe até onde chega o vento e até que cante o galo; lá tornarei a encontrar meu amado.
Pôs-se a caminho e andou, andou, andou, até chegar ao castelo onde os dois estavam morando e soube que se aprestavam a realizar as festas para o casamento deles. A moça, porém, disse:
– Deus não me abandonará, estou certa!
Então abriu a caixinha que lhe fora dada pelo Sol e viu dentro um vestido que resplandecei-a justamente como ele. Ela vestiu-o e dirigiu-se pura o castelo; lá, todos, ate mesmo a noiva, olhavam para ela mudos de admiração. O vestido agradou tanto à noiva que esta quis possui-lo para o vestir na hora do casamento e foi perguntar à moça se o vendia.
– Não o darei por dinheiro, nem por outros bons, – respondeu a moça – mas, se o quiseres, terás de pagado com carne e sangue.
A noiva perguntou o que queria dizer com isso; então a moça disse-lhe:
– Quero que me deixes dormir uma noite nos aposentos do príncipe.
A noiva relutou, mas como desejava loucamente o vestido, concordou; ordenou ao escudeiro do príncipe que lhe desse, ao deitar um copo de vinho, dentro do qual havia um narcótico. Depois, quando o príncipe adormeceu, levaram a moça aos aposentos dele. Ela sentou-se ao pé da cama, dizendo:
– Eu te segui durante sete anos, fui ter com o Sol. com a Lua e com os quatros Ventos, para saber onde estavas; depois te ajudei a vencer o Dragão. Queres mesmo esquecer-me completamente?
O príncipe, porém, dormia tão profundamente, que aquilo lhe parecia o sussurrar do vento entre os pinheiros. Ao raiar do dia, a moça foi levada para fora e obrigada a entregar o lindo vestido de ouro.
Não tendo sido feliz nessa primeira tentativa, ela foi, desolada, sentar-se num prado e se pôs a chorar. Estava assim mergulhada em tristeza quando se lembrou do ovo que lhe dera a Lua; quebrou-o, e do seu interior saíram uma choca e doze pintainhos, todos de ouro, que se puseram a correr de um lado para outro, bicando o que encontravam e, depois, voltaram a aninhar-se sob as asas maternas, não existindo no mundo coisa mais linda de se ver.
A moça levantou-se e os foi tocando para a frente; nisso a noiva saiu à janela e viu os maravilhosos pintainhos; ficou doida por eles e perguntou se não estavam à venda:
– Não os venderei por dinheiro e nem por todos bens, mas se os quiseres terás de pagá-los com carne e sangue; – respondeu a moça. – Deixa-me dormir mais uma noite nos aposentos do príncipe.
A noiva concordou, pensando que faria o mesmo da noite anterior. Mas, quando o príncipe se recolheu aos seus aposentos, perguntou ao escudeiro o que era aquele murmúrio e aquele sussurro que ouvia de noite. Então o escudeiro contou-lhe tudo: que ele havia dormido tão profundamente graças a um narcótico servido pela noiva, porque uma pobre moça lhe pedira para dormir aí em seu quarto. E disse que, também, nessa noite estava incumbido de dar-lhe o narcótico. O príncipe então ordenou:
– Põe fora, aí no chão, o narcótico.
E à noite, a moça foi novamente conduzida aos aposentos do príncipe. Mas, quando começou a lamentar-se e a contar suas tristes desventuras, o príncipe logo a reconheceu pela voz e pulou da cama, exclamando:
– Agora sim é que estou desencantado. Eu tinha a impressão de estar vivendo num sonho; a princesa estrangeira me encantou para que eu te esquecesse. Felizmente Deus me livrou, em tempo, desse cruel engano e da estranha fascinação.
Fugiram, ocultamente, do castelo durante a noite, pois temiam a cólera do pai da princesa, que também era feiticeiro. Em seguida, treparam nas costas do Condor e este os transportou para além do mar Vermelho. No meio do mar, a moça deixou cair a noz, que produziu uma grande nogueira. O Condor descansou, um pouco, sobre os seus galhos e depois os levou para casa, onde encontraram o filho que tinha crescido bastante e se tomara um belíssimo jovem.
Dai em diante, não tiveram mais aborrecimentos e viveram alegres e felizes até o fim da vida.
Conto dos Irmãos Grimm
O POBRE E O RICO
Em tempos muito remotos, quando o bom Deus ainda andava pela terra entre os homens, certa tarde, após ter caminhado muito, sentiu-se cansado e a noite o surpreendeu antes que pudesse encontrar uma estalagem. Nisso, viu lá ao longe, na estrada, duas casas: uma grande e luxuosa, outra pequena e de aspecto mesquinho; uma se defrontava com a outra de cada lado da rua. Nosso Senhor, então, pensou:
“Vou pernoitar na casa do rico, pois a ele não serei um peso.”
Dirigiu-se, pois, para a casa luxuosa e bateu na porta. O rico saiu à janela e perguntou ao viandante o que desejava. Nosso Senhor respondeu:
– Venho pedir-vos pousada para esta noite.
O rico olhou de alto abaixo o viandante e, como o bom Deus vestia-se com a máxima modéstia e não tinha aspecto de alguém com os bolsos recheados, julgou-o um mendigo; sacudiu a cabeça, dizendo com altivez:
– Não posso hospedar-vos; meus aposentos estão cheios de ervas e sementes até o teto; além disso, se tivesse de alojar todos os que vêm bater à minha porta, eu acabaria por ter de pegar num cajado e sair a mendigar. Ide procurar abrigo em outro lugar.
Assim dizendo, bateu a janela, deixando o bom Deus no meio da rua. Então, Nosso Senhor virou-lhe as costas e dirigiu-se à casinha modesta da frente. Bateu, de leve na porta e, imediatamente, surgiu o pobre na janelinha; depois, correu a abrir a porta, convidando o cansado viandante:
– Ficai aqui comigo esta noite, – disse ele amavelmente, – já está muito escuro e não vos convém continuar o caminho.
Tal acolhida agradou, visivelmente, o bom Deus, que entrou na casinha. A mulher do pobre deu-lhe a mão, saudando-o gentilmente:
– Sede bem-vindo a esta casa, – disse-lhe, – que estivesse à vontade; infelizmente, não temos muito a oferecer, mas o pouco que temos oferecemos de todo o coração.
Foi, depressa, botar algumas batatas a cozer e, enquanto cozinhavam, ordenhou a cabra a fim de poder oferecer, também, um pouco de leite. Posta a mesa, Nosso Senhor sentou-se e comeu com eles, achando deliciosa aquela humilde refeição, porque tinha ao seu lado rostos alegres e felizes.
Após o jantar, na hora de dormir, a mulher chamou o marido para um canto dizendo-lhe:
– Ouve, meu caro; esta noite iremos dormir no palheiro para que o pobre viandante possa deitar-se em nossa cama e repousar tranquilamente; andou o dia todo, deve estar bem cansado!
– Com o maior prazer, – disse o marido; – vou oferecer-lhe nossa cama.
Dirigiu-se ao bom Deus pedindo-lhe que dormisse na cama do casal, desejando que repousasse bem. Nosso Senhor não queria privar o casal da cama, mas ambos insistiram tanto que, por fim, ele aceitou e deitou-se; o casal arrumou um pouco de palha no chão e aí repousou.
No dia seguinte, levantaram-se de madrugada e prepararam o pequeno almoço para o hóspede, da maneira melhor possível. Quando o sol brilhou, dardejando raios através da janela, Nosso Senhor levantou-se, tomou a refeição matinal com eles e preparou-se a seguir caminho. Na soleira da porta, voltou-se para eles, dizendo:
– Como sois tão bondosos e caridosos, desejai três coisas e eu vô-las concederei.
O pobre disse, humildemente:
– O que mais posso desejar se não a salvação eterna e que nós ambos, enquanto vivermos, tenhamos saúde e possamos ter sempre o pão de cada dia? Quanto à terceira coisa, realmente, não saberia o que desejar!
O bom Deus, então, disse:
– Não desejas trocar esta casa velha por uma nova?
– Oh, sim, – respondeu o pobre, – se isto fosse possível, ficaria bem contente.
Então, Nosso Senhor realizou aqueles três desejos; transformou a casa velha em outra completamente nova, abençoou-os de novo e partiu.
O sol já ia alto, quando o rico levantou-se da cama. Saiu à janela e viu do outro lado da rua, exatamente onde antes havia a feia choupana, uma linda casa nova, toda garrida com o telhado vermelho. Arregalou os olhos, chamou sua mulher e perguntou:
– Dize-me cá, que foi que aconteceu? Ontem, à noite, ainda estava ali a velha e mísera choupana e hoje vejo uma linda casa nova. Vai lá depressa, informa-te como se deu isso.
A mulher foi à casa do pobre e tanto especulou que o homem acabou contando:
– Ontem, à noite, chegou aqui um viandante pedindo abrigo até hoje; e pela manhã, ao despedir-se, fez questão de presentear-nos com três coisas: a salvação eterna da nossa alma; boa saúde durante a nossa vida e o pão de cada dia, e, finalmente, deu-nos também esta bela casa em troca da velha.
A mulher do homem rico voltou correndo para casa e contou tudo ao marido. Este disse:
– Eu deveria me enforcar! Ah, se o tivesse adivinhado! Esse viandante veio primeiro bater aqui, querendo pernoitar em nossa casa e eu, tolo, mandei-o embora.
– Depressa, anda, – disse a mulher, – monta a cavalo e talvez ainda o alcances. Se o alcançares, deves pedir-lhe tu, também, três coisas.
O rico seguiu o conselho, que achou ótimo; partiu a galope no cavalo e conseguiu alcançar o bom Deus. Falou-lhe com a maior amabilidade e cortesia, pedindo-lhe que não levasse a mai se não o havia recebido na noite anterior; procurara a chave da porta e nisso ele se íôra à outra casa. Agora, pedia-lhe que, ao tornar a passar por aí, se hospedasse em sua casa.
– Sim, – respondeu o bom Deus, – se voltar, aceitarei de bom grado o vosso convite.
Então, o rico perguntou se não poderia ele, também, exprimir três desejos, como fizera seu vizinho.
– Podeis, sim, – disse Nosso Senhor, – mas não acho conveniente; e bem melhor não me pedir nada.
O rico retrucou que, de qualquer maneira, pediria alguma coisa que só lhe favorecesse a felicidade, desde que tivesse a certeza de ser atendido.
Então, o bom Deus lhe disse:
– Volta para casa; os três desejos que formulares serão realizados.
Tendo obtido o que desejava, o rico encaminhou-se de regresso à casa e ia refletindo no que devia desejar. Enquanto ia assim perdido em reflexões, deixou cair as rédeas e o cavalo pôs-se a pinotear, perturbando-lhe as ideias, de maneira que as não podia coordenar. Deu umas palmadinhas no pescoço do cavalo, dizendo:
– Quieta, Lisa, quieta!
Mas o cavalo empinou-se, levantando as patas dianteiras para o alto. O homem, então, irritou-se e gritou num assomo de impaciência:
– Minha vontade é que quebres o pescoço!
Nem mal acabou de o dizer, o cavalo caiu pesadamente ao chão; estava morto e bem morto. Assim, realizara-se o primeiro desejo. Mas, sendo o homem extremamente avarento por natureza, não quis largar aí os arreios; tirando-os do cavalo, colocou-os às costas e foi andando a pé. “Restam-te ainda dois desejos a formular,” cogitava ele a título de consolação. Assim, caminhando lentamente pela poeira da estrada com o sol abrasador do meio-dia, ficou acalorado e de mau humor; a sela pesava-lhe nas costas e ainda não lhe ocorrera qual seria o segundo desejo. “Mesmo que eu deseje todos os reinos e todos os tesouros da terra, – pensava ele, – sempre me faltará alguma coisa, isto ou aquilo, já sei de antemão; quero agir de maneira que nada mais tenha a desejar neste mundo.” Deu um grande suspiro e disse:
– Ah, se eu fosse aquele camponês da Baviera que também dispunha de três desejos! Esse fulano soube ajeitar as coisas; primeiro desejou muita cerveja, depois tanta cerveja quanta pudesse beber e, finalmente, ainda um tonel de cerveja.
Em dados momentos, parecia-lhe ter encontrado o que queria, mas logo achava que era pouco. Nisso, ocorreu-lhe que a mulher, em casa, estava feliz e tranquila, sentada numa sala fresquinha, comendo com o melhor apetite. Tal lembrança o encheu de despeito e, irrefletidamente, disse:
– Bem gostaria de vê-la sentada nesta sela, sem poder descer, ao invés de estar eu aqui carregando este peso às costas!
Nem bem lhe saíra da boca a última palavra e a sela desapareceu-lhe das costas; ele percebeu que também o segundo desejo se realizara. Então, sentiu ainda mais calor e deitou a correr, pensando em recolher-se ao quarto, muito só, e lá cogitar algo bem grande para o seu terceiro desejo. Mas quando chegou em casa e abriu a porta, viu, no centro da sala, a mulher encarapitada sobre a sela, sem poder descer, a chorar e a gritar assustada.
Então, ele lhe disse:
– Acalma-te! Contanto que fiques aí sentada quietinha, pedirei para ti todos os tesouros do mundo.
Ela, porém, chamou-o de idiota, acrescentando:
– De que me servem todos os tesouros do mundo se fico grudada nesta sela? Desejaste que eu ficasse aqui; agora tens de me ajudar a sair.
Quisesse-o ou não, ele teve que exprimir o terceiro desejo; isto é, que a mulher pudesse descer e libertar-se da sela; o desejo foi imediatamente realizado.
Assim, de toda aquela história ele nada mais lucrou que aborrecimentos, canseira, injúrias e ainda, por cima, um cavalo perdido. O casal de pobres, porém, viveu feliz e sossegado em plena piedade até o bem-aventurado fim, quando já eram muito, muito velhos.
Conto dos Irmãos Grimm
A RAPOSA E OS GANSOS
Certa vez, a raposa surgiu num prado onde pastava tranquilamente um bando de gansos belos e gordos; vendo-os todos reunidos, ela pôs-se a rir, dizendo: – Chega bem a propósito! Estais todos aqui tão juntinhos que posso devorar-vos um após o outro facilmente.
Muito assustados com aquilo, os gansos começaram um berreiro infernal, pulando de um lado para outro, lamentando-se e implorando que lhes poupasse a vida. Mas a raposa não queria saber de nada e disse:
– Não há apelação nem misericórdia; tendes de morrer todos.
Por fim, um deles criou coragem e propôs:
– Se nós, pobres gansos, temos mesmo de perder nossas jovens existências, concede-nos pelo menos uma última graça: permite que rezemos as preces a fim de não morrer em pecado; depois nos colocaremos em fila para que não escolhas somente os mais gordos.
– Está bem, – disse a raposa, – acho muito justo o pedido; vosso desejo é muito piedoso, podeis rezar. Eu ficarei esperando.
Então o primeiro da fila iniciou uma prece bem longa que repetia sem cessar:
– Quá, quá, quá!
E como não parasse, o segundo ganso não esperou a vez e por seu turno começou:
– Quá, quá, quá, quá!
Imitando o seu exemplo, o terceiro, depois o quarto, o quinto e todos os demais, puseram-se a gritar sem parar todos juntos.
(Quando terminarem de rezar, continuaremos a história; por ora estão ainda rezando…)
Conto dos Irmãos Grimm
OS FILHOS DE OURO / OS MENINOS DOURADOS
Houve uma vez um homem e uma mulher muito pobres, cujo único patrimônio era
uma tosca choupana e que viviam do insignificante produto da pesca de cada dia.
Ora, aconteceu que, um dia, estando o pescador sentado à beira da água a lançar a rede, apanhou, de permeio a alguns peixinhos inúteis, um grande e todo de ouro. Ficou aí embasbacado a contemplá-lo, sem saber que pensar e, nisso, o peixe abriu a boca e falou:
– Escuta, meu bom pescador, se me jogares novamente dentro da água, eu
transformarei tua pobre choupana em esplêndido palácio.
O pescador respondeu, laconicamente:
– Para que me serve um belo palácio se nada tenho de comer?
O peixe de ouro replicou:
– Isso também será providenciado; haverá no palácio um armário e, quando o abrires, encontrarás dentro numerosos pratos, contendo as mais finas iguarias que possas desejar.
– Bem, – disse o pescador – se é assim, nada perco fazendo-te esse favor.
– Porém, – acrescentou o peixe – há uma condição a observar; não deves revelar a pessoa alguma deste mundo, seja quem for, de onde provém a tua riqueza. Se disseres uma única palavra a este respeito, tudo desaparecerá imediatamente.
O homem assentiu com a cabeça e tornou a jogar na água o peixe prodigioso; depois voltou para casa. Entretanto, no lugar da velha e tosca choupana, surgia agora um magnífico palácio. Ele arregalou os olhos, estupefato, e foi entrando. Numa sala muito luxuosa, viu a mulher sentada num divã, trajando roupas maravilhosas. Não cabendo em si de felicidade, ela disse ao marido:
– Meu caro, como foi que isto aconteceu? Assim de um instante para outro? Ah, não
calculas quanto me agrada e como estou contente!
– Sim, – respondeu o marido – eu também estou contente e tudo isto me agrada muito, mas estou morrendo de fome. Arranja-me qualquer coisa para comer.
– Mas não tenho nada que se coma! – respondeu a mulher – Ainda não me ambientei nesta nova casa e não sei onde achar as coisas.
– É muito simples, – respondeu o marido – vejo lá naquele canto um armário; abre-o,
quem sabe se não há alguma coisa dentro dele?
Com efeito, ao abrir o armário, a mulher viu, maravilhada, excelentes broas, carne assada, frutas, doces, vinhos, tudo do melhor e muito tentador à espera de ser bem aproveitado. No auge da alegria, ele exclamou:
– Meu coração, que mais podes desejar?
Com a melhor disposição deste mundo, sentaram à mesa, o marido e a mulher, comeram e beberam regaladamente; uma vez satisfeitos, a mulher lembrou-se de perguntar:
– Mas de onde provém, marido, toda esta riqueza?
– Não mo perguntes, mulher, não posso dizê-lo. Se revelar a alguém este segredo,
nossa felicidade acabará.
– Bem, – disse ela – o que não devo saber não me interessa!
Mas não estava sendo sincera; por dentro remoía-se noite e dia. A curiosidade não lhe dava sossego e, tanto especulou e atormentou o marido, que este, num assomo de impaciência, acabou por confessar ser tudo aquilo obra e graça de um prodigioso peixe de ouro, que lhe caíra na rede e lhe pedira, encarecidamente, para ser lançado novamente na água. Mal acabou de falar, o magnífico palácio, com armário e tudo o mais, desapareceu e eles viram-se novamente instalados na tosca choupana.
E o pescador teve que retornar ao rude trabalho. Mas a sorte favoreceu-o, fazendo
com que pescasse outra vez o peixe de ouro.
– Escuta pescador, – disse-lhe o peixe – se me jogares na água, dar-te-ei novamente o belo palácio com o armário, as boas comidas e tudo o que tinhas. Deves, porém, resistir à tentação e não revelar a ninguém quem te deu essas coisas; do contrário, perderás tudo como da primeira vez.
– Oh, agora serei precavido! – respondeu o pescador e jogou o peixe na água.
Em casa, tudo voltara ao esplendor de antes e a mulher estava felicíssima com sua riqueza. A curiosidade, porém, voltou a espicaçá-la sem tréguas e, passados alguns dias, não pôde conter-se mais. Tornou a indagar sem cessar como ocorrera aquilo e o que havia feito. O marido tentou por todos os meios eximir-se de responder, mas, finalmente, ficou tão amolado com a insistência dela que, num momento de
impaciência, deixou escapar da boca o segredo.
Imediatamente desapareceu o palácio e tudo o mais, encontrando-se eles na velha
choupana.
– Bem que o disse! – exclamou o marido – Aí tens; agora seremos obrigados a arrastar nossa existência lutando com unhas e dentes para viver!
– Pois eu, – disse a mulher – antes prefiro renunciar a essa riqueza a ficar sem saber de onde vem. Não teria nunca um mínimo de sossego.
O pescador voltou a pescar. O tempo foi passando, passando, até que, um belo dia, apanhou o peixe de ouro pela terceira vez e as coisas processaram-se como das outras vezes.
– Ouve-me, pescador; – disse o peixe – vejo que é minha sina cair sempre nas tuas mãos. Portanto, desta vez leva-me para casa e corta-me em seis pedaços; darás dois à tua mulher, para que os coma; outros dois ao teu cavalo e os dois restantes enterra- os; terás muita sorte com isso.
O pescador obedeceu: Levou o peixe para casa e fez tudo conforme lhe fora ordenado. Aconteceu, então, que, dos pedaços enterrados, brotaram dois pés de lírios de ouro; do cavalo, nasceram dois potrinhos de ouro e, da mulher, nasceram dois filhos inteiramente de ouro.
As crianças iam crescendo belas e viçosas e, na mesma medida, cresciam também
vigorosos os potros e os lírios. Tudo corria muito bem até que, certo dia, os filhos disseram:
– Papai, nós queremos montar em nossos belos cavalos de ouro e correr o mundo.
O pescador, muito triste, respondeu-lhes:
– Se fordes embora, como agüentarei ficar sem saber como passais?
– Ora, papai! – responderam os filhos – Aqui ficam os dois lírios de ouro, graças aos quais podes saber como passamos; quando estão viçosos, significa que estamos bem e, se murcharem, que dizer que estamos doentes. Mas, se caírem, isso significa que morremos.
Depois de se despedirem dos pais, os jovens partiram nos corcéis de ouro. Tendo andado bastante, chegaram a uma hospedaria onde havia muita gente; assim que essa gente viu os dois rapazes de ouro, romperam em ruidosas gargalhadas, zombando deles. Ouvindo tais zombarias, um dos rapazes envergonhou-se e desistiu de ir mais longe; deu volta ao cavalo e regressou à casa do pai.
O outro, porém, mais audacioso, continuou o caminho e foi dar a uma grande floresta. Dispondo-se a atravessá-la, alguém o preveniu, dizendo:
– É impossível atravessar essa floresta; está infestada de bandidos, que poderão causar-te grandes males. Além disso, vendo que és de ouro, assim como teu cavalo, naturalmente matarão um e outro.
Mas o rapaz não se amedrontou e respondeu:
– Preciso e quero atravessá-la, custe o que custar.
Então arranjou algumas peles de urso e cobriu-se inteiramente, fazendo o mesmo com o cavalo, de maneira que não se percebia a menor nesga de ouro; depois de assim disfarçado, penetrou calmamente na floresta. Tendo andado um certo trecho de caminho, ouviu um sussurro de vozes por entre as moitas, como de gente a falar entre si. De um lado diziam:
– Eis um aí!
Do outro lado, ouviu dizer:
– Deixa-o ir! É um pele de urso, pobre e pelado como um rato de igreja, que faríamos com ele?
Assim o rapaz de ouro conseguiu atravessar, sem maiores aborrecimentos, a floresta.
Certo dia, passando por um povoado, viu uma jovem tão linda que, pensou ele, no
mundo inteiro era impossível encontrar melhor. Apaixonou-se instantaneamente; então, aproximou-se dela, dizendo:
– Linda jovem, amo-te de todo o coração; queres ser minha esposa?
Ela também se apaixonou por ele e aceitou a proposta.
– Quero sim – disse-lhe – e prometo ser uma esposa fiel e carinhosa por toda a vida.
Então casaram-se e, quando estavam no melhor da festa, chegou o pai da moça que, ao ver a filha casando-se, ficou muito surpreendido e perguntou:
– Mas onde está o noivo?
– É este – disseram, indicando-lhe o rapaz de ouro, ainda revestido com a pele de urso.
O pai não pôde conter o furor à vista do noivo e queria matá-lo.
– Nunca, nunca darei minha filha a um vagabundo, um reles pele de urso!
A noiva atirou-se-lhe aos pés, suplicando desesperadamente:
– Ele agora é meu marido e eu amo-o de todo o coração!
Tanto implorou e chorou que o pai se acalmou. Mas aquilo não lhe saía do pensamento, preocupando-o o tempo todo. Na manhã seguinte, levantou-se bem cedo e quis certificar-se com seus próprios olhos se o marido de sua filha era realmente um reles vagabundo.
Dirigiu-se pé-ante-pé ao quarto deles e espiou pela fechadura da porta. Quando viu deitado na cama um belo rapaz de ouro e no chão as peles de urso, voltou pelo mesmo caminho, dizendo com os seus botões:
– Ainda bem que dominei a tempo minha tremenda cólera, senão teria cometido um crime abominável.
Durante o sono, o filho de ouro teve um estranho sonho. Parecia-lhe estar caçando na floresta e que perseguia um esplêndido cervo. Pela manhã, quando acordou, disse à mulher que desejava ir caçar na floresta. Ela, receando alguma desventura, suplicou- lhe que ficasse em casa, explicando:
– Tenho pressentimento que te poderia acontecer alguma desgraça.
Mas ele insistiu, não acreditando no pressentimento da mulher.
– É preciso que eu vá; tenho de ir, custe o que custar.
Levantou da cama, preparou-se e foi para a floresta. Não demorou muito, viu surgir pela frente um belíssimo cervo, exatamente como vira em sonho. Apontou a espingarda e ia atirar mas, de um salto, o cervo deitou a fugir, enquanto o moço o perseguia por entre vales e sebes. A correria durou o dia inteiro, mas, ao anoitecer, o cervo desapareceu sem deixar traços.
O rapaz, desconsolado, pôs-se a olhar de um lado para outro e, nisso, avistou bem em sua frente uma casinha habitada por uma bruxa. Foi até lá e bateu na porta; saiu
uma velhinha perguntando:
– Que estás fazendo de noite nesta floresta?
– Não viste por acaso passar um cervo por aqui? – perguntou o moço.
– Ah, sim, – respondeu ela – conheço-o muito bem!
Com a velha saíra também um cãozinho, que latia e investia furiosamente para ele.
– Cala-te, sapo imundo, – disse o moço, exasperado – se não te mato.
Então a bruxa gritou, revoltada:
– Como? Pretendes matar meu cãozinho?
E, instantaneamente, transformou o rapaz numa pedra. Enquanto isso, a recém-
casada esperava em vão o marido.
– Certamente lhe aconteceu aquilo que tanto me amedrontava e me oprimia o coração – pensava ela aflita.
Na casa paterna, o outro irmão estava contemplando os lírios de ouro quando, subitamente, viu um deles perder a haste.
– Deus, Deus, meu Deus! – exclamou angustiado – Aconteceu uma grave desgraça a
meu irmão! É preciso que eu parta imediatamente, talvez ainda consiga salvá-lo.
Mas o pai tentou dissuadí-lo, dizendo com tristeza:
– Não partas, meu filho! Fica aqui comigo; se perco a ti também, que farei depois?
– Não, meu pai, – respondeu o moço – preciso de ir ver o meu irmão.
Montou no cavalo de ouro e disparou rumo à floresta, onde seu irmão jazia petrificado.
A velha bruxa saiu de dentro da casinha e convidou-o, querendo apanhá-lo também na rede; mas ele não se aproximou, gritando-lhe de longe.
– Restitui a vida a meu irmão, se não te mato agora mesmo.
Embora de má vontade, ela tocou com a ponta do dedo a pedra e logo esta se
reanimou, recuperando a forma humana.
Loucos de alegria por se tornarem a ver, os dois irmãos de ouro abraçaram-se e beijaram-se muito comovidos. Em seguida, cada qual em seu cavalo, saíram da floresta, dirigindo-se um para os braços da esposa e o outro para a casa do pai, que, ao vê-lo de volta, exclamou:
– Eu já sabia que conseguiras salvar teu irmão; porque o lírio de ouro endireitou-se repentinamente e refloresceu com todo o viço.
Depois disso, todos eles viveram alegres e felizes durante muitos e muitos anos, até o fim de suas vidas.
Conto dos Irmãos Grimm
O CASAMENTO DE JOÃO
Houve, uma vez, um jovem compônio chamado João; seu primo queria arranjar-lhe uma mulher rica e, para conseguir o que queria, mandou João sentar-se confortavelmente ao pé do fogo, onde crepitavam alegremente as chamas. Depois foi à cozinha buscar um caneco de leite e uma pilha de fatias de pão branco; em seguida, pôs-lhe na mão um vintém brilhante, novinho em folha e lhe disse:
– Escuta aqui, João; segura bem esta moeda na mão. O pão branco deves ensopá-lo no leite e fica ai sentado bem quietinho até que eu volte.
– Está bom, – disse João, – farei como dizes.
O casamenteiro vestiu umas calças remendadas o foi para a aldeia vizinha, á casa da filha de um camponês rico.
– Gentil donzela, – disse ele, – não quereis casar com meu primo João? Tereis um marido muito esperto e sensato, que vos agradará muito.
O pai da moça, que era extremamente avarento, logo perguntou:
– Como está ele de finanças? Tem o que botar a ferver na panela?
– Meu caro amigo, – respondeu o casamenteiro, – meu jovem primo não padece frio nos pés e não lhe falta uma boa sopa; além disso, tem belas moedas na mão e não conta com menos bens do que eu – e batia as mãos nos remendos das calças. – Se quereis dar-vos o trabalho de vir comigo agora mesmo, podereis ver confirmado o que digo.
O avarento não quis perder a oportunidade e respondeu:
– Pois bem, se as coisas são mesmo como dizeis, não me oponho a esse casamento.
Portanto, no dia aprazado, realizaram-se as bodas e, quando a recém-casada quis ir ao campo para ver as propriedades do marido, João despiu primeiro a roupa nova e vestiu o velho blusão remendado, dizendo:
– Não quero sujar meu fato novo.
Em seguida dirigiram-se os dois para o campo; quando aparecia ao longe uma seara ou um vinhedo, ou então um belo campo lavrado, João apontava com o dedo e batia nos remendos do seu blusão, exclamando:
– Esta placa e a outra também são minhas; olha aqui meu bem!
E com isto queria dizer que a mulher não devia olhar só para os campos, mas olhar, também, para a roupa a qual, essa sim, era verdadeiramente sua.
– Tu também foste ao casamento?
– Naturalmente, e bem elegante estava eu. Meu toucado era de neve; veio o sol e o derretou; meu vestido era de teia-de-aranha, passei por um espinheiro e ele se rasgou; meus sapatos eram de vidro, tropecei numa pedra e eles fizeram clinc! e se espatifaram.
Conto dos Irmãos Grimm
JOÃO, O FELIZARDO
João servira ao seu amo durante sete anos e, um dia, disse-lhe:
– Meu amo, meu tempo de contrato esgotou-se; agora quero voltar para a casa de minha mãe; dai-me o meu ordenado.
O amo respondeu:
– Serviste-me fiel e honestamente; tal serviço pede igual remuneração.
E deu-lhe uma barra de ouro grossa, quase como a sua cabeça. João pegou o lenço do bôlso, embrulhou o pedaço de ouro, pô-lo às costas e meteu-se a caminho, rumo à casa da mãe. Ia andando, sossegadamente, pela estrada afora, quando viu um cavaleiro alegre e pimpão, que vinha trotando sobre um brioso cavalo.
– Oh, – disse João em voz alta – como há de ser bom andar montado num cavalo! Fica-se comodamente sentado como numa cadeira, não se tropeça nas pedras, não se gasta o calçado e se avança sem mesmo dar por isso.
O cavaleiro, que ouvira o que êle dizia, parou e gritou-lhe:
– Mas, João, por que andas a pé?
– Que remédio! – respondeu João – Tenho êste fardo pesado que devo levar para casa; é ouro, bem sei, mas pesa tanto que me esmaga o ombro e nem sequer posso levantar a cabeça.
– Queres saber uma coisa? – disse o cavaleiro – façamos uma troca! Eu te dou o cavalo e tu me dás o teu pedaço de ouro.
– Oh! de muito boa vontade, – disse João – mas vos previno que deveis fazer fôrça.
O cavaleiro apeou-se bem depressa, pegou na barra de ouro e ajudou João a montar a cavalo. Meteu-lhe as rédeas na mão, recomendando-lhe:
– Se quiseres que corra como o vento, basta fazer um estalinho com a língua e gritar: hop, hop!
João estava felicíssimo em cima do cavalo e partiu a trote largo. Ao cabo de algum tempo teve a idéia de ir mais depressa. Deu um estalinho com a língua e gritou: hop, hop!
O cavalo, obediente, partiu a galope desenfreado e, num bater de olhos, João foi pelos ares, caindo dentro de um fôsso à beira da estrada. O cavalo teria continuado no galope se um camponês, que vinha em sentido contrário, conduzindo uma vaca, não o agarrasse pelas rédeas.
João apalpou os membros doloridos e pôs-se de pé. Mas ficara aborrecido e disse ao camponês:
– Que belo gôsto montar a cavalo, sobretudo quando se topa com um animal como êste, que tropeça e atira a gente pelos ares, fazendo quase quebrar o pescoço! Nunca mais tornarei a montar a cavalo. Por falar nisso; a tua vaquinha, sim, me agrada. Pode-se ir atrás dela muito sossegado e além disso, tem-se leite, manteiga e queijo garantidos. Quanto não daria para ter uma vaca como essa!
– Ora, – disse o camponês – se te agrada tanto, poderemos trocar a minha vaca pelo teu cavalo.
João concordou todo feliz; o camponês saltou para cima do cavalo e partiu a galope. Tocando, calmamente, a vaca diante de si, João ia refletindo nas vantagens do negócio que acabava de realizar. “Contanto que eu tenha um pedaço de pão, e decerto não me há de faltar posso, quando tiver fome, comer também um pouco de manteiga e queijo; quando tiver sêde, tiro leite da minha vaca e bebo-o. Meu coraçãozinho, que podes desejar mais?”
Ao chegar a uma estalagem, parou, e julgando ter agora provisões para tôda a vida, liqüidou tranqüilamen- te todo o farnel que levava para a viagem e, com os últimos vinténs que possuia, deliciou-se com um bom copo de cerveja. Em seguida, encaminhou-se rumo à aldeia de sua mãe, tocando a vaca diante de si.
Ao meio-dia, o calor tornou-se sufocante e João encontrava-se em plena charneca, onde se demoraria ainda uma hora. Sentia tanto calor e sêde que até a língua se lhe pegava ao céu da bôca. “Mas tenho um remédio, – pensou – vou ordenhar a minha vaca e refrescar a garganta com o bom leite.”
Amarrou a vaca a um pau, e por falta de coisa melhor, quis aparar o leite com seu boné de couro; mas, por mais que puxasse e espremesse, das tetas não saiu uma só gôta de leite. Como não tinha jeito para lidar com a vaca, ela zangou-se e atirou-lhe tal coice na cabeça que o fêz rebolar a dez passos de distância, onde ficou estendido sem sentidos. Aí ficou um bom pedaço de tempo; felizmente, porém, chegou um carniceiro empurrando um carrinho com um leitãozinho dentro.
– Que brincadeira sem graça! – disse êle, e ajudou João a levantar-se.
João contou-lhe tudo o que havia acontecido; o carniceiro ofereceu-lhe o seu frasquinho dizendo:
– Bebe um trago, que logo te reanimarás. Aquela vaca nunca mais dará leite, já está velha e sêca, boa, quando muito, para ser atrelada a uma carroça ou então para ser levada ao matadouro.
– Oh diabo, – disse João puxando os cabelos desgrenhados; – quem diria uma coisa destas! Naturalmente, seria uma grande vantagem matar o animal em casa! Quanta carne teríamos! Mas não gosto de carne de vaca, não a acho saborosa. Ah! se fôsse um leitãozinho igual a êsse; então, sim, seria delicioso! Sem falar nas salsichas que daria!
– Escuta, João, – disse o carniceiro; – por seres quem és e porque desejo ser-te agradável, estou disposto a trocar o meu leitão pela tua vaca.
– Que Deus te recompense tanta bondade! – disse João.
Entregou-lhe a vaca e levou o leitão, segurando-o pela corda com que estava amarrado no carrinho.
João continuou o caminho pensando em como tudo lhe ia às mil maravilhas; apenas tinha uma contrariedade e logo se remediava. Nisso, aproximou-se um rapazinho, que levava debaixo do braço um belo pato branco, muito gordo.
Cumprimentaram-se desejando um bom dia e, conversa vai conversa vem, João contou-lhe as suas aventuras, gabando-se da boa sorte, e das trocas sempre tão vantajosas. O rapazinho, então, contou que levava o pato à aldeia vizinha e que estava destinado a um banquete de batizado.
– Experimente o seu pêso, – disse, levantando-o pelas asas, – é pesado, não acha? Também, já faz dois mêses que o venho engordando com o que há de melhor! Quem tiver a sorte de meter os dentes em semelhante assado, verá a banha escorrer-lhe pelos cantos da bôca.
– E’ verdade, – disse João levantando o pato com uma das mãos – é um bonito animal. Mas, também, o meu leitão não é mau e tem o seu valor!
Entretanto, o rapaz olhava para todos os lados com certa precaução; depois, abanando a cabeça, disse:
– Olha, a história do teu leitão não me parece muito limpa: acabam, justamente, de roubar um ao prefeito da aldeia onde passei agora. Tenho palpite que deve ser êsse que levas aí. Mandaram gente a procurá-lo por toda parte e seria uma coisa terrível se te apanhassem com êle; o menos que te aconteceria era ser metido numa prisão escura.
O pobre João ficou assustadíssimo e exclamou:
– Ah, Deus meu! Livrai-me desta desgraça! Tu que conheces a região melhor do que eu e sabes, portanto, onde esconder-te, leva o meu leitão e dá-me o teu pato.
– Arrisco-me muito com isso, – disse o rapazinho, – mas, só para te livrar de apuros, vou fazer o que me pedes.
Pegou, então, na corda e bem depressa levou o leitãozinho, desaparecendo por um atalho. O honrado João, livre dessa preocupação, continuou a caminhar rumo a casa, levando o pato debaixo do braço e ia pensando:
– Calculando bem, saí ganhando na troca. Primeiro, a carne de pato é mais fina para assado e mais saborosa que a de leitão; e com tôda esta banha terei gordura por uns bons três mêses e, finalmente, com as belas penas brancas farei uma boa almofada, na qual dormirei sem que seja preciso embalar-me. Santo Deus, como minha mãe vai ficar contente com tão lindo animal!
Após ter atravessado a última aldeia, antes de chegar à sua, viu um amolador parado com a sua caranguejola; a roda girava, girava e êle acompanhava-a cantando:
– Afio tesouras e rodo ligeiro;
e penduro a manta como sopra o vento…
João parou e ficou olhando o que êle estava fazendo, depois disse:
– Parece que tudo vai à medida dos teus desejos, visto que trabalhas tão alegremente!
– Oh, se vai! – respondeu o outro. – Qualquer ofício manual é ouro em barra. Um bom amolador é um homem que, quando mete a mão no bôlso, sempre encontra dinheiro. Mas, onde compraste êsse belo pato? Nunca vi tão bonito por aqui!
– Não o comprei, ganhei-o em troca de um leitão- zinho.
– E o leitão?
– Ganhei-o em troca de uma vaca.
– E a vaca?
– Tive-a em troca de um cavalo.
– E o cavalo?
– Por aquêle dei um pedaço de ouro do tamanho da minha cabeça.
– E o ouro?
– Era o pagamento que me deu meu amo por sete anos de serviço.
– Vejo que sabes te defender muito bem neste mundo; se agora chegares a ouvir tôdas as manhãs tinir dinheiro no bôlso quando enfiares as calças, tua fortuna está feita.
– Sim, mas que devo fazer para isso? – perguntou João.
– Deves tornar-te amolador como eu; para isso é preciso, primeiro, ter a pedra de amolar; o resto vem depois. Tenho aqui uma, na verdade está um pouco gasta, mas em troca desejo apenas que me dês o teu pato; aceitas?
– Ainda mo perguntas? – respondeu João. – Se, como dizes, terei sempre dinheiro no bôlso, serei o homem mais feliz do mundo; que mais posso desejar?
Entregou ao amolador o pato e recebeu em troca a pedra de amolar e mais uma outra qualquer que apanhou no chão.
– Eis-te aqui mais esta bela pedra, – disse o amolador – é excelente para fazer uma bigorna e para endireitar pregos ou arranjar as ferramentas. Fica com ela e guarda-a com cuidado.
João pegou nas duas pedras e partiu muito alegre, os olhos brilhando de felicidade.
– Devo ter nascido com a camisa da felicidade, – pensava êle – pois tudo o que desejo se realiza!
No entanto, como estava caminhando desde manhã bem cedo, sentiu-se cansado; além disso a fome começava a atormentá-lo, pois já não tinha nada que comer, tendo devorado o farnel de uma só vez a fim de festejar a troca da vaca. Por fim, andava a custo e a cada instante era obrigado a descansar; as pedras pesavam tremendamente e lá consigo pensava quanto seria agradável não ter de as carregar, agora que estava tão cansado. Arrastando-se como uma lesma, conseguiu chegar até uma fonte, contente de poder refrescar a goela e descansar um pouco estendido na erva.
Não querendo estragar as pedras, colocou-as cuidadosamente à beira da fonte, bem perto dêle. Depois sentou e foi abaixar-se para encher o boné de água, mas, sem querer, empurrou um pouquinho as pedras, que rolaram para dentro da água.
– João, quando as viu desaparecer dentro da água, deu um pulo de alegria, depois ajoelhou-se e agradeceu a Deus, com lágrimas nos olhos, por tê-lo atendido mais essa vez, desembaraçando-o do pesado fardo sem que êle tivesse de se censurar.
– Não há ninguém neste mundo mais feliz do que eu! – exclamou.
De coração aliviado, livre de qualquer pêso, saiu a correr e só parou quando chegou à choupana de sua mãe.
Conto dos Irmãos Grimm
JOÃO JOGATUDO / HANSEL, O JOGADOR
Houve, uma vez, um homem que vivia jogando, por isso era denominado João Jogatudo, pois jogava tudo o que tinha; chegou mesmo a jogar e perder a casa e tudo o mais que possuia.
Ora, justamente na véspera do dia em que lhe iam tomar a casa, chegou Nosso Senhor, acompanhado de São Pedro, pedindo que lhes desse pouso para aquela noite. João Jogatudo disse-lhes:
– Por mim podeis ficar, mas não tenho camas nem nada para comer.
Então Nosso Senhor disse-lhe que bastava alojá-los; a comida ficaria por conta deles e João Jogatudo ficou satisfeito.
São Pedro deu-lhe trés vinténs e mandou que fflsse à padaria comprar um pouco de pão. Ele saiu para ir á padaria mas, ao chegar diante da casa onde estavam os outros jogadores que lhe haviam feito perder tudo, êstes chamaram-no:
– Vem, Jogatudo, entra um pouco!
– Pois sim! – respondeu êle – quereis fazer-me perder também êstes três vinténs!
Os outros, porém, insistiram tanto que êle acabou entrando e perdeu os três vinténs. São Pedro e Nosso Senhor esperaram um tempão e, como êle demorasse a chegar, resolveram ir ao seu encontro. Assim que os viu, João Jogatudo fingiu ter perdido o dinheiro numa poça de água e remexia lá dentro como se o estivesse procurando; mas Nosso Senhor já sabia que eu tinha perdido no jôgo. Então São Pedro deu-lhe mais três vinténs; e desta vez João Jogatudo não se deixou tentar pelos outros e comprou o pão, levando-o aos hóspedes. Nosso Senhor perguntou-lhe se não tinha um pouco de vinho, êle respondeu:
– Ah, Senhor, os barris estão todos vazios!
Então, Nosso Senhor mandou que fôsse à adega, dizendo:
– Ainda há vinho e do melhor; vai ver.
João Jogatudo quedou-se um pouco em dúvida, finalmente disse:
– Irei, mas sei que não há vinho algum.
Foi à adega, abriu a torneira do barril e logo jorrou um vinho delicioso. Ele encheu o caneco e levou o vinho aos hóspedes, que passaram a noite na casa. No dia seguinte, muito cedo, Nosso Senhor disse a João Jogatudo que pedisse três graças pensando que pediría para ir ao céu, mas João Jogatudo pediu um baralho que o fizesse ganhar sempre, uns dados que o deixassem ganhar todas as vêzes que jogasse, e uma árvore, que produzisse tôda espécie de frutas e na qual, se alguém se atrevesse a trepar, não podia mais descer enquanto êle mesmo não o ordenasse. Nosso Senhor concedeu-lhe tudo o que pediu e foi-se embora com São Pedro.
Aí João Jogatudo pôs-se a jogar mais do que nunca e não tardou em ganhar meio mundo. Então São Pedro dirigiu-se a Nosso Senhor, dizendo:
– Senhor, isso não pode continuar; aquêle malandro acabará por ganhar o mundo inteiro; temos que mandar-lhe a Morte.
E mandaram-lhe a Morte. Ela chegou justamente quando João Jogatudo estava no melhor de uma partida.
– Vem cá fora um pouco, – disse a Morte.
Mas êle respondeu-lhe:
– Espera um minutinho, até acabar esta partida; enquanto isso podes trepar naquela árvore e colhêr algumas frutas para que tenhamos o que lambiscar durante a viagem.
A Morte trepou na árvore e, quando quis descer, não pôde. João Jogatudo deixou-a lá em cima durante sete anos e, nesses anos todos, não morreu mais ninguém.
Então São Pedro disse a Nosso Senhor:
– Senhor, êsse homem não está agindo direito já faz sete anos que não morre ninguém; precisamos ir nós dois lá embaixo.
Desceram os dois e foram ter com João Jogatudo. Nosso Senhor, então, ordenou-lhe que fizesse a Morte descer da árvore. Êle obedeceu e mandou a Morte descer.
Ela desceu e agarrou-o pelo pescoço, estrangulando-o. Assim foram juntos para o outro mundo; João Jogatudo chegou à porta do céu e bateu.
– Quem é?
– E’ João Jogatudo.
– Não te queremos aqui; vai-te embora.
Ele então foi bater à porta do purgatório.
– Quem é?
– E’ João Jogatudo.
– Já temos amolações de sobra aqui! Não queremos jogar; vai-te embora.
Então, êle foi bater à porta do inferno e lá o deixaram entrar, mas não estava ninguém em casa, apenas o velho Lúcifer e alguns pobres diabos coxos; os direitos estavam muito ocupados na terra. João Jogatudo pôs-se logo a jogar. Lúcifer porém, não possuia nada além dos seus pobres diabos aleijados, e Jogatudo ganhou-os todos pois com seu baralho ganhava sempre tudo.
Aí, com os diabos coxos, êle foi-se embora e chegaram todos a Hohenfurt; lá, pegaram uma vara de colhêr frutos de lúpulo e com ela começaram a forçar o céu; quando o paraíso começou a ranger, São Pedro foi ter com Nosso Senhor, dizendo:
– Senhor, isto vai mal; temos que deixá-lo entrar, se não êle faz despencar o céu.
Assim, deixaram-no entrar. Mas João Jogatudo começou logo a sua jogatina. Não tardou muito, desencadeou-se tamanho pandemônio e gritaria que ninguém mais conseguia ouvir o que se dizia. Então, São Pedro tornou a dizer:
– Senhor, assim não vai; temos que atirá-lo para fora, se não êle revoluciona todo o paraíso.
Aí, pegaram-no e atiraram-no para baixo; e sua alma partiu-se em mil pedaços, caindo cada pedaço nos antros dos jogadores, onde vive até hoje.
Conto dos Irmãos Grimm
O IRMÃO FOLGALZÃO / O IRMÃO LUSTIG
Era uma vez numa época de uma grande guerra, e quando ela terminou, muitos soldados foram despedidos. Então o Irmão Lustig também recebeu baixa, e para piorar as coisas, ele partiu com nada mais do que um pequeno pedaço de pão e quatro cruzados de prata como compensação pelos seus dias de glória. São Pedro, no entanto, se colocou no caminho dele disfarçado como um pobre mendigo, e quando o Irmão Lustig apareceu, ele lhe pediu uma esmola.
O Irmão Lustig respondeu, “Meu pobre mendigo, o que tenho para te dar? Toda vida lutei na guerra, e agora fui demitido, e nada recebi como recompensa além deste pedaço de pão, e quatro cruzados de prata; quando isso acabar, terei de mendigar assim como você. Mesmo assim faço questão de te oferecer alguma coisa.” Então ele pegou o pão e o dividiu em quatro pedaços, e ofereceu uma parte para o apóstolo de Jesus, além de uma moeda de prata. São Pedro lhe agradeceu, e seguiu andando, e pouco depois, se colocou novamente no caminho do soldado como pedinte, porém se utilizando de outro disfarce; e quando o militar apareceu, ele lhe pediu uma esmola assim como antes.
O Irmão Lustig disse o que havia dito anteriormente, e novamente lhe ofereceu a quarta parte do seu pão e um cruzado de prata. São Pedro lhe agradeceu, e seguiu seu caminho, e pela terceira vez se disfarçou novamente como mendigo de rua, e falou para o Irmão Lustig. O Irmão Lustig deu-lhe também a terceira parte de seu pão e o terceiro cruzado de prata. São Pedro lhe agradeceu, e o Irmão Lustig continuou em frente, e tinha apenas um segundo quarto do pão, e um cruzado de prata. Levando consigo somente o que lhe restava, ele entrou numa estalagem, comeu o pedaço de pão, e pediu o equivalente a um cruzado de prata de cerveja.
Depois de ter-se alimentado, ele continuou a sua viagem, e então São Pedro, que havia se disfarçado de soldado que também havia sido demitido, se dirigiu a ele e falou desta maneira: “Bom dia, camarada, será que você teria um pedaço de pão para me oferecer, e um cruzado de prata para eu beber alguma coisa?” “Onde eu poderia conseguir isso?” respondeu o Irmão Lustig; “Fui demitido, e não recebi nada além de um pedaço de pão e quatro cruzados de prata em dinheiro. No caminho, encontrei três mendigos, e dei a cada um deles um quarto do meu pão, além de uma moeda. O último pedaço de pão eu comi na estalagem, e com o último cruzado de prata eu bebi um pouco de cerveja.
Agora os meus bolsos estão vazios, e se você também nada possui, nós poderíamos mendigar juntos.” “Não,” respondeu São Pedro, “não é necessário que tenhamos de fazer isso. Tenho alguns conhecimentos de medicina, e logo eu receberei tanto quanto preciso, com esta atividade.” “De fato,” disse o Irmão Lustig, “Eu não tenho os mesmos conhecimentos, então eu devo continuar e pedir esmolas sozinho.” “Então, venha comigo,” disse São Pedro, “e se eu ganhar alguma coisa, você ficará com metade de tudo.” “Está bem,” disse o Irmão Lustig, e seguiram o caminho juntos.
Pouco depois eles chegaram à casa de um aldeão, e perceberam que gritos e lamentações vinham da casa; então eles entraram, e encontraram o dono da casa deitado numa cama, doente e quase morrendo, e o seu fim parecia próximo, e a sua esposa chorava e lamentava em voz alta. “Pare de chorar e de se lamentar,” disse São Pedro, “Eu irei devolver a saúde para o teu marido,” e ele tirou um remédio que tinha no bolso, e curou o homem que estava doente no mesmo instante, o homem, então, se levantou, e ficou totalmente curado. O homem e a mulher ficaram muito felizes e disseram, “Como poderemos te recompensar? O que podemos fazer por você?”
Mas São Pedro não queria aceitar nada, e quanto mais os aldeões lhe ofereciam alguma coisa, mais ele recusava. O Irmão Lustig, no entanto, cutucou São Pedro, e disse, “Aceite alguma coisa; pois também estamos precisando.” Finalmente, a mulher trouxe um cordeiro, e disse para São Pedro para que ele o aceitasse, mas ele não queria. Então, o Irmão Lustig lhe aplicou uma cotovelada de lado, e disse, “Aceite, seu tolo; nós estamos precisando!” Então, São Pedro disse, finalmente, “Bem, eu vou aceitar o cordeiro, mas eu não vou levá-lo; se você insiste em pegá-lo, você deve levá-lo.”
“Isso não é nada,” disse o Irmão Lustig. “Tranquilamente que posso levá-lo,” e o colocou sobre os ombros. Então, eles partiram e chegaram a uma floresta, mas o Irmão Lustig começava a sentir que o cordeiro estava ficando pesado, e ele estava com fome, então, ele disse para São Pedro, “Veja, ali está um bom lugar, poderíamos assar o cordeiro, e comê-lo.” “Como quiser,” respondeu São Pedro, “mas eu não entendo nada de assados; se você quiser prepará-lo, tem ali um vasilhame, e enquanto isso eu vou sair um pouquinho até que o cordeiro fique pronto. No entanto, você não deve começar a comer o cordeiro até que eu tenha voltado, eu voltarei na hora certa.”
“Pode ir, então,” disse o Irmão Lustig, “Eu sei cozinhar, e vou dar conta do assado.” Então, São Pedro saiu, e o Irmão Lustig matou o cordeiro, acendeu o fogo, e jogou a carne dentro da panela, e a cozinhou. O cordeiro, então, já estava preparado, e o apóstolo Pedro não havia voltado, então, o Irmão Lustig tirou o cordeiro da panela, cortou em fatias, e encontrou o coração. “Dizem que esta é a melhor parte do cordeiro,” exclamou ele, e provou um pedaço, mas acabou comendo todo ele. Finalmente, São Pedro retornou e disse, “Você pode comer todo o cordeiro inteirinho para você, eu só quero o coração, passe-o para mim, por favor.”
Então, o Irmão Lustig pegou um garfo e uma faca, e fingiu estar procurando no meio da carne do cordeiro, mas, não conseguindo encontrar o coração, disse abruptamente, “Não há nenhum coração aqui.” “Mas onde é que ele pode estar?” disse o apóstolo. “Não sei,” respondeu o Irmão Lustig, “mas, olhe, como nós somos dois tolos, procurando o coração do cordeiro, e nenhum de nós se lembrou que cordeiro não tem coração!”
“Oh,” disse São Pedro, “isso para mim é novidade! Todo animal possui um coração, porque um cordeiro não teria um?” “Não, meu irmão,” disse o Irmão Lustig, ” pode crer que um cordeiro não possui coração; pense seriamente a respeito, e então, você chegará a conclusão de que ele não tem.” “Está bem,” disse São Pedro, “se não existe coração, então, eu não quero nenhum pedaço do cordeiro; pode comê-lo sozinho.” “O que eu não puder comer agora, vou colocar dentro do saco,” disse o Irmão Lustig, e comeu metade do cordeiro, e colocou o que sobrou dentro do saco.
Eles continuaram andando, e então, São Pedro fez com que um grande riacho de água surgisse na frente do caminho, e eles eram obrigados a atravessá-lo. Disse São Pedro, “Vá você primeiro.” “Não,” respondeu o Irmão Lustig, “vá você na frente,” e ele pensou, “se as águas forem muito profundas eu fico para trás.” Então, São Pedro atravessou o riacho, e as águas chegavam só até os joelhos. Então, o Irmão Lustig começou a atravessar também, mas as águas ficaram mais fundas e chegavam até a sua garganta. Então ele gritou, “Irmão, me ajude!”
São Pedro disse, “Então, queres confessar também que comeste o coração do cordeiro?” “Não,” ele exclamou, “eu não comi.” Então, as águas ficaram mais fundas ainda e alcançavam até a boca. “Me ajude, irmão,” gritou o soldado. São Pedro respondeu, ” Então, queres confessar também que comeste o coração do cordeiro?” “Não,” respondeu ele, “eu não comi.” São Pedro, todavia, não iria permitir que ele se afogasse, e fez com que o nível da água diminuisse e o ajudou a atravessá-la.
Sendo assim, eles continuaram a viagem, e chegaram num reino onde ficaram sabendo que a filha do rei estava muito doente e quase morrendo. “Ouça, meu irmão!” disse o soldado para São Pedro, “esta é a oportunidade para nós; se nós conseguirmos curá-la, nós seremos recompensados por toda a vida!” Mas São Pedro não andava depressa para ele, “Venha, e erga suas pernas, meu bom irmão,” disse o soldado, “para que possamos chegar lá a tempo.” Mas São Pedro andava cada vez mais devagar, embora o Irmão Lustig fizesse tudo que podia para forçá-lo á andar e o empurrava, até que ficaram sabendo que a princesa havia morrido.
“Agora, danou-se!” disse o Irmão Lustig; “tudo por causa do teu modo sonolento de caminhar!” “Não se apoquente,” respondeu São Pedro, “eu posso fazer muito mais do que curar pessoas doentes; eu posso fazer com que os mortos ressuscitem novamente.” “Bem, se és mesmo capaz de fazer isso,” disse o Irmão Lustig, “tudo bem, mas deves pelo menos receber metade do reino caso o consiga.” Então, eles se dirigiram até o palácio real, onde todos demonstravam grande pesar, mas São Pedro disse ao rei que ele devolveria a vida à sua filha. E foi levado até a jovem, e disse, “Tragam-me uma chaleira e um pouco de água,” e quando isso foi feito, ele pediu para que todos se retirassem, e não permitiu que ninguém ficasse com ele, exceto o Irmão Lustig.
Em seguida, ele cortou todos os membros da garota que havia morrido, e jogou tudo dentro da água, acendeu o fogo para aquecer a chaleira, e tudo começou a ferver. E quando a carne havia se separado dos ossos, ele retirou os belos ossos brancos, e os espalhou em cima da mesa, e os colocou todos juntos em sua ordem natural. Depois que ele fez isso, ele deu um passo à frente e disse três vezes, “Em nome da sagrada trindade, criatura morta, levanta.” E na terceira vez que ele disse isso, a princesa se levantou, vívida, saudável e bela. De modo que o rei ficou muito contente com isso, e disse para São Pedro, “Peça qualquer recompensa; ainda que seja metade do meu reino, eu te darei.” Mas São Pedro disse, “Não peço nada pelo que fiz.”
“Oh, seu paspalhão!” pensou o Irmão Lustig consigo mesmo, e cutucou de lado o seu companheiro, e disse, “Não seja tão estúpido! Se você não precisa de nada, eu preciso.” São Pedro, no entanto, não queria nada, mas como o rei havia percebido que o soldado queria muito receber alguma coisa, ele ordenou que o tesoureiro do reino enchesse de ouro o saco que o Irmão Lustig levava consigo. Feito isso, seguiram caminho, e quando eles chegaram na floresta, São Pedro disse para o Irmão Lustig, “Agora nós devemos dividir o ouro.” “Sim,” respondeu ele, “faremos isso.” Então, São Pedro dividiu o ouro, mas o dividiu em três montes. O Irmão Lustig pensou consigo mesmo, “O que será que ele estará inventando agora? Ele dividiu em três partes o ouro, e somos apenas nós dois!” Mas São Pedro exclamou, “Pronto, já dividi em partes iguais; há uma parte para mim, uma para ti, e outra para aquele que comeu o coração do cordeiro.”
“Oh, fui eu que comi!” respondeu o Irmão Lustig, e surrupiou o ouro rapidamente. “Pode confiar no que estou dizendo.” “Mas como isso pode ser verdade,” disse São Pedro, “se um cordeiro não tem coração?” “Ei, que é isso, meu irmão, como é que você pode pensar nessas coisas? Cordeiros tem corações como os outros animais, porque é que somente eles não teriam nenhum?” “Bem, que assim seja,” disse São Pedro, “fique você com o ouro, mas eu não preciso mais da sua companhia; seguirei sozinho o meu caminho.” “Como quiser, caro irmão,” respondeu o Irmão Lustig. “Passe bem.”
Então, São Pedro fez um caminho diferente, mas o Irmão Lustig pensou, “Foi bom ele ter desistido, mas sem dúvida ele é um santo muito esquisito.” Agora ele tinha bastante dinheiro, mas não sabia como administrá-lo, esbanjou e desperdiçou tudo, e depois que algum tempo havia passado, ele não tinha mais nada. Algum tempo depois ele chegou num certo país onde ele ficou sabendo que a filha do rei havia morrido. “Oh, que beleza!” pensou ele, “essa pode ser uma oportunidade de ouro para mim; eu a trarei à vida novamente, e verei que serei recompensado como devo ser.”
De modo que ele foi até o rei, e se ofereceu para devolver novamente a vida à garota morta. Ora, o rei tinha ouvido falar que um antigo soldado estava viajando pela redondeza e fazia com que pessoas mortas retornassem à vida novamente, e achou que o Irmão Lustig era essa pessoa; mas como o rei não tinha nenhuma confiança nele, ele consultou primeiro seus conselheiros, que disseram que ele deveria dar uma chance mesmo porque a sua filha já estava morta. Então, o Irmão Lustig mandou que lhe trouxessem água dentro de uma chaleira, pediu para que todos se retirassem, removeu os membros da morta, jogou tudo dentro da chaleira e acendeu o fogo, do jeitinho que ele tinha visto São Pedro fazer.
A água começou a ferver, a carne começou a se desprender dos ossos, e então, ele retirou os ossos e os colocou em cima da mesa, mas ele não sabia a ordem que os ossos deveriam ser arranjados, e os distribuiu de modo errado e todo confuso. Então, ele respirou fundo e disse, “Em nome da santíssima trindade, donzela morta, ordeno que te levantes,” e ele falou isso três vezes, mas os ossos nem se mexiam. Então, ele repetiu isso mais três vezes, mas os ossos não se mexiam: “Que garota confusa você é, levante-se!” gritou ele, “Levante-se, antes que as coisas fiquem piores para você!”
Quando ele disse isso, São Pedro apareceu de repente em sua forma anterior como soldado demitido; entrou pela janela e disse, “Homem desalmado, o que estás fazendo? Como é que a donzela morta poderá se levantar, quando você jogou de qualquer jeito todos os ossos dela de modo desordenado?” “Caro irmão, eu fiz tudo da melhor maneira que consegui,” respondeu o soldado.
“Desta vez, eu vou lhe ajudar a sair dessa confusão, mas uma coisa eu lhe digo, que se tentares qualquer coisa desse tipo novamente, as coisas vão ficar difíceis para você, e também não deves exigir nem aceitar nada do rei por isto!” Dito isso, São Pedro colocou os ossos na posição correta, e disse três vezes para a donzela, “Em nome da santíssima trindade, jovem morta, levanta,” e a filha do rei se levantou, saudável e bela como antes. Então, São Pedro foi embora pela janela, e o Irmão Lustig ficou feliz em descobrir que tudo havia dado certo, mas ficou muito aborrecido em pensar que depois de tudo, ele não deveria aceitar nada pelo ocorrido.
“Eu só queria saber,” pensou ele, “que planos aquele sujeito tem na cabeça, pois o que ele oferece com uma mão ele toma com a outra e eu não vejo qualquer sentido nisso!” Então, o rei ofecereu ao Irmão Lustig qualquer coisa que ele desejasse possuir, mas ele não ousou aceitar nada; todavia, usando de esperteza, ele conseguiu fazer com que o rei mandasse encher o saco de ouro para ele, somente depois disso ele partiu. Na saída do palácio, São Pedro o estava esperando junto ao portão, e disse,
“Veja só que tipo de homem você é; eu te proibí de aceitar qualquer coisa, e eis você aqui com um saco cheio de ouro!” “O que posso fazer,” respondeu o Irmão Lustig, “se as pessoas colocaram isso para mim aí dentro?” “Bem, eu lhe digo novamente, que se fizeres qualquer coisa desse tipo novamente sofrerás as consequências!” “Ei, irmão, não fique preocupado, agora eu tenho dinheiro, porque iria me preocupar em ficar lavando ossos?” “Tenha fé,” respondeu São Pedro, “o ouro irá durar por um longo tempo! E para que depois disto não voltes a trilhar por caminhos escusos, eu concederei ao saco que levas contigo uma dádiva, isto é, que tudo aquilo que desejares que esteja dentro dele, lá estará. Passe bem, nunca mais voltarás a me ver novamente.” “Adeus,” disse o Irmão Lustig, e pensou consigo mesmo, “Fico feliz que ele tenha se retirado, ele é uma criatura muito estranha; certamente jamais o seguiria.” Mas nos poderes mágicos que lhe foram concedidos ao saco, não pensou mais.
O Irmão Lustig viajou bastante gastando seu dinheiro, dissipando e desperdiçando tudo que tinha como sempre fazia antes. Quando finalmente ele tinha não mais que quatro cruzados de prata, ele passou perto de uma estalagem e pensou, “O dinheiro precisa ser gasto,” e pediu uma quantidade de vinho relativa a três cruzados de prata e o equivalente a um cruzado de pão para comer. E enquanto estava sentado lá e bebia, o cheiro de ganso assado chegou até as suas narinas. O Irmão Lustig olhou ao redor e deu uma espiada, e viu que o estalajadeiro havia deixado dois gansos assando no forno. Nesse momento ele se lembrou de que seu companheiro lhe havia dito que qualquer coisa que ele desejasse que estivesse dentro do saco, lá estaria, então, ele disse, “Oh, oh! Vou fazer minha primeira tentativa com os gansos.”
Então, ele saiu, e quando se viu do lado de fora, ele disse, “Gostaria que aqueles dois gansos assados saíssem do forno e entrassem dentro do saco,” e assim que falou isso, ele desamarrou o saco e olhou dentro dele, e lá estavam os gansos assadinhos. “Ah, muito bem!” disse ele, “agora eu sou um homem completo!” e foi embora em direção ao campo onde retirou do saco os assados. Quando ele estava no meio da refeição, apareceram dois viajantes, com lágrimas nos olhos, ficaram olhando para o segundo ganso, que ainda não havia sido tocado. O Irmão Lustig pensou consigo mesmo, “Um basta para mim,” e chamando os dois homens, disse para eles, “Peguem o ganso, e comam-no à minha saúde.”
Eles lhe agradeceram, e entraram na estalagem com o ganso, pediram meia garrafa de vinho e um pão, pegou o ganso que lhe haviam dado, e começaram a comer. A dona do estabelecimento os viu e disse para o marido, “Aqueles dois sujeitos estão comendo um ganso; verifique apenas se é um dos nossos, que foi tirado do forno.” O estalajadeiro correu até o fogão, e percebeu que não havia nada no forno! “O quê!” gritou ele, “seus dois larápios, vocês estão querendo comer ganso de graça? Tratem já de pagar; ou eu vou triturar vocês junto com as avelãs.”
Os dois disseram, “Nós não somos ladrões, um soldado desempregado foi quem nos ofereceu o ganso, lá fora no campo.” “Não tentem criar confusão falando estas coisas! o soldado esteve mesmo aqui mas ele saiu pela porta, pois era uma pessoa honesta. Eu mesmo vi quando ele saiu; vocês são dois ladrões e devem pagar!” Mas como eles não podiam pagar, o estalajadeiro pegou uma vara, e os expulsou a varadas para fora de casa.
O Irmão Lustig seguiu seu caminho e pouco depois chegou a um lugar onde havia um magnífico castelo, e não muito longe dele havia uma estalagem em más condições. Ele foi até a estalagem e pediu para pernoitar ali, mas o proprietário o expulsou, dizendo, “Não temos mais quartos aqui, e a casa está cheia de pessoas da nobreza.” “Fico surpreso que elas tenham vindo até aqui e não tenham ido para aquele esplêndido castelo,” disse o Irmão Lustig. “Ah, de fato,” respondeu o dono do estabelecimento, “não existe a menor possibilidade de alguém dormir lá por uma noite; ninguém que tentou isso até hoje, conseguiu sair vivo de lá.”
“Se outros já tentaram isso,” disse o Irmão Lustig, “Eu também vou tentar.”
“Deixe disso,” disse o estalajadeiro, “isso pode lher custar o pescoço.” “Jamais serei enforcado,” disse o Irmão Lustig, “é só você me dar a chave, um pouco de comida e vinho.” Então, o estalajadeiro lhe deu a chave, além da comida e do vinho, e assim o Irmão Lustig foi até o castelo, deliciou-se com a sopa, e finalmente, como ele estava com sono, ele se deitou no chão, porque não havia camas. Logo ele caiu no sono, mas durante a noite ele acordou com um grande barulho, e quando ele acordou, ele viu nove demônios horrendos dentro do quarto, que haviam feito um círculo, e estavam dançando ao redor dele.
O Irmão Lustig exclamou, “Bem, dancem o tempo que quiserem, mas nenhum de vocês tentem se aproximar.” Mas os demônios cada vez mais se aproximavam dele, e quase pisaram na cara dele com seus pés assustadores. “Parem, seus fantasmas do diabo,” disse ele, mas eles continuavam a se comportar cada vez pior. Então, o Irmão Lustig ficou nervoso, e gritou, “Silêncio! ou eu os farei se acalmarem,” dito isso, pegou a perna de uma cadeira e atirou com força em direção a eles. Mas nove diabos contra um soldado era covardia, e enquanto ele batia naquele que estava na sua frente, os outros o pegaram por trás pelo cabelo, e puxavam sem piedade.
“Filhos do diabo,” dizia ele, “está ficando difícil, mas aguardem. E falou: Todos os nove para dentro do saco!” No mesmo instante eles estavam lá dentro, então, ele amarrou a boca do saco e o deixou num canto. Feito isso, tudo voltou à normalidade, e o Irmão Lustig voltou a dormir novamente, e dormiu até o dia clarear. Então, o estalajadeiro apareceu, acompanhado do nobre que era dono do castelo, para verificar como ele estava passando; mas quando perceberam que ele estava feliz e com saúde eles ficaram perplexos, e perguntaram, “Os espíritos não lhe fizeram nenhum mal, então?” “O motivo por eles não terem feito nenhum mal a mim,” respondeu o Irmão Lustig, “é porque eu coloquei todos os nove dentro do saco! Você pode voltar a morar no seu castelo com tranquilidade, nenhum deles vai assustá-lo novamente.”
O nobre então, agradeceu a ele, ofereceu-lhe ricos presentes, e pediu a ele que continuasse a seu serviço, e ele daria ao soldado tudo que este precisasse durante toda a sua vida. “Não posso,” respondeu o Irmão Lustig, “estou acostumado a perambular pelo mundo, vou continuar viajando.” Dito isto, ele foi embora, e entrou numa oficina de ferreiro, colocou em cima da bigorna o saco, que continha os nove demônios, e pediu ao ferreiro e aos seus aprendizes para baterem nele. Então, eles bateram com seus grandes martelos e com toda a força que podiam, e os demônios soltavam gritos que chegavam a causar dó. Terminada a pancadaria, ele abriu o saco, e oito deles estavam mortos, mas um que havia ficado numa dobra do saco, ainda estava vivo, escapou, e voltou novamente para o inferno.
E assim, o Irmão Lustig perambulou durante muito tempo pelo mundo afora, e aqueles que o conheceram podem contar muitas histórias sobre ele, mas finalmente ele ficou velho, e achou que o seu fim estava próximo, então, ele foi até um eremita que era conhecido como homem muito piedoso, e disse para ele, “Eu estou cansado de ficar perambulando pelo mundo, e agora eu preciso me comportar de tal maneira que possa entrar no reino dos Céus.” O eremita respondeu, “Existem dois caminhos, um é largo e agradável, e conduz ao inferno, o outro é estreito e difícil, e leva você para o Céu.” “Eu seria um idiota,” pensou o Irmão Lustig, “se eu escolhesse o caminho estreito e difícil.”
Então, ele partiu e tomou o caminho largo e agradável, até que finalmente chegou a um enorme portão negro, que era o portão do inferno. O Irmão Lustig bateu, e o guardião espiou para ver quem estava lá fora. Mas quando ele viu o Irmão Lustig, ele ficou aterrorizado, pois que ele era o mesmo nono demônio que havia sido amarrado dentro do saco, e havia escapado dele com um olho negro. Então, ele colocou o ferrolho no portão novamente o mais rápido que pode, correu até o chefe dos demônios, e disse, “Tem um cara lá fora com um saco nas costas, e deseja entrar, mas como você dá valor à vida não permita que ele entre, senão ele vai colocar todo inferno dentro do saco.
Uma vez ele me deu uma terrível martelada quando eu estava lá dentro.” Então, eles chamaram o Irmão Lustig e pediram para que ele fosse embora, pois que não receberia permissão para entrar no inferno! “Se eles não querem me deixar entrar,” pensou ele, “Vou ver se encontro um lugar para mim no céu, porque em algum lugar eu devo ficar.” Então, ele fez meia volta e continuou seu caminho no portão de entrada do Céu, batendo em seguida. São Pedro, que era o guardião, estava cansado de ficar ali sentado. O Irmão Lustig o reconheceu imediatamente, e pensou, “Eis que encontro um velho amigo, acho que vou me dar bem.”
Mas São Pedro disse, “Acredito realmente que você deseja entrar no céu.” “Me deixe entrar, irmão; eu preciso entrar em algum lugar; se tivessem me levado para o inferno, eu não estaria aqui.” “Não,” disse São Pedro, “você não pode entrar.” “Então, se você não me deixar entrar, tome o teu saco de volta, pois não quero ficar com nada de você.” “Então, me dê o saco,” disse São Pedro. Nesse momento, o Irmão Lustig devolveu o saco para o céu através das grades, e São Pedro pegou o saco, e o pendurou na cadeira. Então, o Irmão Lustig falou, “E agora eu desejo que eu entre dentro do saco,” e num segundo ele estava dentro dele, e no Céu, e São Pedro foi obrigado a deixá-lo ficar.
Conto dos Irmãos Grimm
A MORTE DA FRANGUINHA
Certa vez, a franguinha foi com o franguinho até a colina das nogueiras, tendo-se comprometido, no caso de achar um miolo de noz, a reparti-lo entre ambos.
A franguinha achou uma noz grande, grande, mas não disse nada, pois pretendia comê-la sozinha. Mas o miolo era tão grosso que não conseguiu passar pela sua goela, ficando entalado, sem subir nem descer, e ela, com mêdo de morrer sufocada, gritou:
– Franguinho, por favor, corre o mais depressa possível e traze-me um pouco de água, se não morrerei sufocada.
O franguinho correu o mais rapidamente possível à fonte, dizendo:
– Fonte, dá-me um pouco de água; a franguinha lá na colina das nozes engoliu uma noz muito grossa e está sufocando.
A fonte respondeu:
– Corre, primeiro, à casa da noiva e pede-lhe um fio de sêda vermelha.
O franguinho foi correndo à casa da noiva:
– Noiva, dá-me um fio de sêda vermelha; a sêda é para dar à fonte, a fonte tem que me dar água, à água tenho que levar para a franguinha que, lá na colina das nogueiras, engoliu uma noz muito grossa e está para morrer sufocada.
A noiva disse:
– Corre primeiro a buscar meu rosário, que ficou prêso num galho do salgueiro.
O franguinho correu até ao salgueiro, pegou o rosário e levou-o à noiva; em troca, a noiva deu-lhe a sêda vermelha, que êle levou à fonte, que, em troca, lhe deu a água.
Aí o franguinho correu a levar a água para a franguinha, mas, quando chegou lá, a franguinha já tinha morrido sufocada e estava espichada, dura no chão. guinho ficou tão desolado que se pôs a berrar e a chorar; então, vieram todos os animais e choraram a morte da franguinha. Seis camundongos construiram um pequeno carro a fim de transportá-la para o entêrro; e, quando o carro ficou pronto, atrelaram-se por si mesmos, enquanto o franguinho subia à boléia para conduzir.
No caminho, encontraram a raposa, que perguntou:
– Aonde vais, franguinho?
– Vou enterrar a minhu franguinha.
– Posso ir junto?
– Sim, mas por favor, senta atrás, porque na frente, os meus cavalos podem se assustar!
A raposa subiu ao carro e sentou-se atrás, depois subiram também o lôbo, o veado, o leão e todos os demais bichos da floresta. E assim, todos juntos, prosseguiram a viagem até chegar à margem de um regato.
– Como faremos para o atravessar? – perguntou o franguinho.
Na margem do regato, estava uma palha, que se prontificou:
– Coloco-me de atravessado de uma a outra margem, assim podereis passar por cima de mim.
Mas, quando os seis camundongos subiram na ponte, a palha escorregou e caiu dentro do regato e com ela caíram, também, os seis camundongos, que morreram afogados.
Estavam novamente atrapalhados; nisso chegou um tição e disse:
– Eu sou bastante grosso, vou me colocar de atravessado e podeis passar por cima de mim.
O tição colocou-se de atravessado sôbre a água, mas a água, infelizmente, esbarrou nêle, que chiou um pouquinho e, pronto, estava morto.
À vista disso, uma pedra ficou com dó e se prontificou a ajudá-los, deitando-se por cima da água. Agora era o franguinho quem puxava o carro; e quando tinha passado e estava na margem oposta com a sua franguinha morta, quis puxar, também, os outros companheiros sentados atrás, os quais eram muitos; então, o carro tombou, despejando todos de roldão dentro da água onde se afogaram.
Assim o franguinho ficou, novamente, só com a franguinha morta; cavou por aí mesmo uma sepultura e enterrou-a, erguendo-lhe um mausoléu; acocorou-se em cima dêle, chorando tristemente, e tanto chorou que acabou por morrer também. Com isso morreu todo mundo.
Conto dos Irmãos Grimm
A ONDINA
Houve, uma vez, duas crianças, o irmãozinho e a irmãzinha, que estavam brincando perto de um regato e sem querer caíram dentro. No fundo da água havia uma ondina, que lhes disse:
– Agora tenho-vos em meu poder; tereis de trabalhar bastante para mim.
E levou-os para longe dali. A menina foi obrigada a fiar um linho sujo e embaraçado e encher de água um barril sem fundo; quanto ao menino, tinha de cortar lenha com um machado sem fio; como alimento não recebiam nada mais além de uns bolinhos duros como pedras.
Por fim, as crianças perderam a paciência, esperaram até o domingo, quando a ondina estava rezando na igreja, e trataram de fugir. Terminada a missa, a ondina percebeu que os dois pássaros tinham batido as asas e, em grandes saltos, saiu em sua perseguição. As crianças, porém, viram de longe que ela os perseguia; então a menina jogou uma escova atrás das costas; imediatamente surgiu uma grande montanha de escovas com milhares e milhares de pelos pungentes, sobre os quais a ondina teve de trepar com enorme dificuldade; mas o conseguiu e transpôs a montanha.
Os meninos perceberam-na de longe; então o garoto jogou para trás das costas um pente; logo apareceu uma montanha de pentes, com mil vezes mil dentes, mas a ondina conseguiu trepar por eles e passar além. Então, a menina jogou um espelho e surgiu uma montanha toda de espelho, tão lisa, tão lisa, que não foi possível à ondina trepar. Ela, então, decidiu:
“Corro depressa para casa e trago o machado para quebrar a montanha de espelho.”
Mas, até chegar em casa, pegar o machado e quebrar a montanha, as crianças já iam longe a valer, e a ondina não teve remédio senão voltar para dentro do regato.
Conto dos Irmãos Grimm
O AVÔ E O NETINHO
Havia, uma vez, um homem muito velho, cujos olhos eram embaçados, seus ouvidos cansados de ouvir, seus joelhos trêmulos, e, quando se sentava à mesa, mal podia segurar a colher, e derramava o caldo sobre a toalha ou deixava escorrer pela boca.
O seu filho e a esposa dele achavam aquilo muito repugnante, até que fizeram o velho avó se sentar num canto, atrás do fogão, e lhe davam pouca comida em uma tigela de barro. Ele olhava a mesa com olhos afogados em lágrimas. Certo dia, sua mão trêmula não segurou a tigela, que se despedaçou no chão. A jovem esposa o repreendeu, ele suspirou apenas. Compraram eles, então, por cinco centavos, uma tigela de madeira na qual o velho teria que comer.
Sentados, dias depois, o filho e a esposa notaram o neto, de apenas quatro anos, coletando pedaços de madeira do chão. “O que faz aí?” perguntou seu pai. “Estou fazendo uma gamela”, replicou o garoto, “para o papai e a mamãe comerem quando eu for grande.”
O homem e a mulher entreolharam-se por alguns instantes, até que começaram a chorar. Eles levaram o avô até mesa e, desde esse dia, sempre o deixaram comer com eles e nunca disseram mais nada quando ele derramava qualquer coisa.
Conto dos Irmãos Grimm
GRETEL, A ESPERTA / MARGARIDA, A ESPERTALHONA
Era uma vez uma cozinheira muito esperta chamada Gretel. Um dia, o chefe de Gretel foi até a cozinha para informá-la de que alguns amigos dele iriam jantar na casa naquela noite. Ele trouxe quatro galinhas que havia comprado para a cozinheira assar para o jantar.
Gretel preparou as galinhas e começou a assá-las. Ela amava cozinhar, e todos da casa também amavam as comidas que Gretel fazia, só que naquele dia, ela estava nervosa com o fato de cozinhar para os amigos do chefe e queria que tudo ficasse perfeito.
Quando o cheiro delicioso das galinhas assando chegou até o nariz de Gretel, ela teve a idéia de provar uma das asinhas para verificar se estava bem assada. Ela comeu a asa, mas não conseguiu ter certeza se estava pronta ou não, então, ela comeu a outra asa.
“Precisam de mais tempo no forno”, pensou Gretel. Porém, alguns minutos depois ficou preocupada se as galinhas estavam assadas demais, decidiu então provar mais duas asinhas. Mesmo assim ela não conseguiu saber, e foi comendo asinha por asinha, até que todas as oito asas foram para sua barriga.
“Está tudo bem,” disse, acalmando a si mesma, “ninguém vai sentir falta das asas das galinhas.” Depois que ela se tranquilizou, pegou uma coxa para verificar se estava devidamente assada e depois, provou mais outra para ter certeza.
Uma por uma, Gretel comeu todas as oito coxas das galinhas. Ela ficou um pouco preocupada com a falta das coxas, mas imaginou que nenhum dos amigos do chefe iria perceber a falta delas.
Gretel tirou as galinhas do forno e quando estavam prontas, o cheiro suculento delas estava tão tentador, que ela decidiu comer uma das galinhas e deixar três delas para o restante dos convidados, pois era mais do que o suficiente.
Depois que comeu a galinha, Gretel ainda não estava satisfeita, então ela começou a comer a segunda galinha. Logo todas as galinhas foram devoradas, e agora Gretel ficou com muito medo, “Ai, ai, ai!! O que foi que eu fiz!? O jantar será servido em uma hora, e eu comi tudo!!”
Naquele momento Gretel escutou alguém batendo na porta da cozinha. Ela abriu e viu um homem desconhecido que perguntou qual era o caminho para chegar até a cidade mais próxima.
Gretel, que era muito esperta, disse ao homem “Olha, a cidade vizinha é para esse lado aqui, mas vá correndo para lá, porque o meu chefe malvado gosta de cortar a orelha das pessoas desconhecidas.” Ao escutar isso, o homem saiu correndo pela rua o mais rápido que pôde.
Gretel foi logo chamar o chefe e disse a ele que o homem desconhecido tinha entrado na cozinha, roubado as galinhas e depois fugiu.
O chefe de Gretel foi correndo atrás do homem e gritou, “Me dá só uma! Me dá só uma!”. O desconhecido pensou que ele se referia a uma das suas orelhas e correu ainda mais rápido para escapar.
Conto dos Irmãos Grimm
O FORTALECIMENTO DO PENSAMENTO ATRAVÉS DA MEDITAÇÃO
Podemos dizer que a meditação consiste apenas em experimentar o pensamento de maneira diferente da habitual.
Hoje experimentamos o pensamento deixando que ele seja estimulado pelo exterior; abandonamo-nos à realidade exterior: podemos observar que quando olhamos, escutamos, tomamos alguma coisa nas mãos etc., experimentamos as impressões acolhidas do exterior transformarem-se em pensamentos. Assim, comportamo-nos passivamente na atividade do pensamento: abandonamo-nos ao mundo e os pensamentos vem a nós. Mas dessa forma não se chega a nada.
Devemos começar a experimentar o próprio pensamento. Chegamos a essa experiência simplesmente tomando um pensamento de fácil compreensão e mantendo-o presente na consciência, concentrando totalmente a consciência sobre ele.
[…] A sabedoria vive na luz. Não importa que seja verdadeiro ou falso. Quando estendemos o braço para colocá-lo repetidamente em movimento, não entra em consideração se esse movimento tem importância universal ou se é uma brincadeira, mas é verdade que assim fortalecemos o braço.
Fortalecemos o pensar quando nos esforçamos para repetir uma atividade de pensamento, independente de seu conteúdo. Se insistirmos no esforço anímico de mantê-lo presente na consciência e concentrarmos nele toda vida da alma, nós a fortalecemos da mesma forma como intensificamos a força muscular do braço, se continuarmos a exercitá-lo em uma mesma atividade.
Rudolf Steiner – GA 234
MEDITAÇÃO – FORÇA DA ALMA PARA A LIBERDADE
Não se deve pensar “misticamente” sobre a meditação, mas também não se deve pensar levianamente sobre ela. A meditação deve ser algo totalmente claro no sentido atual. Porém, ao mesmo tempo, ela é algo que exige paciência e energia anímica interior.
Antes de tudo, ainda lhe é pertinente algo que ninguém pode dar a outra pessoa: prometer-se algo a si mesmo e depois mantê-lo. Quando o ser humano começa a fazer meditações, ele realiza por seu intermédio o único ato realmente livre nesta vida humana.
Sempre temos em nós a tendência para a liberdade, e já concretizamos uma boa parte dela. Mas quando refletimos sobre isso, encontramos o seguinte: de um lado somos dependentes de nossa hereditariedade, de outro, de nossa educação, ainda de outro de nossa vida.
[…] Quando, no entanto, tomamos a decisão de fazer uma meditação à noite e de manhã, para que aos poucos aprendamos a observar o mundo suprassensível, também podemos deixar de fazê-lo cada dia. Nada o impede. […] Nisso estamos totalmente livres. Esse meditar é uma ação arquetipicamente livre. Se pudermos, no entanto, permanecer fiéis, se prometemos a nós mesmos, e não a outrem, que permaneceremos fiéis a esse meditar, então o fato de conseguir simplesmente ficar fiel a si próprio significa uma enorme força na alma.
Rudolf Steiner – GA 305
Tradução: Valdemar W. Setzer
A VIVÊNCIA DO MUNDO SUPRASSENSÍVEL
Ao penetrarmos no mundo suprassensível, uma das primeiras impressões será a de um relacionamento com os seres desse mundo, causado pela autoconsciência elevada ao nível desse âmbito e manifesta através de simpatias e antipatias.
Essa experiência já nos faz notar que devemos abandonar toda representação relativa ao mundo sensorial se realmente quisermos ingressar no mundo espiritual. Aquilo que se percebe no plano suprassensível pode ser descrito mediante representações extraídas do mundo sensorial.
Por exemplo, podemos dizer que um ser se manifesta como que por meio de um fenômeno de coloração. Todavia, quem recebe tais descrições de algo suprassensível nunca deveria esquecer o que quer dizer o verdadeiro pesquisador do espiritual ao utilizar dessa forma uma cor: ele vivencia algo de maneira análoga à percepção da cor correspondente pela consciência sensorial. Quem usa a descrição para afirmar que tem diante de sua consciência algo igual à cor sensorial não é um pesquisador espiritual, mas um visionário ou alucinado.
Rudolf Steiner – GA 17
CONCENTRAÇÃO – FORÇAS SE TRANSFORMAM NOS ÓRGÃOS DE PERCEPÇÃO
Um bom preparo para a compreensão do conhecimento espiritual pode ser o fortalecimento, repetidamente vivenciado, que é trazido pelo seguinte conteúdo anímico: “Enquanto penso, sinto-me ligado ao fluxo dos acontecimentos cósmicos.” O importante é muito menos o valor cognitivo abstrato desse pensamento do que o fato de ser frequentemente experimentado na alma o efeito revigorante vivenciado quando tal pensamento flui com força pela vida interior, ao se expandir na vida anímica qual um ar vital espiritual.
Não se trata apenas do conhecimento daquilo que jaz em tal pensamento, mas da vivência. O conteúdo é conhecido quando esteve uma vez presente na alma com força persuasiva suficiente; mas se o pensamento há de trazer frutos para a compreensão do mundo espiritual, dos seus seres e fatos, deve ser reanimado na alma depois de ter sido compreendido.
A alma deve preencher-se com ele cada vez novamente, só admitindo sua presença e excluindo outros pensamentos, sensações, recordações etc. Tal concentração repetida num pensamento inteiramente absorvido faz convergirem na alma forças que estão, de certa forma, dispersas na vida normal; elas são reforçadas em si próprias. Essas forças concentradas transformam-se nos órgãos de percepção para o mundo espiritual e suas verdades.
Pode-se conhecer, pelo exposto, o processo correto da meditação. Deve-se primeiro isolar um pensamento, discernindo-o com os meios que nos proporcionam a vida e o conhecimento comuns. Em seguida, aprofundamo-nos repetidamente nesse pensamento, identificando-nos completamente com ele. O revigoramento da alma resulta do convívio com um pensamento conhecido dessa forma.
[…] será particularmente proveitoso para o meditante conhecer o estado anímico resultante da oscilação, acima descrita, de sua vida psíquica. É o meio mais seguro para ele ter a sensação de ser tocado, em usa meditação, diretamente pelo mundo espiritual.
Rudolf Steiner – GA 17
REPRESENTAÇÕES MENTAIS PROVENIENTES DA NATUREZA INTERIOR
Nos últimos séculos, o ser humano habituou-se tanto a apenas reproduzir o mundo exterior que nem ao menos chega a se tornar interiormente consciente da própria possibilidade de formar livremente representações mentais, a partir da própria via interior. Chama-se ‘meditar’ a formação de tais representações mentais tomadas da vida interior; é compenetrar a própria consciência com representações mentais que não provenham da natureza exterior, mas sim do interior, prestando particular atenção àquela força que suscita tais representações.
Rudolf Steiner – GA 234
“A Quaresma nos convida à superação dos impulsos inconscientes através do fortalecimento da Vontade em direção à ação consciente do EU.” – Leonardo Maia
A QUARESMA – ANTROPOSOFIA
O cristianismo reserva 40 dias do ano para a preparação para a Páscoa, e chama esse período de Quaresma. Estes 40 dias simbolizam os 40 dias que Cristo passou meditando e orando no deserto. É um período de recolhimento e antigamente de jejum e penitência. Hoje passa geralmente despercebido no nosso calendário. Porém, a quaresma pode ser um tempo de reflexão e de transformações na sua vida.
Nosso psiquismo encontra expressão pelo pensamento, pelo sentimento e pela vontade que gera ação. O equilíbrio entre o pensar, o sentir e o agir conduz a uma vida psiquicamente harmoniosa, onde a depressão e a ansiedade não encontram refúgio. Os três estão interligados e influenciam-se mutuamente. Quando modificamos nosso pensar, pela meditação, por exemplo, passamos a sentir de uma maneira diferente e percebemos a sutileza de nossos sentimentos. E nossas ações também sofrem alterações, com essa mudança que começou no pensar.
Quando tomamos mais consciência de nossos sentimentos, percebemos o quanto eles mexem com nossos pensamentos e nos fazem agir como escravos de emoções que nos tomam, e conseguimos ter maior controle sobre a reação que os sentimentos nos causam.
Dos três, o agir é geralmente o mais prejudicado nos nossos dias de excesso de informações e compromissos, em que a imagem que exibimos nas redes sociais é muito mais importante do que a essência daquilo que somos. O que mais fazemos é reagir a algo que nos é solicitado, e é com muita dificuldade que conseguimos colocar a força de nossa vontade numa ação voluntária.
Por isso, a oportunidade de exercer nossa vontade de forma voluntária por 40 dias pode trazer grandes (ou ainda que sejam pequenas) transformações ao nosso pensar e ao nosso sentir. Dominar a própria vontade, através da renúncia a algo que lhe é caro é um exercício de fortalecimento da própria vontade.
Ano passado, minha filha de quinze anos abdicou de comer chocolate durante a quaresma, simplesmente como um treinamento da própria vontade. Foi impressionante como todos lhe ofereciam chocolates e ela recusava. Percebi depois disso como ela organizou-se de maneira disciplinada para estudar e como tem se dedicado às metas que ela mesma se propõe em relação ao seu desempenho na escola.
Esta mudança no agir pode levar à mudança de como percebemos nossos sentimentos e de como pensamos, e é um recurso que está ao alcance de qualquer um de nós, basta agir.
Por Marcelo Guerra
O CRAVO
Houve, uma vez, uma rainha que, por vontade de Deus, era estéril e não podia ter filhos.
Todas as manhãs, ela descia ao jardim e punha-se a rezar, pedindo a Deus que lhe concedesse um filho ou uma filha. Certa vez, estando ela a rezar, desceu um anjo do céu e lhe disse:
– Não te aflijas: hás de ter um filho que realizará tudo quanto desejar.
Ela foi correndo contar a feliz nova ao rei, que ficou muito contente. Decorrido o tempo preestabelecido, a rainha deu à luz um filho, acontecimento este que encheu a todos de grande alegria.
A rainha ia todas as manhãs com seu filhinho, ao parque, lavar-se numa fonte de águas cristalinas, lá existente. Certo dia, quando o menino já estava bem crescidinho, ela estava sentada junto da fonte com ele no regaço e, sem querer, adormeceu. Então, chegou o velho cozinheiro, que bem sabia da profecia feita pelo anjo e raptou o menino. Depois pegou uma galinha, matou-a e salpicou de sangue o vestido e o avental da mãe, levando em seguida a criança para um lugar oculto, onde a entregou a uma ama de leite para que a amamentasse; e correu a contar ao rei que a rainha deixara as feras matarem o menino.
O rei vendo o avental e o vestido da esposa manchados de sangue, acreditou na calúnia do cozinheiro. Enfureceu-se de tal maneira que mandou construir uma torre altíssima, na qual não podia penetrar um só raio de sol ou de luar; mandou levar a rainha para lá e murou a porta, condenando-a a sete anos de reclusão, sem comer nem beber, para que morresse de fome.
Mas o bom Deus, que velava por ela, enviou do céu dois anjos, em forma de pombas brancas, incumbidos de levar-lhe, diariamente, os alimentos necessários durante os sete anos.
O cozinheiro, no entanto, pensou consigo mesmo: “Esse menino tem o dom de ver realizados todos os seus desejos; ora, eu ficando aqui correrei perigo.” Resolveu, pois, demitir-se do emprego. Saiu do castelo e foi ter com o menino que, já bastante crescido, sabia falar tudo direitinho.
– Meu menino, – disse-lhe o cozinheiro – pede de presente um castelo, com um belo jardim e todas as demais coisas necessárias.
Mal e mal acabava o menino de repetir essas palavras, eis que apareceu tudo, tal como desejavam. Passado algum tempo, o cozinheiro tornou a dizer ao menino:
– Não é justo que fiques aqui tão sozinho, podes aborrecer-te; deseja uma bela menina que venha fazer-te companhia.
O príncipe exprimiu o desejo, sugerido pelo cozinheiro, e logo surgiu na sua frente uma linda menina, tão linda como pintor algum jamais conseguira pintar.
Assim, as duas crianças passavam o dia brincando juntas e muito se amavam; enquanto isso, o velho cozinheiro distraia-se caçando, como um grande fidalgo. Ocorreu-lhe, porém, a idéia de que o príncipe podería algum dia desejar ver seu pai e isso seria um grave transtorno para ele; então chamou a menina para um lado e lhe disse:
– Esta noite, quando o menino estiver dormindo, acerca-te da cama dele e espeta-lhe uma faca no coração. Deves trazer-me depois o coração e a língua; se não o fizeres, deverás morrer.
Após dizer isso, foi-se embora; mas, quando voltou no dia seguinte, ela não tinha executado sua ordem, protestando:
– Por que devo assassinar um inocente que nunca fez mal a ninguém?
O cozinheiro tornou a ordenar:
– Se não fizeres o que mandei, perderás a vida.
Assim que ele se foi, a menina mandou que lhe trouxessem uma gazela e que a matassem, tirou-lhe o coração e a língua colocando-os num prato e, quanto viu que o cozinheiro vinha chegando, disse ao menino:
– Vai deitar-te na cama c cobre-te bem, cabeça e tudo.
O malvado entrou e logo perguntou:
– Onde estão a língua e o coração do menino?
A menina apresentou-lhe o prato, mas o menino, atirando longe as cobertas disse:
– Velho celerado, por quê é que me queres matar? Agora eu pronunciarei a tua sentença: deverás transformar-te num cão Pudel, com uma corrente de ouro em volta do pescoço e terás que comer brasas incandescentes que façam sair labaredas da tua garganta.
Mal acabou de dizer isso, o velho transformou-se num cão de pêlo arrepiado, com uma corrente de ouro em volta do pescoço; os cozinheiros receberam ordens de trazer- -lhe carvões incandescentes, que ele devorou, e as chamas sairam-lhe pela boca.
O príncipe ainda ficou lá durante algum tempo, mas pensava em sua mãe, ansioso por saber se ainda vivia. Por fim disse à menina:
– Quero voltar para minha terra; se quiseres vir comigo, cuidarei de ti.
– Ah, – respondeu ela – é tão longe! Além disso, que vou fazer numa terra estranha, onde não sou conhecida?
Vendo que ela não consentia em acompanhá-lo e, ao mesmo tempo, não querendo os dois se separarem, o príncipe desejou que ela se transformasse num belo cravo e assim levou-a no bolso.
Pôs-se a caminho e o cão arrepiado foi obrigado a segui-lo correndo. Assim que chegou à sua pátria, o príncipe foi, imediatamente, procurar a torre onde estava sua mãe, e, como a torre fôsse muito alta, teve de desejar uma escada que chegasse até o alto dela; em seguida subiu
Pôs-se a caminho e o cão arrepiado foi obrigado a segui-lo correndo. Assim que chegou à sua pátria, o príncipe foi, imediatamente, procurar a torre onde estava sua mãe, e, como a torre fôsse muito alta, teve de desejar uma escada que chegasse até o alto dela; em seguida subiu pela escada e espiou para dentro da torre, gritando:
– Minha querida mamãe, rainha graciosíssima, estás viva ainda, ou estás morta?
Ela, julgando que fossem os anjos, respondeu:
– Terminei há pouco de comer, já estou satisfeita.
O príncipe então replicou:
– Sou o teu amado filho; o filho que constava devorado pelas feras enquanto tu dormias comigo no colo. Felizmente estou vivo e dentro em pouco te salvarei.
Tornou a descer a escada e foi ter com o senhor seu pai; fez-se anunciar como sendo um caçador forasteiro, que desejava entrar para seu serviço. O rei disse que o aceitaria de bom grado, contando que fosse inteligente e conseguisse descobrir caça abundante, pois nessa região toda e nas circunvizinhas nunca houvera caça alguma. O pretenso caçador prometeu arranjar quanta quisesse para a mesa real.
Em seguida mandou reunir todos os monteiros, mandando que o acompanhassem à floresta. Foram todos; quando chegaram na floresta, mandou que formassem um grande círculo, com uma abertura numa das extremidades, colocou-se no centro do círculo e pôs -se a desejar o que queria. Imediatamente chegaram correndo para dentro do círculo mais de duzentas cabeças de caça e os caçadores só tiveram o trabalho de matar todos esses animais, os quais foram carregados sobre sessenta carroças e levados ao rei que, pelo menos uma vez na vida, conseguiu suprir regiamente sua mesa após tantos anos de falta absoluta.
Muito satisfeito e feliz, o rei determinou que toda a corte participasse de um grande banquete a realizar-se no dia seguinte. Quando viu toda a sua gente reunida, o rei disse ao caçador:
– Graças à tua capacidade, estás convidado a sentar perto de mim na mesa.
– Real senhor, – respondeu o moço – agradeço muito a Vossa Majestade, mas eu não passo de um aprendiz de caçador.
O rei, porém, insistiu muito:
– Tens que aceitar e sentar-te ao meu lado.
O moço foi obrigado a ceder. Entretanto, enquanto estava lá em tão boa companhia lembrou-se de sua mamãe muito amada e desejou que pelo menos um dos cortesãos mencionasse seu nome e perguntasse como estaria passando lá na torre: se ainda estaria viva ou se já teria morrido de fome. Mal lhe ocorreu tal desejo, o marechal aventurou-se a perguntar:
– Majestade, nós aqui estamos todos muito alegres; mas como estará passando Sua Majestade a Rainha, lá na sua torre? Estará ainda viva, ou já pereceu de fome?
– Não me faleis nela, – respondeu o rei – pois deixou que as feras devorassem o meu querido filhinho!
Então o caçador levantou-se e falou ao pai:
– Meu augusto senhor e nobre pai, a rainha ainda está viva e eu sou o seu filho; não é verdade que tenha sido devorado pelas feras, mas foi o celerado do cozinheiro quem me tirou do seu colo enquanto ela dormia, salpicando-lhe o vestido com sangue de galinha, e levando-me para longe.
Dizendo isto, pegou o cão arrepiado, que tinha a coleira de ouro e mostrou-o aos convivas, dizendo;
– Eis aqui o malvado!
Mandou a seguir que trouxessem carvões incandescentes e obrigou o cão a comê-los na presença de todos. E todos viram as labaredas saindo de sua boca. Depois
o jovem perguntou ao rei se queria ver aquele homem em seu verdadeiro aspecto e, tendo-o desejado, logo surgiu o cozinheiro com seu avental branco e o facão na cinta. O rei não hesitou, cheio de ódio, deu ordens para que a atirassem para dentro de uma escura masmorra. O caçador então prosseguiu:
– Meu ilustre pai, quereis ver também a jovem que zelou por mim com imensa ternura e que depois foi obrigada a matar-me, embora não o tenha feito apesar de estar em jogo sua própria vida?
– Sim, – disse o rei – terei imenso prazer em vê- la.
– Meu nobre pai, vou mostrá-la sob a forma de uma linda flor.
Tirou o cravo do bolso e colocou-o sobre a mesa. O rei ficou extasiado, pois jamais tinha visto uma flor tão linda; o filho continuou:
– Agora quero mostrá-la no seu verdadeiro aspecto.
Formulou o seu desejo e logo surgiu a maravilhosa jovem, tão bela como pintor algum seria capaz de pintar igual.
O rei, então, ordenou a duas camareiras e dois criados que fossem à torre buscar a rainha e a trouxessem para o banquete real. Porém, quando chegou, a rainha não comeu nada e disse:
– O Senhor Deus, misericordioso e clemente, que me conservou a vida na torre, logo me libertará de tudo.
Viveu mais três dias muito feliz, depois morreu como uma santa. As duas pombas brancas, que diariamente lhe haviam levado a comida na torre, e que na realidade eram dois anjos do céu, acompanharam-na até à sepultura, onde pousaram.
O rei condenou o cozinheiro a morrer esquartejado; todavia, consumido pelo sofrimento de ter perdido a rainha, por sua causa, não demorou muito também a morrer.
O jovem príncipe, então, casou com a linda criatura que trouxera no bolso em forma de cravo e, se ainda continuam vivos, só Deus é que o sabe.
Conto dos Irmãos Grimm
A RAPOSA E O GATO
Um dia, o gato encontrou a raposa no bosque e disse para si mesmo: vou cumprimentá-la. Ela é tão inteligente, tão experiente, tão respeitada por todo mundo… E fez uma saudação amigável:
“Bom dia, querida Dona Raposa! Como tem passado? Como tem levado a vida, agora que as coisas andam tão caras?”
A raposa ficou inchada de orgulho. Olhou o gato de alto a baixo e levou algum tempo para resolver se respondia ou não. Finalmente disse:
“Dobre a língua, seu patife lambedor de bigodes, seu palhaço de meia-tigela, seu pilantra caçador de ratos, você não se enxerga? Quem você pensa que é? Como ousa me perguntar como eu tenho passado? Quem é você? Que é que você sabe? O que aprendeu? Que artes domina?”
– “Só uma,” respondeu o gato, modestamente.
“E qual é, se mal pergunto?”
– “Quando os cachorros correm atrás de mim, consigo escapar, subindo numa árvore.” Monte de truques que dariam para encher um baú. Fico de coração apertado só de pensar.
“Só isso?” disse a raposa. “Pois eu sou senhora de mil artes e além disso tenho um como você é indefeso. Venha comigo, vou lhe ensinar a escapar dos cachorros.”
Justamente nesse momento, apareceu um caçador com quatro cachorros. O gato deu um pulo rápido para o tronco de uma árvore e foi lá para cima, para o meio da copa, onde as folhas e os galhos o esconderam por completo.
“Abra o baú, Dona Raposa, abra o baú!” gritava o gato.
Mas não adiantou nada. Os cachorros já tinham agarrado a raposa, que estava bem presa e imóvel nas patas deles.
“Que pena, Dona Raposa!” disse o gato. “Veja a encrenca em que a senhora está, com todas as suas mil artes. Se pelo menos soubesse subir em árvores, como eu, salvava sua vida…”
Conto dos Irmãos Grimm
A RAPOSA E A COMADRE
Houve, uma vez, uma lôba que teve um filhinho, e pediu à raposa para servir-lhe de madrinha.
– Ela é nossa parente próxima, – disse a lôba – e é muito esperta e sensata; poderá instruir o meu filhinho e ajudá-lo a orientar-se na vida.
A raposa sentiu-se muito honrada e respondeu:
– Minha mui prezada comadre, agradeço-vos muito por este convite, que muito me honra; quanto a mim, procurarei estar à altura desse encargo e nunca vos desiludir.
Durante a festa, sentada à mesa do banquete, comeu com grande apetite e divertiu-se alegremente, depois disse:
– Cara senhora comadre, é nosso dever zelar pelo bebê; é preciso que vos alimenteis bem para que ele também cresça forte e robusto. Eu conheço um redil onde poderemos arranjar facilmente uma boa provisão.
Essa cantiga soou agradavelmente aos ouvidos da lôba e ela seguiu com prazer, a raposa até ao sítio dos camponeses; mostrando-lhe o redil de longe, a raposa disse-lhe:
– Podeis introduzir-vos lá dentro sorrateiramente, enquanto isso, vou ver se consigo do outro lado filar um franguinho.
Mas não fez nada disso; foi até à borda da floresta, espichou as pernas e ficou descansando sossegadamente.
A lôba seguiu o conselho e introduziu-se no redil, mas o cão, que estava de guarda, viu-a e deu o alarma. Os camponeses correram imediatamente e surpreenderam a senhora comadre; jogaram nela cinza quente e a encheram de pauladas. Bem ou mal ela conseguiu escapulir -se rastejando mais morta que viva, e foi dar com a raposa espichada no chão, lamentando-se tristemente.
– Ah, cara senhora comadre, – disse ela – que azar o meu! Os camponeses surpreenderam-me e quebraram-me as costelas a pauladas; se não quereis que morra aqui na estrada, tereis de carregar-me para casa.
A lôba mal podia andar, de tanto que lhe doía o corpo, mas ficou tão penalizada com a sorte da raposa que a pegou nas costas e, lentamente, com todo o cuidado, levou a pobre comadre, sã e descansada, até sua casa.
Aí, então, a raposa disse-lhe cinicamente:
– Adeus, querida comadre, bom proveito vos faça o assado!
E saiu correndo, rindo a bandeiras despregadas.
Conto dos Irmãos Grimm
O LOBO E A RAPOSA
Houve, uma vez, um lôbo que tinha em sua companhia a raposa; e a coitada da raposa tinha de fazer tudo o que êle queria, pois era mais fraca; por isso, ficaria muito alegre se pudesse livrar-se de tal patrão. Certo dia, em que estavam atravessando a floresta, o lôbo disse-lhe:
– Pêlo ruivo, vê se me arranjas algo para comer, do contrário como-te.
A raposa respondeu:
– Conheço por aqui um sítio no qual há um casal de ovelhinhas; se desejas, podemos apanhar uma delas.
O lôbo gostou da idéia e concordou. Foram até lá e a raposa furtou a ovelhinha, entregou-a ao lôbo e afastou- se. O lôbo devorou-a num abrir e fechar de olhos mas não se satisfez; queria comer também a outra e foi buscá-la. Mas foi tão desastrado que a mãe da ovelhinha percebeu-o e desandou a berrar e a balir tão fortemente, que os camponeses vieram correndo. Lá encontraram o lôbo e o espancaram, tão rudemente, que o pobre ficou reduzido a lastimável estado. Mancando e uivando, conseguiu arrastar-se para junto da raposa.
– Pregaste-me uma boa peça! – disse éle – Eu quis apanhar o outro cordeirinho e vieram os camponeses, que me encheram de pancadas.
– E tu, – respondeu a raposa – por que és tão guloso?
No dia seguinte, voltaram ao campo e o lôbo disse:
– Pêlo ruivo, vê se me arranjas qualquer coisa para comer, do contrário como-te.
– Conheço um sitiozinho aqui por perto, cuja dona hoje à tarde vai fazer bolinhos; se quiseres podemos ir buscar alguns.
Foram até lá e a raposa esgueirou-se em tôrno da casa, tanto espiou e farejou que conseguiu descobrir o prato, furtou seis bolinhos e levou-os ao lôbo.
– Eis aqui o que comer! – disse, e afastou-se para os seus afazeres.
O lôbo engoliu os seis bolinhos de uma vez, dizendo:
– Chegam apenas para aumentar a vontade.
Dirigiu-se à casa, puxou o prato logo de uma vez; este caiu e ficou em mil pedaços, fazendo um barulhão dos diabos. A mulher correu pura ver o que acontecia e descobriu o lôbo; pôs-se a gritar chamando mais gente que, sem dó nem piedade, desandou a espancar o lôbo até mais não poder; este, muncundo das duas pernas, saiu gemendo e foi ter com a ruposa.
– Que boa peça me pregaste! – gritou choramingando – os camponeses pegaram-me e curtiram-me a pele sem dó nem piedade!
– Mas, – respondeu a raposa – por que és tão guloso?
No terceiro dia, tendo saído juntos, o lôbo arrastava-se penosamente; assim mesmo disse:
– Pelo ruivo, vê se me arranjas qualquer coisa para comer, do contrário como-te.
A raposa respondeu:
– Conheço por aqui um homem que matou uma vaca e guardou a carne salgada dentro de um barril, na adega; vamos buscá-la.
– Sim, – disse o lôbo – mas eu quero ir junto contigo para que me ajudes, do contrário não poderei fugir.
– Como quiseres! – disse a raposa.
Foi mostrando-lhe o caminho e as passagens ocultas que por fim os levaram à adega. Havia lá grande quantidade de carne, e o lôbo, esfaimado, atirou-se imediatamente a ela, pensando: “Não largarei tão cedo!”
A raposa também comia a valer, mas não deixava de olhar em volta, correndo de quando em quando para o buraco pelo qual haviam entrado a ver se estava ainda bastante delgada para passar por êle. O lôbo, intrigado, perguntou-lhe:
– Explica-me, cara raposa, por que é que corres de cá para lá e pulas para dentro e para fora?
– Tenho, naturalmente, de espiar se vem alguém! – respondeu a espertalhona. – Mas aconselho-te a não comer demais.
– Ora, – disse o lôbo – não sairei daqui enquanto não esvaziar o barril.
Nesse ponto, o camponês, que ouvira os saltos da raposa, desceu à adega; assim que o viu, a raposa deu um pulo para fora do buraco. O lôbo quis fazer o mesmo, mas tanto se empanturrara que seu ventre enorme não conseguiu passar pelo buraco e ficou lá entalado.
Então o camponês pegou um pau e bateu-lhe tanto que o matou. A raposa, porém, fugiu para a floresta, muito feliz por ter-se livrado finalmente daquele glutão.
Conto dos Irmãos Grimm
O LOBO E O HOMEM
Houve, uma vez, uma raposa que contara a um lobo tantas histórias da força prodigiosa dos homens, dizendo que fera alguma podia resistir-lhes e era obrigada a empregar a astúcia para salvar-se deles. Ouvindo isso, o lobo declarou:
– Eu, porém, se conseguisse encontrar um, o atacaria sem medo.
– Se é assim, eu posso ajudar-te; – disse a raposa – vem amanhã cedo à minha casa e te mostrarei um.
O lobo chegou bem cedo à casa da raposa e esta levou-o ao caminho por onde costumava passar o caçador todos os dias. Primeiro passou um velho soldado aposentado e, então, o lobo perguntou:
– Aquele lá é um homem?
– Não, – respondeu a raposa – já foi.
Depois passou um rapazinho, que ia indo para a escola.
– Aquele lá é um homem? – perguntou o lobo.
– Ainda não, mas vai ser – respondeu a raposa.
Por fim passou o caçador, com sua espingarda ao ombro e o facão na cinta. Quando se aproximou a raposa disse ao lobo:
– Vês, aquele lá é um homem; a esse deves atacar, mas eu vou me meter na minha toca.
O lobo investiu contra o homem, que se lastimou:
– Que pena não ter balas na minha espingarda!
Assim mesmo, porém, fez pontaria e descarregou chumbo grosso contra a fera. O lobo fez uma careta mas continuou a investir ousadamente; então o caçador descarregou o segundo cano. O lobo reprimiu a dor e avançou decididamente sobre o caçador, que, tirando o facão da cinta, desferiu um bom par de golpes à direita e à esquerda, e o lobo, escorrendo sangue, fugiu uivando para a toca da raposa.
– Então, irmão lobo, como te arranjante com o homem?
– Ah, – respondeu o lobo – não imaginei que fosse tal a sua força. Primeiro tirou do ombro uma bengala e soprando dentro dela me atirou no rosto algo que me doeu horrivelmente. Depois soprou novamente na bengala e recebi no focinho uma espécie de raio e saraivada; e, quando estava quase em cima dele, tirou do corpo um osso reluzente espancando-me tanto que por pouco não me deixou morto.
– Vês agora, como és fanfarrão! – disse a raposa – Atiras tão longe o machado que não o podes mais alcançar!
Conto dos Irmãos Grimm
OS SEIS QUE TUDO CONSEGUIAM
Houve, uma vez, um homem entendido em muitas artes; como soldado tinha-se comportado corajosamente durante a guerra e, muitas vezes, tinha arriscado a vida.
Terminada a guerra, deram-lhe baixa e, para voltar à sua terra, recebeu apenas três moedas miúdas. Foi reclamar ao rei, que o mandou passear.
– Espera aí, – disse consigo mesmo, muito furioso: – tratar-me assim! Pois bem, se conseguir encontrar gente como penso, eu te obrigarei a entregar-me os tesouros do teu reino.
E pôs-se a caminho. Atravessando uma floresta, avistou um homem que arrancava árvores com a mesma facilidade com que se arranca espigas de trigo.
– Queres entrar a meu serviço, – disse ele, – e vir comigo em busca de aventuras?
– Não vejo inconveniente, – respondeu o outro; – mas deixa-me primeiro levar à minha mãe este feixe de lenha para o inverno e depois te seguirei.
Amarrou o feixe de seis carvalhos, dos maiores, e levou-os tranquilamente, sem mesmo vergar com o peso. Daí a pouco voltou e, então ambos puseram-se a caminho.
– Nós dois teremos de conseguir tudo no mundo, – disse o soldado.
Ao sair da floresta, viram um caçador que, de joelhos, apontava a espingarda; mas por mais longe que olhassem não viram sequer amostra de caça.
– Para quem estás apontando? – perguntou-lhe o soldado.
– A duas léguas daqui, – respondeu o caçador, – está um moscardo pousado no galho de um carvalho; eu quero arrancar-lhe o olho esquerdo.
Dizendo isto, atirou.
– Olha, – disse-lhe o soldado; – um atirador da tua força faz-me muita falta; queres vir conosco? Nós três juntos poderemos conseguir tudo neste mundo.
O caçador aceitou de boa vontade. Mais adiante toparam com sete grandes moinhos de vento, cujas asas giravam furiosamente, muito embora não houvesse no ar a mais leve brisa.
O soldado disse:
– Não sei o que faz girar os moinhos, pois não há o menor sopro de vento!
Depois de terem contemplado maravilhados este espetáculo, continuaram o caminho. Duas léguas mais adiante, viram empoleirado numa árvore um homem que tapava uma das narinas com o dedo ao passo que assoprava com a outra.
– Que é que estás fazendo aí? – perguntou-lhe o soldado.
– Estou assoprando para fazer girar os sete moinhos de vento que estão a duas léguas daqui; deveis ter passado por eles há pouco.
– Realmente, – disse o soldado, – és muito hábil; mas estes meus dois criados também o são bastante. Vem conosco e, os quatre juntos, conseguiremos tudo neste mundo.
A proposta agradou ao homem que assoprava e que logo desceu da árvore e foi com eles. Pouco mais adiante, encontraram um homem muito alto, que se mantinha num só pé, ao passo que amarrava o outro com uma correia.
Então o soldado disse-lhe:
– Que diabo estás a fazer, bom homem?
– Sou um corredor, – respondeu ele, – e para não correr demais, amarrei uma perna; pois se tenho as duas livres, corro mais velozmente do que voam os pássaros.
– O que, – replicou o soldado, – com semelhante capacidade não fazes melhor figura no mundo! Vem conosco e farás fortuna; nós todos juntos conseguiremos tudo.
O corredor aceitou e foi com eles. Um pouco mais adiante, encontraram um homenzinho gorduchinho, que trazia o chapéu caído sobre a orelha esquerda e andava todo pimpão.
O soldado disse-lhe:
– Que cara mais engraçada a tua! Não andes com o chapéu assim caído na orelha, senão te julgarão um bêbado ou um doido.
– Não posso endireitá-lo, – respondeu o homenzinho, – pois se o fizesse, em volta de mim haveria um frio tão intenso que os pobres passarinhos caíram no chão mortos de frio.
– Oh, que preciosa virtude! Vem conosco e juntos havemos de conseguir tudo neste mundo.
A proposta não desagradou e o gorducho seguiu com eles para a cidade. Lá ouviram um arauto anunciar que a filha do rei desafiava a quem quisesse correr com ela; aquele que a vencesse casaria com ela, mas se fosse vencido teria a cabeça cortada. O soldado foi ao palácio declarar que aceitava o desafio:
– Mandarei, porém, um dos meus criados correr em meu lugar.
– Como queiras, – disse o rei, – mas deves não empenhar também a vida dele; se for batido, terão ambos a cabeça cortada.
Ficou tudo combinado; então o soldado tirou a correia que prendia a outra perna do corredor e disse:
– Agora, depressa, ajuda-me para que possamos vencer.
Havia sido preestabelecido que o vencedor seria aquele que trouxesse primeiro uma bilha de água de uma fonte situada a uma légua de distância.
A princesa e o corredor receberam ambos uma bilha; depois, dado o sinal convencional, partiram ambos no mesmo instante. A princesa corria tão velozmente como um galgo, mas seu competidor ia como o vento e, dentro de alguns segundos, desapareceu dos olhares dos assistentes. Mais alguns segundos, chegou à fonte, encheu a bilha e voltou para trás. Mas na metade do caminho, como o calor era sufocante e estando bastante na dianteira, julgou poder repousar alguns momentos; estendeu- se na relva para tirar uma soneca, tendo tido o cuidado de pôr debaixo da cabeça uma caveira de cavalo, por ser bastante dura, para não dormir muito tempo.
Entretanto, a princesa também chegara à fonte, enchera a bilha e apressava-se a voltar com ela cheia de água; ao ver o corredor estendido no chão a dormir, disse muito satisfeita:
– O inimigo está em minhas mãos!
Aproximou-se dele, despejou a bilha que ele pusera a seu lado e continuou a corrida.
O soldado e os companheiros admiravam-se de não verem o corredor aparecer; o caçador então, que tinha um olhar de lince, olhou com muita atenção para o lado da fonte e viu que estava dormindo estendido no chão. Então apontando a espingarda, disparou com tanta precisão que a bala, sem tocar no dorminhoco, tirou-lhe a caveira de cavalo de sob a cabeça.
O corredor acordou, de um pulo pôs-se de pé e viu a bilha vazia enquanto a princesa já lhe passara adiante e ia longe. Sem perder a cabeça correu como uma seta para a fonte, encheu a bilha e voando sempre como o vento, chegou ao ponto de partida com um avanço de dez minutos.
O vencedor nem sequer ofegava:
– Só agora tive que levantar um pouco as pernas, pois antes não podia dizer que era uma corrida.
O rei ficou desconsolado, e muito mais ainda a princesa por ter de casar-se com um simples soldado, um vilão sem origem, nem fortuna. Então tramaram um jeito de livrar-se dele e dos outros companheiros. Após ter refletido um pouco, o rei disse:
– Consola-te, minha filha! Achei um meio; não te preocupes, que não voltarão mais.
Dirigindo-se ao soldado, o rei felicitou-o pela vitória e disse-lhe:
– Agora vamos festejar o acontecimento, vamos comer e beber alegremente.
Mandou-os entrar todos para uma sala toda construída de ferro; as portas eram de ferro e as janelas guarnecidas de barras de ferro. Na sala estava posta a mesa; coberta das mais finas iguarias, o rei disse:
– Entrai e comei à vontade.
Depois do festim, no momento da sobremesa, o rei mandou trancar a porta e acender sob o assoalho um grande fogo; mandou aquecer até que o ferro com que era construída a sala ficasse rubro. O cozinheiro obedeceu à ordem do rei e os seis, sentados à mesa, começaram a sentir um calor infernal; pensaram primeiro tratar-se do efeito dos vinhos deliciosos que haviam bebido. Mas, aumentando o calor sempre mais, quiseram sair; então perceberam que estavam presos e que o rei queria fazê-los perecer miseravelmente.
– Esse maroto não contou comigo, – disse o gorducho; – provocarei um frio tal que o fogo se envergonhará.
Endireitou o chapéu enterrando-o até as orelhas. Imediatamente produziu-se um frio que venceu o fogo a ponto das comidas que ainda sobraram nos pratos, gelarem completamente; e os próprio convidados batiam o queixo.
Algumas horas depois, o rei mandou abrir a porta, esperando ver o soldado e seus companheiros todos calcinados; mas, quando abriram a porta, eles precipitaram-se para fora, gritando:
– Uma sala de jantar fresca é de certo agradável; mas Vossa Majestade exagerou um pouco; tivemos um frio medonho, tanto assim que o resto da comida nos pratos ficou dura de gelo.
O rei enfureceu-se, mandou chamar o cozinheiro, perguntando-lhe porque não executara suas ordens. Mas o cozinheiro respondeu:
– Fogo é que não falta, Vossa Majestade pode bem ver.
E o rei viu com seus próprios olhos um grande fogo ardendo sob a sala de ferro, e, então, percebeu que o soldado e seus companheiros não eram gente qualquer mas possuíam dons particulares que seria melhor saber aproveitar. Perguntou-lhes, portanto, quanto ouro queriam para renunciar à mão da princesa.
– Quero tanto quanto um dos meus criados puder levar, – respondeu o soldado. – Voltarei dentro de quinze dias; até lá podereis reunir todo o ouro que possuis, prata e baixelas inclusive, e talvez não chegue.
O rei não fez caso dessas palavras, julgando-as uma fanfarronice. Mas o soldado reuniu todos os alfaiates do reino e ocupou-os durante quinze dias a fazer um saco enorme de pano bem resistente. No dia marcado, voltou ao palácio com o companheiro que arrancava árvores como se fossem simples espigas de trigo e ao qual entregara o saco que, por si só, fazia um fardo do tamanho de uma casa.
O rei perguntou:
– Quem é esse homem vigoroso que carrega nas costas um fardo do tamanho de uma casa?
Consigo mesmo, porém, ia pensando: “Quanto ouro levará esse homem!” E ficou muito assustado, pois julgara poder livrar-se com apenas alguns milhares de moedas de ouro. Mandou buscar uma tonelada de ouro, que dezesseis moços vigorosos arrastavam a custo; mas o criado do soldado pegou com uma só mão e meteu no saco.
– Por quê não mandais trazer tudo de uma vez? – disse ele – esse mal cobre o fundo do saco.
Pouco por vez, o rei mandou trazer todo o tesouro, e o homem ia pondo no saco, e o saco estava apenas ao meio.
– Trazei mais, – gritou o homem; – estas migalhas não chegam.
Tiveram de juntar todo o ouro do reino, sete mil carros de ouro; o homem meteu carros, bois, ouro, tudo dentro do saco que, desta vez ficou quase cheio. Amarrou- o com um cabo e, atirando-o com ligeireza para cima dos ombros, foi-se embora com o amo e os outros companheiros.
Quando o rei viu aquele homem levar sozinho toda a riqueza do reino, entrou numa violenta cólera; então mandou montar a cavalo os regimentos de cavalaria e deu-lhes ordem de perseguir o soldado e tomar-lhe o saco com tudo o que ele contivesse. Num bater de olhos, a cavalaria alcançou-o e gritaram-lhe:
– Estais todos presos; abandonai imediatamente esse saco, ou sereis massacrados.
– Que estais a dizer? – exclamou rindo às gargalhadas aquele que assoprava; – nós presos? Antes disso vos faremos dançar pelos ares.
Tapou uma narina e com a outra assoprou contra os regimentos, como um furacão, fazendo voar pelos ares cavalos e cavaleiros, que foram atirados por todo lado. Um oficial, que ficara dependurado numa árvore, pediu mercê, gritando que sempre se batera valentemente, recebera na guerra nove ferimentos e não merecia ser atirado pelos ares como uma palhinha.
O soldado reconheceu que a reclamação era justa; então aquele que assoprava assoprou com menos força e o oficial pôde descer são e salvo da árvore.
– Volta para junto do teu rei, – disse-lhe, – e convida-o a mandar contra nós todo o exército para que eu possa assoprar e mandá-los pelos ares.
Ouvindo isso, o rei disse:
– Deixai-os partir; eles têm o diabo no corpo.
Reconhecendo que todo o seu poder era sem efeito sobre esses homens, nunca mais os importunou.
O soldado repartiu aquela riqueza entre todos os companheiros e, apesar de terem vivido longos e longos anos, nunca chegaram a ver-lhe o fim.
Conto dos Irmãos Grimm
A MECANIZAÇÃO DA CULTURA MATERIALISTA
Observando a cultura atual […] podemos dizer o seguinte: tudo se tornou mecanizado; na verdade, nossa cultura materialista venera apenas os mecanismos, se bem que as pessoas nao chamam isso de orar ou venerar.
Porém, as forças das almas que antigamente eram dirigidas às entidades espirituais são, hoje, orientadas para as máquinas e os mecanismos, sendo-lhes dedicada uma atenção que outrora certamente era dedicada aos deuses. Isso ocorre principalmente com relação à ciência, que nem mesmo sabe como é fraca sua ligação com a realidade, por um lado, e com a verdadeira lógica, por outro. […]
É justamente essa insuficiência da ciência exterior, esse seu elemento irreal e ilógico, esse ufanismo sem ao menos suspeitar de sua verdadeira situação, que paulatinamente fará surgir na alma do ser humano a reação mais nobre, o anseio pelo espiritual em nosso tempo.
Rudolf Steiner GA 139
O BRAHMA – A FONTE DA VIDA
O que é [aquilo que era denominado de] Brahma em seu estado puro? Inspirando e expirando o ar, a pessoa materialista imagina estar inspirando só oxigênio. Isso, porém, é um engano. Com cada porção de ar inspiramos e expiramos o próprio espírito que vive nesse ar que respiramos, entrando e saindo de nós. Porém, do ponto de vista da antiga clarividência, isso não se parece com o que o materialista vê, e que constitui apenas um mero preconceito de sua parte.
Os antigos clarividentes tinham consciência de que o que estava sendo inspirado era o elemento etérico do espírito, Brahma, a fonte da vida. Assim como hoje se acredita que a vida provenha do oxigênio do ar, o ser humano antigo sabia que a vida provém de Brahma, e que ele próprio, ser humano, vive à medida que o assimila. O Brahma puríssimo é a razão da existência de nossa própria vida.
Rudolf Steiner GA 139
UM CONHECIMENTO VERDADEIRO : A ATUAÇÃO DO ESPÍRITO NO FÍSICO
O trágico de nossa época orientada pelo materialismo é que, do ponto de vista exterior, ela descobre muitos fatos físicos, mas não obtém o seu relacionamento, que está no espiritual. O conhecimento dessa época dirige todos os olhares para o físico; porém, falta-lhe o conhecimento do significado do físico, do material.
Precisamente o significado do material não pode ser compreendido pela ciência orientada pelo materialismo. A pesquisa do material sem um senso para o espiritual, que ilumina o material, é como ficar tateando em um quarto escuro. A ciência do espiritual mostrará, em tudo, precisamente a atuação do espírito no físico.
Quando se trabalha nessa direção, não se idolatra um sonho místico como sendo o espírito, porém seguir-se-á o espírito em todas as atividades do mundo material. Pois somente se cultiva um conhecimento verdadeiro, quando se reconhece o espírito como o que cria a matéria em toda parte; não quando, como místico, se adora um espírito abstrato entronado no mundo da fantasia, e de resto se vê tudo o que é material inserido numa existência universal sem espírito.
Rudolf Steiner GA 305
CONCEITOS LIVRES
O pensar materialista retirou dos seres humanos, em alto grau, a capacidade de pensar em conceitos livres de sensorialidade. É preciso esforçar-se para pensar esses conceitos, que na realidade sensorial exterior jamais existem de maneira perfeita, mas apenas aproximada, por exemplo o conceito de circunferência. Uma circunferência perfeita não existe em lugar algum; ela somente pode ser pensada.
No entanto, todas as formas redondas têm por base, como sua lei, essa circunferência pensada. Ou se pode pensar em um alto ideal moral; também este, em sua perfeição, não pode ser realizado plenamente por nenhum ser humano mas, como lei, fundamenta muitas ações humanas. Ninguém progride em um desenvolvimento esotérico se não percebe todo o significado, para a vida, dessa assim chamada abstração, e enriquece sua alma com a representação mental correspondente.
Rudolf Steiner GA 245
A RAZÃO E SUA VERACIDADE NO CAMPO MATERIALISTA
Vejam, isso vem do fato de o materialismo ser verdadeiro, como eu já afirmei muitas vezes. O materialismo não está errado, ele tem razão! Esta é a causa. O antropósofo deveria aprender especialmente que o materialismo está correto.
Contudo, ele deveria aprendê-lo do seguinte modo: o materialismo tem razão, mas vale somente para a corporalidade física. As pessoas materialistas conhecem apenas a corporalidade física, ou ao menos acreditam conhecê-la. O engano é este; ele não se encontra no materialismo. Quando se estuda de modo materialista anatomia, fisiologia ou a vida prática, conhece-se a verdade; ela, todavia, só tem validade no âmbito físico.
A partir do âmago da natureza humana é preciso confessar que em seu próprio âmbito o materialismo tem razão, e que o aspecto mais brilhante dos tempos mais recentes é o fato de se ter encontrado a veracidade no campo do materialismo.
Rudolf Steiner GA 238
ERA DO MATERIALISMO
Vivemos na era do materialismo. Devido ao destino, o que acontece em nosso redor, em nós mesmos, encontra-se por um lado sob o signo do materialismo, e por outro do intelectualismo que, por enquanto, está espalhado por toda parte.
[…] É preciso conscientizar-se quão intensamente o ser humano está hoje sob a influência dessas duas correntes da época. Pois é quase impossível subtrair-se dessas correntes da época, do intelectualismo e do materialismo, assim como é impossível, sem guarda-chuva, não se molhar quando chove. Elas existem em toda nossa volta.
[…] Não conseguimos aprender determinadas coisas que temos de aprender, se não o fizermos no sentido do materialismo. Como é que hoje em dia alguém quer tornar-se médico, se junto não quiser ‘consumir’ o materialismo! Não será possível se ele não quiser levar junto o materialismo; naturalmente ele terá que fazê-lo. Se ele não quiser levar junto o materialismo, ele não poderá ser um verdadeiro médico no sentido dos tempos atuais. Continuamente estamos expostos a isso.
Rudolf Steiner GA 237
A CONCEPÇÃO DO CÉREBRO COMO PRODUTOR DOS PENSAMENTOS
Existem pessoas cuja concepção é de que o sistema nervoso, por ser um sistema nervoso, como por um passe de mágica produz pensamentos. Nesse caso, os pensamentos seriam naturalmente produtos determinados, como por exemplo uma chama que arde devido ao combustível, ou seja, não se poderia falar em liberdade.
No entanto, essas pessoas já se contradizem pelo simples fato de falarem. Já relatei muitas vezes o seguinte fato: eu tinha um amigo de juventude que num determinado período estava tomado por um fanatismo que o levou a ter um modo de pensar bastante materialista.
Ele dizia então: “Quando eu ando, meus nervos cerebrais estão permeados de certas causas que produzem o efeitos do andar.” Isso podia provocar longas discussões com esse amigo.
Certa vez eu lhe disse por fim: “Pois bem, você costuma dizer ‘eu ando’. Por que você não diz que é seu cérebro que anda? Se você realmente acreditasse em sua teoria jamais diria: ‘eu ando, eu pego’, mas ‘meu cérebro pega, meu cérebro anda’. Então, por que você mente?”
Rudolf Steiner GA 235
A CONCEPÇÃO MATERIALISTA DO MUNDO
O materialismo jamais pode oferecer uma explicação satisfatória do mundo, pois qualquer tentativa de explicar algo deve começar com a formação de pensamentos sobre os fenômenos do mundo.
O materialismo começa portanto com o pensamento acerca da matéria ou dos processos materiais. Assim, já de início, tem dois conjuntos diferentes de fatos diante de si: o mundo material e os pensamentos sobre ele.
O materialista procura tornar os últimos inteligíveis concebendo-os como processos puramente materiais. Ele acredita que o pensar surge no cérebro, precisamente da mesma maneira que a digestão passa-se em órgãos dos animais. Assim como ele atribui à matéria efeitos mecânicos e orgânicos, confere-lhe também, em certas circunstâncias, a capacidade de pensar.
Ele não percebe que, assim fazendo, simplesmente está deslocando o problema de um local para outro. Ao invés de atribuir a si próprio a capacidade de pensar, ele a atribui à matéria. E assim ele retorna ao seu ponto de partida. Como a matéria chega a pensar sobre sua própria natureza? Por que ela simplesmente não se satisfaz consigo própria e fica satisfeita apenas em existir?
O materialista desviou o olhar do sujeito nítido, seu próprio Eu, para admitir algo bastante vago e indefinido. Aqui o antigo enigma encontra-o novamente. A concepção materialista do mundo não consegue solucionar o problema; ela só pode deslocá-lo de um local para outro.
Rudolf Steiner GA 04
A AÇÃO A PARTIR DO AMOR E A PARTIR DO SENSO DE DEVER RÍGIDO
[…] é algo totalmente distinto quando atuamos a partir do amor ou a partir de um senso de dever rígido, seco. Afinal, os senhores sabem que em minhas obras eu sempre considerei as atitudes oriundas do amor como sendo as verdadeiramente éticas, as verdadeiramente morais.
Muitas vezes tive que apontar o grande contraste existente entre Kant e Schiller nesse sentido. Em realidade, no âmbito da vida da cognição Kant “canteou” tudo. Devido a Kant, toda a cognição tornou-se facetada e cheia de cantos, e como consequência o agir humano também.
“Dever! Nome excelso e grande, que não aceita nada que é apenas subjetivo e agradável, por que exiges submissão …” e assim por diante. Citei esse trecho em minha A Filosofia da Liberdade para o dissabor hipócrita, e não devido a um desgosto verdadeiro de muitos opositores — e coloquei lado a lado o que devo reconhecer como minha concepção: “Amor, impulso que falas tão calorosamente à alma …” e assim por diante.
Em contraste com os conceitos de dever tão rígidos e secos de Kant, Schiller cunhou as seguintes palavras:
“Com prazer sirvo os amigos; infelizmente faço-o com certo pendor, e por isso aborreço-me muitas vezes por não ser virtuoso.”
Pois, de acordo com a ética de Kant, o que se faz por pendor carece de virtude; somente o que se faz de acordo com o rígido conceito de dever é virtuoso.
Há pessoas que atualmente ainda não conseguem amar. Por não conseguirem dizer a verdade à outra pessoa — quando se ama alguém diz-se a verdade e não a mentira –, elas a dizem pelo sentimento de dever. Por não conseguirem amar, quando alguém faz algo que não gostem, é devido ao sentimento do dever que elas logo evitam aplicar uma surra ou algumas bofetadas, empurrões e outras coisas semelhantes. Há uma diferença entre a atitude tomada seguindo o conceito rígido de dever, o qual certamente é necessário em muitas situações da vida social, e os atos feitos por amor.
Rudolf Steiner GA 235
A MORAL NORMATIVA E A ÉTICA DA LIBERDADE
Quando Kant diz do dever:
“Dever! Nome excelso e grande, que não aceita nada que é apenas subjetivo e agradável, porque exiges submissão (…) e que estabeleces uma lei diante da qual todas as inclinações e desejos se calam, embora continuem se rebelando”, o ser humano ciente da liberdade responde: “Liberdade! Nome querido e humano, que abarcas tudo o que é bom para a humanidade e que me conferes plena dignidade. Tu não admites que eu seja escravo de ninguém, tu não estabeleces simplesmente uma norma, tu esperas o que meu amor à ação descobrirá como eticamente correto, protegendo assim minha autonomia.”
Eis a diferença entre a moral normativa e a ética da liberdade.
Rudolf Steiner GA 04
A INDIVIDUALIDADE LIVRE E AUTOSSUFICIENTE
A ideia de que o ser humano é destinado a constituir um individualidade livre e autossuficiente é aparentemente contestada pelo fato de ele viver como parte de instâncias genéricas naturais como raça, tribo, povo, família, sexo etc. Além disso, ele vive inserido em Estado, igreja etc. Assim ele é portador de características gerais da sociedade e seu agir é determinado pelo lugar que ocupa dentro de uma maioria.
[…] O ser humano se liberta, porém, desses fatores genéricos. Eles não limitam, quando corretamente encarados, a sua liberdade, e tampouco é necessário querer ver neles obstáculos artificiais. O ser humano é capaz de desenvolver, em si, propriedades e funções cuja origem estão nele mesmo. Os seus atributos genéricos lhe servem, então, como meio para exprimir sua entidade individual. Ele se utiliza das propriedades recebidas pela natureza e lhes proporciona uma forma de acordo com a sua própria essência. Para tal pessoa, procuramos em vão a razão de seu modo de ser nas leis da espécie, porque estamos lidando com um indivíduo explicável apenas por si mesmo. Quando um ser humano evolui até o ponto de libertar-se do genérico, não podemos mais explicar suas peculiaridades a partir de características genéricas.
Rudolf Steiner GA 04
A LIBERDADE BROTA DO PENSAMENTO
Justamente em minha Filosofia da Liberdade [GA 4] os senhores encontrarão uma ideia de liberdade cuja compreensão correta é de extrema importância. Trata-se de que inicialmente se deve desenvolver a liberdade no pensamento.
A fonte da liberdade brota do pensamento. O ser humano simplesmente tem uma consciência espontânea de que no pensamento ele é um ser livre. Os senhores poderiam retrucar que hoje em dia há muitas pessoas que duvidam da liberdade. Isso é apenas uma prova que evidencia como o fanatismo teórico das pessoas atualmente predomina em relação ao que o ser humano em realidade vivencia espontaneamente.
O ser humano já não acredita mais em suas vivências, pois está saturado de concepções teóricas. Pela observação da natureza o ser humano chega à concepção de que tudo é necessariamente determinado, qualquer efeito tem uma causa, tudo que existe tem sua causa. […] pensa-se que aquilo que brota de um pensamento tem a mesma origem que algo produzido por uma máquina.
Essa teoria da causalidade geral, como ela é denominada, segundo a qual há uma causa geral por detrás de tudo, faz com que o ser humano muitas vezes torne-se cego para o fato de carregar nitidamente dentro de si a consciência da liberdade. A liberdade é uma realidade que se vivencia assim que de fato se consegue chegar a uma autoreflexão.
Rudolf Steiner GA 235
O DESENVOLVIMENTO DO INTELECTO E O PENSAMENTO MORTO
Mesmo sem um aprofundamento da ciência espiritual pode-se reconhecer de tudo aquilo que brilha através da representação histórica exterior, superficial, que o [antigo] grego, quando conseguia o que hoje denominamos concepção intelectual do mundo, obtinha sua alegria, ou pelo menos satisfação, por acreditar que, depois de passar pelos diferentes níveis de formação de então, estava em condições de obter um engrandecimento de sua condição humana, por possuir uma visão de mundo mediante a força do intelecto. Ele acreditava tornar-se um ser humano em um sentido melhor, se ele conseguisse captar o mundo intelectualmente, do que se não fosse capaz disso. A alegria interior e a satisfação com a vida intelectual estavam plenamente disponíveis nessa quarta época pós-atlântica[séc. VII a.C. – séc. XV d.C.].
[…] Tão pálido e frio quanto o mundo das ideias é frequentemente sentido hoje, ele não era sentido não faz nem tanto tempo. Isso está relacionado com uma importante lei do desenvolvimento da humanidade. Trata-se do fato de o ser humano ter adquirido uma relação totalmente diferente com o mundo das ideias que é construído intelectualmente. Num tempo mais distante o mundo das ideias visava o que é vivo. O cosmo era encarado como algo vivo. Basta apenas compreender realmente as antigas formas conceituais, para se saber que o elemento morto era pensado como algo que se separa do elemento vivo, sendo este imaginado como se cobrisse todo o cosmo, como encontramos as cinzas restando do que queima. O ser humano tinha um sentimento totalmente diverso diante do cosmo. Ele o via como se fosse um grande organismo vivo, e o que é morto, como por exemplo a totalidade do reino mineral, ele considerava como as cinzas separadas dos processos cósmicos, que se tornaram mortas por serem despojos do elemento vivo.
Esse sentimento frente ao cosmo tornou-se essencialmente diferente nos últimos séculos. Por exemplo, a cognição científica é plenamente admirada, ou foi ao menos sempre totalmente admirada na medida em que pôde abarcar o que é morto. E cada vez mais apareceu o anseio de encarar o que é vivo simplesmente como combinação química do que é morto. Daí surgiu a ideia de uma convicção a partir do que é morto.
[…] Duas coisas surgiram como resultado de o ser humano ter-se tornado completamente morto em seus conceitos. De um lado, a consciência da liberdade; de outro, a possibilidade de aplicar os conceitos rígidos, retirados do que é morto e que só podem ser aplicados nele, na maravilhosa e triunfante técnica, destinada a ser uma concretização do sistema rígido de ideias.
Este é um lado do desenvolvimento que a humanidade moderna fez. É necessário compreender também que o ser humano, por assim dizer, cortou seus laços com o que é vivo, como este tornou-se estranho para ele. Deve-se também observar o seguinte: se o ser humano deve defrontar-se com o que é morto, e se não quiser permanecer no âmbito do que é morto, mas quiser tomar em seu íntimo o impulso do que é vivo, ele deve encontrar esse elemento vivo a partir de sua própria força.
Rudolf Steiner GA 221
Tradução: Valdemar W. Setzer
AS CAUSAS FUNDAMENTAIS DOS ACONTECIMENTOS TERRENOS
Aqui os senhores têm um exemplo de que o desenvolvimento espiritual passa-se por assim dizer em seu mundo, como o do ser humano em seu próprio, e como não se apresenta o mesmo aspecto quando se observa o mundo espiritual depois de milhares de anos. Algo se passa no mundo espiritual, nele há história, e a história terrena é a expressão externa da história no mundo espiritual. Verdadeiramente, tudo o que ocorre aqui na Terra, tem suas causas nos acontecimentos do mundo espiritual. E devemos aprender a compreender e captar nos casos particulares que acontecimentos existem como fundamentos por detrás de nossos acontecimentos terrenos.
Rudolf Steiner GA 113
Tradução: Valdemar W. Setzer
EQUILÍBRIO ENTRE O CETICISMO E O MISTICISMO
As pessoas tornam-se ou céticas ou místicas. As céticas sentem-se como mentes argutas, que podem duvidar de tudo; as místicas sentem-se como se estivessem permeadas pela divindade, abarcando tudo em seu interior com amor, conhecimento. […] Pois aquilo que a humanidade deve almejar é o estado de equilíbrio: vivência mística no ceticismo, ceticismo na vivência mística. Não importa ser Montaigne ou [Santo] Agostinho, mas importa que o que é Montaigne seja iluminado pelo que é Agostinho, e o que é Agostinho seja iluminado pelo que é Montaigne. As unilateralidades levam o ser humano para uma ou outra corrente.
Rudolf Steiner GA 184
Tradução: Valdemar W. Setzer
ONISCIÊNCIA E AMOR DIVINO
[…] se Deus fosse onipotente, faria tudo o que acontece, tornando a liberdade humana impossível. A onipotência divina excluiria a liberdade humana! Não há dúvida que, se o ser humano pode ser livre, a onipotência de Deus não existe.
Será que o Divino possui a onisciência? Sendo a meta mais elevada do ser humano a procura da semelhança com Deus, nossa procura deveria então ser a da sabedoria plena. Acaso a sabedoria plena é o maior bem? Se o fosse, a cada momento deveria abrir-se um enorme abismo entre o ser humano e Deus onisciente.
Se realmente Deus tivesse guardado para si o maior bem, a onisciência, e dela privasse o ser humano, este estaria a cada momento cônscio desse abismo.
A qualidade mais abrangente da divindade não é a onipotência nem a onisciência, mas sim o amor, a qualidade que não é passível de gradação. Deus está pleno de amor, é puro amor, tendo, por assim dizer, nascido da substância do amor. Deus é amor puro, amor sincero, e não sabedoria ou poder supremo. Deus conservou o amor, mas dividiu o poder e a sabedoria [com certas entidades] … para que o ser humano pudesse ser livre, para que o ser humano, sob a influência da sabedoria, pudesse continuar avançando.
Rudolf Steiner GA 143
CONCEITO RÍGIDO X REALIDADE VIVA
Se é permitido expressar-se de maneira algo paradoxal, o ser humano ama hoje em seus conceitos aquilo que é confortável. Acontece que esse pendor para um conceito rígido, para um conceito que pode ser captado em contornos nítidos, só pode ser aplicado para o que é morto, para o que não se move, deixando, assim, o conceito rígido. Mas ocorre que esse viver com conceitos rígidos, que não se preocupam mais com algo exteriormente vivo, mesmo assim deu aos seres humanos a possibilidade de conquistar interiormente a consciência da liberdade, como já abordei frequentemente.
Devido ao fato de o ser humano ter se tornado totalmente morto em seus conceitos, surgiram duas vertentes: de um lado, a consciência da liberdade, de outro, a possibilidade de aplicar na grandiosa e triunfante técnica os conceitos rígidos que são retirados do que é morto e que só podem ser usados no que é morto. Essa técnica está condenada a ser uma concretização do sistema de idéias rígidas.
Esse é um lado do desenvolvimento pelo qual passou a humanidade mais recente. Deve-se igualmente compreender como o ser humano desvencilhou-se, por assim dizer, do que é vivo, como o que é vivo tornou-se estranho para ele, mas deve-se também entender o seguinte: quando o ser humano tiver de defrontar-se com o que é morto, se não quiser permanecer no âmbito do que é morto mas sentir em seu íntimo o impulso para assimilar o que é vivo, ele terá que encontrar o que é vivo a partir de sua própria força.
Rudolf Steiner GA 221
Tradução: Valdemar W. Setzer
PENSAR, SENTIR E QUERER O QUE VIVE NO COSMOS
Os deuses não criaram o ser humano em vão; ele existe na Terra para que algo que só pode ser conseguido por ele possa ser usado pelos deuses para a posterior criação do mundo.
O ser humano está na Terra por que os deuses necessitam dele. Ele está na Terra de modo que possa pensar, sentir e querer aquilo que vive no cosmos. Se ele o faz de maneira correta, os deuses podem pegar essa coisa transformada e implantá-la na configuração do mundo.
Portanto o ser humano – se em sacrifício e arte ele devolve o que os deuses lhe deram – coopera na construção do cosmos. Ele tem uma conexão anímica com a evolução cósmica.
Se permeamos nós mesmos com um conceito dessa relação dentro da evolução cósmica espiritual-física, podemos aplicá-lo para o mundo presente. […] A ‘ciência’ de hoje só tem um significado terreno; sua missão é ajudar os seres humanos a tornarem-se livres aqui na Terra. Mas os deuses não podem usar essa ciência para continuarem a criação cósmica.
Pensamentos abstratos são o máximo em abstrações, são cadáveres do mundo espiritual. O que é executado cientificamente só tem sentido para a Terra; tendo agido na Terra como pensamento, é destruído, enterrado; não continua a viver.
Rudolf Steiner GA 276
Tradução: Valdemar W. Setzer
O MAL NA VIDA HUMANA
Como o mal entra na vida? O que provoca no mundo o assim denominado crime?
Isso está presente pelo fato de o ser humano permitir que sua melhor natureza, e não a pior, submerja no físico-corpóreo, que em si não pode ser ruim, e aí desenvolve aquelas propriedades que não pertencem ao físico-corpóreo, mas que justamente pertencem ao espiritual.
Por que nós, seres humanos, podemos ser maus? Porque podemos ser seres espirituais! Porque, assim que nos habituamos ao mundo espiritual, nós devemos ter condições de desenvolver aquelas características que se tornam más, quando as aplicamos na vida físico-sensorial. […] O fato de o ser humano aplicar erroneamente o espiritual no mundo sensório conduz para o seu lado mau. Se ele não pudesse tornar-se mau, ele não poderia ser um ser espiritual, pois ele precisa possuir as características que podem fazê-lo mau; caso contrário, ele jamais poderia ascender ao mundo espiritual.
A perfeição consiste em o ser humano aprender a permear-se com o seguinte ponto de vista: você não deve aplicar na vida física as propriedades que tornam o ser humano mau nessa vida física; pois, o tanto que você as aplica aí, o mesmo tanto você subtrai das propriedades fortalecedoras da alma para o espírito, e você se enfraquece para o mundo espiritual. Neste último essas propriedades estão em seu correto lugar.
Rudolf Steiner GA 63
Tradução: Valdemar W. Setzer
A SACRAMENTAÇÃO DE CADA SER HUMANO
Toda religiosidade livre, que se desenvolverá no futuro no âmbito da humanidade, basear-se-á no fato de que realmente na prática direta da vida, e não simplesmente em teoria, em cada ser humano será reconhecida a imagem da divindade. Então não poderá haver, e não será necessária, nenhuma imposição religiosa, pois o encontro de cada ser humano com outro será de antemão um ato religioso, um sacramento. E ninguém terá necessidade de manter a vida religiosa por meio de uma determinada igreja, que tem instituições exteriores no plano físico.
Rudolf Steiner GA 182
Tradução: Valdemar W. Setzer
A MAIOR MANIFESTAÇÃO DIVINA
A maior manifestação divina é o ser humano em desenvolvimento. Quando se conhece esse ser humano em desenvolvimento não apenas do ponto de vista meramente exterior, anatômico-fisiológico, quando se reconhece como alma e espírito se lançam, fluem para dentro do corpo, então todo conhecimento humano transforma-se em religião, em veneração devota, tímida, frente ao que flui para a superfície do mundo a partir das profundezas divinas.
Rudolf Steiner GA 307
Tradução: Valdemar W. Setzer
IDEAL COMO FORÇA MOTRIZ
Um ser humano sem ideal é um ser humano sem energia. Na vida o ideal desempenha o mesmo papel que o vapor dentro de uma máquina. O vapor encerra, por assim dizer, em um pequeno espaço uma infinita plenitude de espaço condensado, daí sua intensa força de expansão. O mesmo acontece na vida, com a força mágica do pensamento. Se nos elevamos ao ideal mental da humanidade em sua totalidade, sentimos o caminho que a conduz através das épocas [evolutivas].
Rudolf Steiner GA 94
Tradução: Valdemar W. Setzer
A MANIFESTAÇÃO DO SER HUMANO NA MATÉRIA
O desenvolvimento do mundo deve então ser assim compreendido: o não-espiritual precedente, de onde mais tarde desabrocha a espiritualidade do ser humano, tem algo espiritual a seu lado e fora de si. A posterior sensorialidade espiritualizada, na qual aparece o ser humano, manifesta-se porque o ancestral espiritual do ser humano une-se às formas não-espirituais imperfeitas e, metamorfoseando-as, aparece então sob forma manifesta.
Rudolf Steiner GA 02
O SER HUMANO COMO PARTE DO COSMOS
O ser humano pertence ao universo todo num sentido muito mais amplo do que normalmente se supõe, pois ele é uma parte de todo o universo e, sem este último, em realidade ele não é nada. Muitas vezes usei a comparação com uma parte qualquer que integra o ser humano, por exemplo um dedo; o dedo é dedo enquanto pertencer ao organismo humano. No momento em que é separado do organismo humano ele deixa de ser um dedo. Exteriormente, fisicamente, ele continua sendo o mesmo dedo, mas ele deixa de ser um dedo [o dedo original] quando está separado do organismo humano. Do mesmo modo, o ser humano realmente deixa de ser ser humano quando é separado da existência cósmica geral. Ele pertence a essa existência, e sem a mesma não pode ser encarado, não pode ser compreendido realmente como ser humano.
Rudolf Steiner GA 235
AMOR – A MISSÃO DO SER HUMANO
O espírito das vespas, a alma grupal das vespas, que é uma parte da substância divino-espiritual, foi o descobridor do papel muito antes de ele ser inventado. Assim, o ser humano sempre anda às apalpadelas atrás da sabedoria cósmica. Em princípio, tudo o que o ser humano descobrirá no decorrer do desenvolvimento da Terra já está contido na natureza. Mas o que o ser humano realmente dará à Terra é o amor, que evoluirá do mais sensorial para o mais espiritual. Esta é a missão do desenvolvimento da Terra. A Terra é o cosmos do amor.
Rudolf Steiner GA 103
Tradução: Valdemar W. Setzer
A EXISTÊNCIA DO MUNDO ESPIRITUAL
[…] do mesmo modo que para alguém que ainda desconhece o ar, este não existe, sendo algo de outro mundo, aquelas pessoas que ainda não conhecem o mundo espiritual – o qual, assim como o ar, está presente em todo lugar –, consideram esse último mundo algo transcendente, do outro mundo. Já para aquele que aceita a existência do mundo espiritual, este pertence a este mundo.
Portanto, trata-se apenas de reconhecer que, no atual período da evolução terrestre, entre o nascimento e a morte o ser humano vive dentro de seu corpo físico, de toda a sua organização, de tal modo de esta lhe propicia um tipo de consciência que, por assim dizer, o separa de um determinado de mundo de causas o qual, entretanto, atua como tal nessa existência física.
Rudolf Steiner GA 235
EROTISMO DESMEDIDO ENTRE OS JOVENS
Se o erotismo assume entre os jovens uma importância desmedida, a culpa é dos professores que são medíocres e não sabem despertar o interesse. Se as crianças não têm interesse no mundo, o que lhes resta para pensar? Quando se fala de maneira enfadonha na aula de matemática ou de história, só lhes resta pensar no que se passa em seu corpo – no coração, no estômago e nos pulmões. Isso pode ser evitado se desviamos o interesse dos jovens para o mundo; isso é sumamente importante. Se o erotismo predomina, se recebe uma atenção excessiva enquanto as crianças estão na escola, toda a culpa cabe à escola.
Rudolf Steiner GA 302
APREENSÃO ESTÉTICA DO MUNDO X EROTISMO
Durante todo o tempo em que lecionamos precisamos atentar para que as crianças recebam sensações, em primeiro lugar de natureza religiosa-moral – isso é algo de que já tratamos várias vezes – como também determinadas sensações e ideias que se referem ao belo, ao artístico, à apreensão estética do mundo. E nos 13, 14 e 15 anos de vida se torna especialmente importante que tenhamos estimulado no jovem tais sensações e ideias durante todo o seu período escolar.
Porque um jovem em que não foi estimulada nenhuma sensação de beleza, que não foi educado para uma apreensão estética do mundo, na idade em questão tornar-se-á sensual e talvez até erótico. Para se reduzir o erotismo até a medida certa, não existe recurso melhor do que um desenvolvimento sadio do sentido estético para com o nobre e o belo na natureza. Se vocês conduzirem os jovens a vivenciarem a beleza e o fulgor do nascer e do pôr do Sol, a vivenciarem a beleza das flores, se os levarem a sentir a grandiosidade de uma tempestade – em suma, se vocês desenvolverem o sentido estético, então vocês farão muito mais do que se faz com a educação sexual, às vezes levada ao absurdo, que hoje em dia se pretende dar o mais cedo possível às crianças.
Sensações do belo, e o posicionamento estético frente ao mundo, são aquilo que reduz o erotismo à medida própria. Ao sentir que o mundo é belo, o ser humano chega sempre a se postar de um modo livre perante seu próprio corpo, a não ser tiranizado por ele, que é no que constitui na verdade o erotismo.
Rudolf Steiner GA 302
A MENTALIDADE MATERIALISTA NO PROCESSO PEDAGÓGICO
Mas também um ensino visual excessivo, apenas através dos sentidos, corresponde a uma mentalidade materialista. Nessa idade [7 aos 14 anos], toda observação sensorial deve ser espiritualizada.
Não devemos, por exemplo, limitar-nos a apresentar uma planta, uma semente, uma flor, à observação meramente sensória. Todo fenômeno deve ser encarado como uma manifestação de algo espiritual. Um grão de semente não se reduz àquilo que é visível ao olho, pois abrange, de modo invisível, toda a planta futura.
Devemos usar a nossa sensibilidade, a fantasia e os sentimentos para compreender de forma vívida que tal objeto ultrapassa aquilo que os sentidos nos transmitem. É preciso termos como que um pressentimento dos mistérios da existência.
Não se objete que tal atitude turva a natureza da contemplação sensorial: do contrário, a verdade ficaria prejudicada se nos limitássemos exclusivamente à percepção sensorial, pois a realidade total de um objeto é constituída tanto pela matéria quanto pelo espírito, e uma observação fiel não precisa ser menos cuidadosa quando feita por todas as forças anímicas, e não apenas por meio dos sentidos físicos.
Se os seres humanos pudessem ver, a exemplo do ocultista, quanto um ensino ministrado apenas por intermédio da observação sensorial faz atrofiar-se o corpo e a alma, decerto insistiria menos em tal ensino. Qual será a utilidade de se mostrarem ao jovem minerais, plantas, animais e toda espécie de experiências físicas, se isso não for aproveitado para fazer pressentir, nas metáforas, os mistérios espirituais?
Certamente um indivíduo dotado de um sentido materialista não saberá o que pensar de tudo o que aqui se afirma; e isso, para o pesquisador espiritual, é muito compreensível. Mas este tampouco ignora que uma arte pedagógica realmente prática nunca pode nascer de uma mentalidade materialista. Por mais prática que se julgue, menos o é na realidade, quando se trata de ter uma compreensão viva da vida. Diante da verdadeira realidade, a mentalidade materialista é tão cheia de fantasia e ilusões quanto lhe parece ser a Ciência Espiritual com suas explicações objetivas.
Rudolf Steiner GA 34
OS TRÊS IRMÃOS AFORTUNADOS / OS TRÊS FILHOS DA FORTUNA
Houve, uma vez, um homem que, sentindo-se velho e esgotado, chamou os três filhos e deu ao mais velho um galo, ao segundo um alfanje e ao terceiro um gato, dizendo:
– Já estou velho e meu fim está próximo; antes de morrer, porém, gostaria de fazer algo em vosso benefício. Dinheiro não possuo e isto que vos dei agora parece de pouco valor; mas tudo depende de ser usado com inteligência. Basta que procureis um país onde esses objetos sejam desconhecidos e tereis a fortuna nas mãos.
Pouco depois o pai faleceu; então o filho mais velho foi-se pelo mundo afora com o galo, mas, por onde quer que passasse, o galo já era bem conhecido: via-o de longe nas cidades, no alto das torres, a girar com o vento; nas aldeias ouvia mais de um cantar e ninguém se admirava do seu; não lhe parecia, absolutamente, que viesse a fazer fortuna com o pobre galo. Tanto andou e perambulou que, por fim, foi ter a uma ilha, e lá a gente ignorava o que fosse um galo e até mesmo como se dividia o tempo durante o dia. Naturalmente sabiam distinguir a manhã e a tarde, mas à noite, se não estavam dormindo, não sabiam a quantas andavam.
– Olhai! – disse o moço, – vede que soberbo animal! Tem uma coroa da cor rubra dos rubis na cabeça e usa esporas como um cavaleiro; à noite vos chama três vezes, na hora certa; a última vez é quando está surgindo o sol. Mas, se cantar em pleno dia, precavei-vos, pois anuncia mau tempo.
A novidade agradou a todos. Naquela noite ninguém dormiu e, com grande júbilo, ouviram o galo anunciar sonoramente o tempo, às duas, às quatro e às seis horas. Perguntaram ao moço se o galo estava à venda e quanto queria por ele.
– Oh, ele custa tanto ouro quanto pode um burro carregar, – respondeu o moço.
– Ora, isso é uma ninharia por um animal tão precioso! – exclamaram todos. E com a maior satisfação deram-lhe o que pedira.
Quando o moço regressou a casa com toda aquela riqueza, seus irmãos ficaram pasmos, e então o segundo disse:
– Também eu quero sair por ai, a ver se o meu alfanje rende tanto!
Mas parecia que isso não sucederia: por toda parte encontrava camponeses com alfanjes iguais ao seu. Finalmente, porém, também ele teve sorte numa ilha onde os habitantes ignoravam completamente esse utensílio. Pois lá, quando o trigo estava maduro, postavam os canhões diante dos campos e ceifavam-no a tiros de canhão,
Mas o processo não era dos melhores. As vezes alguém ultrapassava o objetivo, outros ao invés atingiam as espigas fazendo-as voar longe, de maneira que muito grão se perdia e, ainda por cima, faziam um barulho infernal.
O moço aproveitou a oportunidade, pôs-se a trabalhar e ceifou tão silenciosamente e com tanta rapidez, que o povo ficou de boca aberta pelo espanto. Ficaram todos muito satisfeitos em pagar-lhe o que exigia; e ele pediu um cavalo carregado com tanto ouro quando pudesse transportar.
Diante disso, o terceiro irmão, também, quis procurar o que lhe era devido, com o seu gato.
Sucedeu-lhe o mesmo que aos dois irmãos maiores. Enquanto permaneceu em terra firme, nada havia a fazer; por toda parte havia tantos gatos que era preciso afogar os recém-nascidos. Finalmente, fez-se conduzir a uma ilha e lá teve a sorte de que nunca tinham visto um gato, e os ratos se haviam multiplicado de tal maneira que chegavam a dançar nos bancos e nas mesas, devorando tudo, estivessem ou não presentes os donos da casa.
O povo andava desesperado e o próprio rei não encontrava solução para esse flagelo; os ratos, faziam, livremente correrias por todos os cantos do palácio real e roíam tudo quanto lhes caísse sob os dentes. Então o moço levou para lá o gato que se lançou logo à caçada; dentro de algumas horas limpou várias salas.
O povo, então, suplicou ao rei que adquirisse esse maravilhoso animal para o reino.
O rei deu com satisfação o que o moço exigiu: um burro carregado de ouro; assim o terceiro dos irmãos regressou para casa tão rico como os outros.
Entretanto, no castelo real, o gato divertia-se a valer com os ratos e matou tantos que era impossível contá-los. Por fim, estava tão acalorado pelo trabalho que sentiu sede; levantando a cabeça, pôs-se a gritar: – Miau, miau, miau!
Ao ouvir esse estranho miado, o rei e toda a corte se espantaram e cheios de terror fugiram para fora do castelo. O rei convocou o conselho para resolver o que deviam fazer. Então resolveram enviar um arauto ao gato para o intimar a deixar quanto antes o castelo, se não queria que empregassem a força. Os conselheiros opinavam:
– Preferimos mil vezes mais o flagelo dos ratos, pois já estamos habituados, antes que expor nossas vidas a esse monstro desconhecido.
Um pajem foi incumbido de perguntar ao gato se preferia sair do castelo espontaneamente, mas o gato, que morria de sede, não sabia responder senão com o seu: Miau, miau.
O pajem julgou entender que ele dizia: – Não, não, – e transmitiu essa resposta ao rei.
– Então, – disseram os conselheiros, – terá de ceder pela força.
Postaram os canhões e atiraram até incendiar o castelo. Quando o fogo atingiu a sala onde se encontrava o gato, este pulou agilmente a janela e fugiu. Os assediantes, porém, não o tendo visto, continuaram a bombardear o castelo até reduzi-lo a um montão de escombros.
Conto dos Irmãos Grimm
JORINDA E JORINGEL
Houve, uma vez, no coração de uma floresta virgem, um enorme e antigo castelo, no qual morava, completamente só, uma velha bruxa muito poderosa. Durante o dia, ela transformava-se em gata ou em coruja, mas à noite retomava a forma humana.
A velha tinha o poder de atrair os animais silvestres e os pássaros, depois matava-os e os fazia refogados ou assados. Se alguém, porventura, se aproximasse do castelo, a cem passos de distância ficava retido sem poder mover-se enquanto ela não o fosse libertar. E, se por acaso, entrasse naquele círculo uma jovem donzela, a bruxa logo a transformava em pássaro, que prendia numa gaiola e carregava para determinada sala do castelo. La dentro do castelo já havia sete mil dessas gaiolas contendo pássaros raros.
Havia nas proximidades uma donzela chamada Jorinda, que era mais linda que todas as outras. Ela e um belíssimo jovem chamado Jorindo estavam noivos. O dia do casamento fora marcado para muito breve e os dois viviam radiantes, a felicidade deles só era completa quando podiam estar um ao lado do outro.
Querendo conversar e trocar confidências mais à vontade, foram certo dia dar um passeio na floresta.
– Toma cuidado, Jorinda, – disse o noivo, – não te aproximes demasiado do castelo.
Era uma tarde esplêndida; o sol brilhava por entre a galharia das árvores, pondo claras luminosidades entre o verde escuro da floresta; sobre a velha faia a meiga rolinha arrulhava melancolicamente.
De quando em quando, Jorinda se detinha, sentava-se onde batia o sol e se punha a chorar e a lastimar-se; Jorindo também fazia o mesmo. Sentiam-se ambos tão angustiados como se tivessem de morrer nessa hora. Tendo-se extraviado do caminho de casa, olhavam atemorizados para todos os lados sem conseguir encontrá-lo. O sol já se ia escondendo por trás da montanha e o jovem continuava a procurar uma saída; nisso avistou, por entre grandes moitas, os muros do antigo castelo; extremeceu, tomado de angústia mortal. Jorinda, por seu lado, cantava tristemente:
Meu pássaro de colerinha vermelha,
canta triste, sua triste sina.
Canta a morte da sua pombinha;
Ai que triste canto, tris… piu, piu, piu.
Jorindo olhou para ela e viu que se havia transformado num rouxinol e cantava piu, piu, piu. Uma coruja de olhos brilhantes como brasas voou três vezes em torno dela e três vezes gritou: Chu, u, u.
Jorindo não podia mover-se, estava como que petrificado, sem poder chorar, nem falar, nem mexer as mãos ou os pés. Agora o sol já se havia posto; a coruja voou para um arbusto e logo depois apareceu uma velha curva, amarela e ressequida, com os grandes olhos vermelhos e o nariz adunco, cujo ponta lhe tocava o queixo. Resmungou alguma coisa, agarrou o pássaro e levou-o consigo. Jorindo não podia pronunciar uma palavra sequer, nem fazer um gesto qualquer; o rouxinol desapareceu. Por fim a mulher voltou e disse com sua voz cavernosa:
– Eu te saúdo, Zaquiel; quando a lua redondinha, pratear do cerefólio as folhinhas, solta-o, Zaquiel, naquela horinha.
E Jorindo, depois dessas palavras, ficou libertado. Caiu aos pés da velha, suplicando-lhe que lhe restituísse a querida Jorinda; mas ela, implacável, respondeu-lhe que nunca mais a teria e com isso deu-lhe as costas e foi- se embora. Ele chorou, gritou, implorou, mas em vão.
– Ah! Que será de mim!
Jorindo pôs-se a perambular até que chegou a uma aldeia desconhecida e lá passou a pastorear um rebanho de ovelhas.
Dirigia-se, frequentemente, para os arredores do castelo, sem contudo aproximar-se muito. Finalmente, certa noite sonhou que achara uma flor vermelha como o sangue, a qual tinha no meio dos pistilos uma belíssima pérola muito grande. Colheu a flor e dirigiu-se ao castelo; tudo o que ele tocava com a flor logo se libertava do encanto e, no sonho, pareceu-lhe recuperar por esse meio também a querida Jorinda.
Pela manhã, quando despertou, decidiu encontrar essa flor e pôs-se a procurá-la por entre vales e montanhas. Procurou durante nove dias e ao nono dia, de manha bem cedo, encontrou a flor vermelha como sangue. No meio dela estava uma gota de orvalho, grande e linda como a mais esplêndida pérola.
Dia e noite foi levando a flor, até chegar ao castelo. Lá chegando, não se deteve a cem passos de distancia, mas prosseguiu até à porta de entrada.
Radiante de alegria, Jorindo tocou a porta com a flor e ela abriu-se automaticamente. Então foi entrando, atravessou o pátio de ouvidos alertas, a fim de descobrir de onde provinha aquele imenso trinar de pássaros. Por fim descobriu. Encaminhou-se para aquela direção e encontrou a sala onde se encontrava a velha bruxa alimentando os pássaros presos nas sete mil gaiolas.
Quando a velha avistou Jorindo, ficou louca de ódio e pôs-se a insultá-lo, cuspindo-lhe na cara fel e veneno, mas, a dois passos de distância dele, ficou paralisada.
Mas ele não se perturbou, continuou a procurar entre as gaiolas; entre tantas centenas de gaiolas, porém, como poderia descobrir a sua Jorinda?
Enquanto estava assim procurando, percebeu que a velha se apoderara de uma gaiola com um pássaro dentro e ia tratando de escapulir-se. Imediatamente ele pulou junto dela e com a flor tocou a gaiola e também a velha que, a esse toque, perdeu todo o poder de encantamento.
E Jorinda estava lá na sua frente, bela viçosa como sempre fora; tomou-a nos braços, estreitando-a com imensa alegria.
Também os outros pássaros, todos, graças ao toque da maravilhosa flor, recuperaram a forma humana de lindas jovens. Depois disso, ele regressou para casa com a querida Jorinda e viveram longos, longos anos, muito alegres e felizes.
Conto dos Irmãos Grimm
O LADRÃO E SEU MESTRE
Houve, uma vez, um homem chamado João, o qual desejava que o filho aprendesse um ofício; então foi à igreja e pediu ao bom Deus a graça que o filho encontrasse um ofício conveniente. Atrás do altar, porém, estava escondido o sacristão, que lhe sugeriu:
– Que aprenda o ofício de ladrão! O ofício de ladrão!
João virou nos calcanhares, foi para casa e disse ao filho que deveria aprender o ofício de ladrão, pois fora esse o conselho do bom Deus.
Partiram, então, os dois à procura de alguém que fosse perito nesse ofício; andaram o dia inteiro, por fim chegaram a uma grande floresta, onde avistaram um casebre habitado por uma velhinha. João dirigiu-se a ela e perguntou:
– Não conheceis alguém que saiba ensinar o ofício de ladrão? Pois desejo que meu filho siga essa profissão.
– Oh, ele pode aprender muito bem aqui; meu filho é mestre nessa arte, – respondeu a mulher.
E João perguntou ao filho da velha se realmente sabia a arte e podia ensinar ao seu com perfeição.
– Podes ficar descansado, – respondeu o filho da velha. – Ensinarei tudo a teu filho. Volta daqui a um ano; se o reconheceres, não exigirei pagamento algum; mas, se não o reconheceres, terás de pagar-me duzentas moedas.
João voltou para a casa e deixou o filho aprendendo a arte da feitiçaria e do banditismo. Transcorrido o ano marcado, o pai volveu ao casebre da floresta, mas ia profundamente aflito por não saber se reconheceria ou não o filho. Andando e choramingando, topou com um homenzinho, que lhe perguntou:
– Por quê te lastimas tanto e vais com essa cara tão triste?
– Ah! – disse João, – faz justamente um ano que deixei meu filho na casa de um ladrão para aprender o ofício; o mestre me disse para voltar daí a um ano e se fosse capaz de reconhecer meu filho ele não me cobraria nada; mas se não o reconhecesse teria de pagar-lhe duzentas moedas. Agora estou com receio de não reconhecê-lo e não sei onde poderei arranjar as duzentas moedas.
O homenzinho então lhe disse:
– Deves levar contigo um cesto de pão e sentar-te na pedra em baixo da lareira; lá no alto, dependurada na trave, está uma gaiola com um passarinho espiando para fora; esse passarinho é teu filho.
João seguiu o conselho do homenzinho; levou um cesto de pão e postou-se diante da lareira; daí a pouco saiu um passarinho da gaiola e veio bicar o pão olhando para ele.
– Olá, meu filho! Estás aqui?!
O filho ficou muito satisfeito ao ver o pai, mas o mestre resmungou:
– Foi certamente o diabo quem te sugeriu a maneira de reconhecer teu filho!
– Vamos embora daqui, meu pai. – Disse o rapaz.
Pai e filho, então, puseram-se a caminho de casa; depois de andar bastante, viram passar uma carruagem e o filho disse:
– Vou-me transformar num belo galgo, meu pai, assim poderás arranjar dinheiro vendendo-me.
O senhor que ia na carruagem gritou para João:
– Olá, bom homem, queres vender-me o teu cachorro?
– Posso vender, – disse o pai.
– E quanto queres por ele?
– Quero trinta moedas.
– Trinta moedas! É muito dinheiro! Mas como é tão bonito pagarei o que me pedes.
Concluído o negócio, o senhor fez o cão subir para a carruagem; mas não haviam andado muito e o cão subitamente salta pela janela da carruagem e vai reunir-se ao pai; já não era mais cachorro, voltara ao aspecto normal.
Prosseguiram juntos o caminho rumo de casa. No dia seguinte, havia feiro na aldeia vizinha e o rapaz disse ao pai:
– Vou transformar-me num belo cavalo e tu poderás vender-me. Quando me venderes, tira-me antes o cabresto, se não poderei voltar á forma humana.
João levou o cavalo à feira e eis que chega o mestre ladrão e compra o cavalo por cem moedas. Vendo tanto dinheiro, João ficou tão contente que esqueceu de tirar o cabresto. O mestre levou-o para casa e prendeu-o na estrebaria. Quando a criada ia passando perto da grade da estrebaria, o cavalo disse:
– Tira-me este cabresto! Tira-me este cabresto!
– Oh! Podes falar! – exclamou, espantada, a moça.
Foi até ele e tirou-lhe o cabresto; imediatamente o cavalo transformou-se num pardal, que saiu voando. O mestre ladrão transforma-se, também, cm pássaro e sai voando atrás dele. Alcançando pouco depois o pardal, desafia-o e batem-se, mas o mestre sai derrotado e se atira dentro da água, transformando-se cm peixe. Então o rapaz também se transforma em peixe, batem-se novamente e o mestre torna a perder. Então, ele se transforma numa galinha e o rapaz numa raposa que, com uma dentada arrancou a cabeça da galinha, deixando-o morto para sempre. E morto continua até hoje.
Conto dos Irmãos Grimm
OS DOZE CAÇADORES
Há muito tempo atrás aconteceu que um príncipe ficou noivo da filha do rei de um país vizinho. Eles se amavam muito e, quando festejavam o noivado, veio a notícia de que o pai dele estava muito mal. Então, despedindo-se apressadamente, o príncipe colocou um precioso anel no dedo da noiva e lhe disse:
– Este anel é para você não se esquecer de mim. Tenho que deixá-la agora, mas,
assim que me tornar rei, virei buscá-la.
E, beijando-a, partiu. Chegando ao castelo do pai, encontrou-o já moribundo e seu
pesar foi tão grande que nem se lembrou de comunicar-lhe o noivado.
– Filho querido, – disse o velho rei com voz muito fraca – dentro em breve partirei para a Grande Viagem. E só irei tranqüilo se você me prometer casar-se com aquela que eu escolhi. E ele disse o nome de uma princesa de um distante reinado.
Não querendo contrariar o velho e querido pai em seus últimos instantes de vida, o
príncipe respondeu:
– Sim, meu pai, Ela será minha esposa.
O velho rei morreu serenamente e, passado o período de luto, o príncipe tornou-se rei e foi obrigado a cumprir o prometido. Pediu em casamento a princesa escolhida pelo pai e foi aceito.
Quando a primeira noiva soube disso, quase morreu de desgosto. Seu pai, vendo-a
tão abatida, disse:
– Filha, se o seu noivo não cumpriu a promessa que lhe fez, é porque não a merece.
Não fique triste. Peça o que quiser que lhe darei.
E ela respondeu:
– Paizinho, será que podia me arranjar onze moças iguaizinhas a mim? Com a minha
altura, o meu tipo?
– Nem que seja para revirar o mundo, você vai ter as suas moças – prometeu-lhe o pai. E, naquele mesmo dia, mandou procurar por todo o reino as onze moças que a filha queria.
Passou uma semana e elas estavam no palácio. Então a princesa mandou fazer doze costumes de caçador, todos iguaizinhos e, quando ficaram prontos, ela e as moças vestiram-se com eles. Depois despediu-se do pai, montou seu cavalo e, acompanhada das moças, dirigiu-se para o reino de seu ex-noivo, a quem continuava amando. Chegando lá, apresentou-se ao rei e perguntou-lhe se não estava precisando de caçadores e se não queria tomar a seu serviço todos eles juntos. O rei não a reconheceu, mas gostou daquela turma de rapazes jovens e bonitos. E, desde esse dia, eles se tornaram os doze caçadores do rei.
Contudo, o rei tinha um leão que o acompanhava por toda a parte, um animal maravilhoso que sabia falar e adivinhava as coisas mais secretas e ocultas. Uma noite, estando os dois conversando, o leão disse:
– Então você imagina que tem doze caçadores…
– Imagino não! Eu tenho – corrigiu o rei.
– Seria mais exato dizer “doze caçadoras” – tornou o leão.
– Por que diz isso?
– Por que são doze moças.
– Não é possível! – e o rei exigiu que ele provasse o que dizia.
– Isso é fácil! Mande espalhar ervilhas na sua ante-sala, chame os caçadores e verá. Homens têm o passo firme. Quando pisam sobre ervilhas, elas não saem do lugar. Mulheres… Bah! Vai ver só como tropeçam, escorregam e espalham ervilhas para todos os lados.
O rei gostou do conselho e assim fez. Aconteceu que o camareiro real ouviu a
conversa e, como simpatizava com os caçadores, assim que pôde, foi procurá-los e contou-lhes tudo. A princesa agradeceu-lhe e, depois que ele saiu, ordenou às companheiras:
– Amanhã vocês têm que se controlar e pisar firme sobre as ervilhas. Nem uma só
pode rolar.
No outro dia, quando foram chamados pelo rei, os caçadores entraram na ante-sala pisando as ervilhas com tanta firmeza que nem uma só rolou. Depois que se retiraram, o rei chamou o leão e disse:
– Desta vez você se enganou. Meus caçadores pisam como homens!
– É porque elas souberam que iam ser postas à prova e se prepararam – respondeu o leão. – Mande trazer doze rocas para a sua ante-sala e vai ver o que acontece. Quando passarem por elas, mulheres que são, vão se deter e se alegrar. Homens não fazem isso.
O rei concordou. Porém, o camareiro real, também desta vez, escutou a conversa e foi prevenir os caçadores. Quando ficaram a sós, a princesa recomendou às
companheiras:
– Cuidado! Vocês têm que passar pelas rocas sem olhar para elas!
No dia seguinte, atendendo ao chamado do rei, elas atravessaram a ante-sala sem dirigir sequer um olhar para as rocas. Depois que saíram, o rei disse ao leão:
– Viu? Eles nem repararam nas rocas!
– Claro! Elas vieram prevenidas! Experimente…
– Não vou experimentar mais nada! E pare de se referir aos meus caçadores como
“elas”!
O leão retirou-se com um ar ofendido e o assunto foi esquecido. O rei continuou com suas caçadas, sempre com seu grupo de rapazes, cada vez gostando mais deles e, entre todos, o seu preferido era a princesa. Um dia, durante uma caçada, vieram avisar que a noiva oficial estava a caminho. Ao ouvir isso, a princesa ficou tão magoada que desmaiou. O rei correu em sua ajuda e, querendo reanimá-la, tirou-lhe a luva. Então viu o anel que lhe havia dado e, observando seu rosto, reconheceu-a. Quando ela abriu os olhos, beijou-a, dizendo:
– Nós nos pertencemos um ao outro. Nada no mundo mudará isso!
E ela respondeu baixinho, aninhando-se nos braços dele.
– Entre doze caçadores semelhantes, você me preferiu e agora sabe porque…
E o rei mandou uma mensagem à outra noiva, pedindo-lhe que voltasse para o seu reino, pois ele encontrara a esposa que havia perdido. Dias depois o casamento realizou-se com uma linda festa e, mais feliz que os noivos, estava o leão. Seu dom de adivinhar, mais do que nunca, foi reconhecido e valorizado e ele era agora o conselheiro do rei.
Conto dos Irmãos Grimm
A NOIVA DO COELHINHO
Era uma vez uma mulher e uma filha que viviam num lindo jardim repleto de repolhos, e um pequeno coelho se aproximou, e no tempo de inverno comeu todos os repolhos. Então, a mãe diz para a filha, — “Vá lá até o jardim, e expulse o coelho de lá.” A garota diz para o coelho: — “Ei, você está acabando com os nossos repolhos.” O coelho responde: — “Venha aqui, garotinha, e sente no meu rabinho, e vamos juntos para a toca onde eu moro.”
Mas a garota não queria acompanhá-lo. No dia seguinte, o coelho aparece novamente e come os repolhos, Então, a mãe diz para a filha, — “Vá lá até o jardim, e expulse o coelho de lá. A garota diz para o coelho: — “Ei, você continua comendo todos os nossos repolhos.” O coelhinho responde: — “Venha aqui, garotinha, e sente no meu rabinho, e vamos juntos para a toca onde eu moro.” A garota se recusa.
No terceiro dia o coelho aparece novamente, e come os repolhos. Diante disso, a mãe fala para a filha: — “Vá lá até o jardim, e expulse o coelho de lá. A garota diz para o coelho: — “Ei, você continua comendo todos os nossos repolhos.” O coelhinho responde: — “Venha aqui, garotinha, e sente no meu rabinho, e vamos juntos para a toca onde eu moro.”
A garota decide se sentar no rabo do coelho, e então, o coelho a leva para conhecer a sua pequena toca, e diz: — “Agora, quero que você prepare para mim repolho verde e grãos de milho, e eu irei chamar os convidados para o casamento.” Então, todos os convidados do casamento chegaram. “Quem eram os convidados do casamento?” Isso eu posso responder porque uma outra pessoa me contou. “Eram todos coelhos, o corvo estava lá como padre, para casar a noiva com o noivo, e a raposa era a sacristã, e o altar ficava debaixo do arco-íris.”
A garota, todavia, estava triste, porque ela estava muito sozinha. O coelhinho chegou e disse: — “Abram as portas, abram as portas, os convidados do casamento estão felizes.” A noiva não diz nada, apenas chora. O coelhinho vai embora. Depois, retorna e diz: — “Tirem as tampas, tirem as tampas, os convidados estão com fome.” A noiva novamente não diz nada, e chora. O coelhinho vai embora.
O coelhinho retorna e diz: — “Tirem as tampas, tirem as tampas, os convidados estão esperando.” Então, a noiva não diz nada, e o coelhinho vai embora, mas ela confecciona uma boneca de palha com suas roupas, e dá para a boneca uma colher para mexer, e a coloca perto do caldeirão com milho, e volta para a casa da sua mãe. O coelhinho retorna mais uma vez e diz: — “Tirem as tampas, tirem as tampas,” se levanta, e bate na cabeça da boneca até que a touca dela cai.
Então, o coelhinho viu que não era sua noiva, e vai embora e fica triste.
Conto dos Irmãos Grimm
PELE DE BICHO / TODOS OS TIPOS DE PELE
Era uma vez um Rei que tinha uma esposa com cabelos dourados, e ela era tão bela como não havia outra sobre a Terra. Aconteceu que ela adoeceu, e sentindo que logo morreria, chamou o rei e disse:
— Se tu desejares casar novamente depois da minha morte, não escolherá uma mulher menos bela do que eu, nem que tenha cabelos menos dourados do que o meus: isto vossa senhoria deve me prometer. E assim que o Rei lhe fez a promessa, ela cerrou os olhos e morreu.
Por longo tempo o Rei não quis pensar ou ouvir falar em tomar outra esposa. Finalmente seus conselheiros lhe disseram,
— Não há outro jeito, o Rei precisa se casar novamente, para que tenhamos uma Rainha. E os mensageiros foram enviados para todos os cantos, em busca de uma noiva que fosse tão bela quanto a falecida Rainha. Mas não havia nenhuma em todo o mundo, e mesmo que a tivessem encontrado, nenhuma tinha os mesmos cabelos dourados. Então os mensageiros voltaram para casa do mesmo jeito que foram.
Mas o Rei tinha uma filha, que era tão bela quanto à falecida mãe, e tinha os mesmos cabelos dourados. Quando estava crescida, o Rei viu um dia que era igual a sua mãe, e viu que era igual a sua esposa anterior em todos os aspectos, e de repente apaixonou-se por ela. Disse então a seus conselheiros,
— Irei casar com minha filha, porque ela é o retrato de minha falecida esposa, e como não encontro uma noiva, irei me casar com ela. Assim que ouviram isto, os conselheiros ficaram horrorizados e disseram:
— Deus proíbe que o pai se case com a filha, do pecado não pode vir nenhum bem, e o reino seria arrastado à ruína.
A filha ficou mais chocada ainda quando soube das intenções de seu pai, mas esperava que ele desistisse de seu objetivo. Então ela disse a ele,
— Antes de cumprir seu desejo, devo ter três vestidos, um dourado como o sol, um prateado como a lua e um brilhante como as estrelas; além disso, quero um manto de milhares de peles e couros unidos, cada animal de nosso reino precisa dar a ele um pedaço de sua pele. Mas ela pensou:
— Isto é completamente impossível, mas dessa forma desvio meu pai de seu mau desejo. O Rei, porém, não desanimou e as moças mais habilidosas do reino tiveram que fazer os três vestidos: um dourado como o sol, um prateado como a lua, e um brilhante como as estrelas. Seus caçadores tiveram que capturar todos os animais do reino e tirar um pedaço de sua pele; então foi feito um manto com milhares de peles. Quando tudo finalmente ficou pronto, o Rei mandou trazer o manto, mostrou-o ela e disse,
— O casamento será amanhã.
Quando então a filha do Rei viu que não havia mais qualquer esperança de mudar o coração de seu pai, decidiu empreender a fuga. À noite, quando todos dormiam, ela se levantou e pegou três objetos preciosos: um anel de ouro, uma pequena roca de ouro e um pequeno fuso de ouro. Colocou em uma casca de noz os três vestidos, de sol, de lua e de estrelas, vestiu o manto com todos os tipos de pele e cobriu o rosto e as mãos com fuligem negra. Pediu a proteção de Deus e saiu, e andou a noite toda até chegar a grande floresta. E ela estava cansada, entrou em uma casca de árvore e adormeceu.
O sol nasceu e ela dormia, e dormiu ainda mais, até o meio do dia. Aconteceu que o Rei, a quem esta floresta pertencia, foi caçar nela. Quando seus cães chegaram à árvore começaram a latir e a saltar em torno. O rei disse a seus caçadores,
— Vejam que animal se esconde lá. Os caçadores obedeceram e, ao voltar disseram,
— Na árvore oca tem um animal estranho, como nunca vimos antes: sua pele tem milhares de tipos de pelo. Ele está deitado dormindo. O Rei disse,
— Tentem capturá-lo vivo, prendam-no a minha carruagem e vamos levá-lo conosco. Quando os caçadores agarraram a moça, ela ficou aterrorizada e gritou para eles,
— Sou uma pobre criança, abandonada por pai e mãe, tenham compaixão de mim e levem-me com vocês. Eles disseram,
— Todos-os-tipos-de-pele, tu serás útil na cozinha, venha conosco, você pode varrer as cinzas. Eles a puseram na carruagem e voltaram para o castelo real. Lá lhe deram para morar um espaço debaixo da escada, onde não entrava nenhuma luz do dia, e disseram,
— Ferinha peluda, você pode morar e dormir aqui. Então ela foi mandada para a cozinha, onde carregava lenha e água, acendia o fogo, depenava os frangos, limpava as verduras, varria as cinzas e fazia todo o trabalho sujo.
Lá viveu Todos-os-tipos-de-pele por um longo tempo em completa miséria. Ah, bela princesa, o que ainda lhe acontecerá! Acontece que um dia, em que haveria uma festa no castelo, ela disse ao cozinheiro,
— Posso subir um pouco para dar uma olhada? Ficarei do lado de fora.
— Sim, respondeu o cozinheiro,
— vá, mas em meia hora você deve estar aqui e juntar as cinzas. Ela pegou seu lampião, entrou no desvão onde ficava, despiu seu manto de pele e lavou a fuligem de seu rosto e suas mãos, para que toda sua beleza viesse de novo à luz do dia. Então abriu a noz e tirou seu vestido que parecia com o sol, e quando estava pronta subiu para a festa, e todos abriram caminho para ela, pois ninguém a conhecia, e não pensaram outra coisa senão que era a filha de um Rei. O Rei então foi ao seu encontro, tomou-lhe a mão e dançou com ela, e pensou em seu coração,
— Meus olhos ainda não viram uma mulher tão bela. Quando a dança terminou, ela se inclinou, e quando o Rei olhou ao redor de si ela havia desaparecido, e ninguém sabia para onde. Os guardas que estavam na frente do castelo foram chamados e interrogados, mas ninguém a havia visto.
Entretanto, ela correu para o pequeno espaço onde morava, tirou rapidamente o vestido, pintou as faces e as mãos de preto novamente, colocou o manto novamente e outra vez era Todos-os-tipos-de-pele. E quando foi para a cozinha e estava prestes a voltar ao trabalho e a varrer as cinzas, o cozinheiro disse,
— Deixe isto para amanhã e faça a sopa para o Rei; Também irei subir um pouco e dar uma olhada; mas não deixe nenhum cabelo cair na sopa, ou no futuro não terá nada para comer. Então o cozinheiro se foi e Todos-os-tipos-de-pele fez a sopa para o Rei, e fez a sopa o melhor que podia, e quando estava pronta ela trouxe seu anel de ouro de dentro do pequeno lugar onde ficava e colocou na tigela na qual a sopa foi servida.
Quando a dança terminou, o Rei pegou a sua sopa e a comeu, e gostou tanto que parecia que nunca tinha experimentado nada melhor. Mas quando chegou ao fundo da tigela, ele viu o anel dourado nele, e não conseguiu entender como foi parar ali. Então ordenou que o cozinheiro aparecesse perante ele. O cozinheiro ficou aterrorizado quando ouviu a ordem e disse a Todos-os-tipos-de-pele
— Você certamente deixou um cabelo cair na sopa, e se deixou, deve pagar por isto. Quando estava diante do Rei, este lhe perguntou quem havia feito a sopa? O cozinheiro respondeu,
— Eu fiz. Mas o Rei disse,
— Isto não é verdade, porque está muito melhor que o usual, e cozida de modo diferente. Ele respondeu,
— Devo reconhecer que não a fiz, e que foi feita por um animal estranho. O Rei disse,
— Vá e faça o vir aqui.
Quando Todos-os-tipos-de-pele veio, o Rei disse
— Quem tu és?
— Sou uma pobre garota que não tem pai nem mãe.
— O que fazes em meu palácio? Ela respondeu,
— Não sirvo para nada além de ter botas atiradas em minha cabeça. Ele continuou,
— Onde conseguis-te o anel que estava na sopa? Ela respondeu, Não sei nada sobre o anel. Então o Rei não conseguiu saber de nada, e a mandou embora novamente. Após um tempo houve outro festival e então, assim como antes, Todos-os-tipos-de-pele implorou ao cozinheiro para sair e dar uma olhada. Ele respondeu,
— Sim, mas volte novamente em meia hora e faça a sopa do Rei que ele gosta tanto. Ela então correu para o desvão, lavou-se rapidamente e pegou o vestido da noz que era prateado como a lua e o colocou. Então ela subiu e estava como uma princesa, e o Rei andou em sua direção para encontrá-la, alegrando-se de vê-la novamente e como a dança estava para começar eles dançaram juntos.
Mas quando terminou, ela rapidamente desapareceu tão rapidamente que o Rei não pode observar onde ela tinha ido. Ela, todavia, foi para o seu desvão e uma vez mais se fez um animal peludo e foi para a cozinha preparar a sopa. Quando o cozinheiro tinha subido escadas acima, ela tirou a roca dourada e a colocou na tigela que a sopa cobriu.
Então a sopa foi levada para o Rei, que a comeu, e assim como da vez anterior, trouxe o cozinheiro que foi obrigado a confessar que Todos-os-tipos-de-pele tinha preparado a sopa. Todos-os-tipos-de-pele novamente veio na presença do Rei, mas respondeu que não servia para nada além de ter botas atiradas em sua cabeça e que não sabia nada sobre a pequena roca de ouro.
Quando, pela terceira fez, o Rei organizou um festival, tudo aconteceu da mesma forma que tinha sido antes. O cozinheiro disse,
— Fé pele-dura, tu és uma bruxa, e sempre coloca alguma coisa na sopa que a faz tão boa que o Rei gosta mais do que a que eu cozinho, mas como ela implorou muito, ele a deixou subir na hora marcada. E agora ela colocou o vestido que brilhava como as estrelas, e assim entrou no salão. Novamente o Rei dançou com a bela moça, e pensou que ela nunca tinha sido tão bela.
E enquanto estavam dançando, planejou sem ela perceber deslizar o anel de ouro no dedo dela, e deu ordens para que a dança durasse bastante tempo. Quando a música terminou, ele quis segurá-la rapidamente pelas mãos mas ela conseguiu se soltar e fugiu tão rápido através da multidão que sumiu de sua vista.
Ela correu tão rápido quanto podia para dentro do desvão sob as escadas, mas como havia ficado muito longe, e tinha ficado fora por mais de meia hora ela não pode tirar seu belo vestido, mas somente jogar seu manto de peles, e na sua pressa ela não se fez muito preta, permanecendo um dedo branco.
Então Todos-os-tipos-de-pele correu para a cozinha, e cozinhou a sopa para o Rei, e como o cozinheiro estava fora, colocou o fuso de ouro na sopa. Quando o Rei encontrou o fuso no fundo desta, ele solicitou que Todos-os-tipos-de-pele fosse chamada, e então ele observou o dedo branco à distância, e viu o anel que havia colocado no dedo durante a dança.
Então ele a agarrou pela mão e a segurou firme, e quando ela quis se soltar e correr novamente, seu manto de pele se abriu um pouco e o vestido estrelado brilhou forte. O Rei agarrou com força o manto e o tirou. Então o seu cabelo dourado mostrou o seu brilho e ela pôs se de pé com todo o seu esplendor e não podia mais se esconder. E quando ela lavou a ferrugem e cinzas de sua face, era mais bela do que qualquer uma que havia sido visto na terra. Mas o Rei disse,
— Você é minha querida noiva, e nós nunca mais vamos nos separar um do outro. Por causa disso o casamento foi realizado, e eles viveram felizes para sempre até o fim de suas vidas.
Conto dos Irmãos Grimm
A TRANSFORMAÇÃO DA PUBERDADE
Deve-se ter um sentimento, uma sensação, de que com a idade de 14, 15 anos têm-se novas crianças diante de si, não as mesmas que se tinham antes.
A transformação completa-se relativamente rápido para um ou para outro indivíduo. Assim, pode ocorrer que o professor, que permanece dormente e não tem nenhum sentido para a transformação que fazem os jovens que lhe são confiados, perde a oportunidade de perceber essa transformação, de modo que muitas vezes não vê que, repentinamente, tem um novo ser humano diante de si.
Rudolf Steiner – GA 305
Tradução: Valdemar W. Setzer
EDUCAÇÃO, LIBERDADE E RESPEITO À INDIVIDUALIDADE
Quando dou uma educação intelectual ao ser humano antes de sua maturidade sexual, quando lhe apresento conceitos abstratos ou observações prontas, fechadas, e não imagens cheias de vidas, passíveis de crescimento, então eu violento seu si-mesmo, eu interfiro nele brutalmente.
Só vou educá-lo verdadeiramente não intervindo em seu si-mesmo, mas sim esperando até que esse si-mesmo possa ele mesmo intervir naquilo que predispus com a educação. […] E, se eduquei dessa forma até a maturidade sexual, vejo o ser humano vir ao meu encontro dizendo:
“Quando eu ainda não era um ser humano completo, você atuou em mim de forma que eu consiga fazer de mim um ser humano completo, agora que eu mesmo posso fazê-lo!”
Vejo vir ao meu encontro o ser humano, que em cada olhar, em cada movimento me revela:
“Você atuou em mim; no entanto, não afetou com isso minha liberdade, mas ofereceu-me a possibilidade de eu mesmo dar a mim essa liberdade, no momento certo da vida. O que você fez me possibilita aparecer agora diante de você, estruturando a mim mesmo como um ser humano a partir de minha própria individualidade, que você deixou intocada por um recatado respeito.”
Rudolf Steiner – GA 308
O APRENDIZADO NAS TRÊS PRIMEIRAS ETAPAS DA VIDA
Para essa época da vida [primeira fase, até a troca dos dentes], o que aprendi em relação ao ensinar e ao educar tem uma importância ínfima. No caso, o que é de máxima importância é que tipo de pessoa eu sou, quais as impressões que a criança recebe por meu intermédio, se ela pode me imitar. […]
O que aprendemos não tem nenhuma importância para o que somos como educadores de crianças até a troca dos dentes. Começa a ter uma certa importância depois da troca dos dentes. Mas perde toda a importância quando o ensinamos do modo como o temos em nós. Temos de transformá-lo artisticamente, trazer tudo em imagens […]. Tenho de despertar novamente forças imponderáveis entre mim e a criança.
E, para a segunda etapa da vida, da troca dos dentes até a maturidade sexual, tem muito mais importância eu conseguir traduzir para o imagético, em configurações vivas, aquilo que quero desenvolver em torno da criança e que devo fazer fluir para dentro dela, do que a multiplicidade de conteúdos que aprendi e que trago dentro de minha cabeça.
E só para aqueles que já passaram pela maturidade sexual e para aqueles que estão no início dos vinte anos de idade é que tem importância o que nós mesmos aprendemos.
Para a criança pequena até a troca dos dentes, o mais importante na educação é a pessoa. Para a criança na idade da troca dos dentes até a maturidade sexual, o mais importante na educação é a pessoa que passa a ser um artista da vida. E só ao redor dos quatorze, quinze anos, é que o jovem exige, no ensino educativo e na educação ensinada, aquilo que a própria pessoa aprendeu, e isso vai até os vinte, vinte e um anos, quando os jovens se tornam totalmente adultos e estão diante das outras pessoas com igualdade de direitos [maioridade civil].
Rudolf Steiner – GA 308
GEOGRAFIA NO ESPAÇO E HISTÓRIA NO TEMPO
[…] quando ensinamos geografia à criança […] atuamos no espaço, e assim adensamos o espiritual-anímico em direção ao solo. Em outras palavras: levamos o ser humano a uma certa consolidação em si mesmo precisamente ao exercitar o geográfico de modo bem vivo – e praticando essa geografia de modo a evocar sempre a consciência de que [as cataratas do] o Niágara não está situado no rio Reno [no original: rio Elba], dando antes ênfase a quanto espaço há entre o Reno e o Niágara.
Quando realmente praticamos isso concretamente, colocamos o ser humano no espaço e formamos nele o seu interesse pelo mundo. Isso se evidenciará em efeitos os mais variados. Um ser humano com o qual ensinamos geografia de maneira sensata posiciona-se de maneira mais amável diante de seu próximo do que aquele que não aprendeu “ao lado no espaço”. Ele aprende a viver ao lado do próximo, ele respeita os outros.
Tais atitudes repercutem fortemente na formação moral, e empurrar a geografia para trás não significa outra coisa senão uma aversão contra o amor ao próximo, amor que em nossa era viu-se forçado a recuar cada vez mais. Essas relações não costumam ser percebidas, mas existem. Nos fenômenos da civilização sempre age certa razão ou falta de razão inconscientes.
Efeito completamente diferente decorre do ensino da história, que atua no tempo e não no espaço; podemos ministrá-lo corretamente apenas se consideramos o elemento temporal. Se no ensino da história damos somente imagens, não levamos em consideração o tempo.
Se eu conto à criança a história de Carlos Magno como se ele fosse seu tio ainda vivo, confundo a criança. Sempre que contar algo sobre Carlos Magno, devo fazer sentir a distância no tempo. Devo fazê-lo dizendo: “Imagine que você seja um menino pequeno pegando a mão do seu pai!” Assim a criança faz uma representação mental. Agora explico quantos anos mais velho é o pai. “O pai pega a mão do pai dele e este a mão do avô e assim por diante.”
Dessa maneira fiz o aluno remontar uns 60 anos [20 para cada geração]. Do avô se prossegue: “Imagine você uma fileira de 30 pais – o trigésimo poderia ser Carlos Magno”. Assim a criança sente a distância no tempo. Nunca se devem apresentar fatos isolados, mas sim fazer compreender o sentido de distância temporal; isso é importante para um bom ensino de história.
Rudolf Steiner – GA 302
INCUTIR A MATÉRIA À FORÇA NA CABEÇA
Algo extremamente nocivo para o nosso tempo reside no fato de um grande número das pessoas que ingressam em posições eminentes na vida pública estudarem da maneira como se estuda hoje em dia.
Deve-se dizer francamente que existem disciplinas que os estudantes frequentam na universidade praticamente o ano todo para fazer coisas bem diferentes do que ponderar e estudar a fundo o que os professores dizem nas aulas; assistem-se às aulas de vez em quando, porém o que se deseja realmente aprender assimila-se em poucas semanas, isto é, mete-se a matéria à força na cabeça. Isso é muito prejudicial.
Como, de certo modo, esse método de inculcar o conteúdo já começa no ensino fundamental, os males que daí derivam não são, em absoluto, inofensivos. O essencial desse método é que não existe uma ligação do interesse anímico, da essência mais íntima do ser humano, com aquilo que está sendo assim metido à força na cabeça. Até predomina nas escolas as seguinte opinião entre os alunos:
“Quiçá eu possa esquecer logo tudo ao que aprendi!”
Pois aquele desejo veemente de possuir o assimilado não existe. Podemos dizer que é muito fraco o vínculo de interesse que liga o cerne da alma humana com o que as pessoas guardam na cabeça.
Como consequência desses fatos resulta que, as pessoas são, de certo modo, adaptadas para tomar parte na vida pública por esse método lhes ter sido inculcado, ou seja, por que elas aprenderam o que quiseram aprender justamente dessa maneira. Contudo, não estando ligadas internamente ao que praticam com a cabeça, sua alma fica completamente estranha.
Porém, quase não existe nada mais prejudicial para a essência do ser humano do que estar animicamente, com o coração, distante daquilo que a cabeça é obrigada a fazer. […] Quanto mais o ser humano é levado a fazer coisas que não lhe interessam, tanto mais debilita [sua vitalidade].
Rudolf Steiner – GA 143
MEMORIZAÇÃO X COMPREENSÃO CONCEITUAL
Assim como a criança acolhe em seu organismo anímico a estrutura da linguagem, sem usar as suas leis linguísticas de maneira racional, o jovem precisa aprender, para o cultivo de sua memória, coisas que apenas mais tarde compreenderá intelectualmente.
Aprende-se mais facilmente a conceituar aquilo que nessa idade foi assimilado apenas pela memória, da mesma forma como se aprendem melhor as regras de uma língua que já se sabe falar. Uma alegação contra alguma matéria decorada e incompreensível nada mais é do que um preconceito materialista.
[…] O intelecto é uma força anímica que nasce apenas com a puberdade, e sobre a qual, por isso, não seria conveniente atuar antes dessa idade. Antes da puberdade o jovem deveria assimilar, pela memória, o acervo mental da humanidade; mais tarde, poderá conceituar o que primeiro gravou na memória.
O ser humano não deve apenas memorizar o que compreendeu, mas compreender o que aprendeu, isto é, aquilo que memorizou, da mesma forma como a criança toma posse de sua língua. Isso é válido de um modo geral: primeiro vem a memorização de fatos históricos, depois sua compreensão conceitual; primeiro a gravação de fatos geográficos, depois seu inter-relacionamento, etc.
Em certos aspectos, a conceituação deveria sempre haurir o que se acha armazenado na memória. Quanto mais o adolescente aprende pela memória antes de compreendê-lo conceitualmente, tanto melhor. Todavia, é oportuno lembrar expressamente que tudo isso se aplica apenas à idade aqui focalizada, e não às idades mais avançadas.
Rudolf Steiner – GA 34
PROFESSOR – PARA ALÉM DA IMAGEM DE SI PRÓPRIO
A tarefa do educador é ter a maior abnegação possível. Ele deve viver no ambiente da criança de tal modo que o espírito desta possa desenvolver, em atitude de simpatia, sua própria vida ao lado da vida do educador. Nunca se deve querer tornar as crianças uma imagem de si próprio. Aquilo que havia no próprio educador não deve continuar a viver nelas como coação, como tirania, nem mesmo quando elas terão crescido para além da idade escolar e da educação.
Rudolf Steiner – GA 305
Tradução: Valdemar W. Setzer
AMOR E GRATIDÃO PARA COM A EDUCAÇÃO
Da troca dos dentes até a puberdade não há nada que atue para o interior da criança, que o educador não traga a partir do amor para com o próprio ato de ensinar. O que, como educador, se executa com amor é sentido pela criança nessa idade como algo que ela deve se apoderar, para se tornar um ser humano.
Nenhuma arte de educar pode advir apenas do intelecto, mas somente daquilo que manifestam o que caracterizamos como gratidão e amor para com a educação.
Rudolf Steiner – GA 305
Tradução: Valdemar W. Setzer
AMOR À SABEDORIA
O professor necessita de uma ciência a partir da qual ele ainda possa amar seres humanos, pois ele deve primeiramente amar seu próprio saber, seu próprio conhecimento.
Um profundo sentido oculta-se por detrás do fato de que antigamente não se falava de um simples conhecimento como aquilo que o ser humano devia conquistar, mas de uma filo-sofia, do amor à sabedoria. Isto é o que a Antroposofia quer devolver novamente aos seres humanos, aproximar o conhecimento novamente do ser humano.
Rudolf Steiner – GA 305
Tradução: Valdemar W. Setzer
VALORIZAÇÃO DA ARTE NO PROCESSO PEDAGÓGICO
Entre a troca dos dentes e a maturidade sexual a criança é um artista, mesmo que seja de maneira infantil, do mesmo modo como na primeira época da vida até a troca dos dentes ela é naturalmente um “homo religiosus”, uma criatura religiosa.
Como a criança exige receber tudo de modo imagético artístico, o professor, o educador tem de se colocar diante da criança como uma pessoa que leve tudo a ela como um formador artístico. Essa é a condição que deve ser imposta ao educador e ao professor de hoje, o que precisa fluir para dentro da arte de educar.
Entre a troca dos dentes e a maturidade sexual, o artístico tem que ser um acontecimento entre o professor, o educador e o ser humano em crescimento. Para isso, como professores, temos de superar muitas coisas. Pois nossa civilização e nossa cultura, que primeiro nos envolvem exteriormente, são de tal modo que só valorizam o intelecto, ainda não valorizam o artístico.
Rudolf Steiner – GA 308
O DESPERTAR DO JULGAMENTO ESTÉTICO MORAL DA CRIANÇA
O julgamento moral não deve ser inoculado na criança. Deve-se prepará-lo de tal modo que, quando a criança, com a maturidade sexual, desperta para a força completa do julgamento, consegue, pela observação da vida, formar por si própria o julgamento moral.
A pior forma de atingi-lo é transmitir à criança uma ordem pronta. Atinge-se-o, no entanto, quando se atua por meio de um exemplo ou colocam-se exemplos diante dela. Deve-se dar à criança imagens para o bem por meio de narrativas de pessoas que foram ou são boas, ou por elaboração de pessoas boas adequada à fantasia.
[…] Não se apela ao intelecto, mas à simpatia para com o bem e à antipatia para com o mal que, sob forma de imagem surgem diante da alma da criança. Assim a alma é preparada de tal maneira que, posteriormente, o julgamento pelo sentimento possa amadurecer na idade correta como julgamento intelectual.
Não se trata de transmitir o “você deve”, porém de despertar um julgamento estético na criança, de modo que o bem lhe agrade, tenha simpatia para com ele, e tenha desagrado, antipatia, para com o mal, quando seu sentir é defrontado com fatos morais.
Rudolf Steiner – GA 305
Tradução: Valdemar W. Setzer
O PERIGO DO RESSECAMENTO DA FANTASIA INFANTIL
Permitam-me dizer algo bastante herético: adora-se dar bonecas na mão das crianças, especialmente bonecas “lindas”. Não se nota que as crianças em realidade não querem isso. Elas as rejeitam, mas elas são impingidas. Lindas bonecas, pintadas!
Muito melhor é dar às crianças um lenço ou, quando é pena estragar um, dar outra coisa; ajeita-se [um pano] faz-se aqui uma cabeça, pinta-se um nariz, dois olhos etc., e com isso crianças sadias brincam com muito mais gosto de que com bonecas “lindas”, pois a boneca configurada o mais bonito possível, até com bochechas vermelhas, não deixa sobrar nada para a fantasia. A criança resseca interiormente com a boneca linda.
Rudolf Steiner – GA 34
Tradução: Valdemar W. Setzer
A FANTASIA E O EFEITO PLASMADOR NO CÉREBRO INFANTIL
Pode-se fazer para uma criança uma boneca com um guardanapo dobrado: duas pontas serão os braços, as outras duas as pernas, um nó servirá para a cabeça na qual algumas manchas de tinta indicam os olhos, o nariz e a boca. Também se pode comprar uma “linda” boneca, com cabelos genuínos e bochechas pintadas, e dá-la à criança. Nem queremos insistir no aspecto horrível dessa boneca, perfeitamente capaz de estragar para sempre o sentido estético sadio.
Com efeito, o problema educacional mais importante é outro. Tendo à frente o guardanapo dobrado, a criança deve acrescentar, pela fantasia, aquilo que o transforma em figura humana.
Essa atividade da fantasia tem efeito plasmador sobre as formas do cérebro. Este se “abre” da mesma maneira como os músculos da mão se deixam permear por uma atividade conveniente. Se a criança ganha a chamada “linda boneca”, nada resta ao cérebro para fazer, e este se atrofia e resseca em vez de desabrochar. Se os pais pudessem olhar, como pode fazê-lo o pesquisador espiritual, para dentro do cérebro empenhado em estruturar suas próprias formas, com toda certeza só dariam a seus filhos brinquedos suscetíveis de avivar as forças plasmadoras do cérebro.
Todos os brinquedos que possuem apenas formas mortas e matemáticas ressecam e destróem as forças plasmadoras da criança, enquanto tudo que faz surgir a ideia da vida atua de maneira sadia. A nossa época materialista produz poucos bons brinquedos.
Rudolf Steiner – GA 34
O GANSO DE OURO
Era uma vez um homem que tinha três filhos. O mais moço era chamado de Dummling[1] — mais conhecido como João Bocó, pois todos achavam que ele era mais do que a metade de um tolo, — e ele era o tempo todo zombado e mal tratado por todos da casa.
Aconteceu que o filho mais velho cismou de ir à floresta para buscar lenha, e a sua mãe lhe deu um bolo delicioso e uma garrafa de vinho para ele levar, para que ele pudesse se refrescar e se alimentar durante o trabalho.
Quando ele entrou na floresta, um pequeno velhinho cinzento lhe disse bom dia, e falou:
— Será que você poderia me dar um pedaço de bolo que você tem no prato, e um pouco de vinho da sua garrafa, porque estou com muita fome e sede. Porém, este jovem e esperto rapaz respondeu:
— Dar a você o bolo e o vinho que trago comigo? Não, obrigado, eu não tenho o suficiente para mim mesmo. E foi embora.
Logo ele começou a derrubar uma árvore, mas não tinha dado senão algumas machadadas quando ele errou o golpe, e se cortou, e foi obrigado a ir para casa para cuidar do ferimento.
Ora, tinha sido o pequeno velhinho que fizera ele cometer este acidente.
Em seguida, o segundo filho saiu para trabalhar, e sua mãe lhe deu também um pedaço de bolo e uma garrafa de vinho. E o mesmo velhinho encontrou-se com ele também, e lhe pediu algo para comer e para beber.
Mas ele também se achava muito esperto e falou:
— Quanto mais você comer, menos sobra para mim: então vá embora! O pequeno velhinho pensou que ele também teria a sua recompensa, e no segundo golpe que ele deu contra a árvore, ele errou o alvo e acertou bem na perna, então ele foi obrigado a ir para casa.
Então João Bocó disse:
— Pai, eu gostaria de ir para cortar lenha também. Mas o seu pai respondeu:
— Os seus dois irmãos machucaram as pernas, seria melhor que você ficasse em casa, pois você não sabe nada sobre esse negócios de cortar lenha.
Mas João Bocó era muito teimoso, e finalmente seu pai concordou:
— Vai então! Você ficará mais esperto quando você sofrer por causa da sua tolice. E a sua mãe deu a ele somente um pouco de pão seco e uma garrafa de cerveja choca. Mas quando ele entrou na floresta, ele encontrou o pequeno velhinho que lhe disse:
— Me dê um pouco de comida e de bebida, pois estou com muita fome e sede. João Bocó disse:
— Eu tenho apenas pão seco e cerveja choca; se isso for bom para você, poderemos sentar para comer tudo que temos, juntos.
Então eles se sentaram e quando o rapaz pegou o pão para comerem, eis que ele se transformou num bolo delicioso: e a cerveja que estava choca, ao saboreá-la, havia se transformado em vinho finíssimo. Eles comeram e beberam com satisfação, e quando haviam acabado, o pequeno homem disse:
— Como você tem um bom coração, e teve a alegria de dividir tudo comigo, eu lhe darei uma bênção. Alí está uma árvore velha, corte-a e você encontrará algo embaixo de suas raízes. Então, ele pediu licença e continuou o seu caminho.
João Bocó pôs-se a trabalhar, e derrubou a árvore; e quando ela caiu, ele encontrou, em buraco debaixo das raízes, um ganso com penas de puro ouro. Ele pegou o ganso, e foi em direção a uma pequena estalagem à beira do caminho, onde ele pensou dormir durante a noite antes de retornar para casa.
E aconteceu que o estalajadeiro tinha três filhas, e quando elas viram o ganso, elas ficaram muito curiosas para saber, como era maravilhosa aquela ave, e queriam muito retirar uma das penas do rabo do ganso. Por fim, disse a mais velha:
— Eu quero e vou conseguir uma pena. Então ela esperou até quando João Bobo foi dormir, e então segurou o ganso pela asa, mas para sua grande surpresa ela ficou grudada, pois nem sua mão, nem seus dedos conseguiam se soltar.
Depois veio a segunda irmã, e pensou em pegar uma pena também, mas no momento que ela tocou a sua irmã, ela também ficou grudada.
Finalmente veio a terceira irmã, e ela também queria uma pena, mas as duas outras gritaram:
— Se afaste, pelo amor de Deus, se afaste!
Todavia, ela não entendeu o que elas queriam dizer.
— Se elas estão lá, pensou ela, eu também posso ir lá. Então ela foi até elas, mas no momento que ela tocou as suas irmãs ela ficou grudada, e presa ao ganso, como elas tinham ficado. E então elas fizeram companhia para o ganso a noite toda no relento.
Na manhã seguinte João Bocó levantou-se e colocou o ganso debaixo de seus braços. Ele não percebeu de modo nenhum as três garotas, mas saiu com elas penduradas bem atrás dele. Então, toda vez que ele corria, elas eram forçadas a segui-lo, quer elas quisessem ou não, tão rápido quanto suas pernas pudessem correr.
No meio de um campo um pastor os encontrou, e quando ele viu o cortejo, ele disse:
— Vocês não se envergonham de si mesmas, suas garotas atrevidas, correr atrás de um jovem rapaz dessa maneira pelos campos? Esse é um comportamento digno?
Então ele pegou a mais jovem delas pela mão para levá-la embora, mas, assim que a tocou ele ficou preso imediatamente, e seguia o cortejo, embora totalmente contra a sua vontade, pois não estava ele em boa forma para correr tão depressa, e exatamente, naquele momento ele sentiu uma pequena agulhada no dedão do seu pé direito.
Foram andando e encontraram um sacristão, e quando ele viu o seu amo, o pastor, correndo atrás de três garotas, ele ficou espantado e disse:
— Calma aí, senhor reverendíssimo, para onde vais com tanta pressa? Tem um batizado hoje?
Ele ele correu e tocou na sua roupa, e eis que ele ficou grudado também.
Enquanto os cinco estavam assim marchando rapidamente, um atrás do outro, eles encontraram dois camponeses que vinham do trabalho com suas enxadas, e o pastor gritou com toda sua força para que eles o ajudassem. Porém, mal eles tocaram as mãos no pastor, quando também ficaram na fila, e daí eles já eram sete, todos correndo juntos atrás de João Bocó e do seu ganso.
Ora, João Bocó pensou que ele gostaria de fazer um pequeno passeio antes de ir para casa, então ele e os seus acompanhantes o seguiram, até que finalmente chegaram numa cidade onde havia um rei que tinha somente uma filha.
A princesa era pessoa tão séria e mal humorada que ninguém conseguia fazê-la rir, e o rei havia mandado falar para todo o mundo, que aquele que conseguisse fazê-la rir a teria por esposa.
Quando o jovem rapaz soube disso, ele foi até ela, com o seu ganso e todos os seus acompanhantes, e assim que ela viu os sete presos uns nos outros, e correndo juntos, e pisando um no calcanhar dos outros, ela não conseguiu segurar uma longa e barulhenta gargalhada.
Então João Bocó reivindicou a sua esposa, e se casou com ela, e ele se tornou herdeiro do reino, e viveu durante muito tempo e feliz com a sua esposa.
Mas o que aconteceu com o ganso e o rabo do ganso, isso eu nunca fiquei sabendo.
Conto dos Irmãos Grimm
AS TRÊS PLUMAS
Era uma vez um rei que tinha três filhos, dois deles eram inteligentes e sábios, mas o terceiro não gostava de falar muito, e era muito simples, e por isso o chamavam de João Bocó. O rei estava ficando velho e fraco, e já achava que ia morrer, e não sabia quais dos seus filhos deveria herdar o reino quando isso acontecesse. Então, ele disse para os seus filhos: — Saiam, e aquele que me trouxer o tapete mais lindo será o rei quando eu morrer.”
E para que não houvesse briga entre eles, ele os conduziu para fora do palácio, soprou três plumas no ar e disse: — “Vocês deverão seguir estas plumas!” Uma pluma voou para o oriente, a outra para o ocidente, mas a terceira subiu para o alto, mas não voou para muito longe e logo caiu no chão.
E então, um irmão foi para a direita, o outro para a esquerda, e zombaram do João Bocó, o qual foi obrigado a ficar ali onde a terceira pluma havia caído. Ele se sentou e ficou triste, então, de repente, ele percebeu que havia um pequeno alçapão perto de onde a pluma havia caído. Ele levantou o alçapão, encontrou alguns degraus, e desceu a escada, que dava para uma outra porta, bateu nela, e ouviu alguém dentro chamando:
— “Criatura pequena e verde, pulando aqui e ali, entre pela porta e você verá quem está lá.”
A porta se abriu e ele viu ali parado um sapo grande e gordo, e em volta do sapo uma multidão de pequenos sapinhos. O sapo gordo perguntou o que ele queria? Ele respondeu: — “Eu preciso conseguir o tapete mais belo e mais fino do mundo.” Então, ele chamou um sapinho e disse para ele:
— “Criatura pequena e verde, pulando aqui e ali, pule rapidamente e me traga a Caixa Grande até aqui.”
O filhote de sapo trouxe a caixa, e o sapo gordo a abriu, e tirou da caixa um tapete que era tão lindo e maravilhoso e que fora tecido com tantos detalhes, que não havia na Terra ninguém que pudesse ter produzido uma peça tão rara. Então, ele agradeceu ao sapo, e fez o caminho de volta. Seus dois outros irmãos, todavia, achavam que o seu irmão caçula fosse tão tolo que ele não encontraria nenhum tapete e não traria nada para o rei. — “Porque nós iríamos nos preocupar em procurar um?” disseram eles, e pegaram alguns panos sem acabamento das primeiras pastoras de porcos que eles encontraram, e levaram para o rei.
Ao mesmo tempo, João Bocó havia também voltado, e trouxe seu lindo tapete, e quando o rei viu o que ele trouxe, ele ficou admirado, e disse: “Justiça seja feita, o reino deve ficar com o caçula.” Mas os dois outros irmãos não deram sossego para o rei, e disseram que era impossível que o João Bocó, que não passava de um pateta, fosse o rei, e insistiram para que houvesse um novo acordo entre eles.
Então, o pai disse: — “Aquele que me trouxer o anel mais valioso herdará o trono,” e conduziu os três irmãos para fora, e soprou para o ar três plumas, que eles deveriam seguir. As plumas dos filhos mais velhos novamente foram para o ocidente e para o oriente, e a pluma de João Bocó voou diretamente para o alto e caiu perto da porta a poucos passo dali. Ele se se dirigiu novamente até onde o sapo gordo ficava, e disse ao sapo que ele precisava conseguir o anel mais valioso.
O sapo, imediatamente, mandou que uma grande caixa fosse trazida até ali e tirou da caixa um belíssimo anel, o qual reluzia de tantas jóias, e era tão lindo que nenhum ourives da Terra seria capaz de fabricá-lo. Os dois irmãos mais velhos riram de João Bocó por ele ter ido buscar um anel de outro. E não se deram ao trabalho, e arrancaram os pregos de um velho anel de argola e o levaram para o rei, mas quando João Bocó mostrou o seu anel de brilhantes todo dourado, o rei disse novamente:
— “O reino pertence a ele.” Os dois irmãos mais velhos não paravam de atormentar o rei até que ele propôs uma terceira condição, e declarou que aquele que trouxesse a mulher mais linda para casa, ficaria com o reino. Novamente ele soprou três plumas para o alto, e elas voaram como antes.
Então, João Bocó, sem fazer nenhum alarde, desceu até a toca do sapo e disse: — “Eu preciso levar para casa a mulher mais formosa!” — “Oh,” respondeu o sapo, “a mulher mais formosa! No momento, ela não está aqui, mas dentro em breve tu a terás.” O sapo deu a ele um nabo amarelo totalmente oco por dentro, atrelado a seis camundongos. Então, João Bocó disse muito triste, “O que é que eu vou fazer com isso?” O sapo respondeu: — “Coloque apenas um dos meus sapinhos dentro dessa carruagem.”
Então, ele pegou aleatoriamente um daqueles que estavam ali, e colocou dentro da carruagem amarela, mas, mal o sapinho se sentou na carruagem, e ele se transformou numa donzela maravilhosamente bela, e o nabo se transformou num cocheiro, e os seis camundongos em belíssimos cavalos. Então, ele a beijou, e se afastaram rapidamente com os cavalos, e a levou para o rei. Seus irmãos chegaram depois, eles não haviam se dado ao trabalho de procurar belas garotas, mas haviam trazido com eles as primeiras aldeãs que tiveram a chance de encontrar.
Quando o rei viu as donzelas ele disse: — “Depois que eu morrer, o meu reino deve ficar com meu filho mais jovem.” Mas os dois irmãos mais velhos quase deixaram surdas as orelhas do rei com seus clamores, — “Não podemos admitir que João Bocó seja o rei,” e exigiram que aquele cuja esposa conseguisse atravessar pulando um anel suspenso no meio da sala seria proclamado rei. Eles pensaram: — “As mulheres aldeãs pode fazer isso com facilidade, elas são fortes o bastante, mas a delicada donzela poderá morrer ao saltar.”
O rei que já estava velho também concordou com a ideia. Então, as duas jovens aldeãs tentaram várias vezes pular através do anel, mas elas eram tão entroncadas que elas caíram, e seus braços e pernas abrutalhados se partiram no meio. E então, a bela donzela que João Bocó havia trazido com ele, saltou várias vezes com a leveza de um cervo, e toda oposição teve de acabar. Então, ele recebeu a coroa, e reinou com sabedoria durante muito tempo.
Conto dos Irmãos Grimm
A RAINHA DAS ABELHAS
Certa vez, onde foi onde não foi, dois filhos de um rei partiram em busca de aventuras. Mas, entregaram-se a uma vida tão desregrada e leviana que nem se lembravam de voltar para casa. O mais moço, a quem chamavam de Bobo, saiu à procura de seus irmãos; quando finalmente os encontrou, começaram a rir-se dele, por pretender, com sua ingenuidade, vencer na vida, quando eles dois, que eram muito inteligentes, nada tinham conseguido.
Juntos, os três puseram-se a caminho e chegaram a um formigueiro. Os dois mais velhos quiseram destruí-lo para se divertir com as formiguinhas a correr, assustadas, procurando salvar os próprios ovos. O Bobo, porém, disse-lhes:
– “Deixem os bichinhos em paz! Não permito que os perturbem!”
Seguiram adiante e chegaram a um lago, onde nadavam muitos, muitos patos. Os dois irmãos quiseram caçar alguns deles para assá-los, mas o Bobo se opôs e disse:
– “Deixem os animais em paz! Não admito que os matem!”
Por fim, chegaram a uma colmeia, presa a uma árvore. Estava tão cheia que o mel escorria pelo tronco abaixo. Os dois mais velhos quiseram logo acender o fogo ao pé da árvore para sufocar as abelhas e tirar o mel. O Bobo, porém, os deteve, dizendo:
– “Deixem os bichinhos em paz! Não permito que os queimem!”
Andaram mais um pouco e chegaram a um castelo onde havia uns quantos cavalos de pedra nas estrebarias, mas nenhuma pessoa se via. Passaram por todas as salas, quando finalmente viram-se diante de uma porta fechada com três cadeados. Nessa porta, havia uma pequena abertura, que permitia espiar para dentro de um quarto. Viram lá dentro um homenzinho grisalho, sentado diante de uma mesa.
Eles o chamaram uma, duas vezes, mas o homenzinho não os ouvia. Quando gritaram pela terceira vez, ele se levantou, abriu os cadeados e saiu. Sem pronunciar uma só palavra, levou-os a uma mesa fartamente servida e, depois de terem comido e bebido, conduziu cada um deles a um quarto de dormir.
Na manhã seguinte, o homenzinho grisalho chegou-se para o mais velho, acenou chamando-o e o guiou até uma lousa de pedra, onde estavam escritas as três tarefas que poderiam desencantar o castelo.
A primeira dizia que no bosque, debaixo do musgo, estavam as mil pérolas da filha do rei. Era preciso recolhê-las todas, antes do pôr-do-sol. Se faltasse uma só, aquele que as havia procurado se converteria em pedra. O mais velho saiu e pôs-se a procurar durante o dia inteiro. Como, porém, o dia chegou ao fim e ele tinha achado só cem pérolas, aconteceu o que estava escrito na lousa, e o rapaz se transformou em pedra. No outro dia, o segundo irmão assumiu a tarefa, mas não se saiu melhor que o mais velho. Não encontrou mais do que duzentas pérolas e, por sua vez, foi transformado em pedra.
Por fim chegou a vez do Bobo, que se pôs a procurar. Mas era tão difícil encontrar as pérolas e demorava tanto, que ele se sentou numa pedra e chorou. Nisto, apareceu o rei das formigas, cuja vida ele salvara. Vinha acompanhado de cinco mil formigas. Não demorou muito, e os pequenos animais haviam achado todas as pérolas.
A segunda tarefa era retirar, no fundo do lago, a chave do quarto da princesa. Quando o Bobo chegou ao lago, os patos que certa vez ele havia salvado, aproximaram-se nadando. Mergulharam e, pouco depois, reapareceram trazendo a chave.
A terceira tarefa era a mais difícil: entre as três filhas de rei, que estavam adormecidas, descobrir qual a mais jovem e a mais adorável. Mas as três princesas eram iguaizinhas: não havia a mínima diferença entre elas. Sabia-se apenas que, antes de dormirem, haviam comido, diferentes doces. A mais velha, um torrão de açúcar; a segunda, um pouco de melado; a mais moça, uma colherada de mel.
Apareceu então, a rainha das abelhas, que o Bobo havia protegido do fogo, e foi provando da boca de todas três. Por último, pousou nos lábios da que havia comido o mel e o filho do rei pode assim reconhecer a procurada. O feitiço se desfez no mesmo instante, todos despertaram do sono e os que eram pedra voltaram a ser criaturas vivas.
O Bobo se casou com a princesinha mais jovem e adorável e, depois que o pai dela morreu, ele ficou sendo o rei. Seus irmãos casaram-se com as outras duas irmãs.
E se não morreram, vivem felizes até hoje.
Conto dos Irmãos Grimm
O PEQUENO CAMPONÊS
Existiu, uma vez, uma aldeia cujos aldeões eram todos ricos, exceto um a quem chamavam o camponesinho. O pobre não possuía de seu nem sequer uma vaca e muito menos dinheiro para comprá-la, embora ele e a mulher a desejassem muito. Certo dia, disse ele à sua mulher:
– Escuta, tenho uma boa ideia: nosso compadre o marceneiro, poderia fazer um bezerrinho de madeira e envernizá-lo de marrom, de maneira que ficasse parecido com os outros; com o tempo ele cresceria e se tornaria uma vaca.
A mulher, também, achou a ideai excelente e o compadre marceneiro desbastou e aplainou o bezerro, envernizou-o como devia; fê-lo mexer a cabeça como se estivesse comendo.
No dia seguinte, à hora de levar o gado a pastar, o camponesinho chamou o pastor e lhe disse:
– Escuta aqui, eu tenho um bezerrinho, mas é ainda muito pequenino e precisa ser carregado nos braços.
– Está bem! – disse o pastor. Pegou o bezerrinho, carregou-o nos braços e deixou-o sobre a grama.
O bezerrinho ficou lá parado o tempo todo, como um dois de paus e parecia estar comendo sem parar; o pastor então disse:
– Esse aí crescerá depressa! Veja só como come!
À tarde, na hora de reconduzir a manada de volta, o pastor disse ao bezerro:
– Já que pudeste ficar aqui enchendo o papo, acho que podes também andar com tuas pernas; eu não tenho vontade alguma de carregar-te nos braços até casa.
O camponesinho estava na porta, esperando o bezerrinho, vendo o pastor reconduzindo o gado sem o bezerrinho, perguntou onde o havia deixado. O pastor respondeu.
– Está ainda lá comendo; não quis deixar de comer para vir comigo.
O camponesinho então disse:
– Qual o que, eu quero o meu bezerrinho de volta.
Foram juntos ao pasto, mas alguém havia roubado o bezerrinho.
Com certeza se perdeu por aí, – disse o pastor.
Não engulo isso! – respondeu o camponesinho.
E levou o pastor perante o Alcaide; este condenou-o pela sua negligência e obrigou-o a dar uma vaca ao camponesinho em troca do bezerro perdido.
Finalmente, o camponesinho e sua mulher possuíam e tão desejada vaca; regozijaram-se de todo o coração mas, como não tinham forragem e não podiam alimentá-la tiveram de matá-la.
A carne foi salgada e guardada e o camponesinho levou o couro para vender na cidade; com o produto da venda queria comprar outro bezerro. Andou, andou, andou e foi dar a um moinho e lá encontrou um corvo caído, com as asas partidas; ficou com dó dele, apanhou-o e embrulhou-o bem no couro. Mas o tempo estava tão ameaçador, com forte vento e tempestade, que ele não teve coragem de prosseguir e voltou ao moinho pedindo pouso para aquela noite. A moleira estava sozinha em casa e disse ao camponesinho:
– Deita-te aí na palha, – depois, deu-lhe uma fatia de pão com queijo.
Depois de comer pão com queijo, o camponesinho deitou-se com a pele de vaca ao lado e a moleira pensou:
– Esse aí está cansado e dorme tranquilamente.
Nisso chegou o carvoeiro, que foi muito bem acolhido pela moleira.
– Meu marido não está, – disse ela; – hoje quero tratar-me bem.
O camponesinho fez-se todo ouvidos e, ouvindo falar em bom tratamento, zangou-se por o tratarem simplesmente a pão e queijo. Aí a mulher pôs a mesa e trouxe o melhor que podia: assado, salada, broa e vinho.
Tinham apenas sentado à mesa, quando bateram à porta. A mulher exclamou:
– Ah, meu Deus! é meu marido!
Correu a esconder muito depressa o assado dentro do forno, o vinho debaixo do travesseiro, a salada dentro da cama, a broa debaixo da cama e o carvoeiro dentro do armário na sala.
Depois abriu a porta ao marido, dizendo:
– Graças a Deus que já voltaste! Com um furacão desses, até parece que o mundo vai desabar!
O moleiro viu o camponesinho deitado na palha e perguntou:
– Que está fazendo esse fulano aí?
– Oh, – disse a mulher, – o pobre diabo apareceu aqui em meio dessa tempestade e pediu abrigo; então dei-lhe uma fatia de pão com queijo e mandei que se deitasse aí na palha.
– Não tenho nada contra isso; mas traze depressa algo para comer que estou com muita fome; – disse o homem.
A mulher respondeu:
– Não tenho nada a não ser pão e queijo.
– Contento-me com qualquer coisa, – disse o homem; – que seja pão e queijo então.
Olhou para o camponesinho e gritou:
– O tu, vem fazer-me companhia!
O camponesinho não esperou que o dissesse duas vezes; levantou-se e foi comer com ele. Vendo o couro da vaca no chão, no qual estava embrulhado o corvo, perguntou:
– Que tens aí?
– Aí dentro tenho um adivinho, – respondeu o camponês.
– E pode adivinhar também para mim? – perguntou o moleiro.
– Por quê não? – disse o camponesinho. – Só que ele diz apenas quatro coisas, a quinta guarda-a para si.
O moleiro, cheio de curiosidade, disse:
– Manda que adivinhe.
O camponesinho, então, apertou a cabeço do corvo que grasnou: Crr, crr.
– Que disse ele? – perguntou o moleiro.
O camponesinho respondeu:
– Primeiro: disse que há vinho debaixo do travesseiro.
– Deve ser coisa do Capeta! – exclamou o moleiro; foi ver e achou o vinho.
– Continue, – disse ao camponesinho.
O camponesinho apertou segunda vez a cabeça do corvo e ele grasnou: Crr, crr.
– Segundo: disse que há um assado dentro do forno.
– Deve ser coisa do Capeta! – exclamou o moleiro; foi ver e achou a salada.
O camponesinho apertou outra vez a cabeça do corvo, estimulando-o a vaticinar e disse:
– Terceiro: disse que há salada dentro da cama.
– Deve ser coisa do Capeta! – exclamou o moleiro; foi ver e achou a salada.
Por fim, o camponesinho apertou mais uma vez a cabeça do corvo fazendo-o resmungar.
– Quarto: disse que há broa debaixo da cama.
Os dois, então, sentaram-se à mesa para comer. A moleira, que estava suando frio, pegou todas as chaves e foi para a cama. O moleiro estava curioso por saber também a quinta coisa, mas o camponesinho disse:
– Antes, porém, vamos comer as quatro primeiras coisas, pois a quinta é um caso complicado.
Depois de comer, negociaram entro si a fim de saber quanto o moleiro devia pagar pela quinta adivinhação, e combinaram que pagaria trezentas moedas. Aí o camponesinho apertou com força a cabeça do corvo, fazendo-o berrar. O moleiro perguntou:
– Que disse ele?
O camponesinho respondeu:
– Disse que dentro do armário da sala, está escondido o diabo.
O moleiro, então, exclamou:
– O diabo tem de ir-se embora daqui.
A mulher teve de entregar-lhe a chave; ele abriu a porta e o carvoreiro fugiu o mais depressa possível. Então, o moleiro disse:
– Eu vi com meus próprios olhos aquele tipo todo negro; era tudo certo.
Na manhã seguinte, era ainda escuro quando o camponesinho tratou de escapulir do minho com as trezentas moedas.
Na aldeia, pouco a pouco, o camponesinho foi melhorando de vida; construiu uma bela casinha e os aldeões, intrigados, diziam:
– Com certeza ele esteve onde cai neve de ouro, onde as moedas são recolhidas com a pá dentro de casa.
Então, foi intimado a comparecer perante o Juiz para dizer de onde lhe vinha toda a riqueza. Ele disse:
– Vendi na cidade o couro da minha vaca por trezentas moedas.
Ao ouvir isso, os aldeões quiseram, também beneficiar-se com tal lucro; correram para casa, mataram e esfolaram todas as vacas a fim de vender os couros na cidade com aquele lucro. O Juiz, porém, disse:
– Em primeiro lugar, irá a minha criada.
Quando ela foi à cidade para vender o couro ao negociante, não obteve mais do que três moedas e, quando foram os outros, o negociante pagou-lhes ainda menos, dizendo:
– Que vou fazer com todo esse couro?
Diante disso, os aldeões ficaram furiosos porque o camponesinho os havia logrado e, para vingar-se dele, denunciaram-no ao Juiz como trapaceiro. O inocente camponesinho foi condenado à morte por unanimidade, devendo ser jogado na água dentro de um barril furado. Aí levaram-no para fora e arranjaram-lhe um padre para que lhe rezasse o ofício dos mortos.
Os outros todos tiveram de afastar-se, e quando o camponesinho viu o padre disse-lhe: Vós tendes de praticar uma boa obra e salvar-me agora do barril.
Justamente, nesse momento, passava por perto o pastor com um rebanho de ovelhas; o camponesinho, sabendo que de há muito ele sonhava em tornar-se Juiz, gritou com toda a força:
– Não, não; isso eu não faço! Mesmo que todo mundo o exigisse, não quero fazer.
Ouvindo-o, o pastor aproximou-se e perguntou-lhe:
– Que tens? O que é que não queres fazer?
O camponesinho respondeu:
– Querem fazer-me Juiz se entrar naquele barril, mas eu não quero ser Juiz.
O pastor então disse:
– É só isso? Para me tornar Juiz entrarei já no barril.
O camponesinho disse:
– Se entrares, ficarás logo Juiz.
O pastor não hesitou, entrou dentro do barril e, bem rapidamente, o camponesinho pregou a tampa; depois foi- se embora conduzindo o rebanho. O padre foi à municipalidade e disse que já havia terminado o ofício fúnebre. Os conselheiros pegaram e rolaram o barril dentro do rio. Quando o barril estava rolando, o pastor ainda gritou:
– Estou bem satisfeito de tornar-me Juiz.
Os outros, pensando que fosse o camponesinho, disseram:
– Assim o cremos nós também, mas antes dá uma espiadinha lá embaixo.
E jogaram o barril dentro do rio.
Depois os aldeões voltaram para casa e, ao chegarem à aldeia, viram o camponesinho conduzindo tranquilamente o rebando de ovelhas, muito satisfeito. Os aldeões, admirados, disseram:
– De onde vens, camponesinho? Vens do fundo do rio?
– Naturalmente, – respondeu ele; – eu desci bem, bem, bem no fundo, com um pontapé desmantelei o barril e escapuli; havia lá prados belíssimos com muitas ovelhas pastando; então, trouxe este rebanho comigo.
Os aldeões perguntaram:
– Há ainda muitos rebanhos lá?
– Oh, sim, – respondeu o camponesinho, – mais do que o necessário.
Então, os aldeões combinaram ir todos buscar ovelhas, um rebanho para cada um. Mas o Juiz disse:
– Eu vou primeiro.
Foram todos juntos até ao rio; no céu azul passeavam aquelas nuvenzinhas que, justamente, são chamadas carneirinhos, as quais se refletiam na água, e os aldeões gritaram:
– Já vemos daqui os carneiros no fundo do rio.
O Juiz adiantou-se e disse:
– Eu descerei primeiro para dar uma olhada; se tudo lá estiver bem, vos chamarei.
Deu um mergulho e a água fez “plump!.” Os outros pensaram que ele havia gritado: Bom! e, todos juntos, se precipitaram dentro do rio, empurrando-se e acotovelando-se.
Assim a aldeia ficou despovoada e o camponesinho, único herdeiro geral, tornou-se imensamente rico.
Conto dos Irmãos Grimm
OS DOIS IRMÃOS
Era uma vez dois irmãos, um era rico e o outro era pobre. O rico era ourives de profissão e era profundamente impiedoso. O irmão pobre ganhava a vida fabricando vassouras, e era uma pessoa boa e honrada. O pobre tinha dois filhos, os dois eram gêmeos e tão parecidos como duas gotas d’água. Os dois garotos passavam o dia indo e vindo até a casa do tio rico, e algumas vezes recebiam algumas sobras de comida. E aconteceu certa vez que o irmão pobre estava indo à floresta buscar um pouco de lenha, quando ele viu um passarinho que era todo de ouro e mais bonito do que qualquer outro que ele já tivesse visto algum dia.
Ele apanhou uma pedra, e atirou no pássaro, e por sorte conseguiu acertá-lo, mas apenas uma pena de ouro se soltou, e o pássaro voou para longe. O homem pegou a pena e a levou para o seu irmão, que ao ver a pena falou, “É de ouro puro!” e deu a ele uma boa quantia em dinheiro. No dia seguinte o irmão pobre subiu num pé de bétula, e estava para cortar alguns galhos, quando o mesmo pássaro saiu voando, e depois de muito procurar, ele encontrou um ninho, e havia um ovo dentro dele, e o ovo era de ouro. Ele levou o ovo para casa, e foi mostrá-lo ao seu irmão, que disse novamente, “É de ouro puro” e deu a ele o que o ovo valia.
Finalmente o ourives disse, “Eu gostaria de conseguir pegar esse pássaro.” O irmão pobre foi até a floresta pela terceira vez, e novamente ele avistou o pássaro de ouro pousado em cima da árvore, então, ele pegou uma pedra e o derrubou e foi levá-lo para o seu irmão, que lhe deu um punhado muito grande de ouro pelo pássaro. “Agora vou poder viver com tranquilidade,” pensou o irmão pobre, e saiu satisfeito em direção à sua casa.
O ourives era muito esperto e astuto, e sabia muito bem que tipo de pássaro era aquele. Ele chamou a esposa e disse, “Prepare esse pássaro para eu comer, e tome cuidado para que nada dele se perca. Pretendo comê-lo sozinho por inteiro.” O pássaro, todavia, não era um pássaro comum, mas de uma espécie tão surpreendente que aquele que comesse o seu coração e o fígado encontraria uma pepita de ouro debaixo do travesseiro todas as manhãs. A mulher preparou o pássaro, colocou-o numa travessa, e o assou. Ora, aconteceu que enquanto o pássaro estava no fogo, e a mulher foi obrigada a sair da cozinha em razão de alguma outra tarefa, os dois filhos do pobre fabricante de vassouras entraram correndo, ficaram perto da travessa e giraram o pássaro uma ou duas vezes.
E naquele exato momento dois pequenos pedacinhos do pássarro caíram dentro da lata onde havia uma goteira, um dos garotos falou, “Vamos comer estes dois pedacinhos; estou com tanta fome, e ninguém vai perceber a falta deles.” Então, os dois comeram os pedacinhos, mas a mulher entrou na cozinha e viu que eles estavam comendo algo e falou, “O que vocês estão comendo?” “Dois pedacinhos que caíram do pássaro,” eles responderam. “Deve ser o coração e o fígado,” disse a mulher, toda assustada, e para que o seu marido não percebesse o que tinha acontecido e ficasse bravo, ela rapidamente matou um galo ainda jovem, arrancou o coração e o fígado do galo, e os colocou dentro do pássaro de ouro. Quando havia terminado de cozinhar, ela o levou para o ourives, que comeu tudo sozinho, não deixando nenhuma sobra. Na manhã seguinte, todavia, quando ele colocou a mão debaixo do seu travesseiro, e esperava encontrar a pepita de ouro, nada de diferente ele encontrou ali a não ser o que costumava encontrar. Os dois meninos não imaginavam a boa sorte que o destino lhes havia reservado.
Na manhã seguinte, quando eles se levantaram, alguma coisa caiu ribombando no chão, e quando eles apanharam, perceberam que se tratava de duas pepitas de ouro! Eles mostraram para o pai, que ficou espantado e disse, “Como foi que isso aconteceu?” E na manhã seguinte eles novamente encontraram mais duas, e assim por diante, todos os dias, então, ele foi até a casa de seu irmão e lhe contou a estranha história. O ourives imediatamente sabia o que tinha acontecido, e que as crianças haviam comido o coração e o fígado do pássaro de ouro, então, ele teve ideia de se vingar, e como ele era invejoso e duro de coração, ele disse ao pai das crianças, “Teus filhos fizeram uma aliança com o Tinhoso, não pegue esse ouro, e não permita que eles permaneçam em tua casa, porque “ele” os tem seu poder, e podem arruinar a ti igualmente.” O pai tinha medo do filho do Cão, e muito embora lhe doesse o coração fazer isso, ele levou os filhos gêmeos para a floresta, e com o coração oprimido os deixou lá.
E agora as duas crianças corriam pela floresta, e procuravam o caminho para casa, mas não conseguiam encontrar, mas se perdiam cada vez mais. Finalmente, eles encontraram um caçador que perguntou, “De quem vocês são filhos?” “Somos filhos do pobre fabricante de vassouras,” responderam eles, e eles lhe contaram que o pai deles não queria que eles ficassem mais na casa, porque uma pepita de ouro era encontrada todas as manhãs debaixo do travesseiro deles. “Me acompanhem,” disse o caçador, “não há nada de mal nisso, desde que vocês sejam pessoas de bem, e não sejam crianças preguiçosas.” E como o bom homem gostava de crianças, e não tinha nenhum filho, ele os levou para casa e lhes disse, “Eu serei o pai de vocês, e vou criá-los até que vocês cresçam.” Com ele eles aprenderam a caçar, e a pepita de ouro que cada um deles encontrava ao despertar de manhã, era guardada para eles em caso de eles virem a precisar no futuro.
Um dia, quando eles já eram adultos, o pai deles de criação decidiu levá-los à floresta com ele, e disse, “Hoje vocês vão passar por um teste como atiradores, para que vocês possam deixar a condição de aprendizes, e se tornem verdadeiros caçadores.” Eles acompanharam o pai e ficaram esperando durante longo tempo, mas nenhum animal apareceu. O caçador, então, olhou para o alto e viu um bando de gansos selvagens voando no formato de um triângulo, e disse para um deles, “Atire em cada um deles nos cantos.” O garoto conseguiu, e assim foi aprovado no teste de tiro.
Pouco tempo depois apareceu um outro bando que veio voando no formato do número dois, e o caçador falou ao outro garoto para que ele derrubasse um de cada canto do bando, e o teste de tiro também foi bem sucedido. “Ora,” disse o padrasto, “Eu os declaro que vocês foram aprovados; e já se tornaram caçadores habilidosos.” Sendo assim, os dois irmãos saíram juntos pela floresta, conversaram durante algum tempo um com o outro e fizeram um plano. E à noite quando estavam sentados para jantar, eles disseram para o padrasto deles, “Nós não tocaremos a comida, nem colocaremos nenhuma colherada na boca, até que você nos conceda um favor.” Disse o caçador, “O que é então, que vocês estão querendo?” Eles responderam, “Agora que nós terminamos o aprendizado, e que já fomos colocados à prova no mundo, gostaríamos que o senhor nos deixasse sair para conhecer o mundo.” Então, o padrasto falou cheio de alegria, “Vocês estão falando como valorosos caçadores, esse desejo de vocês sempre foi também a minha vontade; vão, meus filhos, e tudo dará certo para vocês.” Então, eles comeram e beberam juntos e muito felizes.
Quando chegou o dia que haviam combinado, o padrasto deles presenteou-lhes com uma boa arma e um cachorro, e deixou que eles levassem todas as pepitas de ouro que desejassem e que ele havia guardado. Então, ele os acompanhou até um pedaço do caminho, e ao se despedirem, ele deu a eles uma faca novinha em folha, e disse, “Se algum dia vocês se separarem, finquem esta faca numa árvore no lugar onde ocorrer essa separação, e quando um de vocês voltar, ele será capaz de saber como o seu irmão ausente está passando, pois o lado da faca que estiver voltado para a direção que ele partiu, estará enferrujado se ele morrer, mas permanecerá brilhante enquanto ele viver.
“Os dois irmãos continuaram fazendo a sua caminhada e seguiam sempre adiante, até que chegaram a uma floresta que era tão grande, que era impossível para eles saírem dela num único dia. Então, eles passaram a noite na floresta, e comeram o que eles tinham colocado dentro do saco de caças, mas eles caminharam o segundo dia inteirinho e como anteriormente, não conseguiam encontrar a saída. Como eles não tinham nada para comer, um deles disse, “Nós precisamos caçar alguma coisa para comer ou vamos passar fome,” e carregando a sua arma, olharam para todos os lados ao redor. E quando uma lebre velha veio correndo em direção a eles, um deles posicionou a arma no ombro, mas a lebre gritou,
“Meu bom caçador, por favor, me deixe viver,
Dois pequeninos te darei,”
e saltou instantaneamente para dentro de uma moita, e trouxe dois filhotinhos. Mas as duas criaturinhas brincavam tão alegremente, e eram tão bonitinhas, que os caçadores não conseguiram ter coragem para matá-las. Então, eles resolveram deixá-los viver, e as pequenas lebrinhas seguiram a pé. Pouco tempo depois, uma raposa atravessou o caminho deles; eles já se preparavam para atirar, quando a raposa gritou,
“Meu bom caçador, por favor, me deixe viver,
Dois pequeninos te darei.”
Não demorou muito e ela apareceu com duas pequenas raposinhas, e os caçadores também não queriam matá-las, mas preferiram que elas fizessem companhia para as lebrinhas, e eles foram seguindo atrás. Pouco tempo depois, um lobo saía de dentro da mata; os caçadores se preparavam para atirar nele, mas o lobo gritou,
“Meu bom caçador, por favor, me deixe viver,
Dois pequeninos te darei.”
Os caçadores colocaram os dois lobinhos junto com os outros animais, e eles foram caminhando logo atrás. Então, um urso que estava querendo fazer uma caminhada, apareceu e disse:
“Meu bom caçador, por favor, me deixe viver,
Dois pequeninos te darei.”
Os dois ursinhos se juntaram aos demais, e eles já haviam formado um grupo de oito. E finalmente quem apareceu? Um leão, que sacudia a sua juba. Mas os caçadores não tiveram medo e apontaram também a arma para o leão, mas o leão também disse,
“Meu bom caçador, por favor, me deixe viver,
Dois pequeninos te darei.”
E o leão trouxe dois leõeszinhos para eles, e agora os caçadores tinham dois leões, dois ursos, dois lobos, duas raposas, e duas lebres, que os seguiam e os obedeciam. Enquanto isso, a fome deles ainda não havia passado, e eles disseram para as raposas, “Ouçam vocês, suas espertinhas, trate de nos arranjar algo para comer. Vocês são muito espertas.” Elas responderam, “Não muito longe daqui existe uma aldeia, onde nós já encontramos muitas galinhas; nós lhes mostraremos o caminho até lá.” Então, eles entraram na aldeia, compraram algumas coisas para comer, deram também um pouco para os animais, e continuaram viajando. As raposas, contudo, conheciam muito bem aquela região e onde ficavam alguns galinheiros, e sabiam como mostrar o caminho para os caçadores.
Ora, eles caminharam durante algum tempo, mas eles não encontravam uma condição em que pudessem todos ficarem juntos, então, eles disseram, “Do jeito que está não dá para continuar, nós temos que partir.” Então, eles dividiram os animais, e cada um deles ficou com um leão, um urso, um lobo, uma raposa, e uma lebre, então, eles se despediram uns dos outros, prometeram se amar uns aos outros como irmãos até que morressem, e fincaram a faca, que o pai deles havia dado, na árvore, depois disto um foi para o leste, e o outro para o oeste.
Todavia, um dos irmãos chegou com seus animais numa cidade onde havia um monte de fitas pretas pendurada por toda parte. Ele entrou numa estalagem, e perguntou ao proprietário se ele poderia acomodar seus animais. O estalajadeiro lhe ofereceu um estábulo, onde havia um buraco na parede, a lebre foi andando sorrateiramente e descobriu uma cabeça de repolho, a raposa descobriu onde havia uma galinha, e depois de ter comido tudo comeu o galo também, mas o lobo, o urso, e o leão não conseguiram passar pelo buraco porque eles eram grandes demais. Então, o estalajadeiro os conduziu até um lugar onde uma vaca estava sentada em cima da grama, para que eles pudessem comer até ficarem satisfeitos.
E depois que o caçador já havia cuidado de todos os animais, ele perguntou ao estalajadeiro porque havia na cidade tantas faixas pretas dependuradas? O estalajadeiro respondeu, “Porque a filha única do nosso rei vai morrer até amanhã.” O caçador quis saber se ela estava com alguma doença grave?” “Não,” respondeu o dono da estalagem, “ela é forte e tem saúde, no entanto ela deve morrer!” “Como pode uma coisa dessa?” perguntou o caçador. “Não muito longe da cidade existe uma colina, onde um dragão vive lá e todos os anos ele precisa de uma jovem que seja virgem, ou ele causará devastação em toda a região, e agora todas as donzelas já foram oferecidas para ele, e não existe mais ninguém com exceção da filha do rei, por isso não existe nenhuma chance para ela; ela deve ser oferecida a ele, e isso deve acontecer amanhã.”
Então, o caçador falou, “E porque não matam o dragão?” “Ah,” respondeu o estalajadeiro, “muitos cavaleiros tentaram essa façanha, mas todos eles pagaram com a vida.” O rei então, prometeu que aquele que derrotasse o dragão teria a sua filha como esposa, e também governaria o reino depois que ele morresse.”
O caçador não quis falar mais nada sobre o assunto, e na manhã seguinte ele pegou os seus animais, e subiu com eles a colina do dragão. No alto da colina ficava uma pequena igrejinha, e sobre o altar fora colocado três taças completamente cheias, com a inscrição, “Aquele que esvaziar as taças se tornará o homem mais forte da terra, e poderá empunhar a espada que está enterrada na entrada da porta.” O caçador não bebeu, porém ele saiu para fora e procurou a espada que estava no chão, mas ele não conseguia tirá-la do lugar. Então, ele entrou novamente e esvaziou as taças, e então, ele ficou forte o suficiente para pegar a espada, e suas mãos conseguiam brandí-la com a maior facilidade.
Então, quando chegou a hora em que a donzela tinha que ser entregue para o dragão, o rei, o marechal, e os cortesãos faziam companhia a ela. De longe ela avistou o caçador na colina do dragão, e pensou que era o dragão que estava esperando lá por ela, e não queria subir até lá, mas finalmente, senão toda a cidade seria destruída por ele, ela foi obrigada a seguir a sua jornada impiedosa. O rei e os cortesão voltaram para casa cheios de pesar; todavia, o marechal do rei, ficou parado, e assistiu tudo à distância.
Quando a filha do rei chegou no topo da colina, não era o dragão que estava lá, mas o jovem caçador, que a consolou, e disse que ele iria salvá-la, e a conduziu até a igreja, e a trancou lá dentro. Não demorou muito e o dragão de sete cabeças apareceu berrando assustadoramente. Quando o dragão percebeu que o caçador estava ali, ele ficou assustado e disse, “O que esse cara veio fazer aqui na colina?” O caçador respondeu, “Quero lugar com você.” O dragão respondeu, “Muitos cavaleiros perderam a sua vida aqui, logo darei um fim na sua vida também,” e ele soltava fogo pelas suas sete mandíbulas.
O fogo era para ter queimado a grama seca, e o caçador deveria ter sido sufocado por causa do calor e da fumaça, mas os animais vieram correndo e pisoteram o fogo, apagando-o. Então, o dragão avançou contra o caçador, mas ele brandiu a sua espada de tal modo que ela cantava no ar, e com ela arrancou três de suas cabeças. Então, o dragão ficava cada vez mais furioso, e ficou de pé no ar, e cuspia labaredas de fogo em cima do caçador, e já estava pulando em cima dele, mas o caçador mais uma vez sacou a espada, e novamente cortou mais três de suas cabeças.
O monstro tonteou e caiu no chão, não obstante, ele conseguiu novamente se atirar sobre o caçador, mas o caçador juntou toda a força que tinha e arrancou a cauda do dragão, e como ele não tinha mais forças para lutar, ele gritou para os animais que vieram e o cortaram em pedaços. Quando a luta terminou, o caçador abriu a porta da igreja, e encontrou a filha do rei deitada no chão, porque ela havia desmaiado de angústia e horror por causa do combate. Ele a trouxe para fora, e quando ela voltou a si novamente, ela abriu os olhos, e ele mostrou a ela o dragão todo desfeito em pedaços, e lhe disse que agora ela estava livre.
Ela ficou muito feliz e disse, “Agora você será o meu esposo muito amado, pois o meu pai me prometeu a aquele que matasse o dragão.” E assim, ela tirou o seu colar de coral, e o dividiu entre os animais como forma de recompensá-los, tendo o leão recebido o fecho de ouro. Todavia, o lenço de bolso, bordado com o nome dela, ela deu ao caçador, e este foi até o animal morto e retirou as línguas do dragão de sete cabeças, e as embrulhou no lenço, guardando-as com cuidado.
Depois que ele fez isso, como ele estava tonto e muito cansado por causa do fogo e da luta, ele disse à donzela, “Nós dois estamos mortos de cansaço, portanto, vamos dormir um pouco.” Então, ela falou, “Então vamos,” e eles se deitaram no chão, e o caçador disse para o leão, “Você ficará de guarda, para que nada nos surpreenda durante o sono,” e os dois caíram no sono. O leão ficou sentado ao lado deles para vigiar, mas ele também estava tão cansado por causa da luta, que ele chamou o urso e disse, “Fique sentado aqui perto de mim, porque eu preciso dormir um pouquinho: se alguém aparecer, me acorde.” Então, o urso se deitou ao lado dele, mas o urso também estava cansado, e chamando o lobo lhe falou, “Fique sentado aqui, preciso dormir um pouquinho, se alguma coisa acontecer, me acorde.
“Então, o lobo se deitou ao lado dele, mas o lobo também estava cansado, e ele chamou a raposa e disse, “Deite-se aqui, preciso dormir um pouco; se algo acontecer, me acorde.” Então, a raposa se deitou ao lado dele, mas a raposa também estava exausta, e chamando a lebre, falou para ela, “Deite-se aqui perto de mim, preciso dormir um pouco, se acontecer alguma coisa, me acorde.” Então, a lebre se deitou ao lado dele, mas a coitada da lebre estava cansada também, e não tinha ninguém a quem pudesse chamar ali para ficar de guarda, e caiu no sono. E então, a filha do rei, o caçador, o leão, o urso, o lobo, a raposa, e a lebre, estavam todos dormindo profundamente.
O marechal porém, que estava acompanhando tudo à distância, tomou coragem porque ele não viu o dragão indo embora com a donzela, e achando que tudo estava tranquilo na colina, subiu até lá. Ali estava o dragão esquartejado e reduzido a pedaços no chão, e não longe dele estava a filha do rei e o caçador com seus animais, e todos eles estavam mergulhados em sono profundo. E como o marechal era perverso e impiedoso ele pegou a espada, e decepou a cabeça do caçador, e tomando a princesa nos braços, desceu com ela a colina.
De repente ela acordou e ficou assustada, mas o marechal disse, “Estás em minhas mãos, minha princesa, e dirás que fui eu quem matou o dragão.” “Não posso fazer isso,” respondeu a princesa, “pois foi o caçador com seus animais que fizeram isso.” Então, ele retirou a espada, e ameaçou matá-la se ela não o obedecesse, e então, a obrigou que ela prometesse falar o que ele queria. Então, ele a levou até o rei, que não conseguia se conter de felicidade, quando mais uma vez olhou a sua filha com vida, que ele acreditava ter sido reduzida a pedaços pelo monstro.
O marechal disse a ele, “Eu matei o dragão, e libertei a princesa e todo o reino também, portanto, eu exijo que ela seja minha esposa, como prometido.” O rei disse para a donzela, “É verdade o que ele está dizendo?” “Ah, sim,” ela respondeu, “deve ser realmente verdade, mas não permitirei que o casamento seja celebrado antes de um ano e um dia,” pois ela acreditava que naquele período ela receberia alguma notícia do seu querido caçador.
Os animais, no entanto, ainda estavam deitados e dormiam ao lado do seu amo que estava morto na colina do dragão, e de repente apareceu um enorme zangão e pousou no nariz da lebre, mas a lebre o espantou com sua patinha, e continuou dormindo. O zangão veio pela segunda vez, mas a lebre novamente esfregou o nariz e continuou dormindo. Então, ele veio pela terceira vez, e picou o nariz da lebre até que ela acordou. E assim que a lebre acordou, ela acordou a raposa, e a raposa, o lobo, e o lobo o urso, e o urso, o leão. E quando o leão acordou e viu que a princesa não estava mais ali, e que o dono deles estava morto, ele começou a rugir assustadoramente e disse, “Quem será que fez uma coisa dessa? Urso, porquê você não me acordou?” O urso perguntou ao lobo, “Porquê você não me acordou?” e o lobo perguntou à raposa, “Porquê você não me acordou?” e a raposa perguntou à lebre, “Porquê você não me acordou?” A pobre lebre não sabia o que responder, e a culpa caiu em cima dela.
Então, eles estavam quase para pular em cima dela, mas ela suplicou com voz triste, “Não me matem, eu devolverei a vida ao nosso dono novamente. Eu conheço uma montanha onde cresce uma raíz e que se for colocada na boca de qualquer pessoa, pode curá-la de qualquer doença e de qualquer ferimento. Mas a montanha fica a duzentas horas de viagem daqui.” O leão disse, “Em vinte e quatro horas você precisa ir correndo até lá e voltar, trazendo a raiz de que você falou.” Então, a lebre saiu dando cambalhotas, e em vinte e quatro horas já estava de volta, trazendo a raiz que ela havia prometido.
O leão colocou a cabeça do caçador de volta no lugar, e a lebre colocou a raiz na boca dele, e no mesmo instante tudo se juntou novamente, e seu coração começou a bater, e ele viveu novamente. Então, o caçador acordou, e ficou assustado quando ele não encontrou a princesa, e pensou, “Ela deve ter ido embora enquanto eu estava dormindo, porque ela queria se ver livre de mim.” O leão muito apressado havia colado a cabeça do seu dono do lado errado, mas o caçador não percebeu isso por causa dos seus pensamentos tristes com relação à filha do rei.
Mas ao meio dia, quando ele desejava comer alguma coisa, ele percebeu que a sua cabeça estava voltada para trás e não conseguia entender isso, e perguntou aos animais o que havia acontecido com ele enquanto ele dormia. Então, o leão disse a ele que eles também haviam caído no sono por causa do cansaço, e ao acordarem, o encontraram morto com a sua cabeça decepada, e que a lebre havia ido buscar a raíz que lhe devolveu a vida, e que ele por causa da pressa, havia colocado a cabeça do lado errado, mas que ele iria corrigir este erro. Então, ele arrancou a cabeça do caçador novamente, deu uma volta nela, e a lebre curou o ferimento com a raiz.
Mas o caçador estava com muita tristeza no coração, e voltou a andar pelo mundo, e divertia as pessoas fazendo seus animais dançarem para elas. E aconteceu que exatamente no final de um ano ele voltou para a mesma cidade onde ele havia libertado do dragão a filha do rei, e desta vez havia fitas vermelhas penduradas por toda a cidade e estavam todos felizes. Então, ele disse para o estalajadeiro, “Mas o que significa tudo isso? No ano passado havia fitas pretas penduradas por toda a cidade, o que as fitas vermelhas querem dizer?” O estalajadeiro respondeu, “No ano passado a filha do nosso rei estava para ser entregue para o dragão, mas o marechal lutou com o dragão e o matou, e então, amanhã o casamento deles vai ser celebrado, e é por isso que a cidade estava lamentando e com fita preta por toda parte, e hoje está coberta de fitas vermelhas!”
No dia seguinte quando o casamento estava para ser realizado, ao meio dia o caçador disse para o estalajadeiro, “O senhor estalajadeiro acredita, que eu comerei pão da mesa do rei ainda hoje em vossa companhia?” “Não,” disse o estalajadeiro, “Aposto cem moedas de ouro que isso não vai acontecer.” O caçador aceitou a aposta, e ofereceu em troca uma algibeira com o mesmo valor em moedas de ouro. Então, ele chamou a lebre e disse, “Vai, minha adorável corredora, e traga uim pouco de pão que o rei está comendo agora.” Então, a pequena lebre era o menor de todos os animais, e não poderia transferir esta ordem para qualquer um dos outros, mas teve de se virar com as próprias pernas.
“Ó, meu Deus!” pensou ela, “se eu atravessar as ruas assim sozinha, os cães dos açougueiros correrão atrás de mim.” E aconteceu como ela receava, e os cães correram atrás dela e queriam fazer buracos em suas pele perfeita. Mas a lebre saltitava desesperada, e dizia, vocês nunca viram alguém correndo desse jeito? mas ela se protegeu numa cabine de sentinela sem que o vigia percebesse o que ela tinha feito. Então, os cachorros chegaram e queriam tirá-la para fora, mas o vigia não entendia o que eles estavam querendo, e batia neles dando coronhadas, até que eles sairam correndo, gritando e latindo.
Assim que a lebre percebeu que não havia mais perigo, ela correu até o palácio e foi direto onde estava a filha do rei, ficou sentada debaixo da cadeira dela, e começou a coçar o pé dela. Então, a princesa falou, “Saia já daqui?” pois ela pensava que era o cachorro dela. A lebre coçou o pé dela pela segunda vez, e ela disse novamente, “Saia já daqui?” pensando que era o seu cachorro. Mas a lebre fazia questão de fazer o que havia prometido, e coçou o pé dela pela terceira vez. Então, ela deu uma espiada em baixo da cadeira, e conheceu a lebre por causa do colar. Ela pegou a lebre no colo, e a levou até seu quarto, e disse, “Querida Lebrinha, o que você está querendo?” Ela respondeu, “O meu amo, aquele que matou o dragão, está aqui, e me enviou até aqui para pedir um pedaço de pão como aquele que o rei está comendo.
“Então, ela ficou muito feliz e mandou chamar o padeiro, e pediu para que ele trouxesse um pão exatamente igual ao que o rei estava comendo. A pequena lebre disse, “Mas o padeiro precisa também levar o pão para mim até lá, para que os cães do açougueiro não me causem nenhum mal.” O padeiro levou o pão para a raposa até a porta da estalagem, e então, a lebre ficou sobre suas patas traseiras e pegou o pão com suas patas dianteiras, e em seguida o levou até seu amo. Então, o caçador disse, “Senhor estalajadeiro, as cem moedas de ouro me pertencem.” O estalajadeiro ficou admirado, mas o caçador continuou e disse, “Sim, senhor estalajadeiro, o pão está aqui, mas agora eu comerei também um pouco da carne assada do rei.”
O estalajadeiro disse, “Gostaria muito de ver isso,” mas ele não queria mais fazer aposta. O caçador chamou a raposa e disse, “Minha pequena raposa, vá buscar um pouco de carne assada, a mesma que o rei está comendo agora.” A raposa vermelha conhecia melhor os atalhos, e foi caminhando através de buracos e cantos do caminho sem encontrar nenhum cachorro, se sentou debaixo da cadeira da filha do rei, e coçou o pé dela. Então, ela deu uma olhada e reconheceu a raposa com o seu colar, a levou até o seu quarto e disse, “Querida raposa, o que você está querendo agora?” Ela respondeu, “O meu amo, aquele que matou o dragão, está aqui, e foi ele quem me enviou.
Eu vim pedir um pouco de carne assada igual aquela que o rei está comendo agora.” Então, ela mandou chamar o cozinheiro, e este foi obrigado a preparar uma costela assada, a mesma que o rei estava comendo naquele momento, e que levasse para a raposa até a porta da estalagem. Então, a raposa pegou o prato, expulsou com seu rabo as moscas que estavam assentadas na carne, e a levou correndo para o seu amo. “Está aí, senhor estalajadeiro,” disse o caçador, “o pão e a carne já estão aqui mas eu gostaria de comer tudo isso acompanhado de alguns vegetais, os mesmos que o rei está comendo neste momento.” Então, ele chamou o lobo, e disse, “Meu bom Lobo, vá até lá e me traga alguns vegetais da mesa do rei.”
“Então, o lobo correu direto para o palácio, e como ele não tinha medo de nada, ele seguiu direto para onde a filha do rei estava, tocou com sua pata a costa do vestido dela, e ela foi obrigada a olhar para trás. Ela o reconheceu por causa do colar, e o levou até seu quarto, e disse, “Meu bom Lobo, o que você está fazendo aqui?” Ele respondeu, “O meu amo, aquele que matou o dragão, está aqui, e me pediu para que eu viesse buscar alguns vegetais, os mesmo que o rei está comendo agora.” Então, ela mandou chamar o cozinheiro, e mandou que ele preparasse um prato de vegetais, os mesmos que o rei estava comendo, e mandou que ele acompanhasse o lobo até a porta da estalagem, e então, o lobo pegou o prato que ele estava levando, e correu direto para o seu amo.
“Veja aqui, senhor estalajadeiro,” disse o caçador, “agora eu tenho pão, carne e vegetais, mas eu também gostaria de ter um pouco de sobremesa para comer exatamente como aquela que o rei está comendo.” Ele chamou o urso, e disse, “Meu bom Urso, sei que você gosta de lamber tudo que é doce; vá e traga alguns confeitos para mim, os mesmos que o rei come.” Então, o urso foi trotando até o palácio, e todos saíam do seu caminho, mas quando ele chegou perto dos guardas, eles lhe mostraram o seu mosquete, e não queriam permitir que ele entrasse no palácio real. Mas ele subiu em suas patas traseiras, e aplicou neles alguns tapas nos ouvidos, na esquerda e na direita, com suas patas enormes, de modo que toda vigilância foi desfeita, e então, ele caminhou direto até a filha do rei, se colocou diante dela, e rosnou um pouquinho.
Então, ela olhou para trás, reconheceu o urso, e o convidou para que entrasse no quarto com ela, e disse, “Meu bom Urso, o que você está querendo?” Ele respondeu, “O meu amo, aquele que matou o dragão, está aqui, e eu vim pedir alguns confeitos, os mesmos que o rei está comendo.” Então, ela chamou o confeiteiro, que teve de fazer alguns confeitos, os mesmos que o rei estava comendo, e os levou até a porta da estalagem para o urso; então, o urso primeiro lambeu os confeitos que haviam rolado no chão, e então, ele ficou de pé, pegou o prato, e o levou para o seu amo. “Eis aqui, senhor estalajadeiro,” disse o caçador, “agora eu tenho o pão, a carne, os vegetais e alguns confeitos, mas eu também quero beber vinho, o mesmo que o rei está bebendo.”
Ele chamou o leão e disse, “Meu bom amigo Leão, sei que você gosta de beber até não aguentar mais, então, vá buscar um pouco de vinho para mim, o mesmo que o rei costuma beber.” Então, o leão saiu a passos largos pelas ruas, e as pessoas saíam correndo de medo dele, e quando ele chegou na cabine dos vigias, eles tentaram impedir que o leão avançasse, mas só foi preciso rosnar uma única vez, e todos saíram correndo. Então, o leão foi até o apartamento real, e bateu na porta com a sua cauda. Então, a filha do rei saiu de onde ela estava, e quase sentiu medo do leão, mas ela o reconheceu por causa do fecho de ouro do seu colar, e o convidou para que viesse até o quarto, dizendo, “Meu bom Leão, o que você está querendo aqui?” Ele respondeu, “O meu amo, aquele que matou o dragão, está aqui, e ele me pediu para que eu levasse um pouco de vinho, o mesmo que o rei gosta de beber.
“Então, ela mandou chamar o responsável pelas bebidas do rei, e pediu a ele que desse ao leão um pouco de vinho, o mesmo que o rei costumava beber. O leão disse, “Quero acompanhá-lo, para ver se ele pega o vinho correto.” Então, ele desceu com o preparador das bebidas, e quando eles estavam lá embaixo, o preparador queria que ele levasse um pouco do vinho comum e que os criados do rei costumavam beber, mas o leão disse, “Pode parar, primeiro, quero provar o vinho,” e ele pegou metade de uma medida, e bebeu tudo num só gole.
“Não,” disse o leão, “esse não é o vinho correto.” O preparador de bebidas olhou desconfiado para o leão, mas continuou, e ia lhe dar um pouco de um outro barril que era reservado para o marechal do rei. O leão disse, “Pode parar, deixe-me provar o vinho primeiro,” e ele encheu meio copo e bebeu. “Este vinho é melhor, mas ainda não é o correto,” disse o leão. Então, o preparador de bebidas ficou nervoso e disse, “Como é que um animal estúpido como você pode entender de vinho?” Mas o leão deu um tapa com tanta força na orelha do desconfiado, que o derrubou no chão imediatamente, e depois que ele se levantou novamente, ele conduziu o leão bem silenciosamente para uma pequena área reservada, onde ficava o vinho do rei, e do qual a ninguém era permitido beber.
O leão primeiro encheu meio copo e provou o vinho, e depois ele disse, “Esse talvez pode ser o vinho do tipo certo, e pediu para que o responsável pelas bebidas enchesse seis garrafas com ele. Depois eles subiram as escadas novamente, mas quando o leão saiu daquele lugar para o céu aberto, ele cambaleou para lá e para cá, e estava um pouco bêbedo, e o preparador de bebidas foi obrigado a levar o vinho até a porta da estalagem para ele, somente nesse instante o leão pegou com a boca na alça do cesto, e levou para o seu amo. O caçador falou, “Eis aqui, senhor estalajadeiro, que temos o pão, a carne, os vegetais, a sobremesa e o vinho do mesmo jeito que na mesa de um rei, e agora eu vou jantar com meus animais,” e ele se sentou e comeu e bebeu, e deu um pouco para a lebre, a raposa, o lobo, o urso, e o leão também comeu e bebeu, e todos ficaram alegres, pois ele percebeu que a filha do rei ainda o amava.
E quando ele terminou de jantar, ele exclamou, “Senhor estalajadeiro, uma vez que eu já comi e bebi, como um rei come e bebe, então, agora irei até a corte do rei para me casar com a filha dele.” Disse o estalajadeiro, “Como é que isso pode acontecer, quando ela já tem um marido que lhe foi prometido, ainda mais que o casamento vai ser realizado no dia de hoje?” Então, o caçador mostrou o lenço que a filha do rei havia dado para ele na colina do dragão, e onde ele havia colocado as sete línguas do monstro, e disse, “O que eu tenho em minhas mãos me ajudarão a conseguir o que pretendo.”
Então, o estalajadeiro olhou para o lenço, e disse, “Por mais tolo que seja, nisso eu não posso acreditar, e aposto a minha estalagem inteirinha nisso.” O caçador todavia, pegou uma sacola com mil moedas de ouro dentro dela, colocou-a em cima da mesa, e disse, “Eu aposto tudo que tenho aqui.”
Então, o rei disse para a sua filha, diante da mesa real, “O que desejavam todos aqueles animais selvagens, os quais vieram até você, entrando e saindo do meu palácio?” Ela respondeu, “Não posso lhe dizer, porém, mande buscar o dono daqueles animais, e o senhor descobrirá.” O rei então, enviou um criado até a estalagem, para que convidasse o estrangeiro, e o criado do rei apareceu exatamente na hora que o caçador estava fazendo a sua aposta com o estalajadeiro. Então, o caçador falou, “Está vendo, senhor estalajadeiro, agora o rei envia o seu criado e está me convidando, mas não é desse jeito que eu vou.
“E ele disse ao criado, “Peça à sua Alteza Real para que me envie roupas palacianas, e uma carruagem com seis cavalos, e criados à minha disposição.” Quando o rei ouviu a resposta, ele disse para a filha, “O que devo fazer?” Ela respondeu, “Manda buscá-lo como ele deseja, e o senhor fará o certo.” Então, o rei enviou roupas reais, uma carruagem com seis cavalos, e criados para servi-lo. Quando o caçador viu que eles estavam chegando, disse, “Veja bem, senhor estalajadeiro, agora vieram me buscar como eu pedi,” e ele colocou as vestes reais, pegou o lenço com as sete línguas do dragão, e partiu em direção ao palácio.
Quando o rei viu que ele estava chegando, ele disse para a filha, “Como devo recebê-lo?” Ela respondeu, “Vai ao encontro dele e o senhor estará fazendo o certo.” Então, o rei foi encontrá-lo e o fez entrar, e a todos os animais que seguiam com ele. O rei lhe ofereceu um assento ao lado dele e da sua filha, e o marechal, que era o noivo, sentou do outro lado, mas não se lembrava mais do caçador. E então, nesse exato momento, as sete cabeças do dragão foram trazidas diante de todos, e o rei disse, “As sete cabeças do dragão foram decepadas pelo marechal, portanto, no dia de hoje eu ofereço a ele a mão da minha filha em casamento.
“O caçador se levantou, abriu as sete bocas dos dragões, e disse, “Onde estão as sete línguas do dragão?” Então, o marechal ficou apavorado, e gaguejava, e ficou pálido e não sabia o que responder, finalmente, todo angustiado ele falou, “Dragões não tem línguas.” O caçador disse, “Mentirosos também não deveriam ter, mas as línguas do dragão são os símbolos da vitória,” e ele desembrulhou o lenço, e lá estavam todas as sete dentro dele. E ele colocou cada uma das línguas em suas bocas respectivas, e elas couberam certinho.
Então, ele pegou o lenço onde estava bordado o nome da princesa, e o mostrou para a filha do rei, e lhe perguntou para quem ela havia dado o lenço, e ela respondeu, “Para aquele que matou o dragão.” E então, ele chamou seus animais, e pegou o colar de cada um deles e o fecho de ouro que ficou com o leão, e os mostrou para a donzela e perguntou a quem pertencia o colar. Ela respondeu, “O colar e o fecho de ouro eram meus, mas eu o dividi entre os animais que ajudaram a vencer o dragão.” Então, o caçador falou, “Quando eu, cansado por causa da luta, estava descansando e dormindo, o marechal apareceu e cortou a minha cabeça.
Então, ele levou a filha do rei embora, e falou para todo o mundo que tinha sido ele o matador do dragão, mas as línguas do dragão estão aí para provar que ele mentiu, além do lenço e do colar da princesa.” E depois ele contou como os animais o haviam curado por meio de uma erva maravilhosa, e como ele tinha percorrido o mundo com eles durante um ano, e finalmente voltaram para aquele lugar e ficaram sabendo do ato traiçoeiro que o marechal havia inventado e que o estalajadeiro lhe havia contado tudo. Então, o rei perguntou à sua filha, “É verdade que este homem matou mesmo o dragão?” E ela respondeu, “Sim, é verdade.”
“Agora eu posso revelar o ato criminoso do marechal, porque tudo veio à tona sem minha aprovação, porque ele me obrigou a lhe prometer que eu nada diria. Foi por esta razão, todavia, que eu impus a condição para que o casamento somente fosse realizado depois de um ano e um dia.” Então, o rei mandou que doze conselheiros fossem chamados e que deveriam pronunciar o julgamento do marechal, e eles o sentenciaram ao castigo de ser reduzido a pedaços por quatro touros. O marechal então, foi executado, e o rei deu a sua filha para o caçador, e ele foi nomeado vice-rei sobre todo o reino.
O casamento foi celebrado com grande alegria, e o jovem rei mandou que seu pai e seu padrasto fossem trazidos, e os encheu com tesouros. Mas ele também não se esqueceu do estalajadeiro, e mandou chamá-lo e disse, “Veja bem, senhor estalajadeiro, eu me casei com a filha do rei, e toda a sua casa portanto me pertence.” O estalajadeiro disse, “Sim, de acordo com a justiça é assim que deve ser.” Mas o jovem rei disse, “Mas tudo será de acordo com a misericórdia,” e disse-lhe que ele poderia ficar com a sua estalagem, e ofereceu-lhe também as mil moedas de ouro.
E então, o jovem rei e a jovem rainha estavam muito felizes, e viveram juntos com alegria. Ele costumava sair sempre para caçar porque caçar lhe fazia muito bem, e os fiéis animais sempre o acompanhavam. Todavia, nas vizinhanças havia uma floresta que era assombrada segundo relatos, e aquele que ousasse entrar na floresta não conseguia sair facilmente. O jovem rei, todavia, tinha fortes motivações para caçar nela, e não deixava que o velho rei descansasse até que ele lhe desse permissão. Então, ele partiu com uma grande comitiva, e quando ele chegou à floresta, ele avistou um veado branco como a neve e disse aos que o acompanhavam, “Esperem aqui até eu voltar, quero caçar aquela bela criatura,” e ele entrou na floresta atrás do animal, seguido somente pelos seus animais.
Os seus acompanhantes ficaram parados e esperaram até o anoitecer, mas ele não retornava, então, eles voltaram para casa, e contaram para a jovem rainha que o jovem rei tinha ido atrás de um veado branco dentro da floresta encantada, e que não havia voltado. Então, ela ficou muito preocupada com ele. Ele no entanto, havia continuado a cavalgar em busca daquele animal belo e selvagem, e nunca conseguia alcançá-lo; quando ele pensava que ele estava perto de conseguir, o animal instantaneamente desaparecia na distância, até que nunca mais foi visto novamente.
E então, ele percebeu que havia entrado muito fundo na floresta, e tocava o seu berrante mas ninguém lhe respondia, pois aqueles que o acompanhavam não conseguiam ouví-lo. E como a noite estava caindo, ele percebeu que não conseguiria voltar para casa naquele dia, então, ele desmontou do cavalo, acendeu ele mesmo uma fogueira perto de uma árvore, e decidiu passar a noite naquele lugar. Quando ele estava sentado perto do fogo, e todos os seus animais estavam também junto com ele, ele pensou ter ouvido uma voz humana. Ele olhou ao redor, mas não conseguiu observar nada.
Pouco depois, ele julgou ter ouvido um gemido que parecia ter vindo de cima, e então, ele olhou para o alto, e viu uma velhinha sentada em cima da árvore, que chorava sem parar, “Oh, oh, oh, como estou com frio!” Disse ele, “Desça daí, e venha se aquecer se a senhora está com frio.” Mas ela disse, “Não, teus animais podem me morder.” Ele respondeu, “Eles não te farão mal, minha senhora, pode descer.” Ela porém, era uma bruxa e disse, “Eu vou jogar uma varinha mágica de cima da árvore, e se tocares na costa dos animais com a varinha, eles não me farão mal algum.” Então, ela jogou para ele uma pequena varinha, e ele tocou nos animais com ela, e no mesmo instante eles ficaram parados e se transformaram em pedra.
E quando a bruxa viu que não havia perigo com os animais, ela deu um pulo e encostou nele também a varinha, e ele também se transformou numa pedra. Então, ela deu uma gargalhada, e arrastou ele e os animais para dentro de uma vala, onde já havia também um montão de pedras.
Todavia, como o jovem rei não voltava de modo nenhum, o desespero e a preocupação da rainha ficava cada vez maior. E aconteceu que nessa mesma época o outro irmão, que tinha ido para o leste quando eles haviam se separado, chegou nessa região. Ele havia procurado melhorar a situação, mas nada havia encontrado, então, ele ficou andando para lá e para cá, e fazia com que seus animais dançassem. Então, ele se lembrou de que deveria ir até o local e olhar a faca que eles haviam enfiado no tronco da árvore quando se separaram, para que ele soubesse como estava o seu irmão.
Quando ele chegou até o local, o lado da faca do seu irmão estava metade enferrujada, e metade brilhando. Então, ele ficou assustado e pensou, “Uma grande desgraça deve ter acontecido para o meu irmão, mas talvez eu ainda possa salvá-lo, porque metade da faca ainda está brilhando.” Ele e seus animais viajaram em direção ao oeste, e quando eles entraram no portão da cidade, um sentinela veio para encontrar-se com ele, e perguntou se ele queria que anunciasse para a sua consorte, a jovem rainha, que há muitos dias estava muito triste porque ele não havia voltado, e estava com medo que ele tivesse sido morto na floresta encantada? Os sentinelas, na verdade, achavam que ele não podia ser outra pessoa, mas o jovem rei que havia desaparecido, porque ele era tão parecido com seu irmão, e tinha também animais selvagens que o acompanhavam.
Então, ele percebeu que eles estavam falando do seu irmão, e pensou, “Seria melhor que eu me passasse por ele, e depois eu poderia resgatá-lo com mais facilidade.” Então, ele permitiu que o escoltassem até o castelo pelos guardas do rei, onde foi recebido com grande alegria. A jovem rainha na verdade pensava que ele era seu marido, e perguntou porque ele havia se demorado tanto. Ele respondeu, “Eu havia me perdido na floresta, e não conseguia mais encontrar a saída.” À noite ele foi levado até a cama real, mas ele colocou uma espada de dois fios entre ele e a jovem rainha; ela não sabia o que aquilo significava, mas não se arriscou a perguntar.
Ele permaneceu no palácio alguns dias, e durante esse tempo ele procurou saber tudo que se relacionava à floresta encantada, e finalmente ele falou, “Preciso caçar na floresta mais uma vez.” O rei e a jovem rainha de todo modo queriam convencê-lo a não ir, mas ele era teimoso, e partiu com uma comitiva maior ainda. Quando ele chegou na floresta, aconteceu com ele o mesmo que tinha acontecido com seu irmão; ele viu um veado branco e disse para aqueles que o acompanhavam, “Fiquem aqui, e esperem até eu voltar, preciso caçar aquele animal belo e selvagem,” e então, ele entrou para dentro da floresta e seus animais correram atrás dele. Mas ele não conseguia alcançar o veado, e entrou tão profundamente na floresta que ele foi obrigado a passar a noite lá.
E quando ele acendeu uma fogueira, ele ouviu que alguém gemia no alto da árvore, “Oh, oh, oh, como estou com frio!” Então, ele olhou para o alto, e exatamente a mesma bruxa estava sentada em cima da árvore. Ele exclamou, “Se você está com frio, desça até aqui, querida velhinha, e se aqueça também.” Ela respondeu, “Não, teus animais irão me morder.” Então, ele falou, “Eles não irão machucar a senhora.” Então, ela exclamou, “Eu vou jogar a minha varinha para você, e se você tocar levemente neles com a varinha eles não me farão mal algum.” Quando o caçador ouviu isso, ele ficou desconfiado com a velhinha, e disse, “Eu não vou tocar os meus animais com a varinha.”
“Desça agora mesmo, ou eu irei te buscar.” Então, ela gritou, “O que você está pretendendo? Você não irá me tocar.” Mas ele respondeu, “Se a senhora não descer agora mesmo, eu vou dar um tiro na senhora.” Ela respondeu, “Pode atirar, não tenho medo das tuas balas!” Então, ele fez mira, e atirou em direção a ela, mas a bruxa era protegida contra balas de chumbo, e dava gargalhadas, e gritava e dizia, “Você não conseguirá me acertar.” O caçador sabia o que fazer, puxou três balas de prata do seu casaco, e carregou a sua espingarda com elas, pois a mágica da bruxa não tinha efeito contra balas de prata, e quando ele atirou ela deu um grito e caiu no mesmo instante.
Então, ele colocou o pé em cima dela e disse, “Sua velha bruxa, se não confessares agora mesmo onde está o meu irmão, eu pegarei você com minhas duas mãos e a jogarei dentro da fogueira”. Ela ficou muito assustada, pediu por misericórdia e disse, “Ele e seus animais estão dentro da valeta, transformados em pedra. Então, ele a obrigou que ela fosse até o local com ele, e a ameaçou, e disse, “Sua bruxa impiedosa, agora a senhora deve fazer com que meu irmão e todos os seres humanos que estão deitados aqui, vivam novamente, ou eu a jogarei dentro da fogueira! Ela pegou a varinha mágica e tocou as pedras, e então, o seu irmão e todos os animais voltaram à vida novamente, e muitos outros, mercadores, artesãos, e pastores, se levantaram, e lhe agradeceram por tê-los libertado, e foram para suas casas.
Mas quando os irmãos gêmeos se encontraram novamente, eles se beijaram e ficaram muito felizes. Então, eles pegaram a bruxa, a amarraram e a colocaram no fogo, e depois que ela se queimou a floresta se abriu repentinamente, e havia luz e claridade, e o palácio do rei podia ser visto de uma distância de três horas de caminhada.
E assim os dois irmãos voltaram para casa juntos, e no caminho cada um contou para o outro a sua históra. E quando o primeiro disse que ele era o governante de toda aquela região na falta do rei, o outro observou, “Isso eu percebi muito bem, porque quando eu cheguei à cidade, e fui confundido por ti, todas as honras reais me foram oferecidas; a jovem rainha olhou para mim como se eu fosse o marido, e eu tive de comer ao lado dela, e dormir na tua cama.” Quando o outro irmão ouviu tudo isso, ele ficou tão ciumento e bravo que ele tirou a espada, e golpeou a cabeça do seu irmão.
Mas quando ele viu o corpo do irmão morto ali caído, e viu que o sangue vermelho estava escorrendo, ele ficou desesperado de arrependimento: “Meu irmão me libertou,” disse ele, “e eu o matei em retribuição,” e ele lamentava a morte do irmão em voz alta. Então, a sua lebre apareceu e se ofereceu para ir buscar um pouco da raiz da vida, e saiu saltitando e voltou com a raiz enquanto ainda era tempo, e o irmão morto foi trazido à vida novamente, e nunca soube nada do ferimento.
Depois disto, eles continuaram viajando, e o primeiro irmão falou, “Você se parece comigo, possui roupas reais como eu tenho, e os animais seguem a ti como eles seguem a mim; nós iremos em portões opostos, e chegaremos ao mesmo tempo dos dois lados na presença do nosso velho rei.” Então, eles se separaram, e ao mesmo tempo vieram os sentinelas de um portão e do outro, e anunciaram que o jovem rei e os animais haviam retornado da caça. O rei respondeu, “Isso não é possível, os portões ficam a distância de uma milha um do outro.”
Enquanto isso, todavia, os dois irmãos entravam no pátio do palácio em lados opostos, e ambos subiram as escadas ao mesmo tempo. Então, o rei falou para a filha, “Me diga, qual dos dois é teu marido.” “Cada um se parece exatamente como o outro, não consigo dizer.” Então, ela ficou muito aflita, e não conseguia dizer; mas finalmente ela se lembrou do colar que ela tinha dado aos animais, e ela procurou e encontrou o pequeno fecho de ouro com o leão, e ela gritou maravilhada, “Aquele que está acompanhando este leão é o meu verdadeiro marido.” Então, o jovem rei riu e disse, “Sim, eu sou o verdadeiro,” e eles se sentaram juntos à mesa, e comeram e beberam, e estavam felizes. À noite, quando o jovem rei foi para a cama, e sua esposa disse, “Porque colocaste durante estas últimas noites uma espada de dois fios em nossa cama? Eu achei que tu querias me matar.” Então, ele percebeu como o seu irmão tinha sido sincero.
Conto dos Irmãos Grimm
FREDERICO E CATARINA
Havia um homem chamado Frederico, casado com uma mulher cujo nome era Catarina. Logo que se casaram, foram viver em uma fazenda. Frederico não tinha idéia do quanto sua mulher era atrapalhada! No primeiro dia de casados, ao sair para trabalhar, Frederico pediu:
_ Catarina, vou arar a terra. Quando voltar, estarei com muita, muita fome. Prepare um bom almoço. Para acompanhar, quero um canecão de cerveja preta!
_ Não se preocupe – disse ela. _Vou fazer um almoço de dar água na boca!
Quando a hora do almoço se aproximava, Catarina pegou um salsichão. Era só o que havia. Mas tinha um bom tamanho, suficiente para os dois. Acendeu o fogo. Botou o salsichão para fritar! Logo, estava estalando na frigideira! Catarina, então, se lembrou da cerveja e como o salsichão estava quase pronto, correu para a adega com uma jarra grande e deixou a panelo no fogo. Na adega, havia um barril pequeno cheio de cerveja. Abriu a torneira e começou a encher a jarra, mas ouviu uns passinhos na cozinha e lembrou-se do cachorro.
_Deixei o cachorro solto! E se ele roubar o salsichão!
Saiu correndo da adega, mas o cachorro já corria longe com o salsichão na boca. Catarina gritou, perseguiu o cachorro, mas cachorro que se preza não desiste fácil de um salsichão tão saboroso. Quanto mais Catarina corria, mais o cachorro se afastava com os dentes cravados na gulodice! Não teve jeito. Catarina se cansou. “O que não tem remédio remediado está”, conformou-se a pobre.
Voltou pra casa bem devagar, morta de cansada e nem se lembrou mais da cerveja, que depois de encher a jarra, escorreu pelo chão até esvaziar o barril. Quando a Catarina chegou perto da escada, levou o maior susto! O que fazer para Frederico não descobrir suas trapalhadas?
Depois de muito pensar, lembrou-se que o marido guardava um saco de farinha de excelente qualidade e resolveu que ia espalhar o pó pelo chão. Assim a farinha ia secar a cerveja derramada e o chão ia ficar branquinho, parecendo limpo. Como um desastre nunca vem sozinho, Catarina ao espalhar a farinha pelo chão, acabou esbarrando na jarra de cerveja e… lá se foi.
Ao meio dia, Frederico chegou em casa.
_ Catarina! E o almoço?
E Catarina teve que contar tudo pra ele. O marido que já ia gritar, furioso com as trapalhadas da mulher, nem teve tempo, porque ela foi logo dizendo:
_ Mas temos uma vantagem, Frederico, a adega está limpinha, limpinha.
_ Catarina, Catarina, como pôde deixar tudo isso acontecer, mulher? O que vamos almoçar, agora?
E depois disso, Frederico achou melhor ficar de olho na mulher, pois sua esposa era um desastre! Como ele tinha uma boa quantia de ouro guardada em casa, resolveu esconder bem para que Catarina não fizesse mais bobagens.
_ Veja, Catarina, estes lindos botões amarelos – disse ele, mostrando as moedas de ouro._Vou enterrar no jardim, guardados nesta caixa. Mas gostaria que não tocasse neles.
E a mulher concordou que não ia se aproximar dos tais botões. Mas assim que o marido saiu…apareceram uns vendedores de panelas e pratos de louça. Catarina ficou doida pra comprar, mas não tinha dinheiro algum. Foi aí que se lembrou de uns inúteis botões amarelos, que, certamente o marido não ia se importar em trocá-los por lindas panelas e pratos. Perguntou aos vendedores se aceitariam algo em troca. Os homens logo quiseram saber do que se tratava e a mulher disse que tinham que pegar, eles mesmos, porque ela prometera ao Frederico não tocar neles.
Nem preciso dizer que eles aceitaram a troca e foram embora depressa, deixando para Catarina muitas panelas e pratos, que ela usou para enfeitar a casa toda.
Quando Frederico voltou, teve a maior surpresa com tantas panelas e pratos novos! Catarina, então contou sobre o bom negócio que fizera.
Frederico ficou roxo de tão nervoso!
_ Mulher! E agora, o que faremos?
E Catarina, muito esperta, resolveu que deviam perseguir os malandros que a passaram pra trás. O marido suspirou. Seria uma grande viagem.
_ Leve uma cesta com dois queijos, pães e manteiga.
E Catarina obedeceu. Saíram. Frederico que estava preocupado demais com seu ouro, acabou deixando a mulher pra trás, de tão ligeiro que andava.
_ Não faz mal. _ disse a mulher. _ Quando voltarmos estarei muito mais perto de casa do que ele.
Dali a pouco, ela chegou no alto de um morro. Pra descer, só uma estradinha bem apertada, que as carroças, quando passavam por ali, raspavam as rodas nas árvores, fazendo marcas feias nos troncos. Catarina quando viu ficou com muita pena das coitadinhas e pensou que se aquilo continuasse a coisa ia piorar. Pegou, então, a manteiga que levava para o lanche e esfregou nas árvores, como se fosse pomada, para que as carroças ao passarem, deslizassem sem machucar os troncos. Mas enquanto fazia o curativo, um dos queijos acabou caindo da cesta e rolando morro abaixo. Catarina tentou pegá-lo, mas como não deu conta, mandou o outro queijo que sobrara procurar o que havia fugido. Esperou por eles um tempo e como não voltaram, resolveu continuar a caminhada até encontrar Frederico, que descansava.
Mal avistou Catarina, foi logo dizendo que estava com fome. A mulher lhe deu pão seco e contou o que havia acontecido com a manteiga e os queijos.
_ Como você é tonta, Catarina!
E comendo o pão seco lembrou de perguntar se a mulher havia trancado a casa ao sair.
_ Não! Você não me disse nada.
O homem quase arrancou os cabelos, de tão nervoso.
_ Você vai voltar agora, mesmo! Cuide bem da porta da frente e aproveite para trazer alguma coisa pra gente comer. Vou te esperar aqui.
Catarina voltou. No caminho, ia pensando que Frederico talvez não gostasse muito de queijo e manteiga. Decidiu levar nozes e uma garrafa de vinagre, porque ele sempre colocava muita vinagre na salada, então devia gostar bastante.
Chegou em casa, trancou a porta dos fundos e lembrou-se de que o marido havia pedido para cuidar da porta da frente. E depois de muito esforço para soltar as dobradiças, decidiu levar a porta da casa junto e foi embora com ela.
Ao chegar onde estava Frederico, mostrou seu feito ao marido, esperando que, finalmente ele ficasse satisfeito com sua esperteza.
O homem nem queria acreditar no que via. _ Oh, pobre de mim. Que mulher esperta eu arrumei! Mandei fechar a porta e você a traz nas costas? Agora irá carregá-la.
E Catarina, contrariada com o marido mal-agradecido, amarrou a garrafa e as nozes na porta para poder carregar. Frederico nem quis comentar tal solução. E foram andando para o bosque, procurar os vendedores malandros. Mas não encontraram e com já anoitecia, decidiram subir numa árvore para se proteger de perigos. Mal tinham subido, apareceram os próprios vendedores safados. Acenderam uma fogueira e se deitaram debaixo da árvore, onde estavam Frederico e Catarina.
_ São eles! _ Cochichou a mulher. E ficaram quietinhos até o dia começar a clarear. Catarina já não aguentava mais segurar a porta, achou que a culpa de estar tão pesada era das nozes e jogou-as lá de cima, acertando a cabeça dos homens. Um deles achou que era chuva e gritou: _Granizo!
Passado mais um tempo, Catarina que continuava cansada e com dores no corpo por segurar a porta, concluiu que a culpa de tamanho peso era da garrafa de vinagre. Abriu o vidro e jogou o vinagre fora, em cima dos vendedores, que sentindo os pingos, entendeu que era chuva.
É claro que Catarina continuou cansada e decidiu jogar a porta, o que apavorou o marido, com medo dos homens, que eram dois. Catarina, já sem paciência gritou:
_ O diabo que te carregue! _ e jogou a porta.
Os dois malandros, achando que a porta tivesse mesmo vindo do inferno, fugiram correndo, deixando tudo pra trás. Frederico e Catarina desceram da árvore e voltaram felizes pra casa. Desde então, Frederico aprendeu a achar graça das trapalhadas de Catarina.
Conto dos Irmãos Grimm
O CÃO E O PARDAL
Houve, uma vez, um cão de pastor que tinha um dono muito mau, que não lhe dava comida suficiente e o obrigava a passar fome. Certo dia, não podendo mais suportar esse tratamento, o cão resolveu ir embora, apesar de sentir muita tristeza. Pelo caminho, encontrou um pardal, que lhe disse:
– Por quê estás assim tão triste, meu irmão?
– Estou com fome e não tenho o que comer, – respondeu o cão.
– Se o mal é esse, vem comigo à cidade e eu te arranjarei o que comer, – disse o pardal.
E assim foram os dois juntos para a cidade. Quando chegaram diante de um açougue, o pardal disse:
– Espera aqui bem quietinho, enquanto vou bicar um pedaço de carne.
Voando para dentro do açougue, pousou sobre o balcão; depois de se certificar de que ninguém o estava observando, o pardal foi puxando com o bico um pedaço de carne para o beirai, até que caiu ao chão. O cão agarrou rapidamente e foi devorá-lo num canto.
– Agora vamos para outro açougue, – disse o pardal, vou tirar outro pedaço de carne para que fiques satisfeito.
Nesse açougue repetiu-se a mesma coisa e, quando o cão devorou também o segundo pedaço, o pardal lhe perguntou:
– Agora estás satisfeito, meu irmão?
– Sim, – respondeu o cão, – de carne estou, mas ainda não provei pão.
Foram até uma padaria e o pardal arrastou com o bico dois pães; como o companheiro lhe pedisse mais, levou-o a outra padaria, onde lhe derrubou mais dois pães. Quando acabou de comer, o pardal lhe perguntou:
– Estás satisfeito, meu irmão?
– Sim, agora estou, – respondeu o cão. – Vamos dar um passeio fora da cidade.
E saíram os dois pela estrada a fora. Mas o calor era intenso, não tinham ainda ido muito longe quando, chegando a uma curva, o cão disse:
– Estou cansado e gostaria de dormir um pouco.
– Está bem, – disse o pardal, – dorme à vontade; enquanto isso ficarei pousado naquele galho.
O cão deitou-se quase no meio da rua e forrou num sono profundo. Daí a pouco, chegava um carroceiro guiando uma carroça puxada por três cavalos A carroça ia carregada de barris do vinho. O pardal viu que o carroceiro não desviava do lugar onde estava o cão dormindo e ia passar-lhe por cima. Então gritou:
– Carroceiro, não faças isso, do contrário te reduzirei à miséria.
Mas o carroceiro resmungou consigo mesmo: “Ora, não serás tu que me levarás à miséria!” Estalou o chicote e dirigiu a carroça bem por cima do cão, matando-o. Então o pardal gritou:
– Mataste meu irmão! Isto vai te custar a carroça e os cavalos.
– Oh, sim! – disse o carroceiro, – a carroça e os cavalos; que mal podes me fazer tu, pequeno tonto?
E continuou chicoteando os cavalos, sem se preocupar. O pardal então penetrou sob a lona que cobria a carroça e se pôs a bicar o batoque de um dos barris até que a rolha saltou fora e o vinho começou a escorrer sem que o carroceiro percebesse. Finalmente, olhando por acaso para trás, viu que a carroça estava pingando; desceu e foi examinar os barris, encontrando um deles já vazio.
– Ai de mim! – exclamou desolado, – agora sou um homem pobre.
– Sim mas não o suficiente, – respondeu o pardal; e voou para a cabeça de um cavalo e com algumas bicadas arrancou-lhe um olho.
Vendo aquilo, o carroceiro brandiu a foice e procurou matar o pardal, mas este voou em tempo e o golpe atingiu o cavalo que caiu morto, com a cabeça partida.
– Ai de mim! – exclamou o carroceiro, – agora sou um homem pobre.
– Sim, mas não o suficiente, – respondeu o pardal.
E, enquanto o carroceiro ia seguindo o caminho com os dois cavalos, voltou a introduzir-se debaixo da lona e, à força de bicadas, arrancou a rolha do outro barril. O vinho começou a escorrer pela estrada a fora. Quando o carroceiro percebeu, gritou de novo:
– Ai de mim! Sou um pobre homem arruinado!
– Sim, mas não o suficiente, – respondeu-lhe o pardal.
E saltou para a cabeça do segundo cavalo, vazando- lhe os olhos. Cego de furor, o carroceiro brandiu novamente a foice procurando atingir o pardal, mas o golpe atingiu o cavalo, que caiu prostrado sem vida.
– Ai de mim! – Como estou pobre! – gemia o carroceiro.
– Sim, mas não o suficiente, – respondeu o pardal.
Saltou para o terceiro cavalo e vazou-lhe os olhos. Tremendo de ódio, o carroceiro lançou a foice contra o pardal, mas também desta vez a foice acertou em cheio no cavalo, que teve a mesma sorte dos companheiros.
– Ai de mim! Como estou pobre! – gritou o carroceiro.
– Sim, mas não o suficiente, – disse o pássaro – agora eu te farei ficar ainda mais pobre em casa. – E saiu voando pelos ares.
O carroceiro foi obrigado a abandonar a carroça na estrada e voltar para casa a pé, tremendo de ódio.
– Que desgraça a minha! – disse à sua mulher. – O vinho foi todo derramado e os três cavalos estão mortos. Pobre de mim!
A mulher, também, se lastimou:
– Ah, homem, que pássaro malvado entrou aqui em casa! Trouxe consigo todos os passarinhos da redondeza e, como um dilúvio, caíram sobre o nosso trigal, destruindo todas as espigas.
O homem saiu para ver e deparou com milhares e milhares de pássaros devorando todo o trigo; no meio deles estava o terrível pardal. Então o carroceiro gritou:
– Ai de mim! Pobre, mais pobre que nunca!
– Sim, mas não o suficiente! – Carroceiro, pagarás também com a vida, – respondeu-lhe o pardal e saiu voando.
O carroceiro viu perdidos todos os seus bens. Foi para a cozinha, sentou-se atrás do fogão, resmungando e fervendo de ódio. Entretanto o pardal, pousando no peitoril da janela, do lado de fora, continuava dizendo:
– Carroceiro, vai custar-te a vida!
Exasperado, o carroceiro pegou a foice e lançou-a violentamente contra o pardal, mas acertou nos vidros, espatifando-os sem que o pardal sofresse o menor dano.
Saltitando todo brejeiro, o pardal entrou para dentro da sala e foi pousar em cima do fogão, dizendo:
– Carroceiro, vai custar-te a vida!
Cego de raiva e de ódio, o homem pegou de novo a foice e saiu em perseguição do pardal, que saltava de um lugar para outro, sempre desviando os golpes do carroceiro. Este ia quebrando tudo o que encontrava na frente: o fogão, os bancos, a mesa, o espelho, até a parede, mas não conseguia atingir o pássaro. Por fim, depois de tanto correr e pular, conseguiu agarrar com a mão o pardal. Então a mulher perguntou-lhe:
– Queres que o mate?
– Não, – disse o marido, – isso seria pouco para ele! Quero que morra de morte atroz; vou comê-lo vivo.
Dizendo isso, abocanhou e engoliu o pardal inteiro. Porém o demoninho continuou esvoaçando dentro do estômago e, em dado momento, voltou até a boca para dizer:
– Carroceiro, vai custar-te a vida!
O carroceiro passou depressa a foice à sua mulher e ordenou:
– Mata-me esse pássaro mesmo dentro da boca.
A mulher agarrou a foice e deu um golge fortíssimo mas, errando o alvo, acertou em cheio na cabeça do marido prostrando-o sem vida.
O pardal, então, saiu voando e sumiu ao longe, nunca mais aparecendo por aquelas bandas.
Conto dos Irmãos Grimm
O PÁSSARO DE OURO
Era uma vez um rei que tinha um belo jardim, e no jardim havia uma árvore que produzia maçãs de ouro. Essas maçãs eram sempre contadas, e na época que elas começavam a amadurecer eles descobriram que todas as noites faltava uma. O rei ficou muito bravo com isso e mandou que o jardineiro ficasse de vigília todas as noites debaixo da árvore.
O jardineiro colocou seu filho mais velho para olhar, mas, por volta da meia noite ele caiu no sono, e quando era de manhã, mais uma maçã estava faltando. Então, foi pedido ao segundo filho que vigiasse, mas, quando deu meia noite ele também dormiu e na manhã seguinte outra maçã estava faltando. Então, o terceiro filho se ofereceu para ficar de vigília, mas o jardineiro a princípio não queria isso, temendo que algo de mal pudesse lhe acontecer, todavia, no final ele concordou, e o jovem rapaz ficou debaixo da árvore vigiando.
Quando o relógio deu doze badaladas ele ouviu um barulho de folhas se mexendo, e um pássaro, que era todo de ouro, veio voando, e quando ele bateu uma das maçãs com o seu bico, o filho do jardineiro deu um pulo e atirou uma flecha nele. Mas a flecha não causou nenhum ferimento ao pássaro, apenas derrubou uma pena de sua cauda, e depois ele fugiu.
A pena de ouro foi levada para o rei de manhã, e todo o conselho foi convocado para uma reunião. Todos concordaram que ela valia mais do que todas as riquezas do reino: mas o rei disse, “Uma pena não tem utilidade para mim, eu preciso do pássaro inteiro.”
Então, o filho mais velho do jardineiro pôs-se a caminho e pensou em encontrar o pássaro de ouro muito facilmente, e quando ele tinha andado uma parte do caminho, ele chegou a uma floresta, e ao lado da floresta ele viu uma raposa sentada, então, ele pegou o seu arco e se preparou para atirar nela. Então, a raposa disse, “Não me mate, porque eu lhe darei um bom conselho; eu sei o que você procura, e que você precisa encontrar o pássaro de ouro.”
“À noitinha você chegará numa aldeia, e quando você estiver lá, você verá duas estalagens uma de frente para a outra, uma delas é muito agradável e linda de se ver, não entre nela, mas, passe a noite na outra, embora ela possa parecer muito simples e pobre.”
Mas o filho pensou consigo mesmo:
“Ora, o que um animal como este pode saber sobre esse assunto?” Então, ele atirou uma flecha na raposa, mas errou o alvo, e ela levantou seu rabo acima do traseiro e fugiu para a floresta.
Então, ele seguiu o seu caminho, e à noitinha ele chegou na aldeia onde havia duas estalagens, e em uma delas as pessoas estavam cantando, e dançando, e festejando, mas, a outra parecia muito suja e pobre.
“Eu seria um tolo,” disse ele, “se eu ficasse nesse lugar imundo, e não me hospedasse nesse lugar encantador”, então, ele foi para a casa bonita, e comeu e bebeu a vontade, e esqueceu do pássaro, e do lugar onde morava também.
O tempo passou, e como o filho mais velho não voltava, e ninguém mais tinha notícias dele, o segundo filho decidiu partir, e o mesmo aconteceu. Ele encontrou a raposa, que lhe deu o bom conselho, mas quando ele chegou nas duas hospedarias, o seu irmão mais velho estava na janela onde estavam fazendo uma folia, e gritou para que ele entrasse, ele não conseguiu resistir à tentação, e entrou, e se esqueceu do pássaro de ouro e do lugar onde morava do mesmo jeito.
Otempo passou novamente, e o filho mais jovem também desejou partir para tentar a sorte e procurar o pássaro de ouro, mas o seu pai não quis nem saber disso durante muito tempo, pois, ele gostava muito do seu filho, e tinha medo que a má sorte pudesse surpreendê-lo também, e não deixou que ele partisse.
Todavia, finalmente o pai concordou que o filho partisse, porque ele não tinha sossego em casa, e quando ele chegou à floresta, ele encontrou a raposa, e ouviu dela o mesmo conselho. Ele, porém, agradeceu à raposa, e não confiou na sorte como seus dois irmãos haviam feito, então, a raposa disse, “Sente no meu rabo, e você irá mais rápido.”
Então, ele sentou, e a raposa começou a correr, e eles foram pra longe tão rápidos que o cabelo dele assobiava com o vento.
Quando eles chegaram à aldeia, o filho seguiu o conselho da raposa, e sem olhar no entorno, entrou na estalagem pobre e passou lá a noite toda muito a vontade. De manhãzinha, veio a raposa novamente e se encontrou com ele quando ele se preparava para partir, e disse:
“Vá direto por este caminho, até você chegar num castelo, e diante do castelo você verá uma tropa inteira de soldados dormindo profundamente e roncando: não ligue para eles, mas, entre no castelo e va andando e andando até você chegar num lugar, onde o pássaro de ouro fica sentado numa gaiola de madeira, perto dela há uma linda gaiola de ouro, mas não tente pegar o pássaro fora da gaiola mais pobre e coloque-o na gaiola mais bonita, caso contrário você se arrependerá.
Então, a raposa esticou o seu rabo novamente, e o jovem rapaz se sentou nele, e eles caminharam tão velozmente que o cabelo dele assobiava ao vento.
Diante do portão do castelo tudo era como a raposa havia falado: então, o filho entrou e encontrou a sala onde o pássaro de ouro ficava dependurado numa gaiola de madeira, e debaixo dela havia uma gaiola de ouro, e as três maçãs de ouro que haviam sido perdidas estavam bem ali. Então, ele pensou consigo mesmo: “seria muita incoerência levar um pássaro tão belo nesta gaiola simples”, então, ele abriu a porta, pegou o pássaro e o colocou dentro da gaiola de ouro.
Mas o pássaro de um um grito tão alto que todos os soldados acordaram, e eles o levaram como prisioneiro e o conduziram diante do rei. Na manhã seguinte a corte se reuniu para julgá-lo, e depois que todos tinham sido ouvidos, ele foi sentenciado a morte, a menos que ele trouxesse ao rei o cavalo de ouro que podia voar tão veloz como o vento, e se ele conseguisse isso, ele poderia ficar com o pássaro de ouro como se fosse dele.
De modo que, mais uma vez ele partiu de viagem, soluçando e muito aflito, quando subitamente, a raposa, sua amiga, encontrou-se com ele e disse:
“Você entende agora o que aconteceu por você não ter ouvido o meu conselho. Mesmo assim, eu vou lhe dizer como encontrar o cavalo de ouro, se você fizer tudo que eu lhe pedir.”
“Você deve ir reto neste caminho até você chegar a um castelo onde o cavalo está em seu estábulo, ao lado do cavalo estará um cavaleiro dormindo profundamente e roncando, pegue o cavalo em silêncio, mas, não se esqueça de colocar a sela de couro nele, e não a de ouro que está próxima dele.” Então, o filho sentou no rabo da raposa, e ela correu tão veloz que o cabelo dele assobiava ao vento.
Tudo foi bem, e o cavaleiro estava roncando com a mão em cima da sela de ouro. Mas, quando o filho olhou para o cavalo, ele pensou que seria uma pena colocar a sela de couro nele. “Eu colocarei nele a sela boa,” disse ele, “tenho certeza que ele merece.” E quando ele foi pegar a sela de ouro o cavaleiro acordou e gritou tão alto, que todos os guardas correram e o levaram prisioneiro, e na manhã seguinte ele novamente foi levado diante da corte para ser julgado, e foi sentenciado a morte.
Mas ficou definido, que, se ele conseguisse trazer a bela princesa até ali, ele poderia viver, e o pássaro e o cavalo seriam dele como se ele fosse o dono deles.
Então, ele seguiu a sua jornada muito triste, mas a velha raposa se aproximou e disse: “Porquê você não fez o que eu mandei? Se você tivesse me ouvido, você poderia ter ficado tanto com o pássaro como com o cavalo, no entanto, vou lhe dar mais um conselho. Siga direto por este caminho e de manhãzinha você chegará ao castelo.”
“À meia-noite a princesa costuma ir para a casa de banho, vá até ela e dê um beijo nela, e ela permitirá que você a leve embora, mas cuidado para que ela não te peça permissão para ir e pedir a autorização do seu pai e da sua mãe.”
Então, a raposa esticou o rabo, e eles correram tão rápido que o cabelo dele assobiava com o vento novamente.
Quando eles chegaram ao castelo, tudo aconteceu como a raposa havia falado, e à meia-noite o jovem rapaz viu a princesa que estava indo ao banho e deu um beijo nela, e ela concordou em fugir com ele, mas implorou chorando que ele permitisse que ela pedisse autorização de seus pais.
A princípio ele recusou, mas ela continuava chorando, e caiu aos seus pés, até que finalmente ele concordou, mas, no momento que ela chegou à casa do seu pai, os guardas acordaram e ele foi levado para a prisão novamente.
Então, ele foi levado diante do rei, e o rei disse: “Você jamais terá a minha filha a menos que em oito dias você remova a colina que impede a visão da minha janela.” Ora, esta colina era tão grande que o mundo inteiro não conseguiria removê-la: e tendo ele trabalhado durante sete dias, e tinha feito muito pouco, a raposa veio e disse:
Deite-se e vá dormir, eu farei o trabalho para você.” E de manhã, quando ele acordou, a colina não estava mais lá; então, ele foi feliz até o rei, e disse-lhe que agora que a colina tinha sido removida o rei devia lhe dar a princesa.
Então, o rei foi obrigado a cumprir a sua palavra, e lá foram o jovem rapaz e a princesa, e a raposa veio e disse para ele:
“Nós conseguiremos os três: a princesa, o cavalo e o pássaro.”
“Ah!,” disse o rapaz, “isso seria ótimo, mas, como você pretende conseguir isso?”
“Se você me escutar,” disse a raposa, “isso será feito.” Quando você chegar ao rei, e ele perguntar pela bela princesa, você deve dizer: “Aqui está ela!” Então, ele ficará muito feliz, e você montará no cavalo de ouro que eles vão dar a você, e estenderás a tua mão para se despedir deles; mas despeça-se da princesa por último. Depois suba ela rapidamente no cavalo atrás de você, bata com as esporas na lateral do cavalo, e fuja a galope o mais rápido que puder.”
Tudo deu certo, então, a raposa disse: “Quando você chegar ao castelo onde está o pássaro, eu ficarei com a princesa na porta, e você vai entrar e falar com o rei, e quando ele vir que é o cavalo que ele procura, ele trará o pássaro, mas, você deve continuar sentado, e dizer que você quer dar uma olhada nele, para verificar se ele é o verdadeiro pássaro de ouro, e você o pega em suas mãos e sai a galope.”
Isto, também, aconteceu como disse a raposa; eles levaram o pássaro, a princesa montou novamente, e ele foram a galope pela grande floresta. Então, a raposa veio e disse: “Peço para que você me mate, e corte a minha cabeça, e os meus pés.” Mas o jovem se recusou a fazer isso, então, a raposa disse: Não vou te ajudar mais te dando conselhos: mas cuidado com duas coisas, não resgates ninguém da forca, e não sente-se nas margens de nenhum rio.” Então, lá foi ele. “Bem,” pensou o jovem rapaz, “não é difícil cumprir o que a raposa pediu.”
Ele continuou a cavalgar com a princesa, até que finalmente chegou na aldeia onde ele tinha deixado seus dois irmãos. E lá ele ouviu um grande barulho e muito tumulto, e quando ele perguntou o que estava acontecendo, as pessoas disseram:
“Dois homens vão ser enforcados.” E quando ele chegou perto, ele viu que os dois homens eram seus irmãos, que tinham se tornado ladrões, então, ele disse:
“Será que eles não podem serem salvos de jeito nenhum?” Mas as pessoas diziam: “Não,” a menos que ele desse todo dinheiro que tinha para comprar a liberdade dos malandros.” Então, ele não parou para pensar no assunto e pagou o resgate, e seus irmãos foram libertados, e voltaram com ele para casa.
E quando ele chegou na floresta onde a raposa os havia avistado da primeira vez, estava tão fresco e agradável que os dois irmãos disseram: “Vamos nos sentar na margem do rio, e descansar um pouco, para comer e beber.” Então, ele disse:
“Sim,” e esqueceu o conselho da raposa, e se sentou na margem do rio, e como ele não suspeitava de nada, eles vieram por trás, e o atiram ladeira abaixo, e pegaram a princesa, o cavalo e o pássaro, e foram para casa ao encontro do rei, o amo deles, e disseram:
Tudo isso nós conseguimos com nosso próprio trabalho.” Então, houve muito regozijo, mas o cavalo não comeu, o pássaro não cantou e a princesa chorava muito.
O filho mais jovem caiu no fundo do leito do rio: por sorte o rio estava quase seco, mas os seus ossos estavam todos quebrados, e a ladeira era tão íngreme que ele não encontrou uma maneira de sair de lá. Então, a velha raposa apareceu mais uma vez, e o repreendeu por não ter ouvido os seus conselhos, caso contrário, nenhum mal lhe teria acontecido.
“Todavia,” disse ela, “não posso lhe deixar aqui, portanto, segure no meu rabo e não solte.” Então, ela o retirou do rio, e disse para ele, quando ele subiu a ladeira: “Os seus irmãos estão de vigília para te matar, caso te encontrem no reino.” Então, ele se vestiu como um aldeão pobre, e foi escondido até à corte do rei, e mal havia atravessado os portões quando o cavalo começou a comer, e o pássaro a cantar, e a princesa parou de chorar.
Pouco tempo depois, ele foi caminhar um dia na floresta, e a velha raposa o encontrou, e implorou para ele com lágrimas nos olhos para que a matasse, cortasse a sua cabeça e os seus pés. E finalmente ele fez o que ela pediu, e nesse instante a raposa se transformou num homem, que era o irmão da princesa, e que havia desaparecido há muitos e muitos anos atrás.
Conto dos Irmãos Grimm
O QUERIDO ROLANDO
Houve, uma vez, uma mulher que era uma autêntica bruxa e tinha duas filhas; uma feia e má, a quem muito amava, porque era a filha verdadeira; e uma bonita e boa, que detestava, porque era sua enteada. Certa vez, a enteada ganhou um avental muito bonito. que agradou particularmente à outra; cheia de inveja, esta disse à mãe que queria a todo custo o avental.
– Fica sossegada, minha filha, que hás de tê-lo, – disse a velha. – Tua irmã merecia estar morta há muito tempo; esta noite, quando estiver dormindo, virei e lhe cortarei a cabeça. Tu, tem o cuidado de deitar-te bem para trás na cama, e empurrá-la para a frente.
E a pobre moça estaria perdida se não tivesse ouvido tudo do canto em que se achava. Nesse dia, não lhe foi permitido sair de casa e, quando chegou a hora de dormir, teve de deixar a irmã dormir do lado da parede, que era o seu, e ficar ela do lado de fora. Mas, assim que a irmã adormeceu, puxou-a cuidadosamente para a beirada da cama e ela deitou-se no lugar junto à parede. Durante a noite, a velha entrou sorrateiramente no quarto; na mão direita trazia a machadinha, com a esquerda apalpou se havia alguém no lugar indicado, depois agarrou a machadinha com as duas mãos e, com um golpe violento, decepou a cabeça da própria filha.
Assim que ela saiu do quarto, a enteada levantou-se, correu à casa do namorado, que se chamava Rolando, e bateu à porta. Quando ele saiu, disse-lhe:
– Escuta, meu querido Rolando, temos de fugir depressa; minha madrasta queria matar-me, mas acertou na filha. Quando amanhecer e vir o que fez, nós estaremos perdidos.
– Sim, mas aconselho-te que leves a varinha mágica, pois, se nos persegue, não poderemos salvar-nos.
A moça furtou a varinha mágica; depois, pegando a cabeça da morta, deixou pingar três gotas de sangue no chão. Em seguida, fugiu com o namorado.
Pela manhã, quando a bruxa levantou-se da cama, chamou a filha para entregar-lhe o avental, mas a filha não apareceu. Então gritou:
– Onde estás?
– Estou aqui varrendo a escada! – respondeu uma das gotas de sangue.
A velha foi ver, mas não havia ninguém lá; então, gritou novamente:
– Onde estás?
– Estou aqui na cozinha, aquecendo-me ao fogo! – respondeu a segunda gota de sangue.
A velha foi até à cozinha, mas não viu ninguém. Gritou pela terceira vez:
– Onde estás?
– Estou aqui na cama, dormindo. – Gritou a terceira gota de sangue.
Ela entrou no quarto e aproximou-se da cama. E que foi que viu? A filha, à qual ela mesma havia cortado a cabeça, jazia lá mergulhada numa poça de sangue.
A bruxa ficou furiosa; precipitou-se à janela e, tendo o dom de enxergar muito longe, viu a enteada fugindo, com o namorado.
– Não adianta nada, – resmungou ela, – embora estejais bastante longe, não me escapareis.
Calçou as botas de sete léguas, que lhe permitiam num passo fazer o caminho de uma hora, e daí a pouco alcançou-os. Mas a enteada, vendo-a chegar, com a varinha mágica transformou o amado num lago e ela mesma numa pata nadando no meio dele. A bruxa deteve- se a margem do lago, jogou migalhas de pão a fim de atrair a pata, mas a pata não se deixou seduzir e, ao entardecer, a velha teve de voltar para casa sem ter conseguido nada.
A moça e o namorado retomaram o verdadeiro aspecto e foram andando. Andaram a noite toda até de madrugada. Então ela transformou-se numa linda flor, balançando-se entre um cerrado espinheiro e, seu amado Rolando num violinista. Pouco depois, chegou a velha apressada e disse ao violinista:
– Meu bom violinista, posso colher aquela linda flor aí no meio do espinheiro?
Oh sim – respondeu ele, – enquanto isso eu tocarei para que o consigas.
Quando a velha se meteu no meio do espinheiro para colher a flor, que ela bem sabia quem era, ele começou a tocar. Então a velha, querendo ou não, teve de dançar, porque aquela era música encantada que a isso obrigava. Quanto mais depressa ele tocava, mais furiosamente ela dançava; os espinhos arrancaram-lhe os farrapos do corpo, picando-a, arranhando-a e esfolando-a toda e, como ele não cessava de tocar, ela teve de dançar até cair morta.
Uma vez livres dela, Rolando disse:
– Agora irei à casa de meu pai a fim de preparar a festa de bodas.
– Enquanto isso ficarei aqui à tua espera, – disse a moça, – e, para que ninguém me reconheça, transformar-me-ei numa pedra vermelha.
Rolando despediu-se e foi-se embora; e, sob a forma de uma pedra vermelha, a moça ficou aí no campo, esperando-o. Mas, ao chegar em casa, Rolando caiu na rede de outra sereia e esqueceu a noiva. A pobrezinha esperou-o longamente e, vendo que ele nunca mais voltava, ficou desolada e transformou-se numa flor, pensando tristemente: “Alguém há de passar por aqui e me pisara!”
Aconteceu, porém, que um pastor, ao levar o rebanho a pastar nesse campo, viu a flor e, como era muito bonita, colheu-a, levou-a para casa e guardou-a numa gaveta.
A partir desse momento, em casa do pastor aconteciam fatos extraordinários. Pela manhã, ao levantar-se. encontrava sempre a casa toda arrumada; a sala varrida, a mesa e os bancos espanados, o fogo aceso e o balde cheio de água no seu lugar.
Ao meio-dia, quando voltava do campo, encontrava a mesa posta com deliciosa comida. Ele não conseguia compreender como tudo isso sucedia, porquanto em casa nunca entrava ninguém e naquele pobre casebre não havia de esconder-se. Gostava, sem dúvida, de estar tão bem servido, mas a um certo momento sentiu receio e resolveu pedir conselho a uma adivinha. Ela disse-lhe:
– Há alguma bruxaria nisso. Deves fazer o seguinte: de manhã, pela madrugada, espia bem para ver se qualquer coisa se mexe na sala; se vires algo, seja lá o que for, atira-lhe em cima um pano branco, assim se quebrará o encanto.
O pastor seguiu o conselho e, na manhã seguinte, aí pela madrugada, viu abrir-se a gaveta e dela sair a flor. De um salto atirou-lhe em cima um pano branco. Imediatamente cessou o encanto: diante dele estava uma linda moça, a qual lhe confessou que era a flor e que lhe havia cuidado da casa durante todo o tempo desde que a colhera. Contou-lhe as desventuras todas, e ele gostou tanto dela que lhe pediu para ser sua mulher; mas ela respondeu:
– Não, não posso, porque amo a Rolando. Apesar de ter-me ele esquecido, quero ser-lhe sempre fiel.
Prometeu, porém, não ir-se embora e continuar a cuidar da casa dele.
Enquanto isso, chegou o dia em que Rolando ia celebrar casamento com a outra; e, segundo o costume antigo daquela região, foram convidadas todas as moças para comparecer e cantarem em honra dos noivos. A fiel moça entristeceu-se profundamente, a ponto de sentir o coração despedaçar-se e não queria comparecer; mas as outras moças da região foram buscá-la e ela teve de ir. Quando chegou sua vez de cantar, ela que ficara para trás até que todas tivessem acabado, não pôde esquivar-se e cantou. Ao ouvi-la, Rolando deu um pulo e gritou:
– Eu conheço essa voz! É essa a minha verdadeira noiva e não quero outra.
Tudo o que havia esquecido e banido da mente, voltou-lhe como um relâmpago à memória e ao coração novamente. Então, a fiel namorada casou com o querido Rolando e o sofrimento terminou na mais completa alegria.
Conto dos Irmãos Grimm
RUMPELSTILTSKIN / O ANÃO SALTADOR
Era uma vez um moleiro que era muito pobre, mas que tinha uma filha muito linda. E então de certa feita ele tinha que ir falar com o rei, e para que ele parecesse ser uma pessoa importante, ele disse ao rei:
— Eu tenho uma filha que pode transformar palha em ouro. O rei disse ao moleiro:
— Essa é uma qualidade que me agrada muito, se a tua filha for tão inteligente como dizes, traga-a amanhã até o meu palácio, e faremos um teste com o poder dela.
E quando a garota estava diante dele, ele a levou até um cômodo que estava totalmente cheio de palhas, deu a ela uma máquina de fiar e uma bobina, e disse:
— Agora, vamos ao trabalho, e se por volta de amanhã de manhã você não tiver transformado esta palha em ouro durante a noite, você deverá morrer.
Em seguida, ele mesmo fechou a porta, e a deixou sozinha lá dentro. Então a filha do pobre moleiro ficou ali sentada, e durante todo o tempo ela não sabia o que fazer, ela não tinha nenhuma ideia de como a palha pudesse ser transformada em ouro, e cada vez ela ficava mais desolada ainda, até que enfim ela começou a chorar.
Mas de repente a porta se abriu, e um pequeno homenzinho entrou, e disse:
— Boa noite, Senhorita Miller, porque você está chorando tanto?
— Ai de mim, respondeu a garota, — eu tenho de transformar esta palha em ouro, e eu não sei como fazer isso.
— O que você me daria em troca, disse o anão, — se eu fizesse isso por você?
— O meu colar, disse a garota.
O pequeno homenzinho pegou o colar, sentou-se em frente da máquina de fiar, e, whirr, whirr, whirr, três vezes, e a bobina estava cheia; depois ele colocou mais uma bobina, e whirr, whirr, whirr, três voltas novamente, e a segunda bobina ficou cheia também. E assim foi indo até o amanhecer, quando toda a palha foi trabalhada, e todas as bobinas estavam cheias de ouro.
Ao romper do dia o rei já estava lá, e quando ele viu o ouro ele ficou atônito e satisfeito, mas o seu coração ficou ainda mais insaciável. Ele então levou a filha do moleiro para uma outra sala repleta de palhas, e que era muito maior, e mandou que ela passasse na máquina de fiar toda aquela palha numa única noite se ela tivesse algum amor na vida.
A garota não sabia o que fazer, e começou a chorar, quando a porta novamente se abriu, e um pequeno homenzinho apareceu, e disse:
— O que você me daria em troca se eu passasse toda essa palha pela máquina de fiar e a transformasse em ouro para você?
— Eu te daria o anel do meu dedo, respondeu a garota.
O pequeno homem pegou o anel, e começou novamente a girar a roda, e ao amanhecer ele havia transformado toda a palha em ouro reluzente.
O rei se regozijou além da medida diante do que viu, mas ele achava que não tinha ouro o suficiente, e ele levou a filha do moleiro para uma sala ainda maior cheia de palhas, e disse:
— Você deve fiar toda essa palha, durante uma noite inteira, e se você conseguir, você será a minha esposa. Ainda que ela fosse a filha de um pobre moleiro, pensou ele, — jamais encontrarei uma esposa mais rica em todo o mundo.
Quando a garota ficou sozinha, o anão apareceu novamente pela terceira vez, e disse:
— O que você me dará em troca se eu fiar toda a palha para você desta vez também?
— Não tenho nada que possa lhe dar, respondeu a garota.
— Então prometa para mim o seu primeiro filho, quando você se tornar rainha.
— Quem sabe se isso aconteceria um dia?, pensou a filha do moleiro, e não sabendo mais o que fazer diante deste sufoco, ela prometeu ao anão o que ele queria, e com isso ele mais uma vez transformou a palha em ouro.
E quando o rei chegou de manhã, e encontrou tudo que ele tinha desejado, ela a tomou em casamento, e a bela filha do moleiro tornou-se rainha.
Um ano depois, ela teve uma linda criança, e nunca mais voltou a pensar no anão. Mas, subitamente, ele entrou em seu quarto, e disse:
— Agora dê-me o que você me prometeu. A rainha ficou muito horrorizada, e ofereceu ao anão todas as riquezas do reino se ele deixasse a criança para ela. Mas o anão disse:
— Não, somente aquilo que vive tem mais valor para mim do que todos os tesouros do mundo. Então a rainha começou a chorar muito, de modo que o anão acabou ficando com dó dela.
— Eu lhe darei o prazo de três dias, disse ele, — se nesse período você descobrir como é o meu nome, então você ficará com a criança.
Então a rainha pensou a noite toda em todos os nomes que ela já tinha ouvido, e ela enviou um mensageiro para todo o país para perguntar, por todos os cantos, por todos os nomes que pudessem existir.
Quando o anão voltou no dia seguinte, ela começou com Gaspar, Melquior, Baltazar, e disse todos os nomes que ela conhecia, um após o outro, mas, para todos eles o pequeno homenzinho dizia:
— Esse não é o meu nome. No segundo dia ela mandou perguntar por toda a vizinhança pelos nomes das pessoas que viviam lá, e ela repetia para o anão os nomes mais incomuns e curiosos. — Talvez o seu nome seja Uélio, ou Choquélio, ou Brucélio?, mas ele respondia sempre:
— Esse não é o meu nome.
No terceiro dia o mensageiro voltou novamente, e disse:
— Eu não consegui encontrar nenhum nome, mas quando eu cheguei perto de uma montanha alta no final da floresta, onde a raposa e a lebre dizem boa noite uma para outra, lá encontrei uma pequena casinha, e diante da casa havia uma fogueira que estava queimando, e em torno da fogueira havia um ridículo homenzinho que estava pulando: ele pulava com uma perna e gritava:
— Hoje como pão, amanhã como feijão.
Porque amanhã terei um filho de renome
Ah, estou feliz porque ninguem descobriu
Que Rumpelstiltskin, esse é o meu nome.
Você pode imaginar como a rainha ficou feliz quando ela ficou sabendo disso! E quando pouco depois o pequeno homenzinho entrou e perguntou,
— Agora, senhora rainha, qual é o meu nome?, finalmente ela disse:
— O seu nome é Conrado? Não. — O seu nome é Henrique?. Não.
— Talvez o seu nome seja Rumpelstilzchen?
— Foi o demônio quem lhe contou! Foi ele quem disse o meu nome! Gritou o pequeno homem, e de raiva ele mergulhou o seu pé direito tão fundo na terra que toda a sua perna entrou, e então cheio de ódio ele puxou a sua perna esquerda tão forte com ambas as mãos que se dividiu em dois.
Conto dos Irmãos Grimm
A MOCHILA, O CHAPÉU E A CORNETA
Era uma vez três irmãos que foram ficando cada vez mais pobres. Até que chegaram ao ponto de passar fome.
– Isto não pode continuar assim – disseram eles, afinal!
– É melhor irmos pelo mundo afora tentar a sorte.
Puseram-se, então, a caminho. Andaram muito e pisaram muito chão, sem que se apresentasse a sorte. Assim chegaram um dia, a uma floresta muito grande, em meio da qual se elevava uma montanha. Ao se aproximarem, viram que toda ela era de prata. Disse, então, o mais velho:
– Encontrei a sorte que desejava e não quero outra maior.
– Recolheu toda a prata que podia carregar e voltou para casa.Os outros dois, porém, disseram:
– Exigimos que a sorte nos dê algo mais que prata.
E, sem tocar no metal, seguiram adiante.
Depois de andar durante mais dois dias, chegaram a uma montanha que era de puro ouro. O segundo irmão ficou a pensar, indeciso: “Que devo fazer? Levar o ouro de que preciso para o resto de minha vida, ou seguir adiante?
Afinal resolveu-se; encheu os bolsos e, despedindo-se do irmão, voltou para casa.
O terceiro ficou a pensar: “O ouro e a prata não me dizem grande coisa e continuarei procurando a sorte; talvez ela me reserve coisa melhor.”
Continuou caminhando e, três dias depois, chegou a uma floresta maior ainda que as outras; esta agora não terminava nunca e, como não achava nada para comer nem beber, esteve a ponto de morrer de fome. Trepou, então, numa árvore bem alta para ver se descobria o limite daquela floresta mas não conseguiu enxergar outra coisa senão as copas das árvores que se estendiam infindáveis. Dispôs-se a descer e disse a si mesmo: “Se pudesse, ao menos, encher o estômago mais uma vez.”E eis que, ao tocar o chão, viu, com assombro, debaixo da árvore, uma mesa magnificamente posta, coberta de abundantes pratos de que se desprendia um aroma apetitoso.
“Desta vez- pensou – meus desejos se cumpriram no momento oportuno”e, sem pensar em quem poderia ter trazido aquele banquete, acercou-se da mesa e comeu até fartar-se. Quando terminou, teve uma idéia. “Seria uma pena que esta linda toalhinha se estragasse aqui no bosque”, e, dobrando-a com cuidado, guardou-a. Depois prosseguiu sua jornada e, ã noite, quando tornou a sentir fome, quis por a toalha à prova. Estendeu-a e disse:
– Quisera que voltasse a cobrir-te de boa comida!
Mal expressou esse desejo, a toalha se cobriu de pratos, cheios de saborosíssimas iguarias.
– Sei agora- disse ele- onde cozinham para mim. Isso é melhor do que a montanha de ouro e a de prata.
Mas não satisfez com a toalhinha mágica; achou que ela não bastava para retirar-se e viver tranquilamente em sua casa e continuou a jornada em busca da sorte.
Certa noite encontrou, num bosque solitário, um cavoeiro coberto de fuligem. Estava fazendo carvão e tinha ao fogo umas batatas que lhe deviam servir de janta.
– Boa noite, melro negro! – disse, saudando-o.- Como vives nesta solidão?
– Todos os dias, para mim, são iguais – respondeu o carvoeiro. – De noite, sempre há batatas para a janta. Se te apetece, te convido.
– Muito obrigado – disse o viajante.- Não quero privar-te de tua refeição, pois não esperavas convidados. Mas, se contentas com o que tenho, sou eu que convido.
– E quem iá trazer-te a comida? Vejo que nada carregas contigo e, em duas horas de caminho, não há quem possa dar-te alguma coisa.
– Mesmo assim teremos uma ceia – respondeu o outro- tão boa como jamais tiveste igual.
E, tirando a toalhinha da mochila, estendeu-a no chão e disse:
– Toalhinha, cobre-te!
No mesmo instante apareceram cozidos e assados, tudo quente como recém-saído da cozinha. O cavoeiro arregalou os olhos, mas não se fez de rogado. Serviu-se, metendo bocados cada vez maiores na boca tisnada. Depois de jantarem, o cavoeiro falou, satisfeito.
– Escuta aqui, gostei da tua toalhinha; seria de grande utilidade para mim aqui na floresta, onde ninguém cozinha algo apetitoso. Proponho-te uma troca! Ali, naquele canto, está pendurada uma mochila de soldado. É, na verdade, velha e de feia aparência, mas possui qualidades prodigiosas. Como não mais preciso dela, poderia trocá-la pela tua toalhinha.
– Primeiro quero saber que qualidades prodigiosas são essas de que falas – retrucou o rapaz.
– Vou dizer-te- explicou o carvoeiro. – Sempre que bateres nela com a mão, verás surgir à tua frente um cabo e seis soldados, armados até os dentes, que farão tudo o que ordenares.
– Está bem! Já que não tens outra coisa, aceito a troca! – disse o outro.
Deu a toalha ao carvoeiro e, pondo a mochila ao ombro, despediu-se.
Depois de haver andado um pouco, resolveu experimentar as qualidades mágicas da sua mochila e deu-lhe uma batida. No mesmo instante apareceram os sete guerreiros. O cabo perguntou-lhe:
– Que ordena meu amo e senhor?
– Marchem, a toda pressa, de volta ao carvoeiro e exijam que lhes entregue minha toalhinha mágica.
Os soldados deram meia volta e pouco depois estavam de regresso com a toalha que haviam tirado do carvoeiro. O rapaz, então, mandou que se retirassem e prosseguiu caminho, confiando em que a sorte ainda se mostraria mais propícia.
Ao pôr-do-sol, encontrou outro carvoeiro que estava também, preparando sua refeição.
– Quer jantar comigo? – convidou o homem tisnado. – Batatas com sal, mas sem gordura. Se aceitas, seta-te a meu lado!
– Não – retrucou o rapaz.- Quero que sejas tu o meu convidado.
E tirou a toalha que, depois de estendida, ficou logo cheia com os mais deliciosos manjares. Alegres da vida, comeram e beberam juntos. Quando terminaram a refeição, o carvoeiro disse:
– Sobre aquele banco, ali, está um chapeuzinho velho e sovado, mas que possui propriedades espantosas. Quando alguém o põe e lhe dá uma volta na cabeça, aparecem doze canhões, em fileira, que começam a disparar derrubando o que há por diante, sem ninguém possa resistir a seus efeitos. A mim, de nada serve e bem o trocaria pela tua toalha.
– Não é mau – respondeu o rapaz e, apanhando o chapéu, colocando-o na cabeça, entregando, ao mesmo tempo, a toalhinha.
Mal, porém, andara um trecho do caminho, bateu na mochila e ordenou aos soldados que lhe trouxessem, novamente , a toalhinha. “Uma coisa traz outra- pensou – e parece que minha boa sorte ainda continua.”
Seus pensamentos não haviam engando. Ao fim de uma hora, encontrou mais outro carvoeiro que, como os anteriores, o convidou a comer suas batatas sem gordura. Ele lhe ofereceu, também, uma janta extraordinária à custa da toalha mágica, e o carvoeiro ficou tão entusiasmado que propôs trocá-la por uma cornetinha dotada de qualidades ainda superiores às do chapeuzinho: quando a tocavam, todas as muralhas e baluartes caíam por terra, reduzindo cidades a montes de escombros. O jovem aceitou a troca mas, pouco depois, ordenou a seus soldados trazerem de volta a toalha, com o que ficou de posse da mochila, do chapeuzinho e da cornetinha.
“Agora -disse para si mesmo- sou um homem feito e é tempo de voltar para casa a ver como estão passando meus irmãos.”
Ao chegar à cidade onde moravam, viu que seus irmãos haviam construído uma bela casa e se entregavam à boa vida com o ouro e a prata que tinham encontrado. Apresentou-se a eles, mas , de vestes rasgadas, chapeuzinho roto e a velha mochila, os outros dois se negaram a reconhecê-lo como irmão. Riram-se dele, dizendo:
– Pretendes te fazer passar pelo nosso irmão que desprezou o ouro e a prata porque desejava coisa melhor? Não há dúvida que voltará com grande magnificência; numa carruagem, como verdadeiro rei, e não feito um mendigo!
E assim correram com ele de casa. Indignado, o rapaz pôs-se a bater na mochila até que cento e cinquenta homens se apresentaram, perfilados, diante dele. Ordenou que cercassem a casa de seus irmãos e deu ordens a dois soldados para apanharem varas de marmelo e com elas surrarem os dois insolentes até que estes reconhecessem quem ele era. Tudo aquilo provocou uma enorme balburdia. Os habitantes do povoado correram a prestar socorro aos dois agredidos , mas nada puderam fazer contra os soldados do jovem. O caso chegou, finalmente, aos ouvidos do rei, ao qual zangado, enviou um capitão à frente de sua companhia, com ordem de expulsar da cidade aquele desordeiro. Mas o homem da mochila reuniu, num instante, uma tropa mais numerosa ainda, e rechaçou o capitão com todos os seus homens, obrigando-os a retirar-se com os narizes ensanguentados. Mesmo assim, disse o rei:
– Ainda poderemos liquidar com esse aventureiro.
E, no dia seguinte, enviou contra ele um grupo maior, mas sem obter melhor resultado do que na véspera. O adversário lhe opôs mais gente e, para terminar mais depressa, deu umas voltas no seu chapeuzinho. Imediatamente a artilharia entrou em ação, derrotando os homens do rei pondo-os em fuga.
– Agora não darei a paz- pensou o jovem – até que o rei me dê sua filha em casamento e eu fique governando o país em seu nome.
Mandou comunicar sua decisão ao rei e este disse à sua filha:
– A necessidade obriga. Que remédio me resta senão ceder ao que ele exige? Se quero obter a paz e conservar a coroa em minha cabeça, devo entrega-te.
Celebrou-se, pois o casamento, mas a princesa sentia-se aborrecida pelo fato de ser o marido um homem vulgar que andava sempre com um chapéu roto à cabeça e uma velha mochila aos ombros. Com muito gosto terse-ia desfeito dele. Dia e noite ficava a cismar como satisfaria seu desejo. Pensava ela: “Estarão na mochila suas forças mágicas?”E começou a tratá-lo com fingido carinho. Quando o coração do marido se abrandou, ela lhe disse:
– Se ao menos tirasses essa velha mochila… Ela não te fica bem e faz com que me envergonhes de ti.
– Minha querida- respondeu-lhe o marido- esta mochila é meu maior tesouro; enquanto eu a possuir, não temo nenhum poder do mundo!
E revelou à mulher os poderes mágicos da mochila.
Ela, então, enlaçou o marido como para beijá-lo, mas, com rápido movimento, tirou-lhe a mochila dos ombros e escapou-se. Depois, sozinha,pôs-se a bater-lhe e ordenou aos soldados que detivessem o seu antigo senhor e o expulsassem do palácio. Os homens obedeceram e a ingrata esposa enviou, ainda, outros mais, com ordem de fazê-lo sair do país. O rapaz estaria perdido se não tivesse o chapeuzinho. Assim que pode libertar as mãos, deu-lhe um par de voltas e, no mesmo instante, a artilharia começou a entrar em ação, destruindo tudo. A princesa não teve outro remédio senão apresentar-se, pedindo misericórdia.
E como pediu com tanto carinho prometendo corrigir-se, o marido concedeu-lhe a paz. E ela fingiu tão bem que ele se convenceu de que era profundamente amado. E um dia acabou confessando à mulher que, alguém se apoderasse de sua mochila, nada poderia contra ele enquanto não lhe tirasse, também, o chapeuzinho. E aí então, de posse de seu segredo, ela aguardou que o marido adormecesse e arrebatou-lhe o chapeuzinho. E por mais uma vez, ordenou que o expulsassem.
Mas ao pobre rapaz ainda restava a cornetinha, num acesso de cólera, se pôs a tocá-la com toda as suas forças. Imediatamente começaram a ruir por terra, muralhas, fortificações, cidades e vilas, acabando com o rei e sua filha. E caso não houvesse parado depois de tocar um pouquinho, tudo se transformaria num montão de ruínas, sem ficar pedra sobre pedra. Ninguém mais se atreveu a lhe oferecer resistência, tornando-se ele o soberano de todo o país.
Conto dos Irmãos Grimm
BRANCA DE NEVE
Era uma vez em pleno inverno, quando os flocos de neve estavam caindo como se fossem plumas do céu, uma rainha se sentou à janela enquanto costurava, e a moldura da janela era feita de ébano negro. E enquanto ela estava costurando e olhando a neve que caía lá fora da janela, ela picou o dedo com a agulha, e três gotas de sangue caíram sobre a neve. E a cor vermelha do sangue parecia bela sobre a neve branca, e ela pensou consigo mesma:
— Ah se eu tivesse uma filha que fosse tão branca como a neve, tão vermelha como o sangue, e tão negra como a madeira da moldura da janela.
Logo depois que ela teve uma pequena filhinha, que era tão branca como a neve, tão vermelha como o sangue, e o seu cabelo era tão negro como o ébano, e ela foi então chamada de pequena Branca de Neve. E quando a criança nasceu, a rainha morreu.
Depois de passado um ano, o rei se casou novamente. Ela era uma mulher linda, porém, orgulhosa e arrogante, e ela não podia suportar que ninguém fosse superior a ela em beleza. Ela tinha um espelho mágico, e quando ela ficava de frente para ele e se olhava nele, e dizia:
— Espelho, espelho, me responda em verso,
— Quem é a mais bela de todo o universo?
o espelho respondia:
— Tu, ó rainha, és a mais bela de todas!
Então ela ficava satisfeita, porque ela sabia que o espelho falava a verdade.
Porém, Branca de Neve estava crescendo, e crescia cada vez mais em beleza, e quando completou sete anos de idade, ela era tão linda como o dia, e mais linda que a própria rainha. E uma vez, quando a rainha perguntou ao espelho
— Espelho, espelho, me responda em verso,
— Quem é a mais bela de todo o universo?
ele respondeu
— Tu és a mais bela de todas que aqui estão, Senhora Rainha. Mas a mais bela ainda é Branca de Neve, eu juro.
Então a rainha ficou furiosa, e mudava de cor de tanta inveja. Desde esse momento, sempre que ela via Branca de Neve, o seu coração pulava no peito, e ela começou a odiar muito aquela garota.
E a inveja e o orgulho cresciam cada vez mais em seu coração como erva daninha, e ela não tinha mais paz, nem de dia, nem de noite. Ela chamou um caçador, e disse:
— Leve a menina para passear na floresta, não quero mais vê-la na minha frente. Mate-a, e traga-me o seu coração como prova. O caçador obedeceu, e a levou embora, mas quando ele puxou a faca, e ia perfurar o coração inocente de Branca de Neve, ela começou a chorar e disse:
— Ah, querido caçador, não me mate, por favor! Eu fugirei para a floresta escura e nunca voltarei para casa novamente.
E ela era tão linda que o caçador teve dó dela e disse:
— Fuja, então, pobre menina. Os animais selvagens logo irão devorá-la, pensou ele, e mesmo assim, parecia que uma pedra tivesse rolado de seu coração uma vez que ele não precisava mais matá-la. E como um filhote de javali corria ali por perto, ele o matou, e arrancou seu coração, e o levou para a rainha como prova de que a menina estava morta.
O cozinheiro colocou sal nele, e a rainha perversa o comeu, e pensou que tivesse comido o coração da Branca de Neve.
Agora, porém, a pobre menina esta sozinha na floresta imensa, e tão assustada estava, que ela olhava para cada folha de todas as árvores, e não sabia o que fazer. Então ela começou a correr, e correu por cima de pedras afiadas e no meio de espinheiros, e os animais selvagens passavam por ela, mas não lhe faziam mal.
Ela correu tanto quanto seus pés conseguiram até que era quase noite, então ela viu uma pequena cabana e entrou nela para descansar. Tudo na cabana era pequeno, porém, mais asseado e mais limpo do que já tinha visto antes. Havia uma mesa sobre a qual estava uma toalha branca, e sete pratinhos, e em cada prato havia uma pequena colher, além disso, havia sete faquinhas e garfos, e sete canecas pequenas. Encostadas na parede havia sete caminhas, uma ao lado da outra, que estavam cobertas com lençóis brancos como a neve.
A pequena Branca de Neve estava com tanta fome e com tanta sede que ela comeu alguns vegetais e alguns pães de cada prato e bebeu um gole de vinho de cada caneca, porque ela não queria beber tudo de uma só.
Então, como ela estava muito cansada, ela se deitou em um das caminhas, mas ela não cabia em nenhuma delas, uma era longa demais, a outra muito curta, mas finalmente ela achou que a sétima era perfeita, e então ela se deitou nela, fez uma oração e foi dormir.
Quando ficou bem escuro os donos da cabana retornaram; eles eram os sete anões que cavavam e perfuravam as montanhas em busca de minério. Eles acenderam sete velas, e como estava iluminado dentro da cabana, eles perceberam que havia alguém lá dentro, pois nada estava no mesmo lugar que eles haviam deixado.
O primeiro disse:
— Quem sentou na minha cadeira?
O segundo:
— Quem comeu no meu prato?
O terceiro:
— Quem comeu um pedaço do meu pão?
O quarto:
— Quem comeu minha salada?
O quinto:
— Quem usou o meu garfo?
O sexto:
— Quem cortou com a minha faca?
O sétimo:
— Quem bebeu na minha caneca?
Então o primeiro olhou em volta e e viu que havia um pequeno buraco em sua cama, e disse:
— Quem deitou na minha caminha? O outros se aproximaram e todos gritaram que alguém havia deitado na cama deles também. Mas o sétimo, ao olhar para sua cama, viu que a pequena Branca de Neve estava dormindo nela. Então ele chamou os outros que vieram correndo, e gritaram assustados, e trouxeram suas sete velas, e deixaram que a luz iluminasse a pequena Branca de Neve.
— Oh, céus! Oh, céus!, gritaram eles. — que menina adorável! E eles ficaram tão felizes que não tiveram coragem de acordá-la, e deixaram que ela dormisse na cama. E o sétimo anãozinho dormiu com seus companheiros, uma hora com cada um deles, e assim ele passou a noite inteira.
Quando era de manhã, a pequena Branca de Neve acordou, e ficou assustada quando ela viu os sete anões. Eles porém eram bonzinhos e lhe perguntaram qual era o nome dela.
— Meu nome é Branca de Neve, ela respondeu.
— Como é que você entrou em nossa casa?, disseram os anões.
Então ela contou a eles que a sua madrasta havia mandado matá-la, mas que o caçador tinha lhe poupado a vida, e que ela havia corrido o dia inteiro até que finalmente, ela encontrou onde eles moravam. Os anões disseram:
— Se você cuidar da nossa casa, da nossa comida, arrumar as nossas camas, lavar, costurar, e tricotar, e se você manter tudo limpo e asseado, você pode ficar conosco e nada lhe faltará.
— Sim, disse Branca de Neve.— De todo o meu coração, e assim ela ficou com eles. Ela mantinha a casa em ordem para eles, todas as manhãs eles iam para as montanhas em busca de cobre e ouro, de noite eles retornavam, e o jantar deles tinha que estar pronto. A garota ficava sozinha o dia todo, então, os anõezinhos a alertaram, dizendo:
— Cuidado com a tua madrasta, logo ela ficará sabendo que você está aqui, não deixe ninguém entrar aqui.
Mas a rainha, acreditando que havia comido o coração de Branca de Neve, não poderia nem pensar que ela novamente era a primeira e a mais linda de todas, e ela foi até o espelho e disse:
— Espelho, espelho, me responda em verso,
— Quem é a mais bela de todo o universo?
E o espelho respondeu:
— Oh, rainha, vejo que és a mais bela de todas, mas, além das colinas, onde vivem os setes anões, Branca de Neve vive ainda e está bem, e ninguém é tão bela quanto ela.
Ela ela ficou furiosa, pois ela sabia que o espelho nunca dizia mentiras, e sabia que o caçador a havia traído, e que Branca de Neve ainda estava viva.
E então ela pensou e pensou novamente como poderia matá-la, pois, enquanto ela não fosse a mais bela de toda a região, a inveja não iria permitir que ela descansasse. E quando ela finalmente pensou em alguma coisa para fazer, ela pintou o rosto, e se vestiu como uma vendedora, e ninguém poderia reconhecê-la. Disfarçada dessa maneira ela subiu as sete montanhas até a casa dos sete anões, bateu na porta e gritou:
— Coisas lindas para vender, muito barato, muito barato.
A pequena Branca de Neve olhou pela janela e gritou.
— Bom dia, minha boa senhora, o que a senhora tem para vender?
— Coisas boas, coisas bonitas, respondeu ela; laços de renda de todas as cores, e ela pegava um que fora tecido com seda de cor brilhante.
— Eu poderia deixar a pobre velhinha entrar, pensou Branca de neve, e ela destravou a porta e comprou os lindos laços.
— Menina, disse a velhinha,— como você parece assustada, venha, eu vou colocar o laço em você direitinho. Branca de Neve não ficou desconfiada, e ficou de frente para ela, e deixou que ela colocasse o novo laço bem direitinho. Mas a velhinha colocou o laço tão rapidamente e apertou tão forte que Branca de Neve perdeu a respiração e caiu como se estivesse morta.
— Agora eu sou a mais bela, disse a rainha para si mesma, e fugiu.
Não muito tempo depois, ao anoitecer, os sete anõezinhos chegaram em casa, mas, que choque eles tiveram, quando viram a pequena e doce Branca de Neve deitada no chão, e que ela não se mexia, nem se movia, e parecia estar morta. Eles a levantaram, e quando viram que o laço estava muito apertado, eles cortaram o laço, então ela começou a respirar um pouco, e depois de algum tempo acordou novamente. Quando os anões souberam o que tinha acontecido, eles disseram:
— A velha vendedora nada mais era do que a bruxa má, tome cuidado e não deixe ninguém entrar quando nós não estivermos aqui.
Mas a mulher perversa quando chegou em casa foi para a frente do espelho e perguntou:
— Espelho, espelho, me responda em verso,
— Quem é a mais bela de todo o universo?
E ele respondeu como antes
— Oh, rainha, vejo que tu és a mais bela, mas além das colinas, onde vivem os sete anões, Branca de Neve ainda vive e está bem, e ninguém é tão bela quanto ela.
Tendo ouvido isso, todo seu sangue encheu o seu coração de medo, porque ela soubera claramente que a pequena Branca de Neve estava viva novamente. Mas, agora, ela disse:
— Pensarei em alguma coisa que colocará um fim nisso, e com a ajuda da feitiçaria, que ela conhecia, ela fez um pente envenenado. Depois, ela se disfarçou e assumiu o aspecto de outra velhinha. Então ela subiu as sete montanhas onde moravam os sete anões, bateu na porta e gritou:
— Boas coisas para vender, barato, muito barato! A pequena Branca de Neve olhou e disse:
— Vá embora, não posso deixar ninguém entrar.
— Suponho que você possa olhar, disse a velhinha, e pegou o pente envenenado e mostrou para ela. A garota gostou tanto do pente que novamente ela se deixou ser enganada, e abriu a porta. Depois de feita a barganha, a velhinha disse:
— Agora, deixe-me penteá-la uma vez. A pobre Branca de Neve não desconfiou de nada, e deixou que a velhinha fizesse como quisesse, porém, mal colocou o pente em seu cabelo e o veneno que havia nele teve efeito, e a garota perdeu o sentido e caiu. Você que é o padrão de beleza, disse a mulher má,— agora você não é mais, e foi embora.
Mas, infelizmente, era quase noite, quando os sete anões chegaram em casa. Quando viram Branca de Neve deitada como se estivesse morta no chão eles imediatamente desconfiaram da madrasta, e eles olharam, e encontraram o pente envenenado. Mal o haviam retirado, quando Branca de Neve voltou a si, e lhes contou o que havia acontecido. Eles a alertaram mais uma vez para que ela ficasse atenta e não abrisse a porta para ninguém.
A rainha, em casa, foi para a frente do espelho e disse:
— Espelho, espelho, me responda em verso,
— Quem é a mais bela de todo o universo?
Então ele respondeu como antes:
— Oh, rainha, vejo que tu és a mais bela, mas além das colinas, onde vivem os sete anões, Branca de Neve ainda vive e está bem, e ninguém é tão bela quanto ela.
Quando ela ouviu o espelho falando dessa maneira ela ficou trêmula e tremia de raiva. Branca de Neve morrerá, ela gritava, — mesmo que isso custe a minha vida!
Em seguida, dirigiu-se para uma sala totalmente secreta e solitária, onde nunca ia ninguém, e lá ela preparou uma maçã venenosa. De fora ela parecia perfeita, branca com casca vermelha, de modo que qualquer um que a visse, imediatamente a desejasse, mas aquele que mordesse um pedaço dela, morreria sem demora.
Quando a maçã ficou pronta, ela pintou o rosto, e se vestiu como se fosse uma camponesa, e assim ela subiu as sete montanhas até a casa dos sete anões. Ela bateu na porta. Branca de Neve colocou a cabeça fora da janela e disse:
— Não posso deixar ninguém entrar, os sete anões me proibiram.
— E isso vale para mim também, respondeu a mulher,— preciso acabar logo com estas maçãs. Pegue, eu lhe darei uma.
— Não, disse Branca de Neve,— não ouso pegar nada. Você está com medo do veneno?, disse a velhinha; olhe, cortarei a maçã em dois pedaços, você come a parte vermelha, e eu como a branca. A maçã era tão bem preparada que somente a parte vermelha estava envenenada.
Branca de Neve estava desesperada para comer a maçã, e quando ela viu que a mulher havia comido um pedaço dela, ela não conseguiu resistir mais, estendeu as suas mãos, e pegou a metade envenenada. Porém, mal havia colocado um pedaço dela na boca e ela caiu morta. Então a rainha olhou para ela com um olhar assustador, e gargalhou em voz alta e disse:
— Branca como a neve, vermelha como o sangue, negra como a madeira do ébano! Desta vez os anões não conseguirão acordá-la novamente.
E quando ela perguntou ao espelho em casa:
— Espelho, espelho, me responda em verso,
— Quem é a mais bela de todo o universo?
Finalmente ele respondeu:
— Oh, rainha, tu és a mais bela de todas.
Então, o seu coração invejoso descansou tudo aquilo que um coração invejoso pode descansar.
Os anões, quando eles chegaram em casa à noite, encontraram Branca de Neve deitada no chão; ela não respirava mais e estava morta. Eles a levantaram e procuraram saber se havia alguma coisa venenosa, tiraram o seu laço, pentearam o seu cabelo, lavaram-na com água e vinho, mas tudo isso de nada adiantou, a pobre menina estava morta e continuava morta. Eles a colocaram num esquife, e todos os sete anões se sentaram em torno dela, e choravam por ela, e choraram durante três dias.
Então, quando eles estavam indo sepultá-la, perceberam que ela parecia como se estivesse viva, e suas bochechas eram ainda lindas e vermelhas. E disseram:
— Não podemos sepultá-la no chão escuro, e fizeram então um esquife transparente, todo de vidro, de modo que ela podia ser vista de todos os lados, e a colocaram dentro dele, e escreveram o nome dela nele em letras douradas, e que ela era a filha do rei.
Então eles colocaram o esquife em cima da montanha, e um deles sempre ficava ao lado dele, vigiando-o. E os pássaros vinham também, e choravam por Branca de Neve, primeiro, uma coruja; depois um corvo, e finalmente uma pomba.
E assim Branca de Neve ficou um longo, longo tempo no esquife, e ela não se modificava, mas parecia que estivesse dormindo, porque ela era tão branca como a neve, tão vermelha como o sangue, e o seu cabelo era negro como o ébano.
Aconteceu, porém, que um filho do rei veio até a floresta, e foi à casa dos anões para passar a noite. Ele viu o esquife em cima da montanha, e a bela Branca de Neve dentro dele, e leu o que estava escrito nele em letras douradas. Então ele disse aos anões:
— Deixem que eu leve o esquife, eu lhes darei qualquer coisa que vocês quiserem por ele. Mas os anões responderam:
— Nós não nos separaremos deles nem com todo o ouro do mundo. Então ele disse:
— Dêem-me então como presente, pois eu não posso viver sem ver Branca de Neve. Irei honrá-la e louvá-la como aquilo que possuo de mais caro. Como ele falava dessa maneira, os bons anões tiveram dó dele, e lhe entregaram o esquife.
E então o filho do rei mandou que ele fosse carregado pelos seus criados em seus ombros. E aconteceu que eles tropeçaram em um toco de árvore, e com o choque o pedaço venenoso da maçã que Branca de Neve tinha mordido saltou de sua garganta.
E depois de muito tempo ela abriu os seus olhos, levantou a tampa do esquife, se sentou, e estava viva mais uma vez.— Oh, céus, onde estou?, ela gritava. O filho do rei, cheio de alegria, disse:
— Você está comigo, e lhe contou o que tinha acontecido, e disse:
— Eu a amo mais do que tudo no mundo, venha comigo para o palácio do meu pai, você será a minha esposa.
E Branca de Neve estava querendo, e foi com ele, e o seu casamento foi realizado com grande espetáculo e com muito esplendor. Porém, a madrasta má de Branca de Neve foi também convidada para a festa. Quando ela tinha se arrumado com belas roupas, ela foi diante do espelho e disse:
— Espelho, espelho, me responda em verso,
— Quem é a mais bela de todo o universo?
O espelho respondeu:
— Oh, rainha, de todas aqui tu és a mais bela, mas a jovem rainha é de longe a mais bela, com certeza.
Então a mulher má soltou uma maldição, e ficou tão furiosa, tão verdadeiramente furiosa, que ela não sabia o que fazer. A princípio, pensou em não ir ao casamento de modo algum, mas ela não tinha paz, e precisava ir para ver a jovem rainha. E quando ela chegou, ela conheceu Branca de Neve, e ela ficou paralizada de ódio e pavor, e não conseguia se mexer. Porém, sapatos de ferro já haviam sido colocados no braseiro, e foram trazidos com pinças, e colocados diante dela. Então ela foi obrigada a colocar os sapatos em brasa e dançar até cair morta.
Conto dos Irmãos Grimm
O REI BARBA DE TORDO / O REI BICO DE TORDO
Um Rei tinha uma filha que era linda além de qualquer medida, mas que era tão orgulhosa e arrogante que nenhum pretendente era bom o suficiente para ela. Ela mandou embora um após o outro, assim como os ridicularizava.
Certa vez o Rei fez um grande banquete e convidou então, de longe e de perto, todos os jovens que pudessem casar. Eles estavam todos organizados em uma linha de acordo com seus níveis e reputação; primeiro vieram os reis, então os grão-duques, então os príncipes, condes, barões, e os gentios. Então a filha do rei passou pelas fileiras, mas para cada um ela tinha alguma objeção para fazer; um era muito gordo, “O barril de vinho”, ela disse. Outro era muito alto, “longo e magro com pouco dentro.” O terceiro era muito baixo, “pequeno e grosso nunca é rápido.” O quarto era muito pálido, “Tão pálido quanto a morte.” O quinto era muito ruivo, “Um galo de briga.” O sexto não era direito o suficiente, “Um galho verde seco atrás do fogão.”
Então ela tinha algo para dizer contra cada um, mas ela se fez especialmente agradável sobre o bom rei que estava quieto bem no final da fila, e cujo queixo cresceu um pouco curvo. “Bem,” ela gritou e riu, “ele tem um queixo parecido com uma bico-de-tordo!” e a partir de então ele ganhou o apelido de Rei bico-de-tordo.
Mas o velho Rei, quando viu que sua filha não fazia nada além de zombar das pessoas, e desdenhava todos os pretendentes que havia reunido ali, ficou com muita raiva, e jurou que ela teria como seu marido o primeiro mendigo que viesse a sua porta.
Alguns dias depois um violinista veio e cantou abaixo da janela, tentando ganhar um pouco de esmola. Quando o Rei ouviu ele, disse, “Deixe-o entrar.” Então o violinista veio, com sua sujeira, roupas rasgadas, e cantou diante do Rei e sua filha, e quando ele terminou pediu por um presente insignificante. O Rei então disse, “Sua música me agradadou tanto que eu te darei minha filha aqui, como esposa.”
A filha do Rei estremeceu, mas o Rei disse, “Eu fiz um juramento de te dar para o primeiro mendigo que aparecesse, e vou manter minha palavra.” Tudo que ela dizia era em vão; o padre foi trazido, e ela teve que se deixar casar ao violinista na mesma hora. Quando estava terminado o Rei disse, “Agora não é apropriado para você, uma mendiga, permanecer mais no meu palácio, você pode ir agora com o seu marido.”
O mendigo a levou para fora pela mão, e ela foi obrigada a andar a pé com ele. Quando eles chegaram a uma grande floresta ela perguntou, “A quem pertence esta bela floresta?” “Pertence ao Rei bico-de-tordo; se o tivesse tomado como marido, ela teria sido sua.” “Ah, que garota infeliz que sou, se tivesse escolhido o Rei bico-de-tordo!”
Logo depois eles chegaram a uma campina, e ela perguntou de novo, “A quem pertence esta bela e verde campina?” “Pertence ao Rei bico-de-tordo; se o tivesse tomado como marido, ela teria sido sua.” “Ah, que garota infeliz que sou, se tivesse escolhido o Rei bico-de-tordo!”
Então eles chegaram a uma grande cidade, e ela perguntou de novo, “A quem pertence esta bela grande cidade?” “Pertence ao Rei bico-de-tordo; se o tivesse tomado como marido, ela teria sido sua.” “Ah, que garota infeliz que sou, se tivesse escolhido o Rei bico-de-tordo!”
“Não me agrada,” disse o violinista, “ouvir você sempre desejar por outro marido; não sou bom o suficiente para você?” Por fim eles chegaram a uma pequena cabana, e ela disse, “Oh, meu deus! que casa pequena; a quem pertence esta barraca miserável de segunda categoria?” O violinista respondeu, “Esta é minha casa e sua, onde nós viveremos juntos.”
Ela teve que se inclinar para poder passar pela porta. “Onde estão os criados?” disse a filha do Rei. “Que criados?” respondeu o mendigo; “você deve fazer por conta própria o que quiser que seja feito. Apenas acenda o fogo de uma vez, e coloque água para cozinhar minha sopa pois estou muito cansado.” Mas a filha do Rei não sabia nada sobre acender o fogo ou cozinhar, e o mendigo teve que ajudá-la para conseguir qualquer coisa bem feita. Quando terminaram a escassa refeição eles foram para a cama; mas ele a forçou a acordar bem cedo de manhã para cuidar da casa.
Por alguns dias eles viveram deste jeito tão bem quanto podia, e veio então o fim de todas as suas provisões. Então o homem disse, “Mulher, não podemos seguir mais comendo e bebendo aqui sem ganhar nada. Teça algumas cestas.” Ele saiu, cortou alguns salgueiros, e os trouxe para casa. Então ela começou a tecer, mas os salgueiros duros machucaram suas delicadas mãoes.
“Vejo que isto não funcionará,” disse o homem; “melhor você fiar, talvez consiga fazer melhor.” Ela sentou e tentou fiar, mas o duro fio cortou seus dedos macios fazendo o sangue escorrer. “Veja,” disse o homem, “você não serve para nenhum tipo de trabalho; Fiz uma barganha ruim por você. Agora vou tentar fazer algum negócio com os potes e cerâmicas; você deve se sentar no mercado e tentar vendê-las.” “Ai de mim,” ela pensou, “se qualquer pessoa do reino de meu pai vier ao mercado e me ver sentada lá, vendendo, como eles irão zombar de mim?” Mas não houve jeito, ela tinha que ir exceto se quissesse morrer de fome.
Pela primeira vez ela foi bem sucedida, pois as pessoas ficaram satisfeitas de comprar cerâmicasde uma mulher e ela era muito bonita, e pagavam o que ela pedia; muitos inclusive davam o dinheiro e deixavam os potes com ela também. Então eles viveram com o que ela ganhara enquanto durou, então o marido comprou um novo lote de cerâmica. Com estes ela sentou na esquina do mercado, e ajeitou a sua volta pronta para começar a vender. Mas de repente veio um ladrão de estradas bêbado galopando ao longe, e ele cavalgou entre os potes quebrando todos em mil pedaços. Ela começou a chorar, e não sabia o que fazer por medo. “Ai de mim! o que acontecerá comigo?” ela gritou; “o que meu marido dirá disso?”
Ela correu para casa e contou a ele sua falta de sorte. “Quem se sentaria na esquina do mercado com cerâmicas?” disse o homem; “para de chorar, vejo muito bem que você não pode fazer um trabalho comum, então fui ao palácio de nosso Rei e pedi se eles não teria um lugar para uma empregada na cozinha, e eles prometeram aceitar você; deste jeito irá conseguir comida de graça.”
A filha do Rei era agora empregada na cozinha, e tinha que estar a disposição do cozinheiro, e fazer o trabalho mais sujo. Em seus bolsos ela prendeu um pequeno pote, no qual ela levava para casa sua parte dos restos, e com estes eles viviam.
Aconteceu que o casamento do filho mais velho do Rei iria ser celebrado, e a pobre mulher subiu e foi até a porta do salão para observar. Quando todos as velas foram acessas, e pessoas, cada uma mais bonita que a outra, entraram, e tudo estava cheio de glória e esplendor, ela pensou na sua sorte com o coração triste, e amaldiçoou o orgulho e arrogância que a humilhou e a trouxe para tamanha pobreza.
O cheiro delicioso dos pratos que estavam sendo trazidos pra dentro e fora alcançaram ela, e agora e então os empregados jogaram para ela alguns pedaços deles: estes ela guardou nos potes e levou para casa.
De repente o filho mais velho do Rei entro, vestido em veludo e seda, com uma corrente de ouro em seu pescoço. E quando ele viu a bela mulher em pé perto da porta ele a segurou pela mão, e a teria levado para dançar; mas ela se recusou e recuou com medo, porque ela viu que era o Rei bico-de-tordo, seu pretendente que ela havia repudiado com escárnio. Seu esforço foi em vão, e ele a levou para o salão; mas o barbante pelo qual seus bolsos estavam pendurados partiu, e os potes caíram, a sopa escorreu, e as migalhas se esparramaram. E quando as pessoas viram, houve uma risada e zombaria geral, e ela ficou tão envergonhada que preferia estar mil vezes num buraco abaixo do chão. Ela saltou em direção a porta e teria fugido, mas nas escadas um homem a segurou e trouxe de volta; e quando olhou para ele era o Rei bico-de-tordo novamente. Ele disse a ela gentilmente, “Não tenha medo, sou o violinista com quem tem vivido naquela cabana miserável. Por amor a você me disfarcei assim; e também fui o ladrão de estradas bêbado que cavalgou entre a cerâmica. Tudo isto foi feito para seu espírito orgulhoso, e para puni-la pela insolência com o qual você zombou de mim.”
Então ela chorou amargamente e disse, “Fiz muito errado, e não sou digna de ser sua esposa.” Mas ele disse, “Console-se, os dias ruins estão no passado; agora nós vamos celebrar nosso casamento.” Então as damas de companhia vieram e a colocaram numa roupa esplêndida, e seu pai e toda a sua corte vieram e desejaram sua felicidade pelo seu casamento com o Rei bico-de-tordo, e a alegria começou a sério. Gostaria que eu e você estivéssemos lá também.
Conto dos Irmãos Grimm
O PÁSSARO ACHADO / O PÁSSARO VOADOR
Era uma vez um guarda florestal que foi à floresta para caçar, e assim que entrou na floresta ele ouviu o som de alguém gritando como se uma criança estivesse por ali. Ele seguiu os ecos do som, até que chegou perto de uma árvore muito alta, e no topo da árvore havia uma criança sentada, pois a mãe havia adormecido debaixo da árvore com a criança, e uma ave de rapina, tendo visto a criança em seus braços, desceu voando, e a levou embora, pousando no topo da árvore.
O guarda florestal subiu até o topo, desceu a criança, e pensou consigo mesmo: “Você irá levar esta criança para casa, e vai educá-la junto com a sua pequena Lina.” Ele a levou para casa, portanto, e as duas crianças cresceram juntas. E a pequenina, que ele encontrou em cima da árvore ele deu o nome de Fundevogel[1], porque um pássaro a havia levado embora. Fundevogel e Lina amavam-se com tanto carinho que quando um não via o outro eles ficavam tristes.
E aconteceu que o guarda florestal tinha uma velha cozinheira, que uma noite pegou dois baldes e foi buscar água, e não foi buscar somente uma vez, mas várias vezes, foi até a fonte. Lina viu isto e disse, “Ouça, minha velha Sanna, porque você está buscando tanta água?” “Se você nunca contar isto para ninguém, eu lhe direi porque.” Então, Lina disse, não, eu jamais contaria isto para ninguém, e então, a cozinheira falou: “Amanhã de manhã bem cedo, quando o guarda florestal tiver saído para caçar, eu vou aquecer bastante água, e quando ela estiver fervendo dentro da chaleira, eu vou jogá-la sobre o Fundevogel, e vou cozinhá-lo na água fervendo.”
Na manhã seguinte, bem cedinho, o guarda florestal se levantou e saiu para caçar, e quando ele tinha saído as crianças ainda estavam na cama. Então, Lina disse para o Fundevogel: “Se você nunca me deixar, eu nunca te deixarei também.” Fundevogel falou: “Nem agora, nem nunca eu te deixarei.” Então, Lina disse: “Então, preciso lhe contar uma coisa. Na noite passada, a velha Sanna carregou tantos baldes de água para casa que eu perguntei a ela porque estava fazendo aquilo, e ela me pediu para que eu prometesse não contar nada para ninguém, e ela disse que no dia seguinte, bem cedo de manhã, quando o nosso pai tivesse saído para caçar, ela iria pegar um balde cheio de água, jogaria você dentro dele e cozinharia você; mas nós vamos nos levantar rapidamente, vamos nos vestir, e fugiremos juntos.”
Então, as duas crianças se levantaram, se vestiram rapidamente, e foram embora. Quando a água estava fervendo dentro da chaleira, a cozinheira entrou no quarto para buscar Fundevogel e jogá-lo dentro dela. Mas quando ela entrou no quarto, e foi até as camas, as duas crianças já não estavam mais lá. Então, ela ficou muito preocupada, e falou consigo mesma: “O que é que eu vou dizer agora quando o guarda florestal chegar em casa e ver que as crianças sumiram? Preciso procurá-las imediatamente para trazê-las de volta para casa.”
Então, a cozinheira mandou que três criadas fossem atrás delas, as quais deviam se apressar e trazer as crianças. As crianças, contudo, ficaram sentadas fora da floresta, e quando elas viram de longe as três criadas correndo, Lina disse para Fundevogel: “Jamais me abandone, e eu jamais te abandonarei.” Fundevogel falou: “Nem agora, nem nunca.” Então, Lina disse: “Você se transforma numa roseira, e eu serei a rosa da roseira.” Quando as três criadas chegaram à floresta, não havia nada ali com exceção de uma roseira e de uma rosa em cima da roseira, mas as crianças não estavam em lugar algum.
Então, elas disseram: “Não temos mais nada a fazer aqui,” e elas voltaram para casa e disseram para a cozinheira que elas não tinham visto nada na floresta, apenas uma pequena roseira com uma rosa em cima dela. Então, a velha cozinheira as repreendeu e disse: “Suas tolas, vocês deveriam ter cortado a roseira em duas partes, deviam ter arrancado a rosa e trazido ela para casa com vocês; vão, e façam isso imediatamente.” Então, elas tiveram que sair e procurar pela segunda vez. As crianças, no entanto, viram quando elas estavam chegando à distância. Então, Lina falou: “Fundevogel, nunca me abandone, e eu nunca te abandonarei.” Fundevogel falou: “Nem agora, nem nunca.” Disse Lina: “Então, transforme-se numa igreja, e eu serei o candelabro da igreja.”
Então, quando as três criadas chegaram, não havia nada ali, além de uma igreja com um candelabro. Então, as criadas disseram uma para a outra: “Não há nada para fazer aqui, vamos voltar para casa.” Quando elas chegaram em casa, a cozinheira perguntou se elas haviam encontrado as crianças; então, elas disseram que não, elas não tinham visto nada, apenas uma igreja, e havia um candelabro dentro da igreja. A cozinheira então as repreendeu e disse: “Suas tolas! porque vocês não reduziram a igreja a destroços, e trouxeram o candelabro com vocês para casa?” Então, a velha cozinheira saiu ela mesma, e foi com as três criadas a procura das crianças. As crianças, todavia, viram de longe que as três criadas estavam chegando, e a cozinheira vinha correndo atrás delas.
Então, disse Lina: “Fundevogel, nunca me abandone, e eu nunca te abandonarei.” Então, Fundevogel falou: “Nem agora e nem nunca.” Disse Lina: “Transforme-se numa lagoa de peixes, e eu serei um patinho brincando ao redor da lagoa.” A cozinheira, entretanto, chegou perto deles, e quando ela viu a lagoa, ela se curvou diante da lagoa, e ia beber um pouco de água. Mas o pato nadou rapidamente até ela, pegou a cabeça dela com o bico e a empurrou para dentro da água, e lá a velha bruxa morreu afogada. Então, as crianças foram juntas para casa, e elas estavam muito felizes, porque eles não morreram, e ainda estavam vivas.
Conto dos Irmãos Grimm
HISTÓRIAS E CONTOS COMO EDUCADORES DE HÁBITOS
Antes da troca dos dentes todas as histórias, contos, etc. devem ter por único fim trazer para a criança um ambiente de alegria e riso; mais tarde, as histórias deverão conter, além disso, imagens vívidas que incitem nos adolescentes o desejo de igualar os feitos descritos. Não se deve esquecer que maus hábitos podem ser combatidos por meio de imagens repugnantes apropriadas. Quando existem tais maus hábitos e inclinações, pouco adianta recorrer a admoestações. Contudo, muito pode ser feito, para erradicá-los, por meio de imagens realistas de seres humanos maus que possuam os mesmos defeitos e sofram suas consequências negativas em sua vida posterior.
Rudolf Steiner – GA 34
O EXEMPLO E O IMPULSO PLASMADOR NA EDUCAÇÃO
Entre os impulsos que têm efeito plasmador sobre os órgãos físicos encontramos, pois, a alegria provocada pelo ambiente e, dentro deste, os rostos alegres dos educadores, com um amor antes de tudo sincero, nunca forçado. Tal amor, que permeia calorosamente todo o ambiente, incuba, no verdadeiro sentido da palavra, as formas dos órgãos físicos.
Quando pode imitar tais exemplos sadios numa atmosfera de amor, a criança encontra-se em seu elemento adequado. Deve-se cuidar rigorosamente para que ao redor da criança nada ocorra que ela não deva imitar. Ninguém deveria praticar qualquer ação que ela fosse proibida de fazer.
Quando se vê uma criança rabiscar letras muito antes de lhes compreender o sentido, contata-se que ela procura, nessa idade, apenas imitar. Aliás, é bom que ela primeiro imite esses signos e somente mais tarde entenda seu sentido. […] Todo aprendizado deveria ocorrer, nessa época [o autor refere-se ao período até a troca dos dentes, isto é, ao redor de 7 anos], especialmente pela imitação. É ouvindo que melhor a criança aprende a falar. Quaisquer regras e qualquer instrução artificial nada podem trazer de bom.
Rudolf Steiner – GA 34
A SACRAMENTAÇÃO DO PROCESSO PEDAGÓGICO
É necessário que o professor […] esteja em condições de entender os fatos culturais a partir dos fundamentos. Seu modo de ver a figura humana será diferente de quando ele vê no ser humano apenas um animalzinho, um corpo animal um pouco melhor desenvolvido.
Hoje, no fundo, o professor – entregando-se por vezes a ilusões em seu escritório – encara seu semelhante com a clara consciência de que o ser humano em crescimento é um pequeno animalzinho, que ele precisa desenvolver um pouco mais do que a natureza já desenvolveu.
Ele sentir-se-á diferente se disser: “Eis um ser humano do qual emanam relações para com todo o universo, e em cada criança individual tenho – caso eu trabalhe para isso, faça algum esforço – algo significativo para o universo inteiro. Estamos na sala de aula: em cada criança reside um centro do universo, um centro do macrocosmo. Esta sala de aula é o ponto central, formando mesmo vários pontos centrais para o macrocosmo.”
Imaginem o que significa isso se sentido vividamente! Como a ideia do universo e sua relação com o ser humano transforma-se num sentimento que santifica cada uma das medidas pedagógicas! Sem possuir tais sentimentos sobre o ser humano e o universo não chegamos a ensinar séria e corretamente.
No momento em que temos tais sentimentos, estes se transferem às crianças por meio de ligações subjacentes. […] A pedagogia não pode ser uma ciência; deve ser uma arte. E onde existe uma arte que se possa aprender sem viver constantemente em sentimentos? No entanto, os sentimentos nos quais é preciso viver para exercer aquela grande arte da vida que é a pedagogia, esses sentimentos que é preciso ter com vistas à pedagogia, só se acendem pela observação do macrocosmo e sua relação com o ser humano.
Rudolf Steiner – GA 293
O ATUAR PEDAGÓGICO E SUA INFLUÊNCIA NA CRIANÇA
O que faço, como professor, na criança em idade escolar, penetra profundamente na natureza física, psíquica e espiritual. Muitas vezes, por décadas, isso atua de certa forma por baixo da superfície e vem à tona de modo bem peculiar décadas depois, às vezes no fim da vida da pessoa, sendo que foi implantado nela, como germe, no início de sua vida. Só podemos atuar corretamente na criança pequena, quando olhamos não só para ela, mas sim quando consideramos toda a vida humana, num verdadeiro conhecimento do ser humano.
Rudolf Steiner – GA 308
OS PILARES DA PEDAGOGIA
Necessidade de fantasia, senso de verdade, sentimento de responsabilidade – estas são as três forças que constituem os pilares da pedagogia. E quem deseja assimilar pedagogia, imponha-se diante dessa pedagogia, como lema, o seguinte:
Permeie-se com capacidade de ter fantasia,
Tenha a coragem para a verdade,
Aguce seu sentimento para a responsabilidade anímica.
Rudolf Steiner – GA 293
CONTEÚDO DO ENSINO VIVO E PERMEADO DE FANTASIA
[…] é preciso levar continuamente em conta que especialmente nesses anos [do ensino fundamental] é mister desenvolver de forma motivadora aquilo que, dando nascimento à fantasia, passa do professor ao aluno.
O professor deve manter o conteúdo do ensino vivo dentro de si, deve permeá-lo de fantasia. Não se pode fazê-lo a não ser permeando-o de vontade ligada ao sentimento. Às vezes isso atua ainda em anos posteriores de maneira bastante peculiar. O que deve ser intensificado nos últimos anos do ensino fundamental, e que se reveste de especial importância, é a convivência, a vida em sintonia entre professor e os alunos.
Por isso, não será um bom professor de ensino fundamental quem não se esforçar repetidamente por estruturar com bastante fantasia, e de maneira sempre nova seu conteúdo de ensino. Pois de fato é assim que acontece: quando, depois de anos, se ministra exatamente da mesma maneira o que uma vez se estruturou repleto de fantasia, o assunto congelou intelectualmente. É necessário que a fantasia seja mantida viva, do contrário seus resultados congelarão intelectualmente.
Rudolf Steiner – GA 293
AS TRÊS REGRAS DE OURO DA ARTE DE EDUCAR
Deve-se poder educar de tal modo que se removam os obstáculos físicos e anímicos para aquilo que, a partir de uma ordem divina, penetra nas crianças como novidade em cada época no mundo, e que se crie para o aluno um ambiente por meio do qual seu espírito possa adentrar na vida em completa liberdade.
As três regras de ouro da arte de educar e de lecionar que, em cada professor, em cada educador, devem ser disposição total, impulso total para o trabalho, que não podem ser concebidas simplesmente de maneira intelectual, mas devem ser apreendidas a partir do ser humano global, devem ser:
[1] Gratidão religiosa frente ao cosmo que se manifesta na criança,
[2] unida à consciência de que a criança representa um enigma divino, que se deve solucionar mediante a arte de ensinar.
[3] Praticar com amor um método de ensino pelo qual a criança se educa instintivamente junto a nós, de modo que não se ameace a sua liberdade, que deve ser considerada também onde se encontra o elemento inconsciente da força orgânica de crescimento.
Rudolf Steiner – GA 305
Tradução: Valdemar W. Setzer
VENERAÇÃO DIANTE DO ESPÍRITO DA CRIANÇA
Não se deve dizer a si próprio: você deve derramar isto ou aquilo na alma da criança. Mas deve-se ter veneração frente ao seu espírito. Você não consegue desenvolver esse espírito; ele desenvolve-se por si próprio. Compete a você afastar os obstáculos para o seu desenvolvimento, e trazer-lhe aquilo que lhe permite desenvolver-se. Você consegue afastar os obstáculos físicos e também um pouco os anímicos. Aquilo que o espírito deve aprender, ele o aprende devido ao fato de você lhe afastar esses obstáculos. Pela vida o espírito também já se desenvolve na juventude mais tenra. Mas sua vida é aquilo que o educador desenvolve em seu ambiente.
Rudolf Steiner – GA 305
Tradução: Valdemar W. Setzer
IGUALDADE DE DIREITOS – A MULHER E AS INCLINAÇÕES INDIVIDUAIS
Os mais arraigados preconceitos são referentes ao sexo. O homem vê na mulher e a mulher no homem, quase sempre, demais do caráter genérico do sexo e muito pouco da individualidade.
Na vida prática, isso prejudica menos os homens que as mulheres. A posição social da mulher é geralmente tão indigna, porque depende demais de preconceitos referente às pretensas tarefas e necessidades naturais da mulher e muito pouco do caráter individual. As atividades do homem baseiam-se em suas faculdades e inclinações individuais, as da mulher devem ser exclusivamente julgadas pelo fato de ela ser mulher. A mulher deve ser, segundo essa visão, escrava do caráter genérico, ou do feminino em geral. Enquanto os homens continuarem debatendo se a mulher serve ou não, em função de sua disposição natural, para esta ou aquela profissão, o problema de igualdade da mulher não vai progredir.
O que a mulher pode querer de acordo com a sua disposição natural, tem que ser decidido por ela. Se fosse verdade que as mulheres só servem para as profissões atualmente exercidas por elas, então dificilmente conseguiriam exercer outras por força própria. Porém elas devem decidir livremente o que lhes convém, segundo a sua natureza. Quem teme o abalo da ordem social em virtude de se atribuir à mulher direitos individuais, não entende que uma ordem social na qual a metade leva uma vida indigna precisa, sim, e muito, de melhoramentos.
Rudolf Steiner – GA 04
O ENIGMA DA INDIVIDUALIDADE
Como decifrar o enigma que cada pessoa nos apresenta? Nós o decifraremos defrontando-nos com essa pessoa de modo a estabelecermos harmonia entre nós e ela. É imbuindo-nos assim, com sabedoria de vida, que poderemos decifrar o principal enigma da existência, ou seja, cada ser humano em particular. Não é desfiando ideias e conceitos abstratos que o decifraremos. […] O que devemos fazer é colocar-nos diante de cada pessoa em particular, manifestando-lhe compreensão imediata.
Rudolf Steiner
Tradução: A. Hahn
EGOÍSMO X FRATERNIDADE
Se cada pessoa age por si, cria-se desarmonia. Se, em nosso campo, os indivíduos que atuam a partir de algo não caminham juntos, não se encontram, não surge Antroposofia dentro da humanidade. Antroposofia exige, como um fato, uma real fraternidade humana até as profundezas da alma. Caso contrário, pode-se dizer: um mandamento é a realidade. Na Antroposofia deve-se dizer: ela só cresce com base na fraternidade; ela não pode mesmo crescer de outra forma, a partir de sua natureza, senão da fraternidade, onde o indivíduo dá ao outro o que ele tem e o que pode.
Rudolf Steiner – GA 211
Tradução: Valdemar W. Setzer
A SUPERAÇÃO DO AMBIENTE MERAMENTE TEÓRICO NAS QUESTÕES SOCIAIS
Por que falamos hoje em dia tanto sobre a questão social? Porque nós nos tornamos completamente antissociais. Fala-se normalmente de maneira teórica principalmente sobre aquilo que não está presente na sensação e no instinto. Sobre o que neles está presente, não se fala teoricamente.
Se houvesse sensibilidade social na humanidade, ouvir-se-ia muito pouco sobre teorias e agitações sociais. O ser humano torna-se teórico em algum campo quando lhe falta algo. Em verdade, as teorias são sempre sobre algo que não é real. Mas devemos hoje procurar a vida real, é isso que importa. Isso requer mais esforço do que desenvolver uma teoria.
Mas o progresso humano não vai para frente, se ele não penetra realmente na vida, pois o espírito teórico é o que desintegrou nosso mundo, o que hoje aproxima nossa civilização do caos. E o espírito de vida é o único que pode conduzir-nos para frente.
Rudolf Steiner – GA 305 (28/8/1922)
Tradução: Valdemar W. Setzer
A ADMIRAÇÃO E O CAMINHO SAUDÁVEL PARA O CONHECIMENTO
Quem reflete e repara, mesmo que só um pouco, no processo que vivencia em sua alma quando se aproxima de qualquer tipo de conhecimento, poderá experimentar em si próprio que um caminho saudável para o conhecimento sempre tem seu ponto de partida na admiração, na surpresa sobre algo.
Essa admiração, essa surpresa da qual tem de começar todo processo cognitivo, pertence justamente àquelas vivências anímicas que temos de considerar como as que trazem nobreza e vida ao que é sóbrio. Pois, o que seria qualquer conhecimento instalado em nossa alma, que não partisse da admiração? Seria, na verdade, um conhecimento totalmente imerso em sobriedade e pedantismo.
Somente o processo que se passa na alma e que transcende a surpresa, partindo dela e conduzindo à felicidade alcançada pela solução dos enigmas, constitui o aspecto nobre e intimamente vivo do processo cognitivo. Em realidade, dever-se-ia sentir o elemento seco e ressecante de um conhecimento não emoldurado por esses dois movimentos da alma. O conhecimento sadio está emoldurado por admiração e felicidade diante do enigma solucionado.
Rudolf Steiner – GA 132
A MEMÓRIA E A ALMA
Precisamos sentir a concatenação das lembranças para nos reconhecermos como seres humanos dotados de alma. […] O que seria de nós se não pudéssemos ligar as novas impressões que nos atingem com tudo aquilo que lembramos? […] Grande parte da educação repousa sobre a possibilidade de encontrar a forma mais efetiva de ligar o novo que devemos oferecer aos jovens, ao que podemos evocar do tesouro de suas lembranças. Resumindo, sempre que se trata de conduzir o mundo exterior ao anímico, de despertar o anímico para que ele sinta e experimente interiormente a própria existência, tudo isso, enfim, refere-se à memória. Devemos concluir que a memória representa a parte mais importante e mais ampla da vida interior do ser humano durante a existência terrestre.
Rudolf Steiner – GA 234
A NATUREZA UNIVERSAL DO PENSAR E A VIDA DE SENTIMENTOS
Nossa vida é uma contínua oscilação entre a nossa participação no processo universal e nossa existência individual. Quanto mais longe ascendemos à natureza universal do pensar, onde o individual só nos interessa como um exemplo, como uma amostra do conceito, tanto mais se perde em nós o caráter do ser particular, da personalidade única bem determinada. Quanto mais longe nos aprofundamos em nossa própria vida, e permitimos que nossos sentimentos vibrem em uníssono com as experiências do mundo exterior, tanto mais nos afastamos da existência universal.
Uma individualidade no verdadeiro sentido da palavra torna-se aquela que com seus sentimentos se eleva o mais alto possível na região das ideias [ideativa]. Existem pessoas nas quais até as ideias mais gerais, que se fixam em suas cabeças, possuem aquele matiz peculiar que mostra de modo inequívoso sua conexão com quem as expõe. Existem outras, por outro lado, cujos conceitos vêm a nos sem qualquer vestígio de individualidade, como se não procedessem de um ser humano de carne e osso.
[…] Uma vida de sentimentos totalmente desprovida de pensar perderia gradulamente toda conexão com o mundo. Toda pessoa que preza uma vivência total procurará, junto com o conhecimento das coisas, o cultivo e o desenvolvimento da vida dos sentimentos.
O sentimento é o meio pelo qual os conceitos adquirem uma vida concreta.
Rudolf Steiner – GA 04
A INTEGRAÇÃO ENTRE O EU E O MUNDO ATRAVÉS DO SENTIR
Nosso pensar nos une com o mundo; nosso sentir nos conduz a nós próprios, fazendo de nós um indivíduo. Se fôssemos simplesmente seres pensantes e dotados de percepção, toda a nossa vida transcorreria numa indiferença total. Se apenas nos reconhecêssemos como nós mesmos, nós nos seríamos completamente indiferentes.
Apenas porque, com o autoconhecimento, temos a sensação do sentimento de nós mesmos, e com a percepção das coisas temos a sensação de prazer e dor, vivemos como seres individuais, cuja existência não se esgota com a relação conceitual, na qual eles se encontram em relação ao resto do mundo, mas que possuem ainda um valor especial para si mesmos.
Rudolf Steiner – GA 04
OBSERVAÇÃO DO OBJETO E DA ATIVIDADE MENTAL QUE A ELE SE DIRIGE
Ao fazer do pensar um objeto da observação, adiciona-se ao conteúdo do mundo normalmente observado algo que, via de regra, escapa à atenção; mas, não se varia a maneira como o ser humano se comporta frente aos outros objetos. Aumenta-se o o número de objetos de observação, mas não o método de observação. Enquanto observamos as demais coisas, junta-se ao acontecimentos do mundo (no qual incluo, agora, o ato de observar) um processo que, habitualmente não é tomado em consideração. É algo que existe diferentemente de todos os outros acontecimentos, e que não é levado em conta.
Se eu observar o meu pensar, porém, inexiste qualquer elemento que não seja levado em conta, pois o que paira no fundo nada é senão o próprio pensar. Sob o ponto de vista qualitativo são iguais, então, o objeto observado e a atividade mental que a ele se dirige. Isso é outra peculiaridade do pensar: ao convertê-lo em objeto de observação, não somos obrigados a fazê-lo com o auxílio de algo qualitativamente diverso, mas podemos permanecer sempre no mesmo elemento.
Rudolf Steiner – GA 04
A OBSERVAÇÃO DO PRÓPRIO PENSAMENTO – PENSO, LOGO EXISTO
Para toda pessoa dotada da faculdade de observar o pensar (e, com boa vontade, pode possuí-la todo homem normal), esta observação é a mais importante que pode fazer – pois ela observa algo cujo surgimento ela mesma provoca; ao observar seu próprio pensar, o observador não se situa frente a um objeto estranho, mas frente à sua própria atividade. Sabe como se produz o que observa e pode perscrutar suas relações e conexões. Alcança então um firme ponto de apoio, a partir do qual pode procurar, com fundadas esperanças, a explicação para os demais fenômenos do mundo.
O sentimento relativo à posse deste firme ponto de apoio foi o que moveu Descartes, fundador da filosofia moderna, a fundamentar todo o saber humano na célebre frase: Penso, logo existo. Todos os demais objetos, todos os demais acontecimentos, têm uma existência independente de mim; não sei se como verdade ou como ilusão ou sonho. A única coisa sei que sei existir com absoluta certeza, já que sou eu mesmo que o traz à sua indubitável existência, é o meu pensar.
Rudolf Steiner – GA 04
A BELA ADORMECIDA / ROSICLER – A BELA ADORMECIDA DO BOSQUE
Há muito tempo atrás havia um Rei e uma Rainha que diziam todos os dias:
— Ah, se nós tivéssemos uma criança! — mas eles nunca tiveram uma. Aconteceu uma vez, quando a Rainha estava tomando banho, um sapo pulou para fora da água, saltou para a terra e disse para ela:
— Seu desejo será realizado, antes que se passe um ano você terá uma filha.
O que o sapo tinha dito, aconteceu, e a Rainha teve a pequena menina que era tão linda que o Rei não podia se conter de felicidade e ordenou que uma grande festa fosse realizada. Ele convidou não somente seus parentes, amigos e familiares mas também as Fadas Madrinhas, para que elas pudessem ser gentis e agradáveis com a criança. Havia treze delas em seu reino, porém, como ele só tinha doze pratos dourados para comer, uma delas não foi convidada.
A festa foi realizada com todo esplendor, e quando chegou no final, as Fadas Madrinhas concederam presentes mágicos ao bebê: uma ofereceu virtude, a outra beleza, a terceira riqueza e assim por diante com tudo no mundo que uma pessoa poderia desejar.
Quando onze delas já tinham cumprido suas promessas, de repente a décima terceira apareceu. Ela queria se vingar por não ter sido convidada, e sem cumprimentar qualquer pessoa ou olhar para ninguém, gritou em voz alta:
— A filha do Rei deverá em seu décimo quinto aniversário picar o dedo com um fuso e cairá morta. — E sem dizer mais nenhuma palavra, virou-se e se retirou do local.
Todos ficaram chocados, mas a décima segunda, que ainda não havia oferecido o seu presente, adiantou-se e como não podia desfazer a maldição, mas, somente amenizá-la, disse:
— Não será a morte, mas um sono profundo que durará cem anos, é o que acontecerá à princesa.
O Rei, que estava disposto a afastar a sua querida filha de tal maldição, deu ordens para que todo fuso do reino fosse destruído. Enquanto isso, os desejos das Fadas Madrinhas foram todos cumpridos para a jovem menina, porque ela era tão bela, modesta, de bom caráter e sábia que todos que a viam se encantavam por ela.
Aconteceu que, bem no dia de seu décimo quinto aniversário, o Rei e a Rainha não estavam em casa, e a jovem foi deixada no palácio totalmente sozinha. Então ela foi a todos os tipos de lugares, olhou nas salas e nos dormitórios exatamente como queria e por fim chegou até a uma velha torre. Ela subiu uma estreita escada em caracol e alcançou uma pequena porta. Uma pequena chave enferrujada estava na tranca, e quando ela virou a porta se abriu, e ali na pequena sala estava sentada uma velhinha com um fuso, muito ocupada fiando seu linho.
— Bom dia, minha senhora, — disse a filha do Rei, — o que você está fazendo?
— Estou fiando — disse a velha apontando com a cabeça.
— Que tipo de coisa é isto, que fica chacoalhando tão alegremente? — disse a garota, que pegou o fuso e queria fiar também. Porém, mal tocou o fuso e a maldição se realizou e ela picou o dedo no fuso.
No momento em que sentiu a picada, ela caiu sobre a cama e ali permaneceu, e caiu em sono profundo. E este sono se estendeu por todo o palácio, o Rei e a Rainha, que tinham acabado de voltar pra casa, entraram no grande salão e começaram a dormir, e toda a corte com eles. Os cavalos também dormiram nos estábulo, os cães nos quintais, os pombos nos telhados e as moscas nas paredes. Até o fogo que estava crepitando começou a ficar calmo e a se apagar, a carne assada deixada para fritar, e o cozinheiro, que estava para puxar o cabelo de um serviçal porque ele havia esquecido de algo, o deixou e começou a dormir. O vento parou e as folhas das árvores que ficavam diante do castelo pararam de se mover.
Porém, em torno do castelo começou a crescer uma cerca de espinhos, que aumentava a cada ano, e que por fim cresceu até cobrir quase todo o castelo e ao redor dele, e então nada mais podia ser visto, nem mesmo a bandeira que estava no telhado. Mas a história da bela adormecida — Rosa do espinho, pois assim ela era chamada, correu o país, e então, de tempos em tempos, príncipes vieram e tentaram atravessar a cerca de espinhos para entrar no castelo.
Mas eles descobriram que era impossível, porque os espinhos eram bem presos como se tivessem mãos. Os jovens ficavam presos neles, não conseguiam se soltar e tinham uma morte lastimável.
Após muitos e muitos anos, um príncipe veio novamente ao reino e ouviu a história de um velhinho que falava sobre a cerca de espinhos, e que um castelo ficava atrás dela, na qual dormia uma princesa maravilhosamente bela, cujo nome era Rosa dos Espinhos, e que estava dormindo há centenas de anos, bem como o Rei e a Rainha e toda a corte estavam dormindo também. Ele havia ouvido também, de seu avô, que muitos príncipes já tinham vindo, e já haviam tentado atravessar a cerca de espinhos, mas eles foram espetados pela cerca de espinho e tiveram uma morte lastimável. Então o jovem disse, — Eu não tenho medo e irei ver a bela adormecida. O velhinho tentou dissuadi-lo como pôde, mas, ele não deu ouvido a suas palavras.
Porém, por essa época, os cem anos já haviam se passado, e o dia havia chegado quando A Bela Adormecida devia acordar novamente. Quando o filho do rei se aproximou da cerca de espinhos, não havia nada, além de flores grandes e belas, que se abriram e se separavam umas das outras, tudo de maneira muito ordenada, deixando-o passar sem machucá-lo e depois elas voltavam a se fechar como um espinheiro. No pátio do castelo ele viu os cavalos e os cães malhados que estavam deitados, dormindo; no teto estavam os pombos com suas cabecinhas protegidas por suas asas.
E quando ele entrou no castelo, as moscas estavam dormindo na parede, o cozinheiro, que estava ainda na cozinha, levantava a mão para agarrar o menino, e a criada estava sentada perto da galinha preta a qual ela ia depenar.
Depois, ele continuou andando e tudo estava tão silencioso que até o ruído da respiração podia ser ouvido. Finalmente chegou à torre e abriu a porta que dava para o pequeno cômodo onde a Bela Adormecida estava dormindo. Lá estava ela, tão linda que ele não conseguia desviar os olhos dela. Então ele parou e deu um beijo nela. Porém, assim que ele a beijou, A Bela Adormecida abriu os olhos, acordou, e olhou para ele bem suavemente.
Após os dois desceram juntos, o rei acordou, depois a rainha e toda a corte, olhando uns para os outros totalmente espantados. Os cavalos que estavam no pátio ficaram de pé e se balançavam uns para os outros; os cães saltavam e abanavam seus rabinhos; os pombos no telhado desprotegeram suas cabecinhas que estavam debaixo de suas asas, olharam ao redor e voaram livres para os campos; as moscas da parede começaram a andar novamente; o fogareiro da cozinha queimava, tremeluzia e cozinhava a comida; o assado começou a girar e a fritar novamente; o cozinheiro deu um tamanho tapa nas orelhas do garoto que ele começou a chorar e a criada depenou a galinha e a deixou pronta para assar.
E então o casamento do príncipe com a Bela Adormecida foi celebrado com todo esplendor, e eles viveram felizes até o fim de seus dias.
Conto dos Irmãos Grimm
OS SEIS CISNES
Era uma vez um rei que estava caçando numa imensa floresta, e ele caçava um animal selvagem com tanta vontade que nenhum dos que acompanhavam conseguiam segui-lo. Quando a noite chegou ele fez uma parada e olhou ao redor, e então, ele percebeu que ele havia perdido o seu caminho de volta.
Procurou uma saída, mas não encontrou nenhuma. Então, ele avistou uma velhinha que balançava a cabeça continuamente; ela era uma bruxa e vinha em direção a ele. — “Minha bondosa senhora,” o rei disse para ela, — “Será que a senhoria poderia me mostrar o caminho para eu sair da floresta?” — “Oh, sim, senhor rei,” respondeu ela, “lógico que eu posso, mas sob uma condição, e se não cumprires o prometido, jamais conseguirás sair da floresta, e morrerás de fome.”
— “E que condições são estas?” perguntou o rei.
— “Eu tenho uma filha,” disse a velhinha, “linda como não existe nenhuma outra no mundo, e muito digna de se tornar sua esposa, e se permitires que ela se torne sua Rainha, eu lhe mostrarei o caminho para sair da floresta.”
Como o rei estava angustiado, ele concordou, e a velhinha o conduziu para a sua pequena cabana, onde a filha dela estava sentada perto do fogo. Ela recebeu o rei como se ela estivesse esperando por ele, e ele constatou que ela era muito bonita, mesmo assim, ela não foi do seu agrado, e ele não conseguia olhar para ela, sem sentir um horror secreto. Depois de ele ter conduzido a jovem para o seu cavalo, a velhinha mostrou-lhe o caminho, e o rei voltou para o seu palácio novamente, onde foi celebrado o casamento.
O rei já havia se casado uma vez, e com a primeira esposa, ele teve sete filhos, seis meninos e uma menina, a quem ele amava mais do que tudo no mundo. Como ele temia que a madrasta poderia não tratar bem dos seus filhos agora, ou mesmo fazer-lhes algum mal, ele os levou para um castelo solitário que ficava no meio de uma floresta. Ele ficava tão escondido, e o caminho para encontrá-lo era tão difícil, que ele mesmo não conseguiria tê-lo encontrado, se uma fada não tivesse dado a ele um novelo com propriedades mágicas.
Quando ele soltava o novelo, ele se desenrolava e mostrava o caminho até o castelo. O rei, todavia, ia todos os dias visitar os seus filhos queridos na floresta que a Rainha começou a notar a sua ausência; ela ficou curiosa e queria saber o que ele fazia quando estava totalmente sozinho na floresta. Ela deu uma certa quantia em dinheiro para os seus criados, e eles contaram o segredo para ela, e contaram a ela também sobre o novelo mágico que sozinho poderia mostrar o caminho.
E então, ela não conseguiu ter mais sossego, até que ela descobriu onde o rei guardava o novelo, e então, ela fez camisas de seda branca, e como ela tinha aprendido a arte da bruxaria com a sua mãe, ela costurou um encanto dentro das camisas. E quando o rei havia saído para caçar, ela pegou as camisas de seda e foi para a floresta, e o novelo mostrou a ela o caminho. Os filhos, que viram de longe que alguém estava se aproximando, pensaram que o pai deles estava vindo visitá-los, e radiantes de alegria, correram para encontrar-se com ele.
Então, ela lançou uma camisa de seda sobre cada um deles, e mal as camisas haviam tocado seus corpos e eles foram transformados em cisnes, e voaram para longe da floresta. A Rainha voltou para casa feliz e realizada, e pensou que ela tivesse se livrado dos seus enteados, mas a menina não havia corrido com seus irmãos para encontrá-la, e a rainha nada sabia sobre ela. No dia seguinte o rei foi visitar os seus filhos, mas ele não encontrou ninguém além da garota.
— “Onde estão os teus irmãos?”, perguntou o rei.
— “Ah, meu pai,” respondeu a menina, — “eles foram embora e me deixaram sozinha!” e ela contou para ele que tinha visto da sua janelinha como os seus irmãos fugiram para a floresta transformados em cisnes, e ela mostrou a ele as penas, que eles tinham deixado cair no quintal, e que ela apanhou. O rei ficou triste, mas ele não pensou que a rainha tinha feito essa maldade, e como ele receava que a garota poderia também ser roubada dele, quis levá-la consigo. Mas a pequenina tinha medo da madrasta, e insistiu ao rei para deixá-la ficar apenas mais uma noite no castelo da floresta.
A pobre menina pensou: — “Não posso mais ficar aqui. Irei procurar os meus irmãos.” e quando a noite chegou, ela fugiu, e foi direto para a floresta. Ela caminhou a noite toda, e no dia seguinte também caminhou sem parar, até que ela não conseguiu continuar caminhando porque estava muito cansada. Então, ela encontrou uma cabana na floresta, e entrou dentro dela, e encontrou um quarto onde havia seis pequenas camas, mas ela não ousou deitar-se em uma delas, mas escondeu-se debaixo de uma das camas, e deitou-se no chão duro, pretendendo passar a noite ali.
Pouco antes do amanhecer, todavia, ela ouviu um barulho de asas batendo, e viu que seis cisnes vinham voando pela janela. Eles pousaram no chão e sopravam as plumas uns dos outros, e as suas penas de cisnes ficaram lisas como camisas. Então, a garotinha olhou para eles e ela reconheceu os seus irmãos, ficou contente e saiu debaixo da cama. Os irmãos também ficaram felizes em verem sua irmãzinha, mas a alegria deles teve curta duração. — “Aqui não podes morar,” disseram eles para ela.
— “Este é um esconderijo de ladrões, se eles chegarem em casa, e te encontrarem, eles te matarão.”
— “Mas vocês não podem me proteger?”, perguntou a irmãzinha.
— “Não,” responderam eles, somente durante quinze minutos por dia de cada noite nós podemos tirar as nossas plumas de cisnes e usar durante esse tempo a forma humana; depois disso, voltamos novamente a sermos cisnes.” A irmãzinha chorou e disse,
— “Vocês não conseguem se libertar?
— “Oh, não,” eles responderam, “as condições são muito difíceis! Durante seis anos não poderás falar nem sorrir, e durante esse tempo você deverá costurar seis camisas pequenas feitas de aster para nós. E se uma única palavra for pronunciada da sua boca, todo teu trabalho terá sido em vão.” E quando os irmãos tinham dito isto, os quinze minutos haviam passado, e eles voaram novamente pela janela como se fossem cisnes.
A garota porém, havia decidido resolutamente libertar os seus irmãos, mesmo que isto lhe custasse a própria vida. Ela saiu da cabana, foi para o meio da floresta, sentou-se numa árvore, e lá passou a noite. Na manhã seguinte, ela saiu para colher aster e começou a tecer.
Ela não poderia conversar com ninguém, tampouco poderia sorrir; ela ficou sentada ali e nada lhe interessava além do seu trabalho. Quando já fazia muito tempo que ela tinha passado ali, aconteceu que o rei daquele país estava caçando na floresta, e o seus companheiros de caça vieram até a árvore onde a garota estava sentada. Eles a chamaram e disseram:
— “Quem és tu?” Mas ela não falou nada.
— “Desça aqui com a gente,” disseram eles. — “Não vamos lhe fazer nenhum mal.” Ela apenas balançava a cabeça. Como eles a pressionavam com perguntas ela lançou seu colar de ouro para eles, e pensou que isso os deixaria satisfeitos. Eles, no entanto, não paravam, então, ela jogou sua cinta para eles, e isso também não adiantou nada, jogou também suas ligas e aos poucos tudo o que ela usava até que ela ficou só de blusa. Os caçadores, porém, não se tomaram por vencidos, mas subiram na árvore, desceram a menina e a levaram para o rei. O rei perguntou:
— “Quem és tu? O que estavas fazendo em cima da árvore?” Mas ela não respondia. O rei fez a pergunta em vários idiomas que ele conhecia, mas ela permanecia tão calada como um peixe. Como ela era muito linda, o coração do rei ficou encantado, e ele foi tomado por uma grande paixão por ela. Ele colocou nela a sua manta, levou-a em seu cavalo, e a conduziu para o seu castelo. Depois, ele mandou que ela se vestisse com roupas riquíssimas, e a beleza dela brilhava como um dia reluzente, mas nenhuma palavra ele conseguia tirar dela. Ele a colocou ao seu lado, na mesa, e a sua postura humilde e educada o encantou tanto que ele disse:
— “Ela é a mulher com quem eu quero me casar, e não quero nenhuma outra.” E depois de alguns dias ele se uniu a ela.
Mas o rei tinha uma mãe perversa que não estava satisfeita com este casamento e falava mal da rainha.
— “Quem sabe,” disse ela, — “de onde veio essa garota que não sabe falar? Ela não é digna de um rei!”
Depois que um ano se passou, quando a rainha deu à luz seu primeiro filho no mundo, a velhinha tomou dela a criança, e manchou a boca dela de sangue enquanto ela dormia. Depois ela foi até o rei e acusou a rainha de ser uma devoradora de crianças. O rei não quis acreditar nisso, e não permitiu que ninguém fizesse nenhum mal a ela. Ela, no entanto, continuava sempre costurando as camisas, e não se preocupava com mais nada. No ano seguinte, quando ela deu à luz um belo garoto, a falsa madrasta se utilizou do mesma maldade, mas o rei não aceitava acreditar nas palavras dela. Ele disse:
— “Ela é bondosa e meiga demais para fazer qualquer coisa desse tipo, se ela não fosse muda, e pudesse se defender, a sua inocência seria explicada.”
Mas quando a velhinha roubou o filho recém-nascido pela terceira vez, e acusou a rainha, que não proferia nenhuma palavra ou defesa, o rei não pode fazer nada senão entregá-la à justiça, e ela foi condenada a sofrer a morte na fogueira.
Quando chegou o dia para que a sentença fosse executada, esse era o último dia dos seis anos durante os quais ela não podia falar nem rir, e ela tinha libertado os seus queridos irmãos do poder do encantamento. As seis camisas estavam prontas, somente faltava a manga da sexta camisa. Quando, então, ela era levada para a fogueira, ela levava as camisas em seus braços, e quando ela se levantou e o fogo ia ser acendido, ela olhou ao redor e viu seis cisnes que vinham voando pelo ar em direção a ela. Então, ela percebeu que a sua libertação estava chegando, e seu coração pulava de alegria.
Os cisnes pousaram sobre ela e desceram de modo que ela podia lançar as camisas em cima deles, e a medida que eles eram tocados pelas camisas, suas plumas de cisnes se desfaziam e seus irmãos assumiam sua forma humana diante dela, e eles eram fortes e bonitos. Apenas o mais jovem lhe faltava o braço esquerdo, e tinha no lugar do braço uma asa de cisne em seu ombro. Eles se abraçaram e se beijaram, e a rainha foi até o rei, que estava muito emocionado, e ela começou a falar e disse:
— “Querido marido, agora eu posso falar e declarar para ti que sou inocente e fui acusada injustamente.”
E ela lhe contou toda a maldade que a velhinha havia levado embora os três filhos dela e os havia escondido. Então, para grande alegria do rei, eles foram encontrados e trazidos até ele, e como punição, a madrasta má foi colocada na fogueira e queimou até virar cinzas. Mas o rei e a rainha com seus seis irmãos viveram muitos anos feliz e em paz.
Conto dos Irmãos Grimm
O VELHO SULTÃO
Um pastor tinha um cão muito fiel, chamado Sultão, que já estava muito velho, e havia perdido todos os dentes. E um dia, quando o pastor e a sua esposa estavam diante da casa, o pastor disse: “Vou matar o velho Sultão amanhã de manhã, porque ele não tem mais utilidade.” Mas a sua esposa falou: “Pelo amor de Deus, deixe a pobre e fiel criatura viver, ele nos serviu durante tantos anos, e nós temos que oferecer a ele um jeito dele viver para o resto dos seus dias.” “Mas o que poderemos fazer com ele?” disse o pastor, “ele não tem nem um dente na boca, e os ladrões nem se preocupam com ele mais, com certeza ele nos serviu muito, mas ele fazia isso para ganhar o seu sustento, amanhã será o último dia dele, e isso já está decidido.”
O pobre Sultão, que estava sentado perto deles, ouviu tudo o que o pastor e a sua esposa diziam um para o outro, e ficou muito assustado ao pensar que amanhã seria o seu último dia, então, à noite ele foi até o lobo, que era seu grande amigo, e que morava na floresta, e contou a ele todas as suas preocupações, e como o seu dono pretendia matá-lo na manhã seguinte. “Fique tranquilo,” disse o lobo, “Eu vou lhe dar alguns bons conselhos. O seu dono, como você sabe, sai todas as manhãs bem cedinho com a esposa e vão para o campo, e eles costumam levar seu filhinho com eles, e o deixam atrás da sebe debaixo da sombra enquanto eles trabalham.”
“Então, você deve ficar perto da criança, e fingir que a está vigiando, e eu vou sair da floresta e fugirei com ela, você deve correr atrás de mim o mais rápido que puder, então eu vou deixá-la cair, e você a levará de volta, e eles pensarão que você salvou a criança, e ficarão tão gratos a você que eles vão tomar conta de você enquanto viver.” O cachorro achou que o plano era muito bom, e tudo ficou combinado. O lobo correu com a criança pelo caminho, o pastor e a sua esposa começaram a gritar, mas o Sultão logo o alcançou, e trouxe o pobrezinho de volta para o seu dono e a sua dona. Então, o pastor bateu levemente na sua cabeça, e disse: “O velho Sultão salvou a nossa criança do lobo, e portanto, ele viverá e nós tomaremos conta dele, e daremos muita comida para ele. Mulher, vá até lá em casa, e dê para ele um bom jantar, e deixe que ele durma na minha almofada velha enquanto ele viver.” E então, desse dia em diante Sultão teve tudo o que sempre desejou.
Pouco depois, o lobo veio e lhe desejou felicidades, e disse: “Agora, meu bom amigo, você não precisa mais ficar contando histórias, apenas vire a cabeça para o outro lado quando eu quiser saborear uma das deliciosas e gordas ovelhas do velho pastor.” “Não,” disse o Sultão, “eu tenho que ser sincero para o meu dono.” Todavia, o lobo achou que ele estava brincando, e uma noite ele se aproximou de uma deliciosa guloseima. Mas o Sultão tinha contado ao seu dono o que o lobo pretendia fazer, então o dono ficou esperando o lobo atrás da porta do celeiro, e quando o lobo estava distraído procurando uma ovelha bem gorda, ele levou uma porretada bem forte nas costas, que a sua crina ficou toda eriçada.
Então, o lobo ficou muito bravo, e chamou o Sultão de “velho trapaceiro” e jurou que ele se vingaria. Então, na manhã seguinte, o lobo mandou que o javali desafiasse o Sultão para que viesse até a floresta para resolver o problema. Agora, o Sultão não tinha ninguém para lhe apoiar, com exceção do gato com três pernas do velho pastor, então ele levou o gato consigo, e enquanto o coitadinho ia se lambendo com alguma dificuldade, o gato ia caminhando com a cauda levantada para o ar.
O lobo e o javali foram os primeiros a chegar, e quando eles espiaram os inimigos que estavam chegando, e viram a longa cauda do gato levantada no ar, eles acharam que ele estava carregando uma espada para o Sultão lutar, e cada vez que o gato de lambia, eles achavam que o gato estava pegando pedras para atirar neles, então eles disseram que eles não queriam mais esse tipo de luta, e o javali foi se esconder atrás de um arbusto, e o lobo pulou para cima de uma árvore. Sultão eo gato logo apareceram, e olharam ao redor e ficaram perguntando porque não havia ninguém ali.
O javali, todavia, não havia se escondido totalmente, pois as suas orelhas ficaram para fora do arbusto, e quando ele chacoalhou uma delas por um momento, o gato, vendo que algo estava se movendo, e pensando que fosse um rato, pulou em cima dele, e mordeu e arranhou, de modo que o javali saltou para fora e grunhia, e fugiu, e saiu gritando, “Olhe lá em cima da árvore, lá está o culpado.” Então eles olharam para cima, e viram o lobo sentado no meio dos galhos, e eles o chamaram de “patife covarde”, e não permitiram que ele descesse dali até que sentisse muita vergonha de si mesmo, e prometesse voltar a ser amigo do velho Sultão.
Conto dos Irmãos Grimm
A AMOREIRA / O PÉ DE JUNÍPERO
Já faz muito tempo, há quase dois mil anos atrás, quando havia um homem rico que tinha uma esposa linda e piedosa, e eles tinham muito amor um pelo outro. No entanto, eles não tinham filhos, apesar de desejarem muito, e a esposa rezava todos os dias e todas as noites para que isso acontecesse, mas esse dia nunca chegava.
Na frente da casa deles havia um pátio onde um pé de junípero havia nascido, e num dia de inverno a mulher estava sentada debaixo dele, descascando uma maçã, e quando ela estava descascando a maçã, ela cortou o dedo, e o sangue caiu sobre a neve.
— “Ah,” disse a mulher, e deu um suspiro profundo, e olhou para o sangue que estava saindo, e ficou muito triste, — “Ah, se eu tivesse um filho que fosse vermelho como o sangue e tão branco como a neve!” E enquanto ela falava isso, ela sentiu uma felicidade muito grande, e acreditou que isso ia mesmo acontecer.
Então, ela entrou dentro de casa e um mês se passou desde que a neve tinha ido embora, e dois meses se passaram e tudo ficou verde, e três meses se passaram e todas as flores começaram a brotar na terra, e quatro meses se passaram e todas as árvores ficaram mais altas e mais robustas, e os galhos verdes começavam a trançar uns nos outros, e as aves cantavam até que a floresta ecoava o canto dos pássaros e as brotos começavam a cair das árvores, então, cinco meses haviam se passado e ela continuava debaixo do pé de junípero, que tinha um cheiro tão perfumado, que o coração dela batia descompassadamente, e ela caiu de joelhos e não cabia em si de felicidade, e quando o sexto mês se passou, as frutas ficaram grandes e maduras, e ela sentia uma placidez incontrolável, e no sétimo mês, ela apanhou algumas frutas do pé de junípero e as devorou com avidez, depois ela se sentiu enjoada e ficou muito triste, e quando o oitavo mês tinha passado, ela chamou para que o seu marido viesse até ela, e disse, chorando: — “Se eu morrer, quero que me enterrem debaixo do pé de junípero.”
Então, ela se sentiu conformada e feliz até que o mês seguinte passou, e ela teve um filho que era tão branco como a neve e tão corado como o sangue, e quando ela olhou a criança ela ficou tão feliz e morreu.
Então, o seu marido a sepultou debaixo do pé de junípero, e ele começou a chorar profundamente, depois de algum tempo ele ficou mais calmo, e embora ele ainda chorasse a dor da perda da esposa, casou-se novamente tempos depois.
Com a segunda esposa ele teve uma filha, mas o filho da primeira esposa era um garoto, e ele era vermelho como o sangue e tão branco como a neve. Quando a mulher olhou para a sua filha ela teve muito amor pela criança, mas depois ela olhava para o menino e parecia que o seu coração estava cortado, pois ela pensava consigo mesma que ele estaria sempre no caminho dela, e ela começou a pensar numa maneira de como conseguiria fazer com que toda a fortuna ficasse para a sua filha, e o Coisa Ruim começou a encher a sua cabeça com esses tristes pensamentos até que ela ficou completamente indignada com o pequeno garoto, e batia e esbofeteava o pobrezinho, até que o pobre infeliz ficasse continuamente apavorado, pois quando ele chegava da escola ele não tinha paz em lugar nenhum.
Um dia a mulher foi até a cozinha, que ficava na parte de cima da casa, acompanhada da sua pequena filhinha, que disse: — “Mamãe, eu quero uma maçã.” — “Sim, minha filha,” disse a mulher, e lhe deu uma deliciosa maçã que ela tirou da cesta, mas a cesta de frutas tinha uma tampa que era muito pesada e uma trava de ferro grande e cortante.
— “Mãe,” disse a garotinha, “o meu irmão não vai querer comer uma maçã também?” Isso enfureceu a mulher, que disse: — “Sim, quando ele chegar da escola.” E quando ela viu pela janela que ele estava chegando, era como se o demônio estivesse entrando em sua casa, e ela pegou rapidamente a maçã e a escondeu da filha, e disse: — “Não deves comer maçã antes que o teu irmão chegue.”
Então, ela jogou a maçã dentro do cesto de frutas, e fechou o cesto. Quando o garotinho chegou perto da porta, o Coisa Ruim mandou que ela falasse com ele gentilmente: — “Meu filhinho, você quer uma maçã?”, e ela olhava maldosamente para ele. — “Mãe,” disse o garotinho, “que olhar assustador o da senhora! Sim, mãe, eu quero uma maçã.”
Então, ela sentiu que parecia que era forçada a dizer, “Venha comigo,” e ela abriu a tampa do cesto e disse: “Pegue uma maçã para você.” e quando o garotinho se inclinou para pegar a maçã, o Coisa Ruim a tentou novamente, e crash!, ela fechou com força a tampa, e a cabeça dele se desprendeu do corpo e caiu no meio das maçãs.
Então, ela ficou toda apavorada de horror, e pensou: — “Como é que eu vou fazer agora que todos pensem que não foi eu quem fez isto!” Então, ela subiu as escadas até o seu quarto, abriu a cômoda e pegou um lenço branco que estava em cima da cômoda, e colocou a cabeça no pescoço novamente, e debrou o lenço de modo que não percebessem nada, e ela o colocou sentado numa cadeira na porta da frente, e colocou a maçã em suas mãos.
Depois disso, a pequena Marlenita veio até a cozinha para procurar a sua mãe, que estava perto do fogo com uma panela de água quente diante dela que ela agitava sem parar. — “Mãe,” disse Marlenita, “o meu irmão está sentado na porta, e ele parece pálido e tem uma maçã em suas mãos.”
Pedi a ele para que me desse um pedaço de maçã, mas ele não respondeu, e eu fiquei muito assustada.” — “Volte até lá onde ele está,” disse a mãe, “e se ele não te responder, aplique nele um tapa na orelha.” Então, Marlenita foi até ele e disse: — “Meu irmãozinho, eu quero um pedaço da tua maçã.”
Mas ele não respondia, e ela lhe aplicou um tapa em suas orelhas e derrubou a cabeça dele no chão. Marlenita ficou muito assustada, e começou a chorar e a gritar, e correu até a sua mãe, e disse: — “Meu Deus, mãe, e arranquei fora a cabeça do meu irmão com um tapa! E ela não parava de chorar e chorava desconsoladamente.”
“Marlenita,” disse a mãe, “o que você fez minha filha? Mas fique quietinha e não deixe ninguém saber disso; como nada pode ser feito, nós vamos fazer com ele um chouriço.” Então, a mãe pegou o menino e o cortou em pedaços, o colocou na panela e fez chouriço com ele. Mas Marlenita continuava chorando desconsoladamente, e todas as suas lágrimas caíam na panela e não houve nem necessidade de colocar sal.
Então, o pai voltou para casa, e se sentou para jantar, e disse: “Mas onde está o meu filho?” E a mãe serviu um grande prato de chouriço, e Marlenita não parava de chorar e não saia de perto. Então, o pai disse novamente: “Mas onde está o meu filho?” — “Ah,” disse a mãe, “ele resolveu atravessar o país e ir visitar o tio avô da mãe dele, e disse que ficará lá por um tempo.” — “E o que ele foi fazer lá? Ele nem sequer se despediu de mim.”
— “Oh, ele quis ir, e me perguntou se ele poderia ficar seis semanas, ora, ele será bem cuidado lá.” — “Ah,” disse o homem, “eu me sinto tão triste como se alguma coisa tivesse acontecido. Ele deveria ter-se despedido de mim.” E assim ele começou a comer e disse: — “Marlenita, porque você está chorando? O teu irmão certamente voltará.”
Então, ele disse, — “Ah, mulher, como esta comida está deliciosa, coloque um pouco mais, por favor.” E quanto mais ele comia, mais ele queria comer, e ele disse: “Coloque um pouquinho mais, não vai sobrar nada hoje. Me parece que tudo isso foi feito só para mim.” E ele comeu sem parar e jogava todos os ossos debaixo da mesa, até que comeu tudo.”
Marlenita, porém, foi até uma cômoda, e retirou o seu melhor lenço de seda que ficava no fundo da gaveta, e pegou todos os ossos que estavam debaixo da mesa, amarrou-os bem amarradinho em seu lenço de seda, e os levou para fora da porta, chorando lágrimas de sangue.
Então, o pé de junípero começou a se mexer novamente, e os galhos se dividiam, e se moviam novamente, parecendo que alguém estava muito feliz e batia palmas.
Nesse momento uma névoa parecia surgir por entre a árvore, e no centro desta névoa havia uma bola de fogo, e um lindo pássaro saiu do meio das chamas cantando maravilhosamente, e ele voou bem alto até o céu, e depois que o passarinho foi embora, o pé de junípero ficou como era antes, e o lenço com os ossos não estava mais lá. Marlenita, todavia, estava toda feliz e alegre como se o seu irmão ainda estivesse vivo. E ela entrou toda risonha dentro de casa, e se sentou para jantar e comeu.
Mas o passarinho voou para longe e pousou na casa de um ourives, e começou a cantar.
“A minha mãe, ela me matou,
“O meu pai, ele me comeu”,
“A minha irmã, a pequena Marlenita,”
“Juntou todos os meus ossos”,
“Amarrou-os bem firme num lenço de seda,”
“Os colocou debaixo do pé de junípero,”
“Piu, piu, que belo pássaro eu sou!”
O ourives estava sentado em sua oficina de trabalho fazendo um corrente de ouro, quando ele ouviu o pássaro que estava sentado e cantava no seu telhado, e a canção que o pássaro cantava era muito bela para ele. Ele se levantou, mas quando ele ia atravessar a porta ele perdeu uma de suas sandálias.
Mas ele continuou andando bem em direção ao meio da rua tendo um pé com meia e um pé com sandália; ele usava um avental, e em uma mão ele empunhava a corrente de ouro e na outra uma torquês, e o sol brilhava com fulgor nas ruas. Então, ele virou à direita e parou, e disse para o pássaro: — “Passarinho,” disse ele então, “como você consegue cantar com tanta beleza! Cante para mim essa canção novamente.”
— “Não,” disse o pássaro, “Eu não posso cantar duas vezes de graça! Dê-me a corrente de ouro, e então, eu cantarei para ti novamente.” — “Toma-a, então,” disse o ourives, “aqui está a corrente de ouro que você tanto deseja, agora, cante para mim essa canção novamente.” Então, o pássaro veio e pegou a corrente de ouro com a sua patinha direita, e foi e se sentou diante do ourives e cantou:
“A minha mãe, ela me matou,
“O meu pai, ele me comeu”,
“A minha irmã, a pequena Marlenita,”
“Juntou todos os meus ossos”,
“Amarrou-os bem firme num lenço de seda,”
“Os colocou debaixo do pé de junípero,”
“Piu, piu, que belo pássaro eu sou!”
Então, o belo pássaro voou para longe até um sapateiro, e pousou no telhado do sapateiro e cantou:
“A minha mãe, ela me matou,
“O meu pai, ele me comeu”,
“A minha irmã, a pequena Marlenita,”
“Juntou todos os meus ossos”,
“Amarrou-os bem firme num lenço de seda,”
“Os colocou debaixo do pé de junípero,”
“Piu, piu, que belo pássaro eu sou!”
O sapateiro ouviu isso e correu para fora de casa em mangas de camisa, e olhou para o telhado, e teve que colocar a mão na frente dos olhos para que o sol não o cegasse. — “Passarinho,” disse ele, “como você canta bonito!” Então, ele gritou para a sua esposa que estava dentro de casa:
— “Mulher, venha aqui fora, tem um passarinho aqui, veja aquele passarinho, ele simplesmente canta maravilhosamente bem.”
Depois ele chamou a sua filha e os seus filhos, e alguns aprendizes, meninos e meninas, e todos eles subiram até onde o sapateiro estava e olhavam o pássaro e viram como ele era belo, e que plumas verdes e vermelhas ele tinha, e que o seu pescoço era como se fosse de ouro puro, e como os olhos em sua cabeça brilhavam como as estrelas.
— “Pássaro,” disse o sapateiro, “cante para mim essa canção novamente.” — “Não,” disse o passarinho, “Eu não canto de graça duas vezes, deves me oferecer alguma coisa.” — “Querida,” disse o homem, “vá até o sótão, e no alto da prateleira você encontrará um par de sapatos vermelhos, por favor, traga-os até aqui.”
Então, a esposa foi e trouxe os sapatos. — “Pega aí, passarinho,” disse o homem, “agora, cante para mim aquela canção novamente.” Então, o pássaro veio e pegou os sapatos com a sua patinha esquerda, e voou de volta para o telhado, e cantou:
“A minha mãe, ela me matou,
“O meu pai, ele me comeu”,
“A minha irmã, a pequena Marlenita,”
“Juntou todos os meus ossos”,
“Amarrou-os bem firme num lenço de seda,”
“Os colocou debaixo do pé de junípero,”
“Piu, piu, que belo pássaro eu sou!”
E quando ele tinha cantado a canção inteira ele voou para longe. Na sua patinha direita ele tinha a corrente de ouro e na esquerda os sapatos vermelhos, e ele voou bem pra longe até encontrar um moinho, e o moinho fazia “clipe clape, clipe clape, clipe clape,” e perto do moinho estavam vinte moleiros talhando uma pedra, e cortavam, “rique raque, rique raque, rique raque,” e o moinho fazia “clipe clape, clipe clape, clipe clape.” Então, o passarinho foi e se sentou num pé de laranja lima que ficava de frente para o moinho, e cantava:
“A minha mãe, ela me matou,
Então, um deles parou de trabalhar.
“O meu pai, ele me comeu”,
Então, dois outros pararam de trabalhar e começaram a ouví-lo.
“A minha irmã, a pequena Marlenita,”
Então, outros quatro pararam,
“Juntou todos os meus ossos”,
“Amarrou-os bem firme num lenço de seda,”
Agora apenas oito estavam talhando a pedra,
“Os colocou debaixo”
Agora só cinco.
“do pé de junípero,”
E agora somente um,
“Piu, piu, que belo pássaro eu sou!”
Então, o último também parou de trabalhar, e ouviu as últimas palavras. “Passarinho,” disse ele, “como você canta bem! Deixe-me ouvir também. Cante mais uma vez para mim.”
— “Não,” disse o pássaro, “Eu não canto de graça duas vezes. Dá-me a pedra de moinho, e então, eu cantarei novamente.”
— “Sim,” disse ele, “se ela fosse só minha, tu poderias tê-la.”
— “Sim, concordaram os outros, “se ele cantar novamente, ele poderá ficar com ela.” Então, o pássaro desceu, e os vinte moleiros pegaram uma viga e levantaram a pedra. E o passarinho colocou o seu pescoço no buraco, e colocou a pedra como se ela fosse um colar, e voou para a árvore novamente, e cantou:
“A minha mãe, ela me matou,
“O meu pai, ele me comeu”,
“A minha irmã, a pequena Marlenita,”
“Juntou todos os meus ossos”,
“Amarrou-os bem firme num lenço de seda,”
“Os colocou debaixo do pé de junípero,”
“Piu, piu, que belo pássaro eu sou!”
E quando ele acabou de cantar, ele abriu suas asas, e em sua patinha tinha ele tinha a pulseira, e na direita os sapatos, e em volta do seu pescoço a pedra do moinho, e ele voou para longe, para a casa do seu pai.
Na sala de jantar estavam o pai, a mãe e a pequena Marlineta, comendo, e o pai disse: — “Como me sinto com o coração leve hoje, como estou feliz! — “Não,” disse a mãe, “Sinto medo, parece que uma tempestade vai desabar sobre mim.” Marlineta, todavia, não parava de chorar, e então, o passarinho veio voando, e quando ele se sentou no telhado, o pai disse: — “Ah,” eu me sinto tão feliz de verdade, e o sol está brilhando majestoso lá fora, e me sinto como se fosse ver um velho amigo de quem sinto muita saudade.”
— “Não,” disse a mulher, “eu sinto tanto medo, que meus dentes estão batendo uns contra os outros, e parece que minhas veias queimam que nem fogo.” E ela soltou o corpete, mas a pequena Marlineta estava num canto chorando o tempo todo, e segurava o prato diante dos seus olhos, e chorava até que ele ficou completamente cheio de lágrimas. Então, o passarinho se sentou no pé de junípero, e cantou:
“Minha mãe, ela me matou,”
Então, a mãe tapou os ouvidos, e fechou os olhos, e não queria ver nem ouvir nada, mas havia um barulho tão forte em seus ouvidos como se fosse uma violenta tempestade, e os olhos dela queimavam e piscavam que nem relâmpago.
“Meu pai, ele me comeu,”
— “Ah, que lindo,” disse o homem, “como ele canta bonito! Ele canta tão de modo tão esplêndido e o sol brilha com tanto calor, e estou sentindo um cheiro parecido com o de canela.
“Minha irmã, a pequena Marlenita,”
Então, Marlenita colocou a cabeça nos joelhos, e chorava sem parar, mas o homem disse, “Eu vou sair lá fora, eu preciso ver o passarinho bem de perto.” — “Oh, não vá,” disse a esposa, “Sinto como se toda a casa estivesse tremendo e pegando fogo.” Mas o homem foi para olhar o pássaro:
“Juntou todos os meus ossos”,
“Amarrou-os bem firme num lenço de seda,”
“Os colocou debaixo do pé de junípero,”
“Piu, piu, que belo pássaro eu sou!”
E assim o passarinho deixou cair a corrente de ouro, e ela caiu exatamente em volta do pescoço do homem, e a corrente se fixou de modo perfeito no pescoço dele. Então, ele foi e disse:
— “Vejam só que pássaro lindo que ele é, e que belíssima corrente de ouro ele me deu, e como ele é majestoso!” Mas a mulher estava apavorada, e caiu no chão no meio da sala, e a touca que ela usava caiu da sua cabeça. Então, o pássaro cantou mais um pouquinho:
“Minha mãe, ela me matou.”
— “Ah, como eu gostaria que eu estive a trezentos metros de profundidade debaixo da terra para não ouvir isso.”, disse ela.
“O meu pai, ele me comeu,”
Então, a mulher caiu novamente como se ela estivesse morta.
“Minha irmã, a pequena Marlineta,”
“Ah, disse a garota, “quero sair para ver se o passarinho vai me dar alguma coisa,” e ela saiu.
“Juntou todos os meus ossos”,
“Amarrou-os bem firme num lenço de seda,”
Então, ele lançou os sapatos vermelhos para ela.
“Os colocou debaixo do pé de junípero,”
“Piu, piu, que belo pássaro eu sou!”
Então, a menina estava feliz e com o coração leve, e ela vestiu os novos sapatos vermelhos, e dançava e dava voltas pela casa. — “Ah,” disse ela, eu estava tão triste quando eu saí lá fora e agora eu estou tão feliz; que pássaro maravilhoso, e ele deu para mim um par de sapatos vermelhos!”
— “Bem,” disse a mulher, e ela deu um pulo e ficou de pé e os cabelos dela se arrepiaram todo como se fossem chamas de fogo, “eu me sinto como se o mundo estivesse acabando! Eu também, vou sair lá fora para ver o se o meu coração também se sente mais leve.”
E quando ela saiu para fora da porta, crash! O pássaro derrubou a pedra do moinho sobre a cabeça dela, e ela ficou inteiramente esmagada pela pedra. O pai e a pequena Marlineta ouviram o barulho e saíram para fora, e havia fumaças, chamas, e fogo subindo por todos os lados, e quando tudo isso acabou, lá estava o pequeno irmão, e ele pegou o seu pai e a pequena Marlineta pelas mãos, e todos os três ficaram muito felizes, e eles entraram dentro de casa para jantar e comeram juntos.
Conto dos Irmãos Grimm
O PÁSSARO EMPLUMADO / O ESTRANHO PÁSSARO
Era uma vez um mágico que costumava se disfarçar de mendigo, e ia de casa em casa para pedir esmolas, e raptar lindas garotas. Ninguém sabia para onde ele as levava, porque elas nunca mais eram vistas. Um dia, ele apareceu diante da porta de um homem que tinha três lindas filhas, ele se parecia como um mendigo pobre e debilitado, e carregava um cesto nas costas, como se pretendesse guardar dentro dele, presentes e esmolas que ganhava. Ele pediu um pouco de comida, e quando a filha mais velha saía e estava indo buscar um pedaço de pão para ele, ele apenas tocou nela levemente, e ela já era obrigada a pular para dentro do cesto dele.
E então, ele saía correndo a passos largos, e a levava para uma floresta escura até a sua casa, que ficava no meio da mata. Tudo na casa era maravilhoso, ele dava a ela tudo o que ela possivelmente poderia desejar, e disse: “Minha querida, você certamente será feliz comigo, porque você tem tudo que o meu coração pode desejar.” Isso durou alguns dias, e então ele disse: “Preciso viajar agora, por isso vou deixá-la sozinha durante algum tempo, aqui estão as chaves da casa, você pode ir para onde quiser, e olhar tudo o que quiser, com exceção de um cômodo, que esta chave pequena que está aqui abre, e lá eu te proíbo de ir sob pena de morte.” Ele também lhe ofereceu um ovo e disse: “Guarde o ovo cuidadosamente para mim, e tenha-o sempre junto de você, porque um grande infortúnio acontecerá caso venha a perdê-lo.” Ela pegou as chaves e o ovo, e prometeu obedecê-lo em tudo.
Quando ele foi embora, ela andou por toda a casa, de alto a baixo, e examinou tudo. Os quartos brilhavam com tanta prata e ouro, e ela pensou que jamais tinha visto tão grande esplendor. Finalmente ela chegou diante da porta proibida, e desejou não entrar nela, mas a curiosidade não lhe dava sossego. Ela verificou a chave, que se parecia com qualquer outra, enfiou-a no buraco da fechadura e a girou um pouco, e a porta se abriu. Mas o que ela encontrou quando ela entrou dentro do quarto? Uma grande bacia com sangue estava no meio do cômodo, e dentro da bacia havia seres humanos, mortos e amontoados aos pedaços, e do lado havia um bloco de madeira, e um reluzente machado fincado na madeira.
Ela ficou tão assustada que o ovo que ela segurava nas mãos caiu dentro da bacia. Ela tirou o ovo da bacia e removeu o sangue dele, mas inutilmente, o sangue voltava a aparecer dentro de instantes. Ela lavava e esfregava, mas não conseguia remover o sangue. Não demorou muito tempo e o homem voltou de sua viagem, e a primeira coisa que ele pediu de volta foi a chave e o ovo. Ela os devolveu a ele, mas ela tremia ao fazer isso, e ele então viu imediatamente, por causa das manchas vermelhas, que ela tinha estado na câmara sangrenta. “Como você entrou no quarto contra a minha vontade,” disse ele, “você deverá voltar para ele contra a tua vontade.”
“A tua vida acabou.” Ele a jogou no chão, e arrastou-a pelos cabelos até o quarto, cortou os cabelos dela sobre o bloco de madeira, e a cortou em pedaços de tal maneira que o sangue dela escorria pelo chão. Depois ele a jogou dentro da bacia junto com os demais. “Agora, irei buscar a segunda,” disse o mágico, e novamente ele foi até a casa disfarçado de mendigo, e pediu uma esmola. Então, a segunda filha trouxe para ele um pedaço de pão, ele a agarrou como tinha feito com a primeira, simplesmente tocando-a, e a levou embora. Ela não se saiu melhor que a sua irmã.
Ela tinha se deixado levar por curiosidade, abriu a porta da câmara sangrenta, olhou o que havia dentro, e teve de pagar por sua curiosidade com a própria vida quando o mágico voltou. Então, ele foi e trouxe a terceira irmã, porém, esta era inteligente e muito esperta. Quando ele entregou as chaves e o ovo para ela, e já tinha ido embora, ela primeiro com muito cuidado colocou o ovo de lado, e depois foi vistoriar a casa, e por último entrou no quarto proibido. Coitada dela, o que ela encontrou! Suas duas irmãs estavam ali dentro da bacia, cruelmente assassinadas, e reduzidas a pedaços.
Mas ela começou a juntar os membros das irmãs e a colocá-los em ordem, cabeça, corpo, braços e pernas. E quando nada mais estava faltando os membros começaram a se mover e a se unir todos juntos, e as suas duas irmãs abriram os olhos e estavam vivas mais uma vez. Então, elas se regozijaram, beijaram, e faziam carinho uma nas outras. Quando ele voltou, o homem imediatamente pediu as chaves e o ovo, e como ele não conseguiu notar nenhum traço de sangue no ovo, ele disse: “Você foi aprovada no teste, e portanto, será a minha noiva.” Ele agora não tinha nenhum poder sobre ela, e era obrigado a fazer qualquer coisa que ela quisesse.
“Oh, muito bem,” disse ela, “agora você deverá levar um cesto cheio de ouro para o meu pai e minha mãe, carregando tudo você mesmo nas próprias costas, e enquanto isso eu vou me preparar para o casamento. Então ela correu até onde estavam as suas irmãs, que ela as havia escondido num pequeno quarto, e disse: “Chegou a hora de poder salvar vocês. O infeliz deverá levá-las de volta para casa novamente, mas assim que vocês chegarem em casa, mandem ajuda para mim.” Ela colocou as duas irmãs dentro do cesto e as cobriu totalmente com ouro, de maneira que nenhuma delas poderia ser vista, então, ela chamou o mágico e disse para ele: “Agora quero que leve este cesto daqui, mas eu ficarei olhando pela minha pequena janela, e ficarei observando se você parar no caminho para descansar.” O mágico levantou o cesto nas costas e foi embora com ele, mas o cesto era tão pesado que ele começou a transpirar pela face.
Então, ele se sentou e queria descansar um pouquinho, mas imediatamente uma das garotas dentro do cesto gritou: “Eu estou vendo tudo da minha pequena janela, e estou vendo que você está descansando. Será que você poderia continuar, por favor?” Ele achava que a sua noiva estava dando ordens para ele, e então se colocou sobre suas pernas novamente. Mais uma vez ele tentou descansar, mas imediatamente ela gritava: “Eu estou vendo tudo da minha pequena janela, e estou vendo que você está descansando. Será que você poderia continuar, por favor?” E sempre que ele parava, ela gritava esse refrão, e então ele era obrigado a seguir em frente, até que finalmente, resmungando e totalmente sem fôlego, ele chegou com o cesto cheio de ouro e as duas jovens na casa dos pais delas.
Enquanto isso, em casa, a noiva preparava a festa de casamento, e mandou convites para os amigos do mágico. Então ela pegou uma caveira com os dentes arreganhados, colocou alguns enfeites em cima dela, e uma coroa de flores, subiu as escadas e a levou até a janela do sótão, e a deixou virada para o lado de fora. Quando tudo estava preparado, ela entrou dentro de um barril cheio de mel, e então rasgou o colchão de penas e se enrolou dentro dele, até que ela ficou parecendo como uma ave maravilhosa, e ninguém conseguiu reconhecê-la. Então ela saiu da casa, e durante o caminho encontrou alguns convidados da festa que perguntaram,
“Ó, pássaro emplumado, como chegaste até aqui?”
“Eu venho da casa do mágico que fica aqui bem perto.”
“E o que estará a jovem noiva fazendo agora?”
“Do porão até o sótão, ele limpou tudo direitinho,
E agora ela ficou espiando da janela, suponho eu.”
E no final ela encontrou o noivo, que estava voltando bem devagar. E ele, com os olhos, perguntou,
“Ó, pássaro emplumado, como chegaste até aqui?”
“Eu venho da casa do mágico que fica aqui bem perto.”
“E o que a jovem noiva estará fazendo?”
“Do porão até o sótão, ele limpou tudo direitinho,
E agora ela ficou espiando da janela, suponho eu.”
O noivo olhou para cima, viu a caveira toda enfeitada, e pensou que era a sua noiva, e acenou para ela, saudando-a cordialmente. Mas quando ele e seus convidados tinham todos entrado na casa, os irmãos e os parentes da noiva, que tinham sido chamados para resgatá-la, chegaram. Eles trancaram todas as portas da casa, para que ninguém conseguir escapar, e tocaram fogo nela, e o mágico e todos os seus amigos morreram queimados.
Conto dos Irmãos Grimm
AS VIAGENS DO PEQUENO POLEGAR
Um certo alfaiate tinha um filho, que por acaso era muito pequeno, e não era maior que o dedo polegar, e por esse motivo ele era sempre chamado de O Pequeno Polegar. No entanto, ele era muito corajoso, e disse para o seu pai, “Pai, eu preciso e gostaria de sair pelo mundo.” “Tudo bem, meu filho,” disse o velhinho, e pegou uma longa agulha de cerzir e desenhou na vela um botão com cera derretida, “e aqui você tem uma espada para levar na viagem.” Então, o pequeno alfaiate queria que eles fizessem mais uma refeição juntos, então, ele foi até a cozinha para ver o que a sua mãe havia feito pela última vez.
Ela havia acabado de cozinhar, e o prato estava ainda no fogareiro. Então, ele falou, “Mãe, o que temos para comer hoje?” “Veja você mesmo,” disse a mãe. Então, o Pequeno Polegar subiu no fogareiro, e deu uma espiada dentro do prato, mas quando ele esticou seu pescoço dentro do prato, ele foi arrastado pelo vapor da comida, e foi parar na chaminé. Durante algum tempo ele ficou balançando no ar dentro do vapor, até que voltou a cair no chão novamente. Ora, o pequeno alfaiate então saiu pelo mundo, e foi viajar, e encontrou alguém que era muito habilidosa em seu ofício, mas que ele não havia gostado da comida.
“Minha cara, se a senhora não fizer para nós uma comida melhor,” disse o Pequeno Polegar, “Eu irei embora, e amanhã de manhã bem cedo vou escrever com giz na porta da sua casa, “Batatas de mais, comida de menos! Passar bem, senhora rainha das batatas.” “O que é que você está pretendendo, seu gafanhoto?” disse a cozinheira nervosa, e pegou um pano de prato, e ia bater nele com o pano, mas o pequeno alfaiate fugiu sorrateiramente para dentro de um dedal, ficou espiando debaixo dele, e mostrou a língua para a desaforada. Ela apanhou o dedal para pegá-lo, mas o Pequeno Polegar pulou dentro do guardanapo, e quando a mulher tentava abrí-lo para ver onde ele estava, ele se escondeu numa fenda que havia na mesa. “Rou, rou, grande senhora,” exclamou ele, colocando a cabeça para fora, e quando ela ia acertar o pano nele, ele pulou para dentro da gaveta, até que finalmente ela conseguiu pegá-lo e o expulsou para fora de casa.
O pequeno alfaiate continuou sua viagem e chegou a uma grande floresta, e se encontrou com um bando de ladrões que estavam planejando roubar o tesouro real. Quando eles viram o pequeno alfaiate, eles pensaram, “Uma coisinha pequenina como essa consegue passar pelo buraco da chave funcionando como se fosse uma chave falsa para nós.” “Rou, rou” exclamou um deles, “tu, ó gigante Golias, poderias ir com a gente até a câmara do tesouro? Tu poderias facilmente entrar lá dentro e jogar o dinheiro para nós.” O Pequeno Polegar refletiu por um instante, e finalmente respondeu, “sim,” e foi com eles até a câmara do tesouro.
Então, ele ficou olhando as portas para cima e para baixo, para ver se havia alguma rachadura nelas. Não demorou muito e ele encontrou uma que era grande o bastante e por onde ele poderia passar. Ele já estava quase entrando, quando um dos sentinelas, que ficava diante da porta, o viu entrando, e disse para o outro, “O que aquela assustadora aranha está tentando fazer; vou matá-la agora mesmo.” “Deixe a pobre criatura em paz,” disse o outro; “ela não te fez nenhum mal.” Então, o Pequeno Polegar entrou em segurança pela rachadura dentro da câmara do tesouro, abriu a janela debaixo onde os ladrões estavam, e ficou jogando para eles todo o dinheiro que havia lá.
Quando o pequeno alfaiate estava no auge do seu trabalho, ele ouviu o rei chegando para fazer uma inspeção na câmara do tesouro, e apressadamente correu até o esconderijo. O rei percebeu a falta de vários valores, mas não podia imaginar quem os havia roubado, porque as travas e os ferrolhos estavam em boas condições, e tudo parecia muito bem protegido. Então, o rei foi embora novamente, e disse para os sentinelas, “Fiquem atentos, alguém está mexendo no dinheiro.” Quando então o Pequeno Polegar reiniciou o trabalho, eles ouviram barulho de moedas se mexendo, e sons de klink, klink, klink. Eles correram rapidamente para pegar o ladrão, mas o pequeno alfaiate, ouviu quando eles estavam chegando, e foi ainda mais rápido, e pulou rápido para um cantinho e ficou escondido debaixo de uma moeda, de modo que ninguém poderia vê-lo, e ao mesmo tempo, ele mostrava a língua para os sentinelas e gritava, “Ei, eu estou aqui!”
Os sentinelas corriam até o local, mas quando eles chegavam, ele já tinha pulado para um outro cantinho debaixo de outra moeda, e ficava gritando, “Ho, ho, aqui estou eu!” Os guardas iam correndo para aquele local, mas o Pequeno Polegar já tinha corrido para um terceiro esconderijo, e ficava exclamando, “Ho, ho, aqui estou eu!” E assim ele os enganava, e ficou se escondendo deles durante tanto tempo pela câmara do tesouro que os guardas ficaram cansados e foram embora. Então, aos pouquinhos, ele foi levando todo o dinheiro para fora, carregando a última moeda com toda a força que tinha, pulando agilmente em cima dela, e fugindo com ela pela janela. Os ladrões encheram-no de elogios. “Você é muito corajoso,” disseram eles; “você gostaria de ser o nosso chefe?”
O Pequeno Polegar, no entanto, não aceitou, e disse que primeiro ele queria conhecer o mundo. Eles então, passaram a dividir o produto do roubo, mas o pequeno alfaiate disse que ele queria apenas uma moeda porque ele não podia carregar muito peso.
Então, ele mais uma vez afivelou a sua espada, despediu-se dos ladrões, e tomou seu rumo. Primeiro, ele foi trabalhar com alguns mestres, mas ele não gostava desse ofício, até que finalmente ele foi contratado como criado de uma estalagem. As criadas, no entanto, não gostavam dele, porque ele as espiava às escondidas, sem que elas o vissem, e ele contou ao dono e à dona da estalagem, que elas retiravam os pratos, e levavam embora com elas. Então, elas disseram, “Espere, e nós te pagaremos!” e combinaram entre elas de pregar-lhe uma peça.
Pouco tempo depois, quando uma das criadas estava podando o jardim, ela viu quando o Pequeno Polegar pulou e ficava correndo para cima e para baixo perto das plantas, então, ela o recolheu junto com o mato, amarrou tudo dentro de um trapo grande, e às escondidas jogou tudo para as vacas. Ora, entre as vacas havia uma que era grande e preta, e que o engoliu inteirinho. Não era muito agradável, no entanto, lá dentro do estômago da vaca, porque era muito escuro, e não havia nem uma vela para clarear. Quando a vaca estava sendo ordenhada, ele gritou de lá de dentro,
“Um, dois, três,
Será que o balde vai encher de uma vez?”
Mas o barulho do leite sendo ordenhado impedia que o ouvissem. Depois disto o dono da casa foi até o estábulo das vacas e disse, “Aquela vaca deve ser morta amanhã.” Então, o Pequeno Polegar ficou tão assustado que ele gritou bem alto para que o ouvissem, “Primeiro, me deixem sair, porque estou preso dentro dela.” O dono escutou bem o que ele dizia, mas não sabia de onde vinha aquela voz. “Onde você está?” perguntou ele. “Aqui dentro da vaca preta,” respondeu o Pequeno Polegar, mas o vaqueiro não entendia o que ele estava querendo dizer, e foi embora.
Na manhã seguinte a vaca foi morta. Felizmente o Pequeno Polegar não sofreu nenhum corte ao esquartejarem a vaca; ele estava no meio das salsichas que a vaca havia comido. E quando o açougueiro chegou e começou o seu trabalho, ele gritou a plenos pulmões, “Não corte muito fundo, não corte muito fundo, eu estou aqui no meio.” Ninguém ouvia o que ele dizia por causa do barulho da faca cortando a carne. Então, o Pequeno Polegar ficou apavorado, e o desespero atiça a criatividade, e então, ele saltou com tanta habilidade por entre os golpes mas nenhum deles chegou a ferí-lo, então, ele escapou ileso. Mas ele ainda não havia conseguido fugir, e nao havia nada a fazer, então, ele foi jogado dentro de uma mistura de morcela com alguns pedaços de toucinho. O espaço ali era muito estreito, e além disso ele foi colocado na chaminé para ser defumado, e durante esse tempo ele passou ali maus momentos.
Até que no inverno ele foi retirado da chaminé, porque a morcela teria de ser servida aos hóspedes. Quando o dono da casa estava fatiando a morcela, o Pequeno Polegar tomou cuidado para não colocar demais sua cabeça para fora para não ser fatiado; até que ele encontrou uma oportunidade, abriu uma passagem no meio da morcela, e pulou para fora.
O pequeno alfaiate, no entanto, não queria ficar nem mais um segundo numa casa onde ele havia passado tão mal, então, imediatamente, ele saiu pelo mundo novamente. Mas a sua liberdade não durou muito. Num campo aberto, ele encontrou uma raposa que o abocanhou num ataque de fome acumulada. “Olá, dona Raposa,” gritou o pequeno alfaiate, “sou eu que estou parada aqui na tua garganta, devolva-me a liberdade, por favor.” “Está bem,” respondeu a raposa. “Você realmente não é nada para mim, mas se você me prometer as galinhas do quintal do seu pai eu deixo você ir.” “Lógico que prometo,” respondeu o Pequeno Polegar. “Você pode comer todos os galos e galinhas, te prometo.” Então, a raposa o soltou, e ele correu para casa. Quando o pai mais uma vez viu seu filho de volta, ele com toda satisfação deu à raposa todas as galinhas que ela queria. “Como gratidão, eu também trago para o senhor uma bela quantia em dinheiro,” disse o Pequeno Polegar, e deu ao seu pai a moeda que ele tinha ganhado em suas viagens.
“Mas porque a raposa teve de comer todas as galinhas?” “Ora, seu ganso, um pai com certeza ama o filho mais do que as galinhas que ele tem no poleiro!”
Conto dos Irmãos Grimm
O COMPADRE DA MORTE / COMADRE MORTE
Um homem muito pobre tinha doze filhos e era obrigado a trabalhar noite e dia para alimentá-los. Quando então, o décimo terceiro filho veio ao mundo, ele não sabia o que fazer diante de tanta preocupação, então, ele correu para o meio da estrada, e decidiu pedir à primeira pessoa que ele encontrasse para ser o padrinho do seu filho. O primeiro que ele encontrou foi o bom Deus que já havia trazido muita alegria ao seu coração, e Deus disse a ele, “Pobre homem, eu tenho compaixão por ti.
Eu irei segurar a criança durante o batismo, e irei cuidar dela e a farei feliz enquanto viver.” O homem disse, “Quem você é?” “Eu sou Deus.” “Então, eu não quero tê-lo como padrinho,” disse o homem; “o senhor favorece os ricos, e deixa que os pobres passem fome.” Assim disse o homem, porque ele não conhecia a sabedoria com que Deus reparte a riqueza e a pobreza. Então, ele saiu de perto do Senhor, e foi embora.
Então, o diabo chegou perto dele e disse, “O que você está procurando? Se você me aceitar como padrinho do teu filho, eu darei a ele ouro e fartura e todas as alegrias do mundo também.” O homem perguntou, “Quem você é?” “Eu sou o Filho do Cão.” “Então, eu não quero tê-lo como padrinho,” disse o homem; “você engana as pessoas e as leva para o mau caminho.” Ele continuou andando, e em seguida veio a morte caminhando em direção a ele com as pernas atrofiadas e foi logo dizendo, “Aceite-me como seu padrinho.”
O homem perguntou, “Quem você é?” “Eu sou a morte, e eu torno todos os homens iguais.” Então, o homem disse, “Você, sim, é que está certa, você leva tanto os ricos como os pobres, sem fazer distinção; você será o padrinho.” A morte respondeu, “Eu farei teu filho rico e famoso, pois aquele que me tem como amigo nunca lhe faltará nada.” O homem disse, “O batizado será no domingo que vem; esteja lá na hora certa.” A morte apareceu, como havia prometido, e fez tudo que um padrinho tinha de fazer da maneira habitual.
Quando o garoto cresceu, o seu padrinho um dia apareceu e o convidou para que fosse com ele. Então, a morte o levou para uma floresta, e mostrou para ele uma erva que crescia por ali, e disse, “Agora você irá receber o presente do teu padrinho. Eu te farei um médico renomado. Quando fores chamado para atender um paciente, eu aparecerei para você.
Se eu ficar na cabeceira do doente, você poderá dizer com toda certeza que ele ficará bem e será curado, então, você dará a ele esta erva para que ele se recupere; mas se eu estiver nos pés do paciente, ele então, será meu, e você deverá dizer que não há solução para o caso dele, e que nenhum médico no mundo poderá salvá-lo. Mas jamais use a erva com outros propósitos, porque ela poder te fazer mal.”
Não demorou muito e o jovem se tornou o médico mais famoso do mundo. “Ele tinha apenas que olhar para o paciente e já sabia a condição dele imediatamente, se o doente iria se restabelecer, ou se o caso era de morte.” E todos falavam muito nele, e dos lugares mais distantes as pessoas vinham consultá-lo, mandavam buscá-lo quando tinham alguma doença, e eles lhe davam tanto dinheiro que logo ele se tornou um homem rico. Então, aconteceu que o rei ficou doente, e o médico foi chamado, e teria de dizer se a recuperação seria possível.
Mas quando ele chegou perto da cama, a morte ali estava aos pés do rei enfermo, e a erva que poderia curá-lo não crescia. “Se eu conseguisse enganar a morte pelo menos uma vez,” pensou o médico, “ele vai piorar se eu fizer isso, mas, como eu sou afilhado dela, ela fará de conta que não viu nada; vou arriscar.” Ele então, pegou o doente, e o virou do outro lado, de modo que a morte ficou posicionada do lado da cabeceira. Ele deu ao rei um pouco de chá de erva para que ele tomasse, ele se recuperou e ficou são novamente.
Mas a morte se aproximou do médico, e parecendo estar muito contrariada, o ameaçou apontando-lhe o dedo, e disse, “Você passou dos seus limites; desta vez eu lhe perdoarei, porque és o meu afilhado; mas se fizeres isto novamente, isso vai lhe custar o teu pescoço, pois eu te levarei comigo.”
Pouco tempo depois a filha do rei caiu terrivelmente doente. Ela era a única filha dele, e o rei chorava tanto noite e dia, que ele até começou a perder a visão dos olhos, e ele mandou para que soubessem que aquele que salvasse a sua filha da morte seria seu marido e herdaria a coroa. Quando o médico chegou à cabeceira da garota enferma, ele viu que a morte estava aos pés dela. Ele deveria ter-se lembrado do aviso que o seu padrinho havia lhe dado, mas ele estava tão encantado pela grande beleza da filha do rei, e pela felicidade de se tornar seu marido, que ele jogou ao vento todas as advertências.
Ele não percebeu que a morte lançava olhares furiosos para ele, que ela levantava as suas mãos para o alto, e o ameaçava com os punhos secos e fechados. Ele levantou a garota doente, e colocou a sua cabeça onde estavam os seus pés. Então, ele ministrou a ela um chá de ervas, e instantaneamente as bochechas dela começaram a ficar vermelhas, e a vida voltou para ela novamente.
Quando a morte viu que pela segunda vez ela havia sido desfalcada de suas funções, ela caminhou em direção ao médico com passos largos, e disse, “Está tudo acabado para você, e agora o teu destino está nas minhas mãos,” e o segurou tão firme com as suas mãos frias que nem gelo, que ele não conseguiu resistir, e o conduziu para uma caverna que ficava debaixo da terra. Lá ele viu como milhares e milhares de velas estavam queimando em filas intermináveis, algumas grandes, outras na metade, e outras pequenas.
A todo momento uma vela se apagava, e outras continuavam queimando, e as chamas pareciam saltar de um lado e para outro em contínuas modificações. “Veja,” disse a morte, “estas são as luzes das vidas dos homens que estão na Terra. As velas grandes são das crianças, aquelas que estão na metade são das pessoas que se casaram e estão iniciando uma nova vida, e as pequenas pertencem aos idosos; porém as crianças e os jovens frequentemente também tinham apenas uma vela minúscula.” “Mostre para mim a luz da minha vida,” disse o médico, e ele achava que ela seria ainda bem alta. A morte apontou para um toquinho de vela que estava ameaçando se apagar, e disse, “Veja, ali está ela.”
“Ah, querido padrinho,” disse o médico horrorizado, “acenda uma nova para mim, faça isso pelo amor que você tem por mim, para que eu possa aproveitar mais a vida, me tornar rei, e me casar com a bela filha do rei.” “Não posso,” respondeu a morte, “uma vela deve se apagar antes que uma nova seja acesa.” “Então, coloque a vela velha em cima de uma nova, ela continuará queimando novamente quando a velha chegar no final,” reclamou o médico. A morte fez de conta que iria cumprir o desejo do médico, e pegou uma vela nova e alta; mas como ela desejava se vingar, ela de propósito cometeu um erro ao fixá-la, e o pequeno pedaço de vela caiu e se apagou. Imediatamente o médico caiu no chão, e agora ele mesmo estava nas mãos da morte.
Conto dos Irmãos Grimm
A SENHORA TRUDE / DONA TRUDE
Era uma vez uma garota que era muito teimosa e gostava muito de fazer perguntas, e quando seus pais lhe pediam para fazer alguma coisa, ela não os obedecia, então, como ela poderia estar bem? Um dia ela disse para os pais, “tenho ouvido falar muito na Senhora Trude, qualquer dia vou visitá-la. As pessoas costumam dizer que tudo o que ela faz é muito estranho, e que na casa dela só tem coisas esquisitas, e isso me deixou muito curiosa!” Os seus pais a proibiram terminantemente de ir, e disseram, “A Senhora Trude é uma mulher má, que faz coisas ruins, e se fores visitá-la; não se consideres mais nossa filha.”
Mas a garota não se deixou convencer com a determinação dos pais, e mesmo assim foi até a cada da Senhora Trude. E quando ela chegou lá, a Senhora Trude disse, “Porque você está tão pálida?” “Ah,” respondeu ela, enquanto seu corpo tremia inteirinho, “É que eu estou muito assustada com o que acabei de ver.” “E o que você viu?” “Eu vi um homem negro na porta da sua casa.” “Era o meu carvoeiro.” “Depois eu vi um homem verde.” “Ora, era o caçador.” “E depois eu vi um homem todo manchado de sangue.” “Ora, era o açougueiro.”
“Ah, Senhora Trude, eu fiquei muito assustada; eu olhei pela janela e não vi a senhora, mas, acredito de verdade, ter visto o demônio com uma cabeça de fogo.” “Oho!” disse ela, “então, você acabou de ver uma bruxa usando suas próprias roupas. há muito tempo que estou esperando por você, porque preciso muito de ti; para que você ilumine um pouco aqui para mim.” Então, ela transformou a garota num bloco de madeira, e a atirou no fogo. E quando a garota já estava completamente em chamas, ela se sentou perto do fogo, e se aqueceu, e disse, “Pelo menos uma vez na vida você ilumina brilhantemente.”
Conto dos Irmãos Grimm
O SENHOR COMPADRE
Um homem pobre tinha tantos filhos que ele já tinha pedido a todo mundo para ser padrinho de seus filhos, e quando mais uma criança havia nascido, não restava ninguém a quem ele pudesse convidar. Ele não sabia o que fazer, e, todo confuso, foi se deitar e caiu no sono. Então, ele sonhou que ele tinha que sair para fora na rua, e pedir para a primeira pessoa que ele encontrasse para ser o padrinho.
Quando ele acordou, ele decidiu fazer o que o sonho mandava, e saiu para a rua, e pediu para a primeira pessoa que apareceu para ele para ser seu compadre. O estranho lhe presenteou com um pequeno copo dágua, e disse, “Esta é uma água maravilhosa, com ela você poderá curar os doentes, você deverá apenas observar onde a Morte vai ficar. Se ela ficar perto da cabeceira do paciente, ofereça ao paciente um pouco de água e ele ficará curado, mas se a Morte ficar aos pés do paciente, todo esforço será em vão, porque a pessoa doente com certeza irá morrer.” Desse dia em diante, o homem sempre conseguia dizer se um paciente poderia ser salvo ou não, e se tornou famoso com essa sua habilidade, e ganhou muito dinheiro com isso.
Uma vez ele foi chamado para ver a filha do rei, e quando ele entrou, ele viu que a Morte estava na cabeceira da criança e portanto, a curou com a água, e ele fez a mesma coisa uma segunda vez, mas na terceira vez a Morte estava aos pés da criança, e então, ele sabia que a criança estava destinada a morrer.
Certa vez esse homem pensou em visitar o compadre, para lhe falar sobre o sucesso que ele tinha conseguido com a água. Mas quando ele entrou na casa, era um lugar tão esquisito! No primeiro lance de escadas, a vassoura e a pá estavam discutindo, e uma batia na outra violentamente. Então, ele perguntou a elas, “Onde é que mora o compadre?” A vassoura respondeu, “Um lance de escadas acima.” Quando ele chegou no segundo lance, ele viu um amontoado de dedos de mortos no chão. E perguntou, “Onde é que mora o compadre?” Um dos dedos respondeu, “Um lance de escadas mais alto.” No terceio lance havia um monte de cabeças de gente morta, que também indicaram para ele um lance acima.
No quarto lance de escadas, ele viu peixes no fogo, onde eles próprios eram fritos e cozidos nas panelas. Eles também disseram, “Um lance de escada acima.” E quando ele tinha subido o quinto lance, ele chegou na porta de um cômodo e deu uma espiada pelo buraco da chave, e lá ele viu o compadre que tinha um par de longos chifres. Quando ele abriu a porta e entrou, o compadre deitou na cama todo apressado e se cobriu. Então, o homem disse, “Senhor compadre, que estranhos moradores você tem aqui! Quando eu cheguei no seu primeiro lance de escadas, a pá e a vassoura estavam discutindo, e uma batia na outra violentamente.”
“Como você é tolo!” disse o compadre. “Eles eram o garoto e a criada que estavam conversando.” “Mas no segundo lance eu vi dedos de gente morta caídos no chão.” “Oh, como você é doido! Eram algumas raizes de scorzonera.” “No terceiro lance havia um monte de cabeças de gente morta.” “Seu bobo, eram apenas repolhos.” “E no quarto lance, eu vi peixes na panela, que estavam assobiando e assavam a si próprios.” Quando ele disse isso, os peixes vieram e começaram a se servir. “E quando eu cheguei no quinto lance de escadas, eu dei uma espiada pelo buraco da fechadura, e então, meu compadre, eu vi o senhor, e o senhor tinha chifres muito muito longos.” “Oh, isso é mentira!” O homem ficou tão assustado, que saiu correndo, e se não tivesse fugido, quem sabe o que o compadre teria feito com ele.
Conto dos Irmãos Grimm
O SENHOR KORBES
Era uma vez um galo e uma galinha que queriam fazer uma viagem juntos. Então, o galo construiu uma linda carruagem, com quatro rodas vermelhas, e quatro camundongos foram atrelados a ela. A galinha sentou no banco da frente junto com o galo, e eles partiram juntos. Não haviam caminhado muito quando eles encontraram um gato que disse: “Para onde vocês estão indo?” O galo respondeu: “Estamos indo para a casa do Senhor Korbes.” “Levem-me com vocês,” disse o gato. O galo respondeu: “Com o maior prazer, suba atrás, caso contrário você poderá cair se for na frente. Tome muito cuidado para não sujar as minhas pequenas rodas vermelhas. E vocês, minhas rodinhas, vamos rodando, e vocês meus pequenos ratinhos, sebo nas canelas, porque devemos continuar nossa viagem até a casa do Senhor Korbes.”
Depois do gato, veio uma pedra de moinho, depois um ovo, depois um pato, e então, um alfinete e finalmente uma agulha, e todos se sentaram confortavelmente na carruagem, e foram embora. No entanto, quando eles chegaram na casa do Senhor Korbes, o Senhor Korbes não estava em casa. Os camundongos levaram a carruagem até o celeiro, e a galinha e o galo foram correndo em cima de um poleiro. O gato ficou sentado ao lado da lareira, e o pato ficou no mastro do poço. O ovo rolou para dentro de uma toalha, o alfinete se acomodou na almofada da cadeira, e a agulha pulou em cima da cama, no meio do travesseiro, e a pedra de moinha ficou parada perto da porta.
Então, o Senhor Korbes voltou para casa, foi até a lareira, e ia acender o fogo, quando o gato jogou algumas cinzas na cara dele. Ele correu até a cozinha todo apressado para se lavar, e o pato espirrou água na cara dele. Ele foi se enxugar com a toalha, mas o ovo rolou em cima dele, e quebrou, e ficou grudado em seus olhos. Ele queria descansar, e então se sentou na cadeira, mas o alfinete o cutucou. Ele ficou furioso e se atirou na cama, mas assim que ele colocou a cabeça sobre o travesseiro, a agulha picou a cabeça dele, que ele chegou a gritar alto, e já estava decidido a sair pelo mundo de tanta raiva, mas quando ele chegou na porta da casa, a pedra de moinho saltou e caiu em cima dele, matando-o. O Senhor Korbes deve ter sido um homem muito perverso!
Conto dos Irmãos Grimm
A NOIVA DO LADRÃO / O NOIVO SALTEADOR
Era uma vez um moleiro que tinha uma filha muito linda, e quando ela cresceu, ele queria que nada lhe faltasse e que fosse bem casada. Ele pensava: — “Se algum pretendente aparecesse e pedisse a sua mão, eu ficaria muito feliz.” Não muito tempo depois, um pretendente apareceu, e que parecia ser muito rico, e como o moleiro nada encontrou que o desabonasse, então ele prometeu sua filha ao pretendente.
A jovem, contudo, não tinha a menor inclinação por ele, assim como uma garota deve gostar de um homem a quem ela foi prometida, e nem confiança lhe inspirava o rapaz. Quando ela o via, ou pensava nele, ela sentia uma aversão profunda. Uma vez ele disse a ela: — “Tu és a minha prometida, — “no entanto, jamais me fizeste uma visita.” A jovem respondeu: — “Não sei onde fica a tua casa.” Então, o noivo respondeu — “Minha casa fica lá longe na floresta escura.” Ela tentou se desculpar, e disse que não sabia o caminho até lá. O noivo respondeu: — “Domingo que vem, tu deves ir lá me fazer uma visita — “já chamei os convidados, e eu jogarei cinzas para que possas encontrar o caminho pela floresta.”
Quando chegou o domingo, e a donzela se pôs a caminho, ela ficou apreensiva, mas não sabia exatamente porque, e para garantir de que não se perderia na volta, ela encheu seus dois bolsos com ervilhas e lentilhas. Cinzas foram espalhadas na entrada da floresta, servindo de caminho para ela, porém, a cada passo, ela espalhava algumas ervilhas no chão.
Ela caminhou quase o dia todo até que ela chegou no meio da floresta, onde era mais escura, e lá ficava uma casa solitária, que ela não gostou a princípio, porque ela parecia tão escura e sombria. Ela entrou na casa, mas não havia ninguém dentro dela, e o mais absoluto silêncio reinava ali. Subitamente uma voz gritou:
— “Volte, volte, minha querida donzela,”
— “É na casa de um matador que você está entrando agora.”
A jovem olhou e viu que a voz vinha de um passarinho, que estava pendurado numa gaiola na parede. E o passarinho gritou novamente:
— “Volte, volte, minha querida donzela,”
— “É na casa de um matador que você está entrando agora.”
Então a jovem continuou andando de um cômodo da casa para outro, e caminhou por toda a casa, mas ela estava totalmente vazia e não havia sequer um ser humano alí. Finalmente ela chegou num lugar, onde uma velhinha de idade avançada estava sentada, que não parava de chacoalhar a cabeça. — “Será que a senhora poderia me dizer,” disse a donzela, — “ se o meu pretendente mora aqui?”
— “Ai, pobre criança! Respondeu a velhinha, — “onde você está se metendo? Tu estás no esconderijo de um matador. — “Pensas que és uma noiva que logo vai se casar, mas será com a morte que irás se casar. Veja, eu fui obrigada a colocar uma grande chaleira aqui, com água dentro dela, e quando estiveres em poder dele, você será cortada em pedacinhos sem misericórdia, serás cozida e te comerão, porque aqui se come carne humana. Se eu não tiver compaixão por você e te salvar, estarás perdida.”
Diante disso, a velhinha a levou para trás de um grande tonel onde ela não poderia ser vista. — “Fique quietinha como um rato,” disse ela, — “não faça nenhum barulho, nem se mova, do contrário não haverá salvação para ti.
A noite, quando os ladrões estiverem dormindo, nós fugiremos; há muito tempo que estou esperando por uma oportunidade.” Mal haviam feito isto, quando o bando de desalmados chegou em casa. Eles tinham arrastado com eles uma outra garota. Estavam bêbedos, e não ligavam para os gritos e lamentos que ela dava.
Eles deram a ela vinho para beber, três copos bem cheios, um copo de vinho branco, um de vinho tinto e um copo de vinho amarelo, e diante disso o coração dela explodiu. Em seguida, eles arrancaram o delicado vestido dela, colocaram-na sobre a mesa, cortaram seu lindo corpo em pedaços, e espalharam sal sobre ele.
A pobre noiva, que estava atrás do barril tremia e se sacudia toda, pois ela via muito bem que destino que os malvados reservavam para ela. Um deles notou um anel de ouro no dedo mínimo da garota que fora assassinada, e como o anel não queria sair de imediato, ele pegou um machado e arrancou o dedo fora, mas o dedo pulou no ar, por cima do barril, e caiu direto no peito da noiva.
O bandido pegou uma vela e foi procurar o anel, mas não conseguiu encontrá-lo. Então, um outro do bando disse: — “Você já procurou atrás do tonel grande? Mas a velhinha gritou: — “Venham comer alguma coisa, e deixem para procurar amanhã de manhã, o dedo não vai fugir de vocês.”
Então os ladrões disseram: — “A velha tem razão,” e desistiram da busca, e se sentaram para comer, e a velhinha colocou uma pílula de dormir no vinho deles, de modo que logo eles se deitaram na cela, e dormiram e roncavam.
Quando a noiva ouviu isso, ela saiu de trás do tonel, e teve de passar por cima dos ladrões, porque eles estavam deitados em fileiras no chão, e ela ficou com muito medo porque ela poderia acordar um deles.
Mas Deus a ajudou, e ela conseguiu sair sã e salva. A velhinha saiu com ela, abriu as portas, e elas correram do covil dos bandidos com toda a velocidade que podiam. O vento havia dispersado as cinzas, mas as ervilhas e as lentilhas haviam brotado e crescido, e mostrava a elas o caminho sob a luz do luar. Elas caminharam a noite toda, até que de manhã elas chegaram ao moinho, e então a jovem contou ao seu pai tudo exatamente como tinha acontecido.
Quando chegou o dia quando o casamento havia de ser celebrado, o noivo apareceu, e o moleiro havia convidado todos os seus parentes e amigos. Quando eles se sentaram à minha, cada um tinha que contar uma história. A noiva sentou em silêncio e não disse nada. Então o noivo disse para a noiva: — “Venha, querida, não tens nada para contar? Conte-nos uma história assim como eles fizeram.” Ela respondeu: — “Então, eu vou contar um sonho. Eu estava caminhado sozinha pela floresta, quando finalmente cheguei a uma casa, onde não havia nenhuma alma viva, mas na parede havia um pássaro dentro de uma gaiola que gritava:”
— “Volte, volte, minha querida donzela,”
— “É na casa de um matador que você está entrando agora.”
E o passarinho gritou isso mais de uma vez.
— “Querido, é só um sonho que eu tive. Então, eu caminhei por todos os cômodos da casa, e todos estavam vazios, e alguma coisa horrível havia naquele lugar!
Finalmente, cheguei até um lugar, onde uma mulher, muito muito velha, estava sentada, e ela sacudia a cabeça, quando lhe perguntei:
— “O meu noivo mora nesta casa?” Ela respondeu:
— “Oh, pobre menina, entraste no covil de um matador, teu noivo mora aqui, e ele te cortará em pedaços, e te matará, depois ele irá cozinhá-la e irá comê-la.”
— “Querido, é só um sonhe que eu tive. Mas a velhinha me escondeu de trás de um tonel grande, e mal havia me escondido, quando os ladrões chegaram em casa, e arrastavam uma donzela com eles, para a qual eles ofereceram três tipos de vinhos para beber, branco, tinto e amarelo, e depois o coração dela estourou.”
— “Querido, é só um sonhe que eu tive. Tiraram-lhe então, o seu lindo vestido, e cortaram o belo corpo da garota em pedaços em cima da mesa, e derramaram sal nele.”
— “Querido, é só um sonhe que eu tive. E um dos ladrões viu que havia um anel no dedo mínimo da garota, e como era muito difícil removê-lo, ele pegou um machado e corteu fora o dedo dela, mas o dedo pulou no ar, e saltou por cima do tonel grande, e caiu dentro do meu peito! E lá estava o dedo com o anel!” E depois que disse estas palavras, tirou o dedo para fora, e mostrou para os que estavam presentes.
O ladrão, que durante esta história ficou branco que nem cera, levantou-se e quis fugir, mas os convidados o dominaram, e o entregaram para a justiça. Então, ele e todo o seu bando foram executados por seus crimes infames.
Conto dos Irmãos Grimm
OS ELFOS / OS GNOMOS / HISTÓRIAS DE ANÕES
Um sapateiro, não por culpa própria, tinha ficado tão pobre que, no final, nada havia lhe sobrado, a não ser um pouco de couro para ele fazer um par de sapatos. Então, ao anoitecer, ele recortou os sapatos que ele desejava começar a fazer na manhã seguinte, e como ele era uma pessoa boa de coração, ele se deitou tranquilamente em sua cama, fez suas orações para Deus, e caiu no sono. Ao amanhecer, depois de ter feito suas orações, e já estava sentado para trabalhar, quando verificou que os dois sapatos estavam totalmente terminados em cima da mesa. Ele ficou perplexo, e não sabia o que dizer sobre isso.
Ele pegou os sapatos nas mãos para observá-los melhor, e eles estavam tão perfeitamente acabados que não havia nem sequer uma costura mal feita nele, como se tivessem sido feitos para se tornarem obras primas. Pouco depois, um comprador entrou, e como os sapatos haviam lhe agradado bastante, ele pagou por eles um valor melhor do que o habitual, e, com o dinheiro, o sapateiro conseguiu comprar couro para fazer dois pares de sapatos. Eles os cortou durante a noite, e na manhã seguinte ele estava preparado para começar a trabalhar totalmente reanimado, mas, não foi preciso fazer isso, porque, quando ele se levantou, eles já estavam prontos, e compradores também não faltavam, os quais lhe pagaram o bastante para ele comprar couro para quatro pares de sapatos.
Na manhã seguinte, também, ele encontrou quatro pares de sapatos, e assim foi aumentando constantemente, o que ele recortava durante a noite estava acabado na manhã seguinte, de modo que em breve ele ganhava honestamente a sua independência, e finalmente se tornou um homem rico. Ora, e aconteceu que uma noite, pouco antes do Natal, quando o sapateiro havia feito alguns recortes, ele falou para a sua esposa, antes de ir para a cama: “O que você acharia se nós ficássemos até tarde da noite para ver quem é que está nos dando esta ajuda?” A mulher gostou da ideia, e acendeu uma vela, e eles ficaram escondidos num canto da sala, atrás de algumas roupas que estavam penduradas num canto, e ficaram olhando.
Quando era meia noite, dois homenzinhos pequenos e nus chegaram, se sentaram perto da mesa do sapateiro, pegaram todo o trabalho que havia sido recortado anteriormente para eles, e começaram a costurar e dar pontos, e martelavam com tanta habilidade e tão rapidamente com seus dedinhos que o sapateiro não conseguia tirar os olhos de tão espantado que ficou. Eles não pararam enquanto tudo não estava pronto, e deixaram todo o trabalho terminado em cima da mesa, e então foram embora rapidamente.
Na manhã seguinte, a mulher disse: “Os homenzinhos nos fizeram ricos, e nós realmente devemos mostrar que nós somos gratos por isso.”
“Eles correram tanto, e não tinham nenhuma roupa, e deviam estar com frio. Vou lhe dizer o que vou fazer: Vou fazer para eles algumas camisas bem pequenas, e pequenos casacos, coletes e pequenas calças, e tricotarei para cada um deles um par de meias, e você, também, fará para eles dois pequenos pares de sapatos.” O homem disse: “Terei o maior prazer em fazer isso,” e uma noite, quando tudo estava pronto, eles colocaram os presentes todos juntos em cima da mesa ao invés do trabalho recortado, e depois se esconderam para ver como os homenzinhos iriam se comportar. À meia noite, eles entraram dando pulinhos, e queriam começar a trabalhar imediatamente, mas, como eles não encontraram nenhum couro recortado, mas, apenas lindos artigos de vestuário, eles ficaram atônitos, a princípio, e então eles demonstraram que ficaram muitos felizes.
Eles se vestiram com grande velocidade, colocaram as roupas bonitas e começaram a cantar,
“Agora nós somos garotos lindos de se ver, Porque deveríamos continuar sendo sapateiros?”
Então, eles dançavam, pulavam e saltavam sobre as cadeiras e os bancos. E finalmente, foram dançando e saindo pela porta. Desse dia em diante nunca mais voltaram, mas, enquanto o sapateiro viveu, tudo dava certo para ele, e os seus negócios prosperaram.
SEGUNDA HISTÓRIA
Era uma vez uma pobre criada, que era trabalhadeira e muito asseada, e varria a casa todos os dias, e jogava toda a sujeira num grande monte que ficava na frente da casa. Um dia, de manhã, quando ela estava indo para o seu trabalho, ela encontrou uma carta no monte, e como ela não sabia ler, ela colocou a vassoura num canto, e levou a carta para o seu senhor e para a sua senhora, e, eis que se tratava de um convite feito pelos elfos, e que pediam à garota para que ela fosse a madrinha de uma criança no dia do batismo. A garota não sabia o que fazer, mas, finalmente, deixou-se convencer, e eles lhe falaram que não era direito recusar um convite desse tipo, então ela concordou.
Então, três elfos chegaram e a conduziram até uma montanha oca, onde os homenzinhos viviam. Tudo lá era pequeno, mas, muito mais elegante e belo do que se pode descrever. A mãe do bebê estava na cama de ébano negro ornamentada com pérolas, o cobertor era bordado de ouro, o berço era de marfim, a banheira de ouro. A garota foi madrinha, e então, ela queria voltar para casa novamente, mas, os pequenos elfos insistiram para que ela ficasse três dias com eles. Então, ela ficou, e passou o tempo todo, alegre e satisfeita, e os pequenos elfos faziam tudo o que podiam para deixá-la feliz. Finalmente, o dia de voltar para casa chegou.
Então, primeiro, eles encheram os bolsos dela com um monte de dinheiro, e, depois disso, eles a levaram para fora da montanha novamente. Quando ela chegou em casa, ela queria começar a trabalhar, e pegou a vassoura, que ainda estava no canto onde ela havia deixado, e começou a varrer. Então, algumas criaturas estranhas começaram a sair da casa, e perguntaram quem era ela, e o que ela estava fazendo ali? Ela não tinha ficado três dias, com os homenzinhos na montanha, como pensava, mas, sete anos, e durante esse tempo, os antigos patrões dela haviam morrido.
TERCEIRA HISTÓRIA
Uma certa criança tinha sido levada do seu berço pelos elfos, e em seu lugar colocaram uma criança de cabeça grande e olhos arregalados, que não sabia fazer outra coisa, senão comer e beber. Desesperada a mãe correu até a vizinha, e lhe pediu um conselho. A vizinha disse que ela devia levar o bebê até a cozinha, colocá-lo perto da lareira, acender o fogo, e ferver um pouco de água em duas cascas de ovos, o que faria o bebê sorrir; caso ele sorrisse, tudo estaria bem com ele. A mulher fez tudo o que a vizinha dela havia sugerido.
Quando ela colocou as cascas de ovos com água em cima da grade do fogo, o moleque falou:
“Agora eu sou tão velho como uma floresta virgem,
mas em toda a minha vida eu nunca vi,
alguém ser fervido numa casca de ovo!”
E ele começou a rir sem parar. E quando ele estava rindo, de repente apareceu um monte de pequenos elfos, que trouxeram a criança certa, a colocaram perto da lareira, e levaram com eles a criança que havia sido trocada.
Conto dos Irmãos Grimm
O CASAMENTO DA DONA RAPOSA
Era uma vez um velho raposo que tinha nove rabos, e que achava que a sua esposa não era fiel a ele, e que estava tentando traí-lo. Ele ficou deitado debaixo do banco, sem se mover, e se comportou como se estivesse morto como uma pedra. A Senhora Raposa foi até o quarto dela, se fechou lá dentro, junto com o seu namorado. A Senhorita Gata, estava sentada ao lado do fogão, e cozinhava. Quando ela ficou sabendo que o velho raposo havia morrido, pretendentes começaram a aparecer. A criada ouviu quando alguém chegou à porta da casa e bateu. Ela foi atender e abriu a porta, e era um jovem raposo, que disse,
“O que você está fazendo agora, Senhorita Gata?
Você está dormindo ou acordada?”
Ela respondeu,
“Eu não estou dormindo, estou acordada,
Queres saber o que estou fazendo?
Estou preparando uma deliciosa cerveja com manteiga,
O cavalheiro quer entrar e beber alguma coisa?”
“Não, obrigado, senhorita,” disse o raposo, “o que a Senhora Raposa está fazendo?” A criada respondeu,
“Ela está sozinha em casa,
E está se lamentando.
Chorando até os olhos ficarem vemelhos,
Porque o Senhor Raposo morreu.”
“Então, diga a ela, senhorita, que um jovem raposo está aqui, e gostaria de cortejá-la.” “Certamente, meu jovem.”
A gata então, subiu as escadas e ouve-se trip, trap.
Ela bateu na porta fazendo tap, tap, tap,
“Dona Raposa, a senhora está aí dentro?”
“Ó sim, minha gatinha,” ela exclamou.
“Tem um pretendente lá fora querendo falar com a senhora.”
“Diga-me como ele é, minha querida?”
“Ele tem nove rabos belíssimos como o falecido Senhor Raposo?” “Oh, não,” respondeu a gata, “ele tem somente um.”
“Então, não quero conhecê-lo.” A Senhorita desceu as escadas e mandou o pretendente embora. Pouco depois, alguém bate à porta, e um outro raposo estava à porta e queria cortejar a Senhora Raposa. Ele tinha dois rabos, mas a sua sorte não foi melhor que a do primeiro. E depois deste, outros também vieram, cada um com um rabo a mais que o anterior, mas todos foram rejeitados, até que finalmente veio um que tinha nove rabos, como o velho Senhor Raposo. Quando a viúva ficou sabendo, ela disse alegremente para a gata,
“Agora podem abrir bem os portões e as portas,
E coloquem o Senhor Raposo que morreu lá pra fora.”
Mas quando o casamento estava para ser realizado, o velhor Senhor Raposo se mexeu debaixo do banco, e começou a dar cacetadas no sem vergonha, e expulsou a Senhora Raposa e todos para fora de casa.
SEGUNDA HISTÓRIA
Quando o velho Senhor Raposo havia morrido, o lobo apareceu como pretendente, e bateu na porta, e a gata que, era a criada da Senhora Raposa, abriu a porta para ele. O lobo a cumprimentou, e disse,
“Bom dia, Senhorita Gata de Monte Cristo,
Porque você está sentada aí sozinha?
O que você está fazendo de bom?”
A gata respondeu,
“Estou fazendo pudim de pão com leite,
O cavalheiro gostaria de entrar e comer um pouco?”
“Não, obrigado, Senhorita Gata,” respondeu o lobo.
“A Senhora Raposa não está em casa?” A gata respondeu,
“Ela está no quarto dela lá em cima,
Lamentando seu triste destino,
Chorando dolorosamente suas preocupações,
Porque o Senhor Raposo não vive mais.”
O lobo respondeu,
“Se ela estiver precisando de um marido agora,
Então, será que ela poderia descer um pouquinho até aqui embaixo?”
A gata sobiu correndo as escadas,
Mexendo com o rabo de um lado e de outro,
Ela então chegou na porta do gabinete.
Com seus cinco aneis de ouro e bate na porta,
“A senhora está aí dentro, minha boa Senhora Raposa?
Se a senhora estiver precisando de um marido agora.
Então, será que a senhoria poderia descer um pouquinho lá embaixo?”
A Senhora Raposa perguntou, “Pode me dizer se o cavalheiro está usando meias vermelhas e tem uma boca pontuda?” “Não,” respondeu a gata. “Então ele não serve para mim.”
Quando o lobo foi embora, veio um cachorro, um veado, uma lebre, um urso, um leão, e todos os animais da floresta, um após o outro. Mas um dos pontos positivos que o velho Senhor Raposo possuía, estava sempre faltando, e a gata continuava a expulsar os pretendentes. Até que um jovem raposo apareceu. Então a Senhora Raposa disse: “Pode me dizer se o cavalheiro está usando meias vermelhas, e possui uma boca pontuda?” “Sim,” respondeu a gata, “ele possui.” “Então, faça com que ele suba até aqui,” disse a Senhora Raposa, e mandou que a criada gata preparasse a festa de casamento.
“Varra o quarto e deixe-o o mais limpo que puder,
Abra a janela e jogue o meu ex-marido que morreu lá pra fora!
Porque ele trouxe muitos ratos gordos e deliciosos para casa,
Mas na sua esposa ele nunca pensou.
Mas comia tudo que caçava.”
Então, o casamento foi realizado com o jovem Senhor Raposo, e todos se divertiram e dançaram; e se ainda não tivesse sobrado nada, estariam dançando até agora.
Conto dos Irmãos Grimm
TEORIA DO CONHECIMENTO: O PENSAMENTO E A PERCEPÇÃO SENSORIAL
De toda a atividade desta teoria do conhecimento se vê que em suas explicações trata-se de adquirir uma resposta à pergunta: o que é conhecimento? Para alcançar essa meta primeiramente é abordado, de um lado, o mundo da contemplação sensorial, e de outro a permeação pelo pensamento. E é demonstrado que na interpenetração de ambos manifesta-se a verdadeira realidade do ser sensorial.
Com isso responde-se em princípio à pergunta “o que é conhecimento?”. Essa resposta não se torna outra por se ampliar a pergunta à contemplação do espiritual.
Por isso, o que se diz nesta obra sobre a essência do conhecimento também vale para a cognição dos mundo espirituais a que se relacionam minhas obras posteriores. Em sua manifestação, o mundo dos sentidos não é realidade para a contemplação humana. Tem sua realidade em conexão com o que se revela no ser humano sob forma de pensamentos. Estes pertencem à realidade do que se contempla sensorialmente; só que aquilo que é pensamento no ser sensorial não aparece fora, mas dentro do ser humano. Mas o pensamento e a percepção sensorial são um ser. Ao surgir no mundo contemplando sensorialmente, o ser humano separa o pensamento da realidade; mas este aparece em outro lugar: no interior da alma.
Para o mundo objetivo, a separação entre percepção e pensamento não tem nenhuma relevância; ela só aparece porque o ser humano coloca-se na existência. Para ele surge a ilusão de o pensamento e a percepção sensorial serem uma dualidade.
Não é diferente para com a contemplação espiritual. Quando esta surge como resultado dos processos anímicos descritos em minha obra posterior O Conhecimento dos Mundos Superiores [também Como se Adquirem Conhecimento dos Mundos Superiores], forma novamente um lado do ser – o espiritual – enquanto os pensamentos correspondentes do espiritual formam o outro.
Só que aparece uma diferença, porque a percepção sensorial é, de certa forma, completada em realidade para cima pelos pensamentos, em direção ao início do espiritual. Por outro lado, a visão espiritual é vivenciada em sua verdadeira entidade a partir desse início para baixo. Porém, não surge uma diferença de princípios pelo fato de a vivência da percepção sensorial acontecer pelos sentidos formados pela natureza, e a contemplação do espiritual acontecer por meio dos órgãos de percepção espiritual formados de maneira anímica.
Em verdade, em minhas publicações posteriores não ocorre nenhum abandono da ideia de cognição elaborada nesta obra mas, sim, a aplicação desta ideia à experiência espiritual.
Rudolf Steiner – GA 02
Tradução: Valdemar W. Setzer
PARCIALIDADE DOS SENTIDOS E TOTALIDADE DO PENSAMENTO PURO
No tocante a cada objeto exterior, estou certo de que de início ele oferece apenas seu lado externo aos meus sentidos; quanto ao pensamento, sei precisamente que o que ele me dirige é ao mesmo tempo sua totalidade, que ele penetra em minha consciência como um todo completo em si.
As forças impulsionadoras externas, que sempre devemos pressupor no caso de um objeto dos sentidos, não existem no caso do pensamento. É a elas que devemos atribuir o fato de a manifestação aos sentidos se nos deparar como algo pronto; é a elas que devemos imputar a gênese dessa manifestação.
No caso do pensamento, tenho certeza de que aquela gênese não é possível sem a minha atividade. Eu tenho de vivenciá-lo interiormente até em sua menor parte, para que ele tenha qualquer significado para mim.
Rudolf Steiner – GA 02
PENSAMENTO PURO ALÉM DA PERCEPÇÃO SENSORIAL
O nível mais elevado na vida individual é o pensar conceitual sem considerar um determinado conteúdo de percepção. [Nesse caso] Determinamos o conteúdo de um conceito por meio de pura intuição a partir da esfera ideal [das ideias]. Então, inicialmente, um tal conceito não possui uma relação com determinadas percepções. Quando penetramos na vontade sob a influência de um conceito que aponta para uma percepção, isto é, uma representação mental, então essa percepção nos determina pelo desvio feito por meio do pensamento conceitual. Quando agimos sob a influência de intuições, a mola propulsora de nossa ação é o pensar puro.
Rudolf Steiner – GA 04
Tradução: Valdemar W. Setzer
MATERIALISMO E O RACIOCÍNIO PURAMENTE INTELECTUAL
O raciocínio puramente intelectual e materialista compraz-se em acreditar que não se pode penetrar no âmago das coisas, senão por meio de conceitos abstratos; dificilmente admitirá que, para esse fim, as outras forças anímicas são pelo menos tão necessárias quanto o intelecto.
Não se trata apenas de uma metáfora quando afirmamos poder-se compreender algo tanto com o sentimento e com as emoções, como por meio do intelecto. Os conceitos são apenas um dentre vários meios que conduzem à compreensão das coisas deste mundo.
E apenas à mentalidade materialista parecem ser os únicos existentes. Existem naturalmente muitas pessoas que não se julgam materialistas, e que mesmo assim consideram conceituação racional a única espécie possível de compreensão.
Tais indivíduos podem professar cosmovisões idealistas ou até espiritualistas, mas no fundo da alma sua atitude é materialista, já que o intelecto não deixa de ser o instrumento para compreender o material.
Rudolf Steiner – GA 34
OBSERVAÇÃO DA REALIDADE VIVA – OBSERVAÇÃO GOETHEANÍSTICA
Suponhamos que se faça a experiência seguinte: certo dia observa-se um fenômeno do mundo, perfeitamente acessível, isto é, que se possa observar completamente: por exemplo, a aparência do céu. Observam-se a configuração das núvens, a maneira como o Sol desapareceu no poente etc. Faz-se então a imagem mental tão perfeita quanto possível do que se observou. Tenta-se conservar essa imagem o mais possível com todos os seus pormenores, esforçando-se por mantê-la fielmente com toda a sua nitidez até o dia seguinte. No dia seguinte, torna-se a observar, mais ou menos à mesma hora, ou mesmo em hora diferente, o tempo e a aparência do céu, e repete-se o esforço para formar uma imagem completa das observações feitas.
Formando-se desse modo claras imagens mentais de aspectos sucessivos, perceber-se-á nitidamente que o pensamento se enriquece e interiormente se torna intenso, pois o que produz a ineficácia do pensamento é geralmente a inclinação muito forte de se deixarem de lado os pormenores dos fenômenos que se sucedem, guardando-se mentalmente apenas representações vagas e confusas. O que é essencial e precioso para tornar fecundo o pensamento é formar imagens precisas dos fenômenos sucessivos, e então dizer consigo: “Ontem as coisas eram assim, hoje são de outro modo.” As duas imagens, correspondentes a fenômenos distintos do mundo real, devem ressurgir ante o espírito com a maior nitidez, como se fossem quadros.
Rudolf Steiner – GA 108
PONTOS DE VISTA, PLURALIDADE E UNIVERSALIDADE
Sim, quem observa o mundo sem preconceito, sabe: com direcionamentos e com pontos de vista acontece que eles são precisamente isso: pontos de vista.
Se eu tiver aqui uma árvore e a fotografo, dou aos senhores um retrato. O retrato é certamente formado daqui; o retrato tem uma aparência daqui, outra de lá, e os senhores poderiam dizer, se julgassem apenas a partir desse retrato: não se trata da mesma árvore.
Assim há no mundo pontos de vista, concepções de mundo. Eles são sempre concebidos de um lado. Somente não se tornará um fanático, mas adequa-se à pluralidade, numa necessária universalidade, aquele que sabe que se deve observar as coisas dos lados mais diversos.
Rudolf Steiner – GA 305 (25/08/1922)
Tradução: Valdemar W. Setzer
O ESPÍRITO E A MATÉRIA
Procurem a vida realmente prática material
Mas procurem-na de tal modo, que ela não os atordoe
por meio do espírito, que nela atua.
Procurem o espírito,
Mas não o procurem na volúpia suprassensível,
a partir de egoísmo suprassensível,
Porém, procurem-no
Por desejarem, altruísticamente, aplicá-lo
na vida prática, no mundo material.
Apliquem o antigo lema:
“O espírito não existe sem a matéria, a matéria nunca sem o espírito”
de tal modo, que digam:
Queremos realizar todo o material à luz do espírito,
E queremos procurar a luz do espírito de tal maneira,
Que ela nos desenvolva calor para nosso atuar prático.
O espírito, que é por nós dirigido para a matéria,
A matéria, que é por nós elaborada até sua manifestação,
Por meio da qual ela expele de si própria o espírito,
A matéria, que tem o espírito manifesto por nós,
O espírito, que nós aproximamos da matéria,
Constroem aquela existência viva,
Que pode trazer a humanidade para o progresso real,
Para aquele progresso que, pelos melhores,
somente pode ser almejado nos mais profundos
recônditos das almas do presente.
Rudolf Steiner – GA 40
Tradução: Valdemar W. Setzer
INTEGRAR PENSAMENTO E CORAÇÃO
Quando se diz que os pensamentos são pálidos, não se deve concluir que, para viver como ser humano, não se necessitam de pensamentos.
Contudo, os pensamentos não deveriam ser tão fracos, a ponto de permanecerem na cabeça. Eles deveriam ser tão fortes, a ponto de fluir para baixo através do coração e de todo o ser humano, até os pés; pois é realmente melhor se, em lugar de simples glóbulos brancos e vermelhos, também pensamentos pulsarem no nosso sangue.
É certamente valioso se o ser humano tem também um coração e não somente pensamentos. Mas o mais valioso ocorre, porém, quando os pensamentos possuem um coração. No entanto, nós perdemos isso totalmente. Não podemos mais descartar os pensamentos que foram trazidos nos últimos quatro a cinco séculos, mas esses pensamentos também devem receber um coração.
Rudolf Steiner – GA 217, palestra de 3/10/1922.
Tradução: Valdemar W. Setzer
CONHECIMENTO INICIÁTICO – PENSADOS PELOS COSMOS
No conhecimento normal, como sujeitos do conhecimento, estamos conscientes de nosso pensar, de nossas vivências anímicas, por meio das quais conquistamos o conhecimento. […] Procuramos os objetos, na medida em que observamos a natureza, a vida humana, na medida em que experimentamos algo. […] Nós somos o sujeito, e o que nos confronta são os objetos.
Na pessoa que procura o conhecimento iniciático, ocorre uma orientação completamente diferente. Ela deve perceber que, como ser humano, ela é objeto e precisa procurar o sujeito pertinente a esse objeto. De modo que algo totalmente contrário deve ocorrer. […]
Enquanto nós focamos justamente o pensar, se posso expressar-me de maneira algo paradoxal, eu gostaria de dizer: no conhecimento normal nós pensamos sobre as coisas. No conhecimento da iniciação devemos procurar como somos pensados no cosmos.
Rudolf Steiner – GA 305, palestra de 20/8/1922
Tradução: Valdemar W. Setzer
A INDIVIDUALIDADE E A EXISTÊNCIA UNIVERSAL
Nossa vida é um contínua pendular entre o compartilhar o acontecimento geral do mundo e nosso existir individual. Quanto mais nós nos elevamos na natureza geral do pensar, onde o aspecto individual nos interessa, em última instância, somente como exemplo, como exemplar do conceito, tanto mais perde-se em nós o caráter do ser particular, da personalidade única bem definida.
Quanto mais nós descemos nas profundezas da própria vida e deixamos nossos sentimentos ressoarem com a experiência do mundo exterior, tanto mais nos separamos da existência universal. Uma verdadeira individualidade será aquela pessoa, que atinge o ponto mais elevado da região das idéias com seus sentimentos. […]
Uma vida de sentimentos totalmente desprovida de pensamentos deveria perder gradualmente toda a relação com o mundo. Na pessoa orientada para a totalidade, o conhecimento das coisas caminhará lado a lado com a formação e desenvolvimento da vida dos sentimentos.
O sentimento é o meio, pelo qual os conceitos inicialmente obtêm vida concreta.
Rudolf Steiner – GA 04
Tradução: Valdemar W. Setzer
FORTALECIMENTO DA VONTADE – SUPRESSÃO DOS DESEJOS
O que se pode chamar de “cultura da volição”é justamente algo de grande importância. Já frisamos antes que, muitas vezes, o nervosismo se manifesta no fenômeno de as pessoas de hoje em dia não saberem muito bem o que fazer para realizar o que querem de verdade ou o que deveriam querer. Elas recuam diante da execução daquilo a que se propuseram, não conseguem realizar nada de valor e assim por diante.
Esse fenômeno [é] diagnosticável como uma certa fraqueza de vontade. […] esse tipo de fraqueza de vontade […] leva as pessoas, a bem dizer, por um lado a querer alguma coisa porém, por outro, não o querer ou ao menos a não conseguir realmente executar o que querem […]. Algumas pessoas nem sequer atingem o estágio de querer seriamente o que desejam querer.
Ora, existe um modo muito simples de fortalecer a vontade para a vida externa: suprimir desejos que, sem dúvida, sempre estão presentes; não executá-los, se isso não causar dano algum. Se perscrutarmos nós mesmos, o dia inteiro teremos a oportunidade de encontrar inúmeros desejos cuja realização – embora fosse muito agradável serem satisfeitos –, podemos entretanto prescindir sem que isso cause danos a outras pessoas ou faltemos a nossos deveres. São desejos cuja satisfação nos causaria alegria, mas que poderiam também ficar ser realização.
Se há empenho, de certo modo sistemático, em achar dentre muitos desejos aqueles dos quais se possa dizer “Não, esse desejo não precisa ser satisfeito agora” […] e suprimindo-os de forma sistemática, cada não realização representa uma afluência de força de vontade […]. Executando esse procedimento mesmo em idade mais avançada, podemos reparar muita coisa que foi descuidada pela educação moderna.
Rudolf Steiner – GA 4
Tradução: Valdemar W. Setzer
VERSO DE MICAEL – EXTIRPAR O MEDO DA ALMA
Temos que extirpar da alma, com a raiz, todo medo e terror daquilo que, do futuro, vem ao encontro do ser humano. Serenidade frente a todos os sentimentos e sensações perante o futuro o ser humano deve adquirir. Encarar com absoluta equanimidade tudo aquilo que possa vir, e pensar somente que o que vier, virá a nós de uma direção espiritual plena de sabedoria.
Em todo momento temos que fazer o que é correto e deixar o restante entregue ao futuro. Isso é o que temos que aprender em nossa época: viver em pura confiança, sem qualquer segurança existencial, confiando na ajuda sempre presente do mundo espiritual.
Realmente, hoje em dia não pode ser de outra forma, se não quisermos que a coragem submerja. Disciplinemos firmemente nossa vontade, e procuremos a revelação a partir do interior, todas as manhãs e todas as noites.
Rudolf Steiner – 27/11/1910
Tradução: Valdemar W. Setzer
APERFEIÇOAMENTO ESPIRITUAL DO SER HUMANO
Com o egoísmo entrou o mal no mundo. Isso teve que ocorrer, pois o bem não pode ser compreendido sem o mal. Por meio dos triunfos do ser humano sobre si mesmo, o mal proporciona a possibilidade para o desabrochar do amor. […]
Mas o futuro da humanidade consistirá ainda em outra coisa além do amor. O aperfeiçoamento espiritual será, para o ser humano terrestre, a meta mais valiosa. […] O aperfeiçoamento é algo por meio do qual queremos fortificar e estimular nosso ser, nossa personalidade. Mas devemos ver nosso valor para o mundo somente nos atos de amor, não nos atos de autoaperfeiçoamento. Quanto a isso, não podemos entregar-nos a nenhuma ilusão. […] da sabedoria que alguém coloca a serviço do mundo, terá valor somente a porção que esteja impregnada de amor.
A sabedoria que está submersa no amor, que impulsiona o mundo […] exclui a mentira. Pois a mentira opõe-se aos fatos, e quem se coloca com amor dentro dos fatos não conhece a mentira. A mentira provém do egoísmo, sem exceção.
Quando, por meio do amor, encontramos o caminho para a sabedoria, então penetramos, por meio da força crescente da superação, por meio do amor sem egoísmo, também na sabedoria. Com isso, o ser humano torna-se uma personalidade livre. O mal era o subterrâneo em que penetrou a luz do amor; é ela que torna reconhecível o sentido do mal, a posição do mal no mundo. A luz tornou-se reconhecível devido às trevas.
Rudolf Steiner – GA 143, palestra de 17/12/1912
Tradução: Valdemar W. Setzer
ATOS DE AMOR
O amor sensorial é a origem do criativo, daquilo que está nascendo. Sem o amor sensorial, nada mais existiria de sensorial no mundo; sem o amor espiritual, nada mais haveria de espiritual na evolução.
Quando praticamos o amor, quando o cultivamos, derramam-se no mundo forças germinativas, forças criadoras. Devemos fundamentar isso com a razão. As forças criadoras tiveram de derramar-se também no mundo antes de nós e de nossa razão.
Certamente, sendo egoístas, podemos eliminar do futuro as forças criadoras, mas não podemos apagar os atos de amor e as forças criadoras do passado. Aos atos de amor do passado devemos nossa existência. Assim como somos fortes devido a esse fato, também estamos fortemente endividados com o passado, e tudo o que conseguimos alguma vez produzir em amor será pagamento de dívidas por nossa existência.
Podemos, então, compreender os atos de uma pessoa altamente desenvolvida, pois ela tem dívidas maiores para com o passado. É uma atitude sábia pagar as dívidas por meio de atos de amor.
O impulso para o amor cresce com o evoluir de uma pessoa: somente a sabedoria não é suficiente para tal. Imaginemos da seguinte forma o significado do amor no atuar do mundo: o amor é algo que sempre aponta para dívidas existenciais do passado, e como do pagamento de dívidas nada sobra para o futuro, nós mesmos nada possuímos de nossos atos de amor.
Devemos deixar nossos atos de amor no mundo, os quais ficam, então, inscritos no suceder cósmico espiritual. Nós não nos aperfeiçoamos por meio de nossos atos de amor, mas por meio de outros atos; o mundo, entretanto, torna-se mais rico mediante nossos atos de amor — pois o amor é o elemento criador do mundo.
Rudolf Steiner – GA 143, palestra de 17/12/1912
Tradução: Valdemar W. Setzer
AMOR IMPESSOAL E DESINTERESSADO
De um ponto de vista oculto, tudo o que ocorre por amor não traz benefícios pessoais, mas é uma atividade de retribuição por um bem já consumido. As únicas ações das quais nada teremos no futuro são aquelas feitas a partir de um verdadeiro, autêntico amor.
Essa verdade poderia assustar. Felizmente os seres humanos nada sabem a esse respeito em sua consciência superficial. No subconsciente, porém, todos o sabem, e por isso realizam com tão pouco prazer os atos de amor. Essa é a razão de existir tão pouco amor no mundo. As pessoas sentem, instintivamente que, no futuro, nada possuirão, para seu eu, dos atos de amor. Uma alma deverá já ter feito grandes progressos em sua evolução para sentir prazer em praticar atos de amor dos quais nada obterá.
O impulso para isso não é forte na humanidade, mas a partir do ocultismo podem-se ganhar fortes impulsos para atos de amor.
Do ponto de vista de nosso egoísmo, nada obtemos dos atos de amor; tanto mais, porém, obtém deles o mundo. O ocultismo diz: o amor é para o mundo o que é o Sol para a vida exterior. Nenhuma alma poderia mais crescer se o amor fosse eliminado do mundo. O amor é o Sol moral do mundo. Não seria absurdo , para uma pessoa que tem prazer e interesse no crescimento das flores de um prado, desejar que o Sol desaparecesse do mundo?
Transposto para o âmbito moral, isso que dizer: deve-se ter interesse de que um desenvolvimento sadio se imponha nas relações da humanidade. É uma atitude sábia semear tanto amor quanto possível na Terra. Não há nada mais sábio do que promover o amor na Terra.
Rudolf Steiner – GA 143, palestra de 17/12/1912
Tradução: Valdemar W. Setzer
VIVÊNCIA DO ESPÍRITO TRANSCENDENDO AS PALAVRAS
Isso é de fato o segredo da iniciação moderna: chegar à vivência do espírito transcendendo as palavras.
Isso não é algo que vai contra a sensação da beleza do idioma. Pois precisamente quando não se pensa mais no idioma, começa-se a senti-lo e a deixá-lo fluir, como elemento da sensação em si mesmo e a partir de si. Mas isso é algo que hoje deve começar a ser almejado pelos seres humanos.
Talvez inicialmente isso não é conquistado pelo ser humano para o idioma, mas primeiro por meio da escrita. Pois em relação à escrita não se passa de maneira que o ser humano a possui, mas que ela possui o ser humano.
O que significa que a escrita possui o ser humano? Significa que se tem no pulso, na mão, uma determinada maneira de escrever. Escreve-se mecanicamente a partir da mão. Isso prende o ser humano. Ele se libera quando ele escreve como pinta ou desenha, quando para ele cada letra torna-se algo que ele desenha.
Rudolf Steiner – GA 233, palestra de 13/1/1924
Tradução: Valdemar W. Setzer
“A criança é e precisa de movimento. Faz parte do desenvolvimento natural do ser humano. Em verdade, a obrigatoriedade de ficar horas a fio sentado vai contra a natureza infantil (principalmente nos 7 primeiros anos – 1º setênio) que necessita de estímulos sensoriais para o aprimoramento dos seus sentidos e percepção.” – Leonardo Maia
MOVIMENTO OU HIPERATIVIDADE?
Gillian é uma garota de sete anos e não consegue ficar sentada na escola. Ele se levanta constantemente, se distrai, voa com os pensamentos e não segue as lições.
Seus professores se preocupam, castigam, gritam com ela, recompensam as poucas vezes que ela é cuidadosa mas nada, Gillian não sabe ficar sentada e não consegue tomar cuidado. Quando ela chega em casa, a mãe também a castiga. A mãe acha que ela não pode fingir nada com o comportamento da menina.
E assim Gillian não só pega votos e punição todos os dias na escola, mas também pega em casa, como se já não fosse um castigo e humilhação o mau voto e a gritaria diante de todos os colegas ′′bravos”.
Um dia a Mãe da Gillian é chamada para a escola. A senhora, triste como quem espera notícias ruins, pega a menina pela mão e vai para a escola, para a sala de entrevistas. Professores falam sobre doença, um distúrbio evidente da menina. Ainda não existe hiperatividade senão talvez alguém tivesse dado um medicamento para a pequena Gillian.
Na entrevista, aparece um antigo professor que conhece a menina e sua história. Solicita a todos os adultos, mãe e colegas, que o sigam até um quarto de onde ainda se possa ver a menina. Indo embora diz à menina que tem paciência que eles vão voltar logo e liga-lhe um rádio velho com música de fundo. Como a menina está sozinha na sala imediatamente levanta-se e começa a mover-se para cima e para baixo perseguindo com os pés e coração a música no ar. O velho professor sorri e enquanto as colegas e a mãe o olham entre o perplexo e o compassivo, como muitas vezes se faz com os velhos, ele exclama:
′′ Veja a Gillian não está doente, a Gillian é uma bailarina!”.
Aconselha a mãe a matriculá-la em uma aula de dança e às colegas que a façam dançar de vez em quando.
A menina segue sua primeira aula e quando chega em casa a mãe só diz: ′′ São todos iguais a mim, ninguém consegue ficar sentado!”
Em 1981, depois de uma linda carreira de bailarina, depois de abrir sua academia de dança, depois de receber reconhecimento internacional por sua arte Gillian Lynne será a coreógrafa do musical Cats.
Um beijo para todas as crianças diferentes. Desejando-lhes encontrar em seu caminho adultos capazes de os acolher pelo que são e não pelo que lhes falta.
Por Marion Nugnes
A ARTE E A ORDEM UNIVERSAL CONSCIENTE
As grandes obras de arte têm um efeito tão imenso por estarem profundamente relacionadas com o sentido da ordem universal. Em tempos antigos, sem que o soubessem, os artistas estavam vinculados ao sentido da ordem universal por meio de uma consciência abafada. Mas a arte se extinguiria, não teria continuidade, se no futuro a ciência espiritual, como conhecimento dessas coisas [da ordem universal], não lhe desse um novo fundamento.
A arte subconsciente tem seu passado e com esse passado chegou a um término. A arte que se deixa inspirar pela ciência espiritual está no começo, no ponto de partida. É a arte do futuro. Assim como é certo que o artista antigo não necessitava conhecer o que existe como fundamento nas obras de arte, também é certo que o artista futuro tem de sabê-lo, mas com as forças que representam novamente um aspecto do infinito, do conteúdo total da alma.
Rudolf Steiner – GA 132, palestra de 14/11/1911
Tradução: Valdemar W. Setzer
A TV E O DÉFICIT DE ATENÇÃO
Evite assistir a programas e comerciais que o assaltam com uma sucessão rápida de imagens que mudam a cada dois ou três segundos ou menos. Assistir TV em excesso, e esses programas em particular, são os principais responsáveis pelo transtorno de deficiência de atenção, uma disfunção mental que agora afeta milhões de crianças em todo o mundo. Um curto período de atenção faz com que todas as suas percepções e relacionamentos sejam engolidos e insatisfatórios . O que quer que você faça, qualquer ação que execute nesse estado, carece de qualidade, porque a qualidade requer atenção .
Eckhart Tolle
“O Solstício de inverno tinha um significado de interiorização, de reconhecimento. A vida física se recolhe no inverno. Vc vê que a natureza hiberna. É o momento mais propício para a espiritualidade.”
SOLSTÍCIO DE INVERNO
Hoje estava lembrando que logo teremos o Solstício de verão para nós e de inverno para hemisfério norte. Que para as antigas civilização bem antes dos cristianismo tinha um significado de interiorização, de reconhecimento.
A vida física se recolhe no inverno. Vc vê que a natureza hiberna. É o momento mais propício para a espiritualidade. Vários mestres tem associados seus nascimentos no solstício de inverrno.
Sabemos que essa duplicidade da natureza, são opostas. Quando uma sobe ou desce. Momento colheita, do recolhimento da vida, da maturidade da natureza, a natureza está interna. Solstício de inverno é o momento da subida para o alto da montanha.
Algumas tradições bem antigas diziam que nesse período as sombras estavam tentando tragar o sol. Mas não esse sol que vemos hoje, esse já foi vitorioso é o sol interno que estamos falando.
E no dia 25 de dezembro esse sol vitorioso sobre as sombras voltava a reinar. O sol significa espiritualidade.
Nosso solstício de inverno aqui no Brasil é São João.
São tantas coisas para pensar
Zulaine Germano
O ADVENTO DA LUZ
A primeira Luz do Advento, é a Luz das pedras:
A Luz que brilha nas conchas do mar, nos cristais e em nossos ossos.
A segunda Luz do Advento, é a Luz das plantas:
Plantas que chegam até o sol e dançam na brisa.
A terceira Luz do Advento, é a Luz das feras:
A Luz da fé, ela brilha no esplendor, ela brilha no essencial.
A quarta Luz do Advento, é a Luz da humanidade:
A Luz da Esperança, a Luz do Amor, dos pensamentos e ações,
A luz da mão, do coração e da mente.
Rudolf Steiner
“Se você, como por magia, puder levar à alma tudo o que da infância ainda é inocente e livre das tentações da vida, obterá uma imagem da alma humana antes das encarnações terrenas começarem”. – Rudolf Steiner
A ÁRVORE DE NATAL
O pinheiro para os antigos Celtas era a árvore cósmica, divina protetora do dia de Yule (21-22 de dezembro, Solstício de inverno).
O pinheiro, uma árvore conífera, definido como instrumento de comunicação entre o firmamento e a terra, representava a aspiração humana à busca interior.
Os povos dos países escandinavos e germânicos, como tradição, pouco antes do Solstício de Inverno se deslocavam à floresta para cortar um pinheiro como rito propiciatório; trazido para dentro de casa, era decorado com guirlandas e doces: um ancestral da nossa Árvore de Natal.
Que essas luzes da árvore de natal nos digam:
′′O que quer que aconteça com você, o que quer que possa te atormentar, tudo que possa te arrastar para longe das esferas luminosas do Espírito, lembre-se em você de sua origem divina. Se você reconhecer essa força íntima da sua alma, você pode ter fé que a conquista das alturas está ao seu alcance. Se você, como por magia, puder levar à alma tudo o que da infância ainda é inocente e livre das tentações da vida, obterá uma imagem da alma humana antes das encarnações terrenas começarem”. – Rudolf Steiner
Tiziano Bellucci
“Só quando conseguirmos atuar juntos com amor nas grandes tarefas entenderemos o Natal.” – Rudolf Steiner
NATAL – O AMOR NAS GRANDES TAREFAS
Imaginemo-nos ajoelhados diante da manjedoura. Levemos à criança do Natal aquelas oferendas oriundas do conhecimento, fazendo o extraordinário permear nossas almas, para que a humanidade moderna possa realizar as tarefas que a conduzem da barbárie a uma civilização verdadeiramente nova.
No entanto, é necessário para isto, que entre nós um ajude o outro em verdadeiro amor; que se formem reais comunidades das almas, que suma de nossas fileiras todo tipo de ciúmes, inveja, que não olhemos para uns e outros, mas sim que todos unidos, dirijamo-nos a uma única meta.
Isto faz parte do segredo que a criança natalina trouxe ao mundo; que seja possível dirigir-se a uma meta comum, sem que os homens tenham desarmonia entre si, pois que a meta comum significa união em harmonia. E a luz de Natal deveria luzir como uma luz de paz, como luz que somente poderá trazer a paz exterior, se antes espalhou a paz interior nos corações humanos.
Deveríamos ser capazes de nos dizer o seguinte: “só quando conseguirmos atuar juntos com amor nas grandes tarefas entenderemos o Natal.”
Rudolf Steiner – 24/12/1920
A luz por si mesma não gera nem trevas nem sombras, mas ela encontra anteparos, que não pode transpassar. Ou seja, a luz apenas as revela.
NATAL – ENCARNANDO IMPULSOS DE ORIGEM ESPIRITUAL
Muitas das narrações dos acontecimentos natalinos estão bem marcadas em nossa memória. O caminho de Maria e José a Belém está povoado de lindas lendas e imagens que foram surgindo ao longo dos séculos. Nossas crianças se alegram cada ano de novo quando as épocas do Advento e do Natal se aproximam.
Com o nascimento do menino Jesus uma grande Luz começa a irradiar para dentro da evolução do Homem na Terra.
Entretanto na terra sempre que surge Luz, surgem também sombras…
A luz por si mesma não gera nem trevas nem sombras, mas ela encontra anteparos, que não pode transpassar. O relato do Evangelho de Mateus nos fala deste fato. Os sábios do oriente, iluminados pela luz espiritual da estrela, buscam o novo (e verdadeiro) rei dos judeus.
O velho (e falso) rei Herodes está “opaco” em sua alma para esta luminosa revelação dos magos. Sua decisão, logo ao saber da notícia, é mandar matar a todas as crianças menores de dois anos, para assim estar seguro que o menino-rei sucumbiria.
Este lado escuro dos acontecimentos natalinos também deve estar presente em nossas reflexões e meditações nesta época. Luz espiritual quando é trazida ao mundo, ao mesmo tempo que alumbra a sua volta, coloca em evidência diversas sombras. Seria ilusório não querer enxergar este fato e querer olhar apenas para o lado luminoso.
A relevância do trabalho meditativo e espiritual de autoconhecimento está justamente no fato de nos ajudar a reconhecer e discernir onde está a luz e onde permanecem as sombras, na vida e em nós mesmos. O maior perigo das sombras é não serem reconhecidas como tal, ou passarem despercebidas à nossa consciência.
Não se trata contudo de cair num pessimismo ou num negativismo. Tampouco seria esta a forma de viver n´alma o “espírito do Natal”.
Esta época é propícia aos homens para trazer ao mundo idéias inovadoras, dito em outra palavras, “encarnar” impulsos de origem espiritual. Assim tanto maior deve ser o cuidado em observar o que surge como sombra ou opacidade à volta destes impulsos. O receio de gerar sobras não deve paralisar! É necessário muita coragem para trazer luz ao mundo e atenção para ver o que surge ao seu redor!
Não é tão difícil assim vislumbrar na vida moderna diferentes manifestações destas sombras. (Tarefa mais difícil quiçá no tangente à nossa própria vida interior!) Ao nos prepararmos para a época de Advento e Natal aspiremos também ser capazes de identificar as coisas opacas surgem, antepondo-se à luz das ideia e dos impulsos genuínos que queremos fazer luzir no mundo.
Pastor Renato Gomes – Botucatu
“Deveríamos dizer que a amplitude do ser humano desaparece no corpo, o Homem se perde em seu corpo com a vida física aqui na Terra para, na morte, reencontrar-se no Espírito. Para adquirir certas aptidões, o ser anímico-espiritual precisa como que enterrar-se temporariamente no corpo físico e passar pelas experiências que unicamente a existência física lhe oferece.” – Rudolf Steiner
O RECONHECIMENTO DE NOSSA ORIGEM ESPIRITUAL COMUM
Neste momento de comemoração natalina, lembramos as seguintes palavras ditas por Cristo que nos sinalizam o pensamento do Natal:
“Se não vos tomardes como as crianças não podereis entrar no Reino dos Céus”.
Claro que aqui não se trata de adotar uma infantilidade que nega o caráter misterioso do pensamento do Natal e vulgarizá-lo com músicas triviais sobre o menininho Jesus Cristinho, como acontece em nossos dias, dominados pelo materialismo. Estas palavras nos indicam grandes impulsos que permeavam a evolução da humanidade.
Quando o Homem entra no mundo como criança ele vem diretamente do mundo espiritual. O que acontece na vida física, a concepção, o crescimento do corpo físico é o que envolve, veste, o acontecimento que pode ser designado como a transferência da essência humana mais profunda do mundo espiritual para o corpo físico. O ser humano abandona o mundo espiritual e penetra num corpo físico para que possa vivenciar as coisas que só no mundo físico podem ser realizadas.
No seu cerne, o Homem oriundo do mundo espiritual e nos primeiros estágios da sua existência terrestre (infância), ainda está livre da ilusão do materialismo. Nos primeiros anos, a criança como que anuncia que ela vem de um outro mundo. Quem pode discernir, sente que na maneira de ser da criança pequena revelam-se efeitos de vivências anteriores no mundo espiritual.
Influenciada pelo materialismo existe a opinião bastante trivial de que o Homem desenvolve pouco a pouco o seu Eu na vida, do nascimento até a morte. É uma forma limitada de pensar que não condiz com a imagem do verdadeiro Eu que parte de uma existência puramente espiritual e se veste com o envoltório físico. Devemos saber que, á medida que o Homem cresce, o seu Eu verdadeiro parece sumir, tornando-se menos visível, fazendo com que aquilo que se desenvolve numa existência entre o nascimento e a morte seja apenas uma imagem espelhada de ocorrências espirituais, um reflexo morto de uma vida superior.
Deveríamos dizer que desaparece no corpo a amplitude do ser humano, o Homem se perde em seu corpo com a vida física aqui na Terra para, na morte, reencontrar-se no espírito.
Quem desconhece esta realidade, dirá que a criança é incompleta e o seu Eu, partindo das profundidades indefinidas, vai evoluindo passo a passo á maior perfeição. Assim não pode falar quem estuda a Ciência Espiritual, quem liberta a consciência presa nas ilusões causadas pelo materialismo que continua reinando na índole dos nossos tempos.
Para adquirir certas aptidões, o ser anímico-espiritual precisa como que enterrar-se temporariamente no corpo físico e passar pelas experiências que unicamente a existência física lhe oferece.
Para que nos lembremos sempre da nossa origem espiritual, para que nos fortifique o pensamento – nós viemos do mundo espiritual, para o mundo físico, para isto brilha o pilar luminoso do pensamento natalino em nossos sentimentos cristãos. Este pensamento deve ganhar força na evolução espiritual futura da humanidade. Assim, o festejar do Natal será uma fonte onde a humanidade recebe a vitalização para sua existência terrestre, porque de forma correta é lembrada da sua origem espiritual. Que isto hoje ainda não ocorra de forma generalizada, está ligado a um fator da evolução histórica da humanidade. Verdades necessárias para o progresso humano nem sempre aparecem da forma certa ou na época certa. Por isso, as verdades devem ser avaliadas em relação á época correta e á luz correta em que entraram na evolução humana.
Assim conhecemos entre outros o conceito da igualdade de todos os Homens (onde sua origem comum, espiritual, abarca toda humanidade) que é um pensamento cristão, capaz de ser aprofundado enormemente, mas que ainda não assumiu em nossa vida uma forma definida.
Rudolf Steiner – Basiléia, 22/dez/1918
Tradução: Leonore Berlalot
INFUNDI-LHE NA ALMA O AMOR
Não ensines a teu filho que as estrelas
Não são do tamanho que parecem ter:
Maiores do que a terra!
São lâmpadas que os anjos acendem todos os dias
Assim que o sol começa a escurecer…
Não diga a teu filho
Que as asas dos anjos
Só existem na imaginação
Já vi meu anjo em sonho e posso jurar
Que ele tem asas claras
Que até parecem feitas de luz.
Não encha a cabeça do teu filho
Ensinando-lhe hipóteses precárias
Que amanhã de nada servirão.
Povoa de beleza
O olhar inocente do teu filho.
Dá-lhe uma provisão de bondade
Que chegue para a marcha da vida.
Infundi-lhe na alma o amor de Deus
E tudo mais por acréscimo ele terá.
Dom Helder Câmara
Na terra e no cosmos, o princípio da vida é representado por uma espiral, um movimento incessante num mundo estelar que se cria e se destrói em contração e expansão, sempre sujeito à alternância de espiral e caos.
ISSO É ÁGUA VIVA
Quando encontramos água na natureza, podemos beber desde que seja água corrente, pois a estagnada pode ser perigosa. A água mantem-se “saudável” se correr, mas “doente” quando estagna. Além disso, um rio que serpenteia em curvas tem uma grande capacidade de digerir os resíduos e o lixo que lhe chegam, mantendo-se ainda limpo e fresco. Um canal artificial e reto carece dessa capacidade.
Parece ser característico da água o fato de querer mover-se e fluir serpenteando, produzindo funis onde ascende e desce, girando em espirais, alternando a contração com a expansão. Também no mar observamos essa rotação rítmica nas ondas, onde a água se levanta e cai, influenciada então pelo vento e pela lua.
Se queremos influenciar os processos vivos neste caso, a água de uma forma harmoniosa e natural, devemos estudar a natureza e nos acomodar às suas leis. Por isso, o removido dos preparados biodinâmicos é feito em um sentido, originando um funil, e depois no contrário. Assim se produz o movimento da água na natureza.
Não só a água tende a se mover assim. Na terra e no cosmos, o princípio da vida é representado por uma espiral, movimento incessante que podemos observar na sucessão das folhas no caule, na flor de girassol, em cada abacaxi, no cabelo da cabeça , num mundo estelar que se cria e se destrói em contração e expansão, sempre sujeito à alternância de espiral e caos.
Kjell Arman
Tradução livre: Leonardo Maia
“Há pouco valor em conhecer os minerais, plantas e animais, a menos que você encontre as estrelas trabalhando em cada um deles.” – Rudolf Steiner
PENSAMENTOS CÓSMICOS
No meu pensar vivem pensamentos cósmicos,
Em meu sentir tecem potências cósmicas,
Em meu querer atuam seres do querer.
Eu quero reconhecer-me
Em pensamentos cósmicos,
Eu quero vivenciar-me
Em potências cósmicas,
Eu quero criar-me
Em seres do querer.
Assim eu não termino nos limites do cosmo
E nem nas amplidões do espaço,
Eu começo nos limites do cosmo
E nas amplidões do espaço
E termino finalmente em mim,
Reconhecendo-me em mim.
Rudolf Steiner – GA 40
Tradução: Valdemar Setzer
Observe as estrelas. Quando vir nascer uma nova estrela, Ele terá se tornado um ser humano na Terra.
A ESTRELA DOS TRÊS REIS MAGOS
Cristo emana aos homens a força do Amor celeste. O Arcanjo Micael emana a força para realizar os desígnios espirituais. Das estrelas, os anjos inspiram, nos homens, pensamentos superiores.
Dessa maneira, fluem dos céus para a Terra : Verdade, Amor e Força de vontade.
”Observe as estrelas. O Filho de Deus se aproxima. Quando vir nascer uma nova estrela, Ele terá se tornado um ser humano na Terra. Tudo quanto vocês perderam, a pura Verdade, o Amor celeste, a Vontade divina, Ele quer trazer para todos e erradicar a névoa cinzenta que separa vocês de todos os outros seres que habitam o céu e também daqueles que habitam a Terra.”
Trecho do conto “A Estrela dos três Reis Magos”
“Se quisermos festejar o Natal
De modo cristão, deverá existir
Em nós próprios um Pastor e um Rei.
Um Pastor que ouve o que outras
Pessoas não ouvem, e que
Com todas as formas de dedicação
More logo abaixo do céu estrelado;
A esse Pastor, anjos anseiam por
Revelar-se.
E um Rei que distribua dádivas;
Que não se deixa guiar por nada mais
A não ser pela estrela das alturas.
E que se põe a caminho,
Para ofertar todas as suas dádivas
Ao pé de uma manjedoura.
Mas além do Pastor e do Rei
Deverá existir também em nós, uma
Criança
Que quer nascer agora!”
Rudolf Steiner
Seríamos capazes de superar a intolerância e divergências e caminhar juntos em direção a um propósito maior comum: a dignificação de todos os seres humanos?
NATAL – TEMPO DE CONCILIAÇÃO E FRATERNIDADE
Num momento em que estamos permeados pelo Espírito Natalino, onde sobram votos de paz, respeito e fraternidade e um sentimento de amor se faz presente em muitas almas, faço a pergunta: quão verdadeiro é este impulso fraterno universal em seu coração?
Percebemos que nosso amor universal não é tão universal assim no momento em que aqueles que estão fora do meu espectro de tolerância e acolhimento despertam em meu ser sentimentos baixos e obscuros que surgem na mera divergência de opinião e ideológica.
Hoje, acredito que nosso maior desafio é percebemos o sentimento de perdão e compaixão para com aqueles que estão mergulhados no obscurantismo, nas correntes de mentiras que alimentam sentimentos de ódio e indiferença para com o próximo, que perderam suas forças do coração.
Estes são os pobres que mais precisam de nós, porque se tornaram pobres de Espírito. Isso não invalida a luta contra a violência, luta pela dignificação do outro ser humano, pelo respeito ao caminho individual, pela justiça social e etc… pois é essencial o despertar da consciência e auto-responsabilidade.
Porém, a mágoa se mostra superior a nossas capacidades de perdão e amor – na menor das discordâncias, é liberada toda uma torrente de sentimentos áridos que se mostravam represados em nossas almas. E meus julgamentos e condenações são incontestáveis e vorazes, mostrando quão frágil e sutil, até mesmo irreal, é minha capacidade de amor altruísta e fraterno.
Identificação e parcialidade se tornaram necessidade de minha autoafirmação e nessa fragilidade, forças adversas atuam para alimentar um embate constante contra tudo e contra todos que fogem do meu delimitado espectro ideológico, onde meu ego se aprisionou. O embate e intolerância se manifesta naquilo que não se expressa na satisfação da certeza do meu ego: o verdadeiro caminho que todos devem seguir, porque eu sei a verdade. Então a desarmonia se faz presente até mesmo entre aqueles que tem uma busca autêntica em prol da dignificação de todos os seres humanos.
Em verdade, eu amo apenas aqueles que me reafirmam. Sequer sou capaz de perceber a moralidade e mesmo a força do coração daqueles que fogem das minhas concepções, pois “Eu sou o Caminho e a Verdade.”
“O amor é superior à opinião. Se as pessoas se amam, as mais variadas opiniões podem ser conciliadas(…) esta é uma das tarefas mais importantes para a humanidade hoje e no futuro: que os homens aprendam a conviver e se entendam. Se essa comunhão humana não for alcançada, toda conversa sobre desenvolvimento oculto é vazia.” – Rudolf Steiner
Por Leonardo Maia
Que nossas certezas intransigentes não sobreponham nossa capacidade de amar ao próximo.
UM PEQUENO PASSO
O evento central da Era da Terra ocorreu durante a época greco-romana, na Palestina. Era a encarnação de um Ser Espiritual muito elevado, chamado de “Cristo”, o Ser Solar – culminando nos eventos que cercavam a Crucificação: o “Mistério de Gólgota”. Este evento foi o ponto de virada da evolução da Terra, da descida do espírito à matéria, em direção à ascensão de volta ao Espírito, com os frutos obtidos da estada na matéria.
A encarnação de Cristo criou um momento decisivo, pois toda a evolução gira em torno deste evento central.
Sua doação é a forma do “EU” humano (consciência do EU) ao homem no ponto de virada do tempo. O ego aperfeiçoado de Cristo agora existe em uma forma etérica no reino suprassensível e pode se replicar para aqueles que desejam assumir esta forma perfeita.
Embora a humanidade como um todo ainda leve algum tempo para assumir o veículo aperfeiçoado da consciência Crística, já existem algumas almas mais avançadas neste processo que contribuirão com o alicerçamento do EU Crístico na entidade humana.
Que nossas certezas intransigentes não sobreponham nossa capacidade de amar ao próximo.
Leonardo Maia
“Ser social é fazer da aflição de nossos amigos seres humanos o motivo para nossas ações. No futuro ninguém desfrutará em paz a felicidade se os outros em seu redor estão infelizes. Os indivíduos pioneiros da Sexta Época Cultural experimentarão a aflição dos outros como suas próprias aflições.” – Rudolf Steiner
HUMANIDADE SUPERIOR
Que você alicerce em si próprio a Vontade de se tornar um pioneiro da Sexta Época Cultural – que o sentimento superior de empatia e amor ao próximo encontrem morada em seu coração para, assim, abrir seu próprio caminho em direção à Humanidade Superior, aquela que busca o ideal de espiritualização, provocado pelos próprios esforços do homem: a harmonia entre os poderes da inteligência, do sentimento e do verdadeiro conhecimento dos mundos espirituais. Seu coração responde à infinita majestade e sublimidade de tudo: ele sabe que as experiências e realizações de sua própria vida interior – no intelecto, no sentimento, no caráter e na força do propósito – são sementes de um futuro mundo espiritual, um mundo em processo de criação.
Leonardo Maia
O PEQUENO POLEGAR
Era uma vez um pobre aldeão que costumava ficar perto de uma lareira à noite e atiçar o fogo, enquanto a sua esposa sentava e fiava. Então ele disse:
— Como é triste não termos filhos! Aqui tudo é tão calmo, e nas outras casas há muito barulho e alegria.
— Sim, respondeu a esposa, e suspirava, — mesmo que nós tivéssemos só um, e ele fosse bem pequeno, ainda que do tamanho de um polegar, eu ficaria muito satisfeita, e nós mesmo assim o amaríamos com todo o nosso coração.
Ora, aconteceu então que a mulher ficou doente, e depois de sete meses, deu a luz a uma criança, que tinha todos os membros perfeitos, mas que não era maior que um polegar. Então eles disseram:
— Aconteceu como desejávamos que fosse, e ele será o nosso filho querido, e por causa do seu tamanho, eles o chamaram de Pequeno Polegar. Eles não permitiam que faltasse alimento para ele, mas a criança não crescia, mas permanecia como tinha sido desde o começo, não obstante, ele mostrava sensibilidade nos olhos, e logo ele se mostrou ser uma criança inteligente e esperta, pois tudo que ele fazia terminava bem.
Um dia o aldeão estava se preparando para ir para a floresta para cortar lenha, quando disse como se fosse para si mesmo:
— Como eu gostaria que houvesse alguém que pudesse trazer a carroça para mim!
— Oh, papai, disse o Pequeno Polegar, — logo eu levarei a carroça para o senhor, pode confiar; ela estará na floresta na hora que o senhor precisar. O homem sorriu e disse:
— Como é que isso pode acontecer, és pequeno demais para conduzires o cavalo pelas rédeas?
— Isso não tem importância, papai, se a mamãe apenas colocar os arreios no cavalo, eu sentarei nas orelhas dele, e gritarei para ele onde é que ele deve ir.
— Bem, respondeu o homem, pela primeira vez vamos tentar isso.
Quando chegou a hora, a mãe arrumou os arreios no cavalo, e colocou Pequeno Polegar em suas orelhas, e então a criaturinha gritou: — Vamos, vamos!
E então tudo deu certo como se fosse comandado pelo dono, e a carroça seguiu o caminho certo que dava para a floresta. E aconteceu que assim que ele estava virando uma esquina, e o pequerrucho estava gritando: — Vamos, vamos!, dois homens estranhos vieram em direção a ele.
— Meu Deus!, disse um deles. O que é isto? Há uma carroça vindo ali, e o condutor está gritando para o cavalo, e ainda não conseguimos vê-lo.’’
— Isso não pode estar certo, disse o outro, seguiremos a carroça e veremos onde ela vai parar.
A carroça, contudo, seguiu direto para a floresta, e exatamente para o lugar onde a lenha havia sido cortada. Quando Pequeno Polegar viu seu pai, ele gritou para ele:
— Está vendo, papai, aqui estou com a carroça, agora, pode me descer. O pai segurou o cavalo com a mão esquerda, e com a mão direita tirou o seu filhinho que estava sentado nas orelhas do animal. Pequeno Polegar se sentou todo feliz em cima da palha, mas quando os dois homens estranhos o viram, eles ficaram tão assombrados que não sabiam o que dizer.
Então, um deles olhou para o outro que estava de lado e disse:
— Escute, o pequeno garotinho traria fortuna para nós se o exibíssemos em uma cidade grande em troca de dinheiro. Nós o compraremos. Eles foram até o aldeão e disseram:
— Venda-nos o garotinho. Ele será bem tratado por nós.
— Não, respondeu o pai, — ele é a menina dos meus olhos, e todo o dinheiro do mundo não pode comprá-lo de mim.
Pequeno Polegar, todavia, ao ouvir sobre a troca, subiu pelas dobras do casaco do seu pai, sentou-se nos ombros dele, e sussurrou em seus ouvidos:
— Pai, pode me entregar, logo eu voltarei novamente.
Então o pai o vendeu para os dois homens por uma bela quantia em dinheiro.
— Onde queres se sentar?, disseram para o menino.
— Oh, coloque-me na aba do seu chapéu, e então eu poderei caminhar para frente e para trás e olhar os campos, e ainda não cair. Eles fizeram como ele queria, e quando o Pequeno Polegar se despediu de seu pai, eles o levaram embora. E caminharam até o anoitecer, e então o garotinho falou para eles:
— Me desçam, por favor, eu quero descer.
O homem tirou o chapéu, e colocou o garotinho no chão na beira do caminho, e o garoto pulava e se arrastava por entre a relva, e então, de repente, ele escorregou para um buraco de rato que ele tinha procurado.
— Boa noite, cavalheiros, simplesmente vão para casa sem mim, ele gritou para eles, e zombava deles.
Eles correram para lá e enfiaram uma vara no buraco do rato, mas o trabalho de nada adiantou. O Pequeno Polegar havia entrado bem mais para dentro, e como estava ficando bem escuro, eles foram obrigados a irem para casa cheios de vergonha e com os bolsos vazios.
Quando o Pequeno Polegar viu que eles haviam ido embora, ele se arrastou para fora da passagem subterrânea.
— É tão perigoso andar pelo chão no escuro, disse ele, — você pode quebrar o pescoço ou uma perna!.
Felizmente ele tropeçou numa concha vazia.
— Graças a Deus!, disse ele. Dentro dela eu posso passar a noite com segurança, e entrou dentro dela.
Não muito tempo depois, quando ele estava indo dormir, ele ouviu dois homens passarem, e um deles disse:
— Como é que vamos dar um jeito de roubar a prata e o ouro do pastor?
— Eu poderia lhes dizer como, disse o Pequeno Polegar interrompendo-os.
— O que foi isso? disse um dos ladrões, assustado.
— Ouvi alguém falando. Eles pararam para ouvir, e o Pequeno Polegar falou novamente, dizendo:
— Levem-me com vocês, eu os ajudarei.
— Mas onde você está?
— Dê uma olhada no chão, e observe de onde vem minha voz, respondeu ele. Eis que os ladrões finalmente o encontraram, e o ergueram.
— Seu pequeno pestinha, como é que podes nos ajudar?, disseram eles.
— Um grande negócio’’, disse ele, — eu entrarei de fininho no quarto do pastor através das barras de ferro, e alcançarei tudo o que vocês quiserem pegar.
— Vamos então, disseram eles, — e veremos o que você pode fazer.
Quando eles chegaram à casa do pastor, o Pequeno Polegar entrou de mansinho até o quarto, mas de repente ele gritou com todas as suas forças:
— Vocês vão querer tudo que está aqui?
Os ladrões ficaram assustados, e disseram:
— Mas fale baixo, para não acordar ninguém!
O Pequeno Polegar todavia, comportava-se como se não tivesse ouvido nada, e gritou novamente.
— O que vocês querem? Vocês querem tudo que está aqui?
O cozinheiro, que dormia no quarto ao lado, ouviu o barulho e sentou na cama, e ficou escutando:
Os ladrões, contudo, haviam corrido uma certa distância de medo, mas, afinal tomaram coragem e pensaram:
— O pequeno patife quer zombar de nós. Eles voltaram e sussurraram para ele:
— Veja lá, seja sério, e pegue alguma coisa para nós. Então, o Pequeno Polegar gritou tão alto quanto pode:
— Eu realmente vou passar tudo que tem aqui, apenas coloquem as mãos para dentro. A criada que estava escutando, ouviu isto bem nitidamente, pulou da cama e correu até a porta.
Os ladrões saíram voando, e correram tanto como se um caçador selvagem estivesse atrás deles, mas como a criada não conseguia ver nada, ela foi e acendeu uma vela.
Quando ela voltou para o lugar com a vela, o Pequeno Polegar sem dar a perceber, correu para o celeiro, e a criada, depois de ter vasculhado todos os cantos e não encontrado nada, voltou a se deitar novamente, acreditando, afinal de contas, que ela estava dormindo com olhos e ouvidos atentos.
O Pequeno Polegar subiu por entre o feno e encontrou um lindo lugar para dormir, lá ele pretendia passar o resto do dia, e depois então foi para casa de seus pais.
Mas ele precisava vivenciar outras situações. E em verdade há muita aflição e miséria neste mundo!
Quando o dia amanheceu, a criada levantou-se da cama para dar de comer as vacas. O estábulo foi o primeiro lugar que ela resolveu ir, onde ela guardava um feixe de feno, e exatamente aquele mesmo que o nosso pobre Pequeno Polegar estava deitado dormindo.
Ele, no entanto, estava dormindo tão profundamente que não percebeu nada, e não acordou até que acordou na boca da vaca, que tinha abocanhado ele junto com o feno.
— Oh, meu Deus!, gritou ele. — como é que eu cheguei até aqui nesta moenda lotada? Mas ele logo descobriu onde ele estava. Então foi preciso ter muito cuidado para não se deixar ficar entre os dentes e ser desmembrado, não obstante, ele foi obrigado a escorregar para o estômago com o feno.
— Neste pequeno salão eles esqueceram de colocar as janelas, disse ele, — e não tem sol, nem tem nenhuma vela acesa. Os seus traseiros estavam mal acomodados, e o pior era que cada vez mais feno ia entrando pela porta, e o espaço ficava cada vez menor. Até que, finalmente, desesperado, ele gritou tão alto quanto pode:
— Chega de ração, não quero mais feno. A criada estava ali do lado ordenhando a vaca, e quando ela ouviu alguém gritando, e não via ninguém, e percebeu que era a mesma voz que ela tinha ouvido durante a noite, ficou tão assustada que ela escorregou do banquinho, e derramou o leite.
Ela correu o mais veloz que pode para o seu amo e disse:
— Oh, meu Deus, senhor pastor, a vaca está falando!
— Estás louca!, respondeu o pastor, mas foi ele mesmo até o estábulo para ver o que estava acontecendo lá. No entanto, mal ele tinha colocado o seu pé la dentro quando o Pequeno Polegar gritou novamente:
— Chega de ração, não quero mais feno.
Então o próprio pastor ficou assustado e pensou que um espírito mau havia tomado conta da vaca, e mandou que ela fosse morta. Ela foi morta, mas o estômago, onde o Pequeno Polegar estava, foi lançado no meio do esterco.
O Pequeno Polegar teve muita dificuldade para sair dali, contudo, ele conseguiu arranjar um pedaço de espaço, mas, assim que ele foi enfiar sua cabeça para fora, uma nova desgraça lhe aconteceu.
Um lobo faminto andava por ali, e engoliu todo o estômago da vaca de uma só vez. Pequeno Polegar não desanimou.
— Talvez, pensou ele, o lobo escute o que eu tenho a dizer, e ele gritou para o lobo dentro do seu estômago.
— Querido lobo, estou sabendo de uma festa maravilhosa para você.
— Onde é que ela vai ser? disse o lobo.
— Em tal casa, mas você deve entrar pela pia da cozinha, e você encontrará bolos, e bacon, e salsichas, e muitas dessas coisas gostosas que você pode comer, e ele descreveu para o lobo exatamente a casa de seu pai.
O lobo era tão esperto que não precisava que lhe falassem duas vezes, à noite se enfiou pela pia e comeu da dispensa até se fartar. Quando não cabia mais de tanto comer, ele quis sair novamente, mas ele tinha ficado tão grande que ele não conseguiu sair pelo mesmo caminho. O Pequeno Polegar tinha percebido isto, e então começou a fazer um barulho muito alto no corpo do lobo, e gritava e fazia a maior algazarra tão alto quanto podia.
— Quer ficar quieto?, disse o lobo, — você vai acordar as pessoas!
— O quê?, respondeu o garotinho — é que você comeu bastante e eu fiquei feliz também, e começou novamente a gritar com todas as suas forças.
Finalmente seu pai e sua mãe acordaram com o barulho, e correram para a cozinha e olharam através da abertura da porta. Quando eles viram que um lobo estava lá dentro, eles correram e o marido pegou o seu machado, e a mulher a foice.
— Fique atrás de mim, disse o homem, quando eles entraram na cozinha. Quando eu lhe tiver dado um golpe, se ele ainda não estiver morto, deves cortar e decepar seu corpo em pedaços. Então, o Pequeno Polegar ouviu as vozes de seus pais, e gritou:
— Querido pai, eu estou aqui; eu estou dentro da barriga do lobo. Cheio de alegria, o pai disse:
— Graças a Deus, o nosso querido filho nos encontrou novamente, e pediu à mulher para levar embora a foice dela, e que o Pequeno Polegar poderia ser ferido com ela. Depois disso ele levantou o braço, e golpeou o lobo tão forte na cabeça que ele caiu morto, e então, eles pegaram facas e tesouras e abriram o corpo do lobo, e puxaram o pequeno garotinho para fora.
— Ah, disse o pai, — que tristeza estamos passando por tua causa.
— Sim, pai, eu corri muito ao redor do mundo como nunca. Graças a Deus, estou respirando ar fresco novamente!
— Por onde andastes, então?.
— Ah, pai, eu estive no buraco de um rato, no estômago de uma vaca, e depois dentro de um lobo. Agora quero ficar com você.
— E nós não venderemos você novamente, de jeito nenhum, nem por todo ouro do mundo, disseram seus pais.
E eles abraçaram e beijaram o Pequeno Polegar. Deram-lhe de comer e de beber, e fizeram algumas roupas novas para ele, pois as dele haviam se estragado durante a viagem.
Conto dos Irmãos Grimm
MESINHA PÕE-TE, BURRO DE OURO E O PORRETE SAI-DO-SACO
Era uma vez um alfaiate que tinha três filhos, e apenas uma cabra. Mas como a cabra alimentava com o seu leite toda a família, ela era obrigada a se alimentar bem, e tinha de ser levada todos os dias para pastar. Os filhos, portanto, tinham de fazer esse trabalho, por sua vez. Uma vez o filho mais velho a levou até um terreno que ficava em frente ao cemitério, onde as ervas mais finas podiam ser encontradas, e a cabra ficava comendo e correndo pelas imediações. À noite, quando era hora de ir para casa, ele perguntou, “Cabra, você está satisfeita?” A cabra respondia,
“E já comi o bastante,
Não consigo tocar nem uma folha mais, mé! mé!”
“Vamos para casa, então,”disse o jovem, e pegou a corda que estava amarrada no pescoço da cabra, e a levou para o estábulo e ali a amarrou com segurança. “Bem,” disse o velho alfaiate, “será que a cabra comeu mesmo tudo o que ela devia?” “Oh,” respondeu o filho, “ela comeu tanto, que nem uma folha mais ela conseguiria tocar.” Mas o pai quis verificar ele mesmo se isto era verdade, e foi até o estábulo, tocou levemente o belo animal e perguntou, “Cabra, você está satisfeita?” A cabra respondeu,
“Porquê eu estaria satisfeita?
Por entre os túmulos eu saltei.
E não encontrei nenhum alimento, então viemos embora, mé! mé!”
“O que estou ouvindo?” exclamou o alfaiate, e subindo as escadas, procurou pelo filho mais velho, “E então, seu mentiroso; você me disse que a cabra havia comido bastante, e no entanto ela está com fome!” e todo furioso pegou a vara de medida que estava na parede, e o expulsou de casa a bordoadas.
No dia seguinte era a vez do segundo filho, que encontrou um lugar próximo da cerca do jardim, onde crescia somente ervas saborosas, e a cabra comeu todas elas. À noite, quando ele quis ir para casa, ele perguntou, “Cabra, você está satisfeita?” A cabra respondeu,
“Já comi o bastante,
Nem mais uma folha mais consigo tocar, mé! mé!”
“Vamos para casa, então,” disse o jovem, e a levou para casa, e a deixou amarrada dentro do estábulo. “Bem,” disse o velho alfaiate, “a cabra comeu todo mato que ela precisava?” “Oh,” respondeu o filho, “ela comeu tanto que nem uma folha mais ela conseguia tocar.” O alfaite não confiou no que ele disse, e desceu até o estábulo e disse, “Cabra, você comeu o bastante?” A cabra respondeu,
“Porquê eu estaria satisfeita?
Por entre os túmulos eu fiquei saltando.
E não encontrei comida, então voltamos sem comer, mé! mé!”
“Mas que filho desalmado!” exclamou o alfaiate, “deixar um animal tão bom passando fome,” e ele subiu e expulsou o jovem para fora de casa com a vara de medir.
Agora, havia chegado a vez do terceiro filho, que queria fazer a coisa corretamente, e procurou alguns arbustos e também as folhas mais finas, para que a cabra se fartasse. À noite, quando ele queria ir para casa, ele perguntou, “Cabra, você já comeu o suficiente?” A cabra respondeu,
“Já comi o bastante,
Nem mais uma folha mais consigo tocar, mé! mé!”
“Vamos para casa, então,” disse o jovem, e a levou para o estábulo, e a deixou amarrada. “E então,” disse o velho alfaiate, “a cabra comeu uma quantidade suficiente de ervas?” “Ela comeu tudo, nem uma folha mais ela conseguia tocar.” O alfaiate não confiou no que o seu filho falava, e desceu até onde a cabra se encontrava e perguntou, “Cabra, você comeu o suficiente?” O animal perverso respondeu,
“Porquê eu estaria satisfeita?
Por entre os túmulos eu fiquei saltando.
E não encontrei comida, então voltamos sem comer, mé! mé!”
“Oh, bando de mentirosos!” exclamou o alfaiate, “todos eles são maldosos e desatentos com o dever, tanto um como os outros! Vocês não vão mais me fazer de tolo,” e tomado de rancor, subiu correndo as escadas e surrou o pobre garoto tão forte com a vara de medir que ele fugiu para fora de casa.
O velho alfaiate agora estava sozinho com a sua cabra. Na manhã seguinte ele desceu até o estábulo, fez um carinho na cabra e disse, “Venha, minha querida cabritinha, eu mesmo vou levá-la para pastar hoje.” Ela a puxou pela corda e a conduziu até algumas cercas vivas, onde havia algumas aquiléias, e todas as outras ervas que as cabras gostam tanto. “Lá você poderá pela primeira vez comer tudo que o você tiver vontade,” disse ele à cabra, e assim ela ficou pastando até o anoitecer. Então ele perguntou, “Cabra, você está satisfeita?”. Ela respondeu,
“Já comi o bastante,
Nem mais uma folha mais consigo tocar, mé! mé!”
“Vamos para casa, então,” disse o alfaiate, e a levou para o estábulo, e a amarrou bem amarrado. Quando ele estava indo embora, ele se voltou novamente e disse, “Bem, pela primeira vez você está satisfeita?” Mas a cabra não se comportou melhor com ele, e exclamou,
“Porquê eu estaria satisfeita?
Por entre os túmulos eu fiquei saltando.
E não encontrei comida, então voltamos sem comer, mé! mé!”
Quando o alfaiate ouviu isso, ele ficou indignado, e viu claramente que ele tinha expulsado seus três filhos sem um motivo justo. “Espere, sua criatura ingrata,” exclamou ele, “não basta expulsar você daqui, eu te deixarei uma lembrança que você jamais irá se atrever a aparecer diante de alfaiates honestos.”
Mais que depressa ele subiu correndo das escadas, pegou a sua navalha de barbear, ensaboou o pescoço da cabra, e a deixou peladinha na cabeça assim como a palma da sua mão. E como a vara de medir seria muito suave para ela, ele pegou o chicote que usava no cavalo, e lenhou as costas do animal que fugiu em desabalada corrida.
Quando o alfaiate se viu sozinho dentro de casa, ele sentiu uma tristeza muito grande, e sentiu vontade de ter seus filhos de volta novamente, mas ninguém sabia para onde eles tinham ido. O mais velho aprendeu sozinho a função de marceneiro, e era muito criativo e incansável, e quando chegou a sua vez de ir viajar,[1] o seu amo o presenteou com uma mesinha que não tinha nada de especial, e que era feita de madeira comum, mas ela tinha uma caraterística especial; se alguém ficasse diante dela, e dissesse,
“Mesinha, sirva-me,” a boa e pequena mesa imediatamente ficava coberta com uma toalha pequena e limpa, e lá estava uma travessa, e uma faca e um garfo ao lado dele, e pratos com carnes e assados quentinhos, tanto quanto houvesse espaço para isso, um um grande copo de vinho tinto cheio que fazia o seu coração pular de alegria.
O jovem viajante pensou, “Eu terei o bastante para viver toda a minha vida,” e assim saiu alegre pelo mundo sem nunca ter de se preocupar com nada, ou se uma estalagem era de boa qualidade ou não, ou se ele viesse a precisar de alguma coisa ou não.
Sempre que desejasse ele não entrava de modo algum numa estalagem, mas se ele estive numa planície, na floresta, no campo, ou onde quer que ele imaginasse, ele pegava a sua mesinha que carregava nas costas, colocava-a diante de si, e dizia, “Mesa, sirva-me,” e tudo o que ele desejava aparecia estendido sobre a mesa.
Por fim, ele colocou na cabeça que desejava voltar para o seu pai, pois toda a raiva agora já devia ter passado, e que agora ele o receberia de braços abertos com a sua mesa mágica. E aconteceu que ao retornar para casa, ele chegou numa noite a uma estalagem que estava repleta de hóspedes.
Eles lhe deram as boas vindas, e o convidaram para se sentar e comer com eles, pois caso achavam que ele não tinha o que comer. “Não,” respondeu o marceneiro, “Eu não vou tirar de vocês nada do que vocês estão comendo; muito pelo contrário, vocês serão meus convidados.”
Eles acharam engraçado, e pensaram que ele apenas estava brincando com eles; todavia, ele posicionou a pequena mesa de madeira no meio do recinto, e disse, “Mesinha, sirva-nos.” E instantaneamente a mesa ficou coberta de alimentos, tão deliciosos que os hóspedes jamais poderiam conseguir, e o cheiro dos pratos alcançava agradavelmente o nariz dos presentes.
“Podem comer, queridos amigos,” disse o marceneiro; e os hóspedes, quando ouviram o que ele havia dito, não foi preciso repetir duas vezes, mas se aproximaram, puxaram suas facas e começaram a devorar tudo furiosamente. E o que mais os surpreendeu é que quando um prato se esvaziava, instantaneamente um outro lhe era substituído e assim repetidamente.
O estalajadeiro estava alí num canto e via o que estava acontecendo; ele nem mesmo sabia o que dizer, mas pensou, “Eu poderia facilmente encontrar uma utilidade para um cozinheiro como esse na minha cozinha.” O marceneiro e os convivas comeram e beberam até tarde da noite; e finalmente quando eles se preparavam para dormir, e o jovem aprendiz também foi para cama, ele colocou a sua mesa mágica encostada na parede.
Os pensamentos do estalajadeiro, no entanto, não o deixavam descansar; e ele se lembrou de que havia uma mesa mesa pequena e velha num quartinho onde ele guardava cacarecos, que era muito parecida com a mesinha do aprendiz de marcenaria, e ele a trouxe bem devagar e sem fazer barulho, e a trocou pela mesa mágica.
Na manhã seguinte, o marceneiro pagou pelo uso da cama, pegou a sua mesa, sem jamais imaginar que ela era a mesa falsa, e seguiu seu caminho. Na metade do dia ele chegou à casa do seu pai, que o recebeu com grande festa. “Bem, meu querido filho, o que você aprendeu?” disse para o filho. “Pai, eu me tornei marceneiro.”
“Bom ofício,” respondeu o velhinho;” mas o que trouxeste contigo de tudo aquilo que aprendeste?” “Pai, a melhor lembrança que eu trouxe comigo é esta pequena mesa.” O alfaiate a examinou por todos os lados e disse,
“Não me parece uma obra de arte [2] aquilo que fizeste; é uma mesa velha e feia.” “Mas é uma mesa que se serve sozinha,” respondeu o filho. “Quando ela está montada, e eu falo para ela para se servir, os mais belos pratos aparecem em cima dela, e um litro de vinho também, para alegrar o nosso coração.
Faça o seguinte, convide todos os nossos parentes e amigos, e eles irão se refrescar e saborear tudo que eles tem direito, porque a mesa servirá a eles tudo o que eles pedirem.” Quando chegaram os convidados, ele colocou a sua mesa no meio da sala e disse,
“Pequena mesinha, sirva-nos,” mas a pequena mesa nem se moveu, e ficou vazia como qualquer outra mesa que não entendia o comando do idioma. Então, o pobre aprendiz chegou à conclusão de que a sua mesa havia sido trocada, e ficou envergonhado de ter de suportar tudo aquilo como se fosse um mentiroso.
Os parentes, todavia, zombavam dele, e foram obrigados a voltarem para casa sem ter comido nem bebido nada. O pai retomou os seus remendos, e continuou a costurar, enquanto o filho foi a procura de um especialista na sua função.
O segundo filho encontrou um moleiro e com ele aprendeu a profissão. Terminados os anos de aprendizado, o mestre disse, “Como você se mostrou ser um bom aprendiz, eu te darei um asno muito peculiar, o qual não está habituado nem a puxar charrete nem sequer carregar sacos.”
“Para que me serve ele então?” perguntou o jovem aprendiz. “De sua boca ele solta moedas de ouro,” respondeu o moleiro. “Se colocares um pano em cima dele e disseres ‘Brick-lebrit,’ o bom animal lançará muitas moedas de ouro para você.”
“Oh, isso parece interessante,” disse o aprendiz, e agradeceu ao mestre, e saiu pelo mundo. Quando ele precisava de ouro, ele tinha apenas que dizer “Brick-lebrit” para o asno, e moedas de ouro choviam a cântaros, e tudo o que ele precisava era apanhá-las no chão.
Onde quer que ele fosse, tudo o que era de melhor lhe era fornecido, e o que mais ele desejava, mais ele conseguia, porque ele tinha uma sacola que estava sempre cheia. Depois de ter visitado o mundo todo durante algum tempo, ele pensou,
“Preciso visitar o meu pai, e se eu for até ele levando o asno dourado ele esquecerá a raiva, e me receberá bem. “E aconteceu que ele chegou na mesma estalagem onde a mesa do seu irmão havia sido trocada.
Ele conduzia o seu asno pelos arreios, e o estalajadeiro se ofereceu para levar o animal para prendê-lo em algum lugar, mas o jovem aprendiz disse, “Não se preocupe, eu mesmo levarei o meu cavalo cinzento para o estábulo, e eu mesmo o amarrarei, porque eu preciso saber onde ele vai ficar.”
Isto pareceu esquisito para o estalajadeiro, e achou que uma pessoa que era obrigada a cuidar do próprio asno, não teria muito dinheiro para gastar; mas quando o estrangeiro colocou a mão no bolso e tirou de lá duas moedas de ouro, e disse para que o estalajadeiro providenciasse alguma refeição para ele, este arregalou os olhos, e foi correndo procurar o melhor alojamento para ele.
Depois do jantar, o hóspede perguntou quanto ele devia. O estalajadeiro não se fez de rogado e cobrou o dobro do que normalmente cobraria, e disse ao aprendiz que ele deveria dar duas moedas de ouro. Ele colocou a mão no bolso, mas ele percebeu que não havia mais ouro. “Espere um momento, senhor estalajadeiro,” disse ele,
“Vou correndo buscar um pouco de dinheiro;” e para isso ele levou consigo a tolha da mesa. O estalajadeiro não conseguiu entender o que ele pretendia, e, curioso, correu sorrateiramente atrás dele, e assim que o convidado colocou o ferrolho na porta do estábulo, espiou através de um pequeno buraco feito por um nó da madeira que se soltou.
O estranho estendeu a toalha sob o animal e exclamou, “Brick-lebrit,” e imediatamente o animal começou a lançar moedas de ouro, e começou a chover dinheiro pelo chão. “Eh, palavra de honra,” disse o estalajadeiro, “aqui moedas são cunhadas rapidamente!
Uma fortuna como essa não pode ser desprezada.” O hóspede pagou o que devia, e foi dormir, mas durante a noite o estalajadeiro foi bem de fininho até o estábulo, levou embora o Mestre da Casa da Moeda, e amarrou um outro asno no seu lugar. Na manhã seguinte, bem cedo, o aprendiz seguiu viagem com seu asno, e achava que ele estava levando o seu asno de ouro.
Na metade do dia ele chegou à casa de seu pai, que ficou muito feliz em vê-lo de volta, e com alegria o abraçou. “O que fizeste da vida, meu filho?” perguntou o velhinho. “Tornei-me moleiro, querido pai,” respondeu o jovem. “E o que trouxeste contigo de tuas viagens?”
“Nada além de um asno.” “Já há asnos o bastante por aqui,” disse o pai, “Eu preferia que você me tivesse trazido uma cabrita.” “Sim,” respondeu o filho, “mas este não é um asno comum, mas um asno de ouro, e quando eu falor ‘Brick-lebrit,’ o bom animal abre a boca e derrama uma porção de moedas de ouro.
Chame todos os nosso parentes para que venham até aqui, e eu tornarei ricos todos eles.” “Me parece uma boa ideia,” disse o alfaiate, pois então, eu não precisarei mais me atormentar com minhas costuras,” e correu para reunir todos os parentes.
Assim que estavam todos reunidos, o moleiro pediu para que eles abrissem caminho, estendeu uma toalha diante de todos, e trouxe o asno até o meio da sala. “Observem agora,” disse ele, e exclamou, “Brick-lebrit,” mas não caiu nenhuma moeda de ouro, e então, ficou evidente que o animal não tinha nada de especial, pois nem todo asno realiza tamanha maravilha.
Então, o coitado do moleiro fez uma cara de quem estava muito chateado, e só então, percebeu que havia sido trapaceado, e pediu perdão para os seus parentes, os quais voltaram para casa tão pobres como haviam chegado. E de nada adiantou tudo aquilo, o pobre pai teve de voltar para as suas agulhas mais uma vez, e o jovem voltou a exercer o cargo de moleiro.
O terceiro irmão havia aprendido o ofício de torneiro, e desse modo ele se tornou um trabalhador habilidoso, e foi o que demorou mais tempo para aprender. Seus irmãos, todavia, lhe mandaram uma carta e lhe contaram como as coisas não haviam dado certo com eles, e como o estalajadeiro os havia trapaceado com os belos dotes na última noite que precedeu a chegada deles em casa.
Quando ele terminou o seu tempo de aprendizagem, e teve de partir para as suas viagens, como ele havia se comportado muito bem, seu mestre o presenteou com um saco e disse, “Dentro deste saco há um porrete.”
“Eu vou usar este saco,” disse o jovem, “e talvez ele me seja útil, mas porque o porrete está dentro dele? Ele só serve para ficar mais pesado.” “Eu lhe direi porque,” respondeu o mestre; “se alguém tentar te prejudicar, diga simplesmente,
“Porrete, saia do saco!” e o porrete irá saltar no meio das pessoas, e irá dançar chicotadas nas costas delas que elas não conseguirão nem se mexer ou se mover durante uma semana, e ele não irá parar até que digas, “Porrete, entre dentro do saco!”
O aprendiz lhe agradeceu, colocou o saco nas costas, e quando alguém chegava muito perto dele, e tinha a intenção de atacá-lo, ele dizia,
“Porrete, saia fora do saco!” e no mesmo instante o porrete saltava para fora, e levantava poeira dos casacos e das jaquetas de um após o outro batendo em suas costas, e não parava nunca até que começassem a gritar, e isso era feito rapidamente, antes que qualquer pessoa pudesse perceber, e já era a sua vez. À noitinha o jovem torneiro chegou à estalagem onde os seus irmãos haviam sido enganados.
Ele colocou o seu saco em cima da mesa e na sua frente, e começou a falar sobre as coisas maravilhosas que ele tinha visto nas suas andanças pelo mundo. “É isso mesmo,” disse ele, “as pessoas podem encontrar uma mesa que se serve sozinha, e um asno de ouro, e outras coisas como essas — maravilhas extremamente interessantes que de modo algum se deve desprezar — mas tudo isso não é nada em comparação com o tesouro que eu ganhei e que levo sempre comigo, aqui no saco em cima da mesa.”
O estalajadeiro apurou os ouvidos, e pensou “O que poderá ser isso?”; “o saco deve estar cheio de jóias e coisas valiosas; eu deveria conseguir isso também, pois as coisas boas são sempre em grupos de três.”
Quando chegou a hora de dormir, o hóspede se esticou no banco, e colocou o saco debaixo da cabeça como se fosse um travesseiro. Quando o estalajadeiro achou que o seu hóspede estava dormindo profundamente, ele foi até onde jovem dormia e começou a puxar pouco a pouco e com bastante cuidado para ver se ele conseguiria arrancá-lo e colocar outro em seu lugar.
No entanto, o torneiro estava esperando por esta chance há muito tempo, e assim que o estalajadeiro tentou puxar com força, ele gritou, “Porrete, saia fora do saco!” No mesmo instante, o pequeno porrete saltou para fora, e caiu em cima do estalajadeiro, dando-lhe sonoras bordoadas.
O estalajadeiro gritava por piedade; mas, quanto mais ele gritava, mas fortes eram as bordoadas que o porrete marcava o ritmo em suas costas, até que ele caiu no chão exausto de tanto apanhar. Então, o torneiro falou, “Se não me devolveres a mesa que serve sozinha, e o asno de ouro, a dança das bordoadas vai recomeçar novamente.”
“Oh, não,” gritava o estalajadeiro, agora, com humildade, “Farei qualquer coisa que você me pedir, desde que você devolva esse porrete assombrado para dentro do saco.” Então, disse, o aprendiz “Permitirei que a misericórdia tome o lugar da justiça, mas prometa nunca mais fazer maldades novamente!” E então, ele gritou, “Porrete, para dentro do saco!” e deixou que o estalajadeiro se acalmasse.
Na manhã seguinte o torneiro seguiu para a casa do seu pai levando a mesa mágica, e o asno de ouro. O alfaiate ficou muito feliz por ver o filho de volta, e perguntou também a ele o que ele havia feito naquelas regiões estrangeiras.
“Querido pai,” disse ele, “Eu me tornei um torneiro.” “É uma ótima profissão,” disse o pai. “E o que trouxeste contigo de tuas viagens?”
“Uma coisa preciosa, querido pai,” respondeu o filho, “um porrete dentro de um saco.”
“O quê!” gritou o pai, “um porrete! É para isso que valeu todo seu esforço! De todas as árvores você pode fazer um porrete.” “Mas não um como este, querido pai. Se eu disser ‘Porrete, saia para fora do saco!’ o porrete salta para fora e se lança sobre qualquer um que tentar me prejudicar com pesadas cacetadas, e não pára nunca até que ele esteja caído no chão e implore por piedade.”
“Veja você, com este porrete eu consegui de volta a mesa mágica e o asno de ouro que o larápio do estalajadeiro tomou dos meus irmãos. Agora peça para que os dois venham até aqui, e chame todos os nossos parentes.”
Eu darei de beber e comer a eles, e encherei o bolso deles de ouro.” O velho alfaiate não conseguia acreditar, não obstante, reuniu todos os seus parentes. Então, o torneiro estendeu uma toalha no chão e conduziu o asno de ouro até o interior, e disse para o seu irmão,
“Agora, querido irmão, fale com ele.” O moleiro disse, “Brick-lebrit,” e no mesmo instante moedas de ouro começaram a cair sobre a toalha como chuva num dia cheio de trovões, e o asno não parou até que todos eles tivessem recebido tanto a ponto de não conseguirem carregar mais. (Estou vendo no rosto do leitor que você também desejaria estar lá.)
Então, o torneiro trouxe a pequena mesa, e disse, “Agora, querido irmão, fale com ela.” E mal o carpinteiro disse, “Mesa, sirva-nos,” então, ela se estendeu e se abriu repleta com os mais exóticos pratos.
E então, uma deliciosa festa foi realizada como o bom alfaiate jamais havia visto em sua casa, e todos os seus parentes ficaram ali se regalando até tarde da noite, e todos foram embora felizes e satisfeitos.
O alfaiate guardou sob chave todas as agulhas e linhas, a vara de medir e o ganso, dentro de uma armário, e viveu junto de seus três filhos com muita alegria e tranquilidade.
(Mas, o que será que aconteceu com a cabra que era a culpada pelo alfaiate ter expulso seus três filhos? Isso eu vou contar para vocês. Ela sentiu vergonha de ter a cabeça raspada, e correu até o buraco de uma raposa e entrou dentro dele.
Quando a raposa chegou em casa, ela se deparou com dois grandes olhos que brilhavam como fogo na escuridão, e ficou muito assustada e fugiu para longe. Um urso encontrou-se com ela, e como a raposa parecia muito perturbada, ele disse, “O que é que você tem, minha amiga Raposa, porque você está assustada desse jeito?”
“Ah,” respondeu a Pele Vermelha, “um animal feroz entrou dentro da minha toca e olhava para mim com seus olhos em brasa.” “Vamos expulsá-lo de lá,” disse o urso, e foi com ela até onde era o buraco e olhou lá dentro, mas quando ele viu os olhos vermelhos, ele também ficou assustado; e como nada tinha de ver com o furioso animal, tacou sebo nas canelas.
Um abelha encontrou com o urso, e quando ela viu que ele estava com as pernas bambas e trêmulas, ela disse, “Urso, você está com uma cara de dar dó; cadê toda aquela alegria do meu amigo?” “Tendes toda razão de falares assim,” respondeu o urso, “um animal furioso de olhos arregalados está na casa da Pele Vermelha, e nós não conseguimos expulsá-lo.”
A abelha disse, “Urso, estou com dó de você, eu sou uma criatura pequena e fraca a quem você não se atreveria se virar para olhar, mas ainda assim, eu acho, que eu posso te ajudar.” Ela foi correndo para a toca da raposa, pousou sobre a cabeça lisa e raspada da cabrita, e a picou com violência, que a cabrita deu um pulo, e gritou “Mé, mé,” e saiu correndo pelo mundo como se fosse louca, e até hoje ninguém sabe para onde ela foi.
Conto dos Irmãos Grimm
O ALFAIATE NO PARAÍSO / O ALFAIATE NO CÉU
Num lindo dia veio a acontecer que o bom Deus queria descansar um pouquinho do jardim do paraíso, e levou com ele todos os apóstolos e santos, de modo que não ficou ninguém no céu com exceção de São Pedro. O Senhor então lhe ordenou, que na sua ausência, não deixasse ninguém entrar, então, Pedro ficou perto da porta e ficou de vigia o dia todo. Não passou muito tempo e alguém bateu na porta. Pedro perguntou quem era, e o que ele queria? “Eu sou um alfaiate pobre e honesto que implora para entrar,” respondeu alguém de voz suave.
“Honesto de verdade,” disse Pedro, “como o ladrão que foge da forca! Foste sim um mão leve atrevido a surrupiar as roupas das pessoas. Não poderá entrar no céu. O Senhor me proibiu de deixar qualquer um entrar enquanto ele estiver fora.” “Deixa disso, seja misericordioso,” exclamou o alfaiate. ” Migalhas que caem da mesa por conta própria não são roubadas, e nem vale a pena ficar falando sobre essas coisas. Veja, eu sou manco, estou com bolhas nos pés de tanto caminhar até aqui, possivelmente não conseguirei voltar. Apenas me deixe entrar, e eu farei todo trabalho duro. Carregarei as crianças, lavarei as roupas delas, lavarei e limparei os bancos onde elas ficaram brincando, e remendarei todas as roupas rasgadas delas.
Ele foi obrigado a se sentar num cantinho atrás da porta, e teve de ficar quieto e sossegado ali, para que o Senhor, quando Ele retornasse, não o visse e ficasse bravo. O alfaiate obedeceu, mas assim que São Pedro saiu de perto da porta, ele se levantou, e cheio de curiosidade, começou a passear por todos os cantos do céu, bisbilhotando tudo em todos os lugares. Até que ele chegou num lugar onde havia muitas cadeiras lindas e confortáveis, e no centro havia uma cadeira de ouro toda decorada com joias brilhantes, e também ficava num plano mais alto que as outras cadeiras, e na frente dela havia um escabelo[1] de ouro.
Ela era, no entanto, o assento onde o Senhor se sentava quando ele estava em casa, e da qual ele podia ver tudo o que acontecia na Terra. O alfaiate permaneceu parado diante dela, e ficou olhando para a cadeira durante um longo tempo, e finalmente subiu e se sentou na cadeira. Dali ele via tudo o que acontecia na Terra, e viu uma velhinha muito feia que estava lavando roupas nas margens de um rio, e sem que ninguém percebessem pegou para ela dois véus que estavam de lado.
Quando viu isto, o alfaiate ficou tão nervoso que ele pegou o escabelo de ouro, e o jogou do céu lá embaixo na Terra, sobre a cabeça da velha safada. No entanto, como ele não conseguia trazer de volta o escabelo, ele saiu furtivamente da cadeira, se voltou a sentar no lugar atrás da porta, e se comportou como se nunca tivesse saído dali. Quando o Senhor e mestre retornou junto com seu séquito celestial, ele não viu o alfaiate atrás da porta, mas quando ele foi se sentar na sua cadeira, percebeu que o escabelo não estava mais lá.
Ele perguntou a São Pedro o que tinha acontecido com o seu escabelo, mas São Pedro não sabia o que tinha acontecido. Então, Ele perguntou se alguém havia entrado ali enquanto Ele estava fora. “Não estou sabendo de ninguém que tivesse estado aqui,” respondeu São Pedro, “com exceção de um alfaiate manco, que ainda está atrás da porta.” Então, o Senhor mandou que trouxessem o alfaiate diante dele, e lhe perguntou se ele tinha atirado fora o escabelo, e onde ele o tinha colocado? “Oh, Senhor,” respondeu o alfaiate alegremente, “Eu o atirei lá embaixo na terra, num momento de raiva, sobre uma velhinha que estava roubando dois véus enquanto lavava roupa.” “Oh, seu velhaco,” disse o Senhor, “se eu fosse julgá-lo como você julga, como acha que você teria escapado durante tão tempo?”
“Eu não teria mais cadeiras, bancos, assentos, nada aqui, nem mesmo o garfo de usar no forno, mas teria atirado tudo nos pecadores. De agora em diante, não poderás mais ficar no céu, mas deves sair por aquela porta novamente. E vás para onde quiseres. Ninguém aplica punição aqui, com exceção de mim, que sou o Senhor. Pedro foi obrigado a expulsar o alfaiate do céu novamente, mas como os sapatos dele estavam furados e os seus pés estavam cobertos de bolhas, ele se apoiou num bastão com a mão, e foi embora bem devagarinho, dizendo “Esperem um pouco”, enquanto os bons soldados se sentavam de tanto rir.
Conto dos Irmãos Grimm
ELSIE, A SENSATA
Era uma vez um homem que tinha uma filha que se chamava Elsie, a sensata. E quando ela já tinha crescido o pai dela falou, “Nós vamos casá-la.” “Sim,” disse a mãe, “se encontrarmos alguém que queira desposá-la.” Finalmente, apareceu um homem que morava muito longe e começou a cortejá-la, ele se chamava Hans; mas sua única exigência era que a sensata Elsie fosse realmente inteligente. “Oh,” disse o pai, “ela é muito perspicaz;” e a mãe dizia, “Oh, ela consegue ver o vento caminhando pelas ruas, e ouvir as moscas tossindo.” “Bem,” disse Hans, “se ela não for verdadeiramente inteligente, não irei desposá-la.”
Quando eles já estavam sentados para jantar e haviam comido, a mãe falou, “Elsie, vá até o depósito e traga um pouco de cerveja.” Então, Elsie, a sensata, pegou o jarro que estava na parede, foi até onde guardavam a cerveja, e ia batendo levemente na tampa a medida que caminhava para que o tempo passasse rápido. Tendo chegado lá embaixo ela pegou uma cadeira, e a colocou diante do barril para que ela não precisasse inclinar-se, para não machucar a costa ou para que não se machucasse inadvertidamente. Então, ela colocou o vasilhame na frente, e abriu a torneira, e quando a cerveja estava caindo ela olhava para a parede, para que seus olhos não dormissem, e depois de muito espiar para lá e para cá, ela viu uma picareta bem em cima dela, e que os pedreiros haviam esquecido lá acidentalmente.
Então, Elsie, a sensata, começou a chorar e disse, “Se eu me casar com o Hans, e nós tivermos um filho, e ele ficar grande, e nós o mandarmos até o depósito aqui para buscar cerveja, então, a picareta poderá cair na cabeça dele e matá-lo.” Então, ela chorou sentada e gritava com todas as forças do seus pulmões, sobre o infortúnio que poderia acontecer com ela. A família, na sala de jantar, ficou esperando a bebida, mas Elsie, a sensata, não retornava. Então, a mulher disse para a criada, “Desça até o depósito e procure onde está a Elsie.” A criada obedeceu e a encontrou sentada diante do barril, gritando em voz alta.
“Elsie, porque estais chorando?” perguntou a criada. “Ah,” respondeu ela, “será que não tenho motivos para chorar? Se eu me casar com o Hans, e nós tivermos um filho, quando ele crescer, e tiver de buscar cerveja aqui no depósito, a picareta poderá cair na cabeça dele, e matá-lo.” Então, a criada respondeu, “Mas que garota sensata, nós temos aqui!” e se sentou ao lado dela e começou a chorar em voz alta também, lamentando tão grande infortúnio. Depois de algum tempo, como a criada não voltava, e os comensais estavam com sede de beber cerveja, o homem disse para o garoto, “Vá até o depósito lá embaixo e veja onde Elsie e a criada estão.”
O garoto foi até lá, e encontrou Elsie, a sensata, e a criada, ambas chorando uma ao lado da outra. Então, ele perguntou, “Porque vocês estão chorando?” “Ah,” disse Elsie, “será que eu não tenho motivos para chorar? Se eu me casar com o Hans, e nós tivermos um filho, e ele crescer, e ele for buscar cerveja aqui no depósito, a picareta irá cair na cabeça dele e poderá matá-lo.” Então, o garoto respondeu, “Que garota sensata, nós temos aqui!” e se sentou ao lado dela, e também começou a berrar em voz alta. Na casa, todos esperavam pelo garoto, mas como ele também não retornava, o homem disse para a mulher, “Desça até o depósito e veja onde a Elsie está!”
A mulher desceu, e encontrou os três chorando e lamentando, e perguntou porque choravam; então, Elsie lhe falou também que o seu futuro filho seria morto pela picareta, quando ele crescesse e tivesse de buscar cerveja, caso a picareta caísse. Então, sua mãe também falou, “Que garota sensata, nós temos aqui!” então, a mãe se sentou e chorou com eles. O homem ficou esperando um pouco, mas como a sua esposa não voltasse e a sua sede aumentava cada vez mais, ele falou, “Preciso ir até o depósito eu mesmo e ver onde Elsie está.”
Mas quando ele chegou lá, estavam todos sentados chorando, e quando ele soube do motivo, e que o filho de Elsie era a razão de tudo, e que se Elsie trouxesse um filho ao mundo algum dia, e que ele poderia ser morto pela picareta, caso o garoto estivesse sentado debaixo dela, ao buscar cerveja, exatamente no momento que ela caísse, ele gritou, “Oh, que garota inteligente é a Elsie!” e se sentou, e ficou chorando com eles. O noivo, durante algum tempo, ficou sozinho na casa; então, como ninguém voltasse ele pensou, “Eles devem estar esperando por mim lá embaixo; eu devo ir até lá e ver o que está acontecendo.”
Quando ele desceu, os cinco estavam chorando sentados e se lamentando desesperadamente, cada um tentando chorar mais do que o outro. “Que desgraça aconteceu aqui?” perguntou ele. “Ah, meu querido Hans,” disse Elsie, “se nós nos casarmos e tivermos um filho, e ele for grande, e nós talvez o mandarmos aqui para buscar um pouco de bebida, então, a picareta que foi deixada pendurada na parede poderia esfacelar a cabeça dele caso ela caísse, então, não temos motivo para chorar?” “Venham,” disse Hans, “maior entendimento que este não é necessário para a minha casa, porque você é Elsie, uma mulher muito sensata, eu me casarei contigo,” e tomando a sua mão, subiu de volta para casa, e se casou com ela.
DDepois que Hans havia se casado com ela durante algum tempo, ele disse, “Esposa, vou sair para trabalhar e ganhar um pouco de dinheiro para nós; vá até o campo colher algum trigo para que tenhamos um pouco de pão.” “Sim, querido Hans, vou já fazer isso,” Depois que Hans tinha saído, ela mesma preparou um caldo bem gostoso e levou ao campo com ela. Quando ela chegou no campo ela disse para si mesma, “O que devo fazer; devo colher primeiro, ou devo comer primeiro? Oh, vou comer primeiro.” Então, ela esvaziu a sua bacia de caldo, e quando ela já havia comido tudo, ela disse mais uma vez, “O que devo fazer agora? Devo colher primeiro, ou devo dormir primeiro? Vou dormir primeiro.”
Então, ela se deitou no meio do trigal e caiu no sono. Hans já tinha chegado em casa há muito tempo, mas Elsie não tinha voltado; então, ele falou, “Que esposa sensata que eu tenho; ela é tão dedicada que nem vem para casa para comer.” Mas como ela não voltava, e já estava ficando noite, Hans saiu para ver o que ela havia colhido, mas ela nada havia colhido, e ela estava deitada entre os trigais e dormia. Então, Hans correu para casa e trouxe uma rede de caçar aves que tinha pequenos sininhos nela e pendurou ao lado dela, e ela continuou dormindo.
Então, ele foi de novo para casa, fechou a porta da casa, sentou-se em sua cadeira e começou a trabalhar. Finalmente, quando já estava bastante escuro, Elsie, a sensata, acordou e quando ela se levantou ela ouviu o retinir de sinos ao seu redor, e os sinos tocavam a cada passo que ela dava. Então, ela ficou confusa, e ficou em dúvida se ela era realmente Elsie, a sensata, ou não, e disse, “Sou eu, ou será que não sou eu?” Mas ela não sabia que resposta daria, e durante algum tempo ela ficou em dúvida; finalmente ela pensou, “Eu irei para casa e perguntarei se sou eu, ou se não sou eu mesma, com certeza lá em casa saberão.”
Ela correu até a porta da sua casa, mas a porta estava fechada; então, ela bateu na janela e gritou, “Hans, Elsie está aí?” “Sim,” respondeu Hans, “ela está aqui dentro.” Então, ela ficou apavorada, e disse, “Ah, Deus do céu! Então, não sou eu,” e foi até outra porta; mas quando as pessoas ouviam os sininhos retinindo, elas não queriam abrir a porta, e ela não conseguia entrar em nenhum lugar. Então, ela fugiu daquela aldeia, e ninguém nunca mais a viu.
Conto dos Irmãos Grimm
AS TRÊS LINGUAGENS
Era uma vez um conde já muito idoso que vivia na Suíça, ele tinha um único filho, porém, a criatura era tão estúpida, e não conseguia aprender nada. Então, o pai disse para ele, “Ouve, meu filho, não consigo colocar nada em tua cabeça, então, vamos fazer o que pretendo. Deves ir embora daqui, e te colocarei nas mãos de um mestre renomado, que irá analisar o que ele poder fazer de você.” O jovem então, foi enviado para uma cidade estranha, e ali permaneceu durante um ano com o mestre. No final desse período, ele voltou para casa novamente, e o seu pai lhe perguntou, “E então, meu filho, aprendeste alguma coisa?” “Pai, eu aprendi o que dizem os cachorros quando estão latindo.” “Deus tenha piedade de nós!” exclamou o pai; “e isso é tudo o que aprendeste?”
“Vou te mandar para uma outra cidade, e para um outro mestre.” O jovem então, foi levado para esse lugar, e ali também ficou um ano aprendendo com seu mestre. Quando ele retornou para casa o pai voltou a perguntar, “Meu filho, o que aprendeste de bom?” Ele respondeu, “Pai, eu aprendi o entender o que dizem os pássaros.” Então, o pai ficou tomado de raiva e falou, “Oh, és mesmo um caso perdido, haveis desperdiçado um tempo precioso e não aprendeste nada; não te sentes envergonhado de te apresentares diante de mim? Desta vez te enviarei a um terceiro mestre, mas também desta vez se não aprenderes nada, não me consideres mais teu pai.” E assim o jovem permaneceu durante um ano com o terceiro mestre, e quando ele voltou para casa novamente, seu pai perguntou:
“Meu filho, o que aprendeste?” ele respondeu, “Querido pai, este ano eu aprendi a entender a linguagem do coaxar dos sapos.” Então, o seu pai ficou extremamente transtornado, começou a dar pulos, chamou todas as pessoas que estavam por ali, e disse, “Esta criatura não é mais meu filho, eu o expulso, e ordeno que vocês o levem para fora da floresta, e o matem.” Eles o tiraram dali, mas quando estavam para matá-lo, eles não conseguiram fazer isso porque sentiram dó dele, e o deixaram fugir, e eles arrancaram os olhos e a língua de um cervo para que eles pudem levá-los para o velhinho como prova.
O jovem perambulou por todas as partes, e depois de algum tempo ele chegou a uma fortaleza onde ele pediu pousada por uma noite. “Sim,” disse o senhor do castelo, “se quiseres passar a noite lá na torre velha, podes ir lá; mas te aviso, estarás colocando tua vida em risco, pois o lugar é cheio de cães selvagens, que latem e gritam se parar, e em determinadas horas um homem precisa ser oferecido a eles, o qual eles devoram imediatamente.” Toda a região sofria muito e estavam desanimados com o fato, e no entanto ninguém havia conseguido fazer nada para dar um fim nessa situação. O jovem, entretanto, não teve medo, e disse, “Deixem-me apenas que eu desça até lá onde estão os cães latindo, e dêem-me algo para que possa lançar a eles; e eles não me farão nenhum mal.” Como ele mesmo faria isso, eles deram ao garoto algum alimento para que ele levasse para os animais selvagens, e o conduziram até a torre.
Quando ele entrou na torre, os cães não latiram para ele, mas abanaram suas caudas fazendo amizade com ele, comeram o que ele trouxe para eles, e não tocaram nem um fio do seu cabelo. Na manhã seguinte, para espanto de todos que viviam por ali, ele saiu salvo e ileso do lugar, e falou para o senhor do castelo, “Os cães se revelaram para mim, em seu próprio idioma, porque eles moram ali, e trouxeram o perigo para a região. Eles foram enfeitiçados, e são obrigados a vigiar um grande tesouro que fica debaixo da torre, e eles não podem descansar nunca até que o tesouro seja retirado, e eu também fiquei sabendo, pelo que eles me falaram, como é que isso deve ser feito.” Então, ao ouvirem isso, todo ficaram regozijados, e o senhor do castelo disse que o adotaria como filho caso toda tarefa fosse realizada com sucesso. Então, ele foi até o local novamente, e como ele sabia o que ele tinha de fazer, ele realizou toda a tarefa, e trouxe uma caixa cheia de ouro com ele. O latido dos cães selvagens nunca mais foi ouvido desse dia em diante; eles tinham desaparecido, e nunca mais houve preocupação naquela região.
Passado algum tempo ele enfiou na cabeça que queria ir para Roma. No caminho ele passou perto de um brejo, onde uma grande quantidade de sapos estava coxando. Ele prestou atenção no que diziam, e quando ele ficou sabendo o que eles estavam querendo dizer, ele ficou muito pensativo e triste. Finalmente ele chegou a Roma, onde o papa havia acabado de morrer, e eles estavam muito preocupados porque eles tinham que eleger o seu successor. Finalmente concordaram que a pessoa que fosse escolhida como papa deveria ter como diferencial algum dom divino ou miraculoso. E assim que isso ficou decidido, o jovem conde entrou na igreja, e de repente duas pombas brancas como neve voaram para cima de seus ombros e ali ficaram sentadas.
Os eclesiásticos reconheceram nisso algum sinal divino, e ali mesmo perguntaram a ele se ele queria ser papa. Ele ficou indeciso, e não tinha certeza se ele merecia uma graça tão grande, mas as pombas o aconselharam a que aceitasse, e finalmente ele concordou. Então, ele foi ungido e consagrado, e dessa forma se cumpriu o que ele tinha ouvido dos sapos durante a sua viagem, e que o deixara tão aflito, o augúrio de que ele seria consagrado a sua santidade o papa. Então, ele tinha de rezar missa, mas ele não sabia nem uma palavra que teria de dizer, mas as duas pombas continuaram sentadas em seus ombros, e diziam tudo o que ele precisava no ouvido.
Conto dos Irmãos Grimm
JOÃO, O SENSATO
A mãe do João falou para ele,
“Para onde vais, João?”
João respondeu, “Para a casa de Maria.”
“Comporte-se bem, João.”
“Oh, me comportarei bem. Adeus, mamãe.”
“Adeus, João.”
João chega na casa de Maria,
“Bom dia, Maria.”
“Bom dia, João. O que trouxeste de bom?”
“Não trago nada, gostaria de ganhar algo.”
Maria presenteia João com uma agulha.
João diz, “Adeus, Maria.”
“Adeus, João.”
João pega a agulha, e a joga dentro de um carrinho de feno, e segue com o carrinho para casa.
“Boa noite, mamãe.”
“Boa noite, João. Onde estiveste?”
“Com Maria.”
“O que levaste para ela?”
“Não levei nada; quis apenas que ela me desse alguma coisa.”
“O que Maria deu para ti?”
“Me deu uma agulha.”
“Cadê a agulha, João?”
“Coloquei-a dentro do carrinho com feno.”
“Fizeste mal, João. Deverias ter colocado a agulha na manga da camisa.”
“Não se preocupe, da próxima vez farei melhor.”
***
“Para onde vais, João?”
“Para a casa de Maria, mamãe.”
“Comporte-se bem, João.”
“Oh, eu me comportarei bem. Adeus, mamãe.”
“Adeus, João.”
João chega à casa de Maria. “Bom dia, Maria.”
“Bom dia, João. O que trouxeste de bom para mim?”
“Não trouxe nada, mas gostaria de receber algo.” Maria presenteia João com uma faca.
“Adeus, Maria.”
“Adeus, João.” João pega a faca, e a coloca na manga de sua camisa, e vai para casa.
“Boa noite, mamãe.”
“Boa noite, João. Onde estiveste?”
“Com Maria.”
“O que levaste para ela?”
“Não lhe dei nada, mas ela me deu algo.”
“O que Maria deu para você?”
“Ela me deu uma faca.”
“Onde está a faca, João?”
“Eu a coloquei na manga da minha camisa.”
“Fizeste mal, João, deverias ter colocado a faca no bolso.”
“Tudo bem, da próxima vez farei melhor.”
***
“Para onde vais, João?”
“Para a casa de Maria, mamãe.”
“Comporte-se bem, João.”
“Oh, eu me comportarei bem. Adeus, mamãe.”
“Adeus, João.”
João chega à casa de Maria. ” Bom dia, Maria.”
“Bom dia, João. O que de bom trouxeste para mim?”
“Não trouxe nada, mas gostaria de receber algo.”
Maria presenteia João com um cabritinho.
“Adeus, Maria.”
“Adeus, João.” João pega o cabritinho, amarra-lhe as pernas, e o coloca dentro do bolso.
Quando ele chega em casa o cabritinho estava sufocado.
“Boa noite, mamãe.”
“Boa noite, João. Onde estiveste?”
“Em casa de Maria.”
“O que levaste para ela?”
“Não levei nada, mas ela me deu algo.”
“O que Maria deu para você?”
“Ela deu para mim um cabritinho.”
“Onde está o cabritinho, João?”
“Eu o coloquei no bolso.”
“Fizeste mal, João, deverias ter colocado uma corda em volta do pescoço do cabrinho.”
“Tudo bem, da próxima vez farei melhor.”
***
“Para onde vais, João?”
“Para a casa de Maria, mamãe.”
“Comporte-se bem, João,”
“Oh, eu me comportarei bem. Adeus, mamãe.”
“Adeus, João.” João chega à casa de Maria.
“Bom dia, Maria.”
“Bom dia, João. O que de bom trouxeste para mim?”
“Não trouxe nada, mas gostaria de receber algo.”
Maria presenteia João com um pedaço de toucinho.
“Adeus, Maria.”
“Adeus, João.”
João pega o toucinho, amarra numa corda, e o leva arrastado para casa.
Os cães aparecem e devoram o toucinho.
Quando ele chega em casa, ele tem apenas a corda na mão, e nada está pendurado nela.
“Boa noite, mamãe.”
“Boa noite, João. Onde estiveste?”
“Com Maria.”
“O que levaste para ela?”
“Não levei nada, ela me deu algo.”
“O que Maria deu para você?”
“Me deu um pedaço de toucinho.”
“Onde está o toucinho, João.”
“Eu o amarrei numa corda, e quando trazia para casa, os cães o comeram.”
“Fizeste mal, João, deverias ter trazido o toucinho na cabeça.”
“Tudo bem, da próxima vez farei melhor.”
***
“Para onde vais, João?”
“Para a casa de Maria, mamãe.”
“Comporte-se bem, João.”
“Eu me comportarei bem. Adeus, mamãe.”
“Adeus, João.”
João chega à casa de Maria.
“Bom dia, Maria.”
“Bom dia, João.”
“O que de bom trouxeste para mim?”
“Não trouxe nada, mas gostaria de receber algo.”
Maria presenteia João com um bezerro.
“Adeus, Maria.”
“Adeus, João.”
João pega o bezerro, coloca-o na cabeça, e o bezerro lhe aplica um coice na cara.
“Boa noite, mamãe.”
“Boa noite, João. Onde estiveste?”
“Com Maria.”
“O que levaste para ela?”
“Não levei nada, mas ela me deu algo.”
“O que Maria deu para você?”
“Um bezerro.”
“Onde está o bezerro, João?”
“Eu o coloquei na minha cabeça e ele me deu um coice na cara.”
“Fizeste mal, João, deverias ter levado o bezerro, e o colocado no estábulo.”
“Tudo bem, da próxima vez farei melhor.”
***
“Para onde vais, João?”
“Para a casa de Maria, mamãe.”
“Comporte-se bem, João.”
“Eu me comportarei bem. Adeus, mamãe.”
“Adeus, João.”
João chega à casa de Maria.
“Bom dia, Maria.”
“Bom dia, João. O que de bom trouxeste para mim?”
“Não trouxe nada, mas gostaria de receber algo.”
Maria diz a João, “Irei com você.”
João pega Maria, amarra ela com uma corda, levou-a até o cavalete, e a amarrou bem forte.
Então, João vai até a sua mamãe,
“Boa noite, mamãe.”
“Boa noite, João. Onde estiveste?”
“Com Maria.”
“O que levaste para ela?”
“Não levei nada.”
“O que Maria deu para você?”
“Ela não me deu nada, ela veio comigo.”
“Onde deixaste Maria?”
“Eu a levei com uma corda, e a amarrei no cavalete, e espalhei um pouco de grama para ela.”
“Fizeste mal, João, deverias ter lançado olhos gentis sobre ela.”
“Não se preocupe, da próxima vez farei melhor.”
João entrou no estábulo, arrancou todos os olhos dos bezerros e das ovelhas, e os lançou no rosto de Maria.
Então, Maria ficou brava, soltou as amarras e fugiu desanimada, tornando-se assim a noiva de João.
Conto dos Irmãos Grimm
A DONZELA SEM MÃOS
Era uma vez, há alguns anos, um homem que ficava na estrada e que possuía uma pedra enorme de fazer farinha, com a qual moia cereal da aldeia. Esse moleiro estava passando por dificuldades e não restava nada além da enorme pedra de moinho e da grande macieira florida atrás da construção.
Um dia, quando ele entrava na floresta com seu machado de gume de prata para cortar lenha, um velho estranho surgiu atrás de uma árvore.
— Não há necessidade de você se torturar cortando lenha – disse o velho em tom engabelador – posso adorná-lo de riquezas se você me der o que esta atrás de seu moinho.
— O que esta atrás do meu moinho a não ser a macieira florida? – perguntou-se o moleiro, concordando com a proposta do velho.
— Dentro de três anos virei buscar o que é meu – disse o estranho rindo a socapa, e foi embora a mancar, desaparecendo entre os troncos das árvores.
O moleiro encontrou sua mulher no caminho. Ela havia saído correndo de dentro de casa, com o avental voando e o cabelo desgrenhado.
— Marido, marido meu, quando bateu a hora, surgiu na nossa casa um relógio mais bonito, nossas cadeiras rústicas foram trocadas por cadeiras de veludo, nossa pobre despensa esta repleta de carne de caça, nossas arcas e baús transbordam de tão cheios. Diga-me, por favor, como isso aconteceu. – e nesse exato momento, anéis de ouro apareceram nos seus dedos e seu cabelo foi puxado e preso num arco dourado.
— Ah, disse o moleiro, assombrado enquanto seu próprio gibão passava a ser de cetim. Diante dos seus olhos, seus sapatos de madeira com salto tão gastos que ele caminhava inclinado para trás também se transformaram em finos sapatos. – Bem, isso foi um desconhecido – disse ele, ofegante.
— Deparei-me com um homem estranho, com uma sobrecasaca escura. E ele me prometeu enorme fortuna se eu lhe desse o que está atrás de nosso moinho. Ora mulher, claro que podemos plantar outra macieira.
— Ai, meu marido! – lamentou-se a mulher dando a impressão de ter levado um golpe mortal. – O homem de casaco escuro era o diabo e o que está atrás do moinho é a árvore sim, mas a nossa filha está lá varrendo o quintal com uma vassoura de salgueiro.
E assim os pais forma cambaleando para casa, derramando lágrimas sobre seus trajes. A filha permaneceu sem se casar durante três anos, e tinha o temperamento como uma das primeiras maçãs doces da primavera. No dia que o diabo veio apanhá-la, ela se banhou, pôs um vestido branco e ficou parada num círculo de giz que ela mesma traçara à sua volta. Quando o diabo estendeu a mão para agarrá-la, uma força invisível o lançou para o outro lado do quintal.
— Ela não pode mais se banhar – berrou ele. – Ou não vou conseguir me aproximar dela.
Os pais ficaram apavorados e algumas semanas se passaram em que ela ficou sem se banhar, até que o cabelo ficou emaranhado; suas unhas, negras; suas roupas encardidas e duras de sujeira.
Então; como a donzela parecia cada vez mais com um animal, surgiu mais uma vez o diabo. No entanto; a menina chorou e suas lágrimas escorreram pelas mãos e pelos braços. Agora suas mãos e seus braços estavam alvíssimos e limpos. O diabo ficou furioso.
— Cortem-lhe fora as mãos, do contrário não vou poder me aproximar dela.
— Você quer que eu corte as mãos da minha própria filha? – perguntou o pai horrorizado.
— Tudo aqui irá morrer, berrou o diabo. – Você, sua mulher e todos os campos até onde sua vista alcance.
O pai ficou tão apavorado, que pedindo perdão a sua filha começou a afiar o machado. A filha conformou-se.
— Sou sua filha, faça o que deve fazer.
E foi o que ele fez; no final ninguém podia dizer quem gritou mais alto, se foi o pai ou a filha. Terminou assim a vida da menina da forma que ela conhecia.
Quando o diabo voltou, a menina havia chorado tanto, que os troncos que lhe restavam estavam novamente limpos, e o diabo foi mais uma vez atirado para o outro lado do quintal quando tentou agarrá-la.
Lançando maldições que provocavam pequenos incêndios na floresta, ele desapareceu para sempre, pois havia perdido todo o direito sobre ela.
O pai havia envelhecido cem anos, e sua esposa também. Como autênticos habitantes da floresta, eles continuaram como podiam. O velho pai fez a oferta de manter a filha num imenso castelo de beleza e riqueza pelo resto da vida, mas a filha disse achar mais condizente que se tornasse mendiga e dependesse da bondade dos outros para seu sustento. E assim ela fez com que atassem seus braços com gaze limpa e ao raiar do dia ela se afastou da sua vida como havia sido até então.
Ela caminhou muito. O sol do meio dia fez com que o suor escorresse riscando a sujeira de seu rosto. O vento desgrenhou tanto o seu cabelo que até parecia um ninho de cegonha com gravetos enfiados de qualquer jeito. No meio da noite, ela chegou a um pomar real onde a lua fazia reluzir os frutos das árvores.
Ela não podia entrar já que o pomar era cercado por um fosso. Caiu, então de joelhos, pois estava faminta. Um espírito etéreo vestido de branco surgiu e fechou a compota para esvaziar o fosso.
A donzela caminhou por entre as pereiras sabendo de algum modo que cada fruto perfeito havia sido contado e anotado, e que eles eram também vigiados. Mesmo assim, um ramo curvou-se abaixo para que ela o alçasse, fazendo o galho estalar. Ela tocou a pele dourada da pêra com os lábios e comeu ali em pé ao luar, com os braços atados em gaze, os cabelos desgrenhados, parecendo uma mulher de lama, a donzela sem mãos.
O jardineiro viu tudo, mas reconheceu a magia do espírito que a protegia e não se intrometeu. Quando ela acabou de comer aquela única pêra, ela se retirou atravessando o fosso e foi dormir no abrigo do bosque.
No dia seguinte o rei veio contar suas pêras. Ele descobriu que uma estava faltando, mas, olhando por toda a parte, não conseguiu encontrar o fruto desaparecido. Quando lhe perguntaram o jardineiro tinha a explicação.
— Ontem a noite dois espíritos esgotaram o fosso, entraram no jardim a luz do luar e um deles que era mulher e não tinha mãos comeu a pêra que se oferecia a ela.
O rei disse que iria montar guarda naquela noite. Quando escureceu ele veio com o jardineiro e o mago que sabia conversar com espíritos. Os três se sentaram debaixo de uma árvore e ficaram vigiando. À meia noite, a donzela veio flutuando pela floresta, com roupas em farrapos, o cabelo desfeito, o rosto sujo, os braços sem mãos e o espírito de branco ao seu lado.
Eles entraram no pomar da mesma forma que antes. Mais uma vez a árvore curvou-se graciosamente para chegar ao seu alcance, e a donzela sorveu a pêra que estava na ponta do ramo. O mago aproximou-se deles, mas não muito.
— Vocês são deste mundo ou não são? — perguntou ele.
— Eu fui outrora do outro mundo – respondeu a donzela. – no entanto não sou deste mundo.
— Ela é humana ou é um espírito? – perguntou o rei ao mago, e ele respondeu que era as duas coisas. O coração do rei deu um salto, e ele se apressou a chegar a ela.
— Não renunciarei a você – exclamou o rei — deste dia em diante, eu cuidarei de você.
No castelo ele mandou fazer para ela um par de mãos de prata, que foram amarradas aos seus braços. E foi assim que o rei se casou com a donzela sem mãos.
Passado algum tempo o rei teve que ir combater num reino distante e pediu à mãe que cuidasse da jovem rainha, pois ele a amava de todo coração.
— Se ela der à luz a um filho mande me avisar imediatamente.
A jovem rainha deu a luz a um belo bebe, e a mãe do rei mandou um mensageiro até ele para lhe dar as boas novas. No entanto no meio do caminho o mensageiro se cansou e, chegando a um rio, ficou cada vez com mais sono. Afinal, adormeceu profundamente às margens do rio. O diabo saiu de trás de uma árvore e trocou a mensagem por uma que a rainha havia dado à luz a uma criança que era metade humana metade cachorro.
O rei ficou horrorizado com a noticia, mas mesmo assim mandou de volta uma carta recomendando que amassem a rainha e que cuidassem dela nesse terrível transe. O rapaz que vinha trazendo a mensagem mais uma vez chegou ao rio e, sentindo a cabeça pesada como se tivesse comido todo um banquete, logo adormeceu junto a água. Foi quando o diabo mais uma vez apareceu e trocou a mensagem para:
— Matem a rainha e a criança.
A velha mãe ficou abalada com essa ordem e mandou um mensageiro pedindo confirmação. Corriam os mensageiros de um lado para outro, cada um adormecendo junto ao rio enquanto o diabo trocava as mensagens por outras que ficavam cada vez mais apavorantes, sendo a ultima que dizia:
— Guardem a língua e os olhos da rainha como prova de que ela está morta.
A velha mãe não pode suportar a idéia de matar a doce jovem. Em vez disso, ela sacrificou uma corça, arrancou sua língua e seus olhos e os escondeu. Em seguida, ela ajudou a jovem rainha a atar o bebe junto ao peito e, cobrindo-a com um véu, disse que ela precisava fugir para salvar a vida. As mulheres choraram e se beijaram na despedida.
A jovem rainha vagueou até chegar à floresta maior e mais selvagem que jamais vira. Na tentativa de procurar um caminho, ela procurava passar por cima, pelo meio e por volta do mato. Quase ao escurecer, o mesmo espírito de branco apareceu conduzindo a jovem a uma estalagem pobre de gente simpática da floresta. Uma donzela vestida de branco levou a rainha para dentro e demonstrou saber seu nome. A criança foi posta no berço.
— Como que você sabe que eu sou rainha? – perguntou a donzela.
— Nós da floresta acompanhamos esses casos, minha rainha. Agora descanse.
E assim a rainha ficou sete anos e se sentia feliz com sua criança e com sua vida. Aos poucos suas mãos voltaram; primeiro como pequeninas mãozinhas de bebes, rosadas como pérolas, depois como mãozinhas de menina e afinal como mãos de mulher.
Enquanto isso o rei voltou da guerra, e sua mãe se lamentou com ele.
— Por que quis que eu matasse dois inocentes? – perguntou ela mostrando-lhe os olhos e a língua da corça.
Ao ouvir a terrível história o rei cambaleou e caiu a chorar inconsolável. A mãe viu a dor e contou que os olhos e a língua eram de uma corça e que ela havia mandado a rainha e o filho fugir pela floresta adentro.
O rei jurou não mais comer, nem beber, e viajar até onde o céu continuasse azul para encontrar os dois. Ele procurou por sete anos a fio. Suas mãos ficaram negras, sua barba de um marrom semelhante ao musgo, seus olhos avermelhados e ressecados. Todo esse tempo, ele não comeu nem bebeu nada, mas uma força maior do que ele o ajudou a se manter vivo.
Afinal ele chegou à estalagem mantida pelo povo da floresta. A mulher de branco convidou-o entrar, e ele se deitou de tão cansado. A mulher colocou um véu sobre o rosto dele, e ele adormeceu. Quando ele chegou à respiração do sono mais profundo, o véu escorregou aos poucos do seu rosto. Ao despertar, ele encontrou uma linda mulher e uma bela criança que o contemplava.
— Sou sua esposa e este é seu filho. – O rei queria acreditar, mas a donzela tinha mãos. – Com todas as minhas afeições e com meus bons cuidados, minhas mãos voltaram a crescer – disse a donzela. E a mulher de branco trouxe as mãos de prata que estavam guardadas como um tesouro numa arca. O rei ergueu-se e abraçou a mulher e o filho, e naquele dia houve uma alegria imensa na floresta.
Todos os espíritos e os ocupantes da estalagem fizeram um banquete. Depois, o rei, e a rainha e o filho voltaram para a velha mãe, realizaram um segundo casamento e tiveram muitos outros filhos, todos os quais contaram essa história para outros cem, que contaram para outros cem, exatamente como vocês fazem parte dos outros cem a quem eu estou contando.
Conto dos Irmãos Grimm
O PIOLHO E A PULGA
Um piolho e uma pulga decidiram morar juntos e um dia estavam fazendo cerveja numa casca de ovo. E então, o pequeno piolho caiu dentro e se queimou. Diante disto, a pequena pulguinha começou a gritar alto. Então, a pequena porta do quarto disse,
“Minha pequena pulguinha, porque estás gritando?”
“Porque o piolho se queimou.”
Louca de dor, a porta começou a ranger. Foi aí que uma vassoura, que estava encostada num canto, falou para a porta, “Porque você está rangendo, pequena porta?” “Não tenho eu razões para me lamentar?”
“O piolhinho se queimou todo,
E a pulguinha está chorando.”
Então, a vassoura também começou a varrer que nem desesperada. Um carrinho de mão, que passava pelo local, perguntou, “Porque estás chorando, minha amiga vassoura?” “Não tenho eu razões para chorar?”
“O piolho se queimou,
A pulguinha está chorando,
E a porta está rangendo de dor.”
Então, o carrinho de mão disse, “Então, eu vou correr,” e saiu correndo que nem louco. Então, um monte de cinzas que corria com ele, falou “Porque você está correndo também, carrinho de mão?” “E não tenho eu motivos para correr?”
“O piolho se queimou,
A pulguinha está chorando,
A porta está rangendo de dor.”
E a vassoura está varrendo.”
Nesse instante, o monte de cinzas falou, “Então, vou queimar furiosamente,” e começou a queimar com chamas claras. Uma pequena árvore estava perto do monte de cinzas e perguntou, “Monte de cinzas, porque você está queimando?” “Será que eu não tenho motivos para estar queimando?”
“O piolho se queimou,
A pulguinha está chorando,
A porta está rangendo de dor.”
A vassoura está varrendo.”
E o carrinho de mão está correndo.”
A pequena árvore então, falou, “Então, vou me sacudir todinha,” e começou a se sacudir e todas as suas folhas caíram; uma garota apareceu carregando um jarro de água, viu tudo aquilo e perguntou, “Minha amiga árvore, porque você está se sacudindo toda?” “Será que eu não tenho motivos para me sacudir?”, respondeu ela.
“O piolho se queimou,
A pulguinha está chorando,
A porta está rangendo de dor.”
A vassoura está varrendo.”
O carrinho de mão está correndo.”
E o monte de cinzas está se queimando.”
Então, a garota falou, “Então, eu vou quebrar o meu pequeno jarro dágua,” e ela quebrou o seu pequeno jarro dágua. Então, disse uma pequena fonte de onde corria a água, “Menininha, porque você está quebrando o jarro dágua?” “E não tenho eu motivos para quebrar o jarro dágua?”
“O piolho se queimou,
A pulguinha está chorando,
A porta está rangendo de dor.”
A vassoura está varrendo.”
O carrinho de mão está correndo.”
O monte de cinzas está queimando.”
E a pequena árvore está sacudindo.”
“Oh, não!” disse a fonte, “então, eu vou começar a correr,” e ela começou a correr com muita força. E todos se afogaram na água, a menina, a pequena árvore, o pequeno monte de cinzas, o carrinho de mão, a vassoura, a pequena porta, a pulguinha, o piolho, todos juntos.
Conto dos Irmãos Grimm
OS TRÊS CABELOS DE OURO DO DIABO
Era uma vez uma pobre mulher que deu à luz um filho, e como ele veio ao mundo com uma coifa amnial na cabeça, foi profetizado que aos quatorze anos ele teria a filha do rei como esposa. Aconteceu que, pouco tempo depois o rei foi até a aldeia, e ninguém sabia que ele era o rei, e quando o ele perguntou sobre as novidades por lá, eles responderam:
— “Uma criança acaba de nascer com uma coifa amnial na cabeça, qualquer um que tenha nascido assim, significa que vai ser muito feliz. Foi profetizado também, que aos quatorze anos ele terá a filha do rei como esposa.”
O rei, que não tinha bom coração, ficou furioso com a profecia, e foi até os pais da criança, e aparentando franca amizade, disse:
— “Vocês são pobres, deixe-me levar a criança, para que eu cuide dela.” A princípio, eles não queriam aceitar, mas quando o estranho visitante lhes ofereceu uma grande quantia em ouro pela criança, pensaram:
— “Ela é uma criança de sorte, e tudo vai dar certo para ela,” e finalmente concordaram e deram a ele a criança.
O rei colocou a criança numa caixa e cavalgou para longe com ela até que chegou num lugar onde a água era muito funda, então ele atirou a caixa e pensou:
— “Libertei a minha filha do pretendente que ela não procurava.”
A caixa, no entanto, não afundou, pelo contrário, flutuou como um barco, e nem uma gota de água entrou dentro dela. E a caixa flutuou uma distância de duas milhas da capital onde ficava o palácio do rei; e ali havia um moinho, e a caixa acabou encalhando nas rodas do moinho.
O filho do moleiro, que por sorte se encontrava por lá, viu a caixa e a tirou da água usando um gancho, achando que ele tinha encontrado um grande tesouro, mas quando ele abriu a caixa, lá estava a figura de um lindo menino dentro dela, todo esperto e sorridente. Ele pegou a caixa e a levou para o moleiro e a sua esposa, e como eles não tinham filhos, ficaram muito contentes com o achado, e disseram:
— “É Deus quem enviou ele para nós.” Eles cuidaram bem do garotinho, e ele cresceu contente e feliz.
Aconteceu que uma vez, durante uma tempestade, o rei foi até o moinho, e perguntou ao pessoal do moinho, se aquele garoto alto era filho deles.
— “Não,” responderam eles, “ele foi achado. Há quatorze anos atrás ele foi encontrado flutuando dentro de uma caixa e ficou encalhado no dique onde está o moinho, e um garoto que ali trabalhava o retirou das águas.”
Então o rei descobriu que o garoto que fora encontrado não era outro, senão a criança sortuda que ele havia jogado nas águas, e ele disse:
— “Meus queridos, será que este jovem não poderia levar uma carta para a rainha?, eu darei a ele duas moedas de ouro como recompensa.”
— “O rei é quem manda aqui,” disseram eles, e eles disseram ao garoto para que ele se preparasse. Então, o rei escreveu uma carta para a rainha, onde dizia,
— “Assim que o garoto chegar com esta carta, ele deve ser morto e sepultado, e tudo deve estar terminado antes de eu voltar para casa.”
O garoto partiu com esta carta, porém, ele se perdeu no caminho, e a noitinha ele chegou em uma imensa floresta. Na escuridão, ele viu uma pequena luz, caminhou em direção a ela, até que chegou numa cabana. Quando ele entrou dentro da cabana, uma velhinha estava sentada perto do fogão, pensativa. Quando ela viu o garoto, ela disse:
— “De onde você veio, e para onde você está indo?”
— “Estou vindo do moinho,” respondeu ele, “e preciso ir até a rainha, para quem estou levando uma carta, mas, como eu me perdi na floresta, eu gostaria de passar a noite aqui.”
— “Pobre garoto,” disse a mulher, “você entrou num covil de ladrões, e quando eles voltarem para cá, eles vão te matar.”
— “Deixe eles chegarem,” disse o garoto, “eu não tenho medo deles, mas, eu estou tão cansado, que eu não consigo andar mais,” e ele se esticou num banco e caiu no sono.
Pouco depois, os ladrões chegaram, e nervosos perguntaram “quem era aquele garoto estranho que estava deitado ali?”
— “Ah,” disse a velhinha, “é um pobre garotinho que se perdeu na floresta, e com piedade eu pedi a ele que entrasse, ele precisa levar uma carta para a rainha.” Os ladrões abriram a carta, e a leram, e nela estava escrito que o garoto deveria ser morto assim que chegasse.
Então, os ladrões, que tinham o coração duro, ficaram com dó do garoto, e o chefe deles rasgou a carta, e escreveu uma outra, dizendo, que assim que o garoto chegasse, ele deveria se casar imediatamente com a princesa. Então, eles deixaram que ele ficasse deitado tranquilamente no banco até a manhã seguinte, e quando o rapaz acordou, eles lhe entregaram a carta, e lhe mostraram o caminho para chegar até o palácio do rei.
E a rainha, depois que ela tinha recebido e lido a carta, fez o que estava escrito nela, e mandou que uma magnífica festa de casamento fosse preparada, e a filha do rei se casou com o garoto de sorte, e como o jovem era bonito e simpático, ela foi morar com ele e eles viveram felizes e satisfeitos.
Depois de algum tempo o rei retornou ao seu palácio, e constatou que a profecia havia sido cumprida, e que o garoto de sorte havia se casado com a sua filha.
— “Como pode isso ter acontecido?” disse ele, “Eu dei uma ordem totalmente diferente na minha carta.”
Então, a rainha lhe mostrou a carta, e disse que ele deveria olhar com seus próprios olhos o que estava escrito nela. O rei leu a carta, e viu claramente que ela tinha sido trocada por uma outra. Ele perguntou ao jovem o que havia acontecido com a carta que ele lhe havia entregue, e porquê ele havia entregue uma outra carta ao invés dela.
— “Eu não sei de nada,” respondeu ele, “ela deve ter sido trocada na noite quando eu dormi na floresta.” O rei disse furioso:
— “Você não irá conseguir nada com isso, pois, quem quiser se casar com a minha filha deve ir ao inferno e me trazer três cabelos de ouro do diabo, faça o que eu estou pedindo, e você ficará com a minha ela.”
Deste jeito, o rei acreditava que poderia se livrar para sempre do jovem. Mas o garoto de sorte respondeu:
— “Eu trarei os cabelos dourados e vou provar que não tenho medo dele,” e com isso, pediu licença e iniciou a sua jornada.
A estrada o levou até uma cidade muito grande, onde o guardião que ficava no portão lhe perguntou o que ele queria, e o que ele sabia.”
— “Eu sei tudo,” respondeu o garoto sortudo.
— “Então, você pode nos fazer um favor,” disse o guardião, “se você nos disser porque a nossa fonte do mercado, onde antes corria tanto vinho, se secou, e não passa mais água por ela?”
— “Você terá a resposta,” respondeu ele, “somente quando eu voltar.”
Então, ele seguiu o caminho e foi para uma outra cidade, e lá também o guarda do portão lhe perguntou o que ele queria, e o que ele sabia.
— “Eu sei tudo,” respondeu ele.
— “Então, você pode nos fazer um favor, e diga-nos porque uma árvore de nossa cidade, que antigamente produzia maçãs de ouro, hoje não nasce nem sequer folhas verdes.”
— “Você terá a resposta,” respondeu ele, “somente quando eu voltar.”
E lá foi ele andando, até que chegou a um rio muito largo e que ele precisava atravessar. O barqueiro lhe perguntou também o que ele queria e o que ele sabia.
— “Eu sei tudo,” respondeu ele.
— “Então, você pode me fazer um favor,” disse o barqueiro, e me dizer porquê eu estou sempre remando para a frente e para trás, e não consigo me libertar disto aqui nunca?”
— “Você terá a resposta,” respondeu ele, “somente quando eu voltar.”
Assim que se viu na margem oposta, ele encontrou a porta do inferno. Estava escuro e completamente coberto de fuligem, e o diabo não estava em casa, mas a mãe dele estava sentada numa larga poltrona.
— “O que você quer?” disse ela para rapaz, mas, ela não parecia tão perversa.
— “Eu preciso conseguir três cabelos de ouro da cabeça do diabo,” respondeu ele, “caso contrário, eu não poderei ficar com a minha esposa.”
— “Isso é querer muito,” disse ela, “pois, se o diabo chega em casa e te encontra, isso vai lhe custar a vida, mas, como eu tenho pena de você, verei se posso ajudá-lo.”
Ela o transformou numa formiga, e disse: “Entre nas dobras do meu vestido, lá você estará seguro.”
— “Sim,” — respondeu ele, “até agora está tudo bem, mas, existem três coisas que eu preciso saber: porquê uma fonte que antes fluía vinho em abundância secou, e agora, nem água mais brota dela; porque uma macieira que antes produzia belíssimas maçãs, agora, não dá nem folhas verdes; e porquê um barqueiro precisa sempre remar para a frente e para trás, e não consegue nunca se libertar desse trabalho?”
— “Essas são perguntas difíceis de responder,” disse ela, “mas fique aqui em silêncio, e não faça barulho, e preste atenção ao que o diabo disser quando eu arrancar os seus três cabelos de ouro.”
Quando a noite chegou, o diabo voltou para casa. Mal ele tinha entrado e ele percebeu que havia alguma sujeira no ar.
— “Estou sentindo cheiro de carne humana,” disse ele, “alguma coisa não está certa aqui.” Então ele vasculhou todos os cantos da casa, e procurava, e não encontrava nada. A mãe dele o repreendeu.
— “Acabei de varrer a casa,” disse ela, “e tudo foi colocado em ordem, e agora você está bagunçando tudo outra vez, você está sempre com cheiro de carne humana no nariz. Sente e coma a sua sopa.”
Depois que ele comeu e bebeu, ele ficou cansado, e colocou a cabeça no colo da sua mãe, e depois de muito tempo ele caiu no sono, e roncava, e respirava pesadamente. Então, a mãe dele pegou um cabelo dourado e o arrancou, e o colocou perto dela.
— “Oh,” gritou o diabo, “o que você está fazendo?”
— “Eu tive um pesadelo,” disse ela, “então eu me segurei no seu cabelo.”
— “O que você estava sonhando, então?” disse o diabo.
— “Eu sonhei que uma fonte do mercado, que antes fluía vinho em abundância, se secou, e nem água corre por ela agora, porque será que isso aconteceu?”
— “Oh, oh, se eles soubessem,” respondeu o diabo, “tem um sapo que fica debaixo de uma pedra lá no poço, se eles o matarem, o vinho começaria a fluir novamente.”
Ele começou a dormir novamente e roncava tanto que até as janelas chacoalhavam. Então ela puxou o segundo fio de cabelo.
— “Ai, o que você está fazendo?” perguntou o diabo, já ficando nervoso.
— “Não leve a mal,” disse ela, “eu fiz isso porque eu estava sonhando.”
— “O que você sonhou desta vez?” perguntou ele. — “Sonhei que num certo reino havia um pé de maçãs, que produziam maçãs de ouro, mas que agora não dá nem folhas verdes. Porquê você acha que isso acontece?”
— “Oh, se eles soubessem,” respondeu o diabo. “Um rato está roendo a raiz, se eles o matarem, eles teriam maçãs de ouro novamente, mas se ele continuar roendo, a raiz vai morrer completamente. Mas, deixe-me sossegado com seus sonhos, se você me perturbar com o meu sono novamente eu vou ficar muito bravo.”
A mãe dele acalmou-o com palavras doces, até que ele dormiu novamente e começou a roncar. Então, ela pegou o terceiro cabelo de ouro e o arrancou. O diabo deu um pulo, berrou e a teria maltratado, mas ela o acalmou novamente e disse: “Quem consegue evitar os pesadelos?”
— “Qual foi o sonho, então?” perguntou ele, e estava muito curioso.
— “Eu sonhei que um barqueiro reclamava que ele tinha que remar a vida inteira de um lado para o outro, e nunca conseguia se livrar desse trabalho. Qual será a causa disso?”
— “Ah!, que tolo,” respondeu o diabo, “quando alguém vem e quiser atravessar, ele deve colocar o remo nas mãos da pessoa, e o outro terá de levar o barco e ele ficará livre.” Como a mãe dele já havia arrancado os três cabelos de ouro, e as três perguntas já haviam sido respondidas, ela deixou a pequena serpente ali sozinha, e ele dormiu até o amanhecer.
Quando o diabo saiu outra vez, a velhinha retirou a formiga das dobras do seu vestido, e deu ao garoto de sorte a sua forma humana novamente.
— “Aqui estão os três cabelos de ouro para você,” disse ela. “O que o diabo respondeu para as suas três perguntas, suponho que você tenha ouvido?”
— “Sim,” respondeu ele, “Eu ouvi, e com certeza vou me lembrar disso.”
— “Você tem o que você queria,” disse ela, “e agora você pode seguir o seu caminho.” Ele agradeceu a velhinha pela ajuda que ela havia lhe dado, e foi embora do inferno muito satisfeito, porque tudo tinha dado certo.”
Assim que ele chegou perto do barqueiro, este lembrou-lhe o cumprimento da promessa que lhe fizera. — “Leve-me para a outra margem primeiro,” disse o garoto de sorte, “e eu lhe direi o que deves fazer para te libertares,” e quando ele chegou do outro lado da margem, o garoto falou para ele o conselho que tinha ouvido do diabo:
— “Da próxima vez que alguém vier, e que precisa que você a leve para a outra margem, é só colocar o remo na mão dessa pessoa.”
Ele continuou e chegou a cidade onde ficava a árvore que não produzia frutos, e lá também o guardião estava esperando uma resposta. Então, ele lhe disse o que tinha ouvido do diabo:
— “Mate o rato que está roendo a raiz da árvore, e ela irá produzir maçãs de ouro novamente.” Então, o guardião lhe agradeceu, e lhe deu como recompensa dois asnos carregados de ouro, que ele levou embora.
Finalmente, ele chegou na cidade onde havia o poço seco. Ele disse ao guardião o que o diabo havia lhe dito:
— “Um sapo está no poço dentro de uma pedra, você deve encontrá-lo e matá-lo, e o poço produzirá vinho com abundância.” O guardião lhe agradeceu, e também lhe ofereceu dois asnos carregados de ouro.
Então, o garoto sortudo chegou em casa e foi até a sua esposa, que ficou muito feliz em vê-lo de volta, e de ver como ele tinha tido sucesso em tudo ultimamente. Ao rei, ele deu o que este havia pedido, os três cabelos de ouro, e quando o rei viu os quatros asnos carregados de ouro, ele ficou muito satisfeito, e disse:
— “Agora, todas as condições foram atendidas, e você pode ficar com a minha filha. Mas, diga-me, querido genro, de onde veio todo esse ouro? você está muito rico, agora.”
— “Eu tive de atravessar um rio,” respondeu ele, “e quando cheguei lá, o ouro estava todo esparramado no chão ao invés da areia.”
— “Será que eu poderia ir buscar um pouco de ouro?”, disse o rei, e ele estava com muita vontade de fazer isso.”
— “Assim que você desejar,” respondeu ele, “no rio você encontrará um barqueiro, deixe que ele o atravesse, e você poderá encher vários sacos de ouro do outro lado do rio.” O ganancioso rei partiu imediatamente, e quando ele chegou no rio, o rei acenou para o barqueiro para que o atravessasse. O barqueiro veio e pediu para que ele entrasse, e quando eles tinham chegado do outro lado da margem, ele colocou o remo na mão do rei, e saiu correndo. E após esse dia o rei teve de atravessar as pessoas, como punição pelos seus pecados. Talvez ele esteja atravessando as pessoas ainda hoje. Se ele estiver, é porque ninguém tirou o remo dele até agora.
Conto dos Irmãos Grimm
O OSSO CANTOR
Era uma vez um país onde houve um grande alvoroço por causa de um javali que causava grandes prejuízos aos campos dos fazendeiros, matava o gado, e com suas garras rasgava os corpos das pessoas. O rei prometeu uma grande recompensa para aquele que libertasse o reino daquela fera; mas o animal era tão grande e forte que ninguém tinha coragem de se aproximar da floresta onde vivia o temível animal. Finalmente o rei mandou espalhar a notícia dizendo que aquele que conseguisse capturar ou matar o feroz javali receberia como esposa sua única filha.
Ora, aconteceu que, viviam nesse país dois irmãos, filhos de um pobre agricultor, e que se declaravam desejosos de assumir tão perigoso desafio; o mais velho, era astuto e perspicaz, além de orgulhoso; o mais jovem, era ingênuo e inocente, e tinha um bom coração. O rei disse, “Para que vocês tenham maior chance de encontrar a fera, vocês devem entrar na floresta partindo de lados opostos.” Então, o mais velho foi para o lado onde o sol se põe, e o mais jovem foi para o lado onde o sol nasce.
Quando o mais jovem havia percorrido um pedaço do caminho, um homenzinho se aproximou dele. Ele portava em sua mão uma lança de cor preta e disse, “Eu te dou esta lança porque o seu coração é puro e bondoso; com ela você poderá atacar corajosamente o temível javali, e ele não lhe fará nenhum mal.”
Ele agradeceu ao homenzinho, colocou sobre os ombros a lança, e continuou destemidamente.
Não se passou muito tempo e ele avistou a fera, que se atirou contra ele; mas ele apontou a lança em direção ao feroz animal, e cego de tanta fúria o temível animal se atirou tão rapidamente contra ela que o seu coração se partiu em dois. Então, ele colocou a fera em suas costas e voltou para casa com ela para entregá-la ao rei.
Quando ele chegou do outro lado da floresta, deteve-se diante de uma casa onde as pessoas estavam se divertindo, bebendo vinho e dançando. Ali estava também o seu irmão mais velho, o qual, pensando que afinal de contas o javali não poderia fugir dele, decidiu também tomar um trago para criar coragem. Mas quando ele viu o seu irmão mais jovem voltando da floresta carregando a sua presa, o seu coração perverso e invejoso não lhe deu nenhum instante de sossego. Então, ele gritou, “Entre, querido irmão, descanse e te reanimes um pouco com um copo de vinho.”
O jovem, que não desconfiava de nada, entrou e lhe falou a respeito do bom e pequeno homenzinho que havia lhe oferecido a lança com a qual ele matara o javali.
O irmão mais velho lhe fez companhia até o anoitecer, e então, eles foram embora juntos, e como já estava escuro eles chegaram perto de uma ponte que passava por um rio, o irmão mais velho permitiu que o outro passasse primeiro; e quando este já havia atravessado a metade, aquele lhe deu um golpe tão forte por trás que ele caiu morto. Ele o sepultou debaixo da ponte, pegou o javali, e o levou para o rei, mentindo que o havia matado; e com isso ele recebeu a filha do rei em casamento. E como o seu irmão mais jovem não voltou ele dizia, “O javali deve tê-lo matado,” e todos acreditaram nisso.
Mas como nada permanece oculto aos olhos de Deus, então, este ato cruel também havia de ser esclarecido.
Anos mais tarde um pastor de ovelhas que conduzia o seu rebanho pela ponte, encontrou misturado com a areia lá embaixo um osso que era branco como a neve. Ele achou que poderia fazer um bom bocal com ele, então, ele desceu, apanhou o osso, e o transformou num bocal para sua flauta. Mas quando ele soprou a flauta pela primeira vez, para seu grande assombro, o osso começou a cantar sozinho:
“Ah, meu amigo, cujo osso estais soprando!
Há muito tempo ao lado das águas enterrado estou;
Pois o meu irmão me matou por causa do javali,
E o rei, a jovem filha a ele consagrou.”
“Mas que flauta maravilhosa!” disse o pastor de ovelhas; “ela canta sozinha; Devo levá-la para o rei que é meu senhor.” E quando ele levou a flauta para o rei, ela começou novamente a cantar sua pequena canção. O rei então, entendeu tudo, e mandou que o chão debaixo da ponte fosse cavado, e então, o esqueleto inteiro do homem assassinado veio à tona. O irmão perverso não conseguiu negar o fato, e foi amarrado dentro de um saco e afogado. Mas os ossos do homem assassinado foram levados para repousar num túmulo suntuoso dentro do cemitério.
Conto dos Irmãos Grimm
OS MÚSICOS DE BREMEN
Um certo homem tinha um burro, que durante muitos e muitos anos havia carregado infatigavelmente para ele sacos e sacos de milho para o moinho, porém, suas forças estavam se esgotando, e a cada dia que passava ele se sentia cada vez mais fraco para o trabalho. Então o seu amo começou a pensar a melhor forma de poupá-lo do trabalho, mas o burro, tendo percebido que os ventos eram desfavoráveis, fugiu e tomou a estrada com destino à cidade de Bremen.
— Lá, ele pensou, — poderei ser músico na cidade. Quando ele tinha caminhado uma certa distância, ele encontrou um cachorro deitado na estrada, abrindo a boca como alguém que houvesse corrido tanto que estava cansado.
— Porque estás assim tão cansado?, meu grande amigo?, perguntou o burro.
— Ah, respondeu o cachorro, como estou velho, e a cada dia ficando mais fraco, e não consigo caçar mais, meu dono queria me matar, então eu fugi, mas, agora, como é que eu vou fazer para viver?.
— Eu lhe direi como, disse o burro, eu estou indo para Bremen, e vou ser músico desta cidade, venha comigo e seja também um músico como eu. Eu tocarei flauta e você bate o tambor.
O cão concordou, e eles seguiram caminho. Pouco depois, encontraram um gato, sentado ao relento, chorando tanto que parecia ter chovido durante três dias sem parar!
— Que cara é essa, companheiro? Porque você está olhando torto desse jeito? perguntou o burro.
— Quem pode estar feliz quando seu pescoço está em perigo?, respondeu o gato.
Como eu estou ficando velho, e os meus dentes estão gastos que nem cacos, e eu prefiro ficar sentado perto da lareira e ficar girando, ao invés de caçar ratos, a minha dona queria me afogar, então eu fugi. Mas agora conselhos não servem pra nada. Para onde é que eu vou?
— Vamos conosco para Bremen. Você entende de músicas noturnas, então você poderá ser um músico da cidade.
O gato pensou bastante a respeito, e partiu com eles. Pouco depois, os três fugitivos chegaram a uma fazenda, onde um galo estava sentado perto do portão, gritando tudo que podia.
— Você está cantando muito fraco, disse o burro. O que foi que lhe aconteceu?
— Eu sempre cantei durante os bons tempos, porque são os dias em que Nossa Senhora lavava as roupinhas do menino Jesus, e precisava que elas se secassem, disse o galo; mas os convidados chegarão domingo, então a minha dona não tem piedade, e disse ao cozinheiro que ela pretendia me comer na sopa amanhã, e esta noite vão cortar a minha cabeça. Então eu estou cantando com todas as forças do meu pulmão.
— Ah, meu amigo da crina vermelha, disse o burro, seria melhor que você viesse conosco. Estamos indo para Bremen, lá você poderá encontrar algo melhor do que a morte em todos os lugares: você tem uma boa voz, e se compormos músicas juntos ela deverá ter alguma qualidade!
O galo concordou com o plano, e os quatro partiram juntos. Todavia, não conseguiram chegar à cidade de Bremen no mesmo dia, e à noitinha eles chegaram a uma floresta, onde pretendiam passar a noite.
O burro e o cachorro se deitaram debaixo de uma grande árvore, o gato e o galo se acomodaram nos galhos da árvore, mas o galo voou direto para o alto da árvore, onde havia maior segurança. Antes de começar a dormir ele olhou em torno dos quatro lados, e pensou ter visto à distância algumas fagulhas queimando, então ele gritou aos seus companheiros que deveria haver uma casa não muito longe, porque havia uma luz. O burro disse,
— Se isso for verdade, seria melhor que levantássemos e continuássemos, porque o abrigo aqui não é seguro. O cachorro pensou que alguns ossos com alguma comida também lhe fariam bem.
Então, caminharam até o lugar onde estava a luz, e logo perceberam que ela brilhava mais intensamente e ficava mais forte, até que eles chegaram à bem iluminada casa do ladrão. O burro, que era o mais alto, foi até a janela e deu uma espiada.
— O que você está vendo, meu cavalo cinzento?,perguntou o galo.
— O que estou vendo? Respondeu o burro, uma mesa coberta com coisas deliciosas para comer e para beber, e ladrões sentados em torno dela se divertindo. — Isso não seria nada mau para nós, disse o galo.
— Sim, sim, ah, como eu gostaria de estar lá!, disse o burro.
Então os animais ficaram estudando um plano como eles conseguiriam expulsar os ladrões, e finalmente encontraram uma solução. O burro devia colocar suas patas dianteiras sobre o apoio da janela, o cachorro devia saltar sobre as costas do burro, e o gato devia subir no cachorro, e por último o galo devia voar e pousar em cima da cabeça do gato.
Quando fizeram isto, depois que combinaram um sinal, eles começaram a cantar juntos uma música: o burro urrava, o cão latia, o gato miava e o galo cantava, então eles entraram na casa pela janela, quando houve um barulho por causa do vidro quebrado!
Devido ao estampido ensurdecedor, os ladrões pularam, pensando que nenhuma outra coisa além de fantasmas poderia ter vindo ali, e fugiram apavorados para a floresta. Os quatro companheiros sentaram-se então à mesa, bastante felizes com o que haviam deixado, e comeram como se fossem passar fome durante um mês.
Depois que os quatro cantores haviam terminado, eles apagaram as luzes, e cada um procurou um lugar para dormir de acordo com sua natureza e ao que lhe fosse mais adequado. O burro deitou-se em cima de algumas palhas no quintal, o cachorro atrás da porta, o gato ao lado da lareira perto das cinzas quentes, e o galo encontrou um poleiro na viga do telhado, e como estavam cansados de tanto caminhar, logo pegaram no sono.
Quando havia já passado da meia noite, e os ladrões viram de longe que as luzes não estavam mais acesas dentro da casa, e tudo parecia tranquilo, disse o chefe dos ladrões,
— Nós não deveríamos permitir que nos assustássemos dessa maneira, e ordenou que um deles fosse e examinasse a casa.
O mensageiro, encontrando tudo tranquilo, entrou na cozinha para acender uma vela, e acreditando que os olhos brilhantes e ardentes do gato fossem brasas incandescentes, riscou um fósforo para acendê-la. O gato porém, não entendeu a brincadeira e pulou na cara dele, cuspindo e arranhando o ladrão. Ele ficou muito assustado, e correu para a porta dos fundos, e bateu no cachorro, que lá estava deitado, o qual pulou na sua perna e o mordeu, e quando ele atravessou o quintal perto do monte de palhas, o burro lhe deu um coice tão forte com sua pata traseira. O galo, também, que tinha sido acordado por causa do barulho, e tinha ficado esperto, cocorejou do seu poleiro: Có, có, ró, có!
Então o ladrão fugiu de volta o mais rápido que pode ao seu chefe, e disse: — Ah, tem uma bruxa horrorosa lá dentro da casa, que cuspiu em mim, e arranhou o meu rosto com suas garras enormes, e perto da porta havia um homem com uma faca, que me feriu na perna, e no quintal havia um monstro negro, que bateu em mim com um pedaço de pau, e lá em cima no telhado, havia um juiz que gritou: — Tragam-me o safado aqui para mim, então eu fugi o mais rápido que pude.
Depois disto os ladrões não tiveram coragem de entrar na casa novamente, mas ela era tão perfeita para os quatro músicos de Bremen que eles jamais se preocuparam em deixá-la nunca mais. E a boca de quem contou esta história por último ainda não esfriou.
Conto dos Irmãos Grimm
CHAPEUZINHO VERMELHO
Era uma vez uma linda e alegre menina que era amada por todos que a olhassem, mas, principalmente, por sua avó, e não havia nada que ela tivesse que não desse para a criança. Certa vez ela deu um pequeno chapéu de veludo vermelho, o qual ficou tão bem nela, que ela nunca usava nada diferente, e então passou a ser chamada de “Chapeuzinho vermelho”.
Um dia sua mãe disse, “Venha, Chapeuzinho vermelho, aqui tem um pedaço de bolo e uma garrafa de vinho. Leve-os para a sua avó, pois ela está doente e fraca e isto irá fazer bem para ela. Vá antes que fique muito quente, e quando você estiver indo, caminhe suave e gentilmente e não saia do caminho ou você poderá cair e quebrar a garrafa, e então sua avó não receberá nada. E quando entrar no quarto dela, não se esqueça de dizer Bom dia e não fique espionando por todos os cantos antes de fazer o que pedi.”
— Tomarei muito cuidado, disse Chapeuzinho vermelho para sua mãe, e estendeu a sua mão para se despedir.
A avó vivia no meio da floresta, a meia légua de distância da vila, e assim que Chapeuzinho vermelho entrou na floresta, um lobo topou com ela. Chapeuzinho vermelho não sabia que ele era uma criatura malvada, e não tinha nenhum medo dele.
— Bom dia, Chapeuzinho vermelho, disse ele.
— Agradeço gentilmente, lobo.
— Para onde vai tão cedo, Chapeuzinho vermelho?
— Para a casa da minha avó.
— O que você tem no seu avental?
— Bolo e vinho. Ontem foi dia de fornada, então minha avó pobre e doente terá algo bom, para torná-la mais forte.
— Onde vive a sua avó, Chapeuzinho vermelho?
— Um bom quarto de légua além da floresta. A casa dela fica debaixo de três grandes carvalhos e as castanheiras ficam bem abaixo. Você certamente sabe onde é, ela respondeu.
O lobo pensou consigo mesmo,
— Que criatura adorável e gentil! que bocado delicioso e rechonchudo – seria melhor que ela comesse ao invés da velhinha. Preciso agir com astúcia para pegar as duas. Então ele caminhou durante algum tempo ao lado de Chapeuzinho vermelho, e então disse,
— Veja, Chapeuzinho vermelho, como são belas as flores por aqui, porque você não dá uma olhada? Eu acho, também, que você não percebeu como os passarinhos estão cantando tão docemente. Você anda muito preocupada, como se estivesse indo à escola, ao passo que tudo em sua volta na floresta é alegria.
Chapeuzinho vermelho ergueu os olhos, e quando viu os raios de sol dançando ali e acolá entre as árvores e belas flores crescendo por todo o canto, ela pensou, “Acho que devo levar um ramalhete de flores colhidos na hora para minha avó, isto irá agradá-la também. Ainda é tão cedo de dia, que devo chegar lá bem cedo.” E então ela correu do caminho para dentro da floresta para olhar as flores. E sempre que ela pegava uma, imaginava ter visto outra ainda mais linda à frente e, corria atrás dela, e ia mais e mais para dentro da floresta.
Enquanto isso o lobo correu diretamente para a casa da vovó e bateu na porta.
— Quem está aí?
— Chapeuzinho vermelho, respondeu o lobo, Ela está trazendo bolo e vinho. Abra a porta.
— Levante o trinco, gritou a avó lá de dentro, Estou muito fraca e não consigo levantar. O lobo levantou o trinco, a porta se abriu e sem dizer uma só palavra foi direto para a cama da avó e a devorou. Então ele vestiu as roupas dela, colocou o capuz dela, deitou na cama e puxou as cortinas.
Chapeuzinho, entretanto, estava correndo e pegando flores, e quando viu que ela tinha colhido tantas que não conseguia carregar mais, lembrou-se de sua avó e foi direto para a casa dela.
Ela ficou surpresa ao encontrar a porta da cabana ainda aberta, e quando ela entrou no quarto, teve um pressentimento tão estranho, e disse para si mesma, “Oh céus! Como me sinto preocupada hoje e em outras ocasiões eu gostava tanto de ficar com minha avó.” Ela gritou,
—Bom dia, mas não recebeu nenhuma resposta. Então ela se aproximou da cama e puxou as cortinas. Lá estava sua avó com sua touca esticada até o rosto e parecendo muito estranha.
— Oh! Vovó, ela disse, que grandes orelhas você tem!
— Para melhor ouvir você, minha criança, foi a resposta.
— Mas, vovó, que olhos grandes você tem! ela disse.
— Para ver você melhor, minha filhinha.
— Mas, avozinha, que mãos grandes você tem!
— Para melhor abraçar você.
— Oh! Mas, avozinha, que terrível bocarra você tem!
— Para melhor comer você!
E mal o lobo disse isto, com um pulo estava fora da cama e engoliu a Chapeuzinho vermelho.
Quando o lobo tinha saciado a sua fome, deitou-se novamente na cama, adormeceu e começou a roncar muito alto. O caçador estava passando pela casa naquele momento e pensou consigo mesmo, “Como a velhinha está roncando! Devo saber se ela precisa de alguma coisa.” Então ele entrou no quarto, e quando veio até a cama, viu que o lobo estava deitado nela.
—Ei que te encontro aqui, seu pecador de uma figa! disse ele. Há muito que tenho te procurado Então, quando o caçador estava para atirar no lobo, lhe ocorreu que este devia ter devorado a avozinha, e que ela ainda podia ser salva. Então ele não atirou, mas pegou um par de tesouras e começou a cortar a barriga do lobo que estava dormindo. Quando ele tinha feito dois cortes, viu surgir Chapeuzinho vermelho, e quando fez mais dois cortes, a pequena menina saiu, gritando:
—Ah, como estou assustada! Como é escuro dentro do lobo e em seguida a velha avozinha também saiu, porém, mal conseguia respirar. Chapeuzinho, todavia, trouxe rapidamente duas grandes pedras com o qual eles encheram o corpo do lobo. Quando ele acordou, quis fugir correndo, mas as pedras eram tão pesadas que caiu de imediatamente e caiu morto.
Os três ficaram contentes. O caçador tirou a pele do lobo e a levou para casa, a avozinha comeu o bolo e bebeu o vinho que Chapeuzinho havia trazido e sentiu-se melhor, mas Chapeuzinho pensou consigo mesma, “Enquanto eu viver, nunca mais sairei do caminho para correr para dentro da floresta, quando a minha mãe me proibir de fazer isso.”
Dizem também que uma vez quando Chapeuzinho estava novamente levando bolos para sua velha avozinha, outro lobo falou com ela e tentou tirá-la do caminho. Todavia, Chapeuzinho vermelho estava cautelosa e foi diretamente pelo caminho e disse à avó que tinha encontrado o lobo, e que ele disse — bom dia para ela, todavia com uma maldade tão grande em seus olhos que se ela não estivesse em uma rua pública ela tinha certeza que teria sido comida por ele.
— Bem, disse a avozinha, nós vamos fechar a porta para que ele não entre. Pouco tempo depois o lobo bateu na porta e gritou,
— Abra a porta, avozinha, eu sou Chapeuzinho vermelho e estou trazendo alguns bolos. Mas elas não responderam, nem abriram a porta, então o lobo de barba cinzenta deu duas ou três voltas ao redor da casa, e por fim saltou no telhado planejando esperar até que Chapeuzinho fosse para casa a noite para então segui-la e devorá-la na escuridão. Mas a avozinha adivinhou o que o lobo estava pensando. Em frente a casa havia uma grande tina de pedra, então ela disse para a netinha,
—Pegue o balde, Chapeuzinho, eu fiz algumas salsichas ontem, então, leve a água que fervi as salsichas para a tina. Chapeuzinho levou a água até a grande tina ficar bem cheia. Então o lobo sentiu o cheiro das salsichas, e ele farejou e deu uma espiada e esticou tanto o pescoço que não podia mais manter os pés e começou a escorregar, e escorregou direto do telhado para a grande tina e se afogou. Porém Chapeuzinho foi alegremente para casa, e nunca mais fez nada para magoar ninguém.
Conto dos Irmãos Grimm
“As 12 Noites Santas representam a escada de expansão da Consciência Divina em nós…” – Sergei Prokofieff
AS 12 NOITES SANTAS – INTRODUÇÃO
Segundo uma antiga tradição cristã, as Doze Noites Santas é o período que vai da noite de Natal até o dia de Reis.
Através da Luz Espiritual que brilha das estrelas do Zodíaco, as bênçãos divinas se derramam sobre aqueles que oram e vigiam. Os sonhos nestas noites se tornam mensageiros do Espírito!
Quando se acendeu no céu a estrela há muito tempo esperada, os Reis Magos iniciaram a jornada até a Criança que seria o novo Sol do Mundo. Após doze noites, consideradas sagradas a partir de então, eles puderam alcançá-la e ofertar o incenso, a mirra e o ouro, em nome de toda a Humanidade, acompanhados dos votos de que o Espírito Divino pudesse viver no pensar, sentir e querer humanos.
Dos pés à cabeça podemos vivenciar a transformação, de pessoas terrenas e materialistas, em pessoas espiritualizadas, que olham o mundo com uma visão espiritual. Vislumbramos a escada de expansão da consciência, que ajuda a dar nascimento, no último degrau, ao Ser Divino em cada um de nós.
A cada Natal temos a chance de um novo nascimento. E a cada ano, a oportunidade de uma nova vida. Não podemos nos esquecer disso, pois precisamos urgentemente de forças espirituais, não apenas para cada um de nós individualmente, mas para toda a Humanidade.
Na meditação das noites santas, podemos colocar na alma as sementes da Esperança em relação aos doze meses do ano que entra. Meditando dos pés em direção à cabeça, podemos almejar a consolidação das forças do nosso ser e a transformação dessas forças em qualidades verdadeiramente humanas e sagradas.
As 12 badaladas da meia noite do Natal anunciam a vigília, que pode ser um preparo espiritual, como se as Noites Santas fôssem uma prévia dos 12 meses do ano que se inicia.
As inspirações recebidas das hierarquias espirituais nestas doze noites, através da meditação, injetam forças no desenvolvimento espiritual ao longo de todo o ano.
O Evangelho de Mateus nos remete aos mistérios espirituais da Antiguidade, etapa do desenvolvimento da humanidade na época do assentamento na região do Mediterrâneo, quando aqueles que eram iniciados desenvolviam a visão clarividente. Os corpos siderais eram vistos por eles como a manifestação de seres espirituais em atividade constante e contínua transmutação. A esse antigo estado de consciência clarividente está associado o surgimento da Astrologia, sabedoria baseada na analogia do movimento e posição dos astros com o destino humano. Ao fazermos a vigília das Noites Santas podemos retomar a jornada dos Reis Magos através da ligação com esta sabedoria, recebendo irradiações das 12 constelações do Zodíaco.
As hierarquias espirituais podem ser contempladas como esculturas, no portão sul da Catedral de Chartres, a mais importante catedral gótica da Idade Média. Neste portão, chamado de Portão da Transubstanciação, as hierarquias formam uma escada ascendente que representa o ensino espiritual.
O aluno vai de degrau em degrau se conectando a esses seres espirituais, que representam diferentes estados de Consciência. Neste aprendizado, o pensar e o sentir, integrados, se tornam órgãos de compreensão e de participação no mundo espiritual.
Os nomes das hierarquias se originaram de um manuscrito de Dionísio, o Aeropagita, que fundou a primeira escola esotérica cristã da Antiguidade. Dionísio, um iniciado nos antigos centros de mistérios gregos, renomeou os seres divinos, que eram chamados na Antiguidade como seres de Vênus, seres de Mercúrio e outros, a partir de uma revelação do Cristo feita a ele por Paulo de Damasco.
O Manuscrito escreve os nove níveis de seres divinos associados em grupos de três hierarquias que participaram da evolução da Terra e do ser humano.
A primeira hieraquia inclui os Serafins, Querubins e Tronos, que iniciaram a evolução.
Eles atuam a partir do divino, da esfera macrocósmica, que é denominada a esfera do Pai, de Deus, de Alá, do amor divino, do grande mistério, da doação cósmica. Eles são seres de um estado evolutivo anterior ao nosso, tão avançados em sua evolução que foram capazes de fazer fluir de si a sua própria substância, dando nascimento ao atual estado do nosso sistema solar.
A segunda hierarquia é formada pelos Kyriotetes, Dynamis e os Exusiai, ou Elohins. Eles também são chamados de Domínios, Virtudes e Potestades. Enquanto no processo de configuração do nosso Cosmos a primeira hierarquia atuou de fora, a segunda hierarquia, de dentro do processo, acolheu os planos divinos transformando-os em sabedoria, dando-lhes movimento e forma.
E por último a terceira hierarquia – os Arqueus, ou Principados, os Arcanjos e Anjos, próximos do ser humano, porque desenvolveram a sua essência nesta etapa evolutiva em que nós, Anthropos, nos encontramos, e na qual estamos destinados a nos tornar cocriadores da Evolução.
Rudolf Steiner, filosofo alemão que revelou a Antroposofia ao mundo, chamava a atenção para o fato de que o homem autoconsciente deveria reaprender a vivenciar as hierarquias na sua vida interna como realidades.
Ele diz que esses seres espirituais vêm ao nosso encontro quando nos preparamos para conhecê-los, e falarão à nossa alma primeiramente como pensamentos e sentimentos, e só então os perceberemos como realidades!
Sergei Prokofieff, um dos dirigentes mundiais da Antroposofia, descreveu o ensino espiritual de Chartres na tradição da vigília das 12 noites santas.
Ele delineia a escada de expansão da consciência, que ajuda a dar nascimento, no último degrau, ao Ser Divino em cada um de nós.
Prokofieff faz uma analogia entre este caminho de transformação e o processo de desenvolvimento descrito por Rudolf Steiner como o caminho de Jesus a Cristo.
Jesus nasce como a criança arquetípica, destinada a se desenvolver como um Ser Humano, de tal forma que possa acolher em si o Eu do Cosmo, no Batismo do Jordão. Este acontecimento místico derramará sua influência por sobre toda a história da Humanidade, como um grande arquétipo de desenvolvimento espiritual.
Texto: Edna Andrade
Tomar o destino nas próprias mãos é a condição básica para alcançar a liberdade, meta para a qual nos destinamos como seres individualizados.
PRIMEIRA NOITE SANTA – 25 DE DEZEMBRO
Soam as 12 badaladas da meia noite anunciando o Natal. Vem a aurora, atravessamos o dia, cai a noite e uma luz se acende no céu irradiando um brilho que emana da Constelação de Peixes e ilumina a primeira vigília santa.
Estamos no primeiro degrau da escada que está assentada na esfera humana terrena, na dimensão da existência do Anthropos – o ser da liberdade.
A liberdade é uma das duas principais forças espirituais que nos foram destinadas a conquistar ao longo da vida. A outra força é o Amor, força espiritual que conquistamos ao final da escada.
A sabedoria antiga nos conta que foram as forças espirituais de Peixes que configuraram os pés humanos. Quando observamos os pés, verificamos que eles têm a forma de uma abóboda, que vai propiciar a verticalização da coluna e o andar ereto, primeiro grande aprendizado da vida. Quando criança nos arrastamos, engatinhamos e finalmente nos erguemos e nos apoiamos nos próprios pés, superando as forças da gravidade. Isso significa uma grande conquista, e a condição para o desenvolvimento do pensamento. O pensar é o que diferencia o Humano dos outros reinos da natureza.
Ao longo da vida seguidamente fazemos uma analogia íntima com este fato: “Andar nos meus próprios pés, saber por onde ando”, “Seguir os meus próprios passos”, “Não vou andar nos passos de ninguém”, são expressões de uma correta relação com a Terra e com o destino em termos de liberdade pessoal.
Nesta primeira Noite Santa recebemos da constelação de Peixes os impulsos para nos firmarmos nos nossos próprios pés e nos erguermos, que são as condições básicas para alcançar a liberdade individual, a meta para a qual nos destinamos, como seres individualizados.
Na madrugada ou ao amanhecer do dia 25, acenda uma vela. Deixe o silêncio e a devoção penetrarem na alma e a luz frágil da vela iluminar o seu espaço interno, e que na vivência do seu próprio Eu, a verdadeira luz solar do Eu do Cristo se faça presente.
Nesta noite, da região de Peixes, os sábios da Humanidade derramam suas bênçãos de sabedoria sobre você. Eles formam um círculo protetor a sua volta, emanando a força que você precisa para se firmar nos próprios pés e tomar seu destino nas próprias mãos. Abra os braços e as pernas formando com o próprio corpo uma estrela de cinco pontas e diga:
“Com firmeza eu ocupo meu lugar no mundo,
Com certeza eu caminho pela vida,
Com amor no íntimo do meu ser,
Com esperança em tudo que eu faço,
Com confiança no meu pensar,
Forças jorrem do meu coração.”
Texto: Edna Andrade
Devemos enxergar e permanecer fiéis aos nossos ideais, que apontam para onde devemos seguir.
SEGUNDA NOITE SANTA – 26 DE DEZEMBRO
Nasce o Sol, atravessamos o segundo dia, cai a noite e uma nova luz brilha no céu irradiando da Constelação de Aquário o segundo degrau desta escada espiritual. Deste portal emanam para nós as forças espirituais dos Anjos.
Os anjos são representados pela figura de um ser que derrama a água, o símbolo da vida, e assim eles também são chamados de “Filhos da Vida”.
Eles são os seres espirituais imediatamente superiores a nós, mantendo conosco uma relação próxima. Os encontramos logo cedo no nascimento, quando “parecemos anjos”, nosso corpo vital ainda muito latente, cheio de vida.
Na nossa infância eles são chamados de “Anjo da Guarda”. São representados em todas as culturas protegendo uma criança dos perigos, sendo o seu guia e como guia permanecem ao longo de toda a vida.
Quando estamos em dúvida em relação a que caminho seguir, “Perguntamos a nosso anjo da guarda” sobre qual decisão tomar.
Na vida adulta ele se transforma em nosso Guia Espiritual, nosso verdadeiro Self . “Assim deverás ser” nos fala no íntimo, transmutando contínuamente forças vitais em forças de consciência, fazendo surgir nos pensamentos as imagens orientadoras para a nossa vida.
Nesta segunda Noite Santa recebemos através do Portal da Constelação de Aquário os impulsos dos Anjos para que possamos enxergar e permanecer fiéis aos nossos ideais. Os nossos ideais iluminam e protegem o nosso caminho e apontam para onde devemos seguir.
Nesta noite pense no que você quer alcançar neste ano que se inicia e olhe também para o seu estado de saúde. Da região de Aquário, o Anjo que tem sido o seu Guia Espiritual através de suas sucessivas vidas, irá iluminar suas metas individuais para este ano que se inicia. Ele também vai fortalecer a qualidade pessoal para você se tornar o agente da sua própria saúde.
Texto: Edna Andrade
Anseie pelo bem de todos. Fortaleça sua personalidade através da expansão da luz e autonomia de sua inteligência.
TERCEIRA NOITE SANTA – 27 DE DEZEMBRO
Atravessamos mais um dia, cai a noite e uma nova luz brilha no céu irradiando da Constelação de Capricórnio o terceiro degrau nesta escada espiritual. Deste portal emanam para nós as forças espirituais dos Arcanjos. Os Arcanjos são denominados Seres da Luz.
Rudolf Steiner os descreve na Ciência Oculta como aqueles seres que durante a evolução acordaram ao enxergar o seu próprio reflexo no exterior. Quando eles doaram sua própria essência, essa sua essência era a própria Luz que se irradiou para os quatro cantos do universo.
A luz dos Arcanjos é representada hoje em nós pela nossa inteligência, que se irradia para o meio ambiente e se torna consciente de sua própria existência, para nós mesmos e para o mundo.
Os Arcanjos se tornaram, na evolução, guardiões da inteligência cósmica, com a missão de proteger o amor divino contido na Inteligência que criou e transformou tudo em sabedoria para o bem de todos.
Nesta terceira Noite Santa recebemos através do Portal da Constelação de Capricórnio os impulsos dos Arcanjos para o fortalecimento da nossa personalidade através da expansão da luz e autonomia da nossa inteligência.
Nesta noite anseie pelo bem de todos. Elevando a alma às alturas espirituais e unindo –se ao ser do Cristo, a visão do seu lugar no mundo e do que você precisa realizar se tornará mais clara. Da região de Capricórnio, os Arcanjos, espíritos das cosmovisões, trarão coragem para você alcançar suas metas.
Texto: Edna Andrade
Reavalie suas qualidades pessoais e sustente impulsos mais abrangentes que contenham metas espirituais.
QUARTA NOITE SANTA – 28 DE DEZEMBRO
Atravessamos mais um dia, cai a noite e uma nova luz brilha no céu irradiando da Constelação de Sagitário, de onde emanam as forças espirituais dos Arqueus, os Seres da Personalidade, também chamados de Principados. Isto significa que eles não só possuem um Eu como sabem que o possuem e através dessa consciência intensificada eles criam uma imagem de si no exterior. Eles projetam no exterior a força de sua luta interna que é a própria luta do centauro, do ser humano emancipado por um lado na sua inteligência mas por outro lado, em luta constante para superar suas forças animalescas, seus instintos selvagens, suas forças egoísticas.
Os Arqueus são considerados os Espíritos do Tempo porque essa luta é a própria luta do desenvolvimento humano no nosso tempo, abrangendo algo que ultrapassa todas as etnias e se torna uma influência cultural na nossa civilização.
Aqui a tarefa anterior dos Arcanjos, que era proteger a sabedoria cósmica das intenções egoístas é ampliada pelos Arqueus, estando expressa no desafio da nossa civilização moderna na luta entre o materialismo exacerbado e a preservação dos recursos naturais.
No portal sul da Catedral de Chartres, a escultura de Micael preside as 3 hierarquias. Rudolf Steiner constantemente se refere a ele como o Regente desta nossa Época, com a missão de dominar o Dragão, o ser mítico representado pelo nosso intelecto, quando a sabedoria cósmica é apropriada através da compreensão das leis, através da ciência natural e precisa ser colocada no mundo de forma mais ampla para o bem de todos. Tanto no aspecto pessoal de construção da personalidade como neste aspecto temporal, esta luta representa um cair e levantar constantes.
Nesta quarta Noite Santa recebemos através do Portal do Sagitário os impulsos espirituais dos Arqueus, também chamados de Principados, para o fortalecimento da personalidade, de forma que tenhamos forças de estabelecer e sustentar impulsos mais abrangentes na nossa vida que nos orientem para o futuro e que contenham metas espirituais para a nossa existência.
Nesta noite reavalie as suas qualidades pessoais. Da região de Sagitário, os Arqueus, Espíritos da Personalidade, lhe trarão as forças da inteligência que erguem você, que sustentam você, e apontam a direção do futuro. Eles injetam clareza no seu pensar para que você perceba e assuma o compromisso com o que há de melhor em você.
Texto: Edna Andrade
Devemos aceitar nossas fraquezas para receber os impulsos espirituais para sua superação e transformação.
QUINTA NOITE SANTA – 29 DE DEZEMBRO
Nasce de novo o sol, atravessamos um novo dia e cai a noite e uma nova estrela brilha no céu irradiando da Constelação de Escorpião através da qual emanam as forças espirituais dos Exusiai, os Seres da Forma, também chamados de Potestades ou Poderes. Agora atingimos o âmbito da segunda hierarquia.
Eles também foram seres de um estado evolutivo anterior tão avançados em seu processo que podem acolher os planos divinos e torná-los manifestos, de forma que haja uma concordância entre a esfera macrocósmica da consciência do Cosmos e o nosso sistema Solar, que é uma expressão microcósmica onde a nossa existência humana está inserida, onde acontece a nossa biografia, humana.
Os Exusiai estão envolvidos nos processos de criação de um novo ser, na transformação de uma forma em outra, na metamorfose constante da substância.
Na Bíblia eles são chamados de Elohins, e no corpo humano as forças de Escorpião configuraram os genitais a partir dos quais é possível a procriação ou seja, a criação de um novo ser físico.
Estamos no âmbito das forças sexuais, que são as forças que oscilam tanto para o egoísmo mais absoluto, aquilo que pode ser caracterizado como o mal, porque ao oferecer a possibilidade da maior satisfação imediata podem subjugar o humano ao nível do animalesco.
Mas que também trazem uma das maiores possibilidades para a superação do egoísmo e transcendência de forças. Se em Sagitário tínhamos a imagem de um cair e levantar constantes entre o animalesco e o humano, aqui temos a imagem de uma luta, na nossa vida interior, entre a morte e ressurreição.
E esta é uma luta muito individual, onde em liberdade oscilamos entre as sombras que obscurecem o nosso ser, os esconderijos onde vive o Escorpião venenoso, e as forças de expansão do Ser, representadas pela águia que se eleva às alturas e de lá contempla o Todo.
O Escorpião é então o signo das forças duplas, tanto destrutivas, retrógadas, que mudam constantemente de aparência e invadem a nossa alma trazendo caos à nossa vida, como é também portador de forças construtivas que têm a ver com transmutação constante e contínua superação, para que a substância divina, o Espírito, possa em nós ser plasmado de novo e sempre! No Apocalipse, esta característica de forças duplas é apresentada como a espada de dois gumes.
Nesta quinta Noite Santa, recebemos através do portal de Escorpião os impulsos espirituais dos Exusiai, ou Potestades, para aceitar por um lado as nossas fraquezas, e por outro lado receber os impulsos espirituais para a superação e transformação dessas forças.
Nesta noite procure ficar em paz consigo mesmo. Da região de Escorpião, os Exusiai, Espíritos da Forma, trazem a você a capacidade de renascer das crises e de todos os processos de perda, impotência, dor e desespero.
Texto: Edna Andrade
Devemos desenvolver o equilíbrio interior e conseguir conter as forças de dispersão, para que tenhamos uma vida coerente e harmoniosa.
SEXTA NOITE SANTA – 30 DE DEZEMBRO
Temos o nascer do sol, a passagem de mais um dia e o cair da sexta Noite Santa. Uma nova estrela brilha no céu, irradiando da Constelação de Balança o portal através do qual emanam as forças espirituais dos Dynamis, também chamados de Virtudes, os Seres do Movimento! Continuamos no âmbito da segunda hierarquia.
Na evolução, os Dynamis acordaram ao perceber o que estava ocorrendo a sua volta, e atuaram criando um equilíbrio dinâmico, uma correta relação, uma permanente reciprocidade entre as coisas. Estar em desequilíbrio significa estar separado, não estar inserido na unicidade de todas as coisas. Suas forças configuraram a bacia, que é responsável pelo equilíbrio, no manter-se ereto.
No processo terapeutico biográfico, estudamos a expressão da Balança por volta dos 28 anos, que é o marco de mudanças entre as forças do passado que nos carregaram até aí e as forças do futuro que trazem a possibilidade de uma nova expressão da nossa individualidade através da nossa capacidade de transformar a herança da educação herdada.
Os Dynamis nos oferecem a possibilidade de colocar as influências do passado e as possibilidades do futuro, o dentro e o fora, os processos de fusão e de separação, em uma correta relação de reciprocidade, em um equilíbrio dinâmico.
Na sexta Noite Santa, através do portal da Balança, recebemos dos Dynamis, ou Virtudes, os impulsos espirituais para desenvolver o equilíbrio interior e conseguir conter as forças de dispersão, para que tenhamos uma vida coerente e harmoniosa.
Nesta noite reconheça quais os pontos de equilíbrio de sua vida. Da região de Libra, os Dynamis, Espíritos do Movimento, trazem a você a capacidade para equilibrar na alma as forças de dispersão e ter uma vida coerente e harmoniosa.
Texto: Edna Andrade
A Virgem é a imagem terrestre da Alma Cósmica – Sofia, corresponde ao aspecto de nossa alma que permanece intocada pelas necessidades terrestres e que pode acolher e gerar o Espírito individualizado.
SÉTIMA NOITE SANTA – 31 DE DEZEMBRO
De novo temos o nascer do sol que anuncia o novo dia, e no final deste o cair da noite. Uma nova estrela brilha no céu emanando luz da Constelação da Virgem o portal do qual emanam as forças dos Kyriotetes, os Seres da Sabedoria, também chamados Domínios.
Na evolução, eles acordaram ao perceber a existência de outros Seres, para os quais criaram então o espaço do acolhimento. Estamos ainda no âmbito da segunda hierarquia, os Seres que acolhem e realizam os planos divinos.
As forças do Signo da Virgem configuraram o ventre, que é um aspecto físico do feminino que pode receber e gerar outro ser. A alma, a nossa vida interna também tem esta qualidade do feminino, de levar para dentro, de acolher no íntimo e de guardar a nossa essência, o nosso Eu.
A Virgem é a imagem terrestre da Alma cósmica, a Sofia, e ela é considerada virgem porque corresponde a um aspecto de nossa alma que permanece intocada pelas necessidades terrestres, e pode então acolher e gerar o Espírito individualizado em nós. Isto significa um estado de entrega e doação constantes, de cortesia e polidez.
Na sétima Noite Santa através do portal da Virgem recebemos os impulsos espirituais dos Kyriotetes, que são capacidades de criar o espaço para algo novo Ser gestado no íntimo, e de encontrar forças a partir do seu próprio interior, para fazer desabrochar a sua vida.
Nesta noite concentre-se, como faz a semente, na essência do que você quer realizar. Da região da Virgem, os Kyriotetes, Espíritos de Sabedoria, trazem a você a capacidade de encontrar forças a partir do seu próprio interior, para fazer desabrochar a sua vida.
Texto: Edna Andrade
Tenha a coragem e a prontidão de realizar no exterior o que é determinado a partir de dentro: da voz do coração.
OITAVA NOITE SANTA – 1 DE JANEIRO
Nasce um novo Sol, atravessamos mais um dia e vem o cair da noite. Uma nova estrela brilha no céu, emanando luz da Constelação de Leão, portal do qual emanam as forças dos Tronos, os Seres da Vontade.
Alcançamos a primeira hierarquia, de seres espirituais muito evoluídos que manifestam as intenções divinas atuando da esfera macrocósmica para dentro do nosso sistema solar.
Na evolução, os Tronos eram seres tão completamente conscientes de si que seu querer era sua própria substância, e este querer é tão exaltado que estes seres produziam calor e doaram sua própria substância.
As forças de Leão configuraram o coração humano e os dirigentes da Antiguidade e os reis da Idade Média associavam sua realeza com este signo, que era relacionado com a coragem e a prontidão de realizar no exterior o que é determinado a partir de dentro: da voz do coração.
Na oitava Noite Santa, a partir do portal do Leão, recebemos os impulsos de entusiasmo e coragem para enfrentar as provas que o destino nos traz.
Nesta noite, abandone o medo dos desafios que você tem pela frente. Da região de Leão, os Tronos, Espíritos da Vontade, trazem a você poderosas forças para vencer as provas que as suas escolhas lhe trazem.
Texto: Edna Andrade
Criemos o espaço de aconchego na alma para que os momentos de transição ocorram de forma harmoniosa.
NONA NOITE SANTA – 2 DE JANEIRO
De novo sai o Sol, atravessamos um novo dia e vem o cair da noite.
Uma estrela brilha no céu, emanando o seu brilho da Constelação de Câncer, o portal do qual emanam as forças espirituais dos Querubins, os Seres da Harmonia.
Foi a ação dos Querubins no início da evolução que criou o cinturão protetor de estrelas em volta do nosso sistema separando-o da totalidade macrocósmica.
Esta ação está expressa na própria configuração do tórax: as forças de Câncer configuram os doze pares de costelas, o invólucro protetor físico do coração, o órgão da vida.
Os Querubins trazem o impulso para que as transições de um ciclo para outro ocorram de forma harmoniosa. Eles atuam na forma da espiral cujas forças vêm do ciclo anterior, criam um invólucro e se direcionam para o próximo ciclo – em uma seqüência repetitiva, harmoniosa. Podemos observar essas espirais cósmicas também em ciclos menores da natureza . São os Querubins que cuidam, por exemplo, que a semente do outono renasça como uma nova planta na primavera…
Essas transições no nosso desenvolvimento às vezes se apresentam de forma dramática, como crises .
Na nona Noite Santa, através do portal de Câncer, recebemos os impulsos espirituais dos Querubins, que nos trazem força para nos harmonizarmos com o novo e cria aconchego para que os momentos de transição ocorram de forma harmoniosa.
Nesta noite, deixe de lado a apreensão pelo que está em transição na sua vida. Da região de Câncer , os Querubins, Espíritos da Harmonia, trazem a você a força da harmonia com o novo e aconchego para os momentos de transição.
Texto: Edna Andrade
Abra seu coração, reconheça o amor em si e nos outros. Ele não está assentado em laços físicos, mas espirituais.
DÉCIMA NOITE SANTA – 3 DE JANEIRO
De novo sai o sol, atravessamos um novo dia e vem o cair da noite. Uma estrela brilha no céu, emanando seu brilho da Constelação de Gêmeos, o portal através do qual emanam as forças espirituais dos Serafins, os Seres do Amor. Amor que não está mais assentado nos laços físicos, nos laços da paixão, mas em laços espirituais. O amor fraterno.
O mito grego de Kastor e de Polydeukes, irmãos que eram filhos da mesma mãe com pais diferentes, sendo que Castor era mortal e Polydeukes imortal. Ocorreu que Castor morre e o seu irmão vai até Zeus e pede que a sua imortalidade seja retirada e concedida a Castor; Zeus comovido, torna ambos imortais e os coloca no céu na forma de uma constelação, a constelação de Gêmeos!
Ele os eleva à condição macrocósmica, e o que os torna imortais não são os laços de sangue, mas o abrir mão de si mesmo, que é a forma ainda mais elevada de Amor!
No Evangelho temos a expressão dessa forma de amor: “onde dois estiverem reunidos em meu nome eu estarei no meio deles” – abre-se mão do próprio Eu, e ganha-se um outro Eu que é eterno.
A fraternidade é o mais poderoso impulso para a vida social, porque ela pode quebrar as barreiras de status, etnia e crenças.
Na décima Noite Santa, através do portal de Gêmeos, os impulsos espirituais dos Serafins ajudam a vencer a barreira do individualismo e da solidão.
Nesta noite abra o seu coração, reconheça o bem em si e nos outros. Da região de Gêmeos, os Serafins, Espíritos do Amor, trazem a você impulsos para vencer a barreira do individualismo e da solidão e encontrar sentido na união e na fraternidade…
Texto: Edna Andrade
Da força que leva ao progresso emana a plenitude do amor divino inspirada como persistência em relação ao que se pretende alcançar.
DÉCIMA PRIMEIRA NOITE SANTA – 4 DE JANEIRO
De novo vem o Sol e um novo dia e ao cair da noite uma estrela brilha no céu emanando seu brilho da Constelação de Touro portal por onde adentra à esfera do Zodíaco vindo das regiões macrocósmicas o sopro do espírito.
Se lembrarmos dos Reis Magos estava próximo o lugar onde se encontrava a criança e iluminando a noite o brilho da estrela que os precedia ampliava enormemente a dimensão do deserto. A alma se elevou tocando outra dimensão que não é terrena e o Espírito Santo adentra a dimensão humana manifestada no Batismo de João sob a forma de uma pomba.
É uma noite de grande expansão da alma, os horizontes se ampliam e a nossa alma pode se elevar a um estado anímico cósmico alcançando a dimensão da alma do Cosmos, da Sofia divina e sentir a presença do espírito . No Antigo Egito isto era representado nas esculturas que portavam os chifres do Touro com o espaço entre eles preenchido por um disco solar coroando a cabeça do faraó considerado o descendente direto de Deus.
Foram as forças do Touro que configuraram a laringe, o órgão da fala que segundo o Steiner está em transformação e que nos estágios evolutivos futuros do ser humano a palavra terá de novo a força plasmadora referida nas Gênesis de todas as religiões. No princípio era o verbo e o verbo estava em Deus.
A palavra será como uma lança sagrada de expressão do amor divino.
Na décima Noite Santa através do portal do Touro o Espírito Santo emana a plenitude do amor divino inspirada como persistência em relação ao que se pretende alcançar.
Texto: Edna Andrade
Da Região de Áries, o Cristo, como uma luz brilhando no interior, como um Sol interno na alma livre e plenamente consciente, traz a você liberdade de ser você mesmo.
“Um novo Sol e um novo dia, e a última noite desta Ascenção através das hierarquias espirituais. Alcançamos o último degrau desta escada, que nos transporta para as fronteiras do universo. A voz de Deus é a voz da consciência humana que eleva o Eu de uma condição terrena, inferior, a uma condição cósmica, superior, trazendo para o ser humano a possibilidade de se tornar o Ser da Liberdade e do Amor – o ápice da hierarquia espiritual. Da Região de Áries, o Cristo, como uma luz brilhando no interior, como um Sol interno na alma livre e plenamente consciente, traz a você liberdade de ser você mesmo.”
DÉCIMA SEGUNDA NOITE SANTA – 5 de janeiro
Um novo Sol e um novo dia, e a última noite desta Ascenção através das hierarquias espirituais. Alcançamos o último degrau desta escada, que nos transporta para as fronteiras do universo.
Este é o portal por onde o filho de Deus, o Eu cósmico, adentrou da esfera macrocósmica, da esfera de Brahman, Javé, de Alá, da esfera do divino, para a nossa existência. Através deste portal ressoa no nosso Cosmos, vindo das regiões macrocósmicas além do Zodíaco, a voz do Pai:
“Este é o meu filho muito amado, hoje eu o engendrei.”
Como um eco longínquo, é feito o Reconhecimento, a síntese de todo o caminho, unindo o Natal ao Batismo.
O Natal como o nascimento da criança natural e o Batismo como o posterior nascimento da criança divina, o Cristo, como uma luz brilhando no interior, como um Sol interno na alma livre e plenamente consciente.
A voz de Deus é a voz da consciência humana que eleva o Eu de uma condição terrena, inferior, a uma condição cósmica, superior, trazendo para o ser humano a possibilidade de se tornar o Ser da Liberdade e do Amor – o ápice da hierarquia espiritual.
Nesta noite, pense em uma Graça que você quer alcançar.
Da Região de Áries, o Cristo, o próprio Filho de Deus, traz a você liberdade de ser você mesmo!
Texto: Edna Andrade
Houveram indivíduos que alcançaram o auge do aprendizado, como os três Magos do Oriente, nos quais a antiga faculdade de olhar para o como e porque dos acontecimentos cósmicos foi preservada: revelação através do conhecimento científico cheio de coração. O que aconteceu com a sabedoria possuída pelos Magos?
DIA DE REIS – EPIFANIA: OS MAGOS, OS PASTORES E OS IMBECIS MORAIS
Epifania vem de uma palavra grega que significa “manifestação” ou “visão de Deus” e na tradição cristã refere-se à visita ao menino Jesus recém-nascido no estábulo de Belém pelos Três Reis Magos; ou em outras palavras, a revelação de Deus Filho como ser humano aos Três Reis ou Magos. A Epifania às vezes é chamada de Festival dos Três Reis por esse motivo, e Rudolf Steiner tinha algumas coisas interessantes a dizer sobre isso. Ele disse que em nosso tempo presente menos importância é atribuída à Epifania do que ao próprio festival de Natal, mas no futuro, a Epifania assumirá um significado cada vez maior à medida que começarmos a entender seu simbolismo.
As peças de Natal do Oberufer contam-nos duas proclamações do nascimento de Jesus: a peça dos pastores mostra-nos que uma proclamação é feita aos pastores nos campos, enquanto a peça dos Reis Magos nos mostra a proclamação feita aos três Reis Magos do Oriente, que seguem uma estrela que os conduz ao menino Jesus. Esta é a Natividade, conforme relatado no Evangelho Segundo São Mateus.
Portanto, as peças estão nos mostrando duas maneiras pelas quais o conhecimento superior chegou a indivíduos excepcionais em épocas anteriores. Indivíduos como os simples pastores do campo que, com sua grande pureza e bondade de coração, ainda possuíam certo poder de clarividência que os dominava como um sonho.
E a Peça dos Três Reis nos mostra que houve indivíduos que alcançaram o auge do aprendizado, como os três Magos do Oriente, nos quais a antiga faculdade de olhar para o como e porque dos acontecimentos cósmicos foi preservada.
As peças, portanto, apontam o caminho para duas formas de conhecimento definidas, mas bastante distintas:
Aos Pastores – revelação através dos últimos ecos da velha clarividência instintiva
Para os Magos – revelação através do conhecimento científico cheio de coração
Já que estamos contemplando o Festival da Epifania dos Três Reis, vamos dar uma olhada mais de perto no conhecimento que os três Reis Magos possuem. Está claramente indicado na Peça dos Três Reis que esses Magos (outra palavra para mestres espirituais ou iniciados), foram capazes de ler os segredos dos movimentos das estrelas. Este antigo conhecimento dos segredos das estrelas também continha os segredos dos acontecimentos no mundo dos seres humanos.
Steiner fez a pergunta: “O que aconteceu com a sabedoria possuída pelos Magos?” E sua resposta foi que se tornou a astronomia matemática de hoje. Ao contrário dos astrônomos de hoje, os Magos foram capazes de olhar para o mundo das estrelas, não apenas com seus olhos, mas também com sua visão interior e seu conhecimento esotérico e, assim, eles foram capazes de ver os segredos do universo e da humanidade. De uma forma que dificilmente podemos entender hoje, os Magos também podiam perceber as estrelas falando com eles. No entanto, em nossa era da alma da consciência, a matemática de hoje se tornou pura abstração, diz Steiner, mas ele também diz que as mesmas forças que são desdobradas no pensamento matemático podem novamente ser preenchidas com vida, enriquecidas e intensificadas na percepção imaginativa. Então, de nossas próprias forças internas, podemos mais uma vez contemplar os céus por meio da percepção interna, da visão interna, como os Magos discerniram os segredos do menino Jesus.
Talvez tenham sido pensamentos como esses que levaram Steiner a dar o seguinte verso meditativo no Natal de 1923:
As estrelas uma vez falaram com o homem.
É destino do mundo que elas estejam em silêncio agora.
Estar ciente desse silêncio
Pode se tornar dor para o Homem Terrestre.
Mas no silêncio cada vez mais profundo
Lá cresce e amadurece
O que o homem fala às estrelas.
Estar ciente dessa fala
Pode se tornar força para o Homem Espiritual.
Em nossa era atual da alma da consciência, o verso parece sugerir, a necessidade reconhecer que o mundo espiritual se retirou de nós para avançar o próximo passo de nossa própria jornada evolutiva. Não estamos sozinhos, entretanto; a ajuda está ao nosso redor. Devemos encontrar coragem e imaginação para falar às estrelas e restabelecer nossos vínculos com o mundo espiritual; mas desta vez em plena consciência.
Voltando-se para os próprios Magos, um deles é retratado como um mouro, um africano; o segundo como branco, europeu; e o terceiro como um asiático da Índia. E sobre isso Steiner diz algo que acho muito comovente (e que desmente aqueles que o acusam de racismo):
“O que nunca deve ser esquecido é que as proclamações aos Pastores e aos Reis continham uma mensagem para toda a humanidade – pois a terra é comum a todos. Na medida em que a revelação aos pastores veio da terra, foi uma revelação que não pode ser diferenciada de acordo com a nacionalidade. E na medida em que os Magos receberam a proclamação do sol e dos céus, esta também foi uma revelação destinada a toda a humanidade. Pois quando o sol brilha no território de um povo, ele brilha no território de outro. Os céus são comuns a todos; a terra é comum a todos. O impulso do “universal humano” é, na verdade, estimulado pelo Cristianismo. Esse é o aspecto do Natal revelado pela dupla proclamação ”.
Mas há outro rei na peça dos Reis – Rei Herodes. Ao contrário dos três Reis Magos, que trabalham por amor, ou mais precisamente, que aplicam a inteligência de seus corações ao conhecimento das estrelas, Herodes trabalha a partir do oposto do amor.
Qual é o oposto de amor? Não ódio. Não, o verdadeiro oposto do amor é o medo. Herodes está com medo. Ele tem medo de perder seu trono para este rei recém-nascido, que ele supõe que será um governante temporal, em vez de espiritual. E por medo de Herodes e sua ignorância das leis espirituais, ele está disposto a cometer a atrocidade mais terrível imaginável: o massacre em massa de todos os meninos em seu reino com menos de dois anos de idade.
Na verdade, quase se sente pena de Herodes, que em seu medo e ignorância está preparando um carma verdadeiramente terrível para suas vidas futuras. Na peça, Maria aparece a Herodes em uma visão e tenta alertá-lo sobre o que ele está fazendo a si mesmo:
“Grande Rei, para misericórdia corrigir sua mente
Para que a dor não venha repentinamente atrás;
Se tanto sangue inocente você derramou
O que o clama, Rei, na sua própria cabeça?”
Mas Herodes não está propenso a ser dissuadido de seu terrível crime e ordena a seus servos que matem todas as crianças, “para fazer jorrar o sangue das crianças”.
E, neste ponto, não posso deixar de me perguntar o que mudou nos últimos 2.000 anos? Ainda hoje temos governantes que estão agindo por medo e ignorância, ao invés de uma sabedoria plena de coração.
Por que isso, eu me pergunto? Por que é que tantos políticos e líderes hoje ainda carecem “da luz que aquece os corações dos simples pastores, a luz que ilumina as cabeças sábias dos reis?” Por que tantos deles, para usar um termo do século 19 que merece ser revivido, são tão imbecis morais?
Quaisquer que sejam as respostas a essas perguntas, cada um de nós pode ajudar a melhorar as coisas. Nenhum de nós é impotente – nossos pensamentos, nosso exemplo, nossas interações diárias com outras pessoas podem ajudar a criar um futuro melhor, mesmo que o número de pessoas que trabalham conscientemente para o bem pareça uma impossível dose homeopática diluída na grande massa da humanidade .
Jeremy Smith
Tradução livre: Leonardo Maia
OS NOVOS INICIADOS
Qual o propósito desse impulso e sua diferença para outros?
Superar a intolerância e divergências e caminhar juntos em direção a um propósito maior comum: a dignificação de todos os seres humanos, o respeito ao caminho individual, pela justiça social, pela diversidade, contra todo tipo de violência e, um aspecto essencial, o do despertar da consciência e auto-responsabilidade.
Precisamos dos “Novos Iniciados”, aqueles que serão capazes de nos ajudar transcender a luta na qual nos mergulhamos. Não para a vitória de um lado, mas para a harmonia consciente e firmemente alicerçada nos valores de respeito, humanismo, amor e liberdade por decisão da alma individual – o qual é o único caminho possível para o desenvolvimento da consciência humana como Humanidade, o caminho em direção à Fraternidade Universal.
Pessoas que não vão se render, mas sim se elevar acima do embate pessoal com clareza no pensar, cordialidade no sentir e prudência no querer, porém firmes na decisão e no impulso e com a coragem inspiradora de Micael.
Pois o verdadeiro dragão não se oculta apenas no outro, mas no embate e na nossa própria inconsciência. E ao tomar tal decisão em nossos corações, não iremos abandonar nenhum de nossos irmãos, nem mesmo os que estão mergulhados na escuridão, nas correntes de mentiras que alimentam sentimentos de ódio e indiferença para com o próximo, que perderam suas forças do coração, mas sim, ajudá-los em suas próprias redenções.
Porém, nossa mágoa tem se mostrado superior a nossas capacidades de perdão e amor e, na menor das discordâncias, é liberada toda uma torrente de sentimentos áridos que se mostravam represados em nossas almas. E meus julgamentos e condenações são incontestáveis e vorazes, mostrando quão frágil e sutil, até mesmo irreal, é nossa capacidade de amor altruísta e fraterno.
Identificação e parcialidade se tornaram necessidade de nossas autoafirmações e nessa fragilidades, onde forças adversas atuam para alimentar um embate constante contra tudo e contra todos que fogem do meu delimitado espectro ideológico, onde meu ego, por identificação se aprisionou.
Quando embate e intolerância se manifestam naquilo que não satisfaz a certeza do meu ego, então a desarmonia se faz presente até mesmo entre aqueles que tem uma busca autêntica em prol da dignificação de todos os seres humanos.
Precisamos da superação da intransigância e da intolerância que remove a minha capacidade de perceber a moralidade e mesmo a força do coração daqueles que fogem das minhas concepções e certezas.
Deixo aqui um verso para inspirar aqueles que se identificarem:
“Existe uma Ordem de Cavaleiros do século 21
cujos membros não cavalgam pela escuridão
das florestas físicas, como antigamente,
mas pela floresta das mentes obscuras.
Eles estão armados com uma armadura espiritual
e um sol interior os torna radiantes.
Deles brilha a cura, a cura que flui do
conhecimento do ser humano como ser espiritual.
Eles devem criar ordem interna,
justiça interna, paz e convicção nas trevas de nosso tempo.”
– Karl König –
Texto de Leonardo Maia
Aqui pontua-se uma questão importantíssima da atual Época: a indiferença com o sofrimento alheio ou a nossa “desumanização”.
FALTA DE AMOR COMO NEGAÇÃO DO ESPÍRITO
“Para os seres humanos, o amor é o mais importante fruto da experiência no mundo dos sentidos. Uma vez que realmente entendamos a natureza do amor, ou compaixão, descobriremos que o amor é o impulso espiritual que expressa sua verdade no mundo dos sentidos ….. Podemos até mesmo acreditar que, no amor, o mundo espiritual desperta no mundo fisico. Quanto mais verdadeiramente uma alma habita os mundos espirituais, mais ela experimenta a falta de amor e a falta de compaixão como uma negação do próprio espírito.” – Rudolf Steiner
Este é um dos principais perigos ao qual estamos expostos na “4ª Encarnação Planetária”, que, no silenciar das estrelas, no silenciar do Espírito, ao mergulharmos na escuridão da matéria, não sejamos capazes de nossa reconexão autoconsciente com o Mundo Espiritual e que não consigamos perceber o Amor impessoal – aquele que se eleva acima do espectro de interesse e identificação do ego.
O Amor Espiritual abarca toda a Humanidade, sacramenta toda a “Manifestação” e reconhece a essência divina em cada um. O nascimento da “empatia superior” na Alma humana, onde coloco meu ser à serviço da humanidade que será uma das características da Humanidade Superior da 5ª Encarnação Planetária (Júpiter). Hoje, percebemos uma indiferença ao próximo, ódio e desarmonia crescentes – estes que não despertarem, farão parte da “Humanidade inferior”.
“Ser social é fazer da aflição de nossos amigos seres humanos o motivo para nossas ações. No futuro ninguém desfrutará em paz a felicidade se os outros em seu redor estão infelizes. Os indivíduos pioneiros da Sexta Época Cultural experimentarão a aflição dos outros como suas próprias aflições.” – Rudolf Steiner
por Leonardo Maia
OS SETE CORVOS
Era uma vez um homem que tinha sete filhos, mas o coitado não tinha nenhuma filha, por mais que houvesse desejado ter uma. Finalmente a sua esposa lhe deu a esperança de ter um outro filho, e quando essa criança veio ao mundo eles viram que era uma menina. A alegria foi muito grande, mas a criança era pequena e doentia, e teve de ser batizada imediatamente por conta da doença. O pai então, mandou um dos garotos para que fosse rapidamente até a fonte para trazer um pouco de água para o batismo. Os outros seis foram com ele, e como cada um deles queria ser o primeiro para pegar a água, o jarro caiu dentro do poço.
E lá ficaram eles desesperados e não sabiam o que fazer, e nenhum deles se atrevia a voltar para casa. Como eles estavam demorando para voltar, o pai começou a ficar impaciente, e disse, “Os garotos certamente se esqueceram porque ficaram brincando, aqueles garotos malvados!” E ele receava que a garota fosse morrer sem ser batizada, e louco de raiva ele gritou, “Tomara que todos eles se transformem em corvos.” Mal tinha ele pronunciado estas palavras e eis que ele ouviu o adejar de asas em cima de sua cabeça, olhou para o alto e viu sete corvos pretos como carvões voando para longe.
Os pais não conseguiram se lembrar da maldição, e por mais que sentissem a falta de seus sete filhos, eles ainda de alguma forma se consolavam com a pequena filha, que logo ficou forte e a cada dia ficava mais linda. Durante muito tempo ela não ficou sabendo que tinha irmãos, pois os seus pais tinham o cuidado de não mencioná-los diante dela, mas um dia acidentalmentee ela ouviu que algumas pessoas falavam dela, “que a garota era realmente bonita, mas que na verdade ela era a culpada pelo infortúnio que havia acontecido com seus sete irmãos.”
Então, ela ficou muito preocupada, e procurou o seu pai e a sua mãe e perguntou se era verdade que ela tinha irmãos, e o que havia acontecido com eles? Os pais então, não conseguiram guardar o segredo por mais tempo, mas disseram que o que havia acontecido aos seus irmãos tinha sido a vontade dos Céus, e que o nascimento dela tinha sido um acontecimento do qual ela não tinha que se sentir culpada.
Mas a garota todos os dias ficava muito triste, e achava que ela deveria libertar os seus irmãozinhos. Ela não conseguia descansar nem ter paz até que um dia ela partiu sem que ninguém soubesse, e percorreu todos os lugares que ela conhecia para saber onde os seus irmãos estavam para libertá-los sem se importar com o que isso iria lhe custar. Ela não levou nada consigo, apenas um pequeno anel, que pertencia a seus pais como lembrança, um pedaço de pão, caso viesse a sentir fome, uma pequena ânfora com água, em caso de sentir sede, e uma cadeirinha para descansar para quando se sentisse cansada.
E então, ela continuava andando sem parar, para longe, para bem longe do fim do mundo. Até que um dia ela chegou perto do Sol, mas lá estava tudo tão quente e insuportável, e o Sol devorava as criancinhas. Rapidamente ela fugiu para longe, até que chegou até a lua, mas lá estava frio demais, e era um lugar horrível e desagradável, e quando a Lua viu a menina, ela disse, “Estou sentindo o cheiro de carne de seres humanos.” Ao ouvir isto ela fugiu apavorada, até que chegou às estrelas, e as estrelas foram boas e muito gentis com ela, e cada uma delas ocupava um assento em particular. Mas a estrela da manhã se levantou, e lhe ofereceu uma coxa de frango, e disse, “Se você não pegar esta coxa de frango você não conseguirá abrir a Montanha de Vidro, e na Montanha de Vidro você encontrará os teus irmãos.”
A garota pegou a coxa de frango, embrulhou-a cuidadosamente dentro de um pano, e continuou andando novamente até que ela chegou à Montanha de Vidro. A porta estava fechada, e ela pensou em retirar a coxa de frango que estava dentro do pano; mas quando ela desfez o pacote, não havia nada dentro dele, e ela havia perdido o presente que a estrela lhe havia dado. O que ela poderia fazer agora? Ela precisa salvar os seus irmãos, e não tinha mais a chave da Montanha de Vidro. Então, a boa menina pegou um faca, cortou um pedacinho do seu dedinho, e o enfiou dentro da porta, conseguindo abrí-la, finalmente.
E quando ela entrou dentro da Montanha de Vidro, um anãozinho veio ao encontro dela, e disse, “Minha filhinha, o que você está procurando?” “Eu estou procurando os meus irmãos, os sete corvos,” respondeu ela. O anãozinho então falou, “Os senhores corvos não estão em casa agora, mas se você quiser ficar esperando até que eles voltem, pode entrar.” Depois disso, o anãozinho trouxe o jantar dos sete corvos, em sete pequenos pratinhos, junto com sete pequenos copinhos, e a garotinha comeu um pouquinho de cada prato, e de cada copinho ela tomou um gole, mas no último copo ela deixou cair o anel que havia trazido com ela.
De repente ela escutou o bater de asas e barulho de agitação no ar, foi então, que o anãozinho falou, “Os senhores corvos estão voltando para casa agora.” Então, eles chegaram, e queriam comer e beber, e olharam para seus pratos e copos.
Então, disse um depois do outro, “Quem comeu um pouquinho do meu prato? E quem bebeu um golinho do meu copo? Parece ter sido a boca de um humano.” E quando o sétimo corvo havido bebido todo o conteúdo do seu copo, o anel escorregou para dentro de sua boca. Então, ele olhou para o anel, e descobriu que esse era o anel que pertencia a seus pais, e disse, “Queira Deus que a nossa irmã esteja aqui, porque elas nos libertará.” E quando a garota, que estava atrás da porta observando tudo, ouviu o que o seu irmão tinha falado, ela saiu de onde estava, e imediatamente todos os corvos retomaram a sua forma humana novamente. E eles se abraçaram e se beijaram uns aos outros, e cheios de alegria voltaram para casa.
Conto dos Irmãos Grimm
A SENHORA HOLLE (DONA FLOCOS DE NEVE) / DONA OLA
Era vez uma viúva que tinha duas filhas — uma delas era bonita e trabalhadora, ao passo que a outra era feia e preguiçosa. Mas a mãe gostava mais da filha que era feia e preguiçosa, porque ela era sua filha própria; e a outra, que era filha do marido dela, era obrigada a fazer todo o trabalho doméstico, e como tal, era a Gata Borralheira da casa. Todos os dias a pobre garota tinha de sentar-se perto de um poço, que ficava à beira do caminho, e fiava e fiava até que seus dedos sangrassem.
E então aconteceu que um dia a bobina ficou manchada com o sangue dela, então ela mergulhou a bobina no poço, para remover as marcas de sangue; mas a bobina escorregou das suas mãos e caiu no fundo do poço. Ela começou a chorar, e correu até a sua madrasta e contou a ela o seu infortúnio. Esta porém, repreendeu-a com severidade, e foi tão impiedosa a ponto de dizer, “Como foi você que deixou a bobina cair dentro do poço, você deve pegá-la de volta.”
Então a garota voltou até o poço, e não sabia como fazer isso; e como o seu coração estava aflito, ela pulou dentro do poço para pegar a bobina. Ela perdeu os sentidos; e quando acordou e voltou a si novamente, percebeu que estava num lindo campo onde o sol brilhava e milhares de flores estavam desabrochando. Ela começou a vagar pelo campo, e finalmente avistou um forno de padaria repleto de pães, e o pão gritava para ela, “Oh, me tire daqui! me tire daqui! ou eu vou me queimar; já estou assado há muito tempo!” Então ela se aproximou dele, e tirou todos os pães, um após o outro, com uma pá de pegar pães.
Depois disso, ela continuou andando até que encontrou uma árvore repleta de maçãs, que gritaram para ela, “Oh, chacoalhe o galho! chacoalhe o galho! porque nós estamos todas maduras!” Então, ela chacoalhou a árvore, até que caiu uma chuva de maçãs, e ela continuou chacoalhando até que todas tivessem caído, e quando ela tinha apanhado um montão delas, ela seguiu seu caminho.
Finalmente ela chegou numa casa pequenina, onde uma velhinha estava espiando; mas ela tinha dentes tão grandes que a garota ficou assustada, e teve vontade de fugir.
Mas a velhinha gritou para ela, “Do que você tem medo, minha menininha? Fique aqui comigo; se você fizer todo o trabalho de casa direitinho, você mostrará que é uma boa menina. Somente você deve tomar muito cuidado para arrumar bem a minha cama, e você deve sacudir bem forte até que as penas voem — e então é como quando a neve cai sobre a terra. Eu sou a Dona Ola.”[1]
Como a velhinha falava de um modo tão gentil com ela, a garota tomou coragem e concordou em fazer o serviço. Ela fez todo o serviço para satisfação da velhinha, e sempre sacudia a cama dela com tanta força que as penas voavam por todo lado e caíam como flocos de neve. Então ela tinha uma vida agradável ao lado da velhinha; que nunca se zangava; e comia comida boa todos os dias.
Durante algum tempo ela ficou em companhia de Dona Ola, e depois ela começou a ficar triste. A princípio, ela não sabia qual era o problema que a aborrecia, mas aos poucos ela foi descobrindo que era saudade da sua casa: embora ela fosse mil vezes mais feliz aqui do que na sua casa, mesmo assim ela sentia uma grande vontade de estar lá. Por fim, ela acabou dizendo para a velhinha, “Estou com muita saudades de casa; e embora eu seja muito feliz aqui, não posso ficar mais; preciso voltar para a minha família.”
Dona Ola disse, “Fico feliz que você sinta saudade da tua casa, e como você me serviu com tanta dedicação, eu mesma vou te levar de volta.” Dito isto, ela pegou a menina pela mão, e a levou até uma porta muito grande. A porta estava aberta, e assim que a donzela estava passando bem debaixo dela, uma pesada chuva de ouro começou a cair, e todo ouro ficava colado no corpo dela, até que ela ficou completamente coberta do metal.
“Tudo isso será teu porque você é muito esforçada,” disse a Dona Ola; e ao mesmo tempo deu de volta a ela a bobina que ela havia deixado cair dentro do poço. E então a porta se fechou, e a pequena donzela se viu deitada no chão, não muito distante da casa da sua madrasta.
E a medida que ela caminhava em direção ao quintal ela avistou um galo que estava pousado ao lado do poço, e gritou — “Cocoricó! A menina de ouro voltou para casa!” Então ela foi até sua mãe, e quando ela se aproximou toda coberta de ouro, ela foi bem recebida, tanto por ela como pela irmã.
A garota contou tudo o que aconteceu a ela; e assim que a mãe ficou sabendo como ela conseguiu tanta riqueza, ela ficou muito desejosa que a sua filha, feia e preguiçosa, tivesse a mesma sorte. A única coisa que ela tinha de fazer era ficar sentada ao lado do poço e fiar e fiar; e para que a bobina ficasse manchada de sangue, ela precisou encostar a mão num espinheiro para que seu dedo fosse picado. Depois, ela atirou a bobina dentro do poço, e em seguida pulou dentro dele.
Ela se viu então, no mesmo e belo campo, como a sua outra irmã, e percorreu os mesmos caminhos. Quando ela chegou perto da fornalha o pão gritou novamente, “Oh, me tire daqui! me tire daqui! ou eu vou me queimar; há muito tempo que já estou assado!” Mas a pequena preguiçosa respondeu, “Como se eu tivesse alguma vontade de me sujar!” e continuou seu caminho. Pouco depois, ela encontrou o pé de maçãs, que falou para ela, “Oh, chacoalhe o galho! chacoalhe o galho! As maçãs estão todas maduras!” Mas ela respondeu, “Eu gostaria de fazer isso! mas uma de vocês poderia cair na minha cabeça,” e continuou andando.
Quando ela chegou à cada de Dona Ola ela não ficou com medo, porque ela já tinha ouvido falar dos dentes grandes que ela possuía, e logo começou a fazer todo serviço que precisava ser feito.
No primeiro dia ela se esforçou para trabalhar com dedicação, e obedecia à Dona Ola quando esta lhe pedia para fazer alguma coisa, pois ela estava pensando em todo ouro que a velhinha lhe daria. Mas no segundo dia ela começou a ficar com preguiça, e no terceiro dia com mais preguiça ainda, até que ela não queria mais levantar cedo de jeito nenhum. Ela nem sequer arrumava a cama de Dona Ola como deveria, e não sacudia a cama com força até que as penas começassem a voar.
Dona Ola então se cansou de tanta preguiça, e falou para ela para que se fosse dali. A menina preguiçosa estava mesmo querendo ir embora, e pensou que naquele momento uma chuva de outro começaria a cair. Dona Ola a conduziu até uma porta muito grande; mas quando ela estava bem debaixo da porta, ao invés de ouro uma chuveirada de piche caiu por todo seu corpo. “Esta é a recompensa pelos teus serviços,” disse a Dona Ola, fechando a porta.
E então a menina preguiçosa foi para casa; mas ela estava totalmente coberta de piche, e o galo estava sentado ao lado do poço, e assim que ele viu a menina, exclamou — “Cocoricó! A menina cheia de piche chegou!” Mas o piche estava tão grudado no corpo dela, que não pode ser removido durante toda a sua vida.
Conto dos Irmãos Grimm
O RATO, O PÁSSARO E A SALSICHA
Era uma vez um rato, um pássaro e, uma salsicha que ficaram amigos, e cuidavam juntos de uma casa, viviam bem e eram felizes uns com os outros, e de forma maravilhosa conseguiram aumentar o patrimônio. O pássaro tinha como tarefa voar todos os dias para a floresta trazendo lenha para casa. O rato tinha que trazer água, acender o fogo, e arrumar a mesa, mas era a salsicha que tinha de cozinhar.
Quem está muito bem está sempre desejando algo melhor. Um dia, portanto, o pássaro conheceu um outro pássaro no caminho, a quem ele relatou a ótima situação em que se encontrava e que era motivo de muito orgulho para ele. O outro pássaro, todavia, disse que ele era um tolo por trabalhar tanto assim, e disse que os dois que ficavam em casa se divertiam muito mais. Pois quando o rato tivesse acendido o fogo e ido buscar água, ele ia para a sua pequena caminha descansar até que o chamassem de novo para colocar a mesa. A salsicha tinha de ficar perto da panela, observando se a comida estava cozinhando bem, e, quando estava quase chegando a hora do jantar, a salsicha entrava dentro do caldo e ficava se mexendo uma ou duas vezes nos vegetais e para que o caldo ficasse engordurado, salgado e estivesse pronto. Quando o pássaro voltou para casa e descarregou a lenha que trazia, eles se sentaram para jantar, e depois de terem comido toda a refeição, eles dormiram até não aguentar mais até a manhã seguinte, e aquela era uma vida maravilhosa.
No próximo dia o pássaro, aconselhado pelo outro pássaro, não queria mais ir para a floresta, dizendo que ele estava cansado de ser escravo, e que havia sido enganado pelos dois, e que a tarefa que eles faziam, precisava ser diferente, e que as tarefas deveriam ser trocadas. E mesmo que o rato e a salsicha implorassem para ele com toda sinceridade, o pássaro se manteve irredutível, e disse que eles deveriam tentar. Eles fizeram um sorteio, e a sorte caiu sobre a salsicha que deveria ir buscar lenha, o rato deveria cozinhar, e o pássaro buscar água.
O que aconteceu? A pobre salsicha se enveredou floresta a dentro, o passarinho acendia o fogo, e o rato ficava perto da panela e esperava ansioso até que a salsicha voltasse para casa e trouxesse lenha para o dia seguinte. Mas a salsicha se demorou tanto no caminho e os dois ficaram com medo que ela houvesse se perdido, até que o passarinho decidiu voar para ver se a encontrava. Não muito longe dali, todavia, ela encontrou um cachorro no meio do caminho que se apoderou da coitada da salsicha como se ela lhe fosse uma presa por direito, e abocanhando a salsicha, engoliu-a. O pássaro acusou o cachorro dizendo que ele era um ladrão descarado, mas não adiantava falar, pois disse o cachorro que ele encontrou com a salsicha cartas falsas, cujo conteúdo colocaria em risco a vida dele.
Presa de grande consternação, o pássaro deixou a floresta, e voou para casa, e contou o que tinha visto e ouvido. Eles ficaram muito assustados, mas concordaram que deviam fazer o melhor e permanecer juntos. O pássaro então, colocava a toalha, e o rato preparava a comida, e quando quis temperar o alimento, o rato entrou dentro da panela como a salsicha costumava fazer, e rolava e ficava se mexendo no meio dos vegetais para que ficassem bem misturados; mas antes que ele se misturasse no meio deles ele parou, e foi perdendo a pele e os pelos e perdeu a vida nessa tentativa.
Quando o pássaro retornou para fazer o jantar, o cozinheiro não estava lá. Aflito o pássaro deixou cair a lenha por toda parte, chamando e procurando, mas o cozinheiro não foi encontrado! Por causa do seu descuido a madeira pegou fogo, e o fogo se alastrou por toda parte, o pássaro correu para buscar água, mas o balde caiu de suas garrinhas e foi para dentro do poço, ele perdeu o equilíbrio e caiu também, mas não conseguiu se salvar, e morreu afogado dentro do poço.
Conto dos Irmãos Grimm
O ENIGMA
Era uma vez o filho de um rei que tinha vontade de viajar pelo mundo, e não levou ninguém com ele exceto um criado que lhe era muito fiel. Tendo um dia chegado a uma grande floresta, e tendo a noite o surpreendido, ele não conseguia encontrar abrigo, e não sabia onde poderia pernoitar. Então, ele viu uma garota que ia em direção a uma pequena casa, e quando ele se aproximou, ele descobriu que a donzela era jovem e bonita. Ele chegou perto dela e disse, “Minha boa menina, será que eu e meu fiel criado poderíamos pernoitar na casa pequenina?” “Oh, sim,” respondeu a garota com uma voz triste, “claro que vocês podem, mas não aconselho que vocês se arrisquem tanto. Portanto, não entrem nela.” “Porque não?” perguntou o príncipe. A jovem suspirou e disse, “A minha madrasta pratica magia negra; e ela tem pouca simpatia por forasteiros.” Então, ele teve a certeza de que havia encontrado a casa de uma bruxa, mas como estava já escuro, e ele não poderia continuar sua caminhada, e ele também não ficou com medo, ele entrou. A velhinha estava sentada numa poltrona perto do fogão, e olhou para o forasteiro com os olhos vermelhos de raiva. “Boa Noite,” resmungou ela, fingindo alguma simpatia.
“Tomem um assento e descansem um pouquinho.” Ela assoprava o fogo onde estava cozinhando alguma coisa numa pequena panela. A filha alertou para que os dois tivessem cuidado, para que não comessem nada, e também não aceitassem nada para beber, pois a velhinha preparava poções maléficas. Eles dormiram tranquilamente até a manhã seguinte. Quando eles estavam se preparando para partir, e o filho do rei já havia montado em seu cavalo, a velhinha disse, “Esperem um momento, quero entregar a vocês uma bebida antes de partirem.” E enquanto foi buscá-la, o príncipe foi embora, e o criado que ficou prendendo a sela do cavalo, era o único que estava quando a bruxa malvada chegou com a bebida. “Leve isso para o seu patrão,” exclamou ela.
Mas naquele instante o vidro quebrou e o veneno respingou no cavalo, e ele era tão forte que o animal caiu morto imediatamente. O criado correu atrás do seu patrão e lhe contou o que tinha acontecido, mas não queria deixar a sua sela para trás, e voltou para pegá-la. No entanto, quando ele chegou no local onde o cavalo havia morrido, um corvo já havia pousado no local e devorava o animal. “Quem sabe teremos mais sorte e encontraremos um lugar melhor hoje?” disse o criado; então, ele matou o corvo, e o levou consigo. E daí em diante eles caminharam pela floresta o dia todo, mas não conseguiam sair dela. Quando anoiteceu, eles encontraram uma estalagem e entraram nela. O criado ofereceu o corvo para que o estalajadeiro preparasse uma sopa para eles.
No entanto, eles não perceberam que tinham vindo parar num covil de assassinos, e durante a noite chegaram doze deles, pretendendo matar os estrangeiros para roubá-los. Mas antes de começarem a fazer isso, eles se sentaram para jantar, e o estalajadeiro e a bruxa se sentaram com eles, e juntos eles comeram um prato de sopa no qual a carne do corvo havia sido picada. Porém, mal tinha eles comido alguns bocados, e repentinamente todos caíram mortos, pois o corvo havia transmitido a eles o veneno que havia na carne do cavalo. Não sobrou ninguém na estalagem com exceção da filha do estalajadeiro, e que era muito honesta, e não havia tomado parte nos acontecimento terríveis daquele dia. Ela abriu as portas para os estrangeiros e mostrou-lhes todos os montes de tesouros que havia. Mas o filho do rei disse que ela podia ficar com tudo, e que ele não queria nada, e continuou a cavalgar com seu criado.
Depois que eles caminharam durante muito tempo, eles chegaram a uma cidade onde havia uma princesa muito linda mas também muito arrogante, e que havia mandado proclamar que aquele que lhe apresentasse um enigma e ela não conseguisse adivinhar, esse homem seria seu marido; mas se ela adivinhasse, a sua cabeça seria cortada. Ela dispunha de três dias para adivinhar, mas ela era tão inteligente que sempre descobria a resposta do enigma que lhe apresentavam, antes do tempo determinado. Nove pretendentes já haviam morrido desta maneira, quando chegou o filho do rei, e enceguecido pela grande beleza da princesa, estava disposto a arriscar sua vida por ela.
Então, ele foi até ela, e apresentou o seu enigma para ela. “O que é, o que é?” disse ele, “Não matou nenhum, no entanto, matou doze.” Ela não sabia do que se tratava, e pensou, pensou, mas não conseguia descobrir, então, ela abriu seu livro de adivinhações, mas nele não encontrou a resposta — concluindo, a sabedoria dela estava acabando. Como ela não sabia mais o que fazer, ela mandou que a sua criada fosse sutilmente até o quarto do príncipe, para espioná-lo enquanto sonhava, achando que talvez o príncipe falasse durante o sono e ela descobrisse a solução para o enigma.
Mas o inteligente servo do príncipe se colocou em seu lugar na cama do patrão, e quando a criada chegou, ele puxou o manto com que ela se encobria, e a expulsou do quarto a bordoadas. Na noite seguinte a princesa mandou a sua dama de espera, para ver se ela teria mais sorte e ouvisse alguma coisa, mas o criado também retirou o manto dela, e a expulsou a bordoadas. Agora o príncipe achou que estaria em segurança na terceira noite, e se deitou em sua própria cama. Então, veio a princesa pessoalmente usando um manto cinzento, e se sentou perto dele.
E quando ela pensou que ele estava dormindo e sonhando, ela falou com ele, e esperava que ele respondesse enquanto dormia, como acontece com muitas pessoas, mas ele estava acordado, e ouvia e entendia tudo muito bem. Então, ela perguntou, “Não matou nenhum, o que é isso?” Ele respondeu, “É um corvo, que comeu um cavalo morto e envenenado, e morreu por isso.” Ela perguntou depois, “E todavia matou doze, quem seriam eles?” Ele respondeu, “Eles são os doze assassinos, que comeram o corvo e morreram por causa disso.”
Ao saber a resposta do enigma ela quis fugir, mas ele segurou o seu manto tão rapidamente que ela foi obrigada a deixá-lo para trás. Na manhã seguinte, a filha do rei anunciou que havia adivinhado o enigma, e mandou chamar os doze juízes a apresentou diante deles a solução. Mas o jovem príncipe solicitou uma audiência, e disse, “ela entrou furtivamente em meu quarto durante a noite e me perguntou, caso contrário ela não teria descoberto.” Os juízes disseram, “Apresente-nos uma prova.” Então, os três mantos foram trazidos até o local pelo criado, e quando os juízes olharam o manto cinzento que a filha do rei usava, disseram, “Que o manto seja bordado com ouro e prata, e ele será o vestido de casamento dela.
Conto dos Irmãos Grimm
CINDERELA / A GATA BORRALHEIRA
A esposa de um homem rico ficou doente, e quando ela percebeu que o seu fim estava se aproximando, ela chamou a sua única filha até a cabeceira da sua cama e disse,
— Filhinha, seja boa e piedosa, e assim o bom Deus sempre te protegerá, e eu olharei por ti do céu e sempre estarei perto de ti. Dito isto, ela fechou os seus olhos e morreu. Todos os dias a jovem visitava o túmulo de sua mãe e chorava, porém, ela permaneceu boa e piedosa. Quando chegou o inverno, a neve espalhou como que um lençol branco sobre o túmulo, e quando o sol da primavera se afastou novamente, o homem conheceu uma outra esposa.
A mulher trouxe consigo duas filhas para a casa com ela, que tinham um rosto lindo e eram muito belas, porém, tinham um coração malvado e negro. Começava agora um período ruim para a pobre criança adotiva.
— Será que essa pata choca vai se sentar na sala conosco? diziam elas. Quem quer comer pão, deve trabalhar para consegui-lo; vai lá com a criada da cozinha. Elas tiraram as belas roupas que ela usava, vestiram-na com um camisolão velho e cinzento, e lhe calçaram os tamancos de madeira.
— Olhem só a princesa orgulhosa, como ela está enfeitada! elas gritavam, e riam, e a conduziram para a cozinha. Lá ela tinha de fazer o trabalho difícil desde manhã até a noite, levantar-se antes do sol raiar, carregar água, acender o fogo, cozinhar e lavar. Além disso, as irmãs a maltratavam de todas as formas possíveis — zombavam dela e derramavam todas as ervilhas e as lentilhas sobre a brasa, de modo que ela era forçada a sentar e a catar tudo de novo.
À noitinha, quando ela tinha trabalhado até se cansar, ela não tinha uma cama para dormir, mas tinha de dormir ao lado da lareira perto das cinzas. E por esse motivo ela estava sempre suja e empoeirada, e elas a chamavam de Cinderella. Aconteceu que um dia seu pai estava indo para a feira, e ele perguntou às suas duas filhas adotivas o que elas queriam que ele trouxesse para elas.
— Lindos vestidos, disse uma delas,
— Pérolas e Joias, disse a outra.
— E tu, Cinderella, disse ele, o que tu desejas?
— Pai, traga para mim o primeiro galho de árvore que bater no seu chapéu ao voltar para casa. Então ele comprou lindos vestidos, pérolas e joias para suas duas filhas adotivas, e ao retornar para casa, quando ele estava cavalgando através de um verde e denso matagal, um galho de um pé de avelã raspou nele e bateu no seu chapéu. Então ele quebrou o galho e o levou consigo. Quando ele chegou em casa, ele deu às suas duas filhas adotivas, as coisas que elas tinham pedido, e à Cinderella ele deu o galho do pé de avelã.
Cinderella lhe agradeceu, foi até o túmulo de sua mãe e plantou o galho lá, e chorou tanto que as lágrimas caíram sobre ele e o regaram. Ele cresceu, contudo, e se tornou uma bela árvore. Três vezes por dia Cinderella ia e sentava debaixo da árvore, e chorava e orava, e um pequeno pássaro branco sempre vinha também na árvore, e se Cinderella expressava um desejo, o pássaro lançava para ela o que ela tinha desejado.
Um dia, porém, o rei anunciou que haveria uma festa, a qual haveria de durar três dias, e à qual foram convidadas todas as lindas e jovens garotas do país, para que o seu filho pudesse escolher ele mesmo a esposa. Quando as duas filhas adotivas souberam que elas iriam estar presente entre os convidados, ficaram eufóricas, e chamaram Cinderella e disseram,
— Penteie o nosso cabelo, engraxe os nossos sapatos e amarre os nossos cintos, pois estamos indo a uma festa no palácio do rei.
Cinderella obedeceu, porém, chorou, porque ela também teria gostado de ir com elas para o baile, e implorou à sua madrasta que a deixasse ir. — Ires tu, Cinderella! disse ela; — Estás suja e empoeirada, e queres ir à festa? Não tendes sapatos nem roupas, e ainda queres dançar! Mas como Cinderella continuasse insistindo, a madrasta disse afinal,
— Despejei um prato de lentilhas nas cinzas para ti, se conseguires catar todas elas em duas horas, tu irás conosco. A jovem atravessou a porta dos fundos que dava para o jardim, e chamou, Oh, pombinhos bonzinhos, oh, rolinhas amorosas, e todas as aves que voam no céu, venham me ajudar
As boas podem guardar
As ruins podem comer.
Então dois pombos brancos entraram pela janela da cozinha, e depois vieram as rolinhas, e no fim todas as aves do céu, vieram chiando e fazendo algazarra, e pousaram entre as cinzas. E os pombinhos balançavam suas cabecinhas e começaram a bicar, bicar, bicar, e os outros começaram também a bicar, bicar, bicar, bicar, e colheram todos os grãos que estavam bons no prato. Nem uma hora tinha se passado quando terminaram o serviço, e todos voaram para longe novamente.
Então a garota levou o prato de lentilhas para a sua madrasta, e ficou contente acreditando que agora a madrasta deixaria que ela as acompanhasse à festa. Mas a madrasta disse,
— Não, Cinderella, tu não tens roupa e não sabes dançar; tu serias apenas motivo de risos. E como Cinderella começasse a chorar, a madrasta disse,
— Se conseguires juntar para mim dois pratos de lentilhas das cinzas em uma hora, tu irá conosco. E ela pensou consigo mesma, que ela com toda certeza não conseguiria. Quando a madrasta esvaziou os dois pratos de lentilhas entre as cinzas, a donzela atravessou a porta dos fundos que dava para o jardim e gritou, Oh, pombinhos bonzinhos, oh, rolinhas amorosas, e todas as aves que voam no céu, venham me ajudar.
As boas podem guardar
As ruins podem comer.
Então os dois pombos brancos entraram pela janela da cozinha, e depois vieram as rolinhas, e finalmente todas as aves do céu, vieram chiando e fazendo algazarra, e pousaram entre as cinzas. E os pombinhos balançavam suas cabecinhas e começaram a bicar, bicar, bicar, e os outros começaram também a bicar, bicar, bicar, bicar, e colheram todos as sementes que estavam boas no prato. Nem meia hora tinha se passado quando terminaram o serviço, e todos voaram para longe novamente.
Então a donzela levou os pratos para a madrasta e ficou muito feliz, acreditando que ela poderia ir com elas a festa. Mas a madrasta disse,
— Nada disto vai adiantar; tu não irás conosco, porque não tens roupa e não sabes dançar; Nós teríamos vergonha de ti! Dizendo isso, virou as costas para Cinderella, e desapareceu, com suas duas filhas orgulhosas.
Como ainda não havia ninguém em casa, Cinderella foi até o túmulo de sua mãe, debaixo do pé de avelã, e clamou,
Balance e se agite, árvore querida,
Ouro e prata encham a minha vida.
Então o pássaro lançou para ela um vestido de ouro e prata, e sapatos enfeitados de seda e prata. Ela colocou o vestido com toda pressa, e foi para a festa. As irmãs adotivas e a madrasta entretanto não a reconheceram, e pensavam que ela devia ser uma princesa estrangeira, porque ela estava tão linda em seu vestido dourado. Jamais poderiam pensar sequer que ela fosse Cinderella, e acreditavam que ela tinha ficado em casa sentada na sujeira, catando lentilhas das cinzas. O príncipe foi encontrá-la, pegou-a pela mão e dançou com ela. Ele não quis dançar com nenhuma outra donzela, e jamais soltava de suas mãos, e se alguma outra pessoa vinha para convidá-la, ele dizia,
— Ela é a minha companheira.
Ela dançou até o anoitecer, e então ela quis ir para casa. Mas o filho do rei disse,
— Irei contigo e te farei companhia, porque ele queria conhecer a família da bela donzela. Ela fugiu dele, todavia, e se escondeu na casa do pombo. O filho do rei esperou até que o pai dela chegou, e então ele lhe disse que a estranha donzela havia se escondido na casa do pombo. O velho pensou, — Terá sido Cinderella? e lhe trouxeram um machado e uma picareta para que ele pudesse reduzir a pedacinhos a casa do pombo, mas não havia ninguém dentro.
E quando eles chegaram em casa Cinderella estava com suas roupas sujas mexendo nas cinzas, e uma lamparina pequena e fraca que estava queimando na lareira, pois Cinderella tinha pulado rapidamente dos fundos da casa do pombo e correu para o pé de avelãs, e lá el tirou o seu belo vestido e o colocou em cima do túmulo, e o pássaro o levou de volta novamente, e depois ela voltou para a cozinha entre as cinzas com seu vestido cinzento.
No dia seguinte, quando a festa começou novamente, e os pais dela e as duas irmãs tinham ido mais uma vez, Cinderella foi até o pé de avelã e disse
Balance e se agite, árvore querida,
Ouro e prata encham a minha vida.
Então o pássaro lançou para ela um vestido mais lindo do que o dia anterior. E quando Cinderella apareceu na festa com esse vestido, todos ficaram maravilhados com a sua beleza. O filho do rei havia esperado até que ela chegasse, e imediatamente a pegou pelas mãos e não dançou com nenhuma outra, apenas com ela. Quando outros vinham e a convidavam para dançar, ele dizia,
— Ela é a minha companheira. Quando a noite chegou ela quis sair, e o filho do rei a seguiu e queria ver em que casa ela tinha entrado.
Mas ela escapou dele, e correu para o jardim que havia atrás da casa. Lá ficava uma árvore bela e alta onde havia as peras mais maravilhosas. Ela subiu com tanta agilidade entre os galhos, como se fosse um esquilo, que o filho do rei não percebeu onde ela tinha ido. Ele esperou até que o pai dela chegasse, e disse-lhe, A estranha donzela fugiu de mim, e eu acho que ela subiu o pé de pera. O pai dela pensou, Teria sido Cinderella? então ele pegou um machado e derrubou e destruiu a árvore, mas não havia ninguém nela. E quando eles chegaram à cozinha, Cinderella estava entre as cinzas, como sempre, pois ela tinha pulado do outro lado da árvore, tinha levado o lindo vestido para o pássaro que ficava no pequeno pé de avelãs, e vestiu o seu vestido cinzento.
No terceiro dia, quando seus pais e suas irmãs já tinham ido para a festa, Cinderella foi mais uma vez ao túmulo de sua mãe e disse para a pequena árvore
Balance e se agite, árvore querida,
Ouro e prata encham a minha vida.
E então o pássaro lançou para ela um vestido que era mais esplêndido e magnífico do que qualquer um que ela já tivesse visto, e os sapatos eram de ouro. E quando ela foi para a festa usando o vestido, ninguém nem conseguia falar de tanto deslumbramento. O filho do rei dançou somente com ela, e se alguém a convidasse para dançar, ele dizia,
— Ela é a minha companheira.
Quando a noite chegou, Cinderella queria ir embora, e o filho do rei estava ansioso para ir com ela, mas ela fugiu dele tão rapidamente que ele não conseguiu segui-la. O filho do rei, no entanto, usou de um estratagema, e tinha mandado que toda a escada fosse untada com piche, e então, quando ela fugiu, o sapato esquerdo da donzela ficou colado. O filho do rei o apanhou, e ele era pequeno e gracioso, e todo de ouro.
Na manhã seguinte, ele levou o sapato para o seu pai, e disse para ele, — Ninguém será a minha esposa, exceto aquela cujo pé couber dentro destes sapatos de ouro.
Então as duas irmãs ficaram contentes, porque elas tinham pés bonitos. A mais velha delas entrou com a sandália no seu quarto e quis experimentá-lo, e a mãe dela ficou por perto. Mas ela não conseguiu colocar o seu dedão enorme dentro dela, e a sandália era muito pequena para ela. Então a mãe dela lhe deu uma faca e disse,
— Corte o dedão fora; quando fores a rainha não precisarás mais andar a pé. A donzela cortou o dedão fora, forçou o pé dentro do sapato, engoliu a dor, e foi até o filho do rei. Então ele a levou em seu cavalo como sua noiva cavalgou para muito longe com ela. Contudo, eles foram obrigados a passar perto do túmulo, e lá, em cima do pé de avelãs, estavam dois pombos que gritavam,
Preste atenção, preste atenção,
Há sangue dentro do sapato,
O sapato é pequeno demais para ela,
A verdadeira noiva está te esperando.
Então ele olhou o pé dela e viu que havia sangue pingando dele. Deu a volta com o cavalo e levou a falsa noiva de volta pra casa, e disse que ela não era a verdadeira, e então a outra irmã também quis colocar o sapato. Então ela entrou no seu quarto e os dedos dela entraram no sapato sem problemas, mas o seu calcanhar era grande demais. Então a mãe dela pegou uma faca e disse,
— Corte um pedaço do seu calcanhar; quando fores rainha não precisarás mais andar a pé. A donzela cortou um pedaço do seu calcanhar, forçou o seu pé até entrar no sapato, engoliu a dor, e foi até a casa do filho do rei. Ele a levou em seu cavalo como sua noiva, e cavalgou para longe com ela, mas quando eles passavam perto do pé de avelãs, dois pombinhos estavam sentados no galho e gritavam,
Preste atenção, preste atenção,
Há sangue dentro do sapato,
O sapato é pequeno demais para ela,
A verdadeira noiva está te esperando.
Ele olhos os pés dela e viu que sangue estava escorrendo de seu sapato, e que ele havia manchado as meias brancas dela. Então ele virou o seu cavalo e levou a falsa noiva novamente para casa. Esta também não é a verdadeira, disse ele, você não tem uma outra filha?
— Não, disse o homem, — Há ainda uma pequena e raquítica ajudante de cozinha que a minha falecida esposa me deixou, mas possivelmente ela não poderá ser a noiva. O filho do rei exigiu que fosse chamá-la para que viesse até ele; mas a mãe respondeu, — Oh não, ela é muito suja, ela não pode se apresentar! Ele voltou a insistir, e Cinderella teve de ser chamada.
Ela lavou primeiro as suas mãos e o seu rosto, e depois foi e fez reverência diante do filho do rei, que ofereceu a ela o sapato de ouro. Então ela se sentou em um banquinho, e tirou de seus pés o pesado tamanco de madeira, e os colocou dentro do sapato, o qual entrou como uma luva. E quando ela se levantou e o filho do rei olhou para o rosto dela ele reconheceu a linda donzela que havia dançado com ele e gritou,
— Essa é a noiva verdadeira! A madrasta e as duas irmãs ficaram horrorizadas e pálidas de tanto ódio; ele, entretanto, levou Cinderella em seu cavalo e cavalgou para longe com ela. Quando eles passavam perto do pé de avelãs, os dois pombinhos brancos gritavam,
Preste atenção, preste atenção,
Não há sangue dentro do sapato,
O sapato não é pequeno demais para ela,
A verdadeira noiva está com você.
E depois de terem dito isso, os dois pombinhos desceram voando e pousaram nos ombros de Cinderella, um à direita, e o outro à esquerda, e ali permaneceram sentados.
Quando o casamento com o filho do rei foi celebrado, as duas falsas irmãs vieram e queriam conquistar os favores de Cinderella e dividir com ela a sorte conquistada. Quando o casal de noivos foram para a cidade, a mais velha ficou do lado direito e a mais jovem do lado esquerdo, e os pombinhos arrancou um olho de cada uma dela. Depois que elas voltaram para casa, a mais velha ficou à esquerda, e a mais jovem a direita, e os pombinhos arrancaram o outro olho de cada uma delas. E assim, por causa da maldade e da falsidade delas, elas foram punidas com a cegueira até o fim da vida delas.
Conto dos Irmãos Grimm
“Duas graças há no respirar
inspirar o ar
e dele se livrar.
Inspirar constrange,
expirar liberta.
Tão linda é feita da vida uma mescla.
Agradece a Deus quando ele te aperta,
e agradece de novo quando te liberta.”
Goethe
A VERDADE E A CONVENIÊNCIA
A situação de Manaus, onde as pessoas estão morrendo por falta de oxigênio, é
uma situação terrível, principalmente se observarmos do sentido humanista.
Toda vida é sagrada, uma grande tristeza perceber que a indiferença e o ego nos
torna capaz de relativizar o mal: justificar no outro, considerar apenas o
conveniente na observação dos fatos ou, até mesmo, obscurecer a própria verdade
apenas pela necessidade de autoafirmação ou afirmação da minha diretriz
ideológica coletiva (inconsciente).
No caminho em direção à Alma da Consciência, as questões devem ser ponderadas
de forma pontual e consciente, todos os aspectos devem ser considerados e
observados imparcialmente.
A compra superfaturada de materiais como respiradores,
desvios e má utilização do orçamento para a saúde em inúmeros estados e na
esfera federal não invalida que as festas, aglomerações e não cumprimento das
indicações de distanciamento social ampliaram o contágio e aumentaram o
número de casos (e de mortes) – independente da orientação ideológica.
Também não invalida o negacionismo do presidente e seu veemente estímulo
contrário às precauções – dado o seu populismo e influência. A falta de
conhecimento técnico do Ministro da Saúde (que inclusive não sabia o que era o
SUS até pouco tempo atrás). O aparelhamento ideológico das instituições por
parte do governo acima do critério técnico (vide o Ministro da Saúde, a Ministra da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o Ministro das Relações Exteriores do
Brasil entre outros).
As constantes ondas de desinformação e estímulo à quebra de protocolos
disseminadas por representações desde o início da Pandemia, como, por exemplo,
que era só uma gripezinha, que não teriam mais do que 800 mortos, que era um
terrorismo da “extrema imprensa” para assustar as pessoas, que as mortes eram
“inventadas” (até quem morre de acidente é notificado como COVID e etc…) e que
era um plano chinês para dominar o mundo – alimentando uma enorme xenofobia
contra chineses (além dos já descriminados cubanos e venezuelanos).
Mais recentemente e pontualmente em relação a Manaus: o estímulo de deputados
da base do governo para pressionar o fim do lockdown na cidade antes do fim do
ano, mesmo contra as indicações dos especialistas. Além da ação na justiça, em
pleno pico de mortes e colapso do sistema de saúde, para realização do ENEM
agora em janeiro.
Agora vamos a uma perspectiva da consciência humana:
O indivíduo mais primitivo, com o EU pouco desenvolvido, tende a seguir o
pensamento coletivo com o qual se identifica dentro das perspectivas de
satisfação de suas necessidades ou que ele acredita ser o caminho para tal. Este
integrará de forma quase inconsciente suas ideias ou justificativas e diretrizes,
independente se verdadeiras ou justificadas. Isso independe da polaridade. Por ter
um EU pouco desenvolvido, tende a generalização por inconsciência. E, neste
aspecto, pode se tornar veículo da atuação do mal de forma inconsciente.
O indivíduo mediano, mesmo tendo consciência de aspectos inconsistentes, tende
a abarcar aquilo que reafirma suas ideias e ideais além de relativizar, negar e até
obscurecer aquilo que o contrapõe ou ao grupo/linha ideológica na qual se apoia.
Neste caso, a força do EGO que reforça o aspecto de individuação, pode gerar um
egoísmo que pode induzir a pessoa, de forma consciente, a relativizar o mal: eu
considero de forma conveniente os fatos (parcialidade e pessoalidade – vide a
Senda do Conhecimento). Tende a autocompassividade e à critica voraz ao que lhe
contrapõe. Também independe de polaridade ideológica.
O indivíduo mais evoluído considera de forma mais impessoal e pontual cada
aspecto, sempre em busca da Verdade e com um propósito integrado a uma
perspectiva moral superior, altruísta e humanitária. Nesse caso, suas considerações
transcendem a pessoalidade e interesse exclusivamente egoísta e de
autoafirmação. Esse é o indivíduo que tende a busca da superação da polarização,
pois a Verdade é comum a todos e ao bem comum: minhas ações são boas para
mim, para o próximo e para o mundo?
Todos nós estamos caminhando e temos um prisma de evolução pessoal, estamos
mais evoluídos em alguns aspectos e o mais primitivos em outros.
Sobre a Antroposofia, devemos observar a “Manifestação” ou a realidade viva com
uma perspectiva superior, imparcial, mas jamais definir o que pode ou não ser
observado “à luz da Antroposofia”. Reafirmando, a Antroposofia não é um
“conveniência”, pois os aspectos desconsiderados podem se voltar para o
inconsciente, e o inconsciente é onde o mal pode atuar ou, no caso da
conveniência consciente, se torna uma relativização do mal.
Por isso, espero que busquemos a verdade para além de nossas ideologias e
simpatias, com humildade, consciência e alicerçados com a força moral do Amor
incondicional que é o único caminho de superação do atual processo em que
vivemos.
Leonardo Maia
“O fato de uma pessoa isolada sentir-se como individualidade não exclui que ela também se sinta unida a toda a humanidade. Na evolução humana ninguém tem o direito de sentir-se como individualidade caso não se sinta, ao mesmo tempo, membro de toda a humanidade.” – Rudolf Steiner, GA 305
TRIMEMBRAÇÃO SOCIAL – IGUALDADE, LIBERDADE E FRATERNIDADE
SISTEMA CULTURAL: LIBERDADE
Desenvolvimento individual através da saúde, artes, ciência, esporte, lazer, espiritualidade e educação. Sociedade civil.
SISTEMA POLÍTICO: IGUALDADE
Governança e cidadania para a igualdade, justiça, direitos e segurança através de leis, direitos humanos e regulamentação. Política/Estado.
SISTEMA ECONÔMICO: FRATERNIDADE
Bem estar econômico através produção útil, distribuição e consumo de bens e serviços para benefício mútuo/coletivo e associações. Negócios/Mercado.
“Steiner disse ainda que a grande meta da humanidade é o desenvolvimento da vida espiritual; os outros setores devem servir de base para que os indivíduos possam desenvolver a liberdade, a criatividade e o autodesenvolvimento espiritual.” – Sociedade Antroposófica no Brasil
Compilado
O que podemos observar para buscar a compreensão do momento atual e, principalmente, a atual polarização ideológica?
A SEMENTE OCULTA DA POLARIZAÇÃO IDEOLÓGICA
Aqui vamos considerar “Sorath” e os ciclos de 666. Steiner afirma que as forças Luciféricas e Ahrimanicas trabalham juntas quando estamos sob os “portais” Sorath (na verdade, elas trabalham juntas o tempo todo, mas acredito que ele quis dizer que na direção dos impulsos Sorath – o opositor de Cristo, o Demônio Solar).
Steiner fala sobre os anos 666, 1332 e 1998, e poderíamos obter:
666 – O arabismo penetra no cristianismo para imprimir o selo do materialismo na cultura ocidental (vide Gondshapur)
1332 – Destruição da Ordem Templária (aqui tem pontos muito importantes, os tesouros da Ordem Templária, o Rei Felipe e as instituições bancárias, Lyon, Baconismo e “código binário” como eventos conetados)
1998 – ??? (poderia ser a semente da manifestação microcósmica da “Guerra de todos contra todos” no período atual?)
Aqui procuro algo muito relevante para o que estamos falando, e talvez seja sobre internet e bolhas sociais: “1997 – Nasceu o primeiro site de mídia social reconhecível, a SixDegrees.”
Isso é apenas minha especulação, mas tenho observado muito no Twitter, Facebook, Instagram e, claro, em grupos de whatsapp. A tendência dos pensamentos em bolha (pensamentos padronizados ou bolhas ideológicas), que, é claro, não é um pensamento livre, vem crescendo e ganhando força há algum tempo, e a manipulação do algoritmo das mídias sociais, tem produzido linhas específicas de pensamento alimentadas por “fake news” (veja que Ahriman também é chamado de “pai das mentiras” e é o estruturador da padronização).
Vale observar que as Fake News não são necessariamente mentiras apenas, mas também distorções da verdade, parcialidades nas interpretações ou mesmo, conveniência no que se considera para validar uma ideia ou uma “verdade” (uma pseudo-verdade no caso). Veja que muitos eventos, como a invasão na Casa Branca, negacionismo, teorias da conspiração* e etc, que estamos observando hoje, são fortalecidos por meio dessas redes sociais.
* Um pequeno paradoxo seria perceber que o que está sendo dito aqui também pode ser uma teoria da conspiração.
Onde Lúcifer entra? Uma série de sentimentos como patriotismo, nacionalismo, indignação, ódio e desconfiança são alimentados na Alma das Sensações através das ferramentas de Ahriman. O volume e a velocidade com que a informação é derramada na Alma do intelecto cria uma falsa realidade (uma dissolução / distorção da realidade). A velocidade e o volume são tão intensos que é impossível verificar e suprimir seu efeito na consciência ordinária e na Alma das Sensações – criando muitas vezes um efeito autômato na individualidade – o que podemos perceber no “reacionarismo”, como se nossa Alma das Sensações estivesse inflamada e reagisse a todo e qualquer impulso dentro do específico espectro super alimentado. Por outro lado, tal bombardeio de informações pode gerar um esfriamento da empatia, pois a indignação, ódio ou mesmo “culpa” de contextos os quais são “a causa de nosso sofrimento ou degradação” são direcionados a um foco polar, para o qual me torno indiferente ou mesmo intolerante.
Esse processo funciona em duas direções alimentando uma polarização que podemos observar em escala global.
“O desequilíbrio luciférico poderia desenvolver uma tendência especial para permitir que sua vida da alma consciente seja permeada pelo Ahrimânico também.”
Além disso, isso atua de várias maneiras na individualidade, que pode levar uma pessoa ao ateísmo ou ao fanatismo (não só no sentido religioso) e nossa Vontade não é forte o suficiente caminhar até a Alma Consciente em busca da Verdade por trás do que estamos lidando.
Além disso, o medo está cada vez mais forte (alguns podem dizer que, de uma forma oculta, COVID é uma materialização do medo).
Na minha opinião, o processo de bolha das mídias sociais é algo como uma propaganda nazista 2.0 alimentando o ódio entre grupos e pessoas, mesmo na mesma família, país, amigos próximos e irmãos. Pode ser uma “Teoria da Conspiração”, mas se você olhar com a mente aberta, verá que não é improvável.
Sorath procura a aniquilação do “EU”, Ahriman aprisiona o homem no mundo material e insere sua inteligência (procure por “Duplo Ahrimânico”) e Lúcifer quer enviar o homem a seu próprio espectro espiritual inconsciente.
Leonardo Maia
Os Arcanjos, como espíritos, agem como um EU individual dentro da alma do
povo. Eles dão a eles sua língua nativa, o caráter peculiar das pessoas e a missão
dos povos no mundo, ou seja, seu destino.
OS SETE ARCANJOS
Os Arcanjos são os Espíritos dos Povos que protegem e dão o espírito nacional aos
vários povos da Terra. Eles eram a humanidade do Antigo Sol. Na nomenclatura
indo-tibetana adotada pela teosofia, eles são conhecidos como Dhyani-Chohan.
Eles também são chamados de Espíritos do Fogo porque se expressam no
elemento ar penetrado pelo calor.
A parte mais inferior da constituição desses seres é o corpo astral, de modo que
sua constituição oculta é:
1 – Espírito Vital
2 – Identidade Espiritual
3 – Eu
4 – Corpo Astral
O corpo astral é o último corpo identificado, enquanto o corpo etérico está
localizado no espaço. É até possível visualizar graficamente seus corpos etéricos.
Na verdade, observando um mapa onde a distribuição linguística das populações
humanas está localizada, podemos ver a extensão dos corpos etéricos dos
respectivos Espíritos do Povo. Esses corpos etéricos arcangélicos
contatam/permeiam a Alma do Povo, ou seja, a união dos corpos astrais humanos
compostos de todos os membros de um único povo.
Além disso, os corpos etéricos dos vários arcanjos também fazem contato com as
forças do solo de cada nação, gerando a atmosfera etérica na qual vive o Genius
Loci, o Espírito do Lugar. É importante notar que os corpos arcangélicos etéricos
não coincidem necessariamente com as fronteiras políticas, mas com as fronteiras
lingüísticas e, portanto, culturais: os Arcanjos são os inspiradores de todas as
linguagens do mundo. A discrepância entre política, sociedade e linguagem está
na raiz de muitas ações de rebelião que o Espírito do Povo emana à Alma do Povo
para que os homens que fazem parte da Alma comum ganhem sua independência.
Porém, depois do Mistério do Gólgota, os mais evoluídos deles, os Sete Arcanjos,
são desatados das pessoas que ajudaram no passado, comprometendo-se
periodicamente como Espíritos das Eras ou Genes dos sete planetas sagrados. Eles,
portanto, antecipam sua evolução em direção aos Principados (Archai ou Espíritos
do Tempo), a hierarquia celestial superior a eles. Quando os arcanjos atuam como
Espíritos das Épocas, eles presidem ciclicamente por períodos de cerca de 300-350
anos.
COMO ARCANJOS DAS ÉPOCAS
Esses três séculos são portais espirituais através dos quais os Sete Arcanjos enviam
seus impulsos planetários, por sua vez, dentro de uma determinada época de
cultura, para que a evolução dessa época possa ser realizada completamente.
Nossa era atual é a quinta era pós-Atlântida e atualmente é caracterizada pela
regência de Micael.
A divisão dos períodos de regência é a seguinte:
Micael – Sol : de 550 a.C. a 200 a.C.
Orifiel – Saturno: de 200 a.C a 150 d.C.
Anael – Vênus: de 150 a 550 d.C.
Zacariel – Júpiter: de 550 a 800 d.C.
Rafael – Mercúrio: de 850 a 1190 d.C.
Samael – Marte: de 1190 a 1510 d.C.
Gabriel – Lua: de 1510 a 1879 d.C.
Micael – Sol: de 1879 a 2233 d.C
(…)
Vamos observá-los em ordem:
1 – GABRIEL (LUA)
Gabriel da Lua é um arcanjo com qualidades femininas distintas. Ele trouxe a
anunciação a Maria e, portanto, preside os nascimentos. A Época de Gabriel atua
principalmente no corpo físico e, portanto, prepara o caminho para o
materialismo, portanto, para a descida mais profunda possível que corresponde à
próxima ascensão;
2 – MICAEL (SOL)
Micael do Sol é o arcanjo que carrega a face do Cristo e inspira pensamentos
espirituais que nos permitem superar o materialismo. O poder de vida do Segundo
Logos, o Filho, passa por esta entidade. Ele é o mais evoluído dos Arcanjos e está
associado ao esplendor das erupções solares. Ele carrega um impulso universal que
torna possível superar a divisão das pessoas de acordo com o sangue, sexo e
religião. Ele colabora com outra entidade espiritual muito elevada, a Divina Sofia,
a Alma do Mundo, que preside a sabedoria presente na Natureza.
Ele é o presságio do cosmopolitismo. A realização de uma “Europa Unida”, como
irmandade do Espírito do Povo Europeu, depende precisamente da ação deste
Arcanjo. No entanto, seus impulsos foram capturados por seres decadentes, os
espíritos arimânicos, de forma que apenas uma união econômica e não espiritual
foi alcançada. Durante a Época de Micael, a ação é dirigida principalmente ao
corpo etérico e, em particular, ao pensamento, à mente. O homem, por um ato de
livre escolha, deve elevar seu pensamento a uma compreensão dos pensamentos
cósmicos que Micael traz. Quando o homem carrega pensamentos cósmicos
dentro de si, ele desata o pensamento do cérebro físico para o pensamento vivo
do cérebro etérico;
3 – ORIFIEL (SATURNO)
Após a presente regência de Micael, retornaremos à uma era de Orifiel mais severa,
conectada à vontade humana. Ele separa o diferente e cristaliza suas formas.
Durante a Época de Orifiel a ação é dirigida principalmente ao corpo astral, para
fortalecer a vontade, resistindo aos impulsos opostos de prazer e dor. Orifiel
concretiza nossas imagens astrais para que sejam combatidas até as profundezas
do sistema ósseo: todo o mal feito pelo homem na época anterior se acumula no
plano astral. Orifiel o libera para que o homem possa conectar suas ações com
suas consequências;
4 – ANAEL (VÊNUS)
Anael de Vênus mostra a beleza de cada dia e inspira amor até mesmo para os
menores eventos da vida. O poder da consciência do “Primo Logos”, o Pai, passa
por este ser sublime. Durante a Época de Anael, a ação é dirigida principalmente
para a alma das sensações e a percepção da beleza do Cosmos. Anael inspira o Eu
a reconhecer-se conscientemente no mundo, levando, em última instância, à
devoção ao Pai que criou o mundo.
5 – ZACARIEL (JÚPITER)
Zacariel de Júpiter torna as pessoas cientes dos eventos e inspira paz e
prosperidade entre as pessoas, incentivando a formação de comunidades. A ação
da Época de Zacariel é dirigida principalmente à alma racional, para que cada
homem possa se reconhecer em seu próximo. A sabedoria que guia o indivíduo
singular é percebida como o vínculo que une os diferentes homens na Fraternidade
do Espírito;
6 – RAFAEL (MERCÚRIO)
Rafael de Mercúrio é o arcanjo que une o que está dividido, restaura o equilíbrio
entre todos os opostos e prepara para as próximas mudanças. A Época de Rafael
atua principalmente na alma da Consciência;
7 – SAMAEL (MARTE)
Samael de Marte é o arcanjo do conflito e inspira oposição para superá-lo. O
poder da forma do Terceiro Logos, o Espírito Santo, passa por este ser, cuja tarefa
é canalizar a vida em formas vivas no plano material. A Época de Samael é dirigida
principalmente para a fortificação do EU através do conflito.
Os Arcanjos, como espíritos, agem como um EU individual dentro da alma do
povo. Eles dão a eles sua língua nativa, o caráter peculiar das pessoas e a missão
dos povos no mundo, ou seja, seu destino.
por Giorgio Tarditi Spagnoli
Tradução livre: Leonardo Maia
Relativizar o mal é um ato anti-Crístico.
O CORPO ETÉRICO DE CRISTO
“Quando sabemos que o corpo etérico de Cristo se desenvolve a partir de
sentimentos humanos de compaixão e amor, a declaração bíblica: “O que você fez
ao menor dos meus irmãos, você fez a mim” torna-se muito real, porque até o fim
da fase terrestre de evolução, Cristo moldará seu corpo etérico a partir da
compaixão e do amor humanos.”
Rudolf Steiner (GA 143 – 18 de maio de 1912)
“O objetivo do argumento, ou da discussão, não deve ser vitória, mas progresso.“ – Joseph Joubert
A HIERARQUIA DE DISCORDÂNCIA DE PAUL GRAHAM E A ALMA DA CONSCIÊNCIA
Aqui vai uma pequena ponte entre a perspectiva de desenvolvimento da consciência humana em direção à Alma da Consciência segundo a Antroposofia e a Hierarquia de Discordância de Paul Graham:
HIERARQUIA DE DISCORDÂNCIA DE PAUL GRAHAM
NÍVEL 1 – DESRESPEITO E XINGAMENTO: puro xingamento e nada mais. Usa a grosseria para se posicionar contra sem elaborar.
NÍVEL 2 – AD HOMINEM: ao invés de discordar do ponto principal prefere atacar o autor. (Burro! Machista! Homofóbico! Ignorante! e etc…)
NÍVEL 3 – ESCRITA / RESPOSTA AO TOM: critica o estilo da escrita sem justificar e sem analisar o ponto central. Ataca a forma do discurso e não o seu conteúdo.
NÍVEL 4 – DO CONTRA: se coloca contrário mas sem justificativas e/ou raciocínio. Consiste na mera afirmação de uma ideia contrária à do texto original. (“Isto é muito ruim.”)
NÍVEL 5 – CONTRA-ARGUMENTAÇÃO: contradiz o que foi dito com justificativas e raciocínio. É uma forma de discordância superior às anteriores, e com maior potencial para afetar positivamente a discussão em alguns casos. Consiste em uma forma mais sofisticada de contradição, onde além de confrontar o conteúdo da proposição original, também são apresentados argumentos sólidos e logicamente sustentáveis como embasamento.
NÍVEL 6 – REFUTAÇÃO DE TRECHO: É um nível onde há contribuição real ao debate, e consiste em uma evolução do contra-argumento. Mas agora, atacando um ponto relevante da ideia original e que de fato tenha sido defendido pelo autor.
NÍVEL 7 – REFUTAÇÃO DO PONTO CENTRAL: Esse é o nível máximo de discordância, onde a refutação tem como alvo o ponto central da ideia defendida pelo autor original. Uma vez refutado o ponto central, toda a argumentação precisa ser abandonada ou revista, levando a discussão a níveis cada vez mais altos e gerando aprendizado.
Aqui, ao subirmos os níveis da Hierarquia de Discordância de Paul Graham, podemos perceber um caminho similar ao proposto pela Antroposofia em direção à Alma da Consciência – onde se faz clara a necessidade da superação dos aspectos inferiores da Alma Humana para uma busca autêntica e honesta em direção à Verdade.
Observe que quanto mais inferior o nível da Hierarquia, menos consciência existe em relação ao que está sendo discutido ou abordado, onde geralmente se refletem aspectos como pessoalidade, simpatia/antipatia, parcialidade, necessidade de auto-afirmação pessoal (egocentrismo), incapacidade de observar ou pensar (e compreender) o que está sendo abordado e etc…
Nos níveis inferiores, estou mergulhado na inconsciência em relação ao tema ou me recuso a aceitar a Verdade (por necessidade do ego inferior). Em ambos posso me tornar veículo de Forças Adversas, tanto na perspectiva de me tornar veículo inconsciente ou mesmo por conscientemente ignorar aspectos da realidade pela não aceitação da Verdade que confronta as minhas necessidades pessoais ou de auto-afirmação (certezas intransigentes e imperativas).
Leonardo Maia
“Esta é a lei que os opostos se atraem no mundo físico (enquanto no espiritual, semelhante atrai semelhante). Precisamos da velha luz solar caotizada (húmus), feita de cadáveres de inúmeras plantas, para alimentar raízes e folhas boas.”
NUTRIÇÃO CÓSMICA E BIODINÂMICA
Há uma passagem difícil, entre muitas, no Curso de Agricultura de Rudolf Steiner. Esta seção se refere à nutrição cósmica.
Steiner diz que a raiz é cósmica em suas atividades, mas terrestre em sua substância. Da mesma forma que algo adstringente absorve água precisamente por ser o oposto (seco), a raiz cósmica anseia por substância caótica. A raiz absorve húmus e sais minerais do solo e os converte diretamente em sua substancialidade física, mas o faz por meio da energia cósmica que a planta recebe de cima por meio da luz e da atmosfera quente.
Por outro lado, a flor é um processo terreno, mas tem substancialidade cósmica: é o processo semelhante ao anseio do limo, estendido até o topo da planta, mas é composto da luz solar atual.
O funcionamento do bom húmus (a luz solar do passado) alimenta mais a raiz, e então as folhas são alimentadas metade por essa velha luz do sol e metade pela nova fotossíntese. Quando alcançamos a flor, estamos testemunhando apenas a luz do sol atual.
Assim, a atividade da flor é claramente um processo reprodutivo terreno, mas sua coloração – seu tom – é a sugestão sutil de qual substância cósmica é mais proeminente. Inversamente, todas as raízes são cósmicas, visto que desejam húmus caótico, mas o grau em que se ramificam indica o “matiz” de um processo terrestre faminto que cresce além de si mesmo. A cenoura é menos tingida por esse processo terroso ramificado e seccionado, mas você verá cenoura bifurcada quando o solo for pobre em húmus ou muito compactado – quando o elemento de terra bruta (não preparada) predomina.
Esta mesma atividade é espelhada em nossos corpos: o cérebro é materialidade depositada diretamente do “húmus” de nossa digestão, enquanto nosso sistema muscular usa forças cósmicas de nossa comida e, por sua vez, é formado de substância “respirada” através das peles sutis de nossos órgãos da nossa atmosfera interna (e até mesmo externa).
Esta é a lei que os opostos se atraem no mundo físico (enquanto no espiritual, semelhante atrai semelhante). Precisamos da velha luz solar caotizada (húmus), feita de cadáveres de inúmeras plantas, para alimentar raízes e folhas boas.
Stewart Kahn Lundy
Tradução livre: Leonardo Maia
Músicas e contos antes de ir dormir fortalecem os aspectos espirituais das crianças, além disso, são uma porta de entrada para os mistérios da noite e dos sonhos. Contos são pura sabedoria.
POR QUE CONTAMOS CONTOS DE FADAS NAS ESCOLAS WALDORF?
Não há cultura nem etnia que não tenha em sua existência uma série de contos que se caracterizam por dar a conhecer suas próprias raízes e costumes: sua própria maneira de se aproximar da realidade e de compreender a vida. Os contos – como as músicas – dão a volta ao mundo e nós, desde que nascemos, vamos nos permeando deles.
Um conto sempre tem ouvidos para ser ouvido, principalmente os de uma criança que, por mais que avance a tecnologia, fica boquiaberta, enfeitiçada pela narração e pelo relato. Há contos que são recebidos por tradição oral e há contos que são lidos diretamente dos milhares de livros que os compilam.
Ouvir e ler contos vai moldando futuros leitores e amantes da literatura; o bom falar, a paixão por procurar palavras-chave para expressar cada emoção (como acontece com a poesia) e perceber que palavras podem servir tanto para ferir como para amar. Aprender a ler (e também a escrever) vai além de ser algo simplesmente funcional para não ser analfabeto.
Deleitar nossos meninos e meninas na linguagem é ajudá-los a se conhecerem melhor e a saberem se expressar da melhor maneira possível. Músicas e contos antes de ir dormir fortalecem os aspectos espirituais das crianças, além disso, são uma porta de entrada para os mistérios da noite e dos sonhos. Contos são pura sabedoria.
Com contos realizamos os dois melhores presentes que podemos fazer aos nossos filhos: tempo e paciência. Hora de crescer e amadurecer e paciência para que cada menino e cada menina se desenvolva como pessoa, trazendo o melhor de si para a comunidade. E que, com a ajuda dos contos, ajudemos as crianças a construir a sua maneira pessoal de viver a vida, de captar a realidade e de lutar pela verdade para que elas cheguem a ser pessoas nobres e honradas.
O nosso mundo precisa da voz das crianças, e nós adultos precisamos de contos para não perder a criança que levamos dentro e que, com o tempo e a vida que nos disseram que devemos viver, tem vindo a ficar submersa nas profundidades da rotina, desconsolo e falta de sentido. Os contos nos libertam de tudo isso através da imaginação e nos conectam com nosso mundo inconsciente, ávido e necessitado de valor.
Com os contos surgem os aspectos morais (em relação aos outros) e os aspectos éticos (em relação a si mesmo) como necessidade de explicar tanto a realidade que nos rodeia como a própria natureza humana. Alguns acompanham festas e celebrações antropológicas e outros refletem problemas e situações humanas.
Não há dificuldade, problema ou situação humana que não fique refletida nos contos e narrações orais. A narração oral surge espontaneamente em quase todas as comunidades e culturas como uma necessidade tanto individual como grupal de se explicar o mundo. Os contos realizam uma função catártica (purga emocional; profilaxia anímica) que facilita a reflexão e o controle dos pensamentos e sentimentos do ser humano, ao mesmo tempo que são alimento espiritual (e compreendemos o conceito espiritual sob um ponto de vista da transcendência da vida, não como crença religiosa; religião é uma maneira de entender o espiritual, mas não é a única).
Cada conto tem uma mensagem concreta e personagens e ações simbólicas, um tesouro por descobrir, algo valioso do que se apropriar que dá sentido ao próprio ato de busca e apropriação, ou seja, de viver a vida. Vamos aproveitar tudo isto e recuperar a tradição do conto na vida familiar para bem de todos!
Escola Waldorf Córdoba
Tradução livre: Leonardo Maia
A infância dos grandes Iniciados pouco difere da vida de outras crianças; talvez haja apenas alguns aspectos que indicam o tipo de espírito que vive em uma criança. Elas devem aprender e enriquecer seus conhecimentos como os outros e só assim conquistar o que eram em encarnações anteriores.
CHRISTIAN ROSENKREUTZ
Com o passar do tempo, antes que Cristo viesse à Terra e se tornasse um ser humano, uma escuridão tão grande havia entrado que até mesmo os Mestres na vida física não tinham mais aquele conhecimento brilhante dos mundos supersensíveis que possuíam antes. Apenas muito gradualmente ocorreu uma iluminação após Cristo manifestar-se em carne. Esta é a razão pela qual, entre os contemporâneos iniciados de Cristo Jesus, por exemplo nos Evangelhos, não foi encontrado conhecimento do significado do Evento do Gólgota.
Mesmo um grande Iniciado, que em sua encarnação egípcia quase nada se ocultava das verdades espirituais que haviam sido reveladas aos humanos, não conseguia se lembrar disso claramente.
O conhecimento é sempre primeiro revelado à humanidade a partir de cima, de seres superiores, através de seus grandes Iniciados e também através de seus alunos, que então devem transmitir essas revelações como ensinamentos. Chegar ao conhecimento sem absorver que o que já foi revelado como um ensinamento é totalmente impossível para qualquer pessoa. Por esta razão, nas escolas esotéricas, os alunos aprendem constantemente o que pode se transformar em conhecimento. Por isso os ensinamentos da Teosofia (Antroposofia) podem ser dados publicamente, a fim de dar o conhecimento da verdade para os que anseiam vir a Cristo.
A infância dos grandes Iniciados pouco difere da vida de outras crianças; talvez haja apenas alguns aspectos que indicam o tipo de espírito que vive em uma criança. Elas devem aprender e enriquecer seus conhecimentos como os outros e só assim conquistar o que eram em encarnações anteriores.
Este também foi o caso com Christian Rosenkreutz. Talvez tenha sido necessário como um milagre para ele não ter reconhecido logo de início o significado do Evento do Gólgota. Isso porque o ‘Eu’ de Jesus de Nazaré foi colocado nele, como o corpo etérico de Santo Agostinho e o corpo astral do venerável Francisco de Assis. Mas, por ser o “Eu”, ele primeiro teve que abrir caminho até o conhecimento a fim de trazê-lo para o seu pleno efeito. Com isso, ele tinha uma missão elevada e importante.
O único nome verdadeiro de Cristo é ‘Eu sou”. Quem não sabe ou não entende isso e o chama de outra forma, não sabe nada sobre Ele. “Eu sou” é o Seu único nome.
Rudolf Steiner – Berlin, 27 de maio de 1909
Tradução livre: Leonardo Maia
Por causa da influência luciférica, os humanos foram encerrados no invólucro físico-terreno antes do que teria ocorrido se apenas as outras forças tivessem influenciado o ser humano: “Portal da Terra” foi fechado.
O INVÓLUCRO FÍSICO-TERRENO DA ALMA HUMANA
Nem todos os sentidos têm o mesmo valor. Eles abriram o plano físico para nós, mas o sentido do tato não está limitado apenas a ele.
Ele nos mostra ou nos permite perceber não só a superfície (macia, dura, áspera, pontiaguda) mas também o calor. Os humanos originalmente eram um corpo de calor – um calor vivificado, o fogo permanecia neles. Nos primeiros tempos da Lemúria não havia superfícies: a alma do ser humano penetrava nas coisas. Por causa da influência luciférica, a alma humana foi fechada atrás das superfícies materiais. O “Portal da Terra” foi fechado.
O ser humano, ou melhor, a alma humana nos primórdios da Lemúria ainda via a luz astral, que estava por trás do calor ao senti-lo. O” Portal do Fogo’ estava aberto. Foi fechado quando o “Portal da Terra” foi formado.
Terra e fogo estão relacionados um ao outro, no sentido esotérico, como o ar e água. O poder da relação entre o ar e a água está relacionado às forças germinativas, sobre as quais os atlantes tinham domínio. Acessamos essas forças novamente por meio da relação que o fogo tem com o ar e a terra com a água: o primeiro com exercícios de respiração, o último por meio de certas meditações que têm efeito no cérebro terreno.
Por causa da influência luciférica, os humanos foram encerrados no invólucro físico-terreno antes do que teria ocorrido se apenas as outras forças tivessem influenciado o ser humano. O fogo (físico e mineral também) deveria ter sido tirado deles. Lúcifer o deu à humanidade. Os gregos e os antigos povos nórdicos compreenderam isso e o expressaram nos mitos de Prometeu e Loki. O ser humano aprenderá a dominar o fogo apenas em Vulcano e, assim, se tornará criador.
Rudolf Steiner – Munich, 11 de janeiro de 1909
Tradução Livre: Leonardo Maia
“É somente por causa da queda dos espíritos das trevas que, ao invés da inteligência física meramente crítica e da abordagem mediúnica, foi e será cada vez mais possível obter experiências diretas no mundo espiritual: o tipo de experiência espiritual que é utilizada na Ciência Espiritual da Antroposofia.”
EXPERIÊNCIAS ESPIRITUAIS CONSCIENTES
“Então aí está o que os espíritos das trevas pretendiam: sagacidade física por um lado, e uma maneira de buscar conexão com o mundo espiritual baseada na consciência reduzida por outro.
É somente por causa da queda desses espíritos das trevas que ao invés de inteligência física meramente crítica e abordagem mediúnica, tem sido e será cada vez mais possível obter experiências diretas e conscientes no mundo espiritual.
Se eles tivessem vencido, viveríamos em um mundo de perspicácia indescritível que se aplicaria a todas as diferentes esferas da vida. As especulações na Bolsa de Valores, às vezes muito estúpidas hoje em dia, teriam sido feitas com incrível perspicácia. Este é um aspecto. Por outro lado, as pessoas em todo o mundo teriam procurado satisfazer suas necessidades espirituais usando médiuns.
Portanto, você tem o que os espíritos das trevas pretendiam: perspicácia física por um lado e uma maneira de buscar conexão com o mundo espiritual baseada na consciência reduzida por outro (Lúcifer). Acima de tudo, os espíritos das trevas queriam impedir que as experiências espirituais, a experiência viva do espírito, descessem às almas humanas; isso estava fadado a acontecer gradualmente após sua queda em 1879.
O tipo de experiência espiritual que é utilizada na ciência espiritual da antroposofia teria sido impossível se os espíritos das trevas tivessem sido vitoriosos, pois eles teriam mantido essa vida e atividade nas regiões espirituais. É somente por causa de sua queda que ao invés da inteligência física meramente crítica e da abordagem mediúnica, foi e será cada vez mais possível obter experiências diretas no mundo espiritual.”
Rudolf Steiner – GA 177
Tradução livre: Leonardo Maia
Muito do que há de bom e de mal no mundo tem suas raízes no caráter humano. Segue-se, portanto, a necessidade dos homens reconhecerem em seus corações qual é o seu dever para com todos os homens.
TEOSOFIA E POLÍTICAS
“Buscar reformas políticas antes de efetuarmos uma reforma na natureza humana é como colocar vinho novo em garrafas velhas. Fazei com que os homens sintam e reconheçam no mais profundo íntimo qual é o seu verdadeiro e real dever para com todos os homens, então todo abuso de poder, toda lei injusta da política nacional, baseada no egoísmo humano, social ou político, desaparecerá por si mesma. Tolo é o jardineiro que tenta arrancar as plantas venenosas de seu canteiro de flores, cortando-as da superfície do solo, em vez de arrancá-las pela raiz. Nenhuma reforma política duradoura pode ser alcançada com os mesmos homens egoístas à frente dos negócios como antigamente.” – Helena Blavatsky
Não se deve perder de vista que, embora a Teosofia não tenha nenhum papel a desempenhar na política como tal, é uma filosofia de vida abrangente que repudia estreiteza de todo tipo e pode fornecer a chave para o esclarecimento de todos os problemas, os teosofistas não podem se recusar a observar as questões sociais atuais ou os problemas da política nacional e internacional. Mas as soluções para esses problemas que a Teosofia ofereceria estariam, em muitos casos, quase inteiramente em desacordo com aquelas propostas pelos homens do mundo.
Precisa-se de uma busca moral individual para uma atuação moral política.
Muito do que há de bom e de mal no mundo tem suas raízes no caráter humano.
Segue-se, portanto, a necessidade dos homens reconhecerem em seus corações qual é o seu dever para com todos os homens.
Trecho de texto publicado na revista da UNITED LODGE OF THEOSOPHISTS
Tradução livre: Leonardo Maia
“No momento em que um homem irradia certas emanações espirituais como resultado de más ações, ele é rodeado por seres que se alimentam delas.” – Rudolf Steiner
O EFEITO DAS MÁS AÇÕES
O que ocorre então quando um erro é cometido? Alguma coisa é produzida por nós mesmos no mundo espiritual. É uma crença puramente materialista de que um erro pode ocorrer sem que nada ocorra no mundo espiritual; isto produz processos bem definidos ali – efeitos irradiam de nós que, embora invisíveis à percepção dos sentidos, podem ser claramente percebidos pela visão espiritual.
Esses processos espirituais, irradiando de quem cometeu tais erros, fornecem alimento para certos seres espirituais que estão realmente presentes no mundo espiritual. Tais seres não podem se aproximar do homem em todos os momentos; eles só podem fazer isso quando as radiações resultantes de ações más emanam dele.
É exatamente o mesmo que acontece com um cômodo – se estiver bem limpo, nenhuma mosca entrará nele; não há moscas em uma sala perfeitamente limpa; mas se sobra comida ou há sujeira de qualquer tipo, as moscas vêm imediatamente – então, no momento em que um homem irradia certas emanações espirituais como resultado de uma má ação, ele é rodeado por seres que se alimentam delas.
Rudolf Steiner – GA 116
Tradução livre: Leonardo Maia
Automatismo e controle estão conquistando o núcleo de todos os âmbitos que caracterizavam a fisionomia exterior do mundo interior humano, conseguindo algo inédito na história: fazer da diversidade o território da uniformidade.
A IDEIA DE LIBERDADE
”Dado que Steiner considera que a liberdade é uma realidade transversal ao fenômeno humano, sua filosofia visa buscar as condições que tornam possível a liberdade através de todos os estratos que compõem o universo do humano passando pelo mitológico, místico, biológico, artístico, filosófico e, finalmente, ético e social. Operando através de um método indutivo, Steiner analisa os aspectos através dos quais se desenvolveram áreas de liberdade ao longo da história das ideias e crenças da humanidade para, uma vez localizados esses aspectos, deduzir deles os polos básicos através dos quais se desenvolve a liberdade.
Claro que nesta análise da liberdade Rudolf Steiner não parte de uma definição preestabelecida do que ela é, mas sim do que ela não é. O oposto da liberdade é o autoritarismo do uniforme (padronização), e é precisamente o reconhecimento deste inimigo que torna o pensamento de Steiner tão vigente hoje.
Estamos entrando em uma época na qual existe uma série de traços, que podemos resumir em automatismo e controle, estão conquistando o núcleo de todos os âmbitos que caracterizavam a fisionomia exterior do mundo interior humano, conseguindo algo inédito na história: fazer da diversidade o território da uniformidade. Arte, ideias, ciência e religião entraram em uma deriva onde ortodoxia e heterodoxia são retroalimentados para reproduzir um mesmo resultado que possa ser controlado e repetido automaticamente para consumo maciço.”
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Oscar González Perez – Bipolaridade e liberdade na filosofia de Rudolf Steiner
Tradução livre: Leonardo Maia
Por mais poético e belo que seja afirmar que a criança escolhe os pais, a consciência que faz essa escolha não é a imagem infantil do invólucro físico humano, mas sim do EU espiritual daquela individualidade.
A CONSCIÊNCIA DO EU ESPIRITUAL E O PRISMA DO INVÓLUCRO FÍSICO TERRENO
Um aspecto relevante a se considerar sobre reencarnação e carma é a diferenciação da consciência da individualidade e de sua manifestação no veículo físico terreno.
O veículo físico terreno tem influência direta na manifestação da consciência individual que não deve ser diretamente vinculada à real consciência do EU espiritual, a qual se diferencia tanto fora do invólucro físico quanto na diferenciação produzida por invólucros físicos específicos.
Por exemplo: a pessoa nasce com Síndrome de Down. Essa característica influencia na manifestação do EU no veículo terreno. Porém, não se deve atrelar tal característica à consciência do EU, por exemplo, no pós morte ou mesmo nas encarnações físicas anteriores e posteriores.
Neste aspecto vale ressaltar a grande influência dos genes, principalmente sob a perspectiva de individuação do EU, ou seja, quanto menos individualizado o EU, mais forte será a influência da carga genética, inclusive na manutenção de memórias nucleares (aquelas que passam de geração para geração).
Outro aspecto relevante a ser considerado é o efeito do próprio processo de desenvolvimento do veículo físico terreno na consciência – o qual tem potente influência em cada fase da vida – nossa consciência na infância se diferencia da consciência da puberdade, da consciência adulta e da consciência do fim da vida (a Biografia – a consciência se manifesta de formas específicas em cada fase da vida).
Aqui fica interessante observar que, por mais poético e belo que seja afirmar que a criança escolhe os pais, a consciência que fez essa escolha não é a imagem infantil do invólucro físico humano, mas sim do EU espiritual daquela individualidade.
Na verdade, o veículo físico terreno é um prisma da consciência real espiritual, o qual possui seu devido propósito e importância.
Leonardo Maia
O VALENTE ALFAIATEZINHO
Era uma vez, numa manhã de verão, um pequeno alfaiate que estava costurando à sua mesa perto da janela, ele estava muito bem humorado, e costurava tudo que podia. De repente, ele viu uma camponesa que descia a rua gritando:
“Geléia boa e barata! Geléia boa e barata!”
Isso soou como uma melodia aos ouvidos do pequeno alfaiate, então ele esticou a sua cabeça para fora da janela e disse:
“Suba até aqui, minha boa senhora, e a senhora vai se livrar de alguns dos seus produtos.”
A mulher subiu três degraus até o alfaiate com a sua pesada cesta, e ele fez com que ela abrisse todos os potes de geléia para que fossem examinados. Ele inspecionou todos os potes de geléia, levantou-os, e cheirou, e finalmente disse: ”
A geléia me parece estar boa, então pese para mim cem gramas, minha senhora, e se passar um pouquinho não tem problema.”
A vendedora, que esperava fazer uma boa venda, lhe entregou o que ele pediu, mas foi embora brava e resmungando.
“Ora, Deus abençoe a geleia que eu vou usar,” disse o pequeno alfaiate, “e me dê saúde e força”, então ele foi até o armário e pegou alguns pães, cortou um pedaço e espalhou a geléia sobre o pão.
“Isso é muito gostoso”, disse ele, mas eu vou terminar a jaqueta antes de dar uma mordida nele.
Ele colocou o pão perto dele, continuou costurando, e cheio de alegria, fez muitos e muitos pontos. Enquanto isso, o cheiro do doce de geléia já subia a parede, onde as moscas começavam a sentar em grande quantidade, porque elas tinham sido atraídas e pousavam sobre a geléia como se tivessen sido convidadas.
“Olá! quem chamou vocês?” disse o pequeno alfaiate, e expulsou os convidados enxeridos.
As moscas, todavia, que não entendiam o que ele falava, não queriam ser expulsas, e voltavam novamente trazendo mais convidados. Então o pequeno alfaiate finalmente perdeu toda a sua paciência e e pegou um pedaço de pano do buraco que havia debaixo de sua mesa de trabalho, e disse:
“Esperem, e vocês terão o que merecem,” e bateu impiedosamente na mesa. Depois que ele as expulsou, ele teve o trabalho de contar, e ali estavam diante dele nada menos que sete moscas, mortas e com as perninhas esticadas.
“Você é mesmo um cara de sorte?” disse ele, e não conseguia deixar de admirar a sua própria bravura.
“A cidade inteira precisa ficar sabendo disso!” E o pequeno alfaiate foi correndo cortar uma faixa, costurou-a, e a bordou com letras graúdas, “Sete com um só golpe!” “Não só a cidade!”, continuou ele, “o mundo todo precisa ouvir falar disso!” e o seu coração vibrava de alegria como a cauda de um cordeiro.
O alfaiate colocou a faixa, e decidiu sair pelo mundo, porque ele achava que o seu ateliê era pequeno demais para o seu talento. Antes de sair, ele procurou pela casa para ver se havia alguma coisa que ele pudesse levar na viagem, todavia, ele não encontrou nada, exceto um pedaço de queijo, que ele colocou no bolso. Na frente da sua casa ele viu um pássaro que havia ficado enroscado no mato.
Ele o colocou no bolso junto com o queijo. Então ele pegou a estrada corajosamente, e como era leve e veloz, ele não sentia cansaço. A estrada o levou até uma montanha, e quando ele tinha alcançado o ponto mais alto da montanha, lá estava um prodigioso gigante olhando ao redor todo tranquilo.
O pequeno alfaiate continuou audacioso, falou com ele, e disse: “Bom dia, camarada, então você está sentado aí apreciando a beleza e a grandeza do mundo! Eu estou andando pelo mundo para tentar a minha sorte. Será que você estaria disposto a vir comigo?” O gigante olhou com desprezo para o alfaiate, e disse: “Escuta aqui, seu pirralho! Seu, pobre infeliz!”
“Ah, é?” respondeu o pequeno alfaiate, e desabotou o casaco, e mostrou ao gigante a faixa, “Agora você vai saber que tipo de homem eu sou!” O gigante leu, “Sete com um só golpe”, e pensou que tinham sido alguns homens que o alfaiate tinha matado, e começou a sentir um pouco de respeito pela diminuta criatura. Não obstante, ele quis tentá-lo primeiro, e pegou uma pedra na mão e a espremeu tanto que até água saiu dela.
“Faça isso também,” disse o gigante, “se você tem força?” “Só isso?”, disse o alfaiate, “isso para mim é brinquedo de criança!” e colocou a sua mão no bolso, e retirou o pedaço de queijo, e o pressionou até que saiu líquido dele. “Tem que ter fé,” disse ele, “isso foi um pouco melhor, não foi?” O gigante não sabia o que dizer, e não conseguia acreditar no que ele tinha visto.
Então o gigante pegou uma pedra e a atirou tão alto que mal os olhos podiam acompanhar a subida. “E então, pequena migalha de gente, faça isso também.” “Você atirou bem,” disse o alfaiate, “mas depois todas as pedras voltaram para a terra novamente, eu vou lançar uma que jamais voltará,” e ele colocou a mão no bolso, tirou o pássaro para fora, e o lançou para o alto.
O pássaro, feliz por ter-se libertado, subiu, voou para longe e jamais retornou. “O que você achou dessa jogada, camarada?” perguntou o alfaiate. “Você certamente atirou longe”, disse o gigante, “mas agora queremos ver se você é capaz de carregar alguma coisa de modo apropriado.” Ele levou o pequeno alfaiate até um pé de carvalho gigante que estava lá caído no chao, e disse: “Se você é forte o bastante, ajude-me a levar esta árvore para fora da floresta.”
“Isso é moleza,” respondeu o pequeno homem, “pegue você o tronco nos teus ombros, e eu levantarei os galhos e os ramos, afinal de contas, eles são mais pesados.” O gigante colocou o tronco no ombro, mas o alfaiate se sentou em um galho, e o gigante, que não conseguia olhar ao redor, teve de carregar a árvore inteira, e o pequeno alfaiate ainda por cima: ele atrás, estava todo alegre e feliz, e assobiava a canção: “Três alfaiates atravessaram o portão,” como se carregar a árvore fosse muito fácil.
O gigante, depois de ter levado a carga pesada por um pedaço do caminho, não conseguia andar mais, e gritou: “Escute, vou ter de deixar a árvore cair!” O alfaiate pulou rapidamente, segurou a árvore com as duas mãos, como se ele a estivesse carregando, e disse para o gigante: “Você é realmente muito grande, mas não consegue nem sequer levar uma árvore!”
Eles continuaram juntos, e quando eles ultrapassaram um pé de cerejeira, o gigante segurou no topo da árvore onde ficavam as frutas mais maduras, a inclinou, entregou-a na mão do alfaiate, e falou para que ele comesse. Mas o pequeno alfaiate era muito fraco para segurar a árvore, e quando o gigante a soltou, o galho deu um pulo novamente, e o alfaiate foi lançado no ar junto com o galho. Quando ele caiu novamente sem se machucar, o gigante disse:
“Mas o que é isto? Você não tem força o bastante para segurar um galho fraco?”
“Não se trata de falta de força,” respondeu o pequeno alfaiate “Você acha que alguma coisa poderia acontecer com um homem que derrubou sete com um só golpe? Eu pulei por cima da árvore porque os caçadores estavam atirando no matagal lá embaixo. Salte você também, se você é capaz de fazer isso.”
O gigante tentou, mas não conseguiu subir na árvore, e ficou pendurado nos galhos, do mesmo modo que o alfaiate também tinha ficado com as mãos levantadas.
O gigante disse: “Se você é uma pessoa valente, vamos comigo na minha caverna para passarmos a noite juntos.” O pequeno alfaiate estava querendo e o acompanhou. Quando eles entraram na caverna, outros gigantes estavam sentados ali, perto da fogueira, e cada um deles segurava uma ovelha assada nas mãos e estava comendo. O pequeno alfaiate olhou ao redor e pensou: “Há mais espaço aqui do que no meu ateliê.”
O gigante lhe mostrou uma cama, e disse que era para ele deitar e dormir nela. A cama, no entanto, era grande demais para o pequeno alfaiate, ele não quis deitar nela, mas ficou encolhido num canto. Quando era meia noite, e o gigante pensou que o pequeno alfaiate estava dormindo com sono profundo, ele se levantou, pegou uma barra de ferro grande, e atravessou a cama com um só golpe, e pensou que ele tivesse dado no gafanhoto o golpe final.
Bem de manhãzinha os gigantes foram para a floresta, e já tinham totalmente se esquecido do pequeno alfaiate, quando de repente este caminhou em direção a eles, alegre e corajoso. Os gigantes ficaram assustados, eles ficaram com medo que ele os matasse a todos, e correram apressados.
O pequeno alfaiate seguiu em frente, andando sempre com seu nariz empinado. Depois de caminhar por algum tempo, ele chegou a um pátio do palácio real, e como ele estava cansado, ele se deitou na grama e adormeceu. Enquanto ele ficou deitado ali, as pessoas vinham e o examinavam de todos os lados, e liam o que estava escrito na faixa, “Sete com um só golpe.” “Ah, disseram eles, “O que faz o grande guerreiro aqui em pleno período de paz? Ele deve ser um poderoso senhor.”
Eles foram e o anunciaram ao rei, e eram de opinião de que se houvesse uma guerra, ele seria uma pessoa importante e útil e que de forma alguma não deveriam deixá-lo partir. A sugestão agradou ao rei, então, ele enviou um de seus cortesãos até o pequeno alfaiate para oferecer a ele serviço militar quando ele acordasse.
O embaixador esperou de pé ao lado do alfaiate que dormia, esperou até que ele esticasse suas pernas e abrisse os olhos, e só então, transmitiu a proposta que o rei tinha feito. “E é para isso mesmo que eu vim até aqui,” respondeu o alfaiate, “Estou pronto para servir ao rei.” Ele foi então, recebido com honras, e um aposento em separado lhe foi reservado.
Os soldados, no entanto, começaram a se indispor com o pequeno alfaiate, e preferiram manter distância dele. “Como será que tudo isto vai terminar?” diziam eles entre si mesmos. “Se um de nós discute com ele, e ele o desafia, todos nós seremos derrotados a cada investida dele, assim, nenhum de nós poderá enfrentá-lo.” Então, ele chegaram a uma conclusão, se apresentariam diante do rei e pediriam demissão.
“Nós não estamos preparados,” disseram eles, “para acompanharmos um homem que mata sete com um só golpe.” O rei lamentou que por causa de um ele fosse perder todos os seus criados leais, e desejou jamais ter colocados os olhos no alfaiate, e agora desejava se livrar dele novamente. Mas ele não tinha coragem de demiti-lo, agora, pois ele temia ser morto junto com todos os seus súditos, e sentou-se no trono real.
Ele ficou pensando nisso durante muito tempo, e finalmente chegou a bom termo. Mandou que fossem até o pequeno alfaiate e o informassem que como ele era um guerreiro muito valoroso, o rei tinha um pedido para fazer a ele. Na floresta daquela região viviam dois gigantes, que causavam grande confusão por causa de roubos, assassinatos, saques, e queimadas, e ninguém conseguia chegar perto deles sem correrem risco de morte.
Se o alfaiate derrotasse e matasse os dois gigantes, ele concederia a mão da sua única filha como esposa, e ainda metade do reino como dote, e também uma centena de cavaleiros iriam com ele para auxiliá-lo. “Essa será uma tarefa perfeita para um homem como eu!” pensou o pequeno alfaite. Ninguém oferece uma linda princesa e metade do reino todos os dias na vida de uma pessoa!” “Oh, sim,” respondeu ele, “eu derrotarei os gigantes, e não vou precisar da ajuda dos cem cavaleiros que o senhor me prometeu, aquele que derrotou sete com um só golpe, não precisa ter medo de dois.”
O pequeno alfaiate foi embora, e os cem cavaleiros o seguiram. Quando ele chegou nas proximidades da floresta, ele disse para aqueles que o acompanhavam: “Quero que vocês fiquem esperando aqui, sozinho eu vou derrotar os gigantes.” Então ele partiu com destino à floresta e olhava para a direita e para a esquerda. Depois de algum tempo ele notou a presença de alguns gigantes. Eles estavam dormindo debaixo de uma árvore, e roncavam tanto que os galhos eram soprados para cima e para baixo.
O pequeno alfaiate, que não era tolo, havia enchido dois bolsos cheios de pedras, e subiu na árvore levando as pedras consigo. Quando ele já havia subido metade do caminho, ele escorregou por um galho, e ficou sentado bem na direção dos dorminhocos, e depois começou a jogar uma pedra depois da outra no peito de um dos gigantes. Durante algum tempo o gigante não sentiu nada, mas, finalmente, ele acordou, empurrou o seu companheiro, e disse: “Porquê você está me batendo?” “Você deve estar sonhando,” disse o outro, “eu não estou batendo em você.”
Eles deitaram e dormiram novamente, e então, o alfaiate atirou uma pedra no segundo. “Mas o que significa isto?” exclamou o outro. “Porquê você está atirando pedras em mim?” “Eu não estou atirando pedras em você,” respondeu o primeiro, resmungando. Eles discutiram ainda durante algum tempo, mas, como eles estavam cansados, eles deixaram a coisa esfriar, e mais uma vez voltaram a dormir. O pequeno alfaiate começou a brincadeira novamente, pegou a maior pedra que tinha, e a atirou com toda a sua força sobre o peito do primeiro gigante.
“Isso já foi demais!” reclamou ele, e se levantou que nem louco, e empurrou o seu companheiro contra a árvore que até ela tremeu. O outro lhe retribuiu na mesma moeda, e os dois ficaram tão furiosos que até árvores eles arrancaram e ficaram ridicularizando um ao outro durante longo tempo, até que os dois ao mesmo tempo cairam mortos no chão. “Então, o pequeno alfaiate desceu da árvore. “Foi uma sorte muito grande”, disse ele, “que eles não arrancaram a árvore onde eu estava sentado, ou eu teria de pular para uma outra como se fosse um esquilo, mas, nós, alfaiates, somos espertos.”
Ele tirou a sua espada, e deu em cada um deles algumas cutucadas no peito, e depois foi até os cavaleiros e disse: “Missão cumprida, acabei de aplicar nos dois o meu golpe de misericórdia, mas, não posso negar, foi um trabalho muito difícil! Eles desesperados chegaram a arrancar árvores, mas, de nada adiantou tudo isso, quando chega um homem como eu, que pode matar sete com um só golpe.”
“Mas, você não está ferido?” perguntaram os cavaleiros. “Vocês não precisam se preocupar com isso,” respondeu o alfaiate, “eles não conseguiram tocar nem sequer em um fio de cabelo meu.” Os cavaleiros não queriam acreditar nele, e cavalgaram até a floresta, lá eles encontraram os gigantes mortos numa poça de sangue, e por toda parte, estavam as árvores que haviam sido derrubadas.
O pequeno alfaiate exigiu do rei o cumprimento da promesa, este, no entanto, arrependeu-se da promessa, e novamente voltou a pensar como conseguiria se livrar daquele herói. “Antes de receberes minha filha, e metade do meu reino,” disse a ele o rei, “deves realizar mais um feito heróico. Na floresta vive perambulando um unicórnio que causa grandes prejuízos, e tu, primeiro, deves capturá-lo.”
“Tenho menos medo de um unicórnio do que de dois gigantes. Sete com um só golpe, é o meu lema.” Ele pegou uma corda, e também um machado, e saiu pela floresta, e de novo pediu para aqueles que haviam sido enviados com ele para que esperassem do lado de fora. Ele não precisou esperar muito tempo. O unicórnio logo apareceu e disparou furioso na direção do alfaiate, como se fosse perfurá-lo com o chifre, sem qualquer cerimônia. “Devagar, devagar, você não precisa vir com tanta pressa,” disse ele, e ficou parado e esperou até que o animal estivesse bem perto, e então, correu ligeiro para trás da árvore.
O unicórnio correu atrás da árvore com toda a velocidade, e golpeou o tronco com o seu chifre com tanta força que não conseguiu retirá-lo, e assim ele ficou preso. “Agora, eu peguei o passarinho,” disse o alfaiate, e saiu de trás da árvore e colocou a corda em torno do pescoço do animal, e então, com o seu machado, ele cortou fora o chifre que havia ficado preso no tronco, e depois de tudo terminado, ele levou a fera embora e a entregou para o rei.
Mas, o rei ainda não queria lhe dar a recompensa prometida, e fez-lhe uma terceira exigência. Antes do casamento, o alfaiate deveria capturar para a sua majestade um javali selvagem, que estava causando grande devastação na floresta, e os caçadores poderiam lhe ajudar. “Claro!”, disse o alfaiate, “isso é mais fácil que tirar pirulito de criança.” Ele não quis se fazer acompanhar dos caçadores na floresta, e todos eles ficaram muito felizes por ele não querer, porque o javali selvagem por diversas vezes os recebeu de tal maneira que eles não tinham nenhuma vontade de vê-lo novamente.
Quando o javali viu o alfaiate, ele correu em sua direção, com a boca espumando e com as presas afiadas, e estava quase o atirando ao chão, mas, o valente herói pulou em cima de um chapéu que estava por perto, e subiu na janela imediatamente, e saltou para fora novamente. O javali tentou correr atrás dele, mas, o alfaiate correu para o lado de fora e fechou a porta, e o colérico animal, que era muito pesado e desajeitado para pular a janela, foi agarrado.
O pequeno alfaiate chamou os caçadores para que eles pudessem ver a presa com seus próprios olhos. O herói, todavia, foi até o rei, que, agora, gostasse ou não, foi obrigado a cumprir sua promessa, dando a sua filha e metade do seu reino. Se ele soubesse que diante dele não havia nenhum herói belicoso, mas, um pequeno alfaiate, o que ele sentiu em seu coração teria sido ainda mais forte. O casamento foi realizado com grande magnificência e pouca alegria, pois um alfaiate havia se tornado rei.
Um dia, a jovem rainha ouviu seu marido dizer durante o sonho enquanto dormia: “Garoto, faça-me o casaco, e remende as minhas calças, ou eu darei alguns piparotes nos teus ouvidos.” Então, ela descobriu a origem de nascimento do pequeno nobre, e na manhã seguinte ela se queixou desse engano para o seu pai, e pediu a ele para que a ajudasse a se livrar do marido, que não passava de um alfaiate.
O rei a consolou e disse: “Esta noite, deixe a porta do teu quarto aberta, e meus criados vão ficar do lado de fora, e quando ele tiver dormido, eles entrarão, o amarrarão, e o levarão a bordo de um navio que o levará para um grande viagem.” A jovem ficou contente com o plano, mas, o escudeiro do rei, que tinha ouvido tudo, era amigo do pequeno nobre, e lhe informou de toda a trama.
“Vou resolver esse assunto,” disse o pequeno alfaiate. À noite, quando ele foi para a cama com sua esposa na hora habitual, e quando ela pensou que ele havia pegado no sono, ela se levantou, abriu a porta, e voltou a se deitar. O pequeno alfaiate, que apenas fingia estar dormindo, começou a gritar bem alto: “Garoto, faça-me o casaco, e remende as minhas calças, ou eu darei alguns piparotes nos teus ouvidos.”
“Eu acabei com sete com um só golpe. Matei dois gigantes, fiz com que o unicórnio fugisse para longe, e agarrei um javali selvagem, e ainda vou ter medo desses que estão do lado de fora do quarto.” Quando eles ouviram o alfaiate falando desse jeito, eles ficaram muito assustados, e correram desesperados como se um caçador furioso estivesse atrás deles, e nenhum deles nunca mais tentou nada contra ele. Então, o pequeno alfaiate se tornou rei e reinou até o fim de seus dias.
Conto dos Irmãos Grimm
O PESCADOR E SUA ESPOSA
Era uma vez um pescador que vivia com a sua esposa num casebre muito pobre que ficava perto do mar, e todos os dias ele ia pescar.
E um dia ele pegou a vara de pescar, e estava sentado, olhando para as águas claras do oceano, quando subitamente sentiu que a vara era puxada, num lugar que era bem profundo, e quando ele puxou a linha novamente, e encontrou um belo Linguado. Então, o linguado disse para ele:
— “Ei, pescador, eu te imploro, me deixe viver, na verdade, eu não sou um linguado, mas um príncipe encantado. De que vai adiantar você me matar? Eu não fui feito para ser comido, coloque-me na água novamente, e me solte, por favor.”
— “Ora,” disse o pescador, — “não é preciso muitas explicações a esse respeito — um peixe que pode falar certamente eu deixaria ir de qualquer maneira”, e o Linguado nadou para o fundo, deixando uma grande listra de sangue para trás. Então, o pescador se levantou e voltou para onde estava a sua esposa no casebre.
— “Querido,” disse a mulher, “você não pescou nada hoje?”
— “Não,” disse o homem, “eu pesquei um linguado, que disse que ele era um príncipe encantado, então, eu o soltei novamente.”
— “Você não fez nenhum desejo antes de soltá-lo?, disse a mulher.
— “Não,” disse o homem, “o que mais eu poderia desejar?”
— “Ah,” disse a mulher, “Não é fácil ter de viver eternamente neste casebre imundo; você deveria ter pedido para nós uma pequena cabana, certamente ele teria atendido a esse desejo.”
— “Ah, disse o homem, “por quê eu deveria voltar lá novamente?”
— “Porque,” disse a mulher, você o pegou, e você o deixou ir, é lógico que ele vai ouvir você. Vá já lá.”
O homem não gostou da ideia de ir, mas, não gostava de contrariar sua esposa, e voltou ao mar.
Quando ele chegou lá o mar estava todo verde e amarelo e as águas estavam muito agitadas, então, ele pensou e disse:
— “Linguado, linguado do mar.
Te imploro, com meus punhos ferrenhos.
Porque a minha esposa Isabel,
Tem sonhos que eu não tenho.”
Então, o linguado veio correndo para ele e disse:
— “Bem, o que é que ela quer então?
— “Ah,” disse o homem, “eu pesquei você e a minha esposa diz que eu deveria ter feito um desejo antes de soltá-lo. Ela não quer viver mais numa casa toda destruída, ela gostaria de morar numa cabana melhor.”
— “Volte pra casa,” então, “disse o linguado, e diga a sua esposa que o desejo dela será atendido.”
Quando o pescador voltou pra casa, sua esposa não estava mais no casebre pobre, mas no lugar dele havia uma pequena cabana, e ela estava sentada num banco na porta da frente. Então, ela o pegou pela mão e lhe disse:
— “Entre só dentro, e olhe, não ficou muito melhor?” Então, eles entraram, e havia uma pequena varanda, e uma linda e pequena sala de estar e um dormitório, e uma cozinha e uma copa, com as melhores mobílias, e equipados com os mais lindos utensílios de cozinha feitos de estanho e bronze, e tudo o que eles mais precisavam.
E atrás da cabana havia um pequeno quintal, com galinhas e patos, e um pequeno jardim com flores e frutas.
— “Olhe,” disse a esposa, “não é tudo muito lindo?”
— “Sim,” disse o marido, “e isso é tudo o que precisamos — agora vamos viver completamente felizes.”
— “Pensaremos nisso,” disse a esposa, E assim eles comeram alguma coisa e foram dormir. Durante uma semana ou quinze dias tudo ia bem, e então, a esposa disse:
— “Ouça, querido, esta cabana é pequena demais para nós, e o jardim e o quintal também são muito pequenos; o linguado bem que poderia ter-nos dado uma casa maior. Eu gostaria de morar num grande castelo de pedra; procure o linguado agora, e diga-lhe para nos dar um castelo.”
— “Ah, querida, disse o pescador, “a cabana já nos é suficientemente boa, porque deveríamos morar num castelo?”
— “O quê?” disse a mulher, “Volte já até o linguado e ele irá nos atender.”
— “Não, querida, disse o homem, “o linguado já nos deu a cabana, Eu não gostaria de voltar lá agora, ele poderia ficar bravo.”
— “Vá”, disse a mulher, “é fácil para ele fazer isso, e ele ficará muito contente, vá já lá.”
O coração do pescador ficou pesado, e ele não queria ir. Então, ele disse para si mesmo: — “Isso não é certo.” Mas, foi. E quando ele chegou perto do mar as águas estavam completamente púrpuras e azuis-escuras, e ficavam cinzentas e densas, e não ficavam mais verdes e amarelas como antes, mas eram ainda calmas. Então, ele parou e disse:
— “Linguado, linguado do mar.
Te imploro, com meus punhos ferrenhos.
Porque a minha esposa Isabel,
Tem sonhos que eu não tenho.”
— “Bem, o que ela quer, então?” disse o linguado.
— “Ai,” disse o homem, meio assustado, “ela quer viver num grande castelo de pedra.”
— “Volte agora, então, ela o estará esperando na frente da porta,” disse o linguado.
Então, o homem foi embora, pretendendo ir para casa, mas quando ele chegou lá, ele encontrou um grande palácio de pedra, e sua esposa o estava esperando na porta, e ela o pegou pela mão e disse:
— “Venha, querido.” Então, ele entrou com ela, e dentro do castelo havia uma sala de recepção com piso de mármore, e muitos criados, que abriam as portas imensas, e as paredes brilhavam e eram adornadas com belíssimos tapetes, e nas salas haviam cadeiras e mesas feitas de ouro puro, e lustres de cristais pendiam do teto, e comida e vinho da melhor qualidade estavam postos em todas as mesas que elas mal suportavam o peso.
Atrás do castelo, também, havia um pátio imenso com estábulos para cavalos e vacas, e as carruagens mais luxuosas; havia um jardim enorme e magnífico, também, com as mais belas flores e árvores frutíferas, e um parque com quase um quilômetro de comprimento, onde haviam cervos, veados, e lebres, e tudo o que se pudesse imaginar.
— “Venha.” disse a mulher, “não é tudo muito lindo?”
— “Sim, de fato,” disse o homem, “agora está tudo ótimo, e nós viveremos neste lindo castelo e seremos muito felizes.”
— “Depois pensaremos nisso,” disse a mulher “vamos dormir,” e foram para a cama.
Na manhã seguinte a esposa acordou primeiro, e o sol já havia nascido, e do seu quarto ela via a belíssima paisagem que se estendia diante de seus olhos. Seu marido ainda estava se esticando, então, ela o cutucou de lado com a ponta do seu cotovelo, e disse:
— “Levante, marido, e dê só uma olhadinha na janela. Veja só, será que nós não poderíamos ser o rei e a rainha de todas aquelas terras? Procure o linguado, e nós seremos rei e rainha.”
— “Ah, mulher,” disse o homem, “porquê precisamos de tudo isso? Eu não quero ser rei.”
— “Bem,” disse a esposa, “se você não quer ser rei, eu quero ser rainha; vá procurar o linguado porque eu serei a rainha.
— “Ah, mulher,” disse o pescador, porque você quer ser rainha? Eu não quero dizer isso a ele.”
— “Porque não?,” disse a mulher, “vá até ele agora mesmo, eu preciso ser rainha!”
Então, o homem foi, e estava muito triste porque a sua esposa queria ser rainha. — “Isso não está certo, isso não está certo”, pensava ele. Ele não queria ir, mas, foi.
E quando ele chegou perto do mar, ele estava totalmente cinzento-escuro e as águas vinham de baixo e tinham um cheiro de podre. Então, ele foi e estando perto das águas, pensou:
— “Linguado, linguado do mar.
Te imploro, com meus punhos ferrenhos.
Porque a minha esposa Isabel,
Tem sonhos que eu não tenho.”
— “Bem, o que ela deseja agora?” disse o linguado.
— “Oh,” disse o homem, “ela quer ser rainha.” Pode voltar, pois ela será rainha.”
Então, o homem foi, e quando ele chegou ao palácio, o castelo havia se tornado muito maior, e tinha uma grande torre, e enfeites maravilhosos, e havia sentinelas diante da porta, e havia inúmeros soldados com tímbares e clarinetes. E quando ele entrou dentro do palácio, tudo era feito de mármore e ouro, com estofados de veludo e enorme pendões de ouro.
Então, as portas da sala de entrada foram abertas, e lá estava a corte com todo seu esplendor, e a sua esposa estava sentada num trono alto feito de ouro e diamantes, e tinha uma coroa de ouro em sua cabeça, e um cetro de ouro puro e joias em suas mãos, e de ambos os lados dela havia filas com as damas de espera, todas elas organizadas por tamanho, desde a mais alta até a mais baixa.
Então, ele foi e ficou diante dela, e disse:
— “Ah, querida, agora tu és a rainha.”
— “Sim,” disse a mulher, “agora eu sou rainha.” Então, ele parou e olhou para ela, e quando ele ficou olhando para ela durante algum tempo, ele disse:
— “E agora que sois a rainha, vamos deixar tudo como está, pois, agora, não precisamos de mais nada.”
— “Não, meu marido,” disse a mulher, bastante agitada, — “eu acho que o tempo passa muito pesado para mim, não suporto mais isso, vá procurar o linguado. — “Eu sou a rainha, mas eu quero ser imperatriz também.”
— “Querido,” disse ela, vá até o linguado e peça para eu ser a imperatriz.”
— “Oh, minha querida,” disse o pescador, — “ele não pode te fazer imperatriz. Eu não posso dizer isso ao peixe. Há somente um imperador no país. Imperatriz certamente o linguado não te fará! Garanto que não!”
— “O quê!, disse a mulher, “eu sou a rainha e você não passa de meu marido, você irá agora mesmo? Vá imediatamente! Se ele conseguiu me tornar rainha, ele pode me fazer imperatriz . Eu serei a imperatriz, vai já.”
Então, ele foi obrigado a ir, E enquanto ele ia, todavia, ele estava muito nervoso, e pensava consigo mesmo: — “Isso não vai acabar bem, isso não vai acabar bem! O império seria muito vergonhoso! O linguado vai ficar furioso com isso.”
Com isso ele alcançou o mar, e o mar estava todo negro e denso, e as águas começaram a fervilhar desde baixo, de modo que ele soltava bolhas, e um vento tão cortante soprava que as ondas borbulhavam, e o pescador ficou com medo. Então, ele foi e ficou a beira do mar e disse:
— “Linguado, linguado do mar.
Te imploro, com meus punhos ferrenhos.
Porque a minha esposa Isabel,
Tem sonhos que eu não tenho.”
— “O que ela quer agora?” disse o linguado.
— “Oh, linguado,” disse ele, “minha esposa quer ser imperatriz.”
— “Vá até ela,” disse o linguado, “ela já é imperatriz.”
Então, o homem foi, e quando ele chegou lá todo o palácio era feito de mármore polido com figuras de alabastro e ornamentos de ouro, e soldados estavam marchando diante da porta do palácio e tocando clarinetes, e ouvia os sons de címbalos e tambores, e no palácio, barões e condes e duques andavam para lá e para cá como se fossem criados.
Então, eles abriram as portas para ele, as quais eram feitas de ouro puro. E, depois que ele entrou, a sua esposa estava sentada ali no trono, que era feito de uma só peça de ouro, e tinha quase três quilômetros de altura, e ela usava uma grande coroa de ouro com três metros de altura, e enfeitado com diamantes e pedras preciosas, e em uma mão ela empunhava o cetro, e na outra o globo imperial, e de ambos os lados dela ficavam os homens da cavalaria em duas fileiras, organizados por altura, desde o gigante mais alto com três mil metros de altura até o anão mais baixo, tão pequeno quanto meu dedo mínimo. E diante do trono havia um grande número de príncipes e duques.
Então, o homem foi e estando no meio deles, disse:
— “Querida, você é a imperatriz agora?”
— “Sim,” disse ela, “agora eu sou a imperatriz.” Então, ele foi e olhou bem para ela, e ele ficou olhando durante algum tempo para sua esposa, e disse:
— “Ah, minha esposa, seja feliz, agora que você é a imperatriz.”
— “Querido,” disse ela, “porquê você está parado aí? Agora, eu sou a imperatriz, mas eu quero ser papa também. Vá procurar o linguado.”
— “Mas, querida,” disse o pescador, “o que você não quer ser? Você não pode ser papa, só pode existir um no Cristianismo, ele não pode te fazer papa.”
— “Meu marido,” disse ela, “Eu serei papa, vá imediatamente, eu quero ser papa ainda hoje.”
— “Não, minha querida,” disse o homem, “eu não gostaria de dizer isto a ele, não sendo isso possível, isso é demais, o linguado não pode fazê-la papa.”
— “Meu marido,” disse ela, “que tolice! Se ele pode me fazer imperatriz, ele pode me fazer papa. Vá já até ele. Eu sou a imperatriz, e você não passa de meu marido, você vai procurá-lo imediatamente?”
Então, ele ficou com medo e foi, e ele quase desmaiou, e tremia todo, e os seus joelhos e as suas pernas bambeavam. E um vento forte soprava em toda aquela região, e as nuvens sopravam forte, e por volta do anoitecer tudo ficou escuro, e as folhas caiam das árvores, e as águas se agitavam e bramiam como se estivessem borbulhando, e se estendiam pela praia, e a distância ele viu navios, que eram como canhões poderosos em seu despero premente, se movimentando e avançando sobre as ondas. E no entanto, no meio do céu havia ainda um pouquinho do azul, embora por todos os lados ele estivesse vermelho como durante uma tempestade pesada. Então, totalmente desesperado, foi e ficou com muito medo e disse:
— “Linguado, linguado do mar.
Te imploro, com meus punhos ferrenhos.
Porque a minha esposa Isabel,
Tem sonhos que eu não tenho.”
— “Bem, o que ela quer agora?” disse o linguado.
— “Ai, meu Deus,” disse o homem, “ela quer ser papa.”
— “Volte já”, disse o linguado, “ela já é papa.”
Então, ele foi, e quando ele chegou em casa, ele viu o que parecia ser uma grande igreja cercada por palácios. Ele enfiou-se por entre a multidão. Dentro, entretanto, tudo estava iluminado com milhares e milhares de velas, e sua esposa estava vestida de ouro, e ela estava sentada num trono muito mais alto, e tinha três coroas de ouro na cabeça, e em torno dela havia muito esplendor eclesiástico, e dos dois lados dela havia fileiras de velas sendo a maior delas mais alta do que a torre mais alta, até as velas mais minúsculas possível, e todos os imperadores e reis se ajoelhavam diante dela, e beijavam o sapato dela.
— “Querida,” disse o homem, e olhou demoradamente para ela. — “És papa agora?”
— “Sim,” disse ela, “agora sou papa.”
Então, ele parou e olhou para ela, e era como se ele estivesse olhando diretamente para o sol brilhante. E depois que ele olhou demoradamente para ela, ele disse:
— “Ah, querida mulher, se és papa agora, agora está tudo bem! Mas ela ficou parada como um poste, e não se mexia nem mostrava nenhum sinal de vida. Então, ele disse:
— “Querida, agora que tu és papa, fique satisfeita, e não deseja nada mais agora.”
— “Vou pensar sobre isso,” disse a esposa. E assim os dois foram dormir, mas ela não estava satisfeita, e a ambição não deixava que ela dormisse, pois ela continuava pensando no que ela ainda poderia ser.
O homem dormiu bem e profundamente, já que ele teve um dia muito agitado, mas a mulher não conseguia pegar no sono de jeito nenhum, e ficava se mexendo na cama de um lado para outro, a noite toda, pensando sempre no que mais ela podia desejar, mas, não conseguia se lembrar que qualquer outra coisa. Finalmente o sol começou a nascer, e quando a mulher viu o despontar do amanhecer, ela sentou-se na cama e ficou olhando para ela. E quando, pela janela, ela viu o sol subindo dessa maneira, ela disse:
— “Será que eu não posso mandar para que o sol e a lua nasçam? Querido,” disse ela, cutucando as costelas dele com o cotovelo, “acorde, vá até o linguado, pois eu ser assim como Deus é.” O homem ainda estava meio dormindo, mas ele ficou tão assustado que ele caiu da cama. Ele pensou ter ouvido errado, e esfregou os olhos, e disse:
— “Oh, minha esposa, o que você está dizendo?”
— “Meu marido,” disse ela, “se eu não puder mandar que o sol a a lua nasçam, e ter de olhar para o sol e a lua nascendo, não vou suportar. Eu não saberei o que é ter uma outra hora feliz, a menos que eu mesma possa fazê-los nascer.” Então, ela olhou para ele de uma maneira tão assustadora que ele ficou arrepiado, e disse:
— “Vá já até o linguado, porque eu quero ser como Deus.”
— “Oh, minha querida,” disse o homem, caindo de joelhos diante dela, “o linguado não vai fazer isso, ele pode fazer você imperatriz ou papa; portanto, te imploro, fique como você está sendo papa.”
Então, ela ficou toda furiosa, e o seus cabelos voavam desordenadamente sobre sua cabeça, e ela gritou:
— “Não vou tolerar mais isso, não mesmo, você vai lá!” Então, ele vestiu suas calças, e fugiu que nem louco. Mas lá fora caía uma forte tempestade, casas e árvores eram derrubadas, as montanhas tremiam, rochedos rolavam em direção ao mar, o céu estava negro que nem piche, havia relâmpagos e trovões por toda parte, e o mar avançava com ondas tão negras e altas como as torres das igrejas e das montanhas, e todas elas cobertas com cristas de espumas brancas. Então, ele gritou, mas não conseguia ouvir suas próprias palavras:
— “Linguado, linguado do mar.
Te imploro, com meus punhos ferrenhos.
Porque a minha esposa Isabel,
Tem sonhos que eu não tenho.”
— “Bem, o que ela quer agora?” disse o linguado.
— “Oh,” disse ele, “ela quer ser como Deus.”
— “Vá até lá, e você a encontrará de volta dentro do casebre imundo.”
E lá estão eles morando até os dias de hoje.
Conto dos Irmãos Grimm
A PALHA, O CARVÃO E O FEIJÃO
Em uma vila residia uma pobre velha senhora, que havia juntado um prato de feijões e queria cozinhá-los. Então ela acendeu sua lareira, e para que queimasse mais rápido, usou um punhado de palha. Quando estava esvaziando os feijões para uma panela, um deles caiu no chão sem que ela tivesse visto e, deixado no chão perto da palha, logo após um carvão crepitante saltou do fogo e caiu perto dos dois. Então a palha começou dizendo,
“Caros amigos, de que lugares viestes?” O carvão respondeu, “Felizmente saltei do fogo, e se não tivesse escapado pela minha força, minha morte teria sido certa, -Deveria ter queimado até cinzas.”
O feijão então disse,
“Eu também escapei sem nenhum arranhão, mas se a velha mulher tivesse me colocado na panela, teria virado caldo sem piedade, assim como meus camaradas.”
“E teria um melhor destino do que cair da minha porção?” disse a palha. “A velha mulher destruiu todas as minhas parentes em fogo e fumaça; ela levantou seis de uma vez, e tirou suas vidas. Com sorte, escapei dos dedos dela.”
“Mas o que faremos agora?” disse o carvão.
“Eu acho”, respondeu o feijão, “que como nós afortunadamente escapamos da morte, deveríamos nos manter unidos como bons companheiros, e se uma nova desgraça nos tomar aqui, deveríamos ir embora juntos, e ir para um país distante.”
A proposta agradou aos outros dois, e eles seguiram caminho afora. Em pouco tempo, entretanto, eles chegaram a um pequeno riacho, e não havia ponte ou passagem, e não sabiam como atravessá-lo. A palha teve uma boa ideia e disse:
“Eu me deitarei de comprido, e então vocês caminham sobre o meu corpo como se eu fosse uma ponte.”
A palha, então, se estendeu de uma margem à outra do riacho, e o carvão, que tinha um caráter muito impetuoso, passou corajosamente sobre a ponte recem-construída. Mas quando ele estava na metade do caminho, e ouviu o barulho da água correndo debaixo da ponte, ele ficou todo assustado e parou, e não quis arriscar mais. A palha, então, começou a queimar, se partiu em dois pedaços, e caiu no riacho. O carvão escorregou em cima dela, assobiou quando caiu na água, e deu seu último respiro. O feijão, que prudentemente havia ficado para trás em terra, não podia fazer nada exceto rir do que estava acontecendo, e não conseguia parar, e ele riu tanto que até explodiu. E ele teria morrido se, por sorte, um alfaiate que estava viajando em busca de trabalho não tivesse se sentado para descansar nas margens do riacho. Como ele tinha um coração piedoso, ele pegou uma agulha e linha, e costurou o feijão que havia explodido. O feijão lhe agradeceu muito gentilmente, mas, como o alfaiate havia usado uma linha não apropriada, todos os feijões possuem, desde então, uma costura negra.
Conto dos Irmãos Grimm
A SERPENTE BRANCA
Há muito tempo atrás vivia um rei que era famoso por sua grande sabedoria em todo o reino. Nada podia se esconder dele, era como se as informações dos assuntos mais secretos chegassem até ele através do ar. Mas ele tinha um costume muito estranho: todos os dias depois do jantar, quando a mesa era tirada, e não havia mais ninguém, um criado de confiança vinha de lhe trazer mais um prato. Todavia, o prato era coberto e nem o servo sabia o que havia nele, e nem ninguém poderia saber, porque o rei só tirava a tampa para comer depois que ele estava sozinho.
Isso aconteceu há muito tempo atrás, quando um dia o criado, que levava o prato embora, não aguentava mais de tanta curiosidade, que ele não conseguiu segurar a vontade de levar o prato para o seu quarto. Depois que ele fechou cuidadosamente com chave a porta, ele levantou a tampa, e viu uma serpente branca no fundo do prato. Mas quando ele viu a serpente, ele não conseguiu negar a si mesmo o direito de provar o prato, de modo que ele cortou um pedacinho da serpente e o colocou em sua boca.
Assim que o pedacinho de serpente tocou a sua língua, ele ouviu um estranho sussurro de algumas vozes do lado de fora da janela. Ele saiu para escutar, e então, percebeu que eram pardais que estavam reunidos conversando, e dizendo uns para os outros, tudo o que eles tinham visto nos campos e nas florestas. Ao comer a serpente, ele percebeu que ele tinha o poder de entender a linguagem dos animais.
E aconteceu que naquele mesmo dia a rainha perdeu o seu anel mais lindo, e começaram a desconfiar que o servo de confiança havia roubado o anel, pois somente ele tinha autorização para andar por todos os cantos do palácio. O rei mandou que o criado fosse trazido até ele, e o ameaçou com palavras rudes, dizendo que, se ele não dissesse quem era o ladrão até o dia seguinte, ele próprio seria considerado culpado e executado. Em vão ele declarou a sua inocência, e foi demitido sem obter qualquer esperança.
Tomado de medo e de preocupação, ele foi até o pátio do palácio e ficou pensando em como ele poderia sair daquela situação. Ora, alguns patinhos estam ali tranquilamente sentados perto de um riacho e estavam descansando, e, enquanto eles alisavam as suas penas com os seus bicos, eles começaram a conversar assuntos confidenciais entre eles. O criado ficou por perto e escutou tudo. Eles estavam falando um para o outro sobre todos os lugares por onde eles haviam estado bamboleando o traseiro durante toda a manhã, e que eles haviam encontrado boa comida, e um deles falou num tom de piedade: “Alguma coisa está pesando no meu estômago, enquanto eu estava comendo apressado, eu engoli um anel que estava debaixo da janela da rainha.”
O criado imediatamente pegou o pato pelo pescoço, levou-o para a cozinha, e disse para o cozinheiro: “Aqui está uma carne deliciosa, pode prepará-la.”
— “Sim,” disse o cozinheiro, pesando o pato com a mão, “e ele não poupou nenhum esforço para engordar, e há muito tempo que está esperando para ser bem assado.” Então, o cozinheiro cortou a cabeça do pato e quando ele estava sendo depenado para ser colocado no espeto, o anel da rainha foi encontrado dentro dele.
O criado pode agora provar facilmente a sua inocência, e o rei, querendo se desculpar pelo erro, autorizou que ele fizesse um pedido, e lhe prometeu o melhor lugar na corte que ele desejasse. O criado recusou tudo, e somente pediu um cavalo e um pouco de dinheiro para viajar, porque ele tinha vontade de dar a volta ao mundo e passear um pouquinho.
Quando o seu desejo foi atendido ele partiu, e um dia ele chegou num riacho, onde ele viu três peixes presos no meio dos juncos, e abrindo a boca de tanta sede. Embora se diga que os peixes sejam mudos, ele os ouviu se lamentando por morrerem de forma tão cruel, e como o criado tinha um bom coração, ele desceu do cavalo e colocou os três peixes que estavam presos, de volta na água. Eles tremulavam de alegria, colocavam as suas cabeças para fora, e gritavam para ele: — “Nós vamos nos lembrar de você e iremos lhe retribuir por nos salvar!”
Ele continuou viajando, e depois de algum tempo, pareceu que ele ouviu uma voz na areia aos seus pés. Ele prestou atenção e ouviu que o rei das formigas se queixava: — “Porque as pessoas, com seus animais desajeitados, não conseguem se manter longe de nossos corpos? Aquele cavalo estúpido, com seus cascos pesados, está pisando em todos nós, sem misericórdia!” Então, ele pegou um caminho lateral e o rei das formigas gritou para ele: — “Nós nos lembraremos de você — uma boa ação merece retribuição!”
O caminhou o levou para uma floresta, e lá ele viu dois corvos velhinhos pousando em seus ninhos, e jogando fora três filhotes de corvo. — “Saia já daqui, seus preguiçosos, criaturas imprestáveis!” gritavam eles, “não vamos mais trazer comida para vocês, vocês já são grandes o bastante, e já podem se virar sozinhos.” Mas os pobres filhotes de corvo ficaram no chão batendo suas asas, e gritando:
— “Oh, que filhotes indefesos nós somos! Temos que nos virar sozinhos agora, e ainda não sabemos voar! O que nós podemos fazer, senão ficar aqui e morrer de fome?” Então, o jovem e bom criado desceu do cavalo e o matou com a sua espada, e deu a eles como alimento. Então, eles vieram saltitando até a comida, mataram a fome, e exclamaram: “Nós nos lembraremos de você — uma boa ação merece retribuição!”
E agora ele tinha de usar as suas próprias pernas, e quando ele tinha feito uma longa caminhada, ele chegou a uma cidade grande. Havia muito barulho e a multidão estava nas ruas, e um homem cavalgando sobre um cavalo, gritava em voz alta: — “A filha do rei precisa de um marido, mas aquele que quiser ser candidato precisa realizar uma tarefa muito difícil, e se ele não conseguir pagará com a vida.”
Muitos já tinham feito uma tentativa, mas não conseguiram; não obstante, quando o jovem viu a filha do rei, ele ficou tão dominado por causa da sua grande beleza, que ele esqueceu de todo o perigo, foi diante do rei, e se apresentou como pretendente.
Então, ele foi levado para dentro do mar, e um anel de ouro foi jogado dentro dele, diante de seus olhos, e o rei ordenou que ele trouxesse o anel que estava no fundo do mar, e acrescentou: “Se você voltar novamente sem o anel você será atirado, tantas vezes quantas forem necessárias, até que você morra no meio das ondas.” Todas as pessoas ficaram com pena do belo rapaz, então, elas foram embora, deixando-o sozinho na praia.
Ele ficou na praia e pensou no que poderia fazer, quando subitamente ele viu três peixes que vinham nadando em direção a ele, e eles eram os mesmos peixes cujas vidas ele havia salvado. Aquele que estava no meio tinha um marisco na sua boca, que estava na praia aos pés do jovem, e quando ele pegou o marisco e o abriu, lá estava o anel de ouro dentro da concha. Cheio de alegria, ele levou o anel para o rei, e esperava que o rei lhe concedesse a recompensa prometida.
Mas quando a princesa orgulhosa percebeu que ele não era nobre de nascimento, ela o desprezou e exigiu que ele realizasse mais uma tarefa. Ela foi até o jardim e espalhou com suas próprias mãos dez sacos cheios de farelos de milho no meio da grama, então, ela disse: — “Amanhã de manhã, antes do sol nascer, todo farelo deve ser recolhido, e nem um grão pode ser esquecido.”
O jovem se sentou no jardim e pensou como seria possível realizar esta tarefa, mas ele não conseguia pensar em nada, e lá ele ficou sentado triste esperando o dia amanhecer, quando ele seria morto. Mas assim que os primeiros raios de sol brilharam no jardim ele viu todos os dez sacos de farelo de milho de pé, um ao lado do outro, totalmente cheios até a borda, e nem um grão estava faltando. O rei das formigas tinham vindo durante a noite com milhares e milhares de formigas, e por gratidão, as criaturinhas haviam colhido todo o farelo de milho com muita engenhosidade e colocado todo o farelo dentro dos sacos.
Em pessoa, a filha do rei desceu até o jardim, e ficou supresa quando viu que o jovem havia cumprido a tarefa que ela havia dado a ele. Mas ela continuava ainda dura de coração e disse: — “Embora ele tenha realizado ambas as tarefas, ele não poderá ser meu marido até que ele traga para mim a maçã da Árvore da Vida.”
O jovem não sabia onde ficava a Árvore da Vida, mas ele partiu, e teria ido para muito longe, onde suas pernas o levassem, embora não tivesse esperança de encontrá-la. Depois de ter percorrido três reinos, numa noite, ele chegou numa floresta, e se deitou debaixo de uma árvore para dormir. Mas, ele ouviu um farfalhar de folhas nos galhos, e uma maçã de ouro caiu em suas mãos.
Ao mesmo tempo três corvos desceram voando até ele, pousaram suavemente em seus joelhos, e disseram: — “Nós somos os três filhotes de corvo que você salvou de morrer de fome, quando nós crescemos, e soubemos que você estava procurando a Maçã de Ouro, nós voamos sobre o mar até o fim do mundo, onde fica a Árvore da Vida, e trouxemos a maçã para você.”
O jovem, pulando de felicidade, partiu de volta para casa, e levou a Maçã de Ouro para a bela filha do rei, que não tinha mais desculpas para dar. Eles cortaram a Maçã da Vida em dois pedaços e a comeram juntos, e então, o coração dela ficou totalmente apaixonado por ele, e eles viveram uma felicidade infinita até quando a velhice chegou.
Conto dos Irmãos Grimm
AS TRÊS FOLHAS DA SERPENTE
Era uma vez um pobre homem, que não podia sustentar seu único filho. Então disse o filho, “Querido pai, a nossa situação não está muito boa e eu sou um peso para o senhor, por isso, eu gostaria de ir embora para ver se consigo ganhar meu próprio pão.” O pai então, deu a ele a sua bênção, e com grande tristeza se despediu dele. Naquela época, o rei de uma poderosa nação estava em guerra, e o jovem entrou a serviço do soberano, e acompanhou o rei até um campo de batalha. E quando ele se viu diante do inimigo, uma grande batalha estava sendo travada, e havia muito perigo, e chovia balas por toda parte e seus companheiros iam sendo mortos pouco a pouco, e quando o comandante também foi morto, os que restaram decidiram empreender fuga, mas o jovem tomou-se de coragem, e chamando-os aos brios, exclamou, “Não permitiremos que a nossa pátria seja vilipendiada!” Então, os outros o seguiram, ele continuou a atacar e derrotou o inimigo. Quando o rei ficou sabendo disso, ele atribuiu a vitória somente ao jovem rapaz, exaltou-o diante de todos os outros, ofereceu-lhes muitos tesouros, e o nomeou o homem mais importante do seu reino.
O rei tinha uma filha que era muito linda, mas que tinha também um comportamento muito estranho. Ela havia feito um juramento de aceitar alguém como seu marido e senhor se ele lhe prometesse ser sepultado vivo com ela caso ela viesse a morrer primeiro. “Se ele me ama de todo o coração,” dizia ela, “de que lhe serviria a vida sem mim?” Por sua vez, ela faria o mesmo, caso ele viesse a falecer primeiro, e iria para o túmulo com ele. Este estranho juramento, até esse momento, havia afastado muitos dos seus pretendentes, mas o jovem ficou tão encantado com a beleza dela que ele não se preocupou com essa exigência, e pediu a mão dela em casamento. “Mas você tem consciência daquilo que você está prometendo?” disse o rei. “Eu devo ser sepultado com ela,” respondeu ele, “caso eu sobreviva a ela, mas o meu amor é tão grande que eu não me preocupo com o perigo.” Então, o rei concordou, e o casamento foi realizado com grande esplendor.
Durante algum tempo eles viveram felizes e contentes um com o outro, mas houve um dia em que a rainha foi atacada por uma doença grave, e nenhum médico conseguiu salvá-la. E quando ela a viu morta sobre o leito, o jovem rei lembrou-se do que tinha sido obrigado a prometer, e ficou horrorizado por ter de ser sepultado junto com ela, mas não havia saída. O rei havia colocado sentinelas em todos os portões do palácio, de modo que não lhe era possível fugir do próprio destino. E quando chegou o dia, em que o corpo dela seria sepultado, ele foi obrigado a acompanhar o esquife até a cripta real e então, a porta foi fechada e trancada por fora.
Perto do caixão havia uma mesa onde foram colocadas quatro velas, quatro pedaços de pão, e quatro garrafas de vinho, e quando estes provisões terminassem, ele teria de morrer de fome. E então, ele ficou sentado naquele lugar tomado pela dor e pela tristeza, comendo todos os dias somente um pequeno pedaço de pão, bebia somente um pequeno gole de vinho, e mesmo assim percebeu que a morte cada dia chegava mais perto. Estava ele assim preocupado, quando percebeu diante de si que uma cobra saía rastejante de um pequeno canto da cripta e se aproximava do corpo da falecida. Achando que a cobra fosse morder o cadáver, ele desembainhou a sua espada e disse, “Enquanto eu viver, não irás tocá-la,” e partiu a serpente em três pedaços.
Depois de algum tempo uma segunda serpente rastejou para fora do buraco, e quando ela percebeu que havia uma outra cobra morta e toda retalhada, ela recuou, mas pouco tempo depois ela retornou com três folhas verdes na boca. Então, ela pegou os três pedaços da cobra, colocou-os todos juntos como deveria, e depositou uma das folhas em cada ferimento. Imediatamente, as partes danificadas juntaram-se novamente, a cobra se moveu, e viveu novamente, e as duas foram se afastando devarinho. As folhas ficaram caídas no chão, e uma ideia aflorou na mente do infeliz príncipe que havia observado tudo o que tinha acontecido, e quis saber se o poder surpreendente que tinham as folhas ressuscitando a cobra, não poderiam serem utlizados também em um ser humano.
Então, ele apanhou as folhas e colocou uma delas na boca da esposa que havia morrido, e as duas outras nos olhos dela. E mal ele tinha feito isto e o sangue começou a correr em suas veias, seu rosto que estava pálido ficou rosa, e adquiriu cor novamente. De repente ela começou a respirar, abriu os olhos, e disse, “Oh, meu Deus, onde estou?” “Estás comigo, minha querida,” ele respondeu, e contou a ela como tudo havia acontecido, e como ele havia trazido a vida de volta para ela. Então, ele ofereceu a ela um pouco de vinho e pão, e depois que ela recuperou as suas forças, ele a levantou do caixão, foram até a porta e bateram, e gritaram tão alto que os sentinelas escutaram, e foram contar para o rei.
O rei pessoalmente veio até a cripta real e abriu a porta, e então, ele constatou que ambos estavam fortes e passando bem, e ficou muito feliz com eles e não havia mais tristeza no reino. O jovem rei, todavia, levou as três folhas da serpente com ele, entregou-as a uma criada e disse, “Guarde-as para mim com muito cuidado, e as mantenha sempre perto de você; que sabe em alguma circunstância elas possam ainda ser úteis para nós!”
Uma modificação, todavia, havia ocorrido com sua esposa; depois que lhe foi restaurada a vida, pareceu que todo amor que ela sentia pelo seu marido havia desaparecido do seu coração. Depois de algum tempo, quando ele teve vontade de fazer uma viagem pelo mar, a fim de rever seu velho pai, estando eles já a bordo do navio, a jovem esqueceu completamente o grande amor e fidelidade que o marido havia demonstrado para ela, e que tinha sido a verdadeira razão ao resgatá-la da morte, e começou a alimentar sentimentos pecaminosos pelo capitão.
E certa vez quando o jovem rei estava dormindo, ela chamou o capitão, pegou o marido pela cabeça, e o capitão o pegou pelos pés, e o atiraram no mar. Depois de perpetrado o vergonhoso crime, ela falou, “Agora, vamos voltar para casa, e dizer que ele morreu a caminho. Elogiarei e exaltarei você para o meu pai para que ele permita que me case contigo, e assim serás o herdeiro da sua coroa.” Mas a fiel criada que tinha testemunhado tudo o que eles tinham feito, sem que eles percebessem, desatrelou um barco salva vidas que estava no navio, entrou dentro dele, e saiu em busca de seu amo, e deixou que os traidores seguissem seu caminho. Ela conseguiu pescar o corpo do moribundo, e com a ajuda das três folhas da serpente que ela levava sempre consigo, colocou-as nos olhos e na boca dele, fazendo com que o jovem rei ressuscitasse.
Os dois remaram com todas as suas forças durante vários dias e várias noites, e o pequeno barco navegava tão rapidamente que eles chegaram ao palácio do velho rei antes dos outros.
O rei ficou apavorado quando viu que eles chegavam sozinhos, e perguntou o que tinha acontecido. Quando ficou sabendo da maldade da sua filha ele disse, “Não posso acreditar que ela tenha se comportado de modo tão vergonhoso, mas a verdade virá à tona,” e ordenou que os dois entrassem numa câmara secreta e ficassem escondidos sem que ninguém soubesse. Logo depois, o grande navio acabou chegando, e a impiedosa mulher se apresentou diante de seu pai com o semblante de preocupação. Disse o velho rei, “Porque retornaste sozinha? Onde se encontra o teu marido?” “Ah, meu querido pai,” respondeu ela, “Estou retornando para casa com o coração em luto; durante a nossa viagem, meu marido ficou subitamente doente e morreu, e se o bom capitão não tivesse me ajudado, eu também teria adoecido.
O capitão estava presente quando ele morreu, e ele pode lhe contar tudo.” O rei disse, “Eu irei ressuscitar o seu marido,” e abriu a câmara, pedindo para que os dois saíssem. Quando a esposa viu o esposo, ela ficou chocada, caiu de joelhos e implorou misericórdia. O rei disse, “Não pode haver misericórida. Ele se mostrou pronto para morreu contigo e te ressuscitou para a vida novamente, mas tu o assassinaste quando ele dormia, e receberás a recompensa que mereces.” Então, ela foi colocada, junto com seu cúmplice, dentro de um navio que havia sido todo perfurado com muitos buracos, e enviados para o mar, onde pouco tempo depois eles se afogariam no meio das ondas.
Conto dos Irmãos Grimm
JOÃO E MARIA
Cercados por uma grande floresta vivia um pobre lenhador com sua esposa e seus dois filhos. O menino se chamava João e a menina Maria. Ele tinha pouco para comer e para compartilhar e, certa vez, quando uma grande escassez caiu sobre a terra, ele não conseguia mais trazer o pão de todo dia.
Então, quando o lenhador ficava pensando nisto durante a noite em sua cama, ele se agitava de ansiedade, resmungava e dizia para sua esposa:
— O que será de nós? Como iremos alimentar nossas pobres crianças, quando não tivermos mais nada para comer, nem para nós mesmos?
— Eu te direi como, meu marido, disse a mulher, — Amanhã de manhã bem cedo, nós iremos levar as crianças para a floresta onde ela é mais densa, lá iremos acender uma fogueira para elas e daremos um pedaço de pão ou mais a elas, e depois iremos para o nosso trabalho e as deixaremos a sós.
Elas não encontrarão o caminho de casa novamente e nós ficaremos livres delas.
— Não, esposa, disse o homem, — Não farei isto; como poderia suportar deixar meus filhos sozinhos na floresta?… os animais selvagens viriam logo e as reduziriam a pedaços.
— Oh, seu tolo! ela disse, — Então nós quatro iremos morrer de fome, podes então ires preparando as tábuas para os nossos caixões, e ela não o deixou em paz até que ele concordou.
— Mas vou sentir muita falta das nossas pobres crianças, de todas elas por igual, disse o homem.
As duas crianças não tinham ainda conseguido dormir por causa da fome, e tinham ouvido o que sua madrasta tinha falado para o seu pai. Maria chorou lágrimas amargas e disse ao João, — Agora está tudo acabado para nós.
— Fique quieta, Maria, disse João, — não se preocupe, logo encontraremos uma maneira de sair dessa situação. E quando os pais adormeceram, ele se levantou, pegou seu casaquinho, abriu a porta por baixo e saiu bem devagarzinho.
A lua estava brilhante, e as pedrinhas brancas que havia na entrada da casa brilhavam como pequenas moedas de prata. João parou e colocou tantas quanto podia no pequeno bolso do seu casaco. Então ele voltou para dentro e disse a Maria,
— Fique tranquila, queria irmãzinha, e durma em paz, Deus não nos abandonará, e deitou em sua cama novamente e dormiu. Quando o dia amanheceu, porém, antes do sol nascer, a mulher veio e acordou as duas crianças, dizendo
— Levantem, seus preguiçosos! nós iremos a floresta catar madeira.
Ela deu a cada um deles um pedaço de pão e disse,
— Aqui está alguma coisa para que vocês comam no jantar, mas não comam antes, ou não receberão mais nada.
Maria colocou o pão sob o avental, assim como João havia feito com as pedrinhas no bolso. Então eles sairam todos juntos pelo caminho da floresta. Quando haviam andado depois de um curto espaço de tempo, João parava e olhava a casa que ficava para trás, e fez isso diversas vezes.
Seu pai disse,
— João, o que você está olhando e porque está se atrasando? Preste atenção no que estás fazendo e não te esqueças de como usar as pernas.
— Ah, pai, disse João,
— Estou olhando o meu pequeno gato branco, o qual está sentado no telhado e está a se despedir de mim. A esposa disse,
— Tolo, aquele não é o teu gato, é o sol da manhã que está brilhando na chaminé. João, entretanto, não estava olhando para o gato, mas ficava constantemente atirando pelo caminho as pedrinhas brancas que estavam em seu bolso.
Quando chegaram no meio da floresta, o pai disse,
— Agora, crianças, empilhem alguma madeira enquanto irei acender o fogo para que vocês não sintam frio.
João e Maria juntos colheram alguns galhos até ficarem do tamanho de um pequeno monte. Os galhos foram queimados, e quando as chamas estavam brilhando bem alto, a mulher disse,
— Agora, crianças, deitem-se perto do fogo e descansem, nós iremos à floresta cortar um pouco de madeira. Quando tivermos acabado, voltaremos para buscá-los.
João e Maria sentaram perto do fogo e quando a noite chegou, cada um deles comeu o pedacinho de pão e como ouviam o barulho do machado de madeira, achavam que o pai deles estava por perto. Não estava, entretanto, o machado era um galho que ele tinha prendido a uma árvore seca e que o vento balançava para frente e para trás. E como eles ficaram sentados durante muito tempo, seus olhos fecharam de cansaço e dormiram rapidamente. Quando finalmente acordaram, já era madrugada. Maria começou a chorar e disse,
— Como nós vamos sair da floresta agora?
Mas João a confortou e disse:
— Espere só um pouco, até a lua nascer, e logo iremos encontrar o caminho.
E quando a lua cheia nasceu, João pegou sua irmãzinha pela mão e seguiram as pedrinhas que brilhavam como moedas de prata novas, e mostravam a eles o caminho.
Caminharam a noite toda, e ao nascer do dia chegaram mais uma vez a casa do pai deles. Eles bateram na porta e quando a mulher abriu e viu João e Maria, disse,
— Suas crianças travessas, porque vocês dormiram tanto na floresta?… nós pensamos que vocês não voltariam nunca mais!
O pai, entretanto, alegrou-se, porque estava de coração partido por tê-las deixado para trás sozinhas.
Não muito tempo depois, houve mais uma vez uma grande escassez por toda parte, e as crianças ouviram a mãe dizer a noite para o pai,
— Tudo foi comido de novo, não temos sequer uma metade de pão sobrando, e depois disto será o fim. As crianças devem ir, nós as levaremos mais para dentro da floresta, então elas não irão encontrar o caminho de volta novamente; não existe outro meio de nos salvarmos!
O coração do homem estava apertado, e ele pensou que seria melhor se eles dividissem o último pedaço de pão com as crianças.
A mulher, entretanto, não lhe dava atenção para o que ele dizia, mas o repreendia e o censurava. Uma pessoa que diz uma coisa na verdade está falando de outra coisa, do mesmo modo, assim como ele havia concordado da primeira vez, teve também de concordar de novo pela segunda vez.
Todavia, as crianças estavam acordadas e tinham ouvido o que seus pais haviam dito. Quando os pais haviam adormecido, João levantou-se novamente e quis ir do lado de fora pegar pedrinhas como havia feito anteriormente, mas a mulher havia trancado a porta e João não pode sair. Mesmo assim ele tranquilizou a irmãzinha e disse,
— Não chore Maria, durma em paz, o bom Deus nos ajudará.
De manhã bem cedo a mulher chegou e tirou as crianças de suas camas. Foi lhes dado um pedaço de pão, que era menor ainda do que a vez anterior. No caminho para a floresta João esfarelou o seu pedaço no bolso e às vezes parava e atirava um pedaço no chão.
— João, porque você está parando e olhando ao redor? disse o pai, — continue.
— Estou olhando para o meu pequeno pombo que está sentado no telhado e quer me dar adeus, respondeu João.
— Tolo! disse a mulher, — aquele não é o teu pequeno pombo, é o sol da manhã brilhando na chaminé.
João, entretanto, pouco à pouco, atirava todos as migalhas de pão pelo caminho.
A mulher levou as crianças mais para dentro ainda da floresta, onde nunca tinham ido antes. Então uma grande fogueira foi acendida novamente e a mãe disse,
— Sentem apenas um pouquinho, crianças, e quando estiverem cansados, podem dormir um pouco; nós iremos a floresta cortar madeira, e de tarde quando tivermos terminado voltaremos para buscá-los novamente.
Quando era já meio dia, Maria dividiu seu pedaço de pão com João, que havia espalhado o seu pelo caminho.
Então eles adormeceram e a tarde veio e se foi, mas ninguém veio buscar as pobres crianças. Eles não acordaram, até a madrugada veio, e João confortou sua irmãzinha dizendo,
— Espere um pouco, Maria, até que a lua nasça, e então nós veremos os farelos de pão que eu espalhei e eles nos mostrarão o caminho para casa novamente.
Quando a lua chegou, eles saíram, mas não encontraram nenhum farelo, por que muitos dos pássaros que voavam acima nas árvores e nos campos tinham comido todos eles.
João disse a Maria,
— Devemos encontrar o caminho logo, mas eles não encontraram. Eles andaram a noite toda e o dia seguinte inteirinho de manhã até a tarde, mas não conseguiram sair da floresta e estavam muito famintos, porque não tinham nada para comer além de duas ou três frutas que cresceram no chão.
Então, eles ficaram tão cansados que suas pernas não podiam carregá-los mais, eles deitaram debaixo de uma árvore e adormeceram.
Três manhãs haviam passado desde que tinham deixado a casa do pai deles. Eles começaram a andar novamente, mas sempre iam mais para dentro da floresta e se a ajuda não viesse logo, eles morreriam de fome ou cansaço.
Quando deu meio-dia, eles viram um belo pássaro branco como a neve sentado sobre um galho, que cantava com tanta alegria que eles pararam para ouví-lo. E quando o pássaro tinha terminado a melodia, ele estendeu suas asas e voou para longe da presença deles, que o seguiram até eles chegarem a uma pequena casa, tendo o pássaro pousado no telhado; e quando eles chegaram perto da casinha, viram que era feita de pão e coberta com bolos, e as janelas eram de açúcar transparente.
Vamos nos mexer, disse João, — e fazer uma boa refeição. Vou comer um pedaço do telhado, e você, Maria, pode comer um pouco da janela, deve ter um sabor delicioso. João subiu no telhado e quebrou um pequeno pedaço do teto para tentar provar, e Maria apoiou-se contra a janela e mordiscou as vidraças. Então uma voz suave gritou da sala,
Ouço barulho de mordidas e ruídos
Quem morde, quem são os enxeridos?
As crianças responderam:
O vento, o vento,
O vento que vem do paraíso,
e continuaram comendo sem se preocuparem. João, que achou que o teto tinha um gosto muito bom, tirou um grande pedaço dele, e Maria arrancou de uma vez só uma parte inteira da janela, se sentou, e divertiu-se com ela. De repente a porta se abriu e uma mulher muito, muito velha, que andava de muletas, saiu devagarinho para fora. A velhinha, entretanto, balancou a cabeça e disse,
— Oh, queridas crianças, quem os trouxe aqui? Entrem, e me façam companhia.
Nenhum mal acontecerá a vocês. Ela pegou os dois pela mão e os levou para dentro da pequena casa. Então uma boa comida foi posta diante deles, leite e panquecas, com açúcar, maçãs e nozes. Depois disso duas pequenas camas foram cobertas com linho branco e João e Maria deitaram nelas, pensando que estavam no céu.
A velhinha apenas fingia ser gentil; ela era na verdade uma bruxa má, que ficava a espera de crianças e que tinha construído a pequena casinha de pão somente para atraí-las para lá. Quando as crianças caíam em seu poder, ela os matava, os cozinhava e os comia, e esse era um dia de banquete para ela. Bruxas tem olhos vermelhos, e não podem ver à distância, porém, têm um olfato apurado como os animais e percebem quando os humanos estão próximos.
Quando João e Maria chegaram nas imediações, ela riu maliciosamente, e disse zombeteiramente,
— Eu vou comê-los, eles não mee escaparão novamente! De manhã cedo antes de as crianças acordarem, ela já tinha levantado e quando viu os dois dormindo e pareciam tão lindos, com suas bochechas rechonchudas vermelhas, murmurou para si mesma,
— Esta será uma refeição deliciosa! Então ela, com sua mão enrugada, amarrou João, carregou-o para um pequeno estábulo, e o prendeu com uma porta de grades.
Ele podia gritar o quanto quisesse, que não adiantava. Então, ela foi até Maria, sacudiu-a até que acordasse, e gritou, — Levante, sua coisinha preguiçosa, traga um pouco de água e cozinhe algo de bom para o teu irmão, ele está no estábulo lá fora, e deve ficar gordinho. Quando ele estiver no ponto, irei comê-lo. Maria começou a chorar copiosamente, mas foi tudo em vão, pois ela foi forçada a fazer o que a bruxa má ordenava.
Então, a melhor comida era servida ao pobrezinho do João, e Maria não recebia nada além de cascas de caranguejo. Toda manhã a mulher ia bem devagarzinho ao pequeno estábulo e gritava,
— João, estique o teu dedo para que eu possa saber se você logo ficará gordo. João, entretanto, esticava um pequeno osso para ela, e a mulher, cujos olhos eram brancos, não podia vê-los e pensava que era o dedo de João ficando impressionada, porque não havia uma maneira de engordá-lo.
Quando quatro semanas haviam se passado, e João ainda continuava magro, ela ficou impaciente e não quis esperar mais.
— Oi, Maria, ela gritou para a menina, — seja boazinha e traga um pouco d’água. Estando João gordo ou magro, amanhã eu irei matá-lo e cozinhá-lo.
Ah, como a pobre menina lamentou quando teve que trazer a água e como as lágrimas escorriam pelo seu rosto!
— Querido Deus, nos ajude, ela gritava.
— Se os animais selvagens na floresta tivessem nos devorado, teríamos de alguma forma morridos juntos.
— Guarde toda essa choradeira só para você, disse a velhinha, — tudo isto não vai servir pra nada, de jeito nenhum.
De manhã cedo, Maria teve que sair e pendurar o caldeirão com água e acender o fogo.
— Iremos cozinhá-lo primeiro, disse a velha, — Já aqueci o forno e amassei a farinha. Ela empurrou a pobre Maria para o forno, cujas chamas já estavam dardejando.
— Entre dentro dele, disse a bruxa, — e veja se está bem aquecido, então poderemos fechar com o pão dentro. E quando Maria estava dentro do forno, ela pretendia fechá-lo e deixá-la cozinhar dentro, e então a comeria também.
Mas Maria percebeu o que ela tinha em mente e disse,
— Não sei como fazer isto; como faço para entrar?
— Sua pata imbecil, disse a velhinha,
— A porta é grande o suficiente; veja, eu posso entrar! e ela se contorceu com dificuldade e enfiou sua cabeça dentro do forno. Então Maria lhe deu um empurrão fazendo com que ela caisse bem dentro dele, depois, fechou a porta de ferro e prendeu o ferrolho. Oh! então ela começou a gritar terrivelmente, mas Maria correu em fuga, e a bruxa impiedosa lamentavelmente morreu queimada.
Maria, no entanto, correu como um raio em direção a João e abriu o pequeno estábulo e gritou,
— João, estamos salvos! A bruxa velha morreu! Então João pulou pra fora como um pássaro livre de sua gaiola quando a porta foi aberta para ele. Como eles se alegraram e se abraçaram, e dançaram e se beijaram! E como eles não precisavam mais ter medo da bruxa, eles foram a casa dela, e todos os cantos havia baús cheios de pérolas e jóias.
Estas são bem melhores do que as pedrinhas! disse João, e encheu seus bolsos com tudo que cabia nele, e Maria disse,
— Eu também levarei alguma coisa para casa comigo, e encheu também o seu avental.
— Mas agora nós vamos embora, disse João, — para que possamos sair da floresta da bruxa.
Depois que tinham caminhado durante duas horas, chegaram a um grande lago.
— Não conseguimos atravessar, disse João, — Não vejo nenhuma passagem e nenhuma ponte.
— E nenhum barco para atravessar também, respondeu Maria, — mas uma pata branca está nadando ali; se eu pedir a ela, ela poderá nos ajudar. Então ela gritou,
Patinha, patinha, que tudo está vendo,
João e Maria estão te esperando?
Não há um caminho ou uma ponte até o outro lado,
Leve-nos em seu dorso tão branco e claro.
A pata veio em direção a eles, e João se sentou em seu dorso e disse a irmã para que se sentasse atrás dele.
— Não, retrucou Maria, — isto será muito pesado para a patinha; então, ela deve nos levar um de cada vez do outro lado. A boa patinha fez assim, e quando os dois estavam em segurança do outro lado e depois de caminhar um pouco, a floresta parecia cada vez mais familiar para eles e à distância viram a casa de seu pai.
Então começaram a correr, adentraram a sala e se atiraram nos braços do pai.
O homem não havia tido uma única hora de felicidade desde que havia deixado as crianças na floresta; a mulher, todavia, havia morrido. Maria esvaziou o avental até que as pérolas e pedras preciosas escorreram pela sala, e João tirava uma mão cheia após a outra de seus bolsos. Então toda ansiedade terminou, e eles viveram juntos em perfeita felicidade. A minha história está acabada, ali vai um rato correndo, aquele que o capturar, pode fazer um grande chapéu com a pele dele.
Conto dos Irmãos Grimm
AS TRÊS FIANDEIRAS
Era uma vez uma garota que era muito preguiçosa e não gostava de fiar, e por mais que sua mãe disesse tudo que ela queria, de nada adiantava. Por fim, sua mãe ficou com tanta raiva e tão impaciente, que precisou bater nela, e isso fez com que a garota começasse a chorar em voz alta. Naquele momento, passava por ali a rainha, e tendo ouvido a choradeira, mandou parar a carruagem, entrou na casa e perguntou à mãe, porque ela estava batendo na filha, a ponto de os gritos serem ouvidos na estrada? A mulher, então, teve vergonha de revelar como a sua filha era preguiçosa e falou:
— Não consigo fazê-la parar de fiar. Ela insiste em fiar o dia todo, eu sou pobre, e não consigo encontrar o linho de que preciso. A rainha respondeu então:
— Não há nada de que gosto mais de ouvir do que fiar, e eu nunca fico mais feliz do que quando as rodas estas sussurando. Permita-me levar sua filha comigo para o palácio. Eu tenho linho o suficiente, e lá ela poderá fiar tanto quanto quiser. A mãe ficou muito feliz com isto, e a rainha levou a garota consigo. Quando elas tinham chegado ao palácio, a rainha a conduziu para três cômodos que estavam cheios do mais puro linho, do chão até o teto.
— Agora, fie este linho, disse ela, — e quando tiveres terminado, receberás meu filho mais velho como marido, mesmo que sejas pobre. Não me importo com isso, o teu talento infatigável já me basta como dote. A garota ficou muito assustada, porque ela não conseguiria fiar o linho, nem que ela tivesse trezentos anos de vida, e se sentasse diante da máquina de fiar todos os dias, de manhã até a noite.
Quando, então, ela ficou sozinha, começou a chorar e ficou sentada desse jeito durante três dias sem mover um dedo. No terceiro dia a rainha chegou, e quando viu que nada havia sido feito ainda, ela ficou surpresa, mas a garota se desculpou dizendo que não conseguira começar nada por causa da grande aflição em deixar a casa de sua mãe. A rainha ficou satisfeita com esta resposta, mas disse ao sair:
— Amanhã deverás começar o trabalho.
Quando a garota ficou sozinha novamente, ela não sabia o que fazer, e, desesperada, foi até a janela. Então, ela viu três mulheres que vinham em sua direção, a primeira delas tinha um pé largo e chato, a segunda tinha um lábio inferior tão grande, que ele ficava pendurado sobre o seu queixo, e a terceira tinha um polegar enorme.
Elas estavam de pé perto da janela, olharam e perguntaram à garota o que havia de errado com ela? Ela se queixou de suas preocupações, e depois elas se ofereceram para ajudar e disseram: — Se nos convidares para o teu casamento, e não tiveres vergonha de nós, e nos chamares de tuas tias, e do mesmo modo sentares conosco em tua mesa, nós fiaremos o linho para ti, e tudo isso num curto espaço de tempo.
— De todo coração, respondeu ela, — podem fazer, mas, entrem e comecem o trabalho imediatamente. Então, ela permitiu que as três mulheres estranhas entrassem, e limpou um lugar no primeiro cômodo, onde elas se sentaram e começaram a fiar. Uma delas puxava a linha e pisava na roda, a outra umidecia o fio, e a terceira trançava, e batia na mesa com o dedo, e toda vez que ela batia na mesa, uma meada de fios caia no chão porque havia sido fiado da melhor maneira possivel.
A garota escondeu as três fiandeiras da rainha, e mostrava para ela, sempre que tinha uma grande quantidade de linhos tecidos, até que ela não conseguisse elogiá-la mais. Quando o primeiro cômodo ficou vazio, ela partiu para o segundo, e finalmente para o terceiro, e esse também foi rapidamente esvaziado. Então, as três mulheres se despediram, e disseram à garota:
— Não te esqueças do que nos prometeste, – dele dependerá a tua sorte.
Quando a jovem mostrou à rainha os cômodos vazios, e o grande amontoado de fios, ela deu as ordens para realização do casamento, e o noivo ficou feliz porque ele iria ter uma esposa inteligente e criativa, e fez muitos elogios para ela.
— Eu tenho três tias, disse a garota, — e como elas sempre foram boas para mim, eu não gostaria de esquecer-me delas em minha boa sorte, permita-me convidá-las para o meu casamento, e deixá-las sentar conosco na mesa. A rainha e o noivo disseram, — Porque nós deveríamos permitir isso agora? Desse modo, quando a festa começou, as três mulheres entraram com trajes muito estranhos, e a noiva disse, — Sejam bem vindas, minhas queridas tias.
— Ah, disse o noivo, — como ousas com estas tuas amigas tão detestáveis? Ele então foi até aquela que tinha o pé largo e chato, e disse, — Como vieste tendo um pé tão largo?
— Pisando, respondeu ela, — pisando. Então o noivo foi até à segunda, e disse, — Porque tendes teus lábios pendurados?
— Lambendo, respondeu ela, — lambendo. Então ele perguntou à terceira, — Porque tendes um polegar tão grande?
— Trançando os fios, respondeu ela, — trançando os fios. Diante disto, o filho do rei ficou assustado e disse, — Nem agora, nem nunca, a minha linda noiva irá tocar uma roda de fiar. E desse modo, ela se livrou para sempre dessa odiosa tarefa.
Conto dos Irmãos Grimm
OS TRÊS HOMENZINHOS DA FLORESTA / OS TRÊS ANÕEZINHOS DO BOSQUE
Era uma vez um homem cuja esposa havia morrido, e uma mulher cujo marido havia morrido, e o homem tinha uma filha, e a mulher também tinha uma filha. As meninas se davam muito bem uma com a outra, e gostavam de caminhar juntas, e pouco depois chegaram à casa da mulher.
Então disse a mulher para a filha do homem, “Ouça, diga ao teu pai que eu gostaria de me casar com ele, e então você poderá tomar banho de leite todas as manhãs, e beber vinho, mas a minha própria filha irá se banhar com água e também só poderá beber água.” A garota foi para casa, e contou ao pai dela o que a mulher havia dito. O homem disse, “O que devo fazer? O casamento é uma felicidade, mas também é um tormento.”
Com o passar do tempo ele não conseguia tomar uma decisão, então ele tirou a bota, e disse, “Peguee esta bota, ela tem um buraco na sola. Suba até o sótão, pendure-o no prego da parede, e depois coloque água dentro dele. Se a água não vazar, então eu me casarei novamente, mas se a água escorrer, não me casarei.”
A garota fez o que o pai havia falado, mas a água fez com que o buraco não se abrisse, e a bota ficou cheia até o topo. Ela informou ao pai o que tinha acontecido. Então ele mesmo subiu até o sótão, e quando ele viu que ela tinha razão, ele foi até a casa da viúva para fazer corte a ela, e o casamento foi celebrado.
Na manhã seguinte, quando as duas garotas se levantaram, eis que havia diante da filha do homem, leite para ela se banhar e vinho para ela beber, mas diante da filha da mulher havia água para ela se lavar e água para ela beber. Na segunda manhã, havia água para se levar e água para beber para a filha do homem bem como para a filha da mulher.
E na manhã do terceiro dia; havia água para se banhar; e água para beber para a filha do homem, e leite para se lavar e vinho para beber, para a filha da mulher, e assim todos os dias. A mulher havia se tornado amarga e indelicada com a sua enteada, e a medida que os dias se passavam ela se esforçava o máximo para tratá-la ainda pior. Ela também era invejosa porque a enteada dela era linda e adorável, e a sua filha era feia e repulsiva.
Uma vez, durante o inverno, quando tudo congelava como a dureza de uma pedra, e as montanhas e os vales estavam cobertos de neve, a mulher fez um vestido de papel, chamou a sua enteada, e disse, “Venha aqui, coloque este vestido e vá passear na floresta, e me traga um pequeno cesto cheio de morangos, — Pois estou com vontade de comer alguns.” “Mas como!” disse a garota, “nenhum morango cresce no inverno! O chão está congelado, e além de tudo a neve cobriu toda a plantação.
E porque é que eu teria de ir neste vestido de papel? Está tão frio lá fora que até a minha respiração congela! O vento irá soprar o vestido, e os espinhos irão machucar o meu corpo.” “Você está me contrariando novamente?” disse a madrasta, “Trate de ir, e não me mostre a tua cara novamente até que retorne com um cesto cheio de morangos!”
Então ela lhe deu um pedacinho de pão duro, e disse, “Isto deverá durar o dia todo,” e pensou, “Ela irá morrer de frio e fome lá fora, e nunca mais a verei perto de mim novamente.”
Mas a garota era obediente, e colocou o vestido de papel, e saiu com o cesto. Em toda parte não havia outra coisa além de neve, e nem sequer se podia ver um pedaço de verde. Quando ela chegou na floresta, ela viu uma casinha onde havia três pequenos anõeszinhos[1]. Ela desejou a eles “Bom Dia”, e modestamente bateu na porta. Eles gritaram, “Entre,” e ela entrou na casa e se sentou no banco perto da lareira, onde ela começou a se aquecer e a fazer a sua refeição.
Os duendes disseram, “Dá-nos também um pedaço de pão.” “Com prazer,” disse ela, e dividiu o seu pedaço de pão em dois, e deu a eles a metade. Eles perguntaram, “O que você está fazendo aqui na floresta em pleno inverno, com esse vestido tão fininho?” “Ah,” respondeu ela, “Eu vim buscar um cesto cheio de morangos, e não posso voltar para casa até que eu possa encontrá-los e levá-los comigo.” Quando ela terminou de comer o pão, eles deram a ela uma vassoura e disseram,
“Limpe a neve que está do outro lado da porta dos fundos com a vassoura.” Mas quando ela saiu lá fora, os três homenzinhos disseram um para o outro, “O que poderemos oferecer a ela porque ela foi tão generosa, a ponto de dividir conosco o único pão que ela tinha?” Então o primeiro disse, “O meu primeiro desejo será, que ela fique cada vez mais bela todos os dias.” O segundo disse, “O meu desejo será, que moedas de ouro saiam de sua boca cada vez que ela falar.” E o terceiro falou, “O meu presente será, que um rei venha e a leve como sua esposa.”
A garota, todavia, fazia o que os pequenos homenzinhos haviam solicitado a ela, varreu toda a neve que havia atrás da casa com a vassoura, e por ter feito isso ela encontrou nada menos que morangos maduros e verdadeiros, que surgiram de cor vermelho escuro enquanto ela varria a neve! Cheia de alegria ela colheu rapidamente um cesto bem cheio, agradeceu aos anõeszinhos, apertou a mão de cada um deles, e correu para casa para levar para a sua madrasta o que a velha estava com vontade de comer há muito tempo.
Quando ela entrou em casa e disse “Boa Noite”, uma moeda de ouro imediatamente saiu de sua boca. Então ela contou o que havia acontecido com ela na floresta, mas a cada palavra que ela pronunciava, mais moedas de ouro caíam de sua boca, até que em pouco tempo todo o recinto está repleto de ouro. “Veja já como ela é arrogante,” exclamou a irmã adotiva, “jogando moedas de ouro dessa maneira!” mas intimamente ela sentia inveja da irmã, e queria também ir à floresta para procurar morangos.
A mãe disse, “Não, minha querida filhinha, está muito frio, você poderia morrer de fome.” Todavia, como a filha não lhe dava sossego, a mãe finalmente concordou, fez para ela um magnífico vestido de pele, que ela foi obrigada a vestir, e deu a ela pão com manteiga e bolo para que ela levasse.
A garota foi para a floresta e caminhou diretamente para a pequena cabana. Os três pequenos elfos deram uma espiada novamente, mas ela não os cumprimentou, e não olhou para eles e nem falou com eles, ela entrou na casa com modos grosseiros, sentou-se perto da lareira, e começou a comer o seu pão com manteiga e o bolo que ela havia trazido. “Também queremos um pouquinho,” exclamaram os pequenos homenzinhos; mas ela respondeu,
“Não há o suficiente nem para mim mesma, então, como é que eu posso dar um pouquinho para as outras pessoas?” Quando ela terminou de comer, eles disseram, “Há uma vassoura atrás da porta, deixe tudo limpo para nós do lado de fora da porta dos fundos.” “Credo! Limpem vocês mesmos,” respondeu ela, “Eu não sou criada de vocês.” Quando ela viu que eles não iriam lhe dar nada, ela saiu pela porta. Então os três homenzinhos disseram uns para os outros, “O que nós ofereceremos a ela por ter sido tão desobediente, por ter um coração tão invejoso, e que jamais fará uma boa ação para qualquer pessoa?
“O primeiro disse, “O meu desejo é que ela fique cada dia mais feia.” O segundo falou, “Desejo a ela que a cada palavra que ela pronunciar, um sapo irá saltar de sua boca.” O terceiro disse, “O meu desejo é que ela tenha uma morte miserável.” A garota procurou os morangos do lado de fora da cabana, mas como ela não encontrou nenhum, ela voltou furiosa para casa. E quando ela começou a abrir a boca, e ia contar para a sua mãe o que havia acontecido com ela na floresta, a cada palavra que ela pronunciava, um sapo saltava de sua boca, de modo que todos se afastavam tomados de horror por ela.
Então a madrasta ficou ainda mais brava, e não pensava em outra coisa a não ser causar todo o mal que ela pudesse para a filha do homem, cuja beleza, todavia, aumentava a cada dia que passava. Finalmente, ela pegou um caldeirão, e o colocou no fogo, e começou a ferver fios de algodão dentro dele. Quando ele entrou em ebulição, ela colocou o caldeirão fervendo sobre os ombros da garota, e deu a ela um machado para que ela pudesse ir até o rio congelado, fizesse um buraco no gelo com o machado, e enxaguasse os fios.
Ela era obediente, foi até lá e cortou um buraco no gelo; e enquanto ela estava fazendo isso com o machado, uma belíssima carruagem veio chegando, e nela estava um rei. A carruagem parou, e o rei perguntou, “Minha filha, quem é você, e o que você está fazendo aí?” “Eu sou uma pobre menina, e estou enxaguando estes fios.” Então o rei sentiu pena dela, e quando ele percebeu que ela era uma menina muito bonita, ele disse a ela, “Não queres ir-te embora comigo?” “Ah, sim, com todo prazer,” respondeu ela, pois ela ficaria feliz em se livrar da sua madrasta e da sua irmã adotiva.
Então, ela entrou na carruagem e partiu para longe com o rei, e quando eles chegaram ao palácio, o casamento foi celebrado com grande pompa, assim como os pequenos homenzinhos haviam desejado à garota. Depois que um ano havia se passado, a jovem rainha deu à luz um filho, e assim que a madrasta ouviu falar da grande sorte que ela tivera, ela veio com a sua filha até o palácio e fingiu que desejava fazer-lhe uma visita.
Mas uma vez quando o rei havia saído, e ninguém estava presente, a perversa mulher segurou a rainha pela cabeça, e sua filha a segurou pelos pés, e elas a tiraram da cama, e a jogaram para fora da janela dentro de um riacho que passava por ali. Então a filha feia se deitou na cama, e a velha a cobriu até a cabeça.
Mais tarde, quando o rei voltou para casa, e quis falar com a sua esposa, a velha gritou, “Silêncio, silêncio, não pode ser agora, ela está dormindo e suando bastante; o senhor precisa deixar que ela descanse hoje.” O rei não desconfiou de nenhuma maldade, e não voltou novamente até a manhã seguinte; e quando ele falava com a sua esposa e ela respondia para ele, a cada palavra que ela dizia um sapo saltava para fora da sua boca, ao passo que antes uma moeda de ouro havia caído.
Então ele quis saber o que havia acontecido, mas a velhinha disse que era por causa de ter suado muito, e que logo ela ficaria boa. Durante a noite, todavia, o ajudante de cozinha viu um pato que vinha nadando até a sarjeta, e o pato dizia:
“Rei, o que estás fazendo agora?
Estás dormindo, ou estás acordado?”
E como ele não lhe respondesse nada ele disse,
“E os meus convidados, O que podem eles fazer?”
A ajudante de cozinha disse,
“Eles estão dormindo profundamente, também.”
Então o pato perguntou novamente,
“O que faz agora o bebê camundongo?”
Ele respondeu,
“Está dormindo tranquilamente em seu berço.”
Então ela subiu as escadas tomando a forma de rainha, acalentou o bebê, balançou a caminha dele, cobriu-o, e depois foi embora novamente nadando pela sarjeta tomando a forma de um pato. E assim ela veio durante duas noites; e na terceira, ela disse para o cozinheiro, “Vá e diga ao rei para que pegue a sua espada e faça brandí-la três vezes na entrada da porta.”
Então o ajudante de cozinha correu e falou isto ao rei, que veio com a sua espada e fê-la brandir por três vezes sobre o espírito, e na terceira vez, a sua esposa lhe apareceu diante dele forte, vívida, e saudável como sempre fora antes. Então o rei ficou muito feliz, mas ele manteve a rainha escondida em um quarto até o domingo, quando o bebê deveria ser batizado. E quando ele foi batizado, o rei disse:
“O que merece uma pessoa que arrasta uma outra para fora da cama e a joga dentro da água?” “A infeliz não merece nada mais,” respondeu a velhinha, “do que ser levada e colocada dentro de um barril cheio de pregos, e rolar montanha abaixo até o riacho.” “Então,” disse o rei,
“Tu declaraste tua própria condenação;” e ele ordenou que tal barril fosse trazido, e a velha com sua filha fossem colocadas dentro dele, e depois que uma tampa foi pregada, o barril rolou montanha abaixo até que ele chegasse no rio.
Conto dos Irmãos Grimm
RAPUNZEL
Era uma vez um homem e uma mulher que há muito tempo desejavam em vão ter um filho. Os anos iam passando e a mulher esperava que Deus fosse atender o desejo dela. Eles tinham uma pequena janela no fundo da casa de onde se podia ver um esplêndido jardim, cheio das mais belas flores e verduras. No entanto, ele era cercado por um muro alto, e ninguém se atrevia a escalá-lo, porque ele pertencia a uma feiticeira, que possuía grandes poderes e era temida por todo o mundo.
Um dia, a mulher estava de pé ao lado da janela e olhava para o jardim, quando ela viu um canteiro onde haviam plantado o mais lindo rapôncio (ou rapunzel) que ela jamais vira, e a planta era tão verde e fresca que ela queria pegar algumas, e desejava muito comê-las. Este desejo aumentava a cada dia que passava, e como ela sabia que não havia jeito de conseguir nem um pouquinho delas, ela começou a definhar, e foi ficando triste e abatida.
Até que um dia o marido dela ficou assustado, e perguntou:
— O que você tem, minha querida esposa?
— Ah, respondeu ela, se eu não puder pegar um pouco de rapôncio, que fica no jardim atrás de nossa casa, para comer, eu vou morrer. O marido, que a amava, pensou:
— Antes que a minha esposa morra, preciso trazer para ela um pouco de rapôncio, custe o que custar. Ao cair da noite, ele pulou o muro que dava para o jardim da feiticeira, pegou apressadamente um punhado de rapôncios, e levou para a sua esposa.
Imediatamete ela fez uma salada, e a comeu com grande satisfação. Ela, no entanto, gostou tanto, mas tanto mesmo do rapôncio que no dia seguinte por três vezes ela sentiu a mesma vontade de antes. Se ele quisesse ter um pouco de sossego, o seu marido deveria descer mais uma vez ao jardim. Quando começou a escurecer, portanto, ele decidiu ir lá novamente, mas assim que ele pulou o muro, ele ficou terrivelmente assustado, porque ele viu a feiticeira de pé diante dele.
— Como te atreves, disse ela com ódio nos olhos, descer ao meu jardim e roubar os meus rapôncios como se fosses um ladrão? Deves sofrer por isso!
— Ah, respondeu ele, permita que a misericórdia tome o lugar da justiça, eu só decidi fazer isso por motivo de necessidade. A minha esposa viu o seu rapôncio da janela, e sentiu uma vontade muito grande de comê-lo que ela teria morrido se não conseguisse alguns para comer. Então, a feiticeira deixou que o ódio diminuísse, e disse a ele,
— Se é assim como dizes, eu permitirei que leves contigo tanto rapôncio quanto desejares, mas, exijo porém, uma condição, tu darás a mim o filho que a tua esposa trará ao mundo; ele será bem tratado, e eu cuidarei dele como se fosse uma mãe.
O homem estava tão apavorado que concordou com tudo, e quando a mulher ficou de cama, a feiticeira apareceu de repente, deu à criança o nome de Rapunzel, e a levou embora consigo.
Rapunzel cresceu como a mais linda criança abaixo do sol. Quando ela completou doze anos de idade, a feiticeira a prendeu em uma torre, que ficava no meio de uma floresta, e não possuía nem escadas nem porta, porém, bem no alto havia uma pequena janela. Quando a feiticeira queria entrar, ela se colocava debaixo da janela, e gritava:
— Rapunzel, Rapunzel
Joga as tuas tranças para mim.
Rapunzel tinha um cabelo esplendoroso, finos como os fios de ouro, e quando ela ouviu a voz da feiticeira, ela soltava seu emaranhado de tranças, enrolava-os em torno dos ganchos da janela acima dela, e então os cabelos caiam o comprimento de vinte varas para baixo, e a feiticeira subia por ele.
Depois de um ano ou dois, aconteceu que o filho do rei cavalgava pela floresta e passava perto da torre. Então ele ouviu uma canção, que era tão linda que ele parou para ouvir. Esta era Rapunzel, que em sua solidão, passava o tempo deixando que a sua linda e doce voz ressoasse. O filho do rei quis subir até onde ela estava, e procurou a porta da torre, mas não encontrou nada. Foi para casa, mas a voz dela havia tocado tão profundamente o seu coração, que todos os dias, ele saía pela floresta para ouvi-la. Uma vez, quando ele estava assim de pé atrás de uma árvore, ele viu que uma feiticeira havia chegado, e ele ouvia quando ela gritou:
— Rapunzel, Rapunzel
Joga tuas tranças para mim.
Então Rapunzel descia as tranças de seus cabelos, e a feiticeira subia até lá em cima. Se essa é a escada por onde se sobe até o alto da torre, eu vou tentar a minha sorte uma vez,disse ele, e no dia seguinte, quando começou a escurecer, ele foi até a torre e gritou:
— Rapunzel, Rapunzel
Joga tuas tranças para mim.
Imediatamente os cabelos cairam e o filho do rei subiu.
A princípio Rapunzel ficou muito assustada quando tal homem, que seus olhos jamais haviam contemplado, se aproximou dela, mas o filho do rei começou a conversar com ela como um amigo, e disse-lhe que o seu coração havia sido tocado tão fortemente que isso não lhe permitia que ele tivesse sossego, e ele se sentiu obrigado a procurá-la. Então, Rapunzel perdeu o medo e quando ele lhe perguntou se ela o aceitaria como seu marido, e vendo ela que ele era jovem e belo, ela pensou:
— Ele me amará mais do que me ama a velha Senhora Gothel, e ela disse sim, colocando suas mãos sobre as dele.
Ela disse:
— Faço questão de ir-me embora contigo, mas eu não sei como descer. Sempre que vieres, traze contigo uma meada de seda, que eu vou tecer uma escada com ela, e quando ela estiver pronta eu descerei, e tu me levarás em teu cavalo.
Eles combinaram que até que esse momento chegasse ele viria vê-la todas as noites, porque a velhinha somente vinha de dia. A feiticeira não desconfiou de nada, até que uma vez Rapunzel disse a ela:
— Diga-me, Senhora Gothel, porque será que a senhora é muito mais pesada para eu puxar do que o jovem filho do rei — ele sobe num instantinho.
— Ah, criatura perversa, gritou a feiticeira. — O que te ouço dizer! Pensei que a tivesse separado do mundo, e ainda assim me enganas!
Cheia de ódio, ela agarrou as lindas tranças de Rapunzel, deu duas voltas em sua mão esquerda, pegou uma tesoura com a direita, e snip, snap, cortou os cabelos dela, e as belas tranças foram jogadas no chão.
E a velha era tão impiedosa que levou a pobre Rapunzel para o deserto onde ela foi obrigada a viver triste e abandonada.
No mesmo dia, contudo, depois de ter expulsado Rapunzel, a feiticeira amarrou as tranças de cabelo que ela tinha cortado ao gancho da janela, e quando o filho do rei veio e gritou:
— Rapunzel, Rapunzel
Joga tuas tranças para mim.
Ela descia os cabelos. O filho do rei subiu, mas ele não encontrou sua bela Rapunzel lá em cima, mas, a feiticeira, que olhou para ele com olhos perversos e venenosos. Aha,gritou ela, zombeteiramente.
— Viestes buscar a tua amada, mas o lindo pássaro não está mais cantando em seu ninho, o gato o comeu, e irá arranhar os teus olhos também. Rapunzel não existe mais para ti, não a verás mais.
O filho do rei sentiu um pesar muito grande, e desesperado, pulou para fora da torre.
Ele salvou a sua vida, mas os espinhos sobre os quais ele caiu, perfuraram os seus olhos. Então ele caminhou completamente cego pela floresta, não comia nada além de raízes e de frutas, e não fazia nada além de lamentar e chorar a perda de sua querida esposa. Desesperado, o príncipe caminhava qual um desesperado durante alguns anos, e, depois de muito tempo, chegou ao deserto onde Rapunzel, vivendo com os gêmeos a quem dera a luz, um menino e uma menina, vivia muito infeliz.
O príncipe ouviu uma voz, que lhe parecia muito familiar, e caminhou em direção a ela, e quando ele se aproximou, Rapunzel o conheceu, e abraçou o seu pescoço e chorou. Duas lágrimas suas molharam os olhos dele e eles ficaram claros novamente, e ele conseguiu ver como antes. Ele a levou para o seu palácio onde foi recebido com alegria, e eles viveram durante muito tempo depois, felizes e satisfeitos.
Conto dos Irmãos Grimm
IRMÃOZINHO E IRMÃZINHA / O GAMO ENCANTADO
O irmãozinho pegou a irmãzinha pela mão e disse: — “Desde que a nossa mãezinha morreu não fomos mais felizes, e a nossa madrasta bate em nós todos os dias, e se tentamos nos aproximar dela, ela nos expulsa com os pés. A nossa refeição são os pedaços de pães duros que sobram, e o cachorrinho que fica debaixo da mesa tem mais sorte, porque para ele ela joga pedaços melhores. Tomara que o céu tenha pena de nós. Se a nossa mãe soubesse! Venha, vamos sair e andar pelo mundo.”
Eles andaram o dia todo pelas pradarias, campos, e lugares cheios de pedras, e quando chovia a irmãzinha dizia: — “O céu e os nossso corações estão chorando juntos.” À noite, eles chegaram a uma grande floresta, e eles estavam tão cansados de tristeza e fome, e também por causa da longa caminhada, que eles se deitaram numa árvore oca e dormiram.
No dia seguinte quando eles acordaram, o sol já ía alto no céu, e lançava seus raios escaldantes sobre as árvores. Então, o irmão disse: — “Irmãzinha, estou com sede, se eu conhecesse algum riacho por aqui, eu iria para pegar água para beber, acho que estou ouvindo um aqui perto.” O irmão se levantou e pegou a irmãzinha pela mão, e partiram para encontrar o riacho.
Mas a madrasta malvada era uma bruxa, e ela viu quando as crianças foram embora, e saiu às escondidas atrás deles sem que eles notassem, como as bruxas costumam fazer, e ela tinha enfeitiçado todos os riachos da floresta.
Ora, quando eles haviam encontrado um pequeno riacho pulando alegremente por sobre as pedras, o irmão ia beber um pouco de água, mas a irmã escutou uma voz que vinha do riacho: — “Quem beber de mim será um tigre, quem beber de mim será um tigre.” Então a irmã exclamou: — “Por favor, querido irmão, não beba, ou você se transformará num animal selvagem, e vai me rasgar em pedaços.” O irmão não bebeu, embora ele estivesse com muita sede, mas ele disse, — “Saberei esperar pela próxima fonte.”
Quando eles chegaram no próximo riacho a irmã ouviu quando ele também disse: — “Quem beber de mim será um lobo, quem beber de mim será um lobo.” Então a irmã gritou: — “Por favor, querido irmão, não beba essa água, ou você vai ser tornar um lobo, e irá me devorar.” O irmão não bebeu, e disse: — “Eu vou esperar até quando chegarmos na próxima fonte, mas eu então eu vou beber, diga você o que disser, porque a minha sede é grande demais.”
E quando eles chegaram na terceira fonte, a irmã ouviu que as águas diziam: — “Quem beber de mim será um cabrito, quem beber de mim será um cabrito.” A irmã disse: — “Oh, eu te imploro, meu irmão, não beba ou você irá se transformar num cabrito e irá fugir para longe.” Mas o irmão se ajoelhou no mesmo instante na margem do rio, e se inclinou e bebeu um pouco de água, e assim que as primeiras gotas tocaram os lábios dele, ele se transformou num filhote de cabrito.
E a irmãzinha começou a chorar porque o irmãozinho havia sido enfeitiçado, e o pequeno cabrito também chorou, e se sentou amargurado perto dela. Mas, por fim, a garota disse: — “Fique tranquilo, meu querido cabritinho, eu nunca, nunca vou te deixar.”
Então ela soltou sua liga dourada, e a colocou em volta do pescoço do cabrito, e ela colheu juncos e os trançou transformando-os numa corda macia. Assim ela amarrou o pequeno animal e poderia conduzí-lo, e ela andava e andava cada vez mais para dentro da floresta.
E quando eles tinham percorrido uma grande parte do caminho, eles chegaram, finalmente, em uma pequena cabana, e a garota olhou dentro, e a cabana estava vazia, então ela pensou: — “Nós poderíamos ficar aqui e morar.” Então ela começou a procurar folhas e musgos para fazer uma cama macia para o cabrito, e todas as manhãs ela saía para colher raízes, frutas e nozes para ela, e trazia grama verde para o cabrito, que comia tudo na mão dela, e estava contente e ficava brincando em volta dela. À noite, quando a irmãzinha estava cansada, e após ter feito as suas orações, ela punha a sua cabeça nas costas do cabritinho, que ficava como travesseiro, e ela dormia suavemente sobre ele. E se o seu irmão adquirisse de volta a sua forma humana, a vida se tornaria maravilhosa.
Durante algum tempo eles ficaram sozinhos na selva. Mas um dia o rei daquele país realizou uma grande caçada na floresta. Então se ouviram rajadas de buzinas, latidos de cães, e os gritos felizes dos caçadores ecoavam pelas árvores, e o cabrito ouvia tudo, e estava muito curioso para estar lá. — “Oh,” disse ele para a irmã, “eu também quero ir caçar, não aguento de vontade,” e ele insistia tanto que finalmente ela concordou. — “Mas,” disse ela para ele, “volte quando anoitecer, porque eu preciso fechar a porta para que os caçadores não entrem, então bata na porta e diga: “Minha irmãzinha, me deixe entrar!” para que eu possa saber que é você, e se você não disser isso, eu não abro a porta.” Então o pequeno cabritinho saiu dando pulinhos, porque ele estava muito feliz e era livre como um pássaro.
O rei e o caçador viram a linda criaturinha, e partiram em direção a ele, mas não conseguiram pegá-lo, e quando eles achavam que estavam quase conseguindo, ele fugia para longe pelo meio do mato até que não conseguiam mais vê-lo. Quando ficou escuro ele correu para a choupana, bateu na porta e disse: — “Minha irmãzinha, me deixe entrar.” Então a porta se abriu para ele, e ele entrou dando pulinhos, e descansou a noite inteira em sua cama macia.
No dia seguinte a caça recomeçou, e quando o cabritinho ouviu novamente o toque da corneta, e o rou! rou! dos caçadores, ele não teve paz, mas disse: “Irmãzinha, me deixe sair, eu preciso sair.” Sua irmã abriu a porta para ele, e disse: “Mas você tem de estar aqui novamente ao anoitecer e dizer a sua senha para entrar.”
Quando o rei e os caçadores novamente avistaram o cabritinho com um colar de ouro, todos se puseram a caçá-lo, mas ele era muito rápido e ágil para eles. E assim foi o dia todo, mas, finalmente, ao anoitecer, os caçadores o cercaram, e um deles o feriu no pé de leve, de maneira que ele mancava e corria devagar. Então um caçador seguiu escondido atrás dele até a cabana e ouviu quando ele disse: “Minha irmãzinha, me deixe entrar,” e viu que a porta se abriu para ele, e se fechou imediatamente. O caçador tomou nota de tudo, e foi até o rei e contou para ele o que ele tinha visto e ouvido. Então o rei disse: “Amanhã nós voltaremos a caçar.”
A irmãzinha, todavia, ficou muito assustada quando ela viu que o seu cabritinho estava machucado. Ela lavou a ferida dele, colocou ervas no machucado, e disse: “Vá dormir, querido cabritinho, para que você fique bom logo.” Mas o ferimento era tão superficial que o cabritinho, na manhã seguinte, não sentia mais nada. E quando ele ouviu barulho de caça do lado de fora, ele disse: “Eu não aguento mais, eu preciso sair, eles verão que não é tão fácil me pegar.” A irmã exclamou e disse: “Desta vez eles vão te matar, e aí eu ficarei sozinha na floresta, abandonada por todo mundo. Não vou deixar você sair.” “Aí é que eu vou morrer de tristeza,” respondeu o cabrito, “quando eu ouço o toque da corneta, eu sinto como se fosse pular para fora de mim mesmo.” Então a irmãzinha não poderia fazer outra coisa, mas abriu a porta para ele com uma dor no coracão, e o cabritinho, cheio de saúde e alegria, correu para a floresta.
Quando o rei o viu, ele disse para o caçador: “Agora vamos caçá-lo o dia todo até o cair da noite, mas tomem cuidado para que ninguém o machuque.
E assim que o sol se pôs, o rei disse para os caçadores: “Agora venham e me mostrem a cabana da floresta,” e quando o rei estava na porta, e bateu e chamou: “Querida irmãzinha, me deixe entrar.” Então a porta se abriu, e o rei entrou, e lá estava a jovem mais adorável que ele já viu. A jovem ficou assustada quando viu não o seu cabritinho, mas um homem que vinha usando uma coroa de ouro na cabeça. Mas o rei olhou gentilmente para ela, estendeu a sua mão, e disse: “Você iria comigo para o meu palácio e seria a minha esposa adorada?” “Sim, majestade,” respondeu a jovem, “mas o pequeno cabritinho deve ir comigo, não posso deixá-lo.” O rei disse: “Ele ficará com você enquanto você viver, e não lhes faltará nada.” Só então o cabritinho veio correndo, e a irmã novamente o amarrou com a corda feita de juncos, o pegou em suas mãos, e foi embora da cabana com o rei.
O rei levou a linda jovem em seu cavalo e a conduziu ao palácio, onde o casamento foi realizado com grande pompa. Agora ela tinha se tornado rainha, e eles viveram felizes e juntos por muito tempo, o cabritinho era cuidado com muito amor e carinho, e passava o tempo correndo pelos jardins do palácio.
Mas a madrasta perversa, a qual era a culpada pelas crianças terem saído pelo mundo, achava o tempo todo que a irmãzinha tinha sido reduzida a pedacinhos pelos animais selvagens da floresta, e que o irmão tinha sido morto como cabritinho pelos caçadores. Então quando ela soube que eles estavam tão felizes, e passavam bem, a inveja e o ódio tomaram conta do seu coração e ela não conseguia ter paz, e ela não queria pensar em nada que não fosse infelicitar a vida deles novamente. A sua própria filha, que era tão feia quanto um filhote de cruz credo com Deus me livre, era caolha, e disse resmungando para ela: “Rainha, eu é que devia ser a rainha.” “Pode ficar sossegada,” respondeu a velhinha, e a consolova dizendo: “quando chegar a hora eu estarei preparada.”
A medida que o tempo passava, a rainha teve um menino lindo, e um dia o rei tinha saído para caçar, então a velha bruxa tomou a forma da camareira, foi para o quarto onde a rainha ficava, e disse a ela: “Venha, o seu banho está pronto, ele lhe fará bem, e vai lhe proporcionar novas forças, apresse-se antes que esfrie!”
A filha também estava perto, então elas levaram a rainha para o banheiro, e a colocaram na banheira, depois, elas trancaram a porta e saíram correndo. Mas no banheiro, elas tinham aquecido o banho com um calor tão infernal que a bela e jovem rainha se sentiu sufocada.
Depois de terem feito isso, a velha pegou a sua filha e colocou uma touca de dormir na cabeça dela, e a colocou na cama do rei no lugar da rainha. Ela deu à filha a forma e a aparência da rainha, ela somente não conseguiu melhorar o olho que a sua filha tinha perdido. Mas para que o rei não percebesse isso, ela deveria se deitar do lado onde ela não tinha um olho.
À noite, quando o rei voltou para casa, e soube que ele tinha um filho ele ficou muito feliz, e foi para a cama da sua querida esposa para saber como ela estava. Mas a velha gritou rapido: “Pela tua vida, mantenha as cortinas fechadas, a rainha não pode ver a luz ainda, e precisa descansar.” O rei saiu, e não descobriu que a falsa rainha estava deitada na cama.
Mas a meia noite, quando todos estavam dormindo, a babá, que estava sentada no quarto do bebê perto do berço, e que era a única pessoa acordada, viu a porta aberta e a verdadeira rainha entrando. A jovem rainha tirou a criança do berço, colocou-a em seus braços, e deu de mamar a ela. Depois ela sacudiu o travesseirinho, deitou novamente a criança, e a cobriu com uma pequena manta. E ela não se esqueceu do cabritinho, mas foi até o cantinho onde ele estava e fez um carinho nas suas costas. Depois ela saiu silenciosamente pela porta novamente. Na manhã seguinte a babá perguntou aos guardas se alguém teria entrado no palácio durante a noite, mas eles responderam: “Não, não vimos ninguém.”
Ela vinha então durante muitas noites e nunca falava uma palavra: a babá sempre a via, mas ela não ousava dizer nada para ninguém.
Quando tinha passado algum tempo nesta mesma rotina, a rainha começou a falar a noite e disse: “Como está o meu filho, como anda o meu cabritinho? Vim duas vezes, e depois não virei nunca mais.”
A babá não respondeu, mas quando a rainha tinha saído novamente, ela foi até o rei e lhe contou tudo. O rei disse: “Oh, céus! o que é isto? Amanhã à noite eu vou ficar vigiando perto da criança.” À noite ele foi até o quarto do bebê, e a meia noite a rainha apareceu novamente e disse:”Como está o meu filho, como anda o meu cabritinho? Uma vez eu vim, e depois nunca mais.”
E ela cuidou da criança como ela fazia antes de desaparecer. O rei não ousou falar com ela, mas na noite seguinte ele fez vigília novamente. Então ela disse: “Como está o meu bebê, como vai o meu cabritinho? Desta vez eu vim, mas depois nunca mais.”
Então o rei não conseguiu se conter, e correu em direção à ela e disse: “Você deve ser ninguém mais que a minha querida esposa,” e no mesmo instante ela viveu novamente, e com a graça de Deus, ela ficou viçosa, rosada e cheia de saúde.
Então ela contou ao rei a maldade que a bruxa perversa e a sua filha eram culpadas do que tinha acontecido com ela. o rei ordenou que elas fossem apresentadas diante do tribunal, e o julgamento foi decidido em condenação para elas. A filha dela foi levada para a floresta onde ela foi feita em pedacinhos pelos animais selvagens, mas a bruxa foi atirada no fogo e queimada até virar brasa. E quando ela era queimada, o cabritinho mudou o seu aspecto e tomou a forma humana novamente, então a irmãzinha e o irmãozinho viveram felizes juntos até o fim dos seus dias.
Conto dos Irmãos Grimm
GENTALHA / O BANDO DE MALTRAPILHOS
O galo uma vez disse para a galinha:
— “Agora chegou a época das nozes amadurecerem, então, vamos subir juntos a colina e vamos ser os primeiros a comer até enfartar antes que o esquilo venha e leve todas as nozes embora.”
— “Sim,” respondeu a galinha. “venha, nós vamos nos divertir muito juntos.” Então, eles subiram a colina, e como estava um dia ensolarado eles ficaram até o anoitecer.
Agora eu não sei se era porque eles haviam comido muito e estavam muito pesados, ou se eles eram muito orgulhosos e não queriam voltar a pé para casa, e o galo pretendia fazer uma pequena carroça com as cascas das nozes. Quando a carroça ficou pronta, a galinha se sentou no banco, e disse para o galo: — Você poderia ser atrelado à carroça.”
— “De jeito nenhum,” disse o galo, “eu prefiro ir para casa à pé do que ser atrelado a uma carroça, não, não foi isso que combinamos. Eu não me importaria de ser o cocheiro e ficar sentado na boléia, mas puxar a carroça sozinho eu não vou mesmo.”
Enquanto eles estavam assim discutindo, um pato grasnou para eles:
— “Ei, seus pequenos ladrões, quem autorizou vocês a subirem na minha colina de nozes? Esperem só, e vocês vão pagar por isso!” e correu de bico aberto em direção ao galo. Mas o galo não era medroso, e enfrentou o pato com coragem, e machucou tanto o pato com as suas esporas que ele teve de pedir misericórdia, e permitiu que fosse atrelado à carroça como punição.
O pequeno galo se sentou na boleia como se fosse o cocheiro, e lá foram eles galopando, com o pato, correndo tudo que podia. Depois de terem percorrido uma parte do caminho, eles encontraram dois passageiros que estavam andando a pé, um alfinete e uma agulha. Os dois gritaram:
— “Parem, parem!” e disseram que o dia estava ficando escuro que nem piche, e que eles não conseguiam dar nem um passo sequer, e que havia tanta sujeira na estrada, e perguntaram se eles não podiam subir na carroça um pouquinho.
Eles tinham ido até a cervejaria do alfaiate que ficava perto do portão, e tinham ficado muito tempo lá tomando cerveja. Como eles eram magrinhos, e portanto, não ocupavam muito espaço, o galo permitiu que os dois subissem, mas os dois deviam prometer a ele e à pequena galinha que não pisariam em seus pés. Tarde da noite eles chegaram numa estalagem, e como eles não gostavam de viajar a noite, e como o pato não tinha mais forças no pé, e caía de um lado para outro, eles decidiram entrar.
O estalajadeiro, a princípio, fez algumas objeções, a sua casa já estava cheia, além disso, pensou ele, eles não poderiam ser pessoas muito distintas, mas, finalmente, como a conversa deles era agradável, e haviam lhe dito que ele poderia ficar com os ovos que a galinha havia botado no caminho, e também poderiam ficar com o pato, que botava um ovo todos os dias, o estalajadeiro finalmente disse que eles poderiam ficar aquela noite.
E então, eles foram bem servidos, e festejaram e fizeram muito barulho. Bem cedo de manhã, quando o dia estava clareando, e todos estavam dormindo, o galo acordou a galinha, trouxe o ovo, e comeram juntos, mas a casca eles jogaram no fogão a lenha. Então, eles foram até a agulha que ainda estava sonolenta, pegaram-na pela cabeça, e a espetaram na almofada da cadeira do estalajadeiro, e colocaram o alfinete na toalha dele, e finalmente, sem alhos nem bugalhos, foram embora voando por cima do fogão.
O pato que gostava de dormir a céu aberto e tinha ficado no quintal, ouviu quando eles estavam indo embora, ficou muito feliz, e encontrou um riacho, e por ele foi nadando, porque era um caminho muito mais rápido de viajar do que estando preso a uma carroça. O estalajadeiro só saiu da cama duas horas depois que eles tinham ido embora, ele se lavou e ia se secar, então, o alfinete espetou a sua cara e deixou uma lista vermelha que ia de uma orelha a outra.
Depois disto ele foi para a cozinha e quis acender um charuto, mas quando ele chegou perto do fogão a casca do ovo explodiu em seus olhos.
— “Hoje de manhã todas as coisas estão caindo na minha cabeça,” disse ele, e nervoso se sentou na cadeira de seu pai, mas ele deu um pulo novamente e gritou:
— “Ai meu Deus,” pois a agulha havia picado num lugar bem pior que o alfinete, e não tinha sido na cabeça.
Agora, sim, ele tinha ficado muito furioso, e desconfiou dos hóspedes que haviam chegado bem tarde na noite anterior, e quando ele decidiu procurar por eles, eles tinham ido embora. Então, ele jurou nunca mais aceitar maltrapilhos em sua estalagem, porque eles consomem muito, não pagam nada, e usam de artifícios desonestos durante a negociação a pretexto de gratidão.
Conto dos Irmãos Grimm
OS DOZE IRMÃOS
Era uma vez um rei e uma rainha que viviam felizes e em harmonia e que tinham doze filhos, sendo todos garotos. Então, o rei disse para a sua esposa:
— “Se a décima terceira criança que você está para trazer ao mundo for uma garota, os doze meninos devem morrer, para que os bens dela sejam maiores, e para que o reino possa ser dela somente.”
Então, ele ordenou que doze esquifes fossem fabricados, os quais já estavam cheios de pedaços de madeiras, e em cada um havia um pequeno travesseiro para o morto, e os caixões tinham sido levados para uma sala fechada, e ele deu a chave para que a rainha guardasse, e pediu para que ela não falasse sobre isso com ninguém.
A mãe todavia, se sentava e lamentava o dia todo, até que o filho mais jovem, que estava sempre com ela, e a quem ela chamava de Benjamin, nome esse que foi tirado da Bíblia, disse a ela:
— “Querida mamãe, porque você está tão triste?”
— “Querido filhinho,” respondeu ela, “Não posso lhe dizer.” Mas ele não a deixava sossegada até que ela foi e abriu a sala, e mostrou a ele os doze caixões que estavam terminados e cheios de pedacinhos de madeiras. Então, ela disse:
— “Meu querido Benjamin, teu pai mandou fazer estes caixões para ti e para os teus onze irmãos, pois, se eu trouxer uma garotinha no mundo, você será morto e sepultado com eles.”
E enquanto ela ia dizendo isso, ela chorava, e o filho a consolava e dizia:
— “Não chore, querida mãezinha, nós vamos nos salvar, e sairemos daqui.” Mas ela disse:
— “Vai para a floresta com os teus onze irmãos, e faça com que um fique permanentemente sobre a árvore mais alta que puder ser encontrada, e fique atento, olhando para a torre aqui do castelo.
Se eu der a luz a um filhinho, eu colocarei uma bandeira branca, e então, vocês poderão se arriscar a voltar, mas se eu der a luz a uma menina, eu levantarei uma bandeira vermelha, e então, vocês deverão fugir o mais rápido que puderem, e que Deus possa proteger todos vocês. E eu todas as noites levantarei e farei uma oração para vocês — no inverno, para que vocês possam se aquecer perto de uma fogueira, e no verão, para que vocês não desfaleçam com tanto calor.”
Depois que ela abençoou os filhos, eles seguiram para a floresta. Todos eles, no entanto, ficavam atentos, e se sentavam no pé de carvalho mais alto da floresta e ficavam olhando em direção à torre. Quando onze dias tinham se passado, e tinha chegado a vez de Benjamin, ele viu que uma bandeira tinha sido hasteada. Não era, no entanto, uma bandeira branca, mas uma bandeira vermelha, a qual anunciava que todos eles deviam morrer.
Quando os seus irmãos souberam daquilo, eles ficaram muito bravos, e disseram:
— “Todos nós devemos sofrer por causa de uma garota? Juramos que todos nós iremos nos vingar! — quando encontrarmos uma menina, o sangue vermelho dela deve jorrar.”
Então, eles penetraram mais fundo na floresta, e no meio dela, que era a parte mais escura, eles encontraram a pequena cabana abandonada de uma feiticeira, onde não havia ninguém. Então, eles disseram:
— “Vamos ficar aqui, e tu, Benjamin, que és o menor e o mais fraco, tu ficarás em casa e cuidarás dela, nós outros vamos sair para conseguir alimento.”
Então, eles foram para a floresta para caçar lebres, cervos selvagens, pássaros e pombos, e qualquer coisa que houvesse para comer, eles levavam um pouco para Benjamin, que tinha de arrumar a casa para eles, para que eles pudessem matar a fome. Juntos viveram eles na pequena cabana durante dez anos, e o tempo não parecia longo para eles.
Apequena garota, que a rainha, a mãe deles, tinha dado a luz, já tinha crescido, ela era boa de coração, e tinha um rosto encantador, e na testa dela havia uma estrela de ouro. Uma vez, quando houve uma grande arrumação no palácio, ela viu doze camisas de homens entre as coisas que estavam lá, e perguntou a sua mãe:
— “A quem pertencem estas doze camisas, porque elas são pequenas demais para serem do papai? Então, a rainha respondeu com o coração dolorido:
— “Querida filhinha, estas camisas são dos teus doze irmãos.” Disse a garota, então:
— “Onde estão meus doze irmãos, nunca ouvi falar deles?” A mãe respondeu:
— “Só Deus sabe onde eles estão, eles estão andando pelo mundo.” Então, ela pegou a pequena e abriu a sala para a garota, e lhe mostrou os doze caixões cheios de pedaços de madeiras e com os travesseiros para a cabeça.
— “Estes caixões,” disse ela, “estavam destinados para os teus irmãos, mas eles foram embora escondidos antes que tu nasceste,” então, a garotinha disse:
— “Querida mãezinha, não chore, eu irei procurar os meus irmãos.”
Então, ela pegou as doze camisas e partiu, e seguiu direto para a grande floresta. Ela caminhou o dia todo, e a noitinha ela encontrou a casinha da feiticeira. Então, ela entrou na casa, e encontrou um jovem garoto, que perguntou:
— “De onde você veio, e para onde você vai?” e ficou atônito como ela era linda, e usava trajes reais, e tinha uma estrela na testa.
E ela respondeu:
— “Eu sou filha da rainha, e estou procurando meus doze irmãos, e eu irei até o fim do céu azul para encontrá-los.” Ela também mostrou a ele as doze camisas que um dia havia pertencido a eles. Então, Benjamin compreendeu que ela era sua irmã, e disse:
— “Eu sou Benjamin, teu irmão caçula.” E ela começou a chorar de alegria, e Benjamin chorou também, e eles beijaram e se abraçaram um ao outro como muita ternura.
Depois disto ele disse:
— “Querida irmãzinha, há ainda mais um problema. Nós fizemos um acordo que toda garota a quem encontrássemos deveria morrer, porque nós fomos obrigados a deixar o nosso reino por causa dela!”
Então, ela disse:
— “Morrerei com prazer, se morrendo puder salvar os meus doze irmãos.”
— “Não,” respondeu ele, “tu não morrerás, fique sentada aqui debaixo deste barril até que os nossos doze irmãos cheguem, e então, eu conseguirei entrar num acordo com eles.”
Ela fez o que ele pediu, e quando a noitinha os outros irmãos chegaram da caça, o jantar deles estava pronto. E quando eles estavam todos sentados na mesa, e estavam comendo, eles perguntaram:
— “Quais são as novidades?”
Benjamin respondeu: — “Vocês não souberam de nada?”
— “Não,” responderam eles. Ele continuou:
— “Vocês foram para a floresta e eu fiquei em casa, no entanto, eu sei mais do que vocês.”
— “Diga-nos, então,” exclamaram eles.
Ele respondeu: — “Me prometam primeiro que a primeira garota que nós encontrarmos não irá morrer.”
— “Sim,” exclamaram todos eles, “ela terá misericórdia, mas, conte-nos logo.”
Então, ele disse:
— “A nossa irmã está aqui,” e ele levantou o barril, e a filha do rei apareceu com seus trajes reais e com uma estrela na testa, e ela era linda, delicada e meiga. Então, todos eles ficaram felizes, e a abraçaram, e a beijaram e a amaram de todo o coração.
Agora ela ficava em casa com Benjamin e o ajudava no trabalho doméstico. Os onze foram para a floresta para caçar veados, pássaros e pombos, para que eles pudessem se alimentar, e a irmãzinha junto com Benjamim cuidavam da preparação da caça para eles.
Ela procurou na floresta ervas e vegetais para cozinhar, e colocou as panelas no fogo para que o jantar ficasse pronto quando os onze chegassem. Ela também mantinha a ordem na pequena casa, e colocava lindos lençóis limpos e brancos nas caminhas, e os irmãos estavam sempre felizes e viviam em grande harmonia com ela.
Um dia os dois que ficavam em casa, haviam preparado uma bela surpresa, eles se sentaram e comeram e beberam e estavam todos felizes. Havia, porém, um pequeno jardim que pertencia à casa da feiticeira onde ficavam doze pés de lírios, os quais também são chamados de “estudantes”[1]. Ela queria fazer uma supresa para os seus irmãos, e colheu as doze flores, e pensou em presentear cada um deles com uma flor durante o jantar.
Mas no exato momento que ela colheu as flores os doze irmãos se transformaram em doze corvos, e voaram pela floresta, e a casa e o jardim desapareceram também. E agora, a pobre garota estava sozinha na floresta virgem, e quando ela olhava ao redor, uma velhinha estava sentada perto dali e disse:
— “Minha criança, o que você fez? Porque você não deixou que as doze flores brancas crescessem? Eles eram teus irmãos, que agora para sempre foram transformados em corvos.” A garota disse, chorando:
— “Não existe uma maneira de libertá-los?”
— “Não,” disse a mulher, “só existe uma maneira no mundo todo, e isso é tão difícil que você jamais conseguirá libertá-los desse jeito, porque você precisa ficar muda durante sete anos, e não pode falar nem rir, e se você falar uma palavra, e somente uma hora dos sete anos estiver faltando, tudo estará perdido, e os teus irmãos serão mortos por causa dessa palavra.”
Então, a garota falou de coração:
— “Eu tenho certeza de que libertarei os meus irmãos,” e foi e procurou uma árvore bem alta e se sentou no topo dela e ficava tecendo, e não falava nem ria. Ora, aconteceu que um rei estava caçando na floresta, ele tinha um grande cão galgo que correu até a árvore onde a garota estava sentada, e pulava em torno da árvore, ganindo e latindo para ela.
Então, o rei se aproximou e viu a bela princesa que tinha uma estrela de ouro na testa, e ficou tão encantado com sua beleza, que ele a convidou para que fosse sua esposa. Ela não respondia, mas fazia pequenos acenos com a cabeça. Então, ele mesmo subiu na árvore, trouxe-a para baixo, colocou-a em seu cavalo e a levou para o seu palácio. Então, o casamento foi festejado com grande festa e muita alegria, mas a noiva não falava nem sorria.
Quando eles tinham vivido felizes juntos durante alguns anos, a mãe do rei, que era uma criatura perversa, começou a difamar a jovem rainha, e disse ao rei:
— “Ela é uma mendiga vulgar que trouxeste da caça contigo. Quem sabe que coisas horrorosas ela não faz às escondidas!”
Ainda que ela seja muda, e não consiga falar, ela poderia sorrir pelo menos, mas aqueles que não riem, tem consciências pesadas.” A princípio, o rei não quis acreditar nela, mas a velha falava disso o tempo todo, e a acusava de coisas tão assustadoras, que por fim o próprio rei se deixou convencer e ela foi condenada a morte.
E aconteceu que uma grande fogueira foi acesa no pátio do palácio, onde ela deveria ser queimada, e o rei ficou em cima na janela e via tudo com lágrimas nos olhos, porque ele a amava muito. E quando ela foi amarrada bem forte à fogueira, e o fogo começou a lamber as suas roupas com sua língua vermelha, o último momento dos sete anos havia se expriado. Então, um ruflar de asas foi ouvido no ar, e doze corvos vieram voando em direção à fogueira, e pousaram, e quando eles tocaram a terra, eis que eram os doze irmãos dela, que ela tinha libertado.
Eles apagaram totalmente a fogueira, extinguiram as chamas, libertam a irmã que amavam tanto, e beijaram e a abraçaram. E agora, que ela podia abrir a boca para falar, ela contou ao rei porque ela tinha ficado muda, e nunca podia ter dado um sorriso. O rei dava pulos de alegria ao saber que ela era inocente, e todos eles viveram em grande harmonia até o fim da vida deles. A madrasta má foi levada para o tribunal, e colocada dentro de um tonel com óleo fervente e cobras venenosas, e teve uma morte cruel.
Conto dos Irmãos Grimm
O MÚSICO MARAVILHOSO
Era uma vez um músico maravilhoso, que entrou sozinho numa floresta, e pensava em tudo e em todas as coisas, e quando se cansou de pensar, ele disse para si mesmo:
— “O tempo passa muito lentamente aqui na floresta, eu preciso buscar alguém para me fazer companhia.” Então, ele colocou a rabeca nos ombros, e tocava tão bem que a música ecoava por toda a floresta. Não passou muito tempo e um lobo veio saltitando pelo matagal em direção a ele.
— “Ah, aí vem um lobo! Mas eu não estava pensando num lobo!” disse o músico, mas o lobo chegou mais perto e disse para o músico:
— “Ah, meu querido músico, como o senhor toca bonito! Eu gostaria de aprender a tocar também!”
— “Você aprende rápido”, respondeu o músico, “deves apenas fazer tudo que eu mandar.”
— “Oh, músico,” disse o lobo, “eu te obedecerei assim como um aluno obedece ao seu professor.” O músico pediu para que o lobo o seguisse, e quando eles tinham caminhado juntos uma parte do caminho, eles chegaram até um velho carvalho o qual era oco por dentro, e tinha uma fenda no meio do tronco.
— “Veja,” disse o músico, “se você quer aprender a tocar rabeca, coloque as tuas patas dianteiras nesta abertura da árvore.” O lobo obedeceu, mas o músico rapidamente pegou uma pedra e num só golpe prendeu as duas patas do lobo que ele foi forçado a ficar ali como se fosse um prisioneiro.
— “Fique aí até eu voltar novamente,” disse o músico, e foi embora.
Depois de algum tempo ele disse para si mesmo:
— “O tempo está começando a passar muito devagar aqui na floresta, eu preciso buscar alguem para me fazer companhia,” e ele pegou a sua rabeca e começou a tocar novamente na floresta.
Pouco tempo depois apareceu uma raposa se rastejando pelas árvores em direção a ele.
— “Ah, uma raposa vem vindo ali!” disse o músico. “Mas eu não estava pensando numa raposa.” A raposa chegou perto dele e disse:
— “Oh, meu bom músico, como você toca bonito! Eu gostaria de aprender a tocar também!”
— “Você aprende rápido,” disse o músico, “deves apenas fazer tudo que eu mandar.”
— “Oh, músico,” disse a raposa, “eu te obedecerei assim como um aluno obedece ao seu professor.”
O músico pediu para que a raposa o seguisse, e quando eles tinham caminhado uma parte do caminho, eles chegaram num lugar, com mato alto dos dois lados. Lá, o músico parou, e de um lado inclinou um jovem pé de avelã até o chão, e colocou seu pé no topo do pé de avelã, e depois ele inclinou uma árvore ainda nova do outro lado também, e disse:
— “Agora, minha raposinha, você irá aprender alguma coisa, me dê a sua pata dianteira esquerda.”
A raposa obedeceu, e o músico apertou a sua pata no ramo esquerdo da árvore.
— “Raposinha,” disse ele, “agora me dê a tua pata direita”, e ele a amarrou no ramo direito da árvore. Depois de verificar que elas estavam bem amarradas, ele soltou os galhos, e os arbustos saltaram no ar, e jogaram pro alto a pequena raposa, de modo que ela ficou pendurada e se debatendo no ar.
— “Fique aí até eu voltar,” disse o músico, e foi embora.
Novamente ele disse para si mesmo:
— “O tempo está começando a passar muito devagar aqui na floresta, eu preciso buscar alguem para me fazer companhia,” e ele pegou a sua rabeca e o som se propagava por toda a floresta.
Então, uma pequena lebre saltou em direção a ele.
— “Ah, uma lebre vem vindo ali!” disse o músico. “Mas eu não estava pensando numa lebre.” A lebre chegou perto dele e disse:
— “Oh, meu bom músico, como você toca bonito! Eu gostaria de aprender a tocar também!”
— “Você aprende rápido,” disse o músico, “deves apenas fazer tudo que eu mandar.”
— “Oh, músico,” disse a lebre, “eu te obedecerei assim como um aluno obedece ao seu professor.”
O músico pediu para que a lebre o seguisse, e quando eles tinham andado uma parte do caminho, eles chegaram a um lugar aberto na floresta, onde havia um pé de faia. O músico amarrou uma corda ao longo ao redor do pescoço da lebre, e do outro lado ele amarrou na árvore.
— “Agora, pequena lebrinha, bem depressa, dê vinte voltas ao redor da árvore!”, exclamou o músico, e a pequena lebrinha obedeceu, e quando ela tinha dado vinte voltas, ela tinha enrolado a corda vinte vezes ao redor do tronco da árvore, e a pequena lebrinha ficou presa, e ela puxava com toda força que podia, ela apenas conseguia que a corda apertasse ainda mais o seu delicado pescocinho.
— “Fique aí até eu voltar,” disse o músico e foi embora.
Enquanto isso, o lobo havia empurrado e puxado e mordido a pedra que o prendia, e se debateu tanto que ele conseguiu libertar uma das patas e com mais alguma força ele consegue soltar a outra pata da fenda da árvore. Todo furioso e sem controle vai atrás do músico pois o lobo queria fazer pedaçinhos dele.
Quando a raposa viu o lobo correndo, ela começou a lamentar, e chorava com todas as suas forças:
— “Irmão lobo, venha me ajudar, o músico me traiu!”
O lobo puxou com força a pequena árvore, mordeu a corda no meio, e libertou a raposa, que saiu com ele para se vingar do músico. Eles encontraram a lebre que estava presa, a quem eles também libertaram, e então, os três saíram juntos atrás do inimigo comum.
O músico mais uma vez tocou a sua rabeca a medida que ele seguia o seu caminho, e desta vez ele teve mais sorte. O som da rabeca chegou aos ouvidos de um pobre lenhador, que imediatamente, mesmo que ele não quisesse, deixou o que estava fazendo, colocou a sua machadinha debaixo do braço para ouvir o músico que tocava.
— “Finalmente, o companheiro que eu procurava,” disse o músico, “pois, eu estava procurando um ser humano, e não um animal selvagem.”
E ele começou a tocar com tanta beleza e musicalidade que o pobre lenhador parou como se estivesse enfeitiçado, e o seu coração pulava de alegria. E estava ele tocando, quando o lobo, a raposa e a lebre apareceram, e tiveram certeza de que o músico tinha um plano em mente.
Então, o lenhador levantou a sua machadinha e se colocou diante do músico, como se quisesse dizer:
— “Aquele que tocar no músico, tenha cuidado, porque ele terá de se ver comigo também!” Então, os animais ficaram assustados e correram de volta para a floresta. O músico, todavia, tocou mais uma vez para o lenhador como prova de gratidão e continuaram andando.
Conto dos Irmãos Grimm
O BOM NEGÓCIO
Era uma vez um camponês que tinha levado a sua vaca para a feira, e a vendeu por sete táleres. No caminho de volta para casa ele tinha de passar por um lago, e já de longe ele ouvia os sapos gritando: “Iquá, quá, quá, quá!” — “Bem,” disse ele para si mesmo, “eles não sabem o que estão dizendo, são sete táleres que eu recebi não quatro.” Quando ele entrou na água, o camponês gritou para eles: — “Criaturas estúpidas que vocês são! Vocês não sabem de nada! São sete táleres e não quatro.”
Os sapos, no entanto, continuavam a mesma ladainha, “Iquá, quá, quá, quá!” — “O quê, vocês não acreditam, eu posso mostrar na frente de vocês,” e ele tirou o dinheiro do bolso e contou os sete táleres, levando-se em conta que vinte e quatro grosches equivalem a um táler. Os sapos, todavia, sem saber o que ele dizia, continuam dizendo “Iquá, quá, quá, quá!” — “O quê, exclamou o camponês que já estava ficando zangado, — “já que vocês acham que sabem mais do que eu, contem vocês mesmos,” e jogou todo o dinheiro na água.
Ele ficou parado e ficou esperando até que tivessem terminado de contar e lhe devolvessem o dinheiro de novo, mas os sapos ficaram imóveis e gritavam sem parar: “Iquá, quá, quá, quá!” e além disso, não jogaram o dinheiro de volta para ele. Ele ainda esperou um bom tempo até que a noite chegou e ele foi obrigado a ir para casa.
Então, ele insultou os sapos dizendo: — “Escuta aqui, seus espirradores de água, seus cabeças gordas, seus olhos esbugalhados, vocês tem bocas grandes e podem berrar até estourarem os seus ouvidos, mas vocês não sabem contar sete tálares! Vocês acham que eu vou ficar esperando aqui até quando terminarem? E com isso ele foi embora, mas os sapos continuavam gritando “Iquá, quá, quá, quá!” depois que ele se foi, até que ele chegou em casa muito furioso.
Passado algum tempo ele comprou uma nova vaca, a qual ele matou, e fez as contas que se ele vendesse a carne por um preço bom, ele poderia ganhar o equivalente ao que duas vacas valeriam, e usaria ainda o couro dela na troca. Quando então ele chegou na cidade com a carne, uma grande matilha de cães estava reunida na frente do portão, e eram chefiados por um cachorro galgo, que pulou na carne, meteu o focinho nela e latindo: “Uau, uau, uau.”
Como ele não parava de latir, o camponês disse para ele: — “Sim, sim, eu sei muito bem o que você está dizendo “uau, uau, uau,” porque você quer um pedaço de carne, mas eu teria um prejuízo se eu desse um pedaço para você.” O cachorro, todavia, não respondia nada, somente “uau, uau, uau.” — “Você promete não devorar tudo, então, e você se responsabiliza pelos teus amigos?”
“Uau, uau, uau.”, dizia o cachorro. — “Bem, se você insiste, eu vou te dar um pedaço, eu te conheço bem, e sei que você é quem manda, mas eu lhe digo, dentro de três dias eu preciso receber o dinheiro, caso contrário, você vai se ver comigo, e você deve entregar o dinheiro lá em casa.” E assim ele descarregou a carne e virou as costas, e os cachorros pularam em cima dela e latiam alto: “uau, uau, uau.”
O camponês, ouvindo-os de longe, dizia consigo mesmo: — “Escute só, todos eles queriam um pedaço, mas o grandalhão é o principal responsável por tudo.”
Três dias haviam se passado, e o camponês pensou: — “Hoje o dinheiro estará no meu bolso,” e ficou muito satisfeito. Mas ninguém aparecia para lhe dar o dinheiro. — “Será que não dá para confiar em ninguém hoje em dia,” pensou ele, e finalmente ele perdeu a paciência, e foi até a cidade procurar o açougueiro e exigir o seu dinheiro. O açougueiro achou que era uma brincadeira, mas o camponês dizia: — “Não estou brincando, eu quero o meu dinheiro! Por acaso, o cachorro grande não trouxe para você uma vaca inteirinha que eu matei há três dias atrás?”
Então o açougueiro ficou nervoso, pegou um cabo de vassoura e expulsou o camponês. — “Espere um pouquinho,” pensou o camponês, “deve haver ainda justiça no mundo!” e foi para o palácio do rei e solicitou uma audiência. Ele foi levado diante do rei, o qual estava sentado ao lado da sua filha, e lhe perguntou que prejuízo ele havia sofrido. — “O senhor não imagina,” disse ele, os sapos e os cachorros tomaram de mim o que me pertence, e o açougueiro me retribuiu com vassouradas,” e relatou com todos os detalhes tudo o que havia acontecido. Então, a filha do rei começou a achar tudo muito engraçado e o rei disse para ele: — “Não posso te fazer justiça nesse caso, mas você receberá a minha filha como esposa, — em toda a sua vida ela nunca riu desse jeito como riu agora, e eu prometi que ela se casaria com aquele que conseguisse fazê-la sorrir. Você deve agradecer a Deus porque você é um cara de sorte!”
— “Oh,” respondeu o camponês, “não posso me casar com ela, eu já tenho uma esposa, e ela já é demais para mim, quando eu vou para casa, é tudo tão ruim que é como se eu tivesse uma esposa em cada canto da casa.” Então, o rei se ofendeu, e disse: — “ Você é um imbecil.” — “Ah, senhor rei,” respondeu o camponês, “o que você pode esperar de uma vaca, que não fosse um bife?” — “Chega,” disse o rei, “vou te dar uma outra recompensa. Vai-te embora agora e volta dentro de três dias, e então, terás quinhentos bem contados.”
Quando o camponês saía pelo portão, o sentinela disse: — “Você conseguiu fazer a filha do rei sorrir, então, certamente você receberá alguma coisa boa.” — “Sim, é o que eu também acho,” respondeu o camponês, “quinhentos bem contados me serão dados.” — “Escuta,” disse o soldado, “me dê um pouco disso. O que você vai fazer com todo esse dinheiro?”
— “Como é para você,” disse o camponês, “você receberá duzentos, dentro do prazo de três dias, apresente-se diante do rei, e peça a ele que isso te seja entregue.” Um judeu, que estava parado ali, e tinha ouvido a conversa, foi correndo atrás do camponês, o segurou pelo casaco, e disse: — “Oh, maravilha! que garoto de sorte que você é! Eu troco para você, eu troco para você com pequenas moedas, porque você precisa das notas graúdas dos táleres?” — “Judeu,” disse o camponês, “você ainda pode receber trezentos, me dê esse valor agora mesmo em moedas, dentro de três dias a partir de hoje, você poderá receber esse valor pelas mãos do rei.”
O judeu dava pulos de alegria diante do lucro, e trouxe todo o valor em grosche muito usado, onde três dos ruins valeriam dois bons. Três dias haviam decorridos, e de acordo com a ordem do rei, o camponês compareceu diante do rei. — “Tire o casaco dele,” disse o rei, “e ele receberá os quinhentos.” — “Ah,” disse o camponês, “eles não me pertencem mais, eu dei de presente duzentos deles para o sentinela, e trezentos o judeu trocou para mim, então, por direito, não tenho direito a mais nada.”
Nesse momento, o soldado e o judeu entraram e reclamaram o que eles tinham ganhado do camponês, e eles receberam as quinhentas chicotadas bem contadas. O soldado suportou com paciência pois já tinha sofrido antes, mas o judeu falou arrependido: — “Oh não, seriam estes os tálares que eu deveria receber?” O rei não conseguia para de rir para o camponês, e toda a sua raiva foi embora, e ele disse: — “Como você já recebeu a tua recompensa antecipadamente, eu te darei uma compensação em troca. Vá até a minha câmara de tesouro e pegue todo o dinheiro que quiser.”
Não precisou que o rei falasse duas vezes para o camponês, e ele encheu os seus bolsos enormes com tudo o que coube dentro. Depois ele foi até uma estalagem, e contou todo o dinheiro. O judeu foi escondido atrás dele e ouvia que ele resmungava sozinho, — “O desgraçado do rei me trapaceou afinal, porque ele mesmo não poderia ter-me dado o dinheiro, e então, eu saberia o quanto tenho? Quem pode me dizer agora, se o que eu tive a sorte de colocar nos meus bolsos é suficiente ou não? — “Meu Deus do céu!”, disse o judeu para si mesmo, “esse homem está falando de modo desrespeitoso do nosso senhor, o rei, eu vou correndo lá para informá-lo, e então, eu receberei uma recompensa, e ele será punido também.”
Quando o rei ouviu o que o camponês tinha dito, ele ficou furioso, e exigiu que o judeu fosse e trouxesse o blasfemador até ele. O judeu correu até onde o camponês estava, — “Você precisa ir imediatamente até o rei, nosso senhor, com as roupas que você estiver usando.”
— “Sei de uma coisa melhor que essa,” respondeu o camponês, “preciso conseguir um casaco novo primeiro. Você acha que um homem com tanto dinheiro no bolso se apresenta diante do rei com um casaco velho e rasgado?”
O judeu, quando ele viu que o camponês não se mexia porque não tinha outro casaco, e como ele temia que a fúria do rei esfriasse, e ele próprio perderia a sua recompensa, e o camponês não seria punido, ele disse: — “Eu mesmo, como prova da minha verdadeira amizade, te empresto um casaco por algum tempo. O que as pessoas não fazem por amor!” O camponês deu-se por satisfeito, vestiu o casaco do judeu, e saiu em companhia dele.
Orei repreendeu o camponês porque ele havia falado mal de acordo com o que o judeu tinha informado. — “Ah,” disse o camponês, “o que um judeu fala é sempre mentira — jamais se ouviu que um judeu falasse a verdade! Esse ordinário é capaz de dizer que eu estou usando o casaco dele.”
— “O que você disse?” berrou o judeu. “Este casaco não é meu? Eu emprestei ele a você por pura amizade, para que você pudesse se apresentar diante do rei?” Quando o rei ouviu isso, ele disse: — “O judeu com certeza está me enganando ou a nós dois, ou a mim ou ao camponês,” e novamente mandou que lhe aplicassem novas e pesadas chibatadas. O camponês, todavia, voltou com um casaco novo, com dinheiro no bolso, e dizia para si mesmo: — “Desta vez eu acertei!”
Conto dos Irmãos Grimm
O FIEL JOÃO
Era uma vez um rei muito velho e que estava doente, e pensava consigo mesmo:
— “Eu estou deitado naquele que será o meu leito de morte.” Então, ele disse. — “Digam a João, o fiel, para que venha até aqui.” João, o fiel, era seu criado favorito, e era assim chamado, porque durante toda a sua vida ele tinha sido muito sincero para o rei. Quando então ele chegou na beirada da cama do rei, este lhe disse:
— “João, meu mais fiel criado, sinto que o meu fim está se aproximando, e não tenho nenhuma vontade, exceto com relação ao meu filho. Ele ainda é muito jovem, e nem sempre sabe como se conduzir. Se tu me prometeres que vais ensinar a ele tudo o que ele deve saber, e ser para ele um pai adotivo, eu poderei fechar meus olhos em paz.” Então, João, o fiel, respondeu:
— “Eu não o abandonarei, e o servirei com fidelidade, ainda que isso me custe a própria vida.” Diante disto, o velho rei disse:
— “Agora posso morrer consolado e em paz.”
Depois ele acrescentou:
— “Depois que eu morrer, quero que mostres todo o castelo para o meu filho, todas os quartos, corredores, os cofres, e todos os tesouros que estão dentro dos cofres, mas o último quarto, que fica na longa galeria, onde está o retrato da princesa do Palácio de Ouro, tu não deves mostrar a ele. Se ele ver aquele quadro, ele irá se apaixonar loucamente por ela, e irá cair desmaiado, e passará por grandes riscos por causa dela, portanto, deves impedir que ele faça isso.” E quando João, o fiel, prometeu mais uma vez para o velho rei que ele faria o que o rei havia determinado, este não falou mais nada, mas deitou sua cabeça no travesseiro e morreu.
Depois que o velho rei tinha sido levado para a sua sepultura, João, o fiel, disse ao jovem rei tudo o que ele tinha prometido ao seu pai no leito de morte, e disse:
— “Vou fazer tudo o que o seu pai me pediu, e serei fiel para ti assim como fui fiel para ele, mesmo que isso me custe a vida.” Quando o período de luto havia passado, João, o fiel, disse ao jovem rei:
— “É chegada a hora de veres tudo o que herdaste. Mostrarei para ti o palácio de teu pai.” Então, ele levou o jovem para conhecer todos os lugares, acima e abaixo, e mostrou-lhe todas as riquezas, e os magníficos apartamentos, havendo somente um quarto que ele não abriu, aquele onde havia pendurado um perigoso retrato. O quadro, no entanto, era colocado de tal maneira que quando a porta abria você olhava direto para ele, e ele fora tão admiravelmente pintado que o quadro parecia que respirava e vivia, e não havia nada mais encantador nem mais maravilhoso no mundo.
O jovem rei, todavia, percebeu claramente que João, o fiel, sempre passava reto nesta porta, e disse:
— “Porque você nunca abre esta porta para mim?
— “Há algo dentro dele,” respondeu, — “que iria te assustar muito.” Mas o rei continuou:
— “Eu já vi todo o palácio, e eu quero saber o que há neste quarto também”, e ele foi e tentou abrir a porta a força. Então, João, o fiel, o deteve por trás e disse:
— “Eu prometi ao teu pai, antes dele morrer, que tu não verias o que há neste quarto, pois, isso traria o maior infortúnio para ti e para mim.”
— “Ah, não,” retrucou o jovem rei, — “Se eu não entrar dentro dele, isso será com certeza a minha destruição. Eu não conseguirei descansar nem de dia nem de noite até que o tenha visto com meus próprios olhos. Eu não sairei daqui agora até que abras esta porta.”
Então, João, o fiel, viu que não adiantava nada, e com o coração angustiado e depois de muito soluçar, pegou a chave que estava no meio do grande molho. Assim que ele abriu a porta, ele entrou primeiro, e pensou que ficando de frente para o jovem rei ele conseguiria esconder o retrato para que o rei não conseguisse vê-lo de frente, mas de que serviu isso? O rei ficou na ponta dos pés e viu o retrato por cima dos ombros do fiel servidor.
E quando ele viu o retrato da donzela, que era tão magnífico e que brilhava com ouro e pedras preciosas, ele caiu desmaiado no chão. João, o fiel, o levantou, levou para sua cama, e pensou com tristeza:
— “O infortúnio cairá sobre nós, Senhor Deus, qual será o desfecho de tudo isso?” Então, ele o reanimou com vinho, até que o jovem rei voltou a si novamente. As primeiras palavras que o jovem rei falou foram:
— “Ah, que lindo retrato! De quem era ele?
— “Aquele era retrato da princesa do Palácio de Ouro, respondeu João, o fiel. Então, o rei continuou:
— “O meu amor por ela é tão grande, que se todas as folhas de todas as árvores fossem línguas, elas não conseguiriam declará-lo. Eu daria a minha vida para conquistá-la. Tu és o meu criado mais fiel, tu deves me ajudar.”
O criado fiel pensou consigo mesmo durante longo tempo em como resolver esse problema, pois, era muito difícil conseguir uma audiência com a filha do rei. Finalmente, ele encontrou uma maneira, e disse ao rei:
— “Tudo o que ela tem em torno dela é de ouro — mesas, cadeiras, pratos, copos, travessas, e mobiliário de casa.”
Dentre os teus tesouros encontram-se cinco toneladas de ouro, permita que alguns dos ourives do reino trabalhem todos os tipos de vasos e utensílios, e façam todos os tipos de pássaros, de animais selvagens e de animais exóticos, de tal maneira que possa agradá-la, e nós iremos lá com essas peças e tentaremos a nossa sorte.”
O rei ordenou que todos os ourives fossem trazidos até ele, e eles tiveram de trabalhar dia e noite até que finalmente os objetos mais esplendorosos foram preparados. Quando tudo já estava arrumado a bordo do navio, João, o fiel, vestiu a roupa de mercador, e o rei foi obrigado a fazer o mesmo para que ele se tornasse praticamente irreconhecível. Então, eles navegaram pelos mares, e continuaram navegando até que chegaram à cidade onde vivia a princesa do Palácio de Ouro.
João, o fiel, pediu ao jovem rei para que ficasse atrás no navio e o esperasse. — “Talvez eu consiga trazer a princesa comigo”. Disse o rei:
— “Portanto, verifique se tudo está em ordem, mande expor todos os objetos de ouro e providencie para que todo navio seja decorado.” Então, o fiel criado colocou em seu avental todos os tipos de peças de ouro, saiu do navio e caminhou direto para o palácio real. Quando ele entrou no pátio do palácio, uma linda garota estava ao lado do poço com dois baldes em suas mãos, tirando água com eles.
E quando ela havia se virado para levar a água cintilante, ela viu o estrangeiro e lhe perguntou quem ele era. Então, ele respondeu:
— “Eu sou um mercador,” e abriu o seu avental, e deixou que ela olhasse tudo. Então, ela exclamou:
— “Oh, que lindos objetos de ouro!” E colocou os baldes no chão e olhou os utensílios de ouro um de cada vez. Então, a garota disse:ra uma vez um rei muito velho e que estava doente, e pensava consigo mesmo:
— “Eu estou deitado naquele que será o meu leito de morte.” Então, ele disse. — “Digam a João, o fiel, para que venha até aqui.” João, o fiel, era seu criado favorito, e era assim chamado, porque durante toda a sua vida ele tinha sido muito sincero para o rei. Quando então ele chegou na beirada da cama do rei, este lhe disse:
— “João, meu mais fiel criado, sinto que o meu fim está se aproximando, e não tenho nenhuma vontade, exceto com relação ao meu filho. Ele ainda é muito jovem, e nem sempre sabe como se conduzir. Se tu me prometeres que vais ensinar a ele tudo o que ele deve saber, e ser para ele um pai adotivo, eu poderei fechar meus olhos em paz.” Então, João, o fiel, respondeu:
— “Eu não o abandonarei, e o servirei com fidelidade, ainda que isso me custe a própria vida.” Diante disto, o velho rei disse:
— “Agora posso morrer consolado e em paz.”
Depois ele acrescentou:
— “Depois que eu morrer, quero que mostres todo o castelo para o meu filho, todas os quartos, corredores, os cofres, e todos os tesouros que estão dentro dos cofres, mas o último quarto, que fica na longa galeria, onde está o retrato da princesa do Palácio de Ouro, tu não deves mostrar a ele. Se ele ver aquele quadro, ele irá se apaixonar loucamente por ela, e irá cair desmaiado, e passará por grandes riscos por causa dela, portanto, deves impedir que ele faça isso.” E quando João, o fiel, prometeu mais uma vez para o velho rei que ele faria o que o rei havia determinado, este não falou mais nada, mas deitou sua cabeça no travesseiro e morreu.
Depois que o velho rei tinha sido levado para a sua sepultura, João, o fiel, disse ao jovem rei tudo o que ele tinha prometido ao seu pai no leito de morte, e disse:
— “Vou fazer tudo o que o seu pai me pediu, e serei fiel para ti assim como fui fiel para ele, mesmo que isso me custe a vida.” Quando o período de luto havia passado, João, o fiel, disse ao jovem rei:
— “É chegada a hora de veres tudo o que herdaste. Mostrarei para ti o palácio de teu pai.” Então, ele levou o jovem para conhecer todos os lugares, acima e abaixo, e mostrou-lhe todas as riquezas, e os magníficos apartamentos, havendo somente um quarto que ele não abriu, aquele onde havia pendurado um perigoso retrato. O quadro, no entanto, era colocado de tal maneira que quando a porta abria você olhava direto para ele, e ele fora tão admiravelmente pintado que o quadro parecia que respirava e vivia, e não havia nada mais encantador nem mais maravilhoso no mundo.
O jovem rei, todavia, percebeu claramente que João, o fiel, sempre passava reto nesta porta, e disse:
— “Porque você nunca abre esta porta para mim?
— “Há algo dentro dele,” respondeu, — “que iria te assustar muito.” Mas o rei continuou:
— “Eu já vi todo o palácio, e eu quero saber o que há neste quarto também”, e ele foi e tentou abrir a porta a força. Então, João, o fiel, o deteve por trás e disse:
— “Eu prometi ao teu pai, antes dele morrer, que tu não verias o que há neste quarto, pois, isso traria o maior infortúnio para ti e para mim.”
— “Ah, não,” retrucou o jovem rei, — “Se eu não entrar dentro dele, isso será com certeza a minha destruição. Eu não conseguirei descansar nem de dia nem de noite até que o tenha visto com meus próprios olhos. Eu não sairei daqui agora até que abras esta porta.”
Então, João, o fiel, viu que não adiantava nada, e com o coração angustiado e depois de muito soluçar, pegou a chave que estava no meio do grande molho. Assim que ele abriu a porta, ele entrou primeiro, e pensou que ficando de frente para o jovem rei ele conseguiria esconder o retrato para que o rei não conseguisse vê-lo de frente, mas de que serviu isso? O rei ficou na ponta dos pés e viu o retrato por cima dos ombros do fiel servidor.
E quando ele viu o retrato da donzela, que era tão magnífico e que brilhava com ouro e pedras preciosas, ele caiu desmaiado no chão. João, o fiel, o levantou, levou para sua cama, e pensou com tristeza:
— “O infortúnio cairá sobre nós, Senhor Deus, qual será o desfecho de tudo isso?” Então, ele o reanimou com vinho, até que o jovem rei voltou a si novamente. As primeiras palavras que o jovem rei falou foram:
— “Ah, que lindo retrato! De quem era ele?
— “Aquele era retrato da princesa do Palácio de Ouro, respondeu João, o fiel. Então, o rei continuou:
— “O meu amor por ela é tão grande, que se todas as folhas de todas as árvores fossem línguas, elas não conseguiriam declará-lo. Eu daria a minha vida para conquistá-la. Tu és o meu criado mais fiel, tu deves me ajudar.”
O criado fiel pensou consigo mesmo durante longo tempo em como resolver esse problema, pois, era muito difícil conseguir uma audiência com a filha do rei. Finalmente, ele encontrou uma maneira, e disse ao rei:
— “Tudo o que ela tem em torno dela é de ouro — mesas, cadeiras, pratos, copos, travessas, e mobiliário de casa.”
Dentre os teus tesouros encontram-se cinco toneladas de ouro, permita que alguns dos ourives do reino trabalhem todos os tipos de vasos e utensílios, e façam todos os tipos de pássaros, de animais selvagens e de animais exóticos, de tal maneira que possa agradá-la, e nós iremos lá com essas peças e tentaremos a nossa sorte.”
O rei ordenou que todos os ourives fossem trazidos até ele, e eles tiveram de trabalhar dia e noite até que finalmente os objetos mais esplendorosos foram preparados. Quando tudo já estava arrumado a bordo do navio, João, o fiel, vestiu a roupa de mercador, e o rei foi obrigado a fazer o mesmo para que ele se tornasse praticamente irreconhecível. Então, eles navegaram pelos mares, e continuaram navegando até que chegaram à cidade onde vivia a princesa do Palácio de Ouro.
João, o fiel, pediu ao jovem rei para que ficasse atrás no navio e o esperasse. — “Talvez eu consiga trazer a princesa comigo”. Disse o rei:
— “Portanto, verifique se tudo está em ordem, mande expor todos os objetos de ouro e providencie para que todo navio seja decorado.” Então, o fiel criado colocou em seu avental todos os tipos de peças de ouro, saiu do navio e caminhou direto para o palácio real. Quando ele entrou no pátio do palácio, uma linda garota estava ao lado do poço com dois baldes em suas mãos, tirando água com eles.
E quando ela havia se virado para levar a água cintilante, ela viu o estrangeiro e lhe perguntou quem ele era. Então, ele respondeu:
— “Eu sou um mercador,” e abriu o seu avental, e deixou que ela olhasse tudo. Então, ela exclamou:
— “Oh, que lindos objetos de ouro!” E colocou os baldes no chão e olhou os utensílios de ouro um de cada vez. Então, a garota disse:
— “A princesa precisa ver isso, ela adora tanto ver objetos de ouro, que comprará tudo o que o senhor tiver.”
Ela o pegou pela mão e o levou até o andar superior, pois, esta era a camareira da princesa. Quando a filha do rei viu os utensílios, ela ficou muito feliz e disse:
— “Elas são tão bem trabalhadas, que eu comprarei de ti todas elas.” Mas, João, o fiel, disse:
— “Eu sou apenas o criado de um rico mercador. As coisas que eu tenho aqui não são nada quando comparadas com aquelas que o meu amo trouxe em seu navio. São os objetos mais lindos e mais valiosos que já foram fabricados em ouro.”
Ela queria que tudo fosse trazido até ela, mas o fiel criado respondeu:
— “Há tantas peças como essas aí que eu levaria muitos dias para trazê-las até aqui, e tantas salas seriam necessárias para serem mostradas, que o teu palácio não seria grande o bastante.” Então, a curiosidade e a ansiedade dela aumentaram ainda mais, até que ela disse finalmente:
— “Leve-me até o navio, eu mesma irei até lá, para contemplar os tesouros do teu amo.”
Diante disto, João, o fiel, ficou muito satisfeito, e a conduziu até o navio, e quando o rei a viu, ele percebeu que a sua beleza era muito maior que aquela que o retrato pretendia representar, e não conseguiu pensar em mais nada, exceto que o seu coração iria explodir. Então, ela entrou no navio, e o rei a conduziu para dentro. João, o fiel, todavia, permaneceu atrás com o piloto, e ordenou para que o navio zarpasse imediatamente, dizendo:
— “Icem todas as velas, para que possamos voar como um pássaro no ar.”
No interior do navio, todavia, o rei mostrava a ela todos os recipientes de ouro, cada um deles, e também os animais selvagens e os animais exóticos. Muitas horas se passaram enquanto ela ficou olhando tudo, e diante do encanto que vivia, ela não percebeu que o navio estava indo embora. Quando ela finalmente olhou a última peça, ela agradeceu ao mercador e quis ir para casa, mas quando chegou na lateral do navio, ela viu que estavam no mar profundo longe do continente, e o navio avançava apressadamente a todo vapor.
— “Ah,” gritou ela, assustada, — “Fui traída! Eu sendo levada embora e caí nas garras de um mercador — Quero morrer!” O rei, todavia, pegou a sua mão, e disse:
— “Eu não sou mercador. Sou rei, e de origem não menos nobre do que tu, e se eu te conduzi até aqui com sutileza, isso foi por causa do grande amor que tenho por ti. A primeira vez que eu vi o teu retrato, eu caí desfalecido no chão.” Quando a princesa do Palácio de Ouro ouviu aquilo, ela se consolou, e o seu coração se inclinou para ele, de modo que de bom grado ela concordou em ser sua esposa.
Aconteceu, todavia, enquanto estavam navegando sobre o mar profundo, que João, o fiel, que estava sentado na parte dianteira do barco, compondo música, observou três corvos no céu, que vinham voando em direção a eles. Diante disto, ele parou de tocar e escutou o que eles estavam dizendo um para o outro, pois disso ele entendia bem. Um deles exclamou:
— “Oh, lá vai ele levando a princesa do Palácio de Ouro para casa.”
— “Sim,” respondeu o segundo, — “mas ele não a conquistou ainda.” Disse o terceiro:
— “Mas ele a conquistou sim, ela está sentada ao lado dele no navio.” Então, o primeiro começou novamente, e exclamou:
— “Mas de que adianta isso para ele? Quando eles chegarem em terra um cavalo alazão irá saltar de encontro a ele, e o príncipe irá querer montá-lo, mas se ele fizer isso, o cavalo irá fugir com ele, e voará pelos céus com ele, e ele nunca mais verá a princesa.” Falou o segundo:
— “Mas não existe uma saída?”
— “Oh, sim, se alguém subir nele imediatamente, e pegar a arma que deverá estar no coldre, e matar o cavalo com a arma, o jovem rei será salvo. Mas, quem sabe disso? E aquele que o souber, e disser isso a rei, será transformado em pedra dos pés até os joelhos.” Então, disse o segundo:
— “Eu sei mais do que isso: ainda que o cavalo seja morto, o jovem rei não ficará com a sua noiva. Quando eles forem juntos para o castelo, uma roupa de núpcias muito bem trabalhada será colocada numa travessa, e parecendo como se tivesse sido tecida com ouro e prata; no entanto, não passará apenas de enxofre e pixe, e se ele vestir a roupa, ele sentirá queimaduras desde os ossos até a medula.” Disse o terceiro:
— “Mas será que não existe nenhuma saída?”
— “Oh, sim,” respondeu o segundo, — “se alguém usando luvas pegar a roupa e a lançar ao fogo e queimá-la, o jovem rei será salvo. Mas, de que adianta isso? Aquele que souber disso e dizer ao rei, metade do seu corpo se transformará em pedra dos joelhos até o coração.”
Então, disse o terceiro:
— “Estou sabendo de muito mais: mesmo que a roupa de núpcias seja queimada, o jovem rei ainda não ficará com a sua noiva. Depois do casamento, quando o baile começar e a jovem rainha estiver dançando, ela imediatamente ficará pálida e cairá como se estivesse morta, e se alguém não a socorrer e sugar três gotas de sangue do seu peito direito e cuspí-los novamente, ela morrerá. Mas, se alguém souber disso e o declarar, ele se transformará em pedra da coroa da sua cabeça até a sola dos seus pés.”
Quando os corvos haviam falado tudo isso, eles seguiram voando, e João, o fiel, havia compreendido tudo, mas daquele dia em diante ele ficou calado e triste, pois, se ele ocultasse do seu amo o que ele tinha escutado, este seria vítima do infortúnio, e se ele o revelasse ao rei, ele próprio deveria sacrificar a sua vida. Por fim, disse para si mesmo:
— “Salvarei o meu amo, mesmo que isso traga destruição para mim.”
Quando então, eles chegaram em terra, tudo aconteceu como tinha sido previsto pelos corvos, e um magnífico cavalo alazão saltou em direção a eles.
— “Bom,” disse o rei, — “ele me levará até o palácio, e ia montá-lo quando João, o fiel, entrou na frente do rei, saltou sobre o cavalo, pegou a arma que estava no coldre, e matou o cavalo.
Então, os outros que faziam parte da comitiva do rei, e que afinal de contas não gostavam de João, o fiel, gritaram:
— “Que vergonha, matar um lindo animal, que ia levar o rei para o palácio!” Mas o rei disse:
— “Fiquem tranquilos e deixem-no em paz, ele é João, o meu criado mais fiel, e sabe muito bem o que está fazendo!”
Eles foram para o palácio, e na entrada havia uma travessa, e nela estava a roupa de núpcias que parecia não ter sido trabalhada senão com ouro e prata.
O jovem rei caminhou em direção à roupa e ia pegá-la, quando João, o fiel, o empurrou para longe, pegou-a com as suas luvas, e levou-a imediatamente para o fogo e a queimou. Os outros da comitiva do rei começaram a murmurar, e disseram:
— “Vejam, agora ele está queimando a roupa nupcial do rei!” Mas o jovem rei disse:
— “Quem sabe o bem que ele está nos fazendo, deixem-no em paz, ele é João, o meu criado mais fiel.”
E o casamento foi solenemente realizado, o baile começou e a noiva também tomou parte dele, então João, o fiel, estava vigilante e olhava para o rosto dela, e de repente ela ficou pálida e caiu no chão, como se estivesse morta. Diante disto, o fiel servidor correu imediatamente até ela, e a socorreu e a carregou até seus aposentos — então, ele a colocou na cama, se ajoelhou e sugou três gotas de sangue do seu lado direito do peito, e cuspiu tudo.
Imediatamente ela respirou novamente e se reanimou, mas o jovem rei viu isto, e desconhecendo porque João, o fiel, havia feito isso, ficou bravo e exclamou:
— “Levem-no para o calabouço.” Na manhã seguinte João, o fiel, foi condenado, e conduzido para as galeras, e quando ele estava de pé, e ia ser executado, ele falou:
— “Todo aquele que está para morrer, lhe é permitido fazer um último pedido antes da conclusão da pena, posso também reivindicar esse direito?”
— “Sim,” respondeu o rei. Então, disse João, o fiel.
— “Estou sendo condenado injustamente, e sempre te fui sincero,” e ele contou como ele tinha ouvido a conversa entre os corvos quando estavam no mar, e como ele tinha sido obrigado a fazer todas aquelas coisas para salvar o seu amo. Então, o rei exclamou:
— “Oh, João, meu criado mais fiel. Me perdoe, me perdoe — tirem-no daí.” Mas João, o fiel, disse a última palavra e caiu sem vida e se transformou numa pedra.
Então, o rei e a rainha ficaram muito angustiados, e o rei disse:
— “Ah, como eu recompensei mal uma grande fidelidade!” e ordenou que a figura de pedra fosse levada dalí e colocada em seus aposentos ao lado de sua cama. E sempre que ele olhava para a estátua ele chorava e dizia:
— “Ah, se eu pudesse restituir-te a vida novamente, João, meu criado mais fiel.” Algum tempo se passou e a rainha deu à luz um casal de gêmeos, os dois filhos cresceram rápidos e eram toda sua alegria.
Uma vez, quando a rainha tinha ido na igreja e as duas crianças estavam sentadas ao lado do pai, este, cheio de pesar olhou novamente para a figura de pedra, suspirou e disse:
— “Ah, se eu pudesse restituir-te a vida novamente, João, meu criado mais querido.” Então, a pedra começou a falar e disse:
— “Podes restituir-me a vida novamente, se usares para esse propósito aquilo que é mais caro para ti.” Então, o rei exclamou:
— “Daria tudo que tenho no mundo para ti.” A pedra continuou:
— “Se cortares a cabeça de teus dois filhos, com tuas próprias mãos, e me espargires com o sangue deles, a minha vida será restituída.”
O rei ficou chocado quando ouviu que ele mesmo deveria tirar a vida de seus filhos queridos, mas ele se recordou da grande fidelidade de seu criado João, e de como este havia morrido por ele, sacou da sua espada, e com suas próprias mãos cortou as cabeças das crianças. E depois que ele espargiu a pedra com o sangue deles, a vida lhe foi restituída, e João, o fiel, estava mais uma vez diante dele a salvo e com saúde. Ele disse para o rei:
— “A tua coragem não ficará sem recompensa, e pegou as cabeças das crianças, e as colocou de volta novamente, e esfregou os ferimentos com o sangue delas, e elas ficaram curadas novamente, e começaram a pular, e sairam brincando como se nada tivesse acontecido.
Então, o rei ficou radiante de alegria, e quando ele percebeu que a rainha estava chegando, ele escondeu João, o fiel, e as duas crianças num grande armário. Quando ela entrou, ele disse a ela:
— “Estivestes rezando na igreja?
— “Sim,” respondeu ela — “mas eu tenho pensado constantemente em João, o fiel, e no infortúnio que caiu sobre ele por nossa culpa.” Então, ele disse:
— “Querida esposa, nós podemos restituir a vida dele novamente, mas isso nos custará nossos dois filhinhos, a quem devemos sacrificar.” A rainha ficou pálida e seu coração ficou cheio de pavor, mas ela disse:
— “Nós devemos isso a ele, pela sua grande fidelidade.” Então, o rei ficou radiante de alegria porque ela pensava como ele havia pensado, e foi e abriu o armário, e tirou de dentro dele João, o fiel, e os dois filhinhos, e disse:
— “Deus seja louvado, ele foi libertado, e nós temos nossos dois filhos novamente também,” e contou a ela tudo o que havia acontecido. Então, eles viveram juntos muito felizes até o fim de suas existências.
Conto dos Irmãos Grimm
O LOBO E OS SETE CABRITINHOS
Era uma vez uma velha cabrita que tinha sete cabritinhos, e os amava com todo o amor que uma mãe tem por seus filhos. Um dia ela queria ir para a floresta para buscar algum alimento. Então, ela chamou todos os sete até ela e disse:
— “Queridos filhinhos, eu preciso ir para a floresta, fiquem atentos com o lobo, se ele aparecer, ele irá devorar vocês inteirinho com pele e osso. O infeliz vem sempre disfarçado, mas vocês o reconhecerão imediatamente por causa da sua voz grossa e seus pés pretos.” Os cabritinhos disseram:
— “Querida mãezinha, nós vamos tomar muito cuidado, a senhora pode ir sem preocupação.” Então, a cabrita velha deu um berro e foi embora muito tranquila.
Não passou muito tempo e alguém bateu na porta da casa e gritou:
— “Abram a porta, queridos filhinhos, a mãe de vocês chegou, e trouxe uma supresinha para cada um de vocês.” Mas, os cabritinhos sabiam que se tratava do lobo, por causa da voz grossa:
— “Nós não abriremos a porta,” eles gritaram, ”você não é a nossa mãe. Ela tem uma voz macia e agradável, mas a tua voz é grossa, você é o lobo!”
Então, o lobo foi embora até um gerente de loja e comprou um pedaço de barro, comeu o barro e a sua voz ficou mais suave depois disso. Então, ele voltou, bateu na porta da casa, e gritou:
— “Abram a porta, queridos filhinhos, a mamãe de vocês chegou e trouxe uma surpresinha para cada um de vocês.” Mas o lobo tinha colocado as suas patas negras contra a janela, e as crianças viram e gritaram:
— “Nós não abriremos a porta, a nossa mãe não tem pés negros como os teus. Então, o lobo foi até o padeiro e disse:
— “Eu machuquei as minhas patas, será que você poderia esfregar um pouco de massa para mim.” E quando o padeiro esfregou o pé dele com a massa, ele correu até o moleiro e disse:
— “Espalhe um pouco de farinha de trigo na minha perna para mim.” O moleiro pensou consigo mesmo:
— “O lobo está querendo enganar alguém,” e se recusou; mas o lobo disse:
— “Se você não fizer isso, eu vou te devorar.” Então, o moleiro ficou com medo, e passou farinha de trigo nas patas do lobo. As pessoas são assim mesmo.
Então, ele foi pela terceira vez até a porta da casa dos cabritinhos, bateu e disse:
— “Abram a porta para mim, crianças, é a mamãe que voltou, e trouxe uma coisinha da floresta para cada um de vocês.” As crianças gritaram:
— “Primeiro nos mostre as suas patas para que possamos saber se você é a nossa querida mãezinha.” Então, o lobo colocou as patas pela janela, e quando os cabritinhos viram que as patas eram brancas, eles acreditaram que era verdade, e abriram a porta.
Mas quem entrou senão o lobo! Eles ficaram apavorados e quiseram se esconder. Um saltou para debaixo da mesa, o segundo para debaixo da cama, o terceiro para dentro do fogão, o quarto foi para a cozinha, o quinto se escondeu dentro do armário, o sexto dentro da bacia de lavar louça que era de porcelana, e o sétimo dentro da caixa do relógio. Mas o lobo encontrou todos eles, e não fez nenhuma cerimônia, e um após o outro, ele engoliu todos eles para dentro da sua goela.
O cabritinho menorzinho que estava dentro da caixa do relógio foi o único que não foi encontrado. Quando o lobo havia saciado a sua fome, ele foi embora, se deitou debaixo de uma árvore, e começou a dormir. Logo depois a cabrita mãe voltou novamente para casa vindo da floresta. Ah!, o que ela viu então!. A porta da casa estava toda aberta. A mesa, as cadeiras, e os bancos estavam espalhados, a bacia de lavar louça que era de porcelana estava reduzida a cacos, e os acolchoados e os travesseiros estavam espalhados para fora da cama.
Ela procurou as crianças, mas não os encontrou em lugar nenhum. Ela os chamava pelo nome, um após o outro, mas ninguem respondia. Finalmente, quando ela procurou o menorzinho, uma voz muito fraca respondeu:
— “Querida mamãe, eu estou dentro da caixa do relógio.” Ela tirou o cabritinho de lá, e ele contou para a mamãe que o lobo tinha vindo lá e tinha comido todos os seus irmãozinhos. Então, você pode imaginar como ela chorou por causa dos seus filhinhos.
Finalmente, desesperada ela saiu, e o cabritinho mais novo fugiu com ela. E quando eles chegaram perto do mato, lá estava o lobo debaixo de uma árvore, e roncava tão alto que até os galhos da árvore tremiam. Ela olhou para ele e por todos os lados viu que alguma coisa estava se mexendo e se debatia dentro do seu corpo inchado.
— “Oh, céus,” disse ela, “será possível que meus pobres filhinhos que ele engoliu no jantar, podem ainda estar vivos?”
Então, o cabritinho foi correndo para casa e trouxe a tesoura, e uma agulha e uma linha, e a cabrita mãe abriu a barriga do monstro, e mal tinha ela feito um corte, e um cabritinho colocou a cabeça para fora, e quando ela continuou cortando, todos os seis saltaram, um depois do outro, e todos eles estavam vivos ainda, e não tinham sofrido nenhum ferimento, pois devido a voracidade o lobo os tinha engolido inteirinhos, sem mastigar.
Que felicidade que foi! Então, eles abraçaram a sua querida mãezinha, e eles pulavam felizes como crianças na frente de um sorvete. A mãe, todavia, disse,
— “Agora, vamos procurar algumas pedras grandes, e nós encheremos o estômago do lobo mau com elas enquanto ele ainda está dormindo.” Então, os sete cabritinhos trouxeram as pedras até ali rapidamente, e colocaram todas que couberam em seu estômago, e a mamãe cabra costurou o estômago do lobo bem depressa, e então, ele não desconfiou de nada e nem se mexeu nenhuma vez.
Quando o lobo, finalmente, acordou do seu sono, ele ficou de pé, e como as pedras que estavam em seu estômago o deixaram com muita sede, ele quis ir a um poço para beber água. Mas, quando ele começou a andar e a se mexer, as pedras que estavam em seu estômago começaram a rolar umas contra as outras, como se fosse um chocalho. Então, ele gritou:
— “Que grandes estrondos, pareço ouvir, pensei que fossem os seis cabritinhos, Mas grandes pedras parecem ruir.”
E quando ele chegou no poço, se abaixou para pegar água e ia beber, as enormes pedras o fizeram cair dentro do poço, e não teve jeito, ele acabou se afogando miseravelmente. Quando os sete cabritinhos viram isso, eles vieram correndo até o poço e gritavam alto:
— “O lobo morreu! O lobo morreu! E dançaram a roda da alegria em torno do poço junto com a mãe deles.”
Conto dos Irmãos Grimm
O PRÍNCIPE SEM MEDO
Um pai tinha dois filhos, o mais velho deles era sábio e sensato, e sabia fazer de tudo, mas o mais jovem era tolo, e não conseguia aprender nem entender nada, e quando as pessoas o viam, elas diziam:
— “Este é um garoto que dará muito trabalho ao pai!”
Quando algo precisava ser feito, era sempre o mais velho que fazia, mas se o seu pai pedia ao mais velho que fosse buscar qualquer coisa quando já era tarde, ou já estivesse escuro, e o caminho tivesse de passar perto do cemitério, ou de qualquer outro lugar assustador, ele respondia:
— “Oh não, pai, eu não vou lá, isso me causa arrepios!” porque ele sempre tinha medo.
Ou quando histórias em volta da fogueira eram contadas a noite, ele ficava todo arrepiado, e aqueles que estavam por perto sempre diziam:
— “Oh não, estou ficando com medo!” O mais jovem ficava sentado no canto e escutava as histórias com o resto das pessoas, e não conseguia imaginar o que significava tudo aquilo.
— “Eles estão sempre dizendo, “estou ficando com medo, estou ficando com medo!” Eu não estou ficando com medo,” pensava ele. “Talvez essa fosse uma arte que eu precisava entender!”
E então, aconteceu que seu pai um dia disse a ele:
— “Ouça-me, garoto que está sentado aí no canto, você está ficando alto e forte, e você deve aprender alguma coisa com a qual possa ganhar a vida. Veja como o teu irmão trabalha, mas você não ganha nem sequer para comprar um quilo de sal.”
— “Bem, pai,” respondeu ele, “eu tenho vontade de aprender alguma coisa, de verdade, e se isso pode ser ensinado, eu gostaria de aprender a ter medo. Eu não entendo nada disso.”
O irmão mais velho, riu ao ouvir isso, e pensou consigo mesmo:
— “Bom Deus, como o meu irmão é tolo! Ele nunca vai prestar para nada enquanto viver! Para ser foice o metal desde cedo deve se dobrar aos imperativos do tempo.”
O pai suspirou e respondeu:
— “Você logo aprenderá o que é ter medo, mas você não terá o teu sustento com isso.”
Pouco tempo depois um sacristão foi à casa dele para uma visita, e o pai desfilou um rosário de lamentações, e lhe contou como o seu filho mais jovem era tão refratário em todos os aspectos, que ele não sabia nada e não aprendia nada.
— “Veja só,” disse o pai, “quando eu perguntei a ele o que ele faria para ganhar a vida, ele me respondeu que queria aprender a ter medo.”
— “Se é isso mesmo o que ele quer,” respondeu o sacristão, “eu posso ensinar isso a ele. Fale pra ele me procurar, eu vou deixá-lo afinadíssimo.”
O pai ficou contente, porque ele pensou:
— “Vou fazer um teste com o garoto.” Então, o sacristão o levou para casa, e ele precisava tocar o sino. Depois de um ou dois dias, o sacristão o acordou a meia noite, e disse a ele para que se levantasse e subisse até a torre da igreja para tocar o sino.
— “Você logo aprenderá o que é ter medo,” pensou o sacristão, e às ocultas foi na frente dele, e quando o garoto estava no alto da torre e se virou, e já ía segurar na corda do sino, ele viu uma figura de branco que estava de pé nas escadas de frente para a janela do sino.
— “Quem está aí?” gritou o jovem, mas a figura não respondia, e não fazia nenhum movimento. “Responda-me,” gritou ele mais uma vez, “ou vá embora daqui, você não tem nada que fazer aqui a esta hora da noite.”
No entanto, o sacristão ficou parado e não se movia para que o garoto pensasse que se tratasse de um fantasma. O garoto gritou pela segunda vez:
— “O que você quer aqui? — fale se você for uma pessoa sincera, ou eu vou te jogar escada abaixo!”
O sacristão pensou: — “ele não pode ser tão malvado como está dizendo,” não fez nenhum barulho, e permaneceu parado como se fosse feito de pedra. Então, o garoto chamou pela terceira vez, e como isso também não adiantasse nada, ele correu em direção ao sacristão e empurrou o fantasma escada abaixo, que rolou dez degraus abaixo e permaneceu imóvel num canto.
Depois ele tocou o sino, foi para casa, e sem dizer uma palavra se deitou, e dormiu. A esposa do sacristão esperou durante muito tempo pelo marido, que não voltava. Então, ela ficou preocupada, e acordou o garoto, e perguntou:
— “Você não sabe onde o meu marido se encontra? Ele subiu a torre antes de você.”
— “Não, eu não sei,” respondeu o garoto, “Alguém estava na escada de frente para a janela do sino, e como ele não queria responder, e nem ia embora, pensei, que era um ladrão, e o derrubei da escada, vá lá e veja se era ele. Lamento muito caso seja ele.” A mulher saiu correndo e encontrou o marido dela, deitado e gemendo num canto, com a perna quebrada.
Ela o carregou para casa e depois aos berros foi correndo até a casa do garoto.
— “O seu garoto,” disse ela, “é a causa de uma grande desgraça! Ele atirou meu marido escada abaixo e quebrou uma perna dele. Leve embora de nossa casa esse infeliz que não serve para nada.”
O pai ficou apavorado, e correu imediatamente para lá e repreendeu o garoto:
— “Mas que maldade foi essa?” disse ele, “o Coisa Ruim deve ter colocado isso na tua cabeça.”
— “Pai,” respondeu ele, “me escute, por favor. Eu sou totalmente inocente. Ele estava de pé lá à noite como alguém que estivesse para fazer alguma maldade. Eu não sabia quem era ele, e por três vezes eu insisti para que ele falasse ou fosse embora.”
— “Ah,” disse o pai, “ você só me traz infelicidade. Saia da minha frente. Não quero te ver nunca mais.”
— “Sim,” pai, “te peço, espere pelo menos o dia clarear. Então, eu vou embora e aprenderei como ter medo, e de qualquer maneira entenderei uma arte que me servirá de suporte.”
— “Aprenda o que você quiser,” falou o pai, “para mim é indiferente. Tome aqui as cinquenta moedas. Pegue-as e enfrente o mundo selvagem, e não diga a ninguém de onde você veio, e quem é o teu pai, porque eu tenho motivos para ter vergonha de você.”
— “Sim, pai, será como o senhor desejar. Se o senhor não deseja nada mais do que isto, vai ser fácil cumprir a tua vontade.”
Quando o dia amanheceu, portanto, o jovem colocou as cinquenta moedas no bolso, e foi embora por uma grande rodovia, e dizia sempre para si mesmo:
— “Se eu pelo menos pudesse ter medo! Se eu pelo menos pudesse ter medo!” Então, um homem, que tinha ouvido o que o garoto falava, se aproximou e depois de andar mais um pouquinho, quando eles podiam ver um patíbulo, o homem disse a ele:
— “Olhe, ali fica a árvore, onde sete jovens festejaram o casamento da filha do fabricante de cordas, e agora eles estão aprendendo a voar. Fique sentado ali, e espere quando a noite chegar, e você irá aprender a ter medo.”
— “Se for isso tudo que é necessário,” respondeu o jovem, “isso é fácil de fazer, mas se eu aprender a ter medo tão rápido assim, você receberá cinquenta moedas. Volte aqui amanhã bem cedo.” Então, o jovem foi até o patíbulo, se sentou debaixo dele, e ficou esperando até a noite chegar.
Como estava com frio, ele se aqueceu perto de uma fogueira, mas a meia noite o vento soprava tão forte que apesar do fogo, ele não conseguia se aquecer. E como o vento fazia com que os homens que tinham sido enforcados ficassem batendo um contra o outro, e eles balançavam para a frente e para trás, ele pensou consigo mesmo:
— “Eu fico tremendo aqui embaixo perto da fogueira, mas, como aqueles que estão lá em cima devem estar congelados e sofrendo!” E como ele sentiu piedade por eles, subiu a escada, e subiu até onde eles estavam, desamarrou todos eles um após o outro, e desceu todos os sete.
Então, ele agitou o fogo, soprou, e colocou todos eles ao redor para se aquecerem. Mas eles ficavam sentados ali e não se mexiam, e o fogo começou a queimar a roupa deles. Então, ele disse:
— “Tomem cuidado, ou eu vou enforcá-los novamente.” Os homens que estavam mortos, todavia, não responderam, mas permaneceram em silêncio, e deixava que os seus farrapos continuassem queimando. Com isto ele ficou bravo, e disse:
— “Se vocês não tomarem cuidado, eu não vou ajudá-los, eu não vou ser queimado com vocês,” e ele pendurou de novo todos eles na forca. Depois ele voltou a se sentar perto do fogo e adormeceu, e na manhã seguinte o homem veio até ele e queria receber as cinquentas moedas, e disse:
— “Bem, você já sabe o que é ter medo?”
— “Não,” respondeu ele, “como é que eu deveria saber? Aqueles caras lá em cima não abriram a boca, e eram tão tapados que eles deixaram os trapos estavam vestindo em seus corpos se queimassem.” Então, o homem viu que ele não receberia as cinquenta moedas naquele dia, e foi embora dizendo:
— “Nunca uma coisa como esta havia acontecido para mim antes.”
O jovem novamente pegou o seu caminho, e mais uma vez começou a resmungar consigo mesmo:
— “Ah, se eu conseguisse ter medo! Ah, se eu conseguisse ter medo!”
Um carroceiro que estava atrás dele, e ouviu o que ele dizia, perguntou:
— “Quem é você ?”
— “Não sei,” respondeu o jovem. Então, o carroceiro lhe disse:
— “De onde você vem?”
— “Não sei.”
— “Quem é teu pai?”
— “Não posso lhe dizer isso.”
— “Porquê você não pára de resmungar entre os dentes?”
— “Ah,” respondeu o jovem, “eu tenho tanta vontade de saber como é ter medo, mas ninguém consegue me ensinar como fazer isso.”
— “Pare de falar bobagens,” disse o carroceiro. “Venha comigo, e eu encontrarei um lugar para você.” O jovem foi com o carroceiro, e à noitinha eles chegaram numa estalagem onde pretendiam passar a noite.
Então, bem na entrada do quarto, o jovem novamente disse bem em voz alta:
— “Ah se eu conseguisse ter medo! Ah se eu conseguisse ter medo!” O estalajadeiro, ao ouvir isto, riu muito e disse:
— “Se é isso o que você deseja, deve haver uma boa oportunidade para você aqui.”
— “Escute, fique quieto,” disse a esposa do estalajadeiro, “muitas pessoas curiosas já perderam suas vidas, seria uma pena e um pecado que olhos tão lindos como os teus não pudessem nunca mais ver o sol nascer.”
Mas o jovem disse: — “Por mais difícil que seja, eu quero saber, e foi para isto que eu viajei até aqui.” Ele não dava descanso para o estalajadeiro, até que este lhe disse: “que não muito longe dali ficava um castelo assombrado onde qualquer pessoa poderia aprender facilmente o que era o medo, se ele simplesmente passasse três noites naquele castelo. O rei havia prometido que aquele que tivesse essa coragem receberia a sua filha como esposa, que era a garota mais linda que o sol já derramou os seus raios cintilantes.
No castelo havia também grandes tesouros, os quais eram guardados pelos espíritos do mal, e estes tesouros seriam então, libertados, e tornariam rico o bastante qualquer pessoa miserável. Muitos homens já haviam ido até o castelo, mas nenhum deles conseguiu sair vivo de lá. Então, o jovem na manhã seguinte foi até o rei e disse que se lhe dessem permissão, ele ficaria três noites no castelo encantado.
O rei olhou para ele, e como o garoto lhe fosse agradável, ele disse:
— “Você pode pedir três coisas para levar com você para o castelo, mas devem ser coisas sem vida.” Então, ele respondeu:
— “Então, eu quero levar lenha para fazer fogo, um torno giratório e uma tábua de cortar com faca.” O rei mandou que estas coisas fossem levadas ao castelo para ele durante o dia. Quando a noite estava chegando, o jovem foi e fez para ele um fogo bem alto em uma das salas do castelo, colocou a tábua de cortar com a faca perto do fogo, e se sentou perto do torno giratório.
— “Ah se eu conseguisse ter medo!”, dizia ele, “mas eu acho que não vou aprender isso aqui também.” Por volta da meia noite, ele decidiu atiçar o fogo, e quando ele começou a soprar, de repente alguém gritou de algum lugar:
— “Au, miau, como está frio aqui!”
— “Seus idiotas!” gritou ele, “porque vocês estão gritando? Se vocês estão com frio, venham aqui para se aquecer perto do fogo.” E quando ele disse isso, dois grandes gatos pretos se aproximaram dando um salto estupendo e se sentaram um de cada lado dele, e olhavam furiosos para ele com seus olhos ardentes.
Passado algum tempo, depois que os gatos tinham se aquecido, eles disseram:
— “Camarada, será que nós poderíamos jogar baralho?”
— “Porque não,” respondeu ele, “mas primeiro me mostrem as garras de vocês.” Então, eles esticaram as suas garras.
— “Oh,” disse ele, “que unhas compridas que vocês têm! Espere, primeiro eu vou cortá-las um pouco para vocês.”
Então, ele pegou os gatos pelas gargantas, os colocou na tábua de cortar e rapidamente aparou as unhas deles.
— “Eu olhei para os dedos de vocês,” disse ele, “e minha vontade de jogar baralho foi embora,” e ele matou os dois gatos e os jogou na água. Mas quando ele tinha se livrado daqueles dois, e ia se sentar novamente perto da fogueira, de todos os buracos e de todos os cantos saíam gatos negros e cachorros pretos com correntes incandescentes, e vinham cada vez mais até que ele não conseguia se mexer, e eles gritavam terrivelmente, pegaram o fogo, espalharam todo, e queriam apagá-lo.
Ele olhou para eles durante algum tempo, mas depois eles começaram a cansá-lo, então, ele pegou a tábua de cortar, e gritou:
— “Fora daqui, seus vermes,” e começou a cortar todos eles impiedosamente. Parte deles fugiu, os outros ele matou, e atirou no riacho de peixes. Quando ele retornou ele soprou as brasas da fogueira novamente e voltou a se aquecer. E quando então, ele se sentou, seus olhos não conseguiam mais ficarem abertos, e ele sentiu vontade de dormir. Então, ele olhou ao redor e viu uma grande cama num canto.
— “É disso que estou precisando,” disse ele, e deitou nela. Quando ele ia fechar os olhos, todavia, a cama começou a andar sozinha, e percorreu todo o castelo.
— “Muito bem,” disse ele, “vamos rápido.” Então, a cama continuava a deslizar como se seis cavalos estivessem atrelados a ela, pra cima e pra baixo, pelas soleiras e pelas escadas, mas de repente, hop, hop, ela virou de cabeça para baixo, e montou nele como se fosse uma montanha. Mas ele lançou colchas e travesseiros pelo ar, saiu e disse:
— “Agora quem quiser, que dirija,” e se deitou perto do fogo, e dormiu até quando o dia amanheceu. De manhã o rei chegou, e quando viu que o jovem estava deitado no chão, o rei pensou que os maus espíritos o haviam matado e ele estava morto. Então, ele disse:
— “Que pena que ele morreu, afinal de contas ele era um rapaz bonito.” O jovem ouviu isso, se levantou e disse:
— “Ainda não é chegada a minha hora.” Então, o rei ficou surpreso, mas muito contente, e perguntou como ele tinha passado a noite.
— “Muito bem,” respondeu ele, “se passei uma noite, as duas outras irão passar também.” Então, ele foi até o estalajadeiro, que ficou de olhos arregalados, e disse:
— “Eu jamais esperava vê-lo vivo novamente! Será que você já aprendeu a ter medo?” — “Não,” disse ele, “não adiantou nada. Ah, se alguém pudesse me ensinar!”
Na segunda noite ele voltou ao velho castelo, se sentou perto do fogo, e mais uma vez começou a sua velha ladainha:
— “Ah se seu pudesse ter medo!” Quando chegou meia-noite, gritos e barulhos de coisas sendo derrubadas foram ouvidos, a princípio o barulho era baixo, mas ficava cada vez mais alto. De repente tudo ficou calmo por um instante, e finalmente ouviu-se um grito estridente, metade de um homem apareceu na chaminé e caiu na frente dele.
— “Opa!,” exclamou ele, “deve haver a outra metade. Isto é muito pouco!” Então, os gritos começaram novamente, ouviu-se rugidos e gemidos, e a outra metade caiu também.
— “Espere,” disse ele, “eu vou atiçar o fogo um pouco para você.” E depois de fazer isso ele olhou em volta novamente, e as duas metades haviam se juntado, e um homem assustador estava sentado no seu banco.
— “Isso não faz parte do nosso trato,” disse o jovem, “o banco é meu.”
O homem quis empurrá-lo, o jovem, todavia, não permitiu, mas o empurrou com todas as suas forças, e se sentou novamente no banco. De repente, mais homens começaram a cair, um depois do outro, nove pernas de homens mortos e duas caveiras foram trazidas, foram arranjadas e começaram a brincar jogo de dos nove palitos com elas. O jovem também quis brincar e disse:
— “Ouçam, será que eu também posso brincar?”
— “Sim, se você tiver dinheiro.”
— “Bastante dinheiro,” respondeu ele, “mas as bolas de vocês não são bem redondas.” Então, ele pegou as caveiras e as colocou no torno e as girou até que estivessem redondas.
— “Agora, sim, elas vão rolar melhor!” disse ele.
— “Viva! agora vai ser legal!” Ele brincou com os visitantes e perdeu um pouco de dinheiro, mas quando bateu meia noite todos desapareceram diante dele.
Ele se deitou e tranquilamente caiu no sono. Na manhã seguinte o rei veio para ter notícias dele.
— “Como é que você passou a noite desta vez?” perguntou ele.
— “Fiquei brincando a noite inteira o jogo dos nove palitos”, respondeu ele, “e perdi alguns centavos.”
— “Então, você sentiu medo?”
— “Sentiu o quê?” disse ele, “eu fiquei é feliz. Ah se seu soubesse o que é ter medo!”
Na terceira noite ele se sentou novamente em seu banco e disse muito triste:
— “Ah se seu soubesse o que é ter medo!”. Quando ficou tarde, apareceram seis homens altos e trouxeram um caixão. Então, ele disse:
— “Ra, ra, esse aí deve ser o meu primo, que morreu alguns dias atrás,” fez um gesto convidativo e exclamou:
— “Venha, priminho, venha.” Eles colocaram a caixa mortuária no chão, mas o jovem foi até ela e levantou a tampa, e no caixão havia um defunto.
Ele passou a mão na cara do defunto, mas ele estava frio como gelo.
— “Espere,” disse ele, “eu vou aquecer você um pouquinho,” e foi até a fogueira, esquentou a sua mão, e a colocou no rosto do cadáver, mas ele permanecia frio. Então, ele o tirou para fora, se sentou perto do fogo, e o colocou de bruços e esfregou os seus braços para que o sangue pudesse circular novamente. Como isso não deu resultado, ele pensou consigo mesmo:
— “Quando duas pessoas se deitam juntas na cama, elas aquecem uma a outra,” e o carregou para a cama, cobriu o cadáver, e se deitou ao lado dele. Depois de algum tempo o cadáver começou a se aquecer também, e começou a se mexer. Então, o jovem disse:
— “Veja, priminho, viu como eu te aqueci?” O defunto, todavia, se levantou e gritou:
— “Agora eu vou te estrangular.”
— “O quê!” disse ele, “é assim que você me agradece? Entre imediatamente no teu caixão agora mesmo,” e ele pegou o cadáver, o colocou dentro do caixão, e fechou a tampa. Então, apareceram seis homens e o levaram embora novamente.
— “Eu não consigo saber o que é ter medo,” disse ele, “acho que nunca vou saber o que é isso enquanto viver.”
Então, um homem que era mais alto que os outros entrou, e tinha um aspecto assustador. Ele era velho, e todavia, tinha uma barba longa e branca.
— “Seu desgraçado,” gritou ele, “agora você vai saber o que é ter medo, porque você irá morrer.”
— “Vai devagar,” respondeu o jovem.
— “Se eu tenho de morrer, eu tenho que me preparar para isso.”
— “Eu vou te pegar,” disse o fantasma.
— “Calma, calma, não queira aparecer. Eu sou tão forte quanto você, e talvez até mais forte.”
— “Veremos,” disse o velho. “se você é mais forte, te deixo ir — venha, vamos fazer um teste.” Então, o velho o levou por corredores escuros até a fornalha de um ferreiro, pegou um machado, e num só golpe enterrou a bigorna no chão.
— “Posso fazer melhor ainda,” disse o jovem, e foi até a outra bigorna. O velho ficou perto e queria ver, e sua barba longa e branca ficava pendurada.
Então, o jovem pegou o machado, partiu em dois a bigorna e ao mesmo tempo cortou a barba do velho.
— “Agora eu te peguei,” disse o jovem. “Agora é você que tem de morrer.” Então, ele pegou uma barra de ferro e golpeou o velho até ele gemer e pedir pra parar, prometendo muitas riquezas para o jovem. Este puxou o machado e o soltou. O velho o levou de volta para o castelo, e numa sala haviam três caixas cheias de ouro.
— “Destas,” disse ele, “uma parte é para os pobres, a outra é para o rei, e a terceira é para ti.”
E nesse instante bateu meia noite, e o espírito desapareceu, e o jovem ficou na escuridão.
— “Eu ainda saberei encontrar a minha saída,” disse ele, e tateando, ele encontrou o caminho até a sala, e lá dormiu perto do fogo. Na manhã seguinte o rei apareceu e disse:
— “Agora deve ter aprendido o que é ter medo?”
— “Não,” respondeu ele, “o que será isso? Meu primo que morreu apareceu aqui, e um homem barbudo veio e me mostrou um monte de dinheiro lá embaixo, mas nenhum deles me disse o que é ter medo.”
— “Então,” disse o rei, “você libertou o castelo, e deverá se casar com a minha filha.”
— “Tudo está certo,” disse ele, “mas eu ainda não sei o que é ter medo!”
Então, o ouro foi trazido e o casamento foi celebrado, mas o jovem rei, por mais que ele amasse a sua esposa, e por mais feliz que se sentisse, ele ainda dizia sempre:
— “Ah, se eu conseguisse ter medo — Ah, se eu conseguisse ter medo.” Até que a sua esposa começou a ficar irritada com isso. A dama de companhia dela disse:
— “Eu tenho uma solução para isso, ele logo vai saber o que é ter medo.” Ela foi até o riacho que passava pelo jardim, e mandou que um balde cheio de peixes gobiões fosse trazido até ela.
A noite quando o jovem rei estivesse dormindo, sua esposa devia tirar as roupas dele e esvaziar o balde de água fria com os gobiões em cima dele, de modo que os peixinhos ficando pulando em torno dele. Quando ela fez isto, ele acordou e gritou:
— “Oh, o que me faz sentir tanto medo assim? — o que me faz sentir tanto medo assim, minha querida esposa? Ah, agora eu sei o que é ter medo!”
Conto dos Irmãos Grimm
A PROTEGIDA DE MARIA / A FILHA DO LENHADOR
Perto de uma imensa floresta vivia um lenhador junto com sua esposa, que tinha apenas uma única filha, que era uma garotinha com três anos de idade. Eles eram, entretanto, tão pobres que nem o pão de cada dia eles tinham para comer, e não sabiam como conseguir comida para a filha. Um dia de manhã, o lenhador saiu preocupado para o seu trabalho na floresta, e enquanto ele estava cortando lenha, subitamente apareceu diante dele uma mulher alta e bela, como uma coroa de estrelas que cintilavam em sua cabeça, e que disse a ele:
— “Eu sou a Virgem Maria, mãe do menino Jesus. Você é pobre e necessitado, traga a tua filha para mim, eu vou levá-la comigo e serei a mãe dela, e cuidarei dela.”
O lenhador obedeceu, trouxe a sua filha, e a deu para a Virgem Maria, que a levou com ela para o céu. Lá, a criança passava bem, comia pães doces, e bebia leite com açúcar, e suas roupas eram de ouro, e os anjinhos brincavam com ela. E quando ela tinha quatorze anos de idade, a Virgem Maria a chamou um dia e disse: “— Querida filhinha, eu preciso fazer uma longa viagem, então, e ficarão sob tua guarda as chaves das treze portas do céu.
Doze destas você poderá abrir, e contemplar toda a glória que há dentro delas, mas a décima terceira chave, que é esta que está aqui, você não deverá abrir. Se você abrir esta porta, ele trará muita infelicidade para você.” A garota prometeu ser obediente, e quando a Virgem Maria saiu, ela começou a examinar as habitações do reino dos céus. Todo dia ela abria uma delas, até que ela completou a volta com as doze chaves.
Em cada uma delas havia um dos Apóstolos cercado por uma grande luz, e ela se regozijava diante de tanto brilho e de tanto esplendor, e os anjinhos que sempre a acompanhavam ficavam felizes com ela. Então, a porta proibida era a única que faltava, e ela ficou muito curiosa em saber o que poderia estar oculto dentro dela, e disse para os anjos:
— “Não vou abrir essa porta, nem entrar dentro dela, mas eu irei abri-la só um pouquinho para ver através da abertura.”
— “Oh não,” disseram os anjinhos, “isso seria um pecado. A Virgem Maria proibiu isso, e isso poderia causar uma grande infelicidade para você.” Então, ela ficou em silêncio, mas o desejo em seu coração era maior que a própria vontade, e isso a corroía, e a atormentava, e não deixava que ela descansasse. E uma vez, quando todos os anjos haviam saído, ela pensou:
— “Agora, eu estou sozinha, e eu poderia dar uma olhadela. Se eu fizer isso, ninguem nunca ficará sabendo.”
Ela procurou a chave, e quando ela a pegou em sua mão, ela colocou na fechadura, e quando ela enfiou a chave na fechadura, ela a girou. Então, a porta se abriu, e ela viu lá dentro a Trindade sentada no meio de um grande fogo e com grande esplendor. Ela ficou lá por algum tempo, e olhava para tudo com assombro, então, ela tocou um pouco a luz com o seu dedo, e o seu dedo ficou coberto de ouro.
Imediatamente ela ficou possuída de um medo muito grande. Ela fechou a porta com força, e fugiu dali. O pavor que ela sentiu não diminuía, e qualquer coisa que fizesse, o seu coração batia descompassadamente e não havia como acalmá-lo, o ouro permanecia revestindo o seu dedo, e não saía de jeito nenhum, mesmo que ela esfregasse bem forte e o lavasse bastante.
Pouco tempo depois a Virgem Maria retornou de viagem. Ela chamou a garota diante dela, e pediu para que a garota devolvesse as chaves do céu. Quando a menina havia lhe dado o molho de chaves, a Virgem olhou os olhos dela e perguntou:
— “Você abriu a décima terceira porta também?”
— “Não,” ela respondeu. Então, ela pôs a mão no coração da garota, e viu que o coração da menina batia muito forte, e percebeu imediatamente que ela tinha desobedecido as suas ordens e tinha aberto a porta proibida.
Então, ela perguntou novamente:
— “Tens certeza de que não fizeste isso?”
— “Sim,” disse a garota pela segunda vez. Então, ela viu o dedo que tinha ficado de ouro ao tocar o fogo do céu, e percebeu que a garota tinha pecado, e perguntou pela terceira vez.
— “Não fizeste mesmo isso?”
— “Não,” disse a garota pela terceira vez.
Então, a Virgem Maria disse:
— “Você me obedeceu, e além disso, você mentiu para mim, portanto, você não é mais digna de ficar no céu.”
Nesse momento, a garota caiu em sono profundo, e quando ela acordou, ela estava lá em baixo na Terra, e no meio de um deserto. Ela quis gritar, mas a sua voz não saía. Ela pulava e queria correr, mas, para onde quer que ela se virasse, era detida continuamente pelas cercas de espinho que ela não conseguia atravessar. No deserto, onde ela fora aprisionada, havia uma árvore oca, e esta árvore oca passou a ser a casa dela.
Diante disto, quando a noite chegou, ela se arrastou até a árvore e ali ela dormiu. Ali, também, ela encontrou abrigo contra a tempestade e contra a chuva, mas essa era uma vida infeliz, e ela chorou amargamente quando ela se lembrava de como ela tinha sido feliz no céu, e de quando os anjinhos brincavam com ela. Raízes e frutas selvagens eram tudo o que ela tinha para comer, e onde quer que ela fosse era isso que ela procurava. No outono, ela apanhava as castanhas e as folhas que caíam e as levava para o buraco.
Comia as castanhas como alimento no inverno, e quando a neve e o gelo chegaram, ela se arrastava por entre as folhas como animal abandonado para que não morresse congelada. Não se passou muito tempo e suas roupas estavam todas rasgadas, e um pedacinho após o outro foram caindo aos poucos. No entanto, assim que o sol voltava a brilhar e a aquecer, ela saía e ficava sentada em frente da árvore, e os seus cabelos cobriram todo o seu corpo como se fosse uma manta.
Assim ela ficou, ano após ano, e sentia a dor e a desgraça do mundo. Um dia, quando as árvores se vestiram novamente de folhas verdes e frescas, o rei daquele país estava caçando na floresta, e seguia um cabrito montês, e como o cabrito havia se refugiado numa clareira que se abrira num pedaço da floresta, ele desceu do cavalo, e foi arrancando o mato, e abria caminho com a sua espada. Quando finalmente ele chegou do outro lado, o rei viu uma garota maravilhosamente linda sentada debaixo da árvore, e ela estava sentada lá e estava inteiramente coberta com seus cabelos dourados até os pés.
Ele ficou parado e olhou para ela todo admirado, então, ele falou com ela e disse:
— “Quem é você? Porque você está sentada aí no deserto?” Mas ela não respondeu, porque ela não conseguia abrir a boca. O rei continuou,
— “Você irá para o castelo comigo?” Então, ela mexeu um pouco com a cabeça.
O rei a pegou nos braços, levou-a até o cavalo, e foi com ela para casa, e tendo chegado no castelo real, ele providenciou para que a vestissem com belos vestidos, e deu a ela todas as riquezas que ele tinha com abundância. Embora ela não pudesse falar, ela era, no entanto, tão bela e encantadora que ele começou a se apaixonar por ela de todo o coração, e pouco tempo depois ele se casou com ela.
Um ano ou mais havia se passado e a rainha ficou grávida e teve um filho. Então, a Virgem Maria apareceu para ela à noite, quando ela estava dormindo sozinha, e disse:
— “Se disseres a verdade e confessares que tu abriste a porta proibida, eu abrirei a tua boca, e tu voltarás a falar, mas se perseverares no pecado, e negares com obstinação, eu levarei o recém-nascido comigo.”
Então, foi permitido que a rainha respondesse, mas ela permaneceu inflexível e disse:
— “Não, eu não abri a porta proibida.” E a Virgem Maria pegou o recém-nascido dos seus braços, e foi embora com ele. Na manhã seguinte, quando a criança não havia sido encontrada, houve um boato entre as pessoas de que a rainha era uma devoradora de carne humana, e que tinha matado o próprio filho. Ela ouvia tudo isto e não podia dizer nada ao contrário, mas o rei não acreditou nessa história, porque ele a amava muito.
Um ano se passou e a rainha deu a luz a um menino, e a noite a Virgem Maria apareceu novamente para ela, e disse:
— “Se confessares que tu abriste a porta proibida, eu te darei o filho de volta e soltarei a tua língua, porém, se insistires no pecado e negares novamente, eu levarei comigo este menino também.”
Então, a rainha disse novamente,
— “Não, eu não abri a porta proibida,” e a Virgem levou a criança dos braços dela e foi para o céu com ela. Na manhã seguinte, após o desaparecimento desta criança, as pessoas diziam abertamente que a rainha havia devorado a criança, e os conselheiros do rei exigiam que ela fosse trazida à justiça. O rei, todavia, a amava tanto que ele não acreditava que isso fosse possível, e ordenou para que os conselheiros não falassem mais sobre este assunto sob pena de morte.
No ano seguinte a rainha deu à luz uma bela menina, e pela terceira vez a Virgem Maria apareceu para ela, durante a noite, e disse:
— “Siga-me.” Ela pegou a rainha pela mão, e a levou para o céu, e mostrou para ela os seus dois filhos mais velhos, que sorriram para ela, e que estavam brincado com o globo terrestre.
A rainha alegrou-se com isto, e a Virgem Maria disse:
— “O teu coração não amoleceu ainda? Se admitires que abriste a porta proibida, eu te darei de volta os teus dois filhos” Mas pela terceira vez a rainha respondeu:
— “Não, eu não abri a porta probida.” Então, a Virgem fez com que ela descesse à Terra mais uma vez, e tomou dela também o seu terceiro filho.
Na manhã seguinte, quando o desaparecimento da menina corria por toda parte, as pessoas gritavam em voz alta,
— “A rainha come carne humana! Ela precisa ser julgada,” e o rei não conseguia mais controlar os seus conselheiros. Então, um tribunal foi formado, e como ela não podia responder, e nem se defender, ela foi condenada a ser queimada viva.
Quando toda a lenha havia sido juntada, e quando ela estava bem amarrada a um poste, e o fogo começou a queimar em volta dela, a pedra do seu orgulho se derreteu, o seu coração foi tomado de arrependimento, e ela pensou:
— “Se eu pudesse pelo menos confessar no momento da morte que eu abri a porta.” Então, ela conseguiu falar novamente, e gritou em voz alta:
— “Sim, Maria, fui eu que abri a porta”, e imediatamente a chuva caiu do céu e extinguiu todas as chamas do fogo, e uma luz se irradiou em cima da sua cabeça, e a Virgem Maria desceu com os dois filhos de lado e a filha recém nascida em seus braços. A Virgem Maria falava generosamente com ela, e disse: — “Aquela que se arrepende de seus pecados e reconhece os seus erros, merece ser perdoada.” Então, ela lhe devolveu as três crianças, soltou a língua dela, e de presente lhe deu a felicidade para toda a sua vida.
Conto dos Irmãos Grimm
GATO E RATO EM SOCIEDADE
Um gato tinha feito amizade com um rato, e o gato tinha falado muito ao rato sobre o carinho e a amizade que este tinha por ele, que por fim o rato concordou que eles deveriam viver e manter a casa juntos.
— Mas precisamos guardar alimentos para o inverno, ou então morreremos de fome, disse o gato, e você, ratinho, não pode ficar se arriscando por aí, ou você será pego em alguma armadilha algum dia.
O bom conselho foi seguido, e um pote de banha foi comprado, porém, eles não sabiam onde colocá-lo. Finalmente, depois de muito pensar, o gato disse:
— Não conheço melhor lugar para armazená-lo do que na igreja, pois ninguém se atreve a levar nada embora dali. Nós o colocaremos debaixo do altar, e não o tocaremos até que realmente estejamos precisando dele.
Então o pote foi colocado em segurança, mas não se passou muito tempo e o gato achou que precisava dele, e disse para o rato:
— Quero dizer-lhe uma coisa, ratinho, meu primo trouxe um filhinho para o mundo, e ele me pediu para que eu fosse o padrinho, ele é branco com manchas escuras, e eu devo segurá-lo durante o batismo. Deixe-me ir hoje e você ficará cuidando da casa sozinho.
— Sim, sim, respondeu o rato — pode ir, e se você conseguir alguma coisa muito boa, pense em mim, eu gostaria de tomar um gole de vinho doce e tinto de batismo também.
Tudo isto, no entanto, era mentira, o gato não tinha primo, e nunca havia sido convidado para ser padrinho. Ele foi direto para a igreja, roubou o pote de banha, começou a lambê-lo, e comeu toda a manteiga que ficava na parte de cima do pote. Então ele decidiu fazer um passeio pelos telhados da cidade, buscar novas oportunidades, e depois ficou esticado no sol, e lambia os bigodes sempre que pensava no pote de banha, e somente quando anoiteceu é que ele voltou para casa.
— Bem, você está aqui de volta, disse o rato, — sem dúvida você teve um dia alegre.
— Tudo foi bem, respondeu o gato.
— Que nome foi dado para a criança?
— Em cima já era! disse o gato bem tranquilamente.
— Em cima já era? gritou o rato, — esse é um nome muito original e incomum, ele é comum na sua família?
— O que significa isso? disse o gato, — não é pior do que Ladrão de migalhas, como chamam os seus afilhados.
Não passou muito tempo e o gato foi tomado por um outro acesso de saudade. Ele disse para o rato:
— Você precisa me fazer um favor, e mais uma vez administrar a casa sozinho por um dia. Fui novamente convidado para ser padrinho, e, como a criança tem um anel branco ao redor do pescoço, não posso recusar. O bom rato concordou, mas o gato subiu por trás das paredes da cidade e foi até a igreja, e devorou metade do pote de banha.
— Não há nada melhor do que algo que se guarda para si mesmo, disse ele, e estava muito satisfeito pelo seu dia de trabalho. Quando ele chegou em casa o rato perguntou:
— E com que nome a criança foi batizada?
— Metade já foi, responde o gato.
— Metade já foi? O que você está dizendo? Nunca ouvi esse nome em minha vida, aposto qualquer coisa que ele não está no calendário!
A boca do gato logo começou a verter água por mais algumas lambidas.
— Todas as coisas boas acontecem três vezes, disse ele, — fui convidado para ser novamente padrinho. A criança é bem negra, tem apenas as patas branquinhas, mas só essa diferença, ela não tem um único pelo branco em todo o corpo, e isso acontece apenas uma vez todos os anos, você vai me deixar ir, não vai?
— Em cima já era!, Metade já foi! Respondeu o rato, — esses são nomes estranhos, e me fazem ficar preocupado.
— Você fica em casa, disse o gato, — com seu fraque de pele cinza escuro e de cauda longa, e fica imaginando coisas, é por isso que você não sai durante o dia. Durante a ausência do gato o rato limpou a casa, e colocou tudo em ordem, mas o gato guloso esvaziou totalmente o pote de banha.
— Quando tudo tiver acabado eu vou conseguir sossegar um pouco, disse para si mesmo, e bem alimentado e gordo ele não voltou para casa até o anoitecer. O rato de imediato perguntou qual era o nome que haviam dado para a terceira criança.
— Ele não vai lhe agradar mais do que os outros, disse o gato.
— Ele se chama Acabou tudo.
— Acabou tudo? gritou o rato, — esse é o nome mais bizarro que eu já vi! Nunca vi esse nome nem impresso. Acabou tudo, o que isso pode significar? E ele balançou a cabeça, se enrolou todo, e deitou para dormir.
Desse dia em diante ninguém convidou o gato para ser padrinho, mas quando o inverno chegou e não havia mais comida fora para comer, o rato se lembrou do que tinham guardado, e disse:
— Venha aqui, gatinho, iremos até o nosso pote de banha que nós guardamos em caso de emergência — e vamos nos deliciar com ele.
— Sim, respondeu o gato, — você irá se deliciar assim como você se delicia colocando a sua língua delicada para fora da janela. Saíram em seguida, mas quando chegaram, o pote de banha certamente ainda estava no lugar, mas estava vazio.
— Meu Deus, disse o rato, — agora estou vendo o que aconteceu, agora tudo ficou bem claro! Você sim é um verdadeiro amigo! Você devorou todo ele quando você foi convidado para ser padrinho. Em cima já era, depois Metade já foi e depois…
— Quer segurar a sua língua, — gritou o gato, — nem mais uma palavra, ou eu comerei você também.
— Acabou tudo — e já estava com o pobre rato nos lábios, mal ele tinha falado isso quando o gato pulou em cima do pobre rato, cercou-o e o engoliu todinho.
— É, meus amigos, esses são os caminhos do mundo.
Conto dos Irmãos Grimm
O REI SAPO / HENRIQUE DE FERRO
Em muitos tempos remotos, quando ainda os desejos podiam ser realizados, houve um Rei cujas filhas eram muito bonitas.
A caçula, sobretudo, era tão linda que até o sol, que já vira tantas e tantas coisas, extasiava-se quando projetava os raios naquele semblante encantador.
Perto do castelo do Rei, havia uma floresta sombreada e, na floresta, uma frondosa tília, à sombra da qual existia uma fonte de águas cristalinas. Nos dias em que o calor se fazia sentir mais intenso, a princesinha refugiava-se nesse recanto e, sentada à margem da fonte, distraía-se brincando com uma bola de ouro, que atirava ao ar e apanhava agilmente entre as mãos; era o seu jogo predileto.
Certo dia, porém, quando assim se divertia, a bola fugiu-lhes das mãos, rolando para dentro da água. A princesa, desapontada, seguiu-lhe a evolução, mas a bola sumiu na água da fonte, que era tão profunda que não se lhe via o fundo. Desatou, então, a chorar inconsolavelmente . E, eis que, em meio dos lamentos, ouviu uma voz perguntar-lhe:
– Que tens, linda princesinha? Qual a razão desse pranto desolado, que comove até as pedras?
Ela olhou para todos os lados a fim de descobrir de onde provinha essa voz e deparou com um sapo, que estendia para fora da água a disforme cabeça.
– Ah! És tu, velho patinhador? – disse a princesa. – Estou chorando porque perdi minha bola de ouro, que desapareceu dentro da água.
– Ora, não chores mais! – volveu o sapo. – Vou ajudar-te a recuperá-la. Mas que me darás em troca, se eu trouxer tua bola?
– Tudo o que quiseres, bondoso sapo. Eu te darei meus vestidos, minhas pérolas e minhas joias preciosas: até mesmo a coroa de ouro que tenho na cabeça, – respondeu alvoroçada a princesa.
– Nada disso eu quero; nem teus vestidos, nem tuas joias, nem tampouco tua coroa de ouro. Outra coisa quero de ti. Quero que me queiras bem, que me permitas ser teu amigo e companheiro de folguedos. Quero que me deixes sentar contigo à mesa e comer no teu pratinho de ouro e beber no teu copinho. À noite me deitarás junto de ti, na tua caminha. Se me prometeres isto tudo. descerei ao fundo da fonte e trar-te-ei a bola de ouro, – propôs o sapo.
– Oh! sim, sim! – retorquia ela; – prometo tudo o que quiseres, contando que me tragas a bola.
Pensava, porém, de si para si: “O que e que está pretendendo este sapo tolo, que vive na agua coaxando com os seus iguais? Jamais poderá ser o companheiro de uma criatura humana!”
Confiando, pois, na promessa que lhe fora feita, o sapo mergulhou, reaparecendo, daí a pouco, com a bola de ouro, que atirou delicadamente ao gramado. A princesinha, radiante de alegria por ter recuperado o lindo brinquedo, agarrou-o e deitou a correr para casa.
– Espera! Espera! – gritava o pobre sapo; – leva- me contigo, pois não posso correr como tu!
De nada lhe valia, porém, gritar com todas as forças dos pulmões o aflito “quac, quac, quac”; a filha do Rei não lhe deu a menor atenção, correu para o palácio, onde não tardou a esquecer o pobre bichinho e a promessa que lhe fizera no momento de apuro.
No dia seguinte, quando se achava tranquilamente à mesa com o Rei e toda a corte, justamente quando comia no seu pratinho do ouro, ouviu: – “plisch, plasch, plisch, plasch,” algo subindo a vasta escadaria de mar more, avançando até chegar diante da porta. Ali bateu, gritando:
– Filha do Rei, caçula, abre a porta!
Ela correu a ver quem assim a chamava. Mas, ao abrir a porta, viu à sua frente o pobre sapo. Fechou-a, rapidamente, e voltou a sentar-se à mesa, com o coração aos pulos. O Rei, que a observara, percebeu o palpitar de seu coração. Perguntou:
– Que tens, minha filhinha? Há, por acaso, algum gigante aí fora querendo levar-te?
Oh! não. Não é nenhum gigante, apenas um sapo horrível, – respondeu, ainda pálida, a princesa.
– E o que deseja de ti?
Meio constrangida ela contou o que se passara:
– Meu paizinho querido, ontem, quando brincava com a bola de ouro junto à fonte, lá na floresta, ela caiu-me das mãos e rolou para dentro da fonte. Desatei a chorar e a lastimar-me, quando, de repente, vi surgir esse sapo feio que se ofereceu para auxiliar-me. Exigiu, porém, minha promessa de gostar dele, tomá-lo como amigo e companheiro de folguedos; eu, ansiosa por reaver a bola, prometi tudo o que me pediu, certa de que ele jamais conseguisse viver fora da água. Ei-lo aí, agora, querendo entrar e ficar a meu lado!
Entrementes, ouviu-se bater, novamente, à porta e a voz insistir:
– Filha do Rei, caçula,
abre-me a poria.
Não esqueças a promessa
que me fizeste tão depressa
junto à fonte da floresta.
Filha do Rei, caçula,
abre-me a porta!…
O Rei disse, então, à filha:
– Aquilo que prometeste deves cumprir. Vai, pois, abre a porta e deixa-o entrar.
A princesa não teve remédio senão obedecer. Quando abriu a porta, o sapo pulou rapidamente para dentro da sala e, juntinho dela, foi saltitando até sua cadeira. Uma vez aí, pediu:
– Ergue-me, coloca-me à tua altura.
A princesa relutava contrariada, mas o Rei ordenou que obedecesse.
Assim que se viu sobre a cadeira, o sapo pediu para subir na mesa, dizendo:
– Aproxima de mim teu pratinho de ouro para que possamos comer juntos.
Muito a contragosto a princesinha acedeu; mas, enquanto o sapo se deliciava com as finas iguarias, ela não conseguia engulir os bocados que lhe ficavam atravessados na garganta. Por fim, ele disse:
– Comi muito bem, estou satisfeitíssimo. Sinto-me, porém, muito cansado, leva-me para teu quarto, prepara tua caminha de seda e deitemo-nos, sim?
Ante essa nova exigência, a princesa não se conteve e desatou a chorar. Sentia horror em tocar aquela pele gélida e asquerosa do sapo e, mais ainda, ter de dormir com êle em sua linda caminha alva, de lençóis de seda. O Rei, porém, zangando-se, repreendeu-a:
– Não podes desprezar quem te valeu no momento de aflição.
Não vendo outra alternativa, a princesinha armou-se de coragem, agarrou com a ponta dos dedos o sapo repelente, carregou-o para o quarto, onde o atirou para um canto, decidida a ignorá-lo definitivamente. Pouco depois, quando já deitada, dispunha-se a dormir, viu-o aproximar-se saltitando:
– Estou cansado, quero dormir confortavelmente como tu. Ergue-me, deixa-me dormir junto de ti, se não chamarei teu pai.
A princesinha, então, cheia de cólera, agarrou-o e, com toda a força, atirou-o de encontro à parede.
– Agora te calarás, sapo imundo, e me deixarás finalmente em paz!
Mas, oh! Que via? Ao estatelar-se no chão, o sapo imundo, que, por vontade do pai era seu amigo e companheiro, transformou-se, assumindo as formas de um belo príncipe de olhos meigos e carinhosos. Contou-lhe ele, então, como havia sido encantado por uma bruxa má e que ninguém, senão ela, a princesinha, tinha o poder de desencantá-lo.
Combinaram, ainda, que, no dia seguinte, partiriam para seu reino.
Em seguida, adormeceram. Quando a aurora despontou e o sol os despertou, chegou uma belíssima carruagem atrelada com oito esplêndidos corcéis alvos como a neve, de cabeças empenachadas com plumas de avestruz e ajaezados de ouro. Vinha, atrás, o fiel Henrique, escudeiro do jovem Rei.
O fiel Henrique ficara tão aflito quando seu amo fora transformado em sapo, que mandara colocar três aros de ouro em volta do próprio coração, para que este não arrebentasse de dor. Agora, porém, a carruagem ia levar o jovem Rei de volta ao reino. O fiel Henrique fê-lo subir com a jovem esposa e sentou-se atrás, cheio de alegria por ver o amo enfim liberto e feliz.
Quando haviam percorrido bom trecho de caminho, o príncipe ouviu um estalo, como se algo na carruagem se tivesse partido. Voltou-se e gritou:
– Henrique, a carruagem está quebrando!
– Não, meu Senhor, a carruagem não;
é apenas um aro do meu coração.
– Ele estava imerso na aflição,
quando, em sapo transformado,
estáveis na fonte, abandonado.
Duas vezes ainda, ouviu-se o estalo durante a viagem e, de cada vez, o príncipe julgou que se quebrava a carruagem. Mas Henrique tranquilizou-o explicando que apenas os aros se haviam quebrado, saltando-lhe do coração, pois que, agora, seu amo e Senhor estava livre e feliz.
Conto dos Irmãos Grimm
URIEL, O ARCANJO MAIS DESCONHECIDO
“A humanidade não encontrará o seu verdadeiro destino se faltar sequer uma só alma, enquanto a dignidade humana não estiver garantida a todos os semelhantes.”
Muitos dos amigos que consideram o futuro do impulso social antroposófico em relação ao resto da humanidade podem ter se perguntado: por que Rudolf Steiner nos deu tantos insights sobre o ser de Micael e mencionou o Arcanjo Uriel apenas duas vezes – em 1923 no fim de sua vida?
O Livro de Enoque – um dos livros sagrados dos essênios – revela que Uriel foi fundamental na condução do curso da história. Uriel é o arcanjo conectado com Saturno. Ele também era o espírito que governava o tempo na época do nascimento de Cristo. Ele se tornará novamente o Arcanjo regente por volta do ano 2300.
Com Uriel, aprenderemos a observar não apenas o passado, mas também o futuro distante. Vamos nos abrir não apenas para o estreito horizonte da Terra, mas também para o grande horizonte de Saturno a Vulcano.
Emerson escreveu um poema inteiro sobre Uriel. Ele nos ensina que Uriel possuía uma sabedoria tão vasta que até mesmo as hostes angelicais estremeceram ao ouvi-lo pronunciar as palavras:
“O mal abençoará e o gelo queimará.”
Pelas palestras de Rudolf Steiner, sabemos que a inteligência de Uriel governa todas as atividades planetárias e zodiacais no cosmos e que no pensamento de Uriel, o pensamento cósmico está embutido. Seu olhar é severo, tornando-nos conscientes de nossas faltas e más ações, de nossa dívida cármica com o homem e a Terra. É por isso que Uriel quer que desenvolvamos uma “consciência histórica”. Enquanto Michael quer que desenvolvamos uma consciência do homem em relação ao suprassensível, Uriel quer que despertemos para uma consciência interior.
Uriel também foi chamado de Anjo da Ira. Já podemos sentir que tempos apocalípticos estão sobre nós. Deixe-nos saber que aqueles que não estão alinhados com o Divino podem experimentar Uriel como doloroso. Enquanto nos alinhamos com Uriel e seu pensamento cósmico, podemos encontrar a coragem de encontrar o futuro com uma visão mais profunda e maior vontade social. Isso significa que devemos cultivar uma atitude que tome as necessidades do outro como seu próprio ponto de partida. Essa atitude social não está nas idéias a respeito. Ela só vive nas ações sociais. A humanidade não encontrará o seu verdadeiro destino se faltar sequer uma só alma, enquanto a dignidade humana não estiver garantida a todos os semelhantes.
Alguns olharam para a vida de Steiner e viram três períodos distintos. Outros, como Harry Salman, perceberam um ritmo quádruplo nesta vida extraordinária:
Num primeiro período (1902-1909) existe um forte impulso Micaélico, onde Micael foi apresentado como o Regente do Sol e o Espírito-guia de nosso tempo. Num segundo período (1909-1916), o desenvolvimento das artes pode ser visto como ligado a Gabriel, o patrono das artes. O terceiro período (1916-1923) mostra um claro impulso de cura, uma influência Rafaélica. Os próximos sete anos começaram em 1923 com a Conferência de Natal, que pode ser vista como um evento de Pentecostes. Isso ocorreu apenas dois anos antes da morte prematura de Rudolf Steiner em 1925.
À medida que os discípulos saíram ao mundo para espalhar a Palavra após o primeiro Pentecostes, somos chamados com muitos outros a fundar uma nova cultura, baseada em princípios espirituais, e a colocar o humano (anthropos) de volta no centro do palco.
Wilfried Hammacher em seu poema “Uriel” (de sua peça “Speech and Eurythmia”) diz:
“Uriel, o guardião reinante do apogeu do verão,
Você é aquele com o olhar penetrante.
Um riacho flui de seus olhos
a luz das estrelas em repouso,
a lua errante,
as forças flamejantes do relâmpago.
Você observa e julga os ceifeiros da colheita,
nós, humanos, na terra, os usurpadores do mundo.
Você, Arcanjo Uriel, é a consciência do mundo,
o mais sábio de todos os anjos.”
Nas palavras de outro urielita, Paul Hocken:
“No caos que envolveu o mundo, há um futuro promissor, enquanto o passado se desintegra diante de nós”.
Δημητριος Περουλας
Tradução livre: Leonardo Maia
O VEGETARIANISMO E A ORGANIZAÇÃO INFERIOR DO SER HUMANO
“Ao adotar o vegetarianismo, certas forças materiais se transformarão em forças espirituais que, se não utilizadas, podem ser prejudiciais.” – Rudolf Steiner
Digamos que uma pessoa se tornou vegetariana recentemente, então o seguinte processo específico ocorrerá na organização inferior: certas forças materiais se transformarão em forças espirituais. Quando essas forças espirituais não são usadas, elas funcionam de forma prejudicial e podem até afetar negativamente a atividade cerebral.
Se essa pessoa não atuar de uma maneira diferente da de, por exemplo, um banqueiro ou um acadêmico comum, isso pode ser muito prejudicial. Ele deve aprender a utilizar as forças que se tornam disponíveis por meio de seu estilo de vida vegetariano, assimilando idéias espirituais.
Portanto, o indivíduo deve adotar um estilo de vida espiritual ao mesmo tempo em que se torna vegetariano, caso contrário, seria melhor comer carne; a memória dessa pessoa pode sofrer, certas partes do cérebro podem ser danificadas e assim por diante. Não basta comer apenas frutas para atingir o mais alto desenvolvimento espiritual.
Rudolf Steiner – GA 96 (Impulsos originais da humanidade – Berlim, 22 de outubro de 1906)
O PENSAMENTO AUTÔMATO E AS BOLHAS IDEOLÓGICAS
“Somente se você aplicar uma reflexão profunda e madura sobre as correntes arimânicas, você será capaz de apreender a gravidade da situação presente.” – Rudolf Steiner
Absorver informações sem condições de ponderação consciente, devido ao seu volume e velocidade – muita informação e atualização velocíssima que chegam ao indivíduo em tempo real devido às novas tecnologias geram a percepção de que a realidade é a própria informação, seja ela verdadeira, falsa ou distorcida. Absorve-se inconscientemente, automaticamente.
Aliado a este processo, temos as correntes ideológicas e doutrinárias que, com a ajuda tecnológica dos algoritmos das redes sociais, criam bolhas de informação que aprisionam os indivíduos em padrões de pensamento restritos. Gerando indivíduos inconscientes, autômatos (que respondem automaticamente aos estímulos coordenados) e com um pensar padronizado – um não pensar, apenas a absorção e replicação das informações disponibilizadas, sejam elas verdadeiras, falsas ou distorcidas…
As redes sociais são as ferramentas que fomentam tais bolhas ideológicas através do algoritmo que “decide” quais informações o usuário vai receber. A possibilidade de ser um processo premeditado para manipulação de grupos e da mente coletiva é grande pela simples indisponiblização de opções como a de ver todas as publicações, ou filtrá-las por data ou relevância – procedimento muito simples ocultado em tais redes.
Todo este processo tem relação direta com a atual polarização e com o impulso da crescente indiferença ao outro ser humano, principalmente aquele que não me traz benefícios diretos ou indiretos, relativização do mal e inflamação de raiva e ódio acarretados por reação autômata, principalmente por impulsos contrapostos (adversos/contrários), sejam ideológicos ou sociais (todos os tipos de relacionamentos sociais).
Todo este processo pode gerar um Impulso de moralidade imposta, contrária ao desenvolvimento da moralidade livre, nem mesmo pela imoralidade individual, mas pela sua amoralidade e inconsciência e também através da marginalização e intolerância com quem está fora do meu espectro ideológico estimulando nas pessoas a utilização de máscaras sociais para aceitação.
Leonardo Maia
LÚCIFER E OS ÓRGÃOS RESPIRATÓRIOS E DIGESTIVOS
“Onde perdemos nossa temperança, sempre entregamos nossas forças para Lúcifer.”
Onde perdemos nossa temperança, sempre entregamos nossas forças para Lúcifer. Ele leva essas forças, mas com elas também tira de nós as forças de que precisamos para os órgãos respiratórios e digestivos. Voltamos então com órgãos respiratórios e digestivos ruins, se não praticarmos a virtude da moderação. Aqueles que gostam de ser cativados pela sua vida de paixões, que se dedicam à sua vida apaixonada, são os candidatos para as pessoas decadentes do futuro, para aquelas pessoas do futuro que sofrerão com todas as deficiências possíveis de seus corpos físicos.
Rudolf Steiner – GA 159